Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
| Descritores: | TRIBUNAL ARBITRAL EXCESSO DE PRONÚNCIA CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM NULIDADE DA DECISÃO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO PRINCÍPIO DO PEDIDO PRINCÍPIO DA IGUALDADE RESPONSABILIDADE CONTRATUAL PRESSUPOSTOS CAUSA DE PEDIR INCUMPRIMENTO DOLO DANO LUCRO CESSANTE DANO EMERGENTE | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | - CONCEDIDA A REVISTA DA RÉ; - CONCEDIDA A PRETENSÃO DA AUTORA | ||
| Sumário : | I. Do confronto entre o disposto pelo 1.º acórdão do TR e respectiva fundamentação e o teor do 2.º acórdão do TR, ora recorrido, verifica-se que, neste último acórdão, o Tribunal a quo não se limitou a apreciar se, uma vez suspensa a instância, o Tribunal Arbitral supriu a violação do princípio do contraditório tal como o 1.º acórdão do TR a definira e determinara que fosse suprida, antes procedeu a nova e aprofundada análise acerca da existência de violação do princípio do contraditório, o que lhe estava vedado realizar em razão da extinção do poder jurisdicional ocorrida com a prolação do 1.º acórdão. II. Na linha da jurisprudência consolidada do STJ, entende-se que, nas acções de responsabilidade civil, a causa de pedir tem carácter complexo, implicando a alegação de factos essenciais respeitantes aos diversos pressupostos da mesma cujo ónus de prova incida sobre o autor. III. Tratando-se – como sucede na acção arbitral em causa – de uma acção de responsabilidade contratual, compete à autora a alegação de factos susceptíveis de integrar o incumprimento contratual, o dano e o nexo de causalidade; e, no presente caso em que a demandante invocou a existência de dolo no incumprimento do contrato pela contraparte, cabe-lhe também a alegação de factos que demonstrem a alegada conduta dolosa. IV. À luz do princípio consagrado no art. 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal não se encontra vinculado pela qualificação dos factos feita pelas partes; porém, segundo o critério do vector ou dimensão normativa da causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.. V. Analisado o processado no processo arbitral, verifica-se que, nele, a alegação pela demandante do dado de facto ora em crise surge sempre como não correspondendo à lesão de um direito ou interesse legalmente protegido da demandante. VI. Deste modo, dúvidas não subsistem de que assiste razão à ora autora, demandada no processo arbitral, ao invocar que tal decisão não se limitou a fazer uma distinta qualificação jurídica dos factos trazidos aos autos pela ali demandante, antes se substituiu a esta na conformação da causa de pedir e do pedido. VII. Conclui-se, assim, que a decisão arbitral incorreu em condenação em objecto diverso do pedido, bem como em excesso de pronúncia, devendo ser anulada nos termos previstos no art. 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. propôs, em 19 de Julho de 2022, a presente acção contra Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A., requerendo a anulação do acórdão proferido em 19 de Maio de 2022 pelo Tribunal Arbitral, no âmbito do processo n.º 7/2018/AHC/ASB, ao abrigo do artigo 46.º da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, com os seguintes fundamentos: • O acórdão arbitral condenou a autora em objecto diverso daquele que foi peticionado pela ora ré no âmbito do processo arbitral; • O acórdão arbitral conheceu de questão de que não podia conhecer; • O acórdão arbitral violou o princípio do contraditório por não ter concedido às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre os pressupostos da condenação que proferiu, tendo proferido decisão surpresa, • O acórdão arbitral violou o princípio da igualdade, tendo colocado a ora ré numa situação de vantagem indevida sobre a ora autora. 2. A ré contestou pugnando pela improcedência da acção e pela manutenção da decisão arbitral nos precisos termos em que foi proferida. Prevenindo a possibilidade de procedência de alguma das nulidades invocadas requereu: i. A aplicação do n.º 8 do artigo 46.º da LAV, no qual se dispõe o seguinte: “Quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender o processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação”. ii. Subsidiariamente, a aplicação do n.º 7 do artigo 46.º da LAV no qual se estabelece o seguinte: “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação”. 3. O Tribunal da Relação, em 30.05.2023, proferiu acórdão no qual considerou que: • O Tribunal Arbitral não condenou em objecto diverso do pedido; • O acórdão arbitral não padece de excesso de pronúncia; • Se verificava fundamento para anulação do acórdão arbitral por violação do princípio do contraditório, “com previsível (provável) influência na decisão”; • Ficava prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas; • Relativamente aos pedidos subsidiários formulados pela ré, se verificavam os pressupostos de aplicação do n.º 8 do artigo 46.º da LAV; • E que ficava prejudicada a apreciação da questão subsidiária da aplicação do artigo 46.º, n.º 7, da LAV. A final decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do artigo 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito, após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação.”. 4. Desta decisão interpôs a ora autora, Meo, S.A., recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. A ré contra-alegou pugnando, além do mais, pela não admissibilidade do recurso. 5. O recurso de revista indicado no número anterior não foi admitido por despacho da Senhora Juíza Desembargadora Relatora do Tribunal da Relação, do qual foi interposta reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 643.º do Código de Processo Civil. 6. Por decisão do Senhor Juiz Conselheiro Relator deste Supremo Tribunal, confirmada por acórdão de 06.02.2024, a reclamação foi indeferida, mantendo-se a decisão de não admissão do recurso de revista. 7. Por requerimento de 22.12.2023 o Senhor Presidente do Tribunal Arbitral apresentou pedido de prorrogação do prazo de suspensão da presente acção de anulação, o que foi deferido. 8. O Tribunal Arbitral, aceitando retomar o processo arbitral, determinou a “notificação das Partes para, considerando o teor do referido acórdão [o acórdão do Tribunal da Relação de 30.05.2023], se pronunciarem, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre o modo de cálculo do dano que foi adotado pelo Tribunal Arbitral e o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”. Ambas as partes apresentaram alegações. 9. A 23.08.2024 foi apresentado aos autos o acórdão arbitral complementar proferido a 21.08.2024, com a seguinte decisão: “Com os fundamentos constantes da Sentença proferida em 19.05.2022 e desta Sentença Complementar, o TA decide, por unanimidade dos seus membros, manter a condenação da Demandada a pagar à Demandante uma indemnização no montante total de € 30.000.000 (trinta milhões de euros)”. 10. A 09.09.2024 a ora autora Meo, S.A. apresentou requerimento pronunciando-se sobre o teor do acórdão arbitral complementar, vindo a ora ré Vodafone a exercer o contraditório a 12.09.2024. Ambos os requerimentos foram rejeitados por despacho de 18.09.2024. 11. Pelo despacho referido no ponto anterior declarou-se cessada a suspensão da presente acção. 12. Em razão da promoção ao Supremo Tribunal de Justiça da Senhora Juíza Relatora do Tribunal, foram os autos objecto de redistribuição em cumprimento de despacho da Senhora Presidente do Tribunal da Relação. 13. A 30.01.2025 o Tribunal da Relação proferiu acórdão que, com fundamento no não suprimento da violação do princípio do contraditório, julgou a acção procedente e, em consequência, anulou a sentença arbitral. 14. Desta decisão veio a ora ré Vodafone interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando extensas alegações e conclusões recursórias que assim se podem sintetizar: A) Quanto à admissibilidade do recurso - Na medida em que incide sobre o acórdão da Relação de Lisboa de 30.01.2025 o recurso é admissível com base na previsão do artigo 671.º, n.º 1, do CPC; - Na medida em que incide sobre o acórdão da Relação de Lisboa de 30.05.2023 o recurso é também admissível: seja porque o acórdão de 30.01.2025 incorpora/actualiza todos os fundamentos invocados para a anulação do acórdão arbitral, designadamente aquele que se refere à violação do princípio do contraditório; seja por aquele primeiro acórdão ser impugnável ao abrigo do artigo 673.º do CPC. B) Nulidade do acórdão de 30.01.2025 por omissão de pronúncia - O acórdão de 30.01.2025 não conheceu da aplicabilidade do artigo 46.º, n.º 7, da LAV; - O conhecimento desta questão ficara prejudicado no acórdão de 30.05.2023; o acórdão de 30.01.2025, julgando verificado o fundamento para anulação do acórdão arbitral, devia ter conhecido de tal questão: - Pede que seja declarada a nulidade do acórdão com as consequências legais. C) Nulidade do acórdão de 30.01.2025 por excesso de pronúncia - O acórdão de 30.01.2025 apenas podia avaliar se o Tribunal Arbitral tinha ou não sanado o fundamento de invalidade dado como verificado pelo acórdão de 30.05.2023; - Ao não se ter limitado a realizar essa avaliação, o acórdão de 30.01.2025 violou o princípio da preclusão; - Nos termos legais o Supremo Tribunal deve suprir esta nulidade. D) Erro de direito do acórdão de 30.05.2023 ao dar como violado o princípio do contraditório - O Tribunal Arbitral não proferiu decisão surpresa, atendendo a que as partes podiam e deviam ter previsto a solução jurídica que veio a ser adoptada no acórdão arbitral; - Não estava, assim, preenchido o requisito da parte final do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea ii), da LAV, que exige que a violação do princípio fundamental de direito tenha “influência decisiva na resolução do litígio”; - Pede a revogação do acórdão de 30.05.2023 e a sua substituição por decisão que indefira o fundamento da anulação do acórdão arbitral, com a consequente revogação da decisão de suspensão da acção e a revogação do acórdão final (acórdão de 30.01.2025). E) Caso se entenda não ser de revogar o acórdão de 30.05.2023, existe erro de direito do acórdão de 30.01.2025 ao dar como não sanado o vício identificado no acórdão de 30.05.2023 - O despacho do Tribunal Arbitral não apenas deu cumprimento ao determinado pelo acórdão de 30.05.2023, como foi para além dessa determinação ao ter notificado as partes para “se pronunciarem” sobre “o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”; - As partes, e concretamente a Meo, ora autora recorrida, apresentaram alegações “nos termos que entenderam, não tendo limitado o âmbito das mesmas à pronúncia sobre o modo como o Tribunal Arbitral calculou o dano emergente”; - Pede a revogação do acórdão de 30.01.2025, declarando-se devidamente sanada a violação do princípio do contraditório, com as devidas consequências legais: baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento do 4.º e último fundamento de anulação invocado pela autora (violação do princípio da igualdade das partes). F) Violação do princípio da preclusão - O acórdão de 30.01.2025 conheceu de nova violação do princípio do contraditório, desrespeitando o acórdão de 30.05.2023; - O Tribunal da Relação não concedeu uma verdadeira oportunidade de correcção do acórdão arbitral, defraudando assim o regime do n.º 8 do artigo 46.º da LAV; - Pede a revogação do acórdão de 30.01.2025 e a sua substituição por decisão que aprecie a sanação do vício do acórdão arbitral tal como foi identificado no acórdão de 30.05.2023. G) Subsidiariamente, se se entender que o acórdão de 30.01.2025 não estava impedido de conhecer de nova violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo devia ter dado cumprimento ao mecanismo previsto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV, suspendendo a acção e dando ao Tribunal Arbitral a possibilidade de corrigir o vício identificado naquele acórdão; - Pede decisão em conformidade. H) Sindicância do mérito - Em qualquer caso, deve considerar-se que o Tribunal a quo incorreu em desrespeito pelo artigo 46.º, n.º 9, da LAV, uma vez que “da leitura do Acórdão [de 30.01.2025] depreende-se que, no entendimento do Tribunal a quo, para que a notificação fosse julgada adequada à sanação do vício, o Tribunal Arbitral não poderia ter ponderado aquele dano (relativo ao investimento adicional que a então Demandante teve de suportar na construção de 458.614 UA adicionais que concretizou individualmente)”; “Por conseguinte, sob aparência de censura dirigida à notificação, pelo Tribunal Arbitral, das Partes, o que o Tribunal a quo coloca verdadeiramente em causa é a condenação da Recorrida, objeto da Sentença Arbitral”; - Pede que o acórdão seja revogado com as devidas consequências legais (pedido que, porém, com este fundamento, não se encontra formulado no petitório final do recurso). 15. A autora, ora recorrida, apresentou extensas contra-alegações e conclusões, pugnando: • Pela improcedência das nulidades imputadas pela recorrente ao acórdão de 30.01.2025; • Pela improcedência do recurso, devendo, consequentemente, “o Acórdão de 30.01.2025 ser mantido na íntegra e o Acórdão de 30.05.2023 ser mantido na parte em [que] julga procedente [a] violação do princípio do contraditório imputada ao Tribunal Arbitral e à Decisão Arbitral”. Subsidiariamente, requerendo a ampliação do objecto do recurso de revista com os seguintes fundamentos (numeração nossa): 1. Nulidade da decisão arbitral por condenação em objecto diverso do pedido 1.1. Nulidade da decisão arbitral por violação do princípio do dispositivo e condenação em objecto diverso do pedido ao ter decidido condenar “a Recorrida no ressarcimento do dano (emergente) que a Recorrente terá supostamente tido por ter construído 458.614 unidades de alojamento sem o coinvestimento da Recorrida. Dano este que cuja indemnização nunca foi reclamada pela Recorrente e factos estes que foram alegados pela Recorrente simplesmente como fator mitigador do dano de que a Recorrente efetivamente procurou ser ressarcida”; 1.2. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, realizada pelo Tribunal a quo ao decidir não verificada a invocada nulidade da decisão arbitral por condenação em objecto diverso do pedido. 2. Nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia 2.1. Nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao “condenar a Recorrida na indemnização do dano (emergente) resultante do custo com a construção pela Recorrente de 458.614 UAs sem coinvestimento da Recorrida, quando a indemnização pedida era para ressarcimento do dano (emergente ou lucro cessante) resultante de a Recorrente não ter podido aceder às UAs construídas pela Recorrida”; 2.2. Nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao conhecer segundo juízos de equidade, atendendo a que [p]ara que um tribunal possa conhecer segundo juízos de equidade ao abrigo do artigo 566.º, n.º 3, do CC é necessário: (i) que o concreto dano alegado resulte efetivamente provado e (ii) que se possa concluir que é impossível determinar o valor exato dos danos; 2.3. Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, realizada pelo Tribunal a quo ao decidir não verificada a invocada nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia. 3. Erro de julgamento do acórdão de 30.05.2023 ao ter aplicado a previsão do artigo 46.º, n.º 8, da LAV por falta de preenchimento dos respectivos requisitos. 4. Subsidiariamente, deve ser determinada a baixa do processo ao Tribunal a quo para conhecimento do fundamento de anulação da decisão arbitral (violação do princípio da igualdade das partes) julgado prejudicado pelo acórdão de 30.05.2023. 16. A recorrente respondeu ao pedido de ampliação do objecto do recurso apresentando extensas alegações e conclusões, pugnando: • Pela improcedência dos fundamentos da ampliação do objecto do recurso; • Subsidiariamente, pela aplicação da faculdade prevista no n.º 8 do artigo 46.º da LAV ou, caso não seja possível, a prevista no n.º 7 do mesmo preceito legal, conforme oportunamente peticionado. 17. Por acórdão de 05.06.2025 o Tribunal da Relação pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade por omissão de pronúncia. II – Admissibilidade. Delimitação do objecto do recurso da Vodafone. Ampliação do objecto do recurso requerida pela recorrida (Meo) 1. No seu recurso a Vodafone impugna o acórdão de 30.01.2025, bem como o acórdão de 30.05.2023, invocando, designadamente, padecer este último acórdão de erro de direito ao dar como violado o princípio do contraditório pelo acórdão arbitral. 1.1. No que se refere à impugnação do acórdão de 30.01.2025, refira-se que a presente açcão de anulação de decisão arbitral foi proposta ao abrigo do art. 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro. De acordo com disposto no artigo 59.º, n.º 1, alínea g), e n.º 8, da LAV: “1 - Relativamente a litígios compreendidos na esfera de jurisdição dos tribunais judiciais, o Tribunal da Relação em cujo distrito se situe o lugar da arbitragem ou, no caso da decisão referida na alínea h) do n.º 1 do presente artigo, o domicílio da pessoa contra quem se pretenda fazer valer a sentença, é competente para decidir sobre: (…) g) A impugnação da sentença final proferida pelo tribunal arbitral, de acordo com o artigo 46.º; 8. Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa.”. Deste modo, sendo o Tribunal da Relação competente para conhecer da presente acção de anulação, e sendo o Supremo Tribunal de Justiça o tribunal hierarquicamente superior ao Tribunal da Relação que proferiu a decisão recorrida, será admissível a revista nos termos do art. 671.º, n.º 1, do CPC. Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 10-11-2016 (proc. n.º 1052/14.1TBBCL.P1.S1), a “norma constante do n.º 1 do art. 671.º do CPC não deve interpretar-se no sentido de pretender excluir cabalmente o exercício do duplo grau de jurisdição nas causas em que a Relação haja excepcionalmente actuado, não como tribunal de recurso, mas como órgão jurisdicional que, em 1.ª instância, apreciou o objecto do litígio – como ocorre com as acções de anulação de sentença arbitral, necessariamente iniciadas perante esse tribunal.” Temos, assim, que, nesta parte, e atendendo a que o recorrente tem legitimidade para recorrer, o recurso é tempestivo e a taxa de justiça devida se mostra devidamente paga, não se verifica qualquer obstáculo à admissibilidade da revista. 