Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Relator: | MANUEL AGUIAR PEREIRA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE BANCÁRIA TRABALHADOR BANCÁRIO CULPA DO LESADO CONCORRÊNCIA DE CULPAS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO DEPÓSITO BANCÁRIO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA CUSTAS TAXA DE JUSTIÇA ESPECIAL COMPLEXIDADE LEI APLICÁVEL PRINCÍPIO DA IGUALDADE PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Data do Acordão: | 12/10/2024 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Votação: | UNANIMIDADE | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Texto Integral: | S | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Privacidade: | 1 | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Meio Processual: | REVISTA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Sumário : | I. A redução da indemnização devida com base em conduta culposa do lesado, nos termos do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil, pressupõe que exista uma relação de causalidade, a avaliar de acordo com as regras gerais da causalidade adequada (artigo 563.º do Código Civil), entre a comprovada conduta do lesado e a produção ou agravamento dos danos por ele sofridos. II. A negligência do lesado deve traduzir uma desconformidade entre o dever de adopção da conduta que teria sido adoptada, nas mesmas concretas circunstâncias, por um cidadão de média diligência e capacidade de percepção da realidade na defesa dos seus interesses patrimoniais e a conduta efectivamente adoptada pelo lesado III. Num caso em que o autor, empresário com experiência no relacionamento com instituições de crédito, recebe da gestora das suas contas bancárias, com quem manteve durante mais de três anos uma relação pessoal intima de cariz amoroso, informação que ignorava ser falsa sobre a prática do banco no envio regular de extractos bancários que ela, todavia, lhe entrega em mão e envia pelo correio extractos bancários por si falseados e impressos em papel timbrado do banco, não existindo razões que objectivamente o fizessem suspeitar da conduta ilícita da funcionária do banco, não se lhe impunha o dever de maior diligência na averiguação do estado real das suas contas bancárias de depósito a prazo e das movimentações realizadas pela gestora das contas. IV. Não se concluindo pela existência de conduta culposa do lesado não pode a omissão de acompanhamento do estado real das suas contas de depósito a prazo, de onde foram retiradas avultadas quantias ali depositadas, ser fundamento de redução da indemnização (artigo 570.º n.º 1 do Código Civil) no valor da remuneração que seria devida. | |||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
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Decisão Texto Integral: |
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: ֎ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1) AA, residente em ..., propôs contra Banco B. P. I., com sede no Porto, ação declarativa com processo comum, pedindo: - que se declare que o Réu incorreu em violação das suas obrigações contratuais relativamente ao autor ao não cumprir as suas ordens e instruções relativamente á movimentação das suas contas bancárias e aplicações em instrumentos financeiros de depósitos a prazo, bem como em proceder a transferências bancárias para contas de terceiros que o Autor não autorizou nem quis; - que seja condenado a pagar indemnização na quantia de 565.525,84 euros (correspondendo 339.600 euros a capital desviado e furtado das contas, 89.435,38 euros a juros remuneratórios do capital que deixou de auferir (contados desde as datas de cada um dos desvios, com início em 9.9.2009) até 30/01/2016, e 136.490,46 euros a juros moratórios contados desde a data dos saques e desvios de cada uma das referidas quantias e até 30/01/2016. - que seja condenado no pagamento de juros moratórios à taxa legal comercial contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Subsidiariamente, pede o autor a condenação do banco réu na mesma quantia com base na declaração de que o Réu incorreu em violação das suas obrigações legais, dos deveres de boa-fé, lealdade, zelo a que está vinculado enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, relativamente ao autor ao não observar as ordens e instruções deste relativamente á movimentação das suas contas bancárias e aplicações em instrumentos financeiros de depósitos a prazo, bem como em proceder a transferências bancárias para contas de terceiros que o autor não autorizou nem quis. O autor funda o seu pedido na actuação ilícita de uma funcionária do banco réu consistente na apropriação indevida de quantias sua pertença, desapossando-o das mesmas, além de assim ter impedido a remuneração dessas quantias. 2) O banco réu contestou a acção, alegando a culpa do Autor ao não diligenciar pelo controle da sua conta bancária e por ter mantido uma relação pessoal com a funcionária do banco réu. Pede em conformidade a sua absolvição do pedido. O banco réu pediu ainda a intervenção acessória da indicada funcionária - BB - a qual foi admitida ainda que não se tenha conseguido proceder à sua citação pessoal, pelo que o incidente foi declarado findo ao abrigo do disposto no artigo 323.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. 3) Foi proferido despacho saneador com enunciação do objecto do litígio e dos temas da prova. Teve lugar a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e condenou o banco réu a pagar ao autor, a quantia de 314.000,00 euros (trezentos e catorze mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento e contados desde a data da citação da ré, absolvendo o banco réu dos demais pedidos. 4) Inconformado o autor interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto. Este, por seu acórdão de 6 de junho de 2024, rectificou a sentença recorrida no sentido de determinar o pagamento do Réu ao Autor de € 314.600 (trezentos e catorze mil e seiscentos euros) e não € 314.000 (trezentos e catorze mil euros) como por lapso de cálculo se consignara na sentença e, julgando parcialmente procedente a apelação, alterou a sentença recorrida e condenou o banco réu a pagar os juros remuneratórios devidos pelo rendimento do mencionado capital de € 314.600 (trezentos e catorze mil e seiscentos euros), em valor a fixar em ulterior incidente de liquidação. ◌ ◌ ◌ Parte II – A Revista 5) Inconformado o banco réu interpôs recurso de revista pelo Supremo Tribunal de Justiça tendo formulado as seguintes conclusões: “I. O presente recurso incide sobre a decisão do Tribunal a quo quanto à questão da culpa do lesado e à contribuição decisiva do A. para a produção e o agravamento do dano (art. 570º do CC). II. O Recorrente entende que a decisão sob recurso fez incorreta interpretação e aplicação do direito, mais concretamente da previsão do art. 570º, nº 1 do CC, aos factos dados como provados nos autos, “(…) condenando igualmente o Réu a pagar os juros remuneratórios devidos pelo rendimento do mencionado capital de €314.600 EUR, em valor a fixar em ulterior incidente de liquidação, nos termos acima expostos.”, III. O Tribunal a quo sustenta a sua decisão no relacionamento amoroso existente entre o A. e a sua gestora de conta e na relação de confiança subjacente a essa relação, esquecendo ou desvalorizando a demais factualidade que imporia uma atuação mais diligente e criteriosa do A., um acompanhamento mais cuidado dos seus investimentos financeiros, de modo a evitar o dano ou ao seu agravamento. IV. Com efeito, resulta dos factos provados que o A. é empresário há mais de 20 anos, com larga experiência não só no ramo de atividade em que se insere (construção civil e obras públicas, compra e venda de bens imóveis e promoção imobiliária), como ainda no relacionamento comercial com instituições de crédito, habituado a lidar com a banca e fazer investimentos avultados. V. Era representante (sócio-gerente) de duas empresas com contas bancárias abertas no mesmo Centro de Investimento e tinha sido titular de uma conta no Private Banking do Banco Recorrente, recebendo periódica e regularmente extratos mensais remetidos pelo Banco, como qualquer cliente. VI. Ou seja, o argumento avançado pela gestora de conta ao autor de que “não era prática do CI remeter extratos bancários pelo correio” podia e devia ter sido questionado pelo A., na medida em que “tal prática” – pelo mesmo Centro de Investimento onde estavam sediadas as duas outras contas – não ocorria para estas duas contas bancárias! VII. Resulta também dos factos