Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | SEQUESTRO AGRAVADO CRIME DE INCÊNDIO REJEIÇÃO DO RECURSO CRIME DE PERIGO | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Sendo o arguido condenado na 1ª instância na pena de 2 anos de prisão que a Relação alterou para 3 anos e 2 meses por considerar o crime agravado e não simples como fora qualificado pela 1ª instância, o recurso para o STJ não é admissível ao abrigo do artº 400º al. e) CPP II – A rejeição parcial do recurso relativo a um ilícito impede o tribunal de conhecer das questões com ele conexas, em face do principio da cindibilidade do recurso expresso nos artºs 400º 2 e 3, e 403º CPP, dado que a irrecorribilidade, abrange todas as questões que digam respeito ao ilícito que determinou a rejeição parcial. III - O artº 272º1 CP configura um crime de perigo concreto, uma vez que a causação de “perigo” é elemento objectivo do tipo legal, ou seja, o tipo legal só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo. IV- Importando que o agente provoque ( vg. cause) incêndio, o qual deve ser qualificado “de relevo” e ser considerado como tal (e em principio, face à norma legal “ nomeadamente”) um incêndio em edifício, em que o arguido ateou fogo ao colchão, existente na residência do ofendido, que era no r/c do prédio e do qual resultou que “Houve risco de propagação do fogo às demais fracções do prédio” dado que “O arguido acendeu material combustível e acelerante, pegando fogo à cama …” V - A acção do arguido ficou completa ao atear o fogo e nada mais lhe era exigido para consumar o facto e com ela preencher os elementos típicos do ilícito de que foi acusado. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No Proc. C. C. n.º 14/24.5JBLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 2, em que é arguido AA, Foi por acórdão de 23/1/2025 foi proferida a seguinte decisão: “Em face do exposto, ao abrigo das disposições legais citadas, acordam os juízes que compõem o Tribunal Coletivo: a) Absolver o arguido da prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do CP, e art. 86º, nºs 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, de que vinha acusado. b) Absolver o arguido da prática de um crime de ofensa à integridade agravada, p. e p. pelos arts. 143º, nº 1, 145º, nº 1, a) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 1 e nº 2 al h) e j) todos do Código Penal, de que vinha acusado. c) Absolver o arguido da prática um crime de coação grave p. e p. pelos arts. 154º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), do Código Penal, de que vinha acusado. d) Absolver o arguido da prática um crime de extorsão, p. e p. pelo artigo 223º, nº 1, nº 3, al. a), por referência à alínea f) do nº 2 do artigo 204º, todos do Código Penal, de que vinha acusado. e) Absolver o arguido da prática um crime furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1, e, 204º, nº 2, al. e) do Código Penal, de que vinha acusado. f) Absolver o arguido da prática um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado. g) Condenar o arguido pela prática de um crime de sequestro, p. e p. e p. pelo art. 158º, nº 1, do CP, na pena de dois anos de prisão. h) Condenar o arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do CP, na pena de 1 ano de prisão. i) Condenar o arguido pela prática de um crime de coação, p. e p. no art. 154º, nº 1, do CP, na pena de 9 meses de prisão. j) Condenar o arguido pela prática de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º da Lei nº 109/2009, de 15 de setembro, na pena de 4 meses de prisão. k) Condenar o arguido pela prática de um furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208º, nº 1 do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão. l) Condenar o arguido pela prática de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º, nº 1, do Código penal, na pena de 9 meses de prisão. m) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido na pena única de quatro anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e com regime de prova. n) Condenar o arguido no pagamento de 3 UC de taxa de justiça e nas custas processuais (arts. 513º e 514º do CPP, e 8º, nº 9, do RCP, por referência à Tabela III).” Recorreu o Mº Pº para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando as seguintes questões: a)Saber se existiu erro na qualificação jurídica dos factos relativos ao sequestro, por desconsideração da agravação com base em tratamento cruel, degradante ou desumano; b)Saber se existiu erro na apreciação da prova quanto à prática do crime de incêndio, por se verificaram os seus elementos objectivos e subjectivos ou, pelo menos, a tentativa punível do mesmo ilícito. Por acórdão de 21/5/2025 a Relação de Lisboa proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, nos seguintes termos: a) Alterar a matéria de facto provada, aditando-se os seguintes factos, e eliminá-los da matéria de facto não provada: • Houve risco de propagação do fogo às demais fracções do prédio; • O arguido acendeu material combustível e acelerante, chegando fogo à cama de BB; • Agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo que, ademais pela utilização da substância aceleradora de chamas que fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fracção e do prédio inteiro, e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis. b) Requalificar juridicamente os factos relativos ao crime de sequestro, condenando-se o arguido pela prática de um crime de sequestro agravado, p. e p. pelos artigos 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, em substituição da condenação anterior pelo crime de sequestro simples; c) Condenar o arguido pela prática do crime de incêndio previsto e punido pelo artº. 272º, nº 1 do CP na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; d) Em cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão.” Recorre ora o arguido para este Supremo Tribunal, o qual no final da sua motivação apresenta as seguintes conclusões: “1-Constitui objeto do presente recurso o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 2-O Tribunal da Relação de Lisboa, concederam provimento ao Recurso interposto pelo Ministério Público, revogando parcialmente a decisão recorrida, nos seguintes termos: 3-Alterar a matéria de facto provada, aditando-se os seguintes factos e eliminá-los da matéria de facto não provada. 4- Houve risco de propagação do fogo às demais frações do prédio. 5-O arguido acendeu material combustível e acelerante chegando fogo á cama de BB. 6-Agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo que, ademais pela utilização da substância aceleradora de chamas que fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fração e do prédio inteiro, e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis. 7-Requalificar juridicamente os factos relativos ao crime de sequestro, condenando-se o arguido pela prática de um crime de sequestro agravado, p.e p. pelos arts. 158, nº 1 e 2, alínea b) do Código Penal em substituição da condenação anterior pelo crime de sequestro simples; 8- Condenar o arguido pela prática do crime de incêndio previsto e punível pelo arts. 272, nº 1 do CP na pena de 3 anos e dois de prisão. 