1.2. Contudo, o recurso não será admissível na parte em que impugna o acórdão de 30.05.2023. Com efeito, e salvo no que respeita à ampliação do objecto do recurso (cfr. artigo 636.º, n.º 1, do CPC), apenas são recorríveis decisões e não fundamentos de decisão; e apenas são recorríveis decisões definitivas e não provisórias. Ora, a decisão proferida pelo acórdão de 30.05.2023 - por força da suspensão do processo em ordem a dar ao Tribunal Arbitral a possibilidade de eliminar o supra referido fundamento de anulação - reveste a natureza de decisão provisória sobre um dos fundamentos do pedido de anulação. O Tribunal da Relação declarou que havia violação do princípio do contraditório, mas não extraiu a consequência daí resultante: a anulação da sentença arbitral. Ficou antes a aguardar pela decisão do Tribunal Arbitral. O que constituiria objecto de recurso seria sempre a decisão de anular o acórdão arbitral e não a declaração (provisória) de que existiria um fundamento de anulação. Depois de tal decisão (provisória) e da suspensão do processo teria de haver necessariamente uma outra decisão (decisão definitiva) que respondesse à questão de saber se se verificava ou não o fundamento de anulação da sentença. Ora a decisão definitiva sobre a questão da violação do contraditório corresponde ao acórdão de 30.01.2025. Sendo por este acórdão proferida a última palavra sobre a questão da violação do princípio do contraditório, decidindo anular a decisão arbitral. Deste modo, apenas o acórdão de 30.01.2025 é passível de recurso. Esclareça-se que – diversamente do entendimento invocado pela ora recorrente Vodafone a páginas 10 e 11 das respectivas alegações – a decisão de não conhecimento do recurso, na parte em que impugna o acórdão de 30.05.2023, não entra em colisão com a decisão de não admissão do recurso de revista interposto desse acórdão pela ora recorrida, Meo, proferida pelo Juiz relator deste Supremo Tribunal a 21.11.2023 e confirmada pelo acórdão da conferência de 06.02.2024 (ver Apenso). Na verdade, considera-se que o sentido da decisão de 21.11.2024 apenas pode ser cabalmente apreendido a partir da leitura integral do conteúdo dessa mesma decisão (de 21.11.2023) e não a partir das transcrições feitas na acima referida página 11 das alegações de recurso; e que, em todo o caso, a interpretação da fundamentação dessa decisão e do acórdão que a confirmou tem de ser realizada em função da pretensão formulada pela então recorrente, a Meo, de reapreciação dos fundamentos de anulação do acórdão arbitral em que decaíra no juízo proferido pelo acórdão de 30.05.2023 e não em função da pretensão da ora recorrente (Vodafone). Por fim, considera-se não ter cabimento a invocação, pela Vodafone, ora recorrente, do disposto no artigo 673.º do CPC. Na verdade, a impugnação de acórdãos interlocutórios, quer autonomamente quer no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do n.º 1 do artigo 671.º n.º 1 do CPC, pressupõe que a parte que os impugna tenha ficado vencida. É o que decorre da aplicação da regra do n.º 1 do artigo 631.º do CPC. Ora, a Vodafone não ficou vencida na decisão proferida pelo acórdão de 30-05-2023, uma vez que o decaimento era aferido em função da decisão sobre a anulação da sentença arbitral. A Vodafone só poderia considerar-se vencida se o acórdão tivesse anulado a sentença arbitral, o que não aconteceu. A decisão do acórdão de 30.05.2023 é provisória, nada decide quanto ao mérito do pedido de anulação. Tendo presente que as partes já se pronunciaram sobre a questão, conclui-se, assim, pelo não conhecimento do recurso na parte em que a recorrente impugna o acórdão de 30.05.2023. 2. Em sede de contra-alegações, vem a Meo, ora recorrida, invocar o seguinte: - Subsidiariamente, deve o pedido de ampliação do âmbito do recurso ser julgado procedente e, em consequência, deve o Acórdão de 30.05.2023 ser revogado e substituído por outro que (a) anule a Decisão Arbitral por (i) condenação em objeto diverso do peticionado pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, e/ou (i) excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, e que (b) julgue o disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV inaplicável ao presente caso; - Caso se entenda que o meio adequado para o peticionado na alínea [anterior] não é a ampliação do âmbito do recurso, mas um recurso subordinado, deve a referida ampliação ser convolada em recurso subordinado, o qual deve ser julgado totalmente procedente e, em consequência, deve o Acórdão de 30.05.2023 ser revogado e substituído por outro que (a) anule a Decisão Arbitral por (i) condenação em objeto diverso do peticionado pela Recorrente, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, e/ou (i) excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, e que (b) julgue o disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV inaplicável ao presente caso”. [bold nosso] 2.1. Importa tomar posição sobre a qualificação do meio processual adequado à pretensão da recorrida a respeito da impugnação dos fundamentos da acção julgados improcedentes pelo acórdão de 30.05.2023. Dispõe o n.º 1 do artigo 636.º do CPC que “[n]o caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”. Como se sublinhou no ponto anterior, este regime normativo permite que a parte vencedora – que por o ser, não poderia recorrer da decisão impugnada pela parte vencida – requeira a ampliação do âmbito do recurso de forma a reapreciar-se um ou mais fundamentos da acção ou da defesa em que tenha decaído. No caso dos autos, a Meo é parte vencedora na decisão de anulação do acórdão arbitral com fundamento em violação do princípio do contraditório, proferida pelo acórdão de 30.01.2025, mas decaiu nos demais fundamentos de anulação (condenação em objecto diverso do peticionado e excesso de pronúncia) apreciados, com carácter definitivo, pelo acórdão de 30.05.2023. Encontrando-se deste modo preenchidos os requisitos do artigo 636.º, n.º 1, do CPC, admite-se a requerida ampliação do objecto do recurso no que se refere à reapreciação de tais fundamentos. 2.2. Contudo, o mesmo não se passa em relação à impugnação subsidiária do acórdão de 30.05.2023 no sentido de se julgar “o disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV inaplicável ao presente caso”. Com efeito, pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 06.02.2024 – e como resulta do teor da respectiva fundamentação – ficou definitivamente decidido não ser passível de recurso a decisão proferida pelo acórdão de 30.05.2023 de aplicação do mecanismo de suspensão da instância previsto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV: “Na verdade, tendo presente que o que está em causa é a nulidade do acórdão do Tribunal Arbitral com os fundamentos invocados na acção de anulação, a análise do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa leva, inevitavelmente, à conclusão de que nenhuma decisão conhecendo do mérito da causa foi proferida pondo termo ao processo ou absolvendo a ré da instância, como exige o artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil). Tratando-se de acórdão proferido na pendência do processo no Tribunal da Relação a decisão que determinou a suspensão do processo e sua devolução ao Tribunal Arbitral para cumprimento do contraditório prévio apenas poderá ser impugnada no recurso que vier a ser interposto, nos termos gerais, ao abrigo do disposto no artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Não se enquadra na excepção a essa regra a impugnação da decisão que, com respaldo legal expresso na Lei de Arbitragem Voluntária, suspende os termos do processo para cumprimento pelo Tribunal Arbitral do imprescindível contraditório prévio acerca dos pressupostos de pedidos formulados, sob pena de nulidade. O cumprimento pelo Tribunal Arbitral do ordenado no acórdão impugnado, ainda que possa esvaziar parte da argumentação da recorrente, não torna absolutamente inútil a sua impugnação nem a reponderação sobre a questão da nulidade da sentença arbitral, nomeadamente por excesso de pronúncia ou condenação além do pedido. Trata-se, ao fim e ao cabo, do cumprimento prévio de uma formalidade que, no entender do acórdão recorrido, não deveria ter sido omitida, restando depois, findo a suspensão do processo ordenada, tomar posição final sobre o mérito do pedido de anulação.”. 3. Em conformidade com o que se explanou nos pontos anteriores, são as seguintes as questões a apreciar pelo presente acórdão (pela ordem de precedência na sua apreciação): Questões formuladas pela recorrente: • Nulidade do acórdão de 30.01.2025 por omissão de pronúncia: não conhecimento da aplicabilidade do artigo 46.º, n.º 7, da LAV; • Nulidade do acórdão de 30.01.2025 por excesso de pronúncia • Erro de direito do acórdão de 30.01.2025 ao dar como não sanado o vício identificado no acórdão de 30.05.2023; • Violação do princípio da preclusão; • Subsidiariamente, se se entender que o acórdão de 30.01.2025 não estava impedido de conhecer de nova violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo devia ter dado cumprimento ao mecanismo previsto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV; • Sindicância do mérito em violação do disposto no art. 46.º, n.º 9, da LAV. Questões formuladas pela recorrida em sede de ampliação do objecto do recurso: • Nulidade da decisão arbitral por violação do princípio do dispositivo e condenação em objecto diverso do pedido; • Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, realizada pelo Tribunal a quo ao decidir não verificada a invocada nulidade da decisão arbitral por condenação em objecto diverso do pedido; • Nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao conhecer de um dano e uma causa de pedir não invocados pela autora do processo arbitral; • Nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao conhecer segundo juízos de equidade; • Inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, realizada pelo Tribunal a quo ao decidir não verificada a invocada nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia; • Subsidiariamente, determinação da baixa do processo ao Tribunal a quo para conhecimento do fundamento de anulação da decisão arbitral (violação do princípio da igualdade das partes) julgado prejudicado pelo acórdão de 30.05.2023. Pedidos subsidiários formulados pela recorrente (em conformidade com o oportunamente requerido pela mesma em sede de contestação): • Caso venha a ser julgado procedente algum dos fundamentos da anulação da decisão arbitral, deve ser accionada a faculdade prevista no n.º 8 do artigo 46.º da LAV; • Caso não seja possível accionar a faculdade prevista no n.º 8 do artigo 46.º da LAV, deve ser accionada a faculdade prevista no n.º 7 do mesmo preceito legal. III – Fundamentação de facto A factualidade relevante é a resultante da tramitação do processo constante do relatório do presente acórdão, assim como aquela que será referida a propósito da apreciação de cada uma das questões recursórias. IV – Fundamentação de direito. Apreciação das questões formuladas pela recorrente Vodafone, autora na acção arbitral e ré na presente acção 1. Antes de mais importa sublinhar que na acção arbitral, a Vodafone fundou o pedido indemnizatório dirigido contra a Meo no facto de, em resultado do invocado incumprimento por esta última do “Acordo de Aquisição de Direitos de Uso Exclusivo de Rede PON” celebrado entre as partes ter sido impedida de aceder às novas infraestruturas de comunicação instaladas pela Meo. Alegou a Vodafone que a ampliação da rede da Meo correspondeu à instalação de 1.707.401 novas unidades de alojamento (UA), pelo que, se a Meo tivesse cumprido o Acordo, teria sido facultado à Vodafone o acesso a 1.707.401 UA. Não o tendo feito, a Vodafone teve acesso apenas às 458.614 UA construídas exclusivamente com o seu investimento. Consequentemente, deve a Meo indemnizar a autora por não lhe ter proporcionado a prestação de serviços a mais 1.248.787 UA (1.707.401 UA – 458.614 UA). Tendo este incumprimento produzido danos para a Vodafone que esta avaliou no montante de €316.138.595,42, valor reduzido, porém, a €131.904.269,84 em consequência do efeito mitigador obtido com a subsequente celebração do acordo entre a Vodafone e a Nos. 2. Nulidade do acórdão de 30.01.2025 por omissão de pronúncia: não conhecimento da aplicabilidade do artigo 46.º, n.º 7, da LAV Dando cumprimento ao previsto no artigo 617., n.º 1, do CPC, o Tribunal a quo, por acórdão da conferência de 05.06.2025, apreciou esta questão nos termos seguintes: “A Recorrente entende ocorrer omissão de pronúncia com fundamento em que este Tribunal, “devendo fazê-lo, não conheceu da questão relativa à aplicabilidade do disposto no nº 7 do artigo 46º da lei da Arbitragem Voluntária”, isto é, porque não se pronunciou sobre a possibilidade de anulação parcial da Decisão Arbitral. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. Há que ter em conta que, de acordo com o citado artº 608º nº 2 do CPC, não haverá omissão de pronúncia se o juiz deixar de resolver alguma questão posta à sua apreciação cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras. É precisamente o que se verifica na situação em presença, pelas razões que seguem. A Decisão Arbitral condenou a MEO a pagar à Vodafone uma indeminização no montante total de € 30.000.000,00 (trinta milhões de euros) com exclusivo fundamento em danos emergentes resultantes do investimento que esta teve de fazer na construção de 458.614 UA sem o co-investimento da primeira. Este Tribunal, no Acórdão de 30/05/2023, entendeu que «o Tribunal Arbitral não podia “enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente”, sem que previamente desse a oportunidade às partes de se pronunciar sobre o mesmo, sendo de considerar que a violação do princípio do contraditório teve influência decisiva na resolução do litígio, na medida em que as partes nenhum fundamento/argumento/razão aportaram para tal decisão», e, deferindo o pedido subsidiariamente formulado pela ora Recorrente, suspendeu este processo de anulação de sentença arbitral pelo período de 8 meses, nos termos e para os efeitos do artº 46º nº 8 da LAV, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício indicado como determinante da anulação da sentença arbitral. Tendo o Tribunal Arbitral aceitado retomar o processo arbitral e proferido sentença complementar, o mesmo decidiu, com os fundamentos constantes da sua sentença proferida em 19/05/2022 e nessa complementar, manter a condenação da demandada a pagar à demandante uma indemnização no montante total de € 30.000.000 (trinta milhões de euros). Este Tribunal, pelas razões constantes do Acórdão de 30/01/2025, ora posto em crise, concluiu que o Tribunal Arbitral não colmatou a violação do contraditório em que incorrera, mantendo-se esse vício e, consequentemente, julgou a acção procedente e anulou a sentença arbitral. Assim, bem se vê que não tendo sido sanado o vício de violação do contraditório em cuja génese se encontra o outro caminho seguido pelo Tribunal Arbitral: o da determinação do dano emergente, sendo este o exclusivo suporte da decisão arbitral condenatória não é viável a anulação parcial da Decisão Arbitral nos termos e para os efeitos do artº 46º nº 7 da LAV – segundo o qual “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação” – porque essa decisão não é composta por partes dissociáveis, ela é composta por um único núcleo condenatório que se mostra in totum atingido pelo fundamento de anulação. Por conseguinte, a apreciação da eventual aplicação do citado artº 46º nº 7 da LAV resultou prejudicada pela decisão que considerou não ter sido sanado o vício que afectava a sentença arbitral por violação do contraditório. Pelo que o acórdão ora sob recurso não enferma de omissão de pronúncia.”. [bold nosso] Pugna a recorrida pela inexistência da invocada nulidade. Vejamos. Com o devido respeito pelo diverso entendimento do Tribunal a quo, afigura-se que o acórdão recorrido (acórdão de 30.01.2025) padece, efectivamente, de omissão de pronúncia. Se o acórdão de 30.05.2023, pronunciando-se no sentido de que a decisão arbitral incorreu em desrespeito pelo princípio do contraditório, aplicou o mecanismo previsto no n.º 8 do artigo 46.º da LAV (suspensão do “processo de anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação”), considerando prejudicada a apreciação do pedido de aplicação do mecanismo do n.º 7 do artigo 46.º da LAV (“Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação”), o acórdão final (acórdão de 30.01.2025), ao ter decidido que o vício identificado pelo acórdão de 30.05.2023 não fora devidamente suprido, devia ter equacionado a aplicabilidade do referido regime do n.º 7 do artigo 46.º da LAV. Simplesmente, e ainda que o Tribunal a quo tenha rejeitado a existência da omissão de pronúncia, constata-se que o mesmo Tribunal, ao afirmar “bem se vê que não tendo sido sanado o vício de violação do contraditório em cuja génese se encontra o outro caminho seguido pelo Tribunal Arbitral: o da determinação do dano emergente, sendo este o exclusivo suporte da decisão arbitral condenatória não é viável a anulação parcial da Decisão Arbitral nos termos e para os efeitos do artº 46º nº 7 da LAV – segundo o qual “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação” – porque essa decisão não é composta por partes dissociáveis, ela é composta por um único núcleo condenatório que se mostra in totum atingido pelo fundamento de anulação” , mais não fez do que suprir a supra referida omissão de pronúncia. Resta saber se o decidido, suprindo a omissão, padece ou não de erro de julgamento. Ora, nesta dimensão, a decisão mostra-se inteiramente correcta: na medida em que a decisão do Tribunal Arbitral é unitária (condenação ao pagamento de indemnização por uma categoria unitária de danos), a afirmação da violação do princípio do contraditório por não ter sido dada às partes oportunidade de se pronunciarem sobre a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por tais danos, afecta toda a decisão, não sendo viável uma anulação parcial. Conclui-se, assim, padecer o acórdão de 30.05.2023 da invocada nulidade por omissão de pronúncia, a qual, porém, foi suprida pelo acórdão da conferência de 05.06.2025. Sendo que a decisão proferida merece, nesta parte, a nossa concordância. 