provados que o A. (como aliás qualquer cliente do Banco) tinha – e tem - acesso à movimentação das contas bancárias de que é titular e representante, através do serviço de homebanking BPI Net a que o mesmo aderiu em 07.09.2009 (cfr. doc. 5 junto com a contestação), serviço que nunca utilizou, “bastando-se com as informações que a BB lhe ia fornecendo, pela forma acima descrita” (cfr. factos provados sob os nºs 71 e 72) – sublinhados nossos. VIII. Assim, a fundamentação da decisão recorrida no sentido de que “No caso concreto, não consta qualquer facto que permita concluir que era expectável que pudesse vir a suceder, que houvesse algum indício que uma pessoa medianamente diligente se pudesse aperceber que estava a ser vítima de perda de quantia monetária com que não concordava.”, não tem cabimento no caso dos autos, pois tais indícios existiam e foram negligenciados pelo A. (sublinhado nosso). IX. A indicação da gestora de conta de que não era “prática” do Banco remeter aos seus clientes extratos bancários pelo correio e a aceitação desta prática pelo A., sem questionar a dualidade de critérios do mesmo CI para o envio de extratos bancários por correio – durante praticamente 4 anos -, é totalmente irrazoável, desconforme à normalidade da realidade bancária e à realidade e experiência do meio empresarial onde o A. se inseria e à percepção/atuação que uma pessoa medianamente diligente teria em situação idêntica. X. O A. aceitou “extratos” entregues em mão e/ou por correio eletrónico (como os que se encontram juntos aos autos), cuja discrepância com os extratos bancários emitidos pelo Banco BPI é notória e facilmente percetível por qualquer empresário medianamente atento e diligente. XI. Com efeito, o A. recebia extratos bancários genuínos do Banco Recorrente relativos às duas contas bancárias tituladas pelas empresas que representava, abertas no mesmo Centro de Investimento; XII. E também recebeu extratos bancários da conta com o NUC ...88, aberta em Maio de 2009 (uma das que foi ilicitamente movimentada pela sua gestora de conta), pelo menos até Setembro de 2009 (cfr. pontos 2, 67, 63 e 77 dos factos provados). XIII. Não podia o Tribunal a quo ter desatendido o comportamento gravemente displicente e imprudente do A. quanto ao seu património. O Tribunal a quo desconsiderou toda a factualidade acima descrita, desvalorizando a experiência profissional e o conhecimento que o A. tinha da prática bancária, as contradições entre o que foi transmitido pela gestora de conta do A. e a própria prática do Banco no mesmo Centro de Investimento relativamente a outras contas bancárias. XIV. Questiona-se novamente nesta sede: como é que o A. sustenta a sua convicção em tal “prática” do Banco (totalmente inverosímil, até pelas regras da experiência comum e prática bancária transversal)se recebia do mesmo Banco extratos bancários de outras contas bancárias, abertas no mesmo Centro de Investimento? Não se questionou? Não procurou confirmar por que razão a invocada “prática”, afinal, não constituía uma regra aplicada a todas as contas no Banco? XV. Não se questionou por que razão tinha recebido extratos bancários no início da relação bancária, se o não envio era uma “prática” do banco? XVI. Não estranhou o envio pelo Banco de “Resumos” das aplicações financeiras em folhas de cálculo editáveis e até corrigidas? – cfr. docs. 162, 163 e 168 da p.i. XVII. A falta de credibilidade de tudo quanto o A. invoca a este respeito é evidenciada no que alega no art. 197º da p.i.: como se fosse verosímil ou minimamente credível que uma instituição bancária com a dimensão do Banco Recorrente permitisse ou necessitasse que fosse o seu cliente a remeter-lhe uma folha Excel para que o próprio Banco pudesse preencher e introduzir os valores dos investimentos financeiros de cada cliente, prazos de vencimento e taxas de remuneração … num documento editável… XVIII. Como se fosse verosímil ou minimamente credível que o A., com a experiência que tinha e tem no relacionamento com instituições de crédito, quer pessoal quer como empresário, aceitasse como documentos bancários as folhas de Excel remetidas com resumos de investimentos financeiros, sem curar de confirmar a movimentação das suas contas bancárias, a composição da sua carteira de investimentos financeiros (até pelo valor elevado do património financeiro que detinha) e o crédito da respetiva remuneração (os juros que havia contratado com o Banco)… XIX. Aliás, a linha desta conduta de falta de zelo e cuidado do A., verificou-se, ainda, quando transferiu as suas contas bancárias do Centro de Investimento das ... para a agência do BPI de ..., em Julho de 2013 (ponto 81. dos factos provados), pois, após sucessivas reclamações relacionadas com a alteração do seu número de telemóvel, assinou nova ficha de informação individual sem cuidar de verificar que tal número de telemóvel se mantinha registado... XX. A relação de confiança foi, nas palavras do Tribunal a quo, “traída” pela gestora de conta do A., defendendo-se que o relacionamento amoroso sustentaria (e até reforçaria) essa relação de confiança. XXI. No entanto, com todo o respeito, o A. confiou e acreditou de uma forma displicente e “cega”, sem atentar em indícios e sinais que implicariam uma atuação mais diligente e cuidada no acompanhamento dos seus investimentos financeiros: receber extratos remetidos pelo Banco noutras contas abertas no mesmo CI (como é uso na banca em geral), contrariando a prática invocada pela gestora; envio de folhas de cálculo editáveis com o resumo e a atualização dos seus investimentos financeiros… XXII. A verdade é que o A. não é uma pessoa desinformada, inexperiente ou pouco preparada: é um empresário com larga experiência quer nos ramos de negócio em que as suas empresas atuam, quer ainda no relacionamento bancário, pelo que a sua incúria escapa em absoluto ao "normal proceder e à experiência comum”, ou, nas palavras da decisão recorrida, os actos que (não) adotou, quanto à desproteção do sigilo que devia ter em relação à detenção de contas bancárias, permitiram e agravaram os danos que invoca. XXIII. Assim, contrariamente ao decidido, o contributo do A. para a ocorrência e o agravamento dos danos é notório e resulta dos factos provados (cfr. pontos 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73 e 74). XXIV. Por um lado, a negligência no acompanhamento da movimentação da sua conta bancária e da rentabilidade da sua carteira de investimentos, durante cerca de 4 anos, quando tinha meios para o fazer e se bastou com a entrega em mão / por email de extratos manipulados e folhas de excel; XXV. Por outro, o envio de sucessivos emails com conteúdo pessoal para endereço profissional da gestora de conta, facilitando a concretização da atuação ilícita da sua gestora, “não separando as relações profissionais que deveria ter mantido nos contactos bancários, com as relações pessoais que mantinha com a funcionária do Banco, remetendo-lhe correspondência eletrónica pessoal e amorosa para o e-mail profissional da BB, o que facilitou as intenções desta, alterando o conteúdo desses e-mails por forma a parecerem ordens de transferência.” (cfr. fls. 22 da sentença). XXVI. Assim, o descuido negligente do A. evidencia-se não apenas na ausência de análise e de acompanhamento durante anos a fio da evolução dos seus investimentos, saldos e respetiva remuneração, podendo fazê-lo pelos meios de qualquer cliente bancário, e que não foram valoradas pelo Tribunal a quo, transparecendo ainda de outras circunstâncias e factos que igualmente revelam o descuido e omissão negligente do dever de vigilância do seu património. XXVII. Na linha dos ensinamentos de José Carlos Brandão Proença (“A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual”, pág. 101) e de Ana Prata (“Código Civil Anotado”, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, págs. 731-732), citados no corpo da presente alegação, quanto ao modo de apreciação da culpa do lesado, a pergunta fundamental será, assim, a de saber o que faria, perante a situação em análise, uma pessoa medianamente diligente com as características do A.: empresário experiente do ramo da construção civil, obras públicas e compra e venda de bens imóveis e promoção imobiliária, habituado a lidar e a negociar com bancos e perfeitamente familiarizado com a prática bancária no que concerne à emissão e envio de extratos bancários (incluindo do Banco) e com o acompanhamento de investimentos financeiros avultados (como é o caso dos autos). XXVIII. No caso dos autos, está demonstrado