9- Em cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, nos termos do artº. 77, nº 1 e 2 do Código Penal, condenar o arguido na pena única de cinco anos e dois meses de prisão. 10- O douto acórdão da qual se corre é que qualifica erradamente o crime de sequestro, uma vez que a agravante foi-lhe retirada, porque a agravação era com arma de fogo e, a arma não era apta a disparar, daí que o tribunal "a quo", arredou-a agravante, pois tratava-se de uma réplica de beretta e não de uma verdadeira arma. 11- O Douto tribunal da Relação de Lisboa, forçou a norma da recorrência do Ministério Público, dizendo que há e se verificou da matéria provada que houve tratamento cruel e desumana. 12- O tratamento cruel e desumana não se provou da decisão de primeira instância, -nem percorrendo outros acórdãos e doutrinas, chegou-se à conclusão que a bola de cão e ao segurá-la com fita adesiva envolta da cabeça, estas pequenas brutalidades não se podem dizer que são ofensivas da dignidade humana e viola o declaração universal dos direitos humanos, a declaração europeia dos direitos humanos e ainda a constituição da república portuguesa. 13- O Douto acórdão do Tribunal "a Quo" não violou o artº 158, nº 1 e 2 alínea b) do CP., nem qualquer outro normativo dos outros diplomas acima referenciados e no corpo do recurso. 14-O Douto Acórdão , ora que se recorre a que ao fazê-lo está a imprimir forças aos factos provados e não provados que não existem. As práticas levadas a cabo pelo arguido não excederam o mínimo necessário para levar a cabo a privação da liberdade do crime de sequestro. Não houve nenhum aviltamento na pessoa do ofendido, nenhuma indiferença perante a pessoa do ofendido, pelo contrário, o arguido tirou-lhe a bola da boca, deu-lhe água de beber e comida à boca, posteriormente fez tratamento dos cortes com que ofendido se magoou ao partir a lamina da faca, propriedade do ofendido. 15-Tratamento cruel e desumano é algo diferente daquilo que o recorrente praticou, outras ações mais gravosas e degradantes. 16-Pois o objetivo do recorrente era de afastamento e não de magoar, ofender a dignidade da vítima. 17-Pelo que a requalificação jurídica dos factos imposta pelo Douto Acórdão da Relação, condenando-se o recorrente pelo crime de sequestro agravado, nos termos do artº.158, nº 1 e 2 , alínea b) do Código penal, em substituição de um crime de sequestro simples da condenação anterior é que se revela bastante degradante e desumana para o recorrente, porque o arguido passa a ser condenado de uma pena de prisão efetiva de cinco anos e dois meses, em substituição de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova. 18-Em suma se o Acórdão ora recorrido for procedente, o recorrente em vez de uma pena de 4 anos suspensa na sua execução vai para a prisão cinco anos e dois meses. 19- Não pode o recorrente concordar com a requalificação jurídica do crime de sequestro que tendo decaído a agravação com arma de fogo, vem agora agravar com o tratamento cruel e desumano, porque não verificado, tratam-se de simples brutalidades acórdão do STJ 18-12-1996, que não cabem no artº.3 da DEDH. 20-Assim , importa concluirmos que esta requalificação não deverá ser mantida, devendo o arguido ser condenado pelo crime de sequestro simples artº 158, nº 1 do C Penal , em que foi condenado pelo Douto Acórdão do Tribunal de primeira Instância, pelo que se deverá manter . 21- Não se mostrando qualquer violação da prova do Acórdão à Quo, nos termos do artº. 410, 2, alíne c) do CPP e o disposto no artº. 158, nº.2 alínea b) do CP. 22- O Tribunal "a quo" decidiu com a prova produzida e provada em audiência de discussão e julgamento e de mais existente no processo nada se lhe pode imputar acerca da sua interpretação que a mesma fosse feita erroneamente. 23- Mais uma vez temos que dar valor à oralidade e a imediação, que se torna impossível de obter a qualquer outro tribunal, a não ser o do julgamento e desta feita à livre convicção do julgador, nem tão pouco que esta seja contrariada pelas regras da experiência comum e pela logicidade de um homem médio.; 24- Porque o tratamento cruel e desumano, neste processo, não pode ter acolhimento, está muito aquém do que se considera tal tratamento, Acórdão da Relação de Coinbra de 27-01-2016 WWW.dgsi.PT e artº.3 da DEDH. 25- O Douto Acórdão do Tribunal da Relação, altera a matéria de facto provada aditando os seguintes factos e elimina-os da matéria de facto não provada alíneas g), h) e i), no sentido de: 26- Houve risco de propagação ás demais frações do prédio, o arguido acendeu material combustível e acelerante, chegando fogo à cama de BB, agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo, que ademais pela sua pela utilização da substância aceleradora de chamas de que fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fração e do prédio inteiro e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis. 27- Da matéria dada como provada, o arguido confessou ter ateado fogo nuns papéis e seguidamente os ter apagado. 28- O ofendido não estava presente, tinha-se ausentado e fugido de casa para pedir socorro ás autoridades. 29- Os vizinhos viram um fumo, não é dito viram chamas. 30- O ofendido confirma que o colchão não ardeu, apesar de ter sido dito que o recorrente ateou fogo ao colchão. 31- As testemunhas viram fumo, chamaram os bombeiros e a polícia, devido à demora e porque a janela estava aberta, deitaram um balde de água que acabou por extinguir o fumo. 32- Se o artº. 272, nº.1 diz-nos que quem provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício, construção ou meios de transporte, e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a 10 anos. 33- O ato de provocar um incêndio tem que representar mais do que um atear fogo, tem que traduzir o abrazamento total ou parcial do edifício, mata, floresta, meio de transporte e corresponder a fogo que lavra com intensidade ou extensamente. 34- Incêndio pressupõe tónica de excesso. Fogo é , em princípio, e por seu turno, o resultado da combustão de certos corpos de níveis aceitáveis de controlo e de domínio Comentário Coninbricense volume II. 35- Quer o acórdão recorrido dar como provado as alíneas da factualidade não provado alíneas, g) h e j) do Douto Acórdão do Tribunal "a Quo" do resultado de perigo-violação e não um resultado de dano-violação indicando o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 20-10-2020, em www.dgsi.pt 36- A factualidade apurado diz que arguido ateou fogo a um colchão, mas tal colchão não ardeu o arguido diz que queimou uns papeis e apagou-os. 37- Só depois a que se ausentou, o arguido não deixou o material a arder, se deixasse, haveria chamas, o recorrente apagou os papéis e saiu, não deixou a casa a arder. 