3. Em segundo lugar, suscita a recorrente a questão da nulidade do acórdão de 30.01.2025 por excesso de pronúncia, alegando, em síntese: que o acórdão de 30.01.2025 apenas podia avaliar se o Tribunal Arbitral tinha ou não sanado o fundamento de invalidade dado como verificado pelo acórdão de 30.05.2023 e que, ao não se ter limitado a realizar essa avaliação, aquele acórdão violou o princípio da preclusão. Verifica-se que, sob diferentes prismas, esta questão – nuclear na economia do recurso interposto pela Vodafone – se identifica com as duas outras questões enunciadas como erros de julgamento, a saber: erro de julgamento do acórdão de 30.01.2025 ao dar como não sanado o vício identificado no acórdão de 30.05.2023; erro de julgamento do acórdão de 30.01.2025 ao pronunciar-se em termos que desrespeitam o princípio da preclusão. A recorrente invoca essencialmente que o acórdão de 30.01.2025 não se limitou a apreciar se a decisão arbitral complementar suprira a violação do princípio do contraditório, tal como identificado no acórdão do Tribunal da Relação de 30.05.2023, antes foi para além dessa apreciação, conhecendo inovadoramente da violação do princípio do contraditório, e, assim, desrespeitando o disposto no acórdão de 30.05.2023. Com efeito, alega a recorrente, o vício do acórdão arbitral, identificado pelo acórdão de 30.05.2023, foi colmatado, uma vez que: (i) na sequência deste último acórdão, o Tribunal Arbitral exarou despacho no qual não apenas deu cumprimento ao determinado pelo acórdão do Tribunal da Relação de 30.05.2023, como foi para além dessa determinação ao ter previsto que as partes se pronunciassem sobre “o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”. (ii) as partes, e concretamente a Meo, ora autora recorrida, apresentaram alegações “nos termos que entenderam, não tendo limitado o âmbito das mesmas à pronúncia sobre o modo como o Tribunal Arbitral calculou o dano emergente”; (iii) o Tribunal Arbitral veio a proferir decisão complementar na qual considerando o alegado pelas partes, manteve a decisão condenatória da demandada na acção arbitral. Pugna a ora recorrida pela correcção do juízo do acórdão de 30.01.2025, ora recorrido, ao considerar que a violação do princípio do contraditório não foi devidamente suprida, decidindo anular a decisão arbitral com tal fundamento. Quid iuris? 3.1. A invocada violação do princípio do contraditório foi assim apreciada pelo acórdão de 30.05.2023: “3. Afigura-se-nos (…) que (…) existe fundamento para anulação da sentença arbitral por violação do princípio do contraditório, com previsível (provável) influência na decisão. (…) Ressalta das peças processuais apresentadas pelas partes na ação arbitral que as mesmas não equacionaram a solução jurídica que veio a ser dada ao pleito, nem era, em bom rigor, expectável que o fizessem, tendo em conta o especial relevo que a Vodafone colocou nos lucros cessantes que peticionou, que marcaram todo o processado arbitral. Com particular pertinência para o caso sub judice, escrevem Teixeira de Sousa / Castro Mendes, no Manual de Processo Civil, Vol. I, 2022, pág. 102, no âmbito da análise do princípio do contraditório, que “A audição prévia permite evitar as decisões-surpresa e justifica-se nomeadamente nas seguintes situações: - Quando o tribunal considere relevante matéria de facto ou de direito que as partes tenham considerado irrelevante ou que lhes tenha passado despercebida; a necessidade de consulta decorre da circunstância de as partes não se terem apercebido de um regime supletivo ou imperativo aplicável ao caso; - Quando o tribunal qualifique determinada matéria de facto de maneira diferente da das partes ou entenda que a questão determina a aplicação de direito estrangeiro; …”. Afigura-se-nos, pois, que o Tribunal Arbitral não podia “enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente”, sem que previamente desse a oportunidade às partes de se pronunciar sobre o mesmo, sendo de considerar que a violação do princípio do contraditório teve influência decisiva na resolução do litígio, na medida em que as partes nenhum fundamento/argumento/razão aportaram para tal decisão. Tanto basta para julgar procedente a pretensão da Requerente, ficando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.”. [bold nosso] Tendo decidido a final: “Pelo exposto, acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do art. 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito, após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação”. [bold nosso] 3.2. Como consta do relatório do presente acórdão (ver supra, ponto I, 8.), na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de 30.05.2023, o Tribunal Arbitral determinou a “notificação das Partes para, considerando o teor do referido acórdão [do Tribunal da Relação], se pronunciarem, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre o modo de cálculo do dano que foi adotado pelo Tribunal Arbitral e o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”. Em resposta ao despacho do Tribunal Arbitral ambas as partes apresentaram alegações. O Tribunal Arbitral veio a proferir acórdão arbitral complementar com a seguinte decisão: “Com os fundamentos constantes da Sentença proferida em 19.05.2022 e desta Sentença Complementar, o TA decide, por unanimidade dos seus membros, manter a condenação da Demandada a pagar à Demandante uma indemnização no montante total de € 30.000.000 (trinta milhões de euros)”. 3.3. Por sua vez, da fundamentação do acórdão de 30.01.2025, ora recorrido, consta o seguinte (transcreve-se na íntegra em razão da relevância para a apreciação da questão objecto do presente recurso de revista): “[N]a alegação da aqui a Autora a respeito desta matéria nunca a mesma põe em causa que no processo arbitral a ora Ré tenha alegado ter sofrido danos emergentes ou que não tenha tido nesse processo oportunidade de se pronunciar sobre os danos que a Demandante e aqui Ré ali indicou como sendo dessa natureza; o que, na verdade, não poderia afirmar já que a Ré Vodafone dedica todo o capítulo 4.2 da sua petição no processo arbitral aos danos emergentes, sob a epígrafe “A responsabilidade da Demandada (também) pelos danos emergentes incorridos pela Demandante : em particular, o dever de indemnizar a Demandante pela perda de oportunidade”, e a ora Autora e ali demandada, na contestação que apresentou no processo arbitral, contemplou no capítulo 4. - “DA INEXISTÊNCIA DE DANOS DA DEMANDANTE JURIDICAMENTE ATENDÍVEIS” - um subcapitulo c) “Da irresponsabilidade da Demandada pelos danos emergentes invocados e, em especial, pela pretensa perda de oportunidade da Demandante”, vocacionado à expressa defesa relativa ao constante daquele capítulo da petição. O que a ora Autora nesta acção invoca é algo bem diferente. Como se alcança do trecho acima transcrito da sua posição, a Autora defende que a construção pela Ré de 458.614 UA sem o co-investimento da primeira - tendo ela sido condenada a indemnizar a Vodafone por danos emergentes resultantes do investimento que esta teve de fazer nessa construção - não foram nessa perspectiva abordados ao longo do processo arbitral, pois a construção pela ora Ré de 458.614 UAs sem o co-investimento da ora Autora apenas foi discutida nos autos arbitrais como factor mitigador dos invocados lucros cessantes da Ré. E assim o Tribunal Arbitral, equacionando a condenação da Meo a indemnizar a Vodafone por danos resultantes do investimento na construção das 458.614 UAs sem o co-investimento da primeira, teria de ter dado às partes, em particular à Demandada naquele processo, a oportunidade de se pronunciarem sobre esse cenário decisório, permitindo a discussão sobre o mesmo e que aportassem aos autos elementos e argumentos que tivessem por relevantes em abono da posição de cada uma delas face a tal possível linha de decisão/condenação. Observados os autos arbitrais, verifica-se que a propósito dos danos emergentes a ali Demandante e aqui Ré alegou que: «4.2 A responsabilidade da Demandada (também) pelos danos emergentes incorridos pela Demandante: em particular, o dever de indemnizar a Demandante pela perda de oportunidade» 285.º Acresce que, ainda que se entendesse como válida a cláusula de renúncia antecipada ao direito de indemnização por lucros cessantes - entendimento que a Demandante categoricamente rejeita - sempre haveria que concluir que, para além de lucros cessantes, a Demandada sofreu também danos emergentes. 286.º Com efeito, parece manifesto que a violação do Acordo pela Demandada causou à Demandante não apenas lucros cessantes, como também danos emergentes, todos eles indemnizáveis (cf. artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil). 287.º Na verdade, o incumprimento do Acordo pela Demandada implicou, não apenas a frustração de ganhos que a Demandada deixou de obter em resultado desse incumprimento, como também a realização de despesas, a desvalorização do património da Demandante e a frustração de vantagens que já se encontravam na respectiva esfera jurídica à data desse incumprimento. 288.º Com efeito, a violação das obrigações da Demandada previstas no Acordo privou a Demandante da possibilidade de acompanhar o investimento e do uso das novas Células construídas pela Demandada, sendo que, à data do incumprimento, a Demandante era já titular de um direito sobre esses bens atingidos com o incumprimento (cf. JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, Vol. I, Coimbra, 2003, p. 482). 289.º Entre os danos emergentes sofridos pela Demandante conta-se também uma significativa perda de oportunidade, que era protegida pelo Acordo (tratava-se de uma oportunidade jurídico-negocial que as partes reconheciam e valorizavam e que explica o interesse e o direito de ambas em participar na expansão da Rede PON e beneficiar do Direito de Uso Exclusivo contratualmente estabelecido) e que não pode deixar de ser ressarcida como um “dano em si” (cf. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil/Responsabilidade Civil, cit., p. 104). 290.º Isso ainda que, porventura, se admitisse, por mera cautela de patrocínio, que o Acordo não permitisse a ressarcibilidade de lucros cessantes (atendendo à Cláusula 17.2. do Acordo) ou que não fora demonstrado nexo causal bastante para a indemnização dos danos finais evidenciados, entendimentos que, conforme resulta do que se expôs, a Demandante rejeita. 291.º Na verdade, ao impedir o acesso às novas Células da sua Rede PON (violando a obrigação de notificação) e ao frustrar o Direito de Uso Exclusivo da Demandante, a Demandada violou direitos já existentes na titularidade da Demandante à data do incumprimento provocando-lhe os prejuízos contabilizados supra. 292.º É que a oportunidade de ter acesso a essas novas Células integra o património jurídico da Demandante desde o momento da celebração do Acordo. 293.º Trata-se de um prejuízo efectivamente sofrido pela Demandante e, como tal, necessariamente indemnizável por força da lei, designadamente dos artigos 798.º e 562.º do Código Civil. 294.º A doutrina e a jurisprudência têm-se debruçado sobre o dano da perda de oportunidade, sendo nesta última largamente dominante o entendimento de que a perda de oportunidade deve ser indemnizada. (…) 304.º Também a maioria da doutrina portuguesa que se debruça sobre o dano de perda de chance propende a qualificá-lo como um dano emergente e autónomo, em linha com aquela que é a posição unânime em outros sistemas jurídicos europeus próximos do sistema português, nomeadamente em Itália e em França. 305.º Na verdade, na medida em que a oportunidade negocial já integrava a esfera jurídico-patrimonial da Demandante à data do incumprimento do Acordo, deverá ser qualificada como dano emergente. (…) 310.º Em suma, a tese segundo a qual a perda de chance deve ser considerada um dano autónomo e emergente indemnizável é hoje largamente sufragada pela jurisprudência e doutrina portuguesas. 311.º Pelo que, ainda que, porventura, se admitisse, por mera cautela de patrocínio, que o Acordo não permitisse a indemnização de lucros cessantes, sempre haveria lugar à atribuição de uma indemnização à Demandante por danos emergentes, nomeadamente pela inquestionável perda da oportunidade da Demandante de acesso e de uso e fruição exclusivos das novas Células da rede PON construídas pela Demandada. 312.º De referir ainda que a teoria da causalidade adequada, a que acima já se aludiu, não representa um obstáculo à atribuição de uma indemnização pela perda da oportunidade. 313.º No entendimento de JÚLIO VIEIRA GOMES, “a letra do nosso preceito [563.º CC] seria ainda compatível com um sistema em que o lesado apenas teria que demonstrar que a não ocorrência do dano seria mais provável do que a sua ocorrência (bastando 51% de probabilidades sem a conduta do agente, como parece suceder em Inglaterra)” (cf. JÚLIO VIEIRA GOMES, Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, II Seminário dos Cadernos de Direito Privado “Responsabilidade Civil”, Número Especial 02/ Dezembro 2012, p. 28). (…) 316.º A fasquia de 50% tem sido também adoptada pela jurisprudência, como poderá verificar-se, por exemplo, no Acórdão da Relação de Lisboa de 9.14.2017, proferido no processo 1069-16.1YRLSB-6: “[m]erece, no entanto, reiteração e veemente afirmação, por manifesta adequação aos conteúdos e finalidades em apreço e relevo para a decisão, a menção lançada nessa resposta no sentido da dependência «da indemnização – seja na sua existência, seja, pelo menos, no seu montante –, do grau de probabilidade de concretização da chance perdida, (...), sendo normalmente exigida uma fasquia de probabilidade que não se situe abaixo dos 50%»”. 317.º Ora, no caso em apreço, a probabilidade de concretização da oportunidade perdida situa-se largamente acima dos 50%, visto que toda a prova carreada para o processo evidencia que a Demandante pretendia co-investir e tinha capacidade financeira para o fazer, aproveitando a vantagem jurídico-negocial que o Acordo lhe atribuía. 318.º Consequentemente, e porque as probabilidades de a Demandante ter participado na expansão da rede PON e com isso ter obtido uma vantagem são largamente superiores a 50%, não poderá deixar de reconhecer-se à Demandante o direito a ser indemnizada por todos os prejuízos que sofreu, nomeadamente pela perda da oportunidade que o Acordo lhe conferia e que a Demandada ilícita e dolosamente frustrou.». Em suma, a Demandante no processo arbitral invocou danos emergentes com fundamento na privação da possibilidade de acompanhar o investimento participando na expansão da rede PON, assim ficando privada de ter acesso ao uso das novas Células construídas pela Demandada (cfr., pela clareza, artº 288º da petição do processo arbitral – “…a violação das obrigações da Demandada previstas no Acordo privou a Demandante da possibilidade de acompanhar o investimento e do uso das novas Células construídas pela Demandada…”; e cfr. artº 311º da mesma peça – “…perda da oportunidade da Demandante de acesso e de uso e fruição exclusivos das novas Células da rede PON construídas pela Demandada…”). Por outro lado, no que concerne à alegação relativa à construção pela Demandante de 458.614 UA, transcorrida a petição apresentada no processo arbitral o que se constata é que apenas no seu capítulo 5 há referências à construção desse número de unidades de alojamento; capítulo esse que, sob a epígrafe “DOS DANOS INCORRIDOS PELA DEMANDANTE”, apresenta os seguintes subcapítulos : 5.1 “Da expansão da Rede PON das partes”, 5.2 “Do número de unidades de alojamento a que a Demandante foi impedida de ter acesso”, 5.3 “Dos danos directamente incorridos pela Demandante por não ter tido acesso a 1,2 milões (1.248.787) de Unidades de Alojamento adicionais”, este último contendo os subtítulos 5.3.1 Receitas, 5.3.2 Custos, 5.3.3 Investimentos/Capex, 5.3.4 Taxa de desconto/WACC, vocacionados à demonstração do raciocino e cálculo do valor em que a Demandante computou os prejuízos que sofreu. É apenas no contexto daquele capítulo 5, seus subcapítulos 5.1, 5.2 e 5.3, e subtítulos deste último que são mencionadas as 458.614 UA e a sua construção. A primeira referência ocorre no artº 126º integrado no subcapítulo 5.1 “Da expansão da Rede PON das partes”, e a última no artº 185º integrado no subtítulo 5.3.4 (este integrado no capítulo 5.3 “Dos danos directamente incorridos pela Demandante por não ter tido acesso a 1,2 milões (1.248.787) de Unidades de Alojamento adicionais), terminando a Demandante esse ciclo de alegação e argumentação no citado artº 185º que “Em conclusão, este é o valor [€316.138.595,42] correspondente ao acesso a 1.707.401 UA em regime de co-investimento – ao invés de 458.614 UA em construção individual – que a Demandante perdeu”. Depois segue no capítulo 5.4 um excurso sobre os factores de mitigação dos prejuízos que lhe foram causados com vista a calcular a indemnização que, no final, reclama, e que prefacia assim “189.º No cálculo da indemnização importará, pois, atender ao período de tempo em que a Demandante se viu privada de aceder ao número de casas construídas pela Demandada sem ter havido notificação à Demandante, i.e. 1.248.787 UA, e considerar quaisquer factos ocorridos após o incumprimento do Acordo por parte da Demandada que mitiguem os prejuízos causados”, para por fim culminar “204.º Conclui-se assim que o valor do dano correspondente aos 8 anos durante os quais a Demandante se viu impedida de aceder às 1.248.787 UA adicionais totaliza €131.904.269,84. // 205.º Este valor corresponde, por conseguinte, ao dano que a Demandante sofreu em virtude do incumprimento do Acordo por parte da Demandada e é, consequentemente, o valor peticionado nesta acção.”