que o A. não usou da diligência e prudência que lhe eram exigíveis, atentos os montantes dos investimentos em causa, a prática bancária que conhecia (inclusive no Banco R.), misturando relações profissionais bancárias com relacionamentos pessoais e de acordo com o critério do homo diligentissimus ou bónus pater-familias, pretendendo agora imputar ao Banco, em exclusivo, uma responsabilidade por danos (que para o banco decorre de responsabilidade objetiva) para os quais também contribuiu com a sua conduta negligente, em juízo de concausalidade. XXIX. Assim, deverá a decisão recorrida ser alterada e substituída por outra que reduza a indemnização quanto aos juros remuneratórios peticionados, na linha da decisão da sentença proferida pelo Tribunal 1ª instância: que a conduta negligente do A. contribuiu de forma decisiva para o agravamento dos danos invocados. XXX. No sentido da decisão da 1ª instância, veja-se o acórdão proferido pelo STJ em 17.06.2021, no processo 10186/15.4T8PRT.P1.S1 (disponível em www.dgsi.pt ), o acórdão proferido pelo TRP em 08.03.2019, no processo 9452/15.3T8PRT.P1 (também disponível em www.dgsi.pt ) e o acórdão proferido pelo TRE em 26.05.202, no processo nº 556/06.4TBETZ.E1 (também disponível em www.dgsi.pt ), citados no corpo da presente alegação. XXXI. A decisão recorrida, desconsiderou a matéria de facto provada sob os nºs. 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73 e 74 e violou o art. 570º, nº 1 do CC ao concluir que não se deve considerar haver culpa do lesado/A. XXXII. Face ao exposto, deverão ser julgadas procedentes as conclusões quanto ao erro de interpretação e aplicação do instituto da culpa do lesado (art. 570º, nº 1 do CC) e à alteração da decisão recorrida no que respeita à redução do pedido indemnizatório, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo e confirmando-se a sentença proferida em 1ª instância. XXXIII. Por outro lado, foi fixado aos presentes autos o valor de € 339.600,00. XXXIV. Prescreve o art. 6º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento”. XXXV. Por seu turno, o art. 6º, nº 7 do citado Regulamento prescreve que, “Nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. XXXVI. Na fixação das custas do processo, o Tribunal deverá ter em consideração não apenas o valor da causa, mas também a complexidade da matéria e o trabalho efetivamente desenvolvido pelo Tribunal. XXXVII. Entende o Banco Recorrente que o montante das custas devidas nos presentes autos calculada exclusivamente em função do respetivo valor da causa (se não for dispensado o pagamento do remanescente) mostra-se desfasado da real e efetiva complexidade da causa, apontando para uma desproporcionalidade entre o serviço prestado e os custos a cobrar. XXXVIII. Sendo certo que, as questões de direito neste caso, não sofrem influência desse valor e que as audiências para produção de prova testemunhal não foram, por demais extensas, e ocorreram sem incidentes anómalos, como, designadamente, referiu o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão proferido no processo nº 3768/05.4TBLSB.L1-1 citado no corpo da presente alegação. XXXIX. É assim manifestamente desproporcionado e exagerado, aplicar este remanescente de taxa de justiça, tendo em conta os pedidos efectuados, o impulso que o ora requerente promoveu durante o processo e a complexidade verificada do mesmo processo (neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.05.2013 e a sua fundamentação - in www.dgsi.pt). XL. Trata-se de uma faculdade que pode ser apreciada mesmo em sede de recurso (assim, o acórdão do S.T.J. de 19.09.2013, proferido no processo n.º 738/08.4TVLSB.L1.S1, relatado pela Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em http://www.dgsi.pt ). XLI. Aliás, confirmada pela mais recente posição do STJ nesta matéria, de que se citam os acórdãos de 29.03.2022, proferido no processo nº 2309/16.2T8PTM.E1-A.S1 e de 12.03.2024, proferido no processo nº 8585/20.9T8PRT.P1.S1 (ambos disponíveis em www.dgsi.pt), cujos sumários se transcreveram no corpo da presente alegação. XLII. Não obstante a legislação sobre a matéria ter sido nos tempos mais recentes várias vezes alterada e supostamente “aperfeiçoada”, as atuais tabelas do RCP ainda não permitem, se aplicadas sem intervenção moderadora do Juiz, obedecer ao princípio constitucional da proporcionalidade decorrente dos artigos 2º, 18º nº 2 segunda parte e 266º nº 2, da Constituição da República Portuguesa. XLIII. Uma qualquer outra interpretação, no caso concreto, sempre seria violadora dos referidos preceitos constitucionais. XLIV. Como se referiu, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013 (publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de 2013, p. 31098), citando diversa jurisprudência sobre a matéria: “…a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar -se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007). Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito...” XLV. O que foi também sufragado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 604/2013 de 24.09.2013, relativos a normas do antigo C.C.J., mas cuja fundamentação se tem aqui por inteiramente aplicável. XLVI. Requerendo-se, assim, a V. Exas. a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a pagar a final, ao abrigo da previsão do art. 6º, nº 7 do RCP. Termos em que, deverão as precedentes conclusões ser julgadas totalmente procedentes, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo no que respeita ao instituto da culpa do lesado (art. 570º, nº 1 do CC) e confirmando-se a sentença proferida em 1ª instância, e ainda, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça, assim fazendo V. Exas. inteira Justiça!” ◌ ◌ ◌ 6) O autor, ora recorrido, apresentou resposta às alegações, concluindo o articulado pela forma seguinte: “1. Tendo em conta as conclusões que delimitam o objecto do recurso nos termos do disposto no artº 639º nº 1 CPC, constata-se que o recorrente não demonstra a concausalidade prevista no artº 570º C Civil. 2. Não há culpa do lesado – Recorrido. 3. O Recorrido, enquanto depositante, confiou na gestora das suas contas, não se apercebeu da actuação ilícita desta em fazer suas quantias que tinham sido depositadas pelo mesmo Recorrido. 4. O facto de o Recorrido ter mantido relação pessoal com a funcionária do Banco, remetendo-lhe correspondência eletrónica pessoal e amorosa para o e-mail profissional da BB, não é facto que possa ter facilitado, nem as intenções desta, nem a sua conduta de alterar e falsificar o conteúdo dos e-mails por forma a parecerem verdadeiras ordens de transferência. 5. Assim, o Recorrido não foi negligente na defesa dos seus próprios interesses. 6. Não há factos provados que demonstrem qual o grau de envolvimento entre o Autor Recorrido e a funcionária do banco. 7. O que sucedeu foi uma traição da confiança que o Autor depositava na instituição bancária, a qual ocorreu através da atuação de uma funcionária da Ré que, dolosamente e com artifício (falsificação de documentos) conseguiu obter dinheiro que estava depositado nas contas do Autor. 8. E essa relação de confiança que o cliente mantém com a entidade bancária e que esta deve demonstrar e preservar perante aquele não pode ser diminuída somente porque o Autor também acreditava na sua gestora com quem matinha uma relação afetiva. 9. Se um cliente pode confiar num gestor de uma conta bancária quando inexiste qualquer outro tipo de envolvimento entre as duas partes, é natural que essa confiança se mantenha (e até aumente) quando se acredita que existe mais do que confiança mútua, ou seja, no caso, que existe um sentimento amoroso mútuo. 10. Havendo esse envolvimento, o mesmo não consiste num meio privilegiado de gestão do dinheiro através da dita funcionária, ainda gestora das contas, mediante comunicações ao Autor pela mesma, nem tal envolvimento permite retirar a conclusão de que que o depositante revela incúria na defesa dos seus interesses. 11. Se não existisse envolvimento pessoal, a interacção entre o Autor e a dita funcionária seria a mesma, pois esta é que, na qualidade de gestora do serviço Private do banco e das contas bancárias daquele, trataria pessoalmente com o mesmo Autor dos assuntos inerentes aos depósitos bancários, pois esta era a sua interlocutora mais imediata por ser a gestora das contas. 12. E, havendo um relacionamento mais íntimo, esse relacionamento poderia continuar e até aumentar, razão pela qual não se pode concluir que o Autor não tivesse sido diligente na gestão do seu dinheiro 13. Bastaria que a funcionária tivesse cumprido os seus deveres, gerindo as contas de acordo com os interesses do Autor, para que não houvesse qualquer problema. 