38- Era um fumo, não era suscetível de gerar qualquer tipo de perigo, porque não existiu fogo, só fumo. 39- O recorrente entende que neste segmento do Douto Acórdão recorrido sobre o crime" de incêndio, não havia dolo de incêndio, o arguido queimou uns papeis e apagou-os e ausentou-se, alguma coisa ficou a fazer fumo e o mesmo Acórdão da Relação diz que da matéria provada resultou que o arguido deixou o colchão a arder, deve o Supremo do Tribunal de Justiça dar provimento ao recurso e a não condenação do recorrente pelo crime de incêndio que é o mesmo que manter a decisão do Douto Acórdão do Tribunal de primeira Instância. 40- O ofendido informa que o colchão não ardeu. 41- Por nada ter acontecido por não ter havido incêndio, veio o Acórdão da Relação de Lisboa, condenar o arguido pela prática de um crime de incêndio e alterar a factualidade não provada para matéria provada, para poderem condenar o arguido a uma pena mais gravosa, em termos qualitativos e quantitativos "reformatio in pejus". 42- Mas, o mais choca é que estamos em sede de direito penal condenar uma pessoa por factos que não praticou, factos que não se verificaram, mas que poderiam vir a acontecer, também estamos a transpor i. barreira da razoabilidade penalista. 43- O recorrente não se conforma com. o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e dele vem recorrer, 44- Requerendo que o recurso seja totalmente procedente por provado e que o arguido seja absolvido do crime de incêndio e do crime de sequestro agravado, mantendo-se a decisão do Acórdão do Tribunal de primeira instância, que neste caso, mais justo e mais acertado.” Respondeu o Mº Pº na Relação pugnando pela sua improcedência Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA é de parecer que o acórdão é irrecorrível na parte relativa ao crime de sequestro, e no mais julgado improcedente, devendo ainda ser corrigido o lapso de escrita relativo à pena do crime de sequestro. Foi cumprido o disposto no artº 417º2 CPP. Não foi apresentada resposta Procedeu-se à conferencia com observância do formalismo legal. Cumpre conhecer Consta do acórdão recorrido (transcrição): “2.2. No acórdão recorrido recorrida deram-se como provados e não provados os seguintes factos: (transcrição) (…) A. FACTOS PROVADOS Da prova produzida, da alegada com relevo para a presente decisão, resultaram provados os seguintes factos: 1. O arguido AA foi casado com CC, durante pelo menos dois anos, de quem se separou há cerca de seis meses. 2. CC é, desde há cerca de 15 anos, amiga da vítima BB. 3. Ainda durante a relação do arguido com CC, aquele nunca aceitou o relacionamento desta com BB. 4. O sentimento de ciúme relativamente a BB, em razão da relação próxima deste com CC, agudizou-se após a separação do arguido com a vítima. 5. Em razão disso, desde data não concretamente apurada, mas correspondente ou anterior a 06/11/2023, o arguido gizou um plano para forçar a saída de BBde Portugal de modo a fazer com que aquele regressasse ao Brasil e se afastasse definitivamente da sua ex-mulher. 6. Para o efeito, em 06/11/2023, o arguido adquiriu à Airsoft World Game uma pistola de Airsoft da marca Saigo Defense, modelo 92 spring full metal, 6 mm, correspondente a uma réplica da arma autêntica da marca Beretta, modelo 92. 7. Impelido pelo mesmo propósito, o arguido arranjou também um canivete, uma bola brinquedo para cão, fio de nylon e fita adesiva. 8. No dia 29/01/2024, antes das 17h40, na execução do plano previamente gizado, o arguido deslocou-se à residência de BB, na Rua 1, na LOC0001, e ali permaneceu escondido aguardando a chegada da vítima, levando consigo os supra identificados objetos e a referida arma. 9. Nas referidas circunstâncias, como habitualmente sucedia e era do conhecimento do arguido, BB chegou à sua residência e imediatamente foi abordado pelo arguido, que o surpreendeu pelas costas, e encostou a réplica de Beretta às suas costelas do lado direito dizendo-lhe “bora rapaz, desce, desce, desce!”. 10. BB cumpriu a ordem do arguido e desceu até à porta de sua casa, sempre sob ameaça com a referida réplica de Beretta, retirou a chave de casa do seu bolso e abriu a porta. 11. Seguidamente, o arguido mandou ao ofendido que se deitasse no chão e disse-lhe para colocar as mãos atrás das costas. 12. O arguido desferiu um pontapé na barriga do ofendido e um murro na sua cabeça, e amarrou-o com os pulsos atrás das costas com uma fita de nylon, que lhe causaram diversas escoriações e um inchaço na região posterior da cabeça. 13. Seguidamente, ordenou que a vítima abrisse a boca e tapou-lhe a mesma com uma bola brinquedo de cão, de cor vermelha, com uns relevos espinhosos, após que pôs fita adesiva à roda da cabeça do ofendido e por cima da bola. 14. Seguidamente, o arguido tirou da cabeça o capuz do casaco que trazia vestido, revelando a BB a sua identidade e deu-lhe a conhecer os motivos da sua conduta e o objetivo final que pretendia alcançar. 15. Naquele momento, o arguido pousou a réplica de Beretta, em cima da cama, ao mesmo tempo que lhe dizia que sabia que aquele tinha estado envolvido com CC e que era sua intensão enviar o ofendido para o Brasil. 16. A determinada altura, o ofendido pediu água ao arguido e, em razão disso, o arguido retirou a fita adesiva e a bola brinquedo da boca do mesmo, permitindo que aquele comesse e bebesse, sendo o próprio arguido quem lhe colocou os alimentos na boca. 17. Entretanto, BB logrou soltar uma das mãos das amarras e agarrou a réplica de Beretta, apenas naquele momento se apercebendo que a mesma não era apta a disparar. 18. De imediato o arguido agarrou numa faca, que se encontrava em cima da mesa e empunhando-a dirigiu-a ao corpo de BB. 19. BB agarrou tal faca pela lâmina, até que a mesma se partiu, na sequência do que o ofendido sofreu uma ferida longitudinal do seu 1º dedo da mão direita, com perda de substância. 20. Após o que, o arguido retirou do bolso um canivete com atingiu a face posterior do punho esquerdo do ofendido, causando-lhe duas feridas no dorso da mão esquerda de BB, com 2 cm e com 3 cm, respetivamente, sem envolvimento muscular ou tendinoso. 21. Ato contínuo, o arguido encostar a lâmina do canivete ao pescoço ofendido e disse-lhe “se não estiveres quieto, eu furo-te”, assim obrigando BB a colocar-se novamente de costas, após o que o arguido lhe amarrou as mãos com o cinto que trazia nas próprias calças. 22. De seguida, o arguido retirou um cinto do meio das roupas do ofendido e, fazendo-o o seu, colocou-o de imediato nas próprias calças. 23. Após isto, o arguido cortou um pedaço do fio do aspirador que BB tinha em sua casa, e com aquele objeto amarrou os pés do mesmo. 