. Vê-se desse segmento da sua alegação que a Demandante invocou lucros cessantes decorrentes de não ter tido acesso a 1.248.787 unidades de alojamento adicionais, que calculou partindo dos seguintes elementos: - A Demandada ampliou a sua rede PON em 1.707.401 UA, sem ter notificado a Demandante para esta acompanhar a expansão da rede (nos termos e para os efeitos das cláusulas 4.3. a 4.8 do Acordo); - A Demandante ampliou a sua rede PON em 458.614 UA adicionais, para o que notificou a Demandada, nos termos e para os efeitos das mesmas cláusulas; - A Demandante ficou impedida de ter acesso a 1.248.787 UA adicionais. Por outro lado, como vimos supra, no tocante aos danos emergentes fundou-os na privação da possibilidade de acompanhar o investimento participando na expansão da rede PON, assim ficando privada de ter acesso ao uso das novas Células construídas pela Demandada. Aqui chegados, é insofismável que a Demandante ao alegar a construção de 458.614 UA adicionais fê-lo apenas com vista à demonstração dos prejuízos sofridos por não ter tido acesso a 1.248.787 unidades de alojamento adicionais, e não como fundamento de danos decorrentes de ter tido de fazer sozinha esse investimento que, em caso de cumprimento do contrato, teria sido partilhado por ambas as partes. Ora, na sentença arbitral, depois de se concluir pelo cometimento de um ilícito contratual por parte da ali Demandada, ponderou-se e decidiu-se: «(…) Resta, por conseguinte, apurar se, na sequência do incumprimento da Demandada, a Vodafone sofreu danos e, em caso de resposta positiva, determinar a respetiva dimensão. G. Da obrigação de indemnizar os danos sofridos pela Vodafone em consequência do incumprimento 1. Determinação do montante da indemnização 218. A Demandante reconhece (…) a complexidade de que se reveste a tarefa de demonstrar, com rigor, os prejuízos que terá sofrido em consequência do inadimplemento da MEO. Com inteira razão, dado que, seguindo o caminho que trilhou, está precipuamente em causa o apuramento das vantagens patrimoniais que a Vodafone poderia ter auferido se a MEO lhe tivesse dado uma efetiva oportunidade de investir na expansão conjunta das respetivas redes de fibra ótica e de beneficiar da exploração partilhada da infra-estrutura que viessem a construir, alargando por essa forma o universo das pessoas a quem poderia ter oferecido os seus serviços de telecomunicações. (…). 229. Não se revelando exequível determinar com um mínimo de certeza, o número de UA que poderiam ter sido alvo de co-investimento, fica desde logo comprometida a possibilidade de calcular o valor dos lucros cessantes suportados pela Vodafone. (…), não tendo sido possível reunir consenso a respeito de diversos parâmetros que se mostram indispensáveis para a determinação dos benefícios que ela deixou de auferir. Tornou-se, portanto, definitiva a indeterminação do lucro cessante causado à Vodafone e ficou igualmente prejudicada a eventualidade de recurso à figura da “perda de chance” ou da “frustração da possibilidade de obter um resultado favorável”, não obstante o reconhecimento que a mesma obteve recentemente no direito português (…). Efetivamente, não se mostrando possível descortinar com rigor o número de UA a que a Demandante não teve acesso por via do incumprimento da Demandada, o prognóstico implicado por esta via de determinação do dano corria o risco de se revelar arbitrário. 230. O TA considera, no entanto, resultarem do processo dados suficientemente fiáveis para enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente, dano esse que a Demandante indiscutivelmente sofreu pela circunstância de ter sido obrigada a construir um certo número de UA que não teria construído isoladamente caso a Demandada tivesse correspondido aos compromissos que assumiu. Afigura-se indisputado que, entre Novembro de 2015 e Março de 2018, a Demandante construiu 458.614 UA (…). Com elevado grau de probabilidade, tais UA (ou uma parte substancial delas) cumpriam os critérios de partilha previstos no Acordo, tanto assim que a Vodafone notificou a MEO de sucessivas expansões de rede, num total de 470.000 UA (…), e a MEO, na troca de correspondência que se seguiu, nunca questionou esse enquadramento (…). Revela-se, do mesmo modo, inequívoco que a Demandada deveria ter interesse na construção de, pelo menos, metade dessas UA, tanto assim que veio decerto a construí-las individualmente, no âmbito do plano massivo de expansão que delineou e levou a cabo. Significa isto que, se a Demandada tivesse efetivamente cumprido as suas obrigações contratuais, a Vodafone, para beneficiar do número de UA a que teve acesso, teria de ter construído somente 229.307 UA. Ou seja, teria de investir apenas metade do montante que investiu na construção das 458.614 UA, que concretizou individualmente. A Vodafone terá sofrido, portanto, um prejuízo correspondente ao investimento adicional que teve de despender na construção de 229.307 UA, as quais, em caso de cumprimento do Acordo, teriam sido cobertas pela MEO.» E a final, veio a esse título, a condenar a ali Demandada a pagar à Demandante uma indemnização de € 30.000.000 (trinta milhões de euros). Portanto, o Tribunal arbitral veio a condenar a Demandada e aqui Autora por danos emergentes relativos ao investimento adicional que a Demandante teve de suportar na construção de metade das 458.614 UA que concretizou individualmente, as quais, em caso de cumprimento do acordo, teriam sido cobertas por aquela. Ora, como analisámos supra, a Demandante ao alegar a construção de 458.614 UA adicionais fê-lo apenas com vista à demonstração dos prejuízos sofridos por não ter tido acesso a 1.248.787 unidades de alojamento adicionais, e não como fundamento de danos decorrentes de ter tido de fazer sozinha esse investimento que, em caso de cumprimento do contrato, teria sido partilhado por ambas as partes. Nisso radica a violação do princípio do contraditório com repercussão na decisão, pois o Tribunal Arbitral, não obstante ter sustentado a condenação num elemento factual aportado aos autos – a construção de 458.614 UA adicionais apenas pela Demandante – fê-lo fora do domínio e para além do alcance para o qual o mesmo havia sido alegado e que, em conformidade, havia merecido a apresentação de defesa. E por isso as partes não poderiam contar com uma decisão que se fundasse numa abordagem daquele facto que nenhuma delas havia equacionado, constituindo, nesse conspecto, uma decisão surpresa, que consiste numa manifestação da violação do princípio do contraditório. Efectivamente, “A inibição da prolação de decisões-surpresa, sendo um princípio de actuação crítico para um processo justo, equitativo e igualitário, repousa na consideração atenta a um complexo de fundamentos usados pelo julgador que não foram devida e integralmente enquadrados e ponderados pelas partes, de tal sorte que se verifica uma desvinculação, total ou parcial, entre o alegado e contraditado na disposição processual – como tal, perspectivado objectivamente pelas partes em confronto –, que se repercute, de forma relevante e materialmente inovatória, no conteúdo da decisão.” (cfr., por todos, Ac. do STJ de 31/01/2024, proc. 1195/22.8YRLSB.S1, in dgsi.pt). Para trilhar o caminho por que enveredou, impunha-se ao Tribunal Arbitral que tivesse dado a oportunidade às partes de previamente se pronunciarem sobre a possibilidade de usar aquela realidade factual sob o prisma pelo qual o Tribunal veio a usá-la. O princípio do contraditório é um princípio estruturante do nosso sistema processual civil, e por isso a lei impõe ao juiz o dever de observá-lo e fazê-lo cumprir em todas as fases do processo, “não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (artigo 3º nº 3 do CPC). Trata-se de regra geral apenas afastada nos casos previstos na lei (por ex. nalguns procedimentos cautelares, incidente de dispensa de citação prévia na execução ordinária, etc.) ou em casos de manifesta desnecessidade (cfr. citado artº 3º nº 3 CPC), porquanto consiste num princípio basilar e estruturante do processo civil, sob uma óptica moderna deste que acolhe a perspectiva de que às partes deve ser dada a oportunidade de puderem influenciar as decisões que importam aos interesses que submetem ao Tribunal, através da sua pronúncia sobre questões de direito ou de facto (e até em matéria probatória) que se suscitem ou de que o Tribunal entenda conhecer oficiosamente, esgrimindo argumentos que entendam dever ser relevados para a justa composição do litigio, visando evitar decisões não expectáveis para as partes, seja porque versam sobre questões (mesmo que de conhecimento oficioso) que nenhuma das partes suscitou, seja porque assentam em fundamento não invocado por elas ou em entendimento que elas não perspectivaram; portanto, manifesta-se também na proibição de prolação de decisões surpresa. Na verdade, “Actualmente vigora uma concepção ampla do princípio do contraditório, nos termos da qual, além do direito de conhecer a pretensão contra si formulada e do direito de pronúncia prévia à decisão, a ambas as partes, em plena igualdade, é garantido o direito a intervirem ao longo do processo de molde a influenciarem a decisão da causa no plano dos factos, prova e direito, só estando dispensado em casos de manifesta desnecessidade”. De facto “o princípio do contraditório, ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais (…) garante a participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11/05/2022, proc. 491/16.8T8BCL-E.G1, Rel. Margarida Almeida Fernandes, e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30/05/2017, proc. 28354/16.0YIPRT.P1, Rel. Fernando Samões). Na sequência do Acórdão interlocutório anteriormente proferido por esta Relação, o Tribunal Arbitral aceitou retomar o processo arbitral e determinou a “notificação das Partes para, considerando o teor do referido acórdão, se pronunciarem, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre o modo de cálculo do dano que foi adotado pelo Tribunal Arbitral e o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”. Ora, essa notificação às partes para se pronunciarem sobre o modo de cálculo do dano tem como pressuposto um juízo de manutenção da decisão relativamente à verificação do concreto dano em que o Tribunal exclusivamente baseou a condenação, o que não confere às partes a real possibilidade de aportarem aos autos contributos potencialmente relevantes para a decisão e influenciarem-na no plano dos factos e/ou do Direito quanto à efectiva verificação do dano que o Tribunal Arbitral teve por atendível (relativo ao investimento adicional que a Demandante teve de suportar na construção de metade das 458.614 UA que concretizou individualmente), e que pelas mesmas, maxime pela parte atingida pela condenação, não foi oportunamente perspectivado atento o contexto e alcance em que foi alegado o aspecto factual em que o Tribunal Arbitral estritamente se fundou para decidir no sentido em que decidiu. E esse confinamento da pronúncia facultada às partes não é afastado pela menção vaga e genérica ao convite para alegarem o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão. Deste modo, e salvo o devido respeito, o Tribunal Arbitral, pese embora para produzir a sentença complementar em que veio a manter a decisão condenatória proferida em 19/05/2022 tenha cumprido a formalidade de notificar as partes para se pronunciarem, materialmente não lhes garantiu uma participação efectiva no debate acerca do fundamento essencial do seu iter decisório quanto ao atendimento como dano do investimento adicional que a Demandante teve de suportar na construção de metade das 458.614 UA que concretizou sozinha, pois a própria notificação que ordenou é em si mesma reveladora de que a decisão anteriormente tomada quanto à verificação do dano a que atendeu não sofreria alteração. Assim, apenas resta concluir que o Tribunal Arbitral não colmatou a violação do contraditório em que incorrera. Por conseguinte, mantendo-se esse vício e sendo ele causa de anulação nos termos das disposições conjugadas do artº 46º nº 3 al. a), subalinea ii), e do artº 30º nº 1 al. c) LAV, deve a presente acção proceder, quedando-se prejudicada a apreciação do último fundamento de anulação invocado.”. [bold nosso] 3.4. Tendo presentes os elementos constantes dos pontos anteriores, afigura-se que, sem necessidade de significativo esforço analítico, o teor da fundamentação do acórdão ora recorrido (o acórdão de 30.01.2025) revela que o mesmo não se limitou a apreciar se o vício identificado da decisão arbitral pelo acórdão de 30.05.2023 tinha sido suprido pelo Tribunal Arbitral, antes procedeu a nova e aprofundada análise acerca da existência de violação do princípio do contraditório, concluindo que: (i) O “Tribunal Arbitral, não obstante ter sustentado a condenação num elemento factual aportado aos autos – a construção de 458.614 UA adicionais apenas pela Demandante – fê-lo fora do domínio e para além do alcance para o qual o mesmo havia sido alegado e que, em conformidade, havia merecido a apresentação de defesa”; (ii) Pelo que, para colmatar a violação pelo princípio do contraditório, não bastaria ao Tribunal Arbitral determinar a “notificação das Partes para, considerando o teor do referido acórdão, se pronunciarem, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre o modo de cálculo do dano que foi adotado pelo Tribunal Arbitral e o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”; (iii) Atendendo a que tal “não confere às partes a real possibilidade de aportarem aos autos contributos potencialmente relevantes para a decisão e influenciarem-na no plano dos factos e/ou do Direito quanto à efectiva verificação do dano que o Tribunal Arbitral teve por atendível (relativo ao investimento adicional que a Demandante teve de suportar na construção de metade das 458.614 UA que concretizou individualmente), e que pelas mesmas, maxime pela parte atingida pela condenação, não foi oportunamente perspectivado atento o contexto e alcance em que foi alegado o aspecto factual em que o Tribunal Arbitral estritamente se fundou para decidir no sentido em que decidiu.”. Na perspectiva do acórdão ora recorrido, o Tribunal Arbitral não poderia limitar-se a notificar as partes para se pronunciarem sobre a determinação (cálculo) dos danos considerados na decisão inicial do mesmo Tribunal, antes deveria ter procedido à reabertura do julgamento de facto e de direito a respeito da verificação e reparabilidade dessa categoria de danos. Sublinhe-se que, na sindicância do acórdão ora recorrido a realizar por este Supremo Tribunal, não cabe apreciar se a análise levada a cabo por aquele acórdão (o acórdão de 30.01.2025) é mais ou menos correcta do que aquela que foi concretizada pelo acórdão de 30.05.2023. Aquilo que está em causa no presente recurso é ajuizar se o acórdão de 30.01.2025 apreciou devidamente se, uma vez suspensa a instância, o Tribunal Arbitral supriu a violação do princípio do contraditório tal como o acórdão de 30.05.2023 a definira e tal como determinara que fosse suprida. Ora, o acórdão de 30.05.2023 decidira o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do art. 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito, após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação”. [bold nosso] Sendo que, no referido ponto 3 da fundamentação de direito se pronunciara, de forma breve, nos seguintes termos: - “Ressalta das peças processuais apresentadas pelas partes na ação arbitral que as mesmas não equacionaram a solução jurídica que veio a ser dada ao pleito, nem era, em bom rigor, expectável que o fizessem, tendo em conta o especial relevo que a Vodafone colocou nos lucros cessantes que peticionou, que marcaram todo o processado arbitral. - Afigura-se-nos, pois, que o Tribunal Arbitral não podia “enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente”, sem que previamente desse a oportunidade às partes de se pronunciar sobre o mesmo, sendo de considerar que a violação do princípio do contraditório teve influência decisiva na resolução do litígio, na medida em que as partes nenhum fundamento/argumento/razão aportaram para tal decisão.”. [bold nosso] Do confronto entre o disposto pelo acórdão de 30.05.2023 e respectiva fundamentação e o teor do acórdão de 30.01.2025, ora recorrido, confirma-se aquilo que avançámos atrás, isto é, que, neste último acórdão, o Tribunal a quo não se limitou a apreciar se, uma vez suspensa a instância, o Tribunal Arbitral suprira a violação do princípio do contraditório tal como o acórdão de 30.05.2023 a definira e tal como determinara que fosse suprida, antes procedeu a nova e aprofundada análise acerca da existência de violação do princípio do contraditório, o que lhe estava vedado realizar em razão da extinção do poder jurisdicional ocorrida com a prolação do acórdão de 30.05.2023. Com efeito, dispõe o n.º 1 do artigo 613.º do CPC que “[p]roferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa”. Em consequência, estava vedado ao Tribunal a quo proceder a uma nova apreciação do desrespeito pelo princípio do contraditório, incorrendo, assim, em nulidade por excesso de pronúncia, que, nos termos do art. 684.º, n.º 1, do CPC, se supre dando-se como não escrita a fundamentação do acórdão na parte em que procede a essa nova apreciação. Importa, porém, apurar se o acórdão recorrido incorreu também em erro de julgamento ao concluir que o Tribunal Arbitral não colmatou a violação do contraditório em que incorrera. Por conseguinte, mantendo-se esse vício e sendo ele causa de anulação nos termos das disposições conjugadas do artº 46º nº 3 al. a), subalínea ii), e do artº 30º nº 1 al. c) LAV, deve a presente acção proceder, quedando-se prejudicada a apreciação do último fundamento de anulação invocado”, vindo a decidir a final que “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar a acção procedente e, em consequência, anula-se a sentença arbitral”. Vejamos. Como se viu já, na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de 30.05.2023, o Tribunal Arbitral determinou a “notificação das Partes para, considerando o teor do referido acórdão [do Tribunal da Relação], se pronunciarem, no prazo de 30 (trinta) dias, sobre o modo de cálculo do dano que foi adotado pelo Tribunal Arbitral e o mais que entendam ter cabimento, à luz desse acórdão”. Em resposta ao despacho do Tribunal Arbitral ambas as partes apresentaram alegações. O Tribunal Arbitral veio a proferir acórdão complementar com a seguinte decisão junta aos presentes autos: “Com os fundamentos constantes da Sentença proferida em 19.05.2022 e desta Sentença Complementar, o TA decide, por unanimidade dos seus membros, manter a condenação da Demandada a pagar à Demandante uma indemnização no montante total de € 30.000.000 (trinta milhões de euros)”. Considera-se que com este processado se deu cumprimento ao determinado pelo acórdão de 30.05.2023: “acorda-se em suspender este processo de anulação de sentença arbitral ao abrigo do art. 46º, nº 8, da LAV, pelo período de 8 meses, dando a possibilidade ao Tribunal Arbitral de retomar o processo arbitral e colmatar o vício que determinará a anulação da sentença arbitral, indicado no ponto 3. da fundamentação de mérito [a saber: “o Tribunal Arbitral não podia “enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente”, sem que previamente desse a oportunidade às partes de se pronunciar sobre o mesmo], após o que deverá remeter certidão da decisão arbitral a este Tribunal da Relação”. [bold nosso] Deste modo, verifica-se o invocado erro de julgamento ao ter o acórdão recorrido dado como não suprido a violação do princípio do contraditório tal como identificada pelo acórdão de 30.05.2023. 