14. Não existe qualquer facto provado que indicie que o Autor tenha permitido o acesso às contas bancárias fornecendo à funcionária elementos para tal, por exemplo, disponibilizando códigos de acesso que lhe facultassem a movimentação das suas contas bancárias. 15. Pelo contrário, está provado que o Autor nunca utilizou o sistema homebanking, o qual, por norma, se presta a mais abusos por parte de terceiros. – Facto provado sob o ponto nº 72. 16. O que se apurou é que a indicada funcionária se aproveitou de comunicações do Autor, por e-mail e os adulterou, transformando ou operações que eram pedidas em outro tipo de operação ou alterando mails pessoais em pedidos de retirada de dinheiro ou efetuando operações sem a devida confirmação pelo Autor. 17. No caso concreto, não consta qualquer facto que permita concluir que era expectável que a conduta da funcionária do banco pudesse vir a suceder, que houvesse algum indício que uma pessoa medianamente diligente se pudesse aperceber que estava a ser vítima de perda de quantia monetária com que não concordava. Nestes termos e nos mais de direito, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista. ◌ ◌ ◌ 7) Colhidos os vistos legais dos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o presente acórdão, importa decidir sobre o mérito da revista interposta. Tendo em conta o teor das conclusões das alegações apresentadas que delimitam, em princípio e sem embargo do conhecimento oficioso de qualquer outra questão, o objecto da revista, a questão central colocada pelo banco recorrente consiste em saber se, face aos factos apurados, se deve concluir que o autor lesado pela conduta de uma funcionária do banco réu concorreu para a produção ou agravamento do dano de forma a justificar a redução da indemnização arbitrada ao autor ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil. Sobre esta questão entendeu a sentença proferida em primeira instância que “o autor foi, também ele, negligente na defesa dos seus próprios interesses, não separando as relações profissionais que deveria ter mantido nos contactos bancários com as relações pessoais que mantinha com a funcionária do banco, remetendo-lhe correspondência electrónica pessoal e amorosa para o e-mail profissional da BB, o que facilitou as intenções desta, alterando o conteúdo desses e-mails por forma a parecerem ordens de transferência.” E em consequência reduziu a indemnização arbitrada ao autor do valor correspondente aos juros remuneratórios, declarando ter o autor direito apenas aos juros de mora vencidos desde a citação para a acção. Tal entendimento não foi, porém, perfilhado no acórdão recorrido que, reconhecendo a especificidade da situação ajuizada e não ter o autor incorrido em conduta negligente no que se refere ao controle dos saldos das suas contas bancárias, revogou a sentença recorrida e condenou o banco réu no pagamento dos juros remuneratórios devidos pelo rendimento, frustrado, do capital retirado das contas do autor. A matéria relativa à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em dívida (conclusões XXXIII e seguintes) não constitui objecto de revista, apresentando-se como um requerimento dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça que será igualmente apreciado. Vejamos, em primeiro lugar, o elenco dos factos apurados. ֎ ֎ ֎ FUNDAMENTAÇÃO Parte I – Os Factos Factos provados As instâncias deram como provados os seguintes factos: “1- A ré, Banco BPI SA, é uma instituição de crédito, prosseguindo actividade de concessão de crédito de acordo com o regime Jurídico das Instituições de Crédito, exercendo as catividades permitidas por lei aos bancos; 2- O Autor AA, abriu uma conta de depósitos à ordem no Banco réu em maio de 2009, à qual foi atribuído o nº ...88 BPI; 3- O Autor abriu uma outra conta de depósitos à ordem no Banco réu em agosto 2011, à qual foi atribuído o nº ...71; 4- O autor, por si ou através de empresas de que é sócio, já anteriormente era cliente do Banco réu, aí titulando outras contas; 5- O autor foi efectuando diversos depósitos a prazo, anexos àquelas duas contas de depósitos á ordem; 6- A abertura das referidas contas de depósitos à ordem (DO), o preenchimento e assinatura dos respectivos documentos, teve lugar nas instalações do Banco réu, no Centro de Investimentos (CI)..., no Porto, sitas na Rua ..., entre o autor e a então funcionária da ré, BB, sendo sempre esta a interlocutora do autor relativamente à abertura, manutenção e acompanhamento destas duas contas de Depósitos à Ordem; 7- No dia 8 de março de 2013, um funcionário do Banco réu, CC, contactou o autor, solicitando-lhe que se deslocasse ao Centro de Investimentos do Banco réu, o que o autor fez, nesse próprio dia; 8- Naquele local, o Sr. CC afirmou ao autor que já o tinham tentado telefonar várias vezes, mas para um número de telefone que não era nem nunca foi o seu (...50), só o tendo conseguido contactar, telefonando para uma empresa da qual o A. é sócio-gerente (também cliente do R. nesse CI), que lhe forneceu o número telefónico correcto. 9- Aí no local, explicaram-lhe que o tinha contactado por se estarem a vencer depósitos a prazo, com vista a indagar novo investimento nesse tipo de depósitos; 10- O autor foi contactado pelo funcionário da ré acima referido, em consequência de a referida BB estar suspensa de funções, por terem sido detectadas irregularidades na movimentação de conta bancária de outro cliente; 11- Nessa altura, o funcionário da ré, CC, apresentou ao autor a posição de carteira dos investimentos em depósitos a prazo; 12- Analisando a documentação que lhe foi apresentada por esse funcionário da ré, o autor detectou que dela não constava informação quanto à quantia total de 340.000,00 €, que havia aplicado e investido em depósitos a prazo anexados às suas referidas contas de depósitos à ordem; 13- O referido funcionário da ré insistiu na veracidade das contas e movimentos financeiros que constituíam a carteira de investimentos do autor, reiterando a sua conformidade com a realidade; 14- Nesse mesmo dia e manhã, o autor contactou telefonicamente a gestora da sua conta, a funcionária da ré, BB, que, nessa data já não se encontrava ao serviço da ré; 15- A referida BB acabou por atender o telefonema do autor, assumindo ter desviado cerca de 340.000,00 da sua conta bancária, para seu benefício e exclusivo proveito, afirmando que lhe devolveria as quantias de que se apropriara; 16- O autor colocou o seu telemóvel em voz alta, tendo as afirmações acima referidas da BB sido ouvidas por alguns dos funcionários da ré que se encontravam nas instalações desta, nomeadamente pelos funcionários CC e DD; 17- Como já referido, nessa conversa telefónica, a BB solicitou ao autor que “tivesse calma, que tinha retirado 340.000,00 €, mas que não se preocupasse porque dentro de dois dias, os seus irmãos iriam repor o valor na conta do autor”; 18- O autor solicitou a esses funcionários, CC e DD, que assinassem uma declaração que comprovasse que tinham assistido a essa conversa telefónica e ouvido a conversa do autor com a BB, respondendo estes que, apesar de confirmarem o teor dessa conversa telefónica, não podiam assinar tal declaração sem autorização superior; 19- Ainda nesse mesmo dia, o autor solicitou uma reunião com o Dr. EE, director dos CI e que, nessa qualidade, era o superior hierárquico da BB; 20- Durante a tarde desse dia, o Dr. EE reuniu-se com o autor e tentou sossegá-lo, declarando que o banco BPI era um banco sério; 21- O autor analisou a documentação que tinha em seu poder e requisitou outra documentação ao banco, a fim de investigar o destino do dinheiro que lhe havia sido retirado das suas referidas contas de depósitos à ordem, sem o seu conhecimento e autorização; 22- Mercê dessas diligências e investigações, o autor descobriu que, sem suas instruções, sem o seu conhecimento e contra a sua vontade, a BB procedera a retiradas e desvios de valores da referida conta do Autor nº ...88 BPI, que atingiram o montante de 339.600 €, da seguinte forma e nas seguintes datas (docs. 10 a 236 juntos com a petição inicial): A) Para a conta do BCP ...53, de que é titular FF, casado com GG (...da BB), residente ena Rua ..., ... – ...,