24. Seguidamente, o arguido exigiu à vítima que lhe desse os seus telemóveis e ordenou a BB que lhe cedesse os códigos de acesso a tais equipamentos e à aplicação de homebanking associada à conta bancária titulada pelo ofendido, o que este fez por se encontrar amarrado e por temer que o arguido voltasse a dar-lhe murros, pontapés ou a feri-lo com o canivete. 25. O arguido consultou as mensagens da memória do telemóvel e, munido dos códigos de acesso, a que acedeu nas circunstâncias acima descritas, entrou na aplicação informática de homebanking, consultando o saldo bancário da vítima. 26. Percebendo que o dinheiro ali existente não seria suficiente para comprar um bilhete de avião para o Brasil, o arguido fez-se passar por BB e mandou mensagem para o patrão daquele irmão da sua ex-mulher, de nome DD, a pedir dinheiro, dizendo que se encontrava no hospital. 27. O patrão acedeu ao pedido, pensando estar a falar com BB, e fez uma transferência de 300,00€ (trezentos euros) para a conta da vítima. 28. Percebendo que o dinheiro que tinha, acrescido do disponível na conta bancária do ofendido, não era suficiente para comprar o bilhete de avião, o arguido resolveu levar BB para a sua própria habitação, onde ficaria até dia 01/02/2024, data em que BB já teria mais dinheiro na conta bancária por já ter recebido o seu ordenado. 29. Com este propósito, quando eram já cerca das 23h45 do dia 29/01/2024, o arguido recolheu as roupas de BB que guardou em duas malas de viagem. 30. Após o arguido apoderou-se da chave do automóvel de marca VW Golf de matrícula V1, propriedade de BB, e, com foros de seriedade, disse-lhe que ia colocar a mala no carro e que, se este “gritasse ou tentasse fugir cortava a sua garganta”. 31. Enquanto o arguido se ausentou da residência para ir ao carro que se encontrava na rua, BB logrou soltar uma das suas mãos e consequentemente desamarrar a outra e os pés, tendo conseguido fugir do interior da residência através de uma janela. 32. Regressado à residência, o arguido percebeu que BB havia logrado escapar e, antes de dali se ausentar, ateou fogo ao colchão, existente na residência do ofendido. 33. Após isto, o arguido pôs-se em fuga, ao volante do referido veículo, levando consigo, os telemóveis, o cinto e as malas com as roupas de BB. 34. No percurso entre a LOC0001 e LOC0002, sua localidade de residência, rebentou-se o pneu da roda frontal direita e, apesar disso, o arguido conduziu até à Rua 2, em LOC0002 – Peniche, assim fazendo não só com que o pneu ficasse destruído, como causando estragos na jante, no sistema de direção e na carroçaria da frente direita do automóvel. 35. No dia 29/01/2024, pelas 23h45, na Rua 3 LOC0001, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula V1 sem que fosse possuidor de carta de condução. 36. O arguido agiu modo refletido e ponderado com o propósito de coartar a liberdade de movimentos e de ação do ofendido, impedindo-o de sair da sua residência e ali o mantendo por horas contra a sua vontade, e bem assim de lhe provocar medo e inquietação, com o propósito de o obrigar a abandonar território nacional. 37. Agiu igualmente o arguido com o propósito de ofender o corpo e a saúde do ofendido. 38. E bem assim de obrigar o ofendido a facultar-lhe os códigos de acesso aos telemóveis do mesmo e à aplicação de homebanking associada à conta bancária titulada pelo ofendido instalada nos mesmos, o que logrou causando-lhe medo de que o arguido voltasse a dar-lhe murros, pontapés ou a feri-lo com o canivete. 39. Atuou outrossim o arguido com o propósito de aceder ao conteúdo dos telemóveis do arguido e ao sistema de homebanking do mesmo, sabendo que não tinha o consentimento do ofendido para tal. 40. O arguido quis conduzir o veículo, bem sabendo que o mesmo não se encontrava em condições por ter um pneu em baixo, assim agindo por querer fugir do local, sabendo que o dano era necessário para lograr o seu desiderato de fugir do local. 41. Arguido quis conduzir o veículo, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade do ofendido, seu dono, com o que se conformou. 42. O arguido quis conduzir o veículo sem ser possuidor de documento que o habilitasse a essa condução e sabia que cometia um crime. 43. O arguido agiu sempre de forma deliberada, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 44. O arguido não tem antecedentes criminais registados. 45. Do relatório social do arguido consta: É “natural do Brasil, que terá emigrado para Portugal há três anos, juntamente com a esposa e filhas, em busca de melhores condições de vida. Apresenta um percurso com hábitos e rotinas de trabalho, mantendo-se até à data da sua reclusão integrado a nível profissional. Pretende permanecer em Portugal e conseguir habitação e ocupação laboral perto das filhas, para poder acompanhar as mesmas, sendo também sua intenção, conseguir a guarda partilhada das menores. (…) Em meio prisional vem mantendo um comportamento adequado às normas, sem registo de infrações disciplinares. Inicialmente chegou a beneficiar da visita da ex-esposa e das filhas, mas atualmente não recebe quaisquer visitas, por vontade do próprio, mantendo contacto com as filhas, semanalmente, por telefone, beneficiando de apoio monetário por parte dos pais e amigos. Encontra-se ativo há um mês, a exercer funções de faxina. Com um discurso estruturado, o arguido revela capacidade no reconhecimento da gravidade dos atos pelos quais vem acusado no presente processo, demonstrando arrependimento pelo seu comportamento. * B. FACTOS NÃO PROVADOS Da prova produzida, resultou não provado, com interesse para a decisão: a. BB encetou uma tentativa de resistir, tendo o arguido agarrado os braços do mesmo e ponteado as suas costas, logrando desta forma que BB colocasse as mãos atrás das costas. b. O arguido virou a vítima, sentando-o num dos cantos da cama. c. O arguido pressionou aquele objeto, com o gume no polegar da vítima, cortando-lhe a pele. d. A faca estava no chão junto à cama. e. O arguido agiu com o propósito de se apoderar e fazer seus os objetos e o veículo acima descritos. f. O arguido fez sua a quantia de 300,00€ acima referida g. Houve risco de propagação do fogo às demais frações do prédio. h. O arguido acendeu material combustível e acelerante, chegando fogo à cama de BB. i. Agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo que, ademais pela utilização da substância aceleradora de chamas de fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fração e do prédio inteiro, e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis. * As demais alegações vertidas no despacho acusação têm um cariz demasiado genérico, conclusivo, irrelevante e/ou valorativo e/ou reportam-se à apreciação de elementos de prova, pelo que não são mencionadas nos elencos que antecedem. (…) * 2.3. Quanto à motivação da decisão de facto: (transcrição) (…) A convicção do tribunal