4. Aqui chegados, considera-se prejudicada a apreciação das demais questões recursórias suscitadas pela recorrente Vodafone, a saber: se se entender que o acórdão de 30.01.2025 não estava impedido de conhecer de nova violação do princípio do contraditório, o Tribunal a quo devia ter dado cumprimento ao mecanismo previsto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV; sindicância do mérito em desrespeito pelo artigo 46.º, n.º 9, da LAV. Conclui-se, assim, pela procedência do recurso da Vodafone, sem prejuízo daquilo que vier a resultar da apreciação da ampliação do objecto do recurso apresentada pela recorrida Meo, S.A.. VI – Fundamentação de direito. Apreciação das seguintes questões formuladas em sede de ampliação do objecto do recurso, pela ora recorrida Meo, ré na acção arbitral e autora na presente acção: nulidade da decisão arbitral por condenação em objecto diverso do pedido e nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao conhecer de um dano e uma causa de pedir não invocados pela autora do processo arbitral 1. Recorde-se que, na acção arbitral, a Vodafone fundou o pedido indemnizatório dirigido contra a Meo no facto de, em resultado do invocado incumprimento por esta última do “Acordo de Aquisição de Direitos de Uso Exclusivo de Rede PON” celebrado entre as partes ter sido impedida de aceder às novas infraestruturas de comunicação instaladas pela Meo. Alegou a Vodafone que a ampliação da rede da Meo correspondeu à instalação de 1.707.401 novas unidades de alojamento (UA), pelo que, se a Meo tivesse cumprido o Acordo, teria sido facultado à Vodafone o acesso a 1.707.401 UA. Não o tendo feito, a Vodafone teve acesso apenas às 458.614 UA construídas exclusivamente com o seu investimento. Consequentemente, deve a Meo indemnizar a autora por não lhe ter proporcionado a prestação de serviços a mais 1.248.787 UA (1.707.401 UA – 458.614 UA). Tendo este incumprimento produzido danos para a Vodafone que esta avaliou no montante de €316.138.595,42, valor reduzido, porém, a €131.904.269,84 em consequência do efeito mitigador obtido com a subsequente celebração do acordo entre a Vodafone e a Nos. 2. Afigura-se que, em rigor, a questão da nulidade da decisão arbitral por condenação em objecto diverso do pedido coincide com a questão da invocada nulidade da decisão arbitral por excesso de pronúncia ao conhecer de um dano e uma causa de pedir não invocados pela autora do processo arbitral. O Tribunal a quo apreciou estas questões no seu acórdão de 30.05.2023, objecto da impugnação mediante ampliação do objecto do recurso, nos seguintes termos: “Na petição apresentada no processo arbitral, a Vodafone terminou pedindo a condenação da MEO a pagar-lhe a quantia de €131.904.269,84, acrescida de juros de mora. A quantia peticionada foi-o a título de indemnização pelos prejuízos sofridos em virtude do incumprimento pela MEO do Acordo contratual entre ambas celebrado. E se é certo que a Vodafone invoca, a título principal, que a indemnização lhe é devida por lucros cessantes (“dano correspondente aos 8 anos durante os quais a Demandante se viu impedida de aceder a 1.248.787 UA adicionais” – art. 204º), não menos certo é que equaciona a possibilidade de não poder ser ressarcida por tais danos em virtude do estipulado na cláusula 17.2 do Acordo, sustentando que, nesse caso, sempre teria direito a ser indemnizada no montante referido a título de dano emergente (arts. 311º e 318º da petição do processo arbitral). O tribunal arbitral condenou a MEO a pagar à Vodafone uma indeminização no montante total de €30.000.000, por danos emergentes, pelo que se nos afigura não existir condenação em objeto diverso do pedido, decaindo a pretensão da Requerente de ver anulada a sentença arbitral com este fundamento. (…) Como suprarreferido, em ação baseada em responsabilidade contratual, o A. deve indicar em que consistiu o facto danoso (o incumprimento do contrato) e que consequências teve no seu património, se causou um dano (positivo), ou se frustrou um lucro 14, ou se se verificaram ambas as situações, podendo optar por pedir o ressarcimento de todos esses prejuízos, ou só de algum(ns), ou mesmo pedi-los em termos subsidiários. A causa de pedir em ação de responsabilidade civil contratual é complexa, preenchendo o núcleo dos factos (concretos) essenciais a alegar os relativos ao facto danoso, aos danos sofridos, e ao nexo causal entre aquele e estes. (…) O tribunal está vinculado aos factos alegados pelas partes, na apreciação das questões que lhe são colocadas, mas não à integração jurídica dos mesmos [15: (…)]. No caso sub judice, o Tribunal Arbitral conteve-se dentro do objeto da ação, apreciando as questões suscitadas (nomeadamente a do direito da Vodafone a ser indemnizada pela MEO em virtude de violação do contrato) com base nos factos alegados por aquela. A pretensão indemnizatória da Vodafone assentava na violação do contrato (que podemos designar de opção de co-investimento) pela MEO, da qual resultaram danos para a Vodafone, pretendendo a mesma ser ressarcida de todos os prejuízos sofridos (ver os arts. 283º, 286º, 287º, e 311º, da petição do processo arbitral), não obstante tenha fundamentado, essencialmente, aquela pretensão nos alegados lucros cessantes. Nessa sequência, o Tribunal Arbitral também fixou como tema da prova “iii. Das possíveis consequências dessa alegada impossibilidade de acesso e de expansão da rede mediante co-investimento, nomeadamente, em termos de clientes que a Vodafone deixou de angariar e reter para os seus serviços fixo e móvel, de receitas que deixou de receber e dos custos e investimentos em que não incorreu” (sublinhados nossos). O facto essencial nuclear da causa de pedir é a existência do dano [16 Que já não integra os factos relativos à sua quantificação, que serão factos complementares], derivado da violação contratual alegada, tendo o Tribunal Arbitral concluído pela sua existência com base em factualidade alegada pela Vodafone, que resultou provada, num diferente enquadramento jurídico, o que estava dentro dos seus poderes de cognição, conforme suprarreferido. Ao contrário do alegado pela Requerente, o Tribunal Arbitral não conheceu de uma questão de facto que não foi invocada, antes se baseando em factualidade alegada que resultou provada, mantendo-se no objeto da ação. Ou seja, ao conhecer do dano emergente em causa o Tribunal Arbitral não extravasou o objeto do processo, antes conheceu de questão (de existência de danos resultantes da violação do contrato) de que podia conhecer face à factualidade alegada e provada. 3. Em sede de ampliação do objecto do recurso, a respeito destes fundamentos para a anulação da decisão arbitral, alega a recorrida essencialmente o seguinte: A sentença condenou em objecto diverso do peticionado pela recorrente - O pedido e o objecto do processo são conformados pela causa de pedir, tendo o pedido de ser interpretado por referência à causa de pedir formulada pelo autor da acção. - Isto tem particular relevância no caso de pedidos indemnizatórios, pois a indemnização peticionada destina-se única e exclusivamente a ressarcir os danos concretamente alegados e provados pela parte que pede a indemnização e não todos e quaisquer danos que esta possa ter sofrido ou que se possam ter vindo a apurar. - Com efeito, a indemnização em dinheiro é um substituto da reparação in natura, por esta não ser possível ou ser excessivamente onerosa (cfr. artigo 566.º, n.º 1, do CC). Assim, num pedido indemnizatório, o que está primordialmente em causa não é o valor da indemnização, mas sim o concreto dano cuja reparação se pretende, sendo o valor indemnizatório apenas uma medida de reparação desse concreto dano. - É às partes que cabe alegar os factos constitutivos da causa de pedir e formular os correspondentes pedidos, sendo que o concreto dano alegadamente sofrido pela recorrente é um elemento constitutivo da sua causa de pedir, enquanto pressuposto da responsabilidade civil, não bastando a alegação genérica de danos para cumprir o ónus de alegação e concretização da causa de pedir, mas antes sendo necessária a alegação dos concretos factos que constituem o dano. - De todo o Processo Arbitral resulta claro que o valor indemnizatório peticionado pela recorrente advém do “dano que a Demandante [ora recorrente] sofreu em virtude do incumprimento do Acordo por parte da Demandada”, o qual, de acordo com a alegação da própria recorrente, “correspondente aos 8 anos durante os quais a Demandante se viu impedida de aceder às 1.248.787 UA adicionais”. - Não sendo possível repor esse acesso durante esses 8 anos, a recorrente peticiona uma indemnização em dinheiro, nos termos do disposto no artigo 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC, calculando tal valor indemnizatório a partir do “somatório dos cash flows anuais médios equivalentes, ponderados pela mitigação do dano, e descontados no tempo”. - Assim, a causa de pedir da acção arbitral consiste nos factos alegados pela recorrente de onde esta faz derivar a responsabilidade da recorrida, nomeadamente no dano decorrente dos supostos benefícios que a recorrente deixou de ter em consequência de não ter tido acesso às UAs construídas pela recorrida sem prévia notificação à recorrente, sendo que a indemnização peticionada pela recorrente se destina única e exclusivamente a ressarcir tal dano. - É verdade que, a título subsidiário, no Processo Arbitral, a recorrente ensaiou um pedido de indemnização pelos danos emergentes. Acontece que resulta claro de todo o Processo Arbitral que este pedido de indemnização por danos emergentes respeitou exclusivamente aos danos alegadamente resultantes da frustração de vantagens que já se encontravam na sua esfera jurídica à data do incumprimento contratual e da perda de oportunidade de participar na expansão da Rede PON — ou seja, exactamente os mesmos danos (ou, dito de outro modo, os mesmos factos) que foram classificados pela recorrente como lucros cessantes num primeiro momento. - No entanto, o Tribunal Arbitral decidiu condenar a recorrida no ressarcimento do dano (emergente) que a recorrente terá supostamente tido por ter construído 458.614 unidades de alojamento sem o coinvestimento da recorrida. Dano este cuja indemnização nunca foi reclamada pela recorrente e factos estes que foram alegados pela recorrente simplesmente como factor mitigador do dano de que a recorrente efectivamente procurou ser ressarcida. - Ao decidir como decidiu, o Tribunal Arbitral “criou” uma nova causa de pedir não invocada pela recorrente e alterou o objecto do Processo Arbitral, considerando um dano - o suposto dano emergente advindo da realização de despesas com a construção de UAs pela recorrente sem coinvestimento da recorrida - que nunca foi alegado como tal no Processo Arbitral e cujo ressarcimento nunca foi peticionado pela recorrente no mesmo processo. - Não se trata de uma mera qualificação jurídica dos factos alegados pela recorrente na Petição Inicial do Processo Arbitral distinta daquela que lhes foi dada pela recorrente ao abrigo da liberdade que o tribunal tem de conhecer do direito aplicável ao caso concreto, mas de uma verdadeira reconfiguração da causa de pedir e do pedido da recorrente, feita pelo Tribunal Arbitral - o tribunal pegou num facto que foi alegado como facto mitigador do dano cujo ressarcimento a recorrente procurava e transformou esse facto no dano a ressarcir -, por forma a condenar a recorrida na indemnização de um dano nunca invocado, assim condenando a recorrida numa indemnização distinta da peticionada. Houve excesso de pronúncia da Decisão Arbitral ao conhecer de um dano e de uma causa de pedir não invocados pela recorrente no Processo Arbitral - Existem limites aos poderes dos tribunais (judiciais e arbitrais), desde logo, porque estes estão vinculados ao conhecimento das questões que lhes são colocadas pelas partes, sendo-lhes vedado conhecer de outras questões que não aquelas, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso. Esta é mais uma decorrência do princípio do dispositivo. - Ao condenar a recorrida na indemnização do dano (emergente) resultante do custo com a construção pela recorrente de 458.614 UAs sem coinvestimento da recorrida, quando a indemnização pedida era para ressarcimento do dano (emergente ou lucro cessante) resultante de a recorrente não ter podido aceder às UAs construídas pela recorrida, o Tribunal Arbitral extravasou manifestamente as questões cujo conhecimento lhe foi peticionado no Processo Arbitral. Assim, para além de condenar em objecto diverso, o Tribunal Arbitral conheceu também de uma questão - um específico dano e um específico facto ilícito - que jamais esteve em causa no âmbito do Processo Arbitral e, por conseguinte, da qual não podia conhecer. - Como referido, a Decisão Arbitral não se limitou a fazer uma qualificação jurídica dos factos trazidos aos autos pela recorrente distinta da feita por esta última, mas sim substituiu-se totalmente à recorrente na conformação da sua causa de pedir e do seu pedido: a Decisão Arbitral considerou como provados e condenou a recorrida no ressarcimento de uns putativos danos emergentes que a recorrente nunca alegou como danos (de qualquer tipo, emergentes ou lucros cessantes) e cujo ressarcimento nunca peticionou; a Decisão Arbitral considerou um facto ilícito distinto do facto ilícito alegado pela recorrente. 4. Por sua vez, a ora recorrente, respondeu alegando essencialmente o seguinte: Da alegada condenação em objecto diverso do peticionado - O Acórdão de 30.05.2023 não merece censura quando não acolheu o fundamento de anulação consubstanciado na condenação em objecto diverso do peticionado, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v) da LAV. - Com efeito, o Tribunal Arbitral respeitou o princípio do dispositivo, no que se refere ao pedido formulado na ação arbitral, ao condenar a ora recorrida, na qualidade de demandada, a pagar à ora recorrente uma indemnização no montante total de €30.000.000 (trinta milhões de euros). - A única verdadeira alteração ocorrida foi meramente quantitativa e verificou-se na delimitação do montante indemnizatório que foi reduzido a um valor substancialmente inferior, o que, como é unânime, não consubstancia qualquer alteração do pedido. - E o mesmo acontece quanto à causa de pedir. Não se aceita a ideia da recorrida de que, na sentença objecto da presente acção de anulação, o Tribunal Arbitral a quo criou uma causa de pedir não invocada pela recorrente. - Pelo contrário, a causa de pedir permaneceu inalterada. - Nas ações de responsabilidade civil, a causa de pedir consiste no facto ilícito causador de danos praticado pelo lesante, núcleo essencial em que radica e de onde procede a pretensão do autor (cfr. artigo 581.º, n.º 4 do CPC). - Na situação em apreço, não resta qualquer dúvida de que o facto ilícito invocado pela então demandante na Petição Inicial submetida ao Tribunal Arbitral é idêntico ao facto ilícito considerado na Sentença Arbitral, porque, em ambas, o facto ilícito foi o incumprimento pela ora recorrida da obrigação estatuída na cláusula 4.3. do Acordo. - Mas mesmo que assim não se considere e se entenda que os factos que configuram o dano também integram a causa de pedir, ainda assim não existiu qualquer alteração da causa de pedir na condenação pela Sentença Arbitral em indemnização pelos danos emergentes. - É que, a referência, pela demandante, ora recorrente, aos danos emergentes do incumprimento da ora recorrida, não é estranha na Petição Inicial da acção arbitral. - Com efeito, a figura do dano emergente é invocada no ponto 4.2 da Petição Inicial do processo arbitral, que tem como epígrafe “A responsabilidade da Demandada (também) pelos danos emergentes incorridos pela Demandante: em particular, o dever de indemnizar a demandante pela perda de oportunidade” e, onde é, ao longo dos respetivos artigos 285.º a 318.