23- Assim, a BB retirou da conta do autor nº...88 BPI e procedeu à transferência e desvio de quantias para conta do BCP com o nº ...53, titulada por FF, totalizando o montante de 19.300,00 €; 24- Retirou da conta do autor nº ...88BPI e procedeu à transferência e desvio de quantias para conta CGD ...48, titulada por HH, totalizando o montante de 115.000,00 €; 25- Retirou da conta do autor nº ...88 BPI e procedeu à transferência e desvio de quantias para conta da CGD ...76, titulada por JJ, totalizando o montante de 23.000,00 €; 26- Retirou da conta do autor nº...88 BPI e procedeu à transferência e desvio de quantias para conta do BCP com o nº ...05, titulada por KK, totalizando o montante de 45.000,00 €; 27- Retirou da conta do A. nº ...88 BPI e procedeu à transferência e desvio de quantias para conta da CGD ...43, titulada por LL, totalizando o montante de 137.300,00 €; 28- A BB, com estas operações, retirou e desviou da conta do autor com o nº ...88BPI o total de 339.600,00 €, assim prejudicando o autor nessas quantias, que lhe pertenciam; 29- Após tais operações, os destinatários das mesmas levantavam tais quantias em dinheiro, que entregavam em mão à BB; 30- Os destinatários dessas operações, eram pessoas conhecidas da BB, a quem esta convencia (para) que pudesse usar as suas contas bancárias para tal efeito, com os mais diversos argumentos, tais como que seria dinheiro produto do seu trabalho, mas que pretendia que não fosse do conhecimento do seu marido, ou que era dinheiro que lhe era dado pelo seu pai, mas pretendendo que os restantes irmãos dela não tomassem conhecimento dessas doações em dinheiro; 31- Tais desvios de dinheiro da conta do autor, ocorreram mediante falsificação de documentação e de correspondência electrónica entre o autor e a BB, para o endereço electrónico profissional desta, operações executadas pela BB; 32- Para o efeito, a BB procedeu á falsificação dos seguintes documentos, para sustentarem, internamente e no banco réu as sobreditas retiradas de valores das contas do autor: A) - CONTA DO BCP nº ...33 33- Para sustentar a retirada de valores da conta do autor para a conta do BCP nº ...33, titulada por FF, procedeu aos seguintes actos materiais: 34- Em 04/03/2010, efectuou o desvio de 6.600,00 €, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Agradeço a transferência de 6.600 € da minha conta particular ...88 para o NIB ...53» (docs. 6, 7, 8, 9, 10 juntos com a petição inicial; 35- Em 26/04/2010, efectuou o desvio de 5.000,00 €, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Agradeço a transferência de 5.000 € da minha conta particular ...88 para o NIB ...53» (docs. 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17 juntos com a petição inicial); 36- Em 04/03/2011, efectuou o desvio de 4.500,00€, falsificando uma ordem de transferência subscrita pelo autor, apondo em impresso do banco Réu, pelo próprio punho da BB, os seguintes dizeres: «Agradeço que a 4/3/2011 seja feita uma transferência do NUC acima indicado para o NIB ...53» (docs. 18,19,20,21 juntos com a petição inicial); 37- Em 17/08/2011, efectuou o desvio de 2.000,00€, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Agradeço transferência de 2.000 € para o NIB ...53» (docs. 22,23,24,25,26,27 juntos com a petição inicial; 38- Em 30/08/2011, efectuou o desvio de 1.200,00€, falsificando uma ordem de transferência apondo-o em impresso do banco Réu apondo, pelo próprio punho, os seguintes dizeres: “Agradeço transferência de 1.200 € para o NIB ...53» (docs. 28, 29, 30, 31, 32 juntos com a petição inicial); B) - CONTA DA CGD ...48 39- Para sustentar a retirada de valores da conta do A. para a conta da CGD ...48, titulada por HH, a BB procedeu aos seguintes actos materiais: 40- Em 10/08/2010, efectuou o desvio de 15.000,00€, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Solicito mobilização de 15.000 € do DP ...01 e transferência para o NIB ...48 da CGD» (docs. 33, 34, 35, 36, 37 juntos com a petição inicial); 41- Em 09/09/2010, efectuou o desvio de 14.000,00€, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Solicito mobilização de 14.000 € do DP da conta particular nº ...01 e transferência para o NIB ...48 do mesmo valor» (docs. 39, 40, 41, 42, 43, 44 juntos com a petição inicial); 42- Em 20/10/2010, efectuou o desvio de 20.000,00€, falsificando o documento com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Agradeço também o resgate de 20.000 € do DP ...04 e transferência para o NIB ...48 da CGD» (docs. 45, 46, 47, 48, 49, 50 juntos com a petição inicial); 43- Em 09/12/2010, efectuou o desvio de 21.000,00, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Solicito mobilização de DP no valor de 21.000 € e transferência do mesmo valor para o NIB ...48 da CGD» (docs. 51, 52, 53, 54, 55, 56 juntos com a petição inicial); 44- Em 03/02/2011, efectuou o desvio de 20.000,00€, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Boa noite Drª BB. Agradeço que ponha á ordem 20.000 € e do DP ...01 e efectue transferência para o NIB ...48 da CGD do mesmo valor» (docs. 57, 58, 59, 60, 61 juntos com a petição inicial); 45- Em 18/02/2011, efectuou o desvio de 25.000,00€, «mobilização do DP...04 pela totalidade transferência de 25.000 € para o NIB ...48 da CGD» (docs. 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69 juntos com a petição inicial); 46- Esta transferência foi efectuada sem que previamente tivesse sido feita a confirmação para o telefone do Autor; 47- Este valor de 25.000,00 euros, foi, entretanto, devolvido pelo banco réu ao autor em 12-7-2013; C) - CONTA DA CGD ...76 48- Para sustentar a retirada de valores da conta do autor para a CONTA DA CGD ...76 titulada por JJ a BB procedeu aos seguintes actos materiais: 49- Em 07/05/2012, efectuou o desvio de 23.000,00€, falsificando o e-mail com essa data, que lhe fora remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Agradeço a mobilização de 25.000 € da DP de 190.000 € da conta ...71. Pretendo que este valor seja transferido para a conta ...88 e posteriormente transferido o montante de 23.000 € para o NIB ...76 em nome de MM» (docs. 228 a 236 juntos com a petição inicial); 50- A fim de proceder a este desvio de 23.000 €, a funcionária do R. transferiu 25.000 € (parte de uma DP de 190.000 € que estava na conta ...71 (conta nova do A.) para a conta antiga ...88) e desta última sacou a quantia de 23.000 €; D) - CONTA DO BCP ...05 51- Para sustentar a retirada de valores da conta do autor para a conta do BCP ...05, titulada por KK, a BB procedeu aos seguintes actos materiais: 52- Em 14/11/2011, efectuou o desvio de 45.000,00€, falsificando o e-mail dessa data remetido pelo Autor para o seu e-mail profissional, apondo-lhe os seguintes dizeres: «Mobilização de 50.000,00 do DP e transferência de 45.000,00 para o NIB ...05» (docs. 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77 juntos com a petição inicial); E) - CONTA DA CGD ...43 53- Para sustentar a retirada de valores da conta do autor para a conta da CGD ...43, titulada por LL, a BB procedeu aos seguintes actos materiais: 54- Em 09/09/2009, efectuou o desvio de 137.000,00€, falsificando o documento com data de 7/09/2009, subscrito pelo Autor, apondo-lhe os seguintes dizeres sem autorização e contra o consentimento do Autor: «Agradeço transferência do valor de 137.300 € para o NIB ...43 titulada por LL» (docs. 78,79,80,81,82,83,84,85 juntos com a petição inicial); 55- Em 09/09/2009, efectuou o desvio de 47.300,00€, falsificando o documento dessa data, remetido pelo Autor; 56- Com efeito, em 9 de setembro de 2009 o autor dera instruções à referida gestora de conta, BB, para que aplicasse o montante de 1.000.000 € (depositado na conta do A. DO nº ...88 BPI), em depósitos a prazo, pelo prazo de 90 dias; 57- Nesse mesmo dia 9/9/2009, o autor dera instruções à BB, para que efectuasse o resgate do BPI Liquidez, no valor de 1.433.481,32 pertencente ao autor; 58- E, dera-lhe, ainda, instruções, para que, com esse valor de 1.433.481,32. constituísse dois depósitos a prazo, anexos à referida conta à ordem de que era titular: b. - O DP ...01, no valor de 500.000,00 c. - O DP ...02, no valor de 500.000,00 d. - Fundos de tesouraria (valor restante de 1.433.481,32), no valor de: 292.370,00 59- Todavia, A BB não cumpriu tais instruções do autor, falsificando os documentos que continham essas ordens e instruções do autor, para efectuar as retiradas de dinheiro das contas bancárias do autor; 60- O autor estava convencido de que as suas instruções seriam cumpridas pela BB; 61- Todos os beneficiários de transferências acima referidos, eram pessoas desconhecidas do autor; 62- No decurso das suas averiguações, o autor contactou as pessoas em causa, que confirmaram