alicerçou-se, no que aos factos provados concerne, nos elementos de prova que abaixo se mencionam, examinados de forma crítica e conjugadamente, à luz das regras da ciência, da lógica, da experiência comum e de juízos de normalidade. Quanto aos pontos 1. a 5. relevou a ponderação conjugada: • Da confissão dos factos pelo arguido, que mais disse, em sede de declarações, que o ofendido falava mal dele à ex-mulher quando estavam casados, encontrou uma pessoa que lhe disse que a sua ex-mulher o tinha deixado para ficar com o ofendido, com o que ficou a remoer; que pretendia que o ofendido fosse para o Brasil para tentar reconquistar a sua ex-mulher, que o ofendido não estava com ela mas pretendia ficar com ela, com más intenções, por pretender ter apenas relações sexuais casuais com a mesma, e “ficou com raiva”, declarações que resultam verossímeis no contexto dos factos apurados, por explicarem o motivo da sua atuação; e • Do depoimento do ofendido, que os afirmou, referindo ainda que conheceu a mulher do arguido no Brasil, quando estudavam; que foi a mulher do arguido que tratou da sua vinda para Portugal, a qual é irmã do seu patrão, e que tinha uma boa amizade com a mulher do arguido, o que resulta verossímil, por serem tais circunstâncias passível de gerar ciúmes em pessoa com propensão a tal, como resulta das regras da experiência comum. O ponto 6. foi julgado provado com base na conjugação: • Da confissão do arguido que referiu ter comprado esse instrumento uns dias antes dos factos; • Os autos de exame direto da caixa da arma, de fls. 72, e as fotografias tiradas à referida caixa na ocasião, de fls. 74-75; • Do teor do auto de busca e apreensão de fls. 35-47, realizadas em casa do arguido, onde consta ter sido apreendida tal caixa (fls. 46-47, fotos 16 e 17); e • Do teor da fatura de compra da mesma em nome do arguido à Airsoft World Game, em 06/11/2023 (fls. 37). Não resultou credível o referido pelo arguido quando diz que adquiriu a arma para desporto, atenta a proximidade da compra da mesma (06/11/2023) e a prática dos factos (29/01/2024), e bem assim a inexistência de comprovação de o arguido praticar qualquer desporto com a mesma. O ponto 7. resultou provado pelas declarações do arguido, que disse ter comprado a bola brinquedo de cão no próprio dia dos factos e tendo em vista a prática dos mesmos, e que trazia consigo os restantes objetos. Para prova do vertido nos pontos 8. a 11., o tribunal estribou-se na coincidência do declarado pelo arguido e com o referido pelo ofendido no seu depoimento, quanto aos mesmos. O referido no ponto 12. adveio das declarações do ofendido, que por objetivas e circunstanciadas se nos afiguraram credíveis, nas quais referiu tal conduta do arguido. Acresce que, tais declarações se mostram corroboradas, quanto à ocorrência do murro na cabeça, pela fotografia do ofendido onde é visível lesão na testa (foto 5. a fls. 22). A prova do vertido em 13. e 14. resultou da coincidência: • Das declarações do arguido que os confessou, apenas referindo que não tinha capuz, mas somente uma máscara por causa da COVID 19, o que não se mostra corroborado por qualquer elemento de prova. • Com a versão dos factos que consta provada que adveio das declarações do ofendido, as quais, para além de supinamente mais credíveis do que as do arguido, resultam corroboradas pelo auto de busca e apreensão, ao domicílio do arguido, do qual consta que no sofá, foi encontrado um casaco de fecho de cor cinzento claro, com capuz, da marca Pull & Bear, tamanho L, pertencente ao arguido, que aparentava ter vestígios hemáticos elemento de prova, pelo contrário posto que na sua casa foi aprendido o seu casaco com gorro, com vestígios hemáticos a indiciar que foi o que o arguido trajava aquando dos factos (fls. 35-36 e foto 14 a fls. 45). • Contribuíram ainda para a formação da convicção do tribunal o auto de apreensão (fls. 49), junto à viatura do ofendido de uma bola de cor vermelha, com uns relevos espinhosos A prova dos pontos 15. a 16. adveio da confissão dos factos de modo genérico, não tendo o arguido efetuado qualquer ressalva quanto a estes pontos. Tais factos foram outrossim referidos deste modo pelo ofendido no seu depoimento, cuja credibilidade não foi posta em causa por qualquer outro meio de prova isento. O vertido nos pontos 17. a 18. adveio das declarações do ofendido, a cuja credibilidade já nos referimos, conjugadas com os seguintes documento: • O relatório do atendimento urgente do ofendido (fls. 17-17v.), onde se identifica tal lesão. • O admitido pelo arguido, que admitiu de modo genérico a prática dos factos, não tendo efetuado qualquer ressalva quanto a este ponto. • Do auto de busca e apreensão do qual resulta ter sido apreendida na residência do ofendido uma lâmina de face serrilhada, com o comprimento aproximado de 11 cm e 4,5 cm de largura, que se encontrava no chão junto à cama. • Da reportagem fotográfica feita logo após os factos, na residência do ofendido, pelas autoridades policiais (fotografias 15 e 16 a fls. 30) onde se identifica o local onde foi encontrada a lâmina; e • Da reportagem fotográfica feita logo após os factos à pessoa do ofendido, onde se visualiza na fotografia 2 (fls. 20), o curativo de tal lesão. A prova do ponto 19. adveio da conjugação ponderada: • Do relatório do atendimento urgente do ofendido (fls. 17-17v.), onde se identifica tais lesões. • Da fotografia nº 1 (fls. 20) da reportagem fotográfica feita ao ofendido imediatamente pós os factos e tratamento do ofendido, pelas autoridades policiais onde se mostra retratada a mão do ofendido com um curativo em tal local. • O referido pelo ofendido no seu depoimento, que referiu as lesões com que ficou; • O admitido pelo arguido pela confissão genérica da prática dos factos, não tendo efetuado qualquer ressalva quanto a este ponto, mais tendo explicitado que trazia consigo o canivete. O ponto 20. foi julgado provado com base na conjugação: • Das declarações do ofendido; • Das fotografias (nºs 3 e 4 de fls. 21) tiradas pela autoridade policial imediatamente após os factos, nas quais são visíveis pequenos golpes na face e no pescoço do ofendido do lado direito, compatíveis com o relado do mesmo. • O admitido pelo arguido pela confissão genérica da prática dos factos, não tendo efetuado qualquer ressalva quanto a este ponto, mais tendo explicitado que trazia consigo o canivete. Os pontos 21. a 34. foram expressamente confessados pelo arguido nas suas declarações. Para prova do elemento subjetivo, vertido nos pontos 35. a 43. O tribunal estribou-se nos factos provados qua acima se elencaram conjugados com as regras da experiência e do normal acontecer conjugadas com as declarações do arguido que confirmou os seus intentos. Os pontos 44. e 45. foram comprovados, respetivamente, pelo CRC do arguido junto aos autos e pelo relatório social datado de 