º, referido, frequentemente, o dano emergente. - A demandante, ora recorrente, não limitou os danos emergentes à perda de chance. - Porém, ainda que assim não se entenda, o que não se concede, tal circunstância é irrelevante. - É que os factos que permitiram ao Tribunal Arbitral condenar a agora recorrida constavam ab initio dos factos alegados na acção, tendo ficado inclusivamente provados - Ou seja, o Tribunal Arbitral não fez nenhuma alteração àqueles que eram os factos já constantes da Petição Inicial e nos quais se baseou para proferir a Sentença Arbitral, respeitando claramente o princípio do dispositivo. - E assim aconteceu porque, ao invés do que alega a recorrida, a causa de pedir é integrada por factos, e não por qualificações ou categorias jurídicas destinadas a facilitar a diferenciação e compreensão da realidade e a subsequente subsunção às previsões normativas, como é a noção de dano emergente que nunca pode, enquanto tal, ser considerada causa de pedir. - A causa de pedir corresponde apenas a acontecimentos que – esses sim – poderão, eventualmente, reconduzir-se a várias classes ou espécies de danos. - Por conseguinte, caso se entenda que os factos consubstanciadores do dano integram a causa de pedir da presente acção, a causa de pedir abarcaria o facto relativo à construção, pela ora recorrente, isoladamente e sem ser em coinvestimento, de determinado número de casas e nunca a respetiva recondução à categoria de dano emergente ou de lucro cessante, meras classificações jurídicas dos factos que integram ou que podem integrar a causa de pedir. - Na verdade, despidos os factos alegados na ação arbitral da sua qualificação jurídica, deve entender-se que o objeto do processo arbitral sub iudice se traduz num pedido de condenação da demandada, ora recorrida, no pagamento de uma determinada quantia (pedido) pelos prejuízos que correspondam aos factos alegados e que resultem do incumprimento do Acordo (causa de pedir). - A baliza da delimitação do objecto encontra-se, por conseguinte, nos factos alegados e o Tribunal Arbitral não extravasou esse limite. - Note-se que a tese sustentada pela recorrida implica aceitar, por um lado, que o cálculo do montante do dano integra a causa de pedir na acção de responsabilidade civil e, por outro lado, que a prova da existência de danos resultantes de um incumprimento contratual doloso fique sem a respectiva reparação simplesmente porque, nessa acção, não se logrou demonstrar o concreto montante do dano infligido, quando tais soluções seriam contrárias à lei e não são preconizadas nem pela doutrina nem pela jurisprudência. - Na sua posição, a recorrida confunde a existência do dano – a qual, de acordo com a Sentença Arbitral, foi plena e indiscutivelmente demonstrada pela recorrente - e a sua quantificação – a qual, de acordo com o entendimento do Tribunal Arbitral, a recorrente não logrou provar nos termos em que havia peticionado. - Mas, como referiu o Tribunal a quo, a causa de pedir não integra os factos relativos à sua quantificação, que serão factos complementares. - A interpretação da recorrida de que a pretensa alteração da qualificação dos danos pelo Tribunal Arbitral – de lucro cessante para dano emergente – conduziu também à necessária substituição do próprio ilícito previsto pela Sentença Arbitral é frontalmente desmentida pelos factos constantes da Sentença Arbitral. - Resulta do teor da Decisão Arbitral que, quer os danos emergentes, quer os lucros cessantes, resultam do mesmo ilícito: a não notificação da demandante, ora recorrente, pela demandada, ora recorrida, relativamente ao seu próprio investimento, violando assim o Acordo celebrado entre as Partes. - Em face do exposto, inexiste condenação da Recorrida num objecto diverso do peticionado pela Recorrente, não se verificando, no caso sub judice, o fundamento de anulação da Sentença Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v) da LAV. Da alegada anulabilidade da sentença por excesso de pronúncia - O Tribunal a quo considerou, e bem, que a Sentença Arbitral não padecia do vício de excesso de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV, apontado pela recorrida. - Os argumentos agora invocados pela recorrida contra o entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa coincidem com os invocados no âmbito do ponto antecedente, referente à alegada condenação em objecto diverso. - Assim, pelas razões supra explanadas deve concluir-se que o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 30.05.2023, não incorreu em qualquer excesso de pronúncia quando decidiu, nos termos em que o fez. 5. De acordo com o artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV: “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: a) A parte que faz o pedido demonstrar que: v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”. Acerca deste fundamento (ou fundamentos) de anulação, pronuncia-se Mariana França Gouveia (Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 2ª ed., Almedina, 2014, págs. 305-306): “Outro fundamento de anulação previsto na LAV é o do excesso ou omissão de pronúncia. Há excesso de pronúncia quando o tribunal condenou em quantidade superior ou objeto diverso do pedido ou conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento; há omissão de pronúncia quando o tribunal deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar. Estes fundamentos de anulação, previstos no artigo 46.º n.º 3 a) v), consumem violações do princípio dispositivo, isto é, representam uma transgressão (para mais ou para menos) da delimitação do objeto do processo que compete apenas às partes. Trata-se de fundamento equivalente ao previsto no artigo 27.º n.º 1 e) LAV 86 - acrescentou-se a condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, o que já era abrangido pelo conhecimento de questões de que não podia conhecer. O princípio dispositivo é um dos pilares do direito processual civil, tanto no impulso processual inicial, como na delimitação objetiva e subjetiva da instância. A definição do objeto da ação e do número e posição das partes cabe apenas a estas. [507: Mariana França Gouveia, Os Poderes do Juiz Cível na Acção Declarativa, 2007, p. 52]. Como é referido pela doutrina, num processo dominado pela vontade das partes - como a arbitragem - a vinculação ao princípio dispositivo é ainda mais relevante. [508: Paula Costa e Silva, Anulação e Recursos da Decisão Arbitrai, 1992, p. 943]. Para o vício em análise, interessa a vertente objetiva do princípio dispositivo, isto é, a delimitação dos poderes e competências do tribunal ao objeto do processo, tal como alegado pelas partes. O objeto do processo é constituído pelo pedido e pela causa de pedir, limitando ambos as possibilidades de atuação do tribunal. Este objeto é definido pelos articulados apresentados pelo autor ou, caso exista reconvenção, pelo réu reconvinte. Recorde-se que a LAV eliminou a fixação do objeto do processo na carta de instauração da arbitragem (prevista no artigo 11.º n.º 3 LAV 86), apenas ocorrendo essa determinação com a alegação de factos na petição e contestação (artigo 30.º LAV). E admite alterações objetivas posteriores, conforme o artigo 33.º n.º 3 LAV. O juízo de determinação da violação do princípio dispositivo faz-se, pois, perante o que foi alegado pelas partes enquanto factos principais ou causa de pedir. [509: Sobre a concretização do critério, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Acção Declarativa, 2004, p. 382 e seguintes]. Digno de nota a este propósito é o Caso Cláusula Penal I [510: Ac. STJ de 21 de outubro de 2003, Proc. n.º 03A2318], em que o tribunal arbitral condena não com fundamento nos danos alegados pelo requerente na ação arbitral mas com base numa cláusula penal que nenhuma das partes havia invocado. Com razão, o Supremo Tribunal de Justiça anulou a decisão.”. [bold nosso] 6. Na doutrina, Teixeira de Sousa («Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil» Scientia Ivridica, Tomo LXII, n.º 332 – Maio/Agosto 2013, págs. 395-412) elabora sobre a questão que ora nos ocupa nos seguintes termos: “Os factos que constituem a causa de pedir valem independentemente da qualificação fornecida pela parte, dado que esta qualificação não é vinculativa para o tribunal (art. 5.º, n.º 3). Segundo um princípio de exaustão, o tribunal tem o dever de esgotar todas as possíveis qualificações jurídicas dos factos alegados pelas partes. Da liberdade que é concedida ao tribunal quanto à qualificação jurídica dos factos alegados como causa de pedir resultam duas consequências importantes: - O tribunal pode extrair dos factos alegados uma pretensão material diferente daquela que a parte alega; esta circunstância pode ser indiferente para a procedência da acção ( esta pode proceder, não com base em responsabilidade contratual, mas com fundamento em responsabilidade extracontratual), mas também pode ser determinante para a sua improcedência (a acção improcede se o autor requerer o seu reconhecimento como proprietário, mas o tribunal concluir que os factos invocados pelo autor apenas permitem, quando muito, o seu reconhecimento como usufrutuário); - Não representa nenhuma alteração da causa de pedir a correcção da qualificação jurídica fornecida pelo autor; por isso, não obsta ao funcionamento das excepções de litispendência e de caso julgado a invocação num outro processo da mesma causa de pedir com outra qualificação legal (cf. arts. 580.º, n.º 1, e 581.º, n.º 4, 1.ª parte). b) A circunstância de a qualificação jurídica fornecida pela parte ser irrelevante para identificar a causa de pedir (no sentido de que a qualificação atribuída não é vinculativa para o tribunal) não implica que os factos por ela alegados não devam ser subsumíveis à previsão de uma regra jurídica. A qualificação que decorre desta subsunção - qualquer que ela seja - cumpre, aliás, uma importante função (que pode ser designada por função unificadora da causa de pedir): não se verifica nenhuma alteração da causa de pedir quando, mantendo-se a qualificação jurídica, são alegados factos complementares [cf. art. 5.º, n.º 2, alínea b)]. Em suma: para que haja causas de pedir distintas é sempre necessário que os factos alegados pela parte sejam subsumíveis a diferentes previsões legais.”. [bold nosso] Lebre de Freitas, em comentário ao acórdão proferido em 18.05.2006, no processo n.º 1157/06 («Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229º do Código Civil», in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, Vol. III (2006), págs. 1-26), escreve o seguinte: “[E]mbora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial da previsão das duas normas for o mesmo. Daí decorre que, quando mais do que uma norma jurídica é, em abstracto, aplicável, os factos concretos essenciais à sua identificação (ainda que a sua previsão com eles não se complete) hão-de ter sido alegados pelo autor, embora sem apelo à correspondente qualificação, que no final compete ao tribunal (art. 664 CPC). São, por isso, muito escassos os casos de concurso real de normas susceptível de dar lugar ao recorte processual duma só causa de pedir.”. [bold nosso] 7. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita a causas de pedir complexas, tem-se orientado no sentido da articulação entre o direito de conformação do objecto processual que assiste ao autor ou réu reconvinte e a liberdade de qualificação destes factos pelo decisor, sendo tal articulação enquadrada pelo princípio do contraditório. Em acórdão proferido em 16.02.2023 (proc. n.º 3063/18.9T8PTM.E2.S1), consultável em www.dgsi.pt, decidiu-se que: Quando “(…) o enquadramento jurídico realizado pelo tribunal se contenha dentro dos limites da factualidade essencial alegada e seja adequado ao efeito prático-jurídico pretendido, pode o tribunal realizá-lo, posto que as partes tenham tido oportunidade de se pronunciar sobre ele, sendo poder-dever do julgador proceder à requalificação ou reconfiguração normativo-jurídica do caso quando cumpridas aquelas condições.”. [bold nosso] No caso concreto, foi o seguinte o raciocínio decisório: “[S]endo adquirido que as partes foram ouvidas quanto ao proposto novo enquadramento jurídico, cumpre indagar se se mostram “ultrapassados” na sentença a causa de pedir e / ou o pedido formulados pelos autores. Os autores alegam que ambas as rés lhes prestaram informação falsa sobre características essenciais do imóvel, o que configuram como incumprimento contratual, mais precisamente cumprimento defeituoso. Com base nisto, pedem uma compensação pelos danos sofridos, o que, segundo eles, se concretiza por via da redução do preço e do reembolso da diferença entre o prédio efectivamente vendido e o prédio pretendido. No que respeita, em particular, à ré Sortami, a causa de pedir é, assim, a prestação de informação falsa sobre características essenciais da moradia (…) e o pedido é que a ré Sortami seja condenada a indemnizá-los pelos prejuízos sofridos (…). No que respeita à ré Sortami, o Tribunal de 1.ª instância deu razão aos autores, declarando que eles eram titulares do direito que invocavam e que a ré Sortami tinha a obrigação de os indemnizar. Procedeu, todavia, a uma requalificação jurídica dos factos, entendendo que a indemnização em que os autores pediam que a ré Sortami fosse condenada não radicava – não podia radicar – no regime da venda de coisas defeituosas (artigos 905.º a 912.º, ex vi dos artigo 913.º do CC), mas sim no regime da responsabilidade civil e devia ser calculada em conformidade (cfr. artigo 562.º e 566.º, n.º 2, do CC). Assim sendo, o Tribunal de 1.ª instância limitou-se a requalificar a situação subjacente ao pedido de indemnização (que seria manifestamente improcedente se fundado no regime da venda de coisas defeituosas uma vez que a ré Sortami não ocupava a posição de vendedora), enquadrando-a num outro regime – o regime da responsabilidade civil. Mas este novo enquadramento não importa uma substituição ou um[a] “entorse” dos factos constitutivos do direito alegado pelos autores. Quer dizer: não há alteração da realidade, da materialidade ou dos factos; os “factos essenciais que constituem a causa de pedir”, como se dispõe no artigo 5.º, n.º 1, do CPC, são suficientes para se proceder àquele novo enquadramento. A causa de pedir é – e continua a ser – a prestação de falsa informação, que induziu os autores numa compra em condições que eles não teriam aceitado caso tivessem sido correctamente informados. Tão-pouco existe um “extravasamento” do pedido: o pedido é – continua a ser – o de ressarcimento pelos danos sofridos e é esse o pedido que o Tribunal de 1.ª instância julga procedente, baseando-se, é certo, em regime normativo diferente daquele que os autores julgavam ser adequado para fundar e fixar a indemnização. Recorde-se que o pedido deve ser entendido como o resultado ou efeito que se pretende obter numa perspectiva prática ou económica – o efeito prático-jurídico ambicionado ou pretendido. O pedido pressupõe a especificação do tipo de providência jurisdicional requerida, devendo existir correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida, a final, pela parte. Em conclusão, dando por assente que a factualidade alegada pelos autores e tida por provada podia subsumir-se sem esforço à figura da responsabilidade civil, o Tribunal de 1.ª instância procedeu a esta requalificação – uma requalificação ou reconfiguração da factualidade alegadas pelas partes, logo, dos factos processualmente adquiridos, no estrito plano normativo ou do direito aplicável. O Tribunal de 1.ª instância respeitou os limites impostos à liberdade de requalificação jurídica da situação decidenda, atrás enunciados, e cumpriu o procedimento adequado a situações de requalificação jurídica (o dever de ouvir as partes), pelo que não se encontra razão para censurar a sua conduta, nomeadamente, para considerar que actuou em excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, e em violação dos artigos 5.º, n.º 1, e 608.º, n.º 2, do CPC (sobre os poderes de cognição do tribunal e sobre as questões a resolver pelo tribunal, respectivamente).”. Já no acórdão de 27.09.2011 (proc. n.º 2005/03.0TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, a propósito da noção de decisão surpresa, entendeu-se o seguinte: “[P]ode vingar a arguição de nulidade de uma decisão quando, e se, a solução opcionada pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade. Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo. Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos (novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão “solipsisticamente adoptata”) que poderiam trazer alguma luz sobre a “terza via”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório. Na última situação prefigurada o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição super partes constitucionalmente atribuído ao Julgador. Neste caso, se o juiz envereda por uma “terza via” e as partes não alegaram factos ou tomaram posição concreta sobre a solução “solitária”, a decisão pode tornar-se injusta e acarretar um juízo de parcialidade que afecta a estrutura regente de um processo justo e despejado de desvios processuais ou substantivos que desvirtuem a decisão ou o resultado final que se espera venha a ser assumido pelo tribunal. No caso concreto, pensamos, não estarmos perante um caso em que as partes não tivessem tido oportunidade de debater as questões e os factos perante as instâncias e estando este tribunal cingido aos factos adquiridos pelas instâncias, e considerando que o quadro factológico adquirido não necessitava de ser ampliado, a possibilidade de o tribunal qualificar juridicamente as condutas espelhadas na factualidade adquirida era ou devia ser previsível para qualquer dos pleiteantes. A decisão recaiu sobre factos debatidos e devidamente sedimentados pelo que as partes não tiveram diminuição dos respectivos direitos quando o tribunal avaliando os factos trazidos pelas instâncias apurou, diversamente do que tinha sido a posição por elas assumida, que a responsabilidade na ruptura da relação contratual devia ser computada numa proporção de metade para cada uma delas. A decisão não se afasta, ou não pode constituir, em face dos factos adquiridos pelas instâncias, uma decisão injusta, por não se revelar uma emanação de um desvio que deva ser crismado ou taxado de imparcialidade ou postergação de factos ou direitos não alegados.”. [bold nosso] No mesmo sentido se pronuncia o acórdão de 19.01.2017 (proc. n.º 873/10.9T2AVR.P1.S1), consultável em www.dgsi.pt: A“(…) decisão judicial, enquanto prestação do dever de julgar, deve conter-se dentro do perímetro objetivo e subjetivo da pretensão deduzida pelo autor, em função do qual se afere também o exercício do contraditório por parte do réu, não sendo lícito ao tribunal desviar-se desse âmbito ou desvirtuá-lo. Incumbe sim ao tribunal proceder à qualificação jurídica que julgue adequada, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, mas dentro da fronteira da factualidade alegada e provada e nos limites do efeito prático-jurídico pretendido. É-lhe, pois, vedado enveredar pela decretação de uma medida de tutela que extravase aquele limite, o mesmo é dizer, não comportada na órbita do efeito prático-jurídico deduzido, ainda que pudesse, porventura, ser congeminada por extrapolação da factualidade apurada.”