tais factos alegando terem-no feito a solicitação da BB, convencidos de que seria dinheiro que a ela pertencia, como acima referido, proveniente do seu trabalho ou dado pelo seu; 63- Aquando do primeiro desvio, ocorrido em setembro de 2009, a BB procedeu à alteração de dados identificativos do autor nas fichas bancárias, nomeadamente no que se refere a residência do Autor e contacto de telemóvel, sem o conhecimento e consentimento do Autor, com a finalidade de dificultar o contacto de outros colegas com o autor e para que este se mantivesse alheado dos factos que viria a praticar; 64- Essa nova residência e número de telefone não correspondiam a qualquer residência do Autor nem a seu telefone; 65- Para alcançar o seu desiderato, a BB disse ao autor que não era prática do CI remeter extractos bancários pelo correio, mas ia-lhe entregando e enviando extractos das suas contas bancárias, por si falseados e em papel timbrado do BPI, com o objectivo de fazer crer ao autor que as contas bancárias estavam provisionadas com os valores que delas havia retirado; 66- Para além de ter ficado desapossado de tais quantias, em consequência da conduta da BB, o autor deixou de receber também as quantias que lhe seriam devidas a título de remuneração desse capital em depósitos que se encontravam a prazo; 67- As contas tituladas pelo autor nº ...88 e nº ...01, no Centro de Investimento do BPI – ..., foram por este abertas, respectivamente, em Maio de 2009 e em Agosto de 2011, delas constando a seguinte documentação: Conta nº ...88 - Ficha de assinaturas da conta aberta em 29.05.2009 (doc. 1), a respectiva ficha de informação individual (doc. 2), autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico, assinada na data de abertura da conta (doc. 3), alteração da titularidade da conta, em 31.07.2009, mediante a inserção de um novo titular (doc. 4), contrato de adesão ao serviço BPI Directo / BPI Net assinado em 07.09.2009 (doc. 5), nova autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico assinada em 27.08.2010 (doc. 6) e alteração à ficha de informação individual, ocorrida em 03.09.2013 (doc. 7, correspondentes a docs. juntos com a contestação e em arquivo no Banco réu); Conta nº ...01 - Ficha de assinaturas da conta aberta em 24.08.2011 (doc. 8), autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico, assinada na data de abertura da conta (doc. 9) e alteração à ficha de informação individual, ocorrida em 18.07.2013 (doc. 10, correspondentes a docs. juntos com a contestação); 68- Para além das duas contas bancárias supra identificadas, o autor abriu ainda duas outras contas bancárias a seguir indicadas, ambas no Centro de Investimento das ... (doc. 11), tituladas pelas sociedades “R...Lda.” e “R...Lda.”, das quais o autor é o único gerente (docs. 12 e 13, correspondentes a docs. juntos com a contestação) e representante com poderes de movimentação: - Conta nº ...01, aberta em 15.06.2009, em que é titular a sociedade “R...Lda.”, conforme se demonstra pela ficha de assinaturas (doc. 14) e respectiva ficha de informação individual (doc. 15), autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico, assinada em 27.11.2009 (doc. 16) e nova autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico assinada em 27.08.2010 (doc. 17, docs. juntos com a contestação; - Conta nº ...01, aberta em 09.12.2009, em que é titular a sociedade “R...Lda.”, conforme se demonstra pela ficha de assinaturas (doc. 18), autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico, assinada em 11.12.2009 (doc. 19) e nova autorização de transmissão de instruções por fax ou correio electrónico assinada em 27.08.2010 (doc. 20, docs. Da contestação; 69- O autor foi ainda titular de uma conta bancária no BPI – Private Banking, com o nº ...01, aberta em 21.01.2010, conforme se demonstra pela respectiva ficha de conta (doc. 21) e ficha de identificação de cliente (doc. 22), docs. da contestação); 70- O autor é empresário há mais de 20 anos, com larga experiência não só no ramo de actividade em que se insere (construção civil e obras públicas, compra e venda de bens imóveis e promoção imobiliária), como ainda no relacionamento comercial com instituições de crédito; 71- O autor, tal como, aliás, qualquer cliente do Banco réu, tem acesso à movimentação das contas bancárias de que é titular e representante, não só através dos extractos bancários mensais que o Banco remete, como ainda, no caso do autor, através do serviço de homebanking BPI Net a que o mesmo aderiu em 07.09.2009 (doc. 5 da contestação); 72- no que se refere à conta aqui em causa nestes autos, nunca o autor usou tal serviço de homebanking, bastando-se com as informações que a BB lhe ia fornecendo, pela forma acima descrita; 73- Tal deveu-se ao facto de o autor, pelo menos desde a abertura da conta aqui em causa e até descobrir as operações fraudulentas operadas pela BB, ter com esta mantido uma relação íntima, de cariz amoroso, confiando na sua actuação; 74- Mercê dessa relação, o autor enviava correio electrónico com mensagens pessoais para o endereço electrónico profissional da BB, cuja redacção era de seguida por esta alterada, passando a parecer uma instrução de transferência de fundos (de que é exemplo doc. junto aos autos, em que o autor remete correio electrónico a desejar à BB um bom dia e que esta altera para “agradeço transferência…”); 75- As transferências questionadas nos presentes autos, com excepção da efectuada no dia 18.02.2011, no valor de € 25.000,00, a qual, como o autor reconhece, lhe foi já devolvida pelo banco réu, encontram suporte documental em arquivo do banco réu; 76- Sabedor, pelas averiguações levadas a efeito, das relações pessoais e íntimas entre o autor e a BB, não podendo apurar da alteração/falsificação de documentação e comunicações electrónicas acima referidas, o banco réu optou por considerar tais ordens de transferências como boas e regularmente emitidas, até demonstração contrária cabal, determinando assim a posição assumida pelo Banco réu, relativamente às sucessivas reclamações do autor; 77- Por averiguações da ré, apurou-se que, em Setembro de 2009, foi alterada a morada de destino da correspondência a remeter para o autor, não tendo o Banco logrado localizar nos seus arquivos o respectivo pedido escrito do autor, nesse sentido; 78- No entanto, tal alteração de morada de destino de correspondência apenas terá ocorrido no período compreendido entre 08.09.2009 e 02.10.2009; 79-Ainda no seguimento das suas averiguações, apurou a ré que, relativamente ao número de telemóvel do autor constante dos registos informáticos do Banco, em setembro de 2010, a BB alterou o nº de telemóvel indicado na ficha de informação individual – ...50 - para o nº ...52, não tendo o Banco logrado localizar nos seus arquivos o respectivo pedido escrito do autor; 80- Em julho de 2013, o autor transferiu as suas contas bancárias com os NUC’s ...88 e ...71 do Centro de Investimento das ... para a agência do BPI de ...; 81- Nessa altura e na agência de ..., o autor assinou, em 18.07.2013, uma nova ficha de informação individual na qual vêm expressamente indicados como contactos de telefones móveis, não só o nº ...50 que o autor alega ser seu desde sempre, como ainda, o referido nº ...52 que o autor afirma desconhecer (doc. nº 10 junto com a contestação). ◌ ◌ ◌ Parte II – O Direito 1) Vejamos então a questão da aplicação a este caso concreto da previsão do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil, por forma a decidir se deve ou não ser reduzida a indemnização devida ao autor lesado. Conforme foi já assinalado divergiram as instâncias sobre a única questão suscitada na presente revista - a aplicação ao caso presente do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil face aos factos apurados. 2) Assente está que o banco recorrente é civilmente responsável perante o autor pelos danos que lhe foram causados por uma sua ex-funcionária através da apropriação ilícita, suportada pela falsificação de documentos supostamente contendo ordens ou instruções do autor, de valores monetários depositados pelo autor em contas bancárias de que a mencionada ex-funcionária era gestora. A sentença proferida em primeira instância condenou o ora banco recorrente no pagamento / devolução das quantias retiradas das contas do autor sem a sua autorização – no montante global rectificado de 314.600,00 euros não repostos – acrescidas dos juros vencidos e vincendos desde a citação para a acção e até integral pagamento, mas não lhe atribuiu qualquer indemnização pelos juros remuneratórios sobre as quantias de que o autor ficou desapossado, por entender que o autor tinha contribuído com a sua conduta negligente para o dano sofrido, assim reduzindo à indemnização devida que devida, ao abrigo do disposto no artigo 570.