20/114/2024. * No que aos factos não provados diz respeito, o Tribunal estribou-se na insuficiência da prova produzida quanto aos mesmos, posto que o arguido não os confessou, o ofendido não os referiu, nem existem juntos aos autos elemento de prova bastantes para os comprovar, e bem assim pela prova em contrário resultante dos elementos de prova acima referidos quanto aos factos que se julgaram provados. (…)” A Relação decidiu ainda que: “… devem ser aditados à matéria de facto fixada os seguintes factos: - Houve risco de propagação do fogo às demais fracções do prédio. - O arguido acendeu material combustível e acelerante, pegando fogo à cama de BB. - Agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo que, ademais pela utilização da substância aceleradora de chamas que fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fracção e do prédio inteiro, e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis.” Dando aqui por reproduzida e transcrita a fundamentação do acórdão da Relação no que a tais alterações respeita. + É unanime o entendimento que o recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/121 e 7/95 de 19/10/ 952 e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12) mas que, terão de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” – artº 410º2 CPP, “não podendo o tribunal socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo”, sendo tais vícios apenas os intrínsecos da própria decisão, como peça autónoma, não sendo de considerar e ter em conta o que do processo conste em outros locais - cfr. Ac. STJ 29/01/92 CJ XVII, I, 20, Ac. TC 5/5/93 BMJ 427, 100, constituindo a “revista alargada” São as seguintes as questões a apreciar: Suscitadas pelo ilustre PGA - correção do acórdão - admissibilidade do recurso quanto ao crime de sequestro agravado Pelo arguido: - qualificação do crime de sequestro como agravado - existência do crime de incêndio. + Alega o ilustre PGA que o acórdão da Relação “não faz menção no dispositivo do Acórdão sub judice à aplicação ao arguido, ora recorrente, da pena parcelar de 03 anos e 02 meses de prisão decorrente da requalificação jurídica dos factos relativos ao crime de “sequestro”, com a sua condenação pela prática de um crime de “sequestro”, agravado, p. e p. na disposição do art. 158º/1 e 2-b), do Código Penal”, ou seja, dever ficar a constar na condenação a pena de 3 anos e 2 meses que seria a aplicada ao crime de sequestro agravado sendo que tal omissão no dispositivo não integra nulidade e ela resulta do texto do acórdão. Vejamos: A 1º instancia pelo crime de sequestro simples condenou o arguido na pena de 2 anos de prisão. A Relação no seu acórdão ao fixar a pena pelo crime de sequestro agravado considera ser “proporcional e juridicamente adequada a fixação da pena concreta de 3 anos e 2 meses de prisão.” Na decisão, referindo a condenação pelo crime de sequestro agravado, não é ali individualizada a pena, mas ela é expressamente mencionada aquando da determinação da pena única “ f) sequestro agravado (tratamento cruel, degradante ou desumano) art. 158.º, n.ºs 1 e 2, al. b) CP - 3 anos e 2 meses;” pelo que inexiste qualquer dúvida que a Relação quis e expressou que a pena do crime de sequestro agravado era de 3 anos e 2 meses. A menção da pena no dispositivo da decisão não constitui expressamente um dos requisitos da sentença (artº 374º3b) CPP) e a sua ausência não constitui nulidade desta ( posto que a decisão seja ali expressamente considerada condenatória ou absolutória) – artº 379º1a) CPP – devendo, no entanto, dela constar como completude da decisão e em vista da certeza e segurança do direito, podendo ser objecto de correcção, nos termos do artº 380º 1 a) CPP. Tal correcção tem como requisitos que a omissão ou lapso “seja revelado no contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita”- artº 249º CC – o que se verifica como se evidencia, pelo que pode ser rectificado de acordo com a mesma norma. Assim deverá constar que a pena fixada no acórdão da Relação pelo crime de sequestro agravado p.p. pelo artº 158º 1 e 2 b) CP foi de 3 anos e 2 meses. + Sustenta o ilustre PGA no seu parecer a rejeição do recurso no que respeita ao crime de sequestro agravado, por em face da pena aplicada, não ser recorrível nessa parte a decisão da Relação, ao abrigo do artº 400º 1 e) CPP Conhecendo. A competência deste Supremo Tribunal, resulta das normas atributivas dessa competência nos termos expressos no Código de Processo Penal e dele resulta que o recurso para o STJ visa exclusivamente matéria de direito (artº 434ºº CPP), apenas podendo conhecer dos vícios do artº 410º2 CPP (da matéria de facto) oficiosamente (artºs 410.º, n.º 2, 426.º e 434.º, CPP e Ac. FJ n.º 7/95 e 10/2005, e apenas podendo ser alegados pelo recorrente nas situações recursivas previstas no artº432.º, n.º 1, a) e c), CPP (em que o STJ intervém como 2ª instância). Dispõe o artº 432º CPP que: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: (…) b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; (…) Dispõe por sua vez o artº 400º CPP sobre a não admissibilidade dos recursos: “1 - Não é admissível recurso: (…) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; (…)” Daqui resulta que está em causa a al.e) do artº 400º CPP transcrito, pois estamos perante acórdão da Relação proferido em recurso (de acórdão da 1ª instancia) que confirmou e agravou a condenação pelo crime de sequestro que qualificou como agravado e não simples, ou seja, alterou a decisão condenatória quanto ao crime de sequestro simples (em que 1ª instância o qualificara) e passou a crime agravado (de que vinha acusado) alterando a pena de 2 anos para 3 anos e 2 meses de prisão. Nos termos da norma em causa, a irrecorribilidade resulta do facto de a pena aplicada por tal crime ser inferior a 5 anos, e não poder ser entendido que a decisão da 1ª instância foi absolutória. Assim tendo a decisão da 1ª instância sido condenatória (em 2 anos de prisão) e a decisão da Relação haver sido também condenatória em 3 anos e 2 meses de prisão ( de acordo com a qualificação que fora atribuída na acusação), verifica-se que a decisão é irrecorrível nessa parte. Assim o recurso interposto quanto ao crime de sequestro não é admissível, pelo que deve ser rejeitado, e sendo rejeitado o recurso relativo a tal ilícito fica o tribunal impedido de conhecer das questões com ele conexas3 e em face do principio da cindibilidade do recurso expresso nos artºs 400º 2 e 3, e 403º CPP, e dado que a irrecorribilidade, abrange todas as questões que digam respeito ao ilícito em causa apenas é admissível recurso ao abrigo do artº 400º 1 e) CPP, no que respeita ao crime de incêndio, de que fora absolvida pela 1ª instância e condenado pela Relação. Assim questiona o arguido a existência do crime de incêndio: Para tanto alega em suma que “não tinha dolo de incêndio, queimou uns papéis, apagou-os e saiu porta fora. Até podia haver fumo e objetivamente o fogo, o que não aconteceu, mesmo que se propagasse e houvesse um fogo de relevo, o recorrente não se conformou com tal situação e circunstâncias” e não “há elementos objetivos e subjetivos do crime de incêndio.” São os seguintes os factos provados da 1ª instância tal como apreciados pela Relação: “31. Enquanto o arguido se ausentou da residência para ir ao carro que se encontrava na rua, BB logrou soltar uma das suas mãos e consequentemente desamarrar a outra e os pés, tendo conseguido fugir do interior da residência através de uma janela. 