. A decisão que transcende a mera convolação jurídica da pretensão do autor – lícita, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil – distingue-se, assim, daquela que adjudica “(...) pretensão, de resto nem sequer deduzida pelo A., qualitativamente diversa daquela, quer quanto à relação jurídica material controvertida, quer quanto ao próprio efeito pretendido, e portanto fora do perímetro da vinculação temática do tribunal, nos termos decorrentes dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º, 609.º e 611.º do CPC.”. [bold nosso] No acórdão de 24.01.2019 (proc. n.º 948/14.5TVLSB.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt, discutiu-se hipótese em que a sentença apreciara e julgara os factos à luz do instituto jurídico da responsabilidade civil por facto ilícito quando o autor reconduzira os factos ao enriquecimento sem causa e nele fundara algumas das pretensões deduzidas. Este Supremo Tribunal decidiu que, em casos como o dos autos: Deve dar-se “(…) destaque, na configuração da causa de pedir concretamente invocada, ao vetor normativo seguido pelo autor, o que, no caso, aponta para a valoração dos factos enquanto integradores de um enriquecimento cuja restituição se pretende com a propositura da ação. Assim definida a causa de pedir da presente ação, é de concluir que a sentença, ao valorar os factos na perspetiva da responsabilidade civil - e apesar de parecer ser permitida pela liberdade de qualificação jurídica consagrada no nº 3 do art. 5º do CPC -, operou convolação que extravasa o âmbito daquela tal como o definiu o autor, acabando por conhecer de questão de que não podia tomar conhecimento. Não se tratou de atribuir aos factos uma qualificação jurídica diversa, o que seria consentido pelo art. 5º, nº 3; apreciou-se, sim, uma pretensão qualitativamente diversa da formulada pelo autor “quer quanto à relação jurídica material controvertida, quer quanto ao próprio efeito pretendido, e portanto fora do perímetro da vinculação temática do tribunal, nos termos decorrentes dos artigos 5.º, n.º 1, 260.º, 609.º e 611.º do CPC.”. [bold nosso] A ideia de vector normativo da causa de pedir encontra-se aqui enunciada nos seguintes termos: “[E]mbora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir. Em suma, sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular.”. [bold nosso] A respeito do vector ou dimensão normativa da causa de pedir releva, em especial, a fundamentação do acórdão de 18.09.2018 (proc. n.º 21852/15.4T8PRT.S1), disponível em www.dgsi.pt: “Consistindo o pedido no efeito jurídico pretendido pelo impetrante, convém precisar que o mesmo se traduz no efeito prático-jurídico que o autor pretende obter com base no estatuído no quadro normativo aplicável ao litígio em causa. Neste sentido, Anselmo de Castro [1: In Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 203] esclarece que: «(…) basta que as partes tenham conhecimento do efeito prático que pretendam alcançar, embora careçam da representação do efeito jurídico. Por outras palavras, o que interessará não é o efeito jurídico que as partes formulem, mas sim o efeito prático que pretendem alcançar; o objeto mediato deve entender-se como o efeito prático que o autor pretende obter e não como a qualificação jurídica que dá à sua pretensão.» Nessa linha, o pedido não deve ser interpretado na simples expressão literal em que se mostra formulado no petitório, mas com o alcance substancial resultante da sua conjugação como os fundamentos da pretensão deduzida, em ordem a surpreender o modo específico de tutela jurídica visado. Por isso mesmo, compete ao tribunal proceder a essa interpretação semântica, na latitude cognitiva que lhe é conferida, em matéria de direito, pelo artigo 5.º, n.º 3, e nos limites estabelecidos no artigo 609.º, n.º 1, ambos do CPC, podendo assim obviar-se a erros de mera qualificação jurídica em que a parte tenha incorrido nessa sede. Por sua vez, a causa de pedir, legalmente definida (art.º 581.º, n.º 4, do CPC) como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se numa factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, factualidade esta que não deve ser destituída de qualquer valoração jurídica, mas sim relevante no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor [2: A este propósito, vide MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pp. 123-125]. É o que se designa por princípio da causa de pedir abertas. Nessa conformidade, a causa de pedir pode ser, analiticamente, configurada por dois vetores complementares: a) – o seu perfil normativo, que a doutrina designa por causa de pedir próxima [3: Vide, MILTON PAULO DE CARVALHO, Do Pedido no Processo Civil, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, p. 93], traçado não em função da qualificação jurídica dada pelo autor, mas à luz do quadro das soluções de direito plausíveis que ao tribunal cumpre, a final, convocar, em função do efeito prático-jurídico pretendido; b) – o seu substrato factológico, também designado por causa de pedir remota [4: MILTON PAULO DE CARVALHO, ob. cit. p. 93], o qual é preenchido, segundo um critério empírico-normativo, em função do tipo de factualidade desenhada, em abstrato, na factis species aplicável, tendo ainda em conta os critérios de repartição do ónus da prova formulados a partir do sobredito efeito prático-jurídico. Sem necessidade de nos embrenharmos aqui nas conhecidas teorias da substanciação, da individuação e até da mais recente teoria da individuação aperfeiçoada [5: Para uma análise desenvolvida sobre as diversas orientações doutrinárias, vide a Professora Doutora MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A causa de Pedir na Acção Declarativa, Colecção Teses, Almedina, 2004, pp. 37-96], a orientação corrente vai no sentido de que o artigo 581.º, n.º 4, do CPC acolhe a doutrina da substanciação, segundo a qual a causa de pedir deve ser preenchida com os factos essenciais causantes do efeito jurídico pretendido. Sintetizando tal orientação Abrantes Geraldes [6: In Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 2.ª Edição, Coimbra, 1998, pp. 192-193], escreve o seguinte: «No art.º 498.º [atual art.º 581.º, n.º 4, do CPC] o legislador fez uma opção clara ente dois sistemas possíveis: o da individualização ou o da substanciação da causa de pedir. Ao primeiro bastaria a indicação do pedido, devendo a sentença esgotar todas as possíveis causas de pedir da situação jurídica enunciada pelo autor, impedindo-se, após a sentença, a alegação de factos anteriores e que, porventura, não tivessem sido alegados ou apreciados. Já a opção pela teoria da substanciação implica para o autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretensão, formando-se o objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos integradores da causa de pedir invocada. Foi esta a opção a que aderiu o legislador (…) Assim, a densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado. Todavia, importa distinguir, por um lado, os factos essenciais nucleares, estruturantes ou identificativos da causa de pedir; por outro lado, os factos complementares que, embora essenciais à procedência da pretensão deduzida, não relevam para identificação ou inteligibilidade daquela. A par disso, tem-se entendido que, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida. Segundo Lebre de Freitas [7: Caso julgado e causa de pedir, O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil” Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, in ROA 2006, Ano 66, Vol. III, acessível na Internet https://portal.oa.pt./publicacoes/revista/ano-2006/ano-66-vol-iii-dez-2006, p. 8]: «(…) embora a causa de pedir seja integrada por factos concretos, está hoje abandonada a ideia de que ela se possa delimitar segundo critérios meramente naturalísticos, o que a conduziria à impossibilidade de a circunscrever em termos jurídicos. Fora o caso de concurso de normas meramente aparente, dois complexos de factos, cada um dos quais integre a previsão duma norma jurídica constitutiva de direitos, só constituirão a mesma causa de pedir se o núcleo essencial das duas normas for o mesmo» Também Teixeira de Sousa [8: Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, Tomo LXII, n.º 332, 2013, pp. 395 e ss. (395, 401-402)] elucida que: «A causa de pedir é constituída pelos factos necessários para individualizar a pretensão material alegada. O critério para delimitar a causa de pedir é necessariamente jurídico. É a previsão de uma regra jurídica que fornece os elementos para a construção de uma causa de pedir. (…) Os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais”, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica. Isto demonstra que o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais.» Assim, embora a diferenciação de causas de pedir seja feita, em regra, por via da conjugação da concreta factualidade alegada com o aludido quadro normativo aplicável, casos há em que a mesma factualidade empírica é suscetível de preencher quadros normativos distintos com estatuição de modos de tutela jurídica qualitativamente diversos. Nestes casos, tal diferenciação será feita, basicamente, em função do vetor normativo da causa de pedir. Em suma, sendo o pedido e a causa de pedir conceitos de matriz e função processual, a sua densificação ou concretização, em termos de determinar em concreto cada causa de pedir, só poderá ser feita com base nas normas substantivas aplicáveis à situação litigiosa singular.”. [bold nosso] Justificando-se ainda convocar o sumário deste último acórdão, na parte respeitante à caracterização da causa de pedir: “3. (…) a causa de pedir, como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se na factualidade alegada pelo impetrante como fundamento do efeito prático-jurídico visado, com a significação resultante do quadro normativo a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC. 4. A densificação da causa de pedir requer uma substanciação adequada à individualização da relação material controvertida, como singularidade ontológica, que, para além de oferecer garantia de base do contraditório, sirva de ulterior delimitação objetiva do caso julgado. 5. Todavia, para delimitar determinada causa de pedir, não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.”. [bold nosso] 8. À luz das considerações doutrinais e jurisprudenciais expostas, procuremos responder desde já a alguns dos problemas identificados nas alegações das partes. Antes de mais, e na linha da jurisprudência consolidada deste Supremo de Justiça, deve entender-se que, nas acções de responsabilidade civil, a causa de pedir tem carácter complexo, implicando a alegação de factos respeitantes aos diversos pressupostos da mesma cujo ónus de prova incida sobre o autor. Tratando-se – como sucede na acção arbitral ora em causa – de uma acção de responsabilidade contratual, compete à autora a alegação de factos susceptíveis de integrar o incumprimento contratual, o dano e o nexo de causalidade; e, no presente caso em que a demandante invocou a existência de dolo no incumprimento do contrato pela contraparte, cabe-lhe também a alegação de factos que demonstrem a alegada conduta dolosa. Dúvidas não oferece que, à luz do princípio consagrado no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o tribunal não se encontra vinculado pela qualificação dos factos feita pelas partes. Porém, segundo o critério acima enunciado do vector ou dimensão normativa da causa de pedir, “não basta a mera identidade naturalística da factualidade alegada, havendo sempre que considerar a sua relevância em face do quadro normativo aplicável e em função da espécie de tutela jurídica pretendida.”. Assim, diversamente do alegado pela Vodafone, ré na presente acção, na acção arbitral, na qual era autora, cabia-lhe alegar os factos essenciais substanciadores do conceito normativo de “dano”, enquanto lesão de um bem ou interesse juridicamente protegido. 9. Tendo presentes estas conclusões intercalares, importa analisar detidamente o processado no processo arbitral. 9.1. Na petição inicial: - A Vodafone dedicou o ponto I à alegação dos factos, e, dentro, destes, o ponto I, 5. à alegação dos factos relativos aos danos em que a demandante incorreu (artigos 125.º a 206.º); - Aqui alegou, sob a epígrafe “5.2 Do número de unidades de alojamento a que a Demandante foi impedida de ter acesso”, os seguintes factos: “140.º Tal como explicitado nos artigos 126.º e seguintes supra, a Demandante dispunha, à data do incumprimento do Acordo pela Demandada, de uma cobertura de 2.201.294 de UA, pretendendo expandir a cobertura da respectiva Rede PON, 141.º expansão essa que levou a cabo, não só através de investimento individual, construindo novas Células da Rede PON correspondentes a 458.614 casas adicionais, como, na sequência do incumprimento do Acordo por parte da Demandada, através da celebração de uma parceria com a NOS, que permitirá à Demandante dispor de uma cobertura total de Rede PON de cerca de 4.000.000 de UA. 142.º Isto significa que, se o Acordo tivesse sido cumprido pela Demandada, e esta tivesse notificado a Demandante da sua intenção de expandir a cobertura da sua Rede PON, a Demandante teria indubitavelmente aderido à expansão partilhada da Rede, uma vez que dispunha da capacidade financeira, da vontade comercial e da estratégia para tal, pelo menos até atingir um total de cerca de 4.000.000 de UA (valor de cobertura que o acordo com a NOS permitirá alcançar). 143.º Ou seja, dispondo a Demandante de cerca de 2.200.000 UA à data do incumprimento do Acordo por parte da Demandada, estaria aquela interessada e disposta em aderir à construção partilhada de, pelo menos cerca de 1.800.000 de novas UA, 144.º cenário no qual caberia a cada uma das partes construir a rede necessária para fazer a ligação a 900.000 UA. 145.º Ora, a realidade é que, conforme já referido, entre Novembro de 2015 e Março de 2018, a Demandada construiu 1.707.401 novas UA. 146.º Se a Demandada tivesse cumprido a obrigação de notificação a que se encontra adstrita nos termos da Cláusula 4.3. do Acordo, a Demandante teria aderido na construção partilhada dessas 1.707.401 UA adicionais, cabendo a cada parte construir a rede necessária para ligar 853.701 UA. 147.º A esta luz, se a Demandada tivesse dado à Demandante a oportunidade de partilhar a expansão da Rede PON, a Demandante, ao invés de ter acesso a 458.614 UA adicionais, que construiu individualmente, passaria a ter, na presente data, acesso a um total de 1.707.401 UA em regime de construção partilhada, e a dispor de uma cobertura total de Rede PON de 3.908.695 de UA, ao invés de 2.733.614 UA. 148.º Em suma, fruto da actuação da Demandada, a Demandante ficou impedida de ter acesso a 1.248.787 de UA adicionais (valor que resulta da diferença entre as 1.707.401 de UA em co-investimento e as 458.614 UA que a Demandante construiu sozinha), que o Acordo lhe garantia, tudo conforme melhor ilustrado pelo gráfico seguinte: (…)” - Tendo depois dedicado o ponto I, 5.3., sob a epígrafe “Dos danos directamente incorridos pela Demandante por não ter tido acesso a 1,2 milhões (1.248.787) de Unidades de Alojamento adicionais”, à alegação de factos que permitam calcular os danos invocados no ponto 5.2., vindo a alegar, conclusivamente, o seguinte: 204.º Conclui-se assim que o valor do dano correspondente aos 8 anos durante os quais a Demandante se viu impedida de aceder às 1.248.787 UA adicionais totaliza €131.904.269,84. 205.º Este valor corresponde, por conseguinte, ao dano que a Demandante sofreu em virtude do incumprimento do Acordo por parte da Demandada e é, consequentemente, o valor peticionado nesta acção. 206.º Acresce que com a sua conduta a Demandada fez a Demandante incorrer em despesas acrescidas, designadamente com os honorários dos advogados que teve de contratar, em montante a liquidar na pendência da presente acção.”. - No contexto do ponto I-5, alegou a seguintes factualidades na qual refere a existência de 458.614 UA adicionais construídas apenas pela autora: “148.º Em suma, fruto da actuação da Demandada, a Demandante ficou impedida de ter acesso a 1.248.787 de UA adicionais (valor que resulta da diferença entre as 1.707.401 de UA em co-investimento e as 458.614 UA que a Demandante construiu sozinha), que o Acordo lhe garantia, tudo conforme melhor ilustrado pelo gráfico seguinte 172.º Uma vez que entre Novembro de 2015 e Março de 2018 a Demandante expandiu individualmente a Rede PON em 458.614 UA, a Demandante tinha que expandir a sua Rede de modo a cobrir 395.087 UA adicionais, perfazendo assim um total de 853.701 UA. 185.º Em conclusão, este é o valor correspondente ao acesso a 1.707.401 UA em regime de co-investimento - ao invés de 458.614 UA em construção individual - que a Demandante perdeu.”. - Alegou de Direito e aí distinguiu os sub-pontos 4.1. (lucros cessantes) e 4.2. (danos emergentes): “4.1 Da ressarcibilidade integral dos danos sofridos pela Demandante e da nulidade da cláusula de exclusão da responsabilidade por lucros cessantes 274.º Ao avançar com a construção de novas Células da sua Rede PON, sem notificar a Demandante conforme se obrigou, a Demandada impediu-a de ter acesso a essas Células e violou o seu Direito de Uso Exclusivo, tal como detalhado nos Capítulos 2 e 4 da Parte I desta peça processual – o que lhe era garantido pelo contrato – 275.º e, concomitantemente o acesso a novos clientes de serviço fixo e de reter clientes do serviço móvel, nos termos detalhados no ponto 5.3 supra. 276.º Danos acima demonstrados pela Demandante e que foram computados em concreto, não apenas invocando aquele que “é o dano típico ou usual nas circunstâncias do caso” (cf. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil/Responsabilidade Civil, cit., p. 93) - o que já seria suficiente - mas antes demonstrando os prejuízos que a Demandante concreta e efectivamente sofreu. 277.º Danos que devem ser integralmente ressarcidos como danos finais, sob pena de se admitir que a violação inequívoca, grosseira e dolosa do Acordo pela Demandada não tivesse sanção, o que seria desrazoável e intolerável. 278.º E que ascendem, conforme se demonstrou, a €131.904.269,84, a que acrescem os honorários de advogado a liquidar. 279.