º n.º 1 do Código Civil, o valor dos juros remuneratórios que tais quantias gerariam. Já o acórdão recorrido entendeu não haver fundamento para reduzir a indemnização devida, na medida em que o autor ao deixar de controlar o estado das contas bancárias de que era gestora a ex-funcionária do banco réu com quem mantinha um relacionamento intimo, de cariz amoroso, foi vítima de um engano ardilosamente montado, sem exteriorização de factos que a uma pessoa medianamente diligente fizessem suspeitar que das contas bancárias de que era titular tinha sido retirada qualquer quantia sem o seu conhecimento e contra sua vontade. 3) Recapitulemos os factos apurados com relevo sobre a matéria. Tanto quanto decorre dos factos apurados foram retiradas de duas contas bancários de que o autor era titular no Banco BPI – Centro de Investimentos das ... – 339.600,00 euros, facto de que o autor só se apercebeu quando foi contactado em março de 2013 para efeito de reinvestir o valor de depósitos a prazo que se estavam a vencer, sendo então informado da posição da sua carteira de investimentos em depósitos a prazo. Mais resultou provado que a ex-funcionária do Banco BPI BB, que era a gestora das suas contas bancárias no mencionado Centro de Investimento das ..., retirou das constas bancárias de que o autor era titular – sem conhecimento e/ou instruções dadas pelo autor – entre setembro de 2009 e maio de 2012, quantias que totalizaram 339.600,00 euros de que se apoderou. E que a ex-funcionária do banco recorrente gestora das constas de que o autor era titular logo em setembro de 2009 procedeu à alteração dos elementos de identificação existentes nas fichas bancárias (residência e contacto de telemóvel), a fim de que o autor não tomasse conhecimento dos factos que se propunha praticar. Concomitantemente disse ao autor que não era prática do Centro de Investimento remeter extractos bancários pelo correio aos clientes, ainda que lhe tivesse entregue e enviado “extractos bancários” por si falseados, impressos em papel timbrado do Banco BPI, com o objectivo de fazer crer ao autor que as contas bancárias estavam provisionadas com os valores que delas tinha retirado (factos63 a 65). Vem ainda provado que, pelo menos desde 21 de janeiro de 2010 e até 8 de março de 2013 o autor manteve com a mencionada gestora das contas bancárias uma relação íntima de cariz amoroso, confiando o autor na sua actuação e não recorrendo o serviço de homebanking. Mais se apurou que o autor é empresário há mais de vinte anos com larga experiência no relacionamento comercial com instituições de crédito. 4) Dispõe o artigo 570.º n.º 1 do Código Civil, inserido na seção relativa ao cálculo da obrigação de indemnização e sob a epígrafe “Culpa do lesado” o seguinte: “1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.” Como anotam Pires de Lima e Antunes Varela 1, a possibilidade de uso da faculdade concedida ao julgador pelo citado preceito está dependente da circunstância de o acto ou conduta do lesado ter sido uma das causas do dano, de acordo com os mesmos princípios de causalidade adequada aplicáveis ao agente previstos, nomeadamente, no artigo 563.º do Código Civil. Trata-se de saber, como escreve Almeida Costa 2 se, ante os factos apurados em cada caso, o lesado “não adoptou a conduta exigível com que poderia ter evitado a produção do dano ou o agravamento dos seus efeitos, tenho que esse facto do prejudicado ser considerado causa do dano ou do seu aumento verificando-se um nexo de concausalidade”. Como também se escreve no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 2020 (revista 515/04.1TBGDM.P1.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt a “concausalidade de facto culposo do lesado prevista no artigo 570.º do Código Civil pressupõe que o resultado danoso provenha de uma conduta ilícita imputável ao agente, em regra, a título de culpa leve e que para a produção ou agravamento do mesmo tenha concorrido, em termos de causalidade adequada, uma conduta do lesado culposa, no sentido de não ter atuado com a diligência de uma pessoa razoável na gestão do seu interesse de modo a evitar esse resultado danoso ou a mitigá-lo.” 5) É um facto que, no âmbito da relação estabelecida com uma entidade bancária junto de quem constituiu depósitos de valores monetários, impende sobre o cliente do banco titular do depósito um dever de controlar o estado das contas e dos valores, de que continua a ser proprietário, bem como o cumprimento das ordens ou instruções transmitidas ao depositário, no âmbito da execução do contrato de depósito. O envio regular dos extractos bancários mais não é do que um mecanismo legalmente instituído que visa assegurar o exercício dessa fiscalização por parte dos titulares dos depósitos bancários. O autor, enquanto pessoa com experiência no relacionamento comercial com instituições de crédito, não podia deixar de estar ciente da obrigatoriedade de lhe ser prestada regularmente informação sobre o estado das suas contas. 6) Do que no caso presente se trata, porém, é de saber se em face do especial relacionamento pessoal que o autor à data dos factos mantinha com a gestora das suas contas bancárias no banco ora recorrente, o autor omitiu – como refere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado – “a diligência de uma pessoa razoável na gestão dos seus interesses patrimoniais”, decorrendo dessa conduta omissiva uma contribuição causalmente decisiva para a produção do dano que sofreu. Numa abordagem puramente objectiva, feita a posteriori, pode, de facto, concluir-se que se o autor tivesse instado o Banco recorrente sobre o saldo das suas contas após delas terem sido retiradas as quantias acima aludidas, sem o fazer através da sua gestora de conta, poderia obter a informação correcta acerca dos saldos das suas duas contas aqui em causa e aperceber-se de que tinham sido delas retiradas quantias sem que tivesse dado ordens ou instruções para o efeito, podendo dessa forma evitar eventuais actos futuros semelhantes por parte da ex-funcionária do banco recorrente. Dos factos apurados resulta, no entanto, que o autor só se apercebeu do comportamento ilícito da gestora das suas contas no Banco ora recorrente quando, em março de 2013, foi contactado por outro funcionário do banco que o colocou a par do estado das suas contas naquele momento. Ocorreu negligência do autor na percepção do estado real das suas contas bancárias que tenha sido concausal do dano por ele sofrido? Cremos que não. 7) Tomando com ponto de partida a afirmação de que o facto culposo do lesado deve ser um facto – acção ou omissão – desconforme ao ónus que impendia sobre o autor de actuar com a diligência com que actuaria uma pessoa normalmente cautelosa e razoável na gestão dos seus interesses patrimoniais colocada na posição em que o autor se encontrava, não pode deixar de relevar, e de modo muito particular, o reforço da confiança na informação prestada ao autor pela ex-funcionário do banco recorrente, por ser a gestora das suas contas e a pessoa através de quem se processava o relacionamento directo com o banco ora recorrente. Apesar de o relacionamento pessoal que o autor mantinha com essa pessoa não dever interferir com o relacionamento institucional com o banco, o certo é que as informações relevantes acerca das suas contas bancárias eram prestadas pela mesma pessoa que representava o banco nos seus contactos directos com o cliente. 8) Nessas concretas circunstâncias, o cidadão minimamente diligente na defesa dos seus interesses patrimoniais colocado na posição do autor, teria razões de sobra para confiar – ou no mínimo não teria razões para duvidar – na realidade das informações que lhe foram prestadas pela – repete-se – gestora das suas contas, acerca da prática do não envio sistemático pelo correio dos extractos bancários no Centro de Investimento das ... do Banco BPI, sendo certo que ela lhe entregava e enviava extracto por si elaborados em papel timbrado do Banco BPI. Mesmo que, noutras concretas circunstâncias a informação sobre a ausência de comunicação dos extractos fosse susceptível de gerar ao autor, pessoa experiente no relacionamento bancário com instituições de crédito, dúvidas acerca da justificação apresentada, a confiança do autor fundada na qualidade de quem lhe prestava as informações sobre os saldos das suas contas e valores nelas depositados, sempre deveria conduzir a não considerar a sua conduta negligente por violação do dever de melhor apuramento da realidade que lhe era transmitida pela sua gestora de conta. 