32. Regressado à residência, o arguido percebeu que BB havia logrado escapar e, antes de dali se ausentar, ateou fogo ao colchão, existente na residência do ofendido. Acrescem os factos provados aditados pela Relação que a 1ª instância considerara não provados: “-Houve risco de propagação do fogo às demais fracções do prédio. - O arguido acendeu material combustível e acelerante, pegando fogo à cama de BB. - Agiu o arguido com o propósito concretizado de atear fogo à residência do ofendido, bem sabendo que, ademais pela utilização da substância aceleradora de chamas que fez uso, o lume inevitavelmente se propagaria rápida e incontrolavelmente a toda a estrutura da fracção e do prédio inteiro, e que as chamas o haveriam de consumir, o que realizou e quis.” Sabido que este STJ não conhece da matéria de facto, não podem em recurso para este Tribunal serem de novo questionados os factos objeto de impugnação em recurso para a Relação, pelo que têm de ser como tal considerado os factos apreciados pela mesma, e assim definitivamente fixados como provados. A Relação, apreciando este ilícito, ponderou ( na parte que releva): “O crime de incêndio, previsto no artigo 272.º, n.º 1, do Código Penal, configura uma das mais graves ofensas aos bens jurídicos fundamentais protegidos pelo direito penal – nomeadamente a vida humana, a integridade física e o património, em especial quando se encontra em risco colectivo. Inserido no capítulo dos crimes de perigo comum, o ilícito de incêndio representa um perigo abstracto com manifestações muitas vezes devastadoras. Por esta razão, existe a necessidade de interpretar este tipo penal com base numa dupla racionalidade: a protecção eficaz de bens jurídicos e a observância rigorosa dos elementos típicos, evitando interpretações que, sob pretexto de exigências formais excessivas, inviabilizem a punição de condutas socialmente perigosas. O artigo 272.º, n.º 1 do Código Penal dispõe: “1 - Quem: a) Provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício, construção ou meio de transporte; (…) e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a dez anos..” (…) interessa-nos exclusivamente o primeiro – provocar incêndio. Trata-se de um crime de perigo concreto, ou seja, exige-se que o agente actue de forma a criar efectivamente perigo para determinados bens jurídicos: vida, integridade física ou património de valor elevado. O bem jurídico protegido não é apenas o bem patrimonial atingido pelo fogo, mas a segurança colectiva, a ordem pública e, sobretudo, os bens jurídicos fundamentais das pessoas, em especial quando o incêndio ocorre em meio urbano, em edifícios de habitação ou em locais com potencial de propagação. Como elementos objectivos do tipo, temos: 1. Conduta típica: provocar incêndio, ou seja, dar origem à combustão não controlada de materiais, com desenvolvimento autónomo da chama, que não possa ser contida sem meios externos. 2. Resultado típico: perigo real e concreto para a vida, integridade física ou património de valor elevado. 3. Nexo de causalidade: ligação entre o comportamento do agente e o perigo criado. 4. O dolo directo ou eventual: basta que o agente preveja e aceite como possível que da sua conduta resulte o perigo para os bens protegidos. Não se exige intenção de destruir ou matar, mas conformação com a produção de perigo sério. (…) O artigo 272.º do CP não exige danos consumados, mas apenas que o fogo criado pelo agente seja apto a criar perigo sério e não meramente hipotético. O perigo concreto é definido como a probabilidade objectiva, com base em regras da experiência e nos dados do caso, de que o bem jurídico possa ser lesado pela conduta do agente. O elemento subjectivo do tipo exige apenas que o agente actue com dolo — directo ou eventual. No caso do incêndio, o dolo está preenchido quando o agente sabe que o fogo pode propagar-se e aceita esse risco. Basta que o agente actue com: i. Consciência do risco (previsibilidade da propagação), ii. Aceitação da possibilidade de perigo, mesmo que acredite que poderá controlar as chamas. (…) In casu, da factualidade provada resulta: i. O arguido, após as agressões à vítima, ateou fogo a materiais presentes na residência da mesma – nomeadamente papéis e objectos inflamáveis; ii. Os vizinhos relataram fumo denso a sair da habitação, e chamaram os bombeiros; iii. A vítima referiu que “graças a Deus o colchão não chegou a arder”, mas o mesmo começou a libertar fumo; iv. O fogo foi controlado por uma vizinha com recurso a balde de água, tendo os bombeiros apenas confirmado a ausência de perigo à chegada; v. O arguido afastou-se do local após provocar o início do incêndio. Estes factos evidenciam: i. Dolo directo: o agente sabia o que fazia, e quis iniciar o fogo; ii. Actos de execução iniciados: foi provocada a ignição de materiais combustíveis; iii. Interrupção da consumação por causas externas: acção de terceiros (vizinha) extinguiu o incêndio. (…) . O tipo penal exige apenas que o agente provoque um incêndio susceptível de criar perigo para: a) Vida; b) Integridade física; c) Património de valor elevado. Basta, portanto, que a combustão possa, num curso normal de acontecimentos, atingir esses bens jurídicos. O facto de o fogo não se ter propagado ao colchão não exclui o perigo: o fumo intenso numa habitação pode colocar em risco a vida da vítima, a integridade física (por inalação) e o edifício (por propagação a materiais inflamáveis). O acórdão recorrido que recusa a subsunção ao crime de incêndio com base na ausência de destruição confunde perigosidade com dano, violando o princípio de legalidade e a natureza do tipo. O tipo penal é de perigo concreto, e não de dano real. O seu critério é o da possibilidade objectiva de ocorrência de lesão, não a verificação de uma lesão material. Como já vimos, isso basta para a verificação do crime consumado — e, a fortiori, para a tentativa. O artigo 272.º do Código Penal assume uma função preventiva acentuada, dado que o bem jurídico é altamente sensível a perigos irreversíveis. O legislador quis punir precocemente a conduta perigosa, antes da verificação de danos. Consequentemente, o tipo penal deve ser interpretado de forma protectora dos bens jurídicos em causa, e não restritivamente. A exclusão da ilicitude com base na eficácia da resposta dos vizinhos ou na celeridade da extinção do fogo é logicamente absurda, com o devido respeito. A consumação do crime não depende da eficácia do combate ao fogo, mas da conduta perigosa do agente no momento da acção. Mas, recapitulemos os factos: 1. O arguido, após a prática de vários crimes contra a vítima, iniciou um foco de fogo na habitação alheia; 2. Fumos intensos foram observados por vizinhos e extinguidos com balde de água; 3. A vítima permaneceu amarrada no local durante parte do tempo; 4. A combustão ocorreu num espaço fechado (um T0), com risco de propagação para o edifício. Esta factualidade comprova: 1. A existência de ignição voluntária; 2. A presença de bens inflamáveis no local; 3. A possibilidade objectiva de propagação; 4. O perigo para a integridade física da vítima e para o edifício. Estes factos, têm valor decisivo para a qualificação jurídica da conduta como crime de incêndio consumado, e não apenas como tentativa. Com efeito, a verificação dos seguintes elementos resultaria: Existência de material inflamável e uso de substância aceleradora (facto h), impugnado pelo MP e aditado à matéria de facto provada; Desenvolvimento efectivo do fogo até à cama da vítima, não mera combustão de papéis; Propósito directo de destruição do espaço habitacional (facto i), impugnado pelo MP e aditado à matéria de facto provada; Risco objectivo para todo o edifício e demais fracções (facto g) impugnado pelo MP e aditado à matéria de facto provada. Neste quadro, está plenamente preenchido o tipo objectivo do crime de incêndio, com criação de perigo efectivo para bens patrimoniais de elevado valor e para a integridade física das pessoas presentes ou residentes no edifício; O dolo é de natureza directa e específica, já que o agente não apenas previu, como quis a propagação do fogo, conformando-se com o resultado destrutivo; O risco assumido deixa de ser meramente abstracto ou eventual e transforma-se em dolo intensificado quanto ao perigo criado” O artº 272º CP que prevê e pune quem provocar incendio de relevo ao estabelecer “1 - Quem: a) Provocar incêndio de relevo, nomeadamente pondo fogo a edifício, (…) e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de três a dez anos.” configura-se como um crime de perigo concreto, uma vez que a causação de “perigo” é elemento objectivo do tipo legal, ou seja, o tipo legal só é preenchido quando o bem jurídico tenha efetivamente sido posto em perigo. Para a sua completude importa que o agente provoque ( vg. cause) incêndio4, o qual por sua vez deve ser qualificado “ de relevo” sendo considerados como tal (e em principio, face à norma legal “ nomeadamente”) um incêndio em edifício, como foi o caso, pois o arguido ateou fogo ao colchão, existente na residência do ofendido, que era um r/c do prédio e do qual resultou que “Houve risco de propagação do fogo às demais fracções do prédio dado que “O arguido acendeu material combustível e acelerante, pegando fogo à cama de BB” Perante estes factos, e pese embora (ao contrário do que se enuncia no acórdão recorrido) não tenha ocorrido perigo para a vitima (pois já não estava no local, tinha fugido pela janela e muito menos amarrado) quando foi ateado o fogo ao colchão, esse perigo existiu para os bens patrimoniais de elevado valor, quais fossem a fracção / residência do ofendido e o prédio em que se integrava, que é quanto basta para o preenchimento do tipo legal. A acção do arguido ficou completa ao atear o fogo e nada mais lhe era exigido para consumar o facto e com ela preencher os elementos típicos do ilícito de que foi acusado, e posteriormente condenado pela Relação, de incêndio. Assim improcede esta questão Dado que inexistem outras questões alegadas e de que cumpra conhecer improcede o recurso. + Pelo exposto o Supremo Tribunal de Justiça, decide: - Proceder à correção do dispositivo do acórdão da Relação deve ficando a constar que o arguido foi condenado pela prática do crime de sequestro agravado p. e p. pelos artºs 158.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 3 anos e 2 meses de prisão; - Rejeitar o recurso quanto crime de sequestro agravado; - Julgar improcedente, no demais, o recurso interposto pelo arguido, e em consequência mantém a decisão recorrida. Condena o arguido recorrente, no pagamento da taxa de justiça de 6 UCs e mas demais custas Registe e notifique. + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça 1/10/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Antero Luis Maria Margarida Almeida ___________
1. Do seguinte teor: “As nulidades de sentença enumeradas de forma taxativa nas alíneas a) e b) do artigo 379.º do Código de Processo Penal não têm de ser arguidas, necessariamente, nos termos estabelecidos na alínea a) do n.º 3 do artigo 120.º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo, ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior.” 2. Do seguinte teor “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito” 3. Cfr os acórdãos seguintes que relativos à dupla conforme a sua doutrina é aplicável a todas as situações de rejeição do recurso, pois qualquer questão (seja substantiva, processual ou constitucional) que pressuponha a recorribilidade é inadmissível e por isso e segue os termos da rejeição do recurso, que é o não conhecimento.: ac STJ de 17/6/2020 Proc. 91/18.8JALRA.E1.S1 Cons Raul Borges www.dsgsi.pt “VI – Tem sido jurisprudência constante deste STJ, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do artigo 379.° do CPP.” e o tribunal constitucional, pronunciando-se vai mais longe ao decidir “a) não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1 alínea b), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões dos tribunais da relação que, sendo proferidas em recurso, tenham aplicado pena de prisão não superior a oito anos e inferior à que foi aplicada pelo tribunal de primeira instância, alterando uma parte da matéria de facto essencial à subsunção no tipo penal em causa;” Ac. STJ de 11/4/2024 Proc. 199/22.5JACBR.C1.S1 Cons. Vasques Osório, www.dgsi.pt “I - É entendimento pacífico do STJ que a irrecorribilidade de uma decisão resultante da dupla conforme, impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas, adjetivas e substantivas, que lhe digam respeito, designadamente, as respectivas nulidades, os vícios decisórios, as invalidades e proibições de prova, a livre apreciação da prova, o pro reo, a qualificação jurídica dos factos, a determinação da medida da pena singular e inconstitucionalidades suscitadas neste âmbito” 4. Entendido como “ abrasamento total pu parcial de um edifício, [ou] fogo que lavra com intensidade ou extensamente” de modo quantitativamente diverso do que seja atear um fogo – Faria Costa, José de, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra edit. 1999, Tomo II, pág. 870 |