º Não se argumente contra o reconhecimento desse direito à indemnização da Demandante com o disposto na Cláusula 17.2. do Acordo, onde se prevê que “a responsabilidade de cada uma das Partes perante a outra no âmbito deste Acordo é restrita aos danos directos não sendo indemnizáveis os danos indirectos ou lucros cessantes”. 280.º Desde logo, porque as cláusulas de renúncia antecipada à indemnização por lucros cessantes são nulas por violação do disposto no artigo 809.º do Código Civil (cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, IX, cit., p. 437). 281.º No mesmo sentido da invalidade depõe o facto de uma limitação da responsabilidade a danos emergentes poder conduzir a uma “indemnização irrisória ou simbólica, ou assaz insuficiente” que se traduziria numa verdadeira cláusula de irresponsabilidade interdita pelo artigo 809.º do Código Civil (cf. INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra, 1997, p. 429). 282.º E, ainda, a circunstância de a Demandada ter violado dolosamente o Acordo, pelo que a Cláusula 17.2. do Acordo teria por efeito a exclusão de responsabilidade por dolo, que a generalidade da doutrina considera inadmissível. 283.º Impõe-se, assim, o entendimento de que a violação inequívoca, grosseira e dolosa das Cláusulas 4.3 a 4.7. do Acordo constitui a Demandada no dever de indemnizar a Demandante pela totalidade dos prejuízos sofridos. 284.º Outro entendimento faria letra morta dos compromissos assumidos entre as partes nas Cláusulas 4.3 a 4.8. do Acordo, o que contrairia princípios nucleares do Direito Civil, regras fundamentais de interpretação dos contratos e o mais elementar sentido de justiça. 4.2 A responsabilidade da Demandada (também) pelos danos emergentes incorridos pela Demandante: em particular, o dever de indemnizar a Demandante pela perda de oportunidade 285.º Acresce que, ainda que se entendesse como válida a cláusula de renúncia antecipada ao direito de indemnização por lucros cessantes - entendimento que a Demandante categoricamente rejeita - sempre haveria que concluir que, para além de lucros cessantes, a Demandada sofreu também danos emergentes. 286.º Com efeito, parece manifesto que a violação do Acordo pela Demandada causou à Demandante não apenas lucros cessantes, como também danos emergentes, todos eles indemnizáveis (cf. artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil). 287.º Na verdade, o incumprimento do Acordo pela Demandada implicou, não apenas a frustração de ganhos que a Demandada deixou de obter em resultado desse incumprimento, como também a realização de despesas, a desvalorização do património da Demandante e a frustração de vantagens que já se encontravam na respectiva esfera jurídica à data desse incumprimento. 288.º Com efeito, a violação das obrigações da Demandada previstas no Acordo privou a Demandante da possibilidade de acompanhar o investimento e do uso das novas Células construídas pela Demandada, sendo que, à data do incumprimento, a Demandante era já titular de um direito sobre esses bens atingidos com o incumprimento (cf. JORGE RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, Vol. I, Coimbra, 2003, p. 482). 289.º Entre os danos emergentes sofridos pela Demandante conta-se também uma significativa perda de oportunidade, que era protegida pelo Acordo (tratava-se de uma oportunidade jurídico-negocial que as partes reconheciam e valorizavam e que explica o interesse e o direito de ambas em participar na expansão da Rede PON e beneficiar do Direito de Uso Exclusivo contratualmente estabelecido) e que não pode deixar de ser ressarcida como um “dano em si” (cf. MANUEL CARNEIRO DA FRADA, Direito Civil/Responsabilidade Civil, cit., p. 104). 290.º Isso ainda que, porventura, se admitisse, por mera cautela de patrocínio, que o Acordo não permitisse a ressarcibilidade de lucros cessantes (atendendo à Cláusula 17.2. do Acordo) ou que não fora demonstrado nexo causal bastante para a indemnização dos danos finais evidenciados, entendimentos que, conforme resulta do que se expôs, a Demandante rejeita. (…) 318.º Consequentemente, e porque as probabilidades de a Demandante ter participado na expansão da rede PON e com isso ter obtido uma vantagem são largamente superiores a 50%, não poderá deixar de reconhecer-se à Demandante o direito a ser indemnizada por todos os prejuízos que sofreu, nomeadamente pela perda da oportunidade que o Acordo lhe conferia e que a Demandada ilícita e dolosamente frustrou.”. - Terminou formulando o seguinte pedido: “Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequência ser a Demandada condenada a pagar à Demandante a quantia de €131.904.269,84, acrescida dos juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação da presente petição inicial até integral e efectivo pagamento e, bem assim acrescida dos honorários de advogado a liquidar.”. - A que acresce o pedido de “a Demandada ser condenada a pagar as custas do processo.”. 9.2. Na contestação: - A demandada não põe em causa o dado de facto avançado pela demandante Vodafone a respeito das 458.614 UA por si construídas; - Limita-se a referir esse dado neste contexto: “73. Em particular, são de destacar o artigo 130.º onde a Demandante afirma que a Demandada, entre novembro de 2015 e março de 2018, “ampliou a sua Rede PON a mais 1.707.401 casas” e o artigo 148.º no qual a Demandante conclui que “ficou impedida de ter acesso a 1.248.787 de UA adicionais (valor que resulta da diferença entre as 1.707.401 de UA em co-investimento e as 458.614 UA que a Demandante construiu sozinha)”. 74. Impõe-se fazer, desde logo, uma correção ao número de Casas Passadas construídas pela Demandada no período em causa, entre novembro de 2015 e março de 2018, que é de 1.666.153, e não de 1.707.401. (…) 86. Ou seja, tendo em consideração a expansão que a própria Demandante efetuou no período em causa (a construção de mais 458.614 Unidades de Alojamento, conforme artigo 126.º da PI) e o universo de casas que seria elegível no âmbito do Acordo, a Demandante não “ficou impedida de ter” o número de casas adicionais que refere (1.248.787), mas quando muito, e sem conceder, um número significativamente inferior, designadamente 121.304 casas, tomando como referência o raciocínio seguido na PI. (…) 153. Entre as estratégias alternativas que podiam ter sido adotadas pela Demandante, há duas que merecem especial reflexão: - Aumentar o nível de investimento em rede própria, ainda que com algum sacrifício da rentabilidade-alvo da Demandante para este tipo de investimentos; - Negociar e acordar um acordo de coinvestimento com a NOS mais cedo, logo em 2016. 154. Qualquer destas estratégias, ou até a conjugação de ambas, teria tido como resultado a forte diminuição dos alegados danos calculados pela Demandante. Todavia, esta optou por limitar o seu investimento em rede própria a 458.614 casas adicionais e, não obstante ter ficado claro em novembro de 2015 que a Demandada não pretendia expandir o âmbito do Acordo a novas áreas geográficas, só em setembro de 2017, praticamente dois anos depois, é que a Demandante estabeleceu um outro acordo com a NOS.”. 9.3. No articulado adicional da autora: - No ponto 3., e sob a epígrafe “Do cômputo dos danos”, a autora respondeu ao alegado pela demandada em sede de contestação, desenvolvendo o alegado na P.I., mas sem qualquer alteração no que respeita às referências às 458.614 UA por si construídas; - Mais concretamente, nos artigos 333.º a 335.º alegou o seguinte: “333.º Por último, no artigo 145º da contestação, a Demandada, remetendo para o relatório e contas da Demandada, sustenta que a construção das 458.614 UA’s ocorreu até Março 2017. 334.º A este respeito, importa esclarecer que até Mar'17, a Demandante construiu 409.000 UA’s do total de 458.614 referidas na Petição Inicial (artigo 126º), pelo que a Demandante confirma que a maior parte da construção foi efectivamente realizada entre Nov'15 e Mar'17. Trata-se, contudo, de um aspecto totalmente irrelevante para o cômputo do dano. 335.º Com efeito, o cálculo do dano, coloca em comparação o cenário base – modelo com 458.614 UA’s passadas pela Demandante -, com o cenário em quem que a Demandante teria acesso, não a 458.614 UA’s, mas sim a cerca de 1,7 milhões, resultando da diferença entre cenários o valor do dano. Ou seja, as 458.614 UA’s construídas pela Demandante estão nos dois cenários, anulando-se na diferença entre os cenários, pelo que se torna irrelevante o ritmo de construção das mesmas.”. 9.4. No articulado adicional da demandada: - No ponto IV, A). 2., sob a epígrafe “Do não impedimento de acesso da Demandante a quaisquer casas”, limita-se a Meo a referir o seguinte: “375. Ou seja, o número de casas elegíveis obtido (364.774) é inferior ao número de casas que a Demandante construiu autonomamente no período em causa (458.614). 376. Assim, e de acordo com o critério utilizado na PI, a Demandante não “ficou impedida de ter” quaisquer casas. 377. Os alegados danos passam para 0.”. 9.5. Na sentença arbitral: - A respeito dos danos foram enunciados os seguintes temas da prova: “h. Dos danos alegadamente sofridos pela Vodafone em consequência de uma possível violação da obrigação de notificação por parte da MEO, nomeadamente: i. Do real interesse da Vodafone em fazer expandir a sua cobertura de rede em finais de 2015; ii. Do número de UA a que alegadamente a Vodafone não teve acesso por via do eventual incumprimento da obrigação de notificação da MEO; iii. Das possíveis consequências dessa alegada impossibilidade de acesso e de expansão da rede mediante co-investimento, nomeadamente, em termos de clientes que a Vodafone deixou de angariar e reter para os seus serviços fixo e móvel, de receitas que deixou de receber e dos custos e investimentos em que não incorreu; iv. Da quantificação dos eventuais danos e do modo de determinação do montante da eventual indemnização. i. A eventual omissão, por parte da Vodafone, do ónus de mitigação desses alegados danos.”. - Fundamentação de facto: na sentença a matéria de facto dada como provada não se encontra autonomizada, antes é referida, a respeito de cada questão de direito a resolver, por remissão para os articulados das partes, bem como para a prova documental e testemunhal produzida. - Fundamentação de direito (reproduz-se na parte que releva para a apreciação do objecto do presente recurso): “229. Não se revelando exequível determinar com um mínimo de certeza, o número de UA que poderiam ter sido alvo de co-investimento, fica desde logo comprometida a possibilidade de calcular o valor dos lucros cessantes suportados pela Vodafone. Isto, apesar de terem sido dadas à Demandante todas as oportunidades de carrear para os autos elementos que permitissem demonstrar a exactidão dos cálculos que efectuou. Mas a Demandante, com a compreensível preocupação de assegurar a confidencialidade de elementos importantes do seu negócio, não possibilitou que se levasse mais longe o escrutínio da acuidade dos dados que forneceu, não tendo sido possível reunir consenso a respeito de diversos parâmetros que se mostram indispensáveis para a determinação dos benefícios que ela deixou de auferir. Tornou-se, portanto, definitiva a indeterminação do lucro cessante causado à Vodafone e ficou igualmente prejudicada a eventualidade de recurso à figura da “perda de chance” ou da “frustração da possibilidade de obter um resultado favorável”, não obstante o reconhecimento que a mesma obteve recentemente no direito português (cfr. o Acórdão do STJ n.º 2/2022, de 5.07.2021, Diário da República, 1.ª série, n.º 18, de 26.01.2022, pp. 20 ss.). Efectivamente, não se mostrando possível descortinar com rigor o número de UA a que a Demandante não teve acesso por via do incumprimento da Demandada, o prognóstico implicado por esta via de determinação do dano corria o risco de se revelar arbitrário. 230. O TA considera, no entanto, resultarem do processo dados suficientemente fiáveis para enveredar por um outro caminho: o da determinação do dano emergente, dano esse que a Demandante indiscutivelmente sofreu pela circunstância de ter sido obrigada a construir um certo número de UA que não teria construído isoladamente caso a Demandada tivesse correspondido aos compromissos que assumiu. Afigura-se indisputado que, entre Novembro de 2015 e Março de 2018, a Demandante construiu 458.614 UA (63: Cfr. arts. 126.º, 141.º, 147.º e 148.º da PI, pp. 153 e 244 das Alegações da Demandante, arts. 86.º e 145.º da Cont., arts. 3.º, 157.º e 375.º do AA da Demandada, n.ºs. 31, 253, 376 e 452 das Alegações da Demandada, minutos [00:20:09] ss. do depoimento da testemunha AA, minuto [00:17:13] da primeira parte do depoimento da testemunha BB e minuto [00:31:07] da segunda parte desse depoimento.). Com elevado grau de probabilidade, tais UA (ou uma parte substancial delas) cumpriam os critérios de partilha previstos no Acordo, tanto assim que a Vodafone notificou a MEO de sucessivas expansões de rede, num total de 470.000 UA (64), e a MEO, na troca de correspondência que se seguiu, nunca questionou esse enquadramento (65). Revela-se, do mesmo modo, inequívoco que a Demandada deveria ter interesse na construção de, pelo menos, metade dessas UA, tanto assim que veio decerto a construí-las individualmente, no âmbito do plano massivo de expansão que delineou e levou a cabo. Significa isto que, se a Demandada tivesse efectivamente cumprido as suas obrigações contratuais, a Vodafone, para beneficiar do número de UA a que teve acesso, teria de ter construído somente 229.307 UA. Ou seja, teria de investir apenas metade do montante que investiu na construção das 458.614 UA, que concretizou individualmente. A Vodafone terá sofrido, portanto, um prejuízo correspondente ao investimento adicional que teve de despender na construção de 229.307 UA, as quais, em caso de cumprimento do Acordo, teriam sido cobertas pela MEO.”. [bold nosso] 10. Analisado atentamente o processado na acção arbitral, é possível concluir o seguinte: (i) Da leitura da P.I. resulta que os factos alegados relativos aos danos suportados pela autora se encontram assim sintetizados: “148.º Em suma, fruto da actuação da Demandada, a Demandante ficou impedida de ter acesso a 1.248.787 de UA adicionais (valor que resulta da diferença entre as 1.707.401 de UA em co-investimento e as 458.614 UA que a Demandante construiu sozinha), que o Acordo lhe garantia (…)”. Danos que, mediante um complexo processo quantitativo corresponderão ao seguinte montante: “204.º Conclui-se assim que o valor do dano correspondente aos 8 anos durante os quais a Demandante se viu impedida de aceder às 1.248.787 UA adicionais totaliza €131.904.269,84. (ii) Os danos (mais rigorosamente, os factos integradores do pressuposto do dano) alegados pela autora foram, antes de mais, qualificados pela mesma como lucros cessantes (cfr. ponto II – 4.1. da P.I.). Mas, para a hipótese de a cláusula limitativa da responsabilidade (cláusula 17.2), inserida no Acordo celebrado entre as partes, vir a ser interpretada e aplicada como excluindo a indemnização por essa categoria de danos, a autora formulou, subsidiariamente, um pedido de indemnização por danos emergentes, concretamente pelo dano de perda de oportunidade ou dano de perda de chance. (iii) Ainda que enunciando o pedido de indemnização por lucros cessantes como pedido principal e o pedido de indemnização por danos emergentes (por perda de oportunidade) como pedido subsidiário, dúvidas não subsistem – tanto pela clareza do teor do articulado, como pelo facto de o pedido indemnizatório ser quantificado exactamente no mesmo montante (€ 131.904.269,84.) – que, num e noutro pedido, estão em causa precisamente os mesmos danos. (iv) A conclusão anterior não é infirmada pelo facto de, em alguma passagem dos articulados da autora (cfr., designadamente, o artigo 287.º da P.I.), esta alegar a realização de despesas (ou expressões similares), uma vez que se trata de alegações de índole genérica, sem concretização e reflexo na quantificação do dano invocado. (v) Nos articulados deduzidos pela Vodafone, a alegação de factos relativos às 458.614 UA construídas unicamente com o seu investimento surge sempre como um elemento de facto que não corresponde à lesão de um direito ou interesse legalmente protegido da demandante, mas antes como um elemento de facto que, juntamente com outro elemento de facto (a construção de 1.707.401 UA pela demandada Meo, sem que esta tivesse notificado a autora para exercer o seu direito a participar nessa construção, em regime de co-investimento), permitia delimitar o número de unidades de alojamento (1.707.401 UA - 458.614 UA = 1.248.787 UA) a que a autora teria tido acesso, e não teve, por a ré não ter cumprido o acordo celebrado entre ambas. (vi) A alegação do dado de facto relativo à construção de 458.614 UA, unicamente com o investimento da Vodafone, não foi impugnado pela demandada nem foi levado aos temas da prova no processo arbitral. (vii) O Tribunal Arbitral, tendo concluído pela impossibilidade de condenar a demandada Meo no pagamento de indemnização pelos invocados lucros cessantes ou danos emergentes (por perda de oportunidade), optou expressamente por “enveredar por um outro caminho”, o da determinação e condenação pelos danos resultantes do custo não partilhado na construção das referidas 458.614 UA. (viii) Esclareça-se que, contrariamente ao invocado pela Vodafone, ré na presente acção e autora na acção arbitral, o dado de facto relativo às 458.614 UA cujo custo de construção foi suportado unicamente pela autora, não corresponde a um facto complementar que (apenas) releve para o cômputo do dano; corresponde sim a um dado de facto perspectivado pela autora não como a lesão de um bem ou interesse legalmente protegido da autora, mas antes como uma vantagem de que a mesma dispunha ao permitir-lhe prestar serviços aos consumidores. (ix) Fazendo apelo à necessidade de respeitar a dimensão normativa da causa de pedir (cfr. supra, ponto VI, 7. e 8. do presente acórdão) – e não obstante todo o respeito que a decisão do Tribunal Arbitral nos merece –, dúvidas não subsistem de que assiste razão à Meo, ora recorrida, ao invocar que tal decisão “não se limitou a fazer uma qualificação jurídica dos factos trazidos aos autos pela Recorrente distinta da feita pela Recorrente, mas sim substituiu-se totalmente à Recorrente na conformação da sua causa de pedir e do seu pedido: a Decisão Arbitral