9) Como salienta o acórdão recorrido não vem provado que o autor tenha facultado à ex-funcionária do banco recorrente que geria as suas contas bancárias elementos que lhe facultassem a movimentação directa das suas contas. Do facto de ela se ter aproveitado de comunicações que lhe eram dirigidas pelo autor para adulterar o respectivo conteúdo e simular ordens de transferência não se pode também extrair que o autor tenha negligenciado a gestão do seu património. Dito de outro modo, a relação pessoal estabelecida entre o autor e a ex-funcionária do banco recorrente, longe de fazer incidir sobre o autor um especial dever de vigilância sobre o estado das suas contas bancárias, contribuiu decisivamente para o reforço da confiança na veracidade das informações transmitidas ao autor por quem tinha no banco recorrente uma posição privilegiada na gestão dos seus interesses patrimoniais em relação aos valores depositados. O facto de a ex-funcionária do banco recorrente se ter aproveitado dessa confiança em proveito próprio não significa que fosse expectável que ela poderia retirar das contas bancárias de que o autor era titular quaisquer quantias sem o seu conhecimento e autorização. 10) Pelo que vem de ser dito já se antevê que não se apura qualquer conduta do autor que tenha sido (con)causal do dano por ele sofrido com a movimentação de dinheiro depositado em contas bancárias de que era titular no banco recorrente, carecendo de justificação a redução da indemnização que é devida ao autor por efeito da aplicação do artigo 570.º n.º 1 do Código Civil. Na realidade não se alcança qualquer facto culposo do lesado que tenha contribuído ou sido causa adequada da produção ou agravação dos danos sofridos pelo autor traduzida na movimentação sem ordem ou autorização sua da quantia global, ainda não restituída, de 314,600,00 euros. É injustificada a redução operada na sentença proferida em primeira instância da indemnização arbitrada ao autor em valor correspondente ao dos juros remuneratórios a que o autor teria direito se as quantias retiradas das suas contas ali continuassem a gerar rendimento. Vindo provado que o autor deixou de receber a remuneração do capital que se encontrava depositado a prazo (facto 66), o autor tem direito à remuneração do capital nos termos que se relegaram para momento posterior dado ser desconhecida a taxa de juros e as datas de vencimento dos depósitos a prazo. 11) O acórdão recorrido não merece censura ao revogar a sentença de primeira instância no segmento correspondente à redução da indemnização devida, não se acolhendo em sede de revista as conclusões em que a ré recorrente estriba solução contrária. O banco recorrente, porque vencido, suportará, nos termos gerais, as custas da revista por si interposta. ◌ ◌ ◌ 12) Requer o banco recorrente a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida. Alega, em síntese, que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é justificada no caso presente pela conduta processual das partes e pela baixa complexidade das questões suscitadas pelas partes. 13) As regras gerais sobre a Taxa de Justiça constam do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, importando destacar os seguintes aspectos parcelares: “1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. 2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela I-B, que faz parte integrante do presente Regulamento. (…) 6 – Nos processos cuja taxa seja variável, a taxa de justiça é liquidada no seu valor mínimo, devendo a parte pagar o excedente, se o houver, a final. 7 – Nas causas de valor superior a 275.000 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento. (…)” 14) De acordo com o regime de tributação processual vigente as partes auto liquidam o valor da taxa de justiça devida pelo impulso processual que vão promovendo pelo seu valor mínimo e de acordo com o valor da causa e a complexidade do processo tal como estabelecido, na ausência de regra especial, na tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Processuais. O apuramento efectivo e concreto do valor da taxa de justiça devido em cada caso é feito na conta final do processo, podendo não corresponder – como habitualmente sucede – ao valor pago ao longo do processo. Daí que nos processos em que a taxa de justiça é variável a parte tenha, a final, que pagar o excedente da taxa de justiça devida, se o houver, tendo em conta o valor de taxa de justiça já pago (artigo 6.º n.º 6 do Regulamento as Custas Processuais). No caso específico das acções de valor superior a 275.000,00 euros, o Regulamento das Custas Processuais confere ao Juiz a possibilidade de dispensar, total ou parcialmente, o pagamento do remanescente da taxa de justiça que seria devida, considerando o valor já pago (artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais) e ponderando a complexidade da causa e a conduta processual das partes. 15) Como é sabido o valor da taxa de justiça deixou de ser fixado por simples correspondência com o valor da acção, assentando no Regulamento das Custas Processuais em vigor num modelo misto que atende ao valor da acção até um certo montante mas prevê a possibilidade de correção do valor da taxa de justiça devida pelo juiz, independentemente do valor económico da causa, podendo esse valor ser agravado nas causas especialmente complexas ou quando da sua fixação em função apenas do valor da causa o montante da taxa de justiça se revele manifestamente desajustado e desproporcional ao correspondente serviço judicial prestado. É neste contexto que surge o mecanismo excepcional previsto no artigo 6.º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais – a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a 275.000,00 euros quando seja de concluir face à menor complexidade da causa e à conduta processual das partes que a condenação do responsável no pagamento da taxa de justiça não é justificada nem proporcional ao serviço público prestado. 17) Sobre a aferição da complexidade das acções para efeito de condenação no pagamento de taxa de justiça dispõe o artigo 530.º n.º 7 do Código de Processo Civil o seguinte: “7 – Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas”. No que se refere à ponderação da conduta processual das partes haverá que atender, nomeadamente aos princípios que emergem dos artigos 7.º e 8.º do Código de Processo Civil. 18) Analisados os autos, em especial os articulados das partes e as questões de facto e de direito neles colocadas, incluindo em fase de recurso, é patente que não se trata de uma causa de especial complexidade nos termos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 7 do artigo 530.º do Código de Processo Civil – em rigor as partes divergem apenas quanto à concausalidade da conduta do autor na produção ou agravamento do dano. Por outro lado, na fase de instrução do processo não foram apresentadas provas que implicassem a necessidade de utilização anormal dos meios ou tempos disponíveis, o que releva para efeito da alínea c) do citado artigo 530.º n.º 7 do Código de Processo Civil. A conduta processual das partes não extravasa a legítima defesa dos respectivos pontos de vista acerca do litígio que as divide. Assim sendo, e uma vez que a condenação no pagamento da taxa de justiça tendo apenas em linha de conta o valor da causa se afiguraria excessiva, considerando, além do mais, o interesse económico em debate em sede de revista, tem-se por justificada a dispensa do pagamento de 80% do valor do remanescente da taxa de justiça que seria devida para além do valor de 275.000,00 euros na conta a final. ֎ ֎ ֎ DECISÃO Termos em que acordam em julgar improcedente a revista interposta pelo réu Banco BPI e em confirmar o acórdão recorrido. Condenam o recorrente no pagamento das custas da revista, dispensando-o do pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça que seria devida a final. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de dezembro de 2024 Manuel José Aguiar Pereira (Relator) Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro _____________________________________________ 1. Código Civil anotado – Volume I – 3.ª edição revista e actualizada – Coimbra Editora, Ld.ª 1982, a página 556.↩︎ 2. Direito das Obrigações – 9.ª edição a páginas 725 e 726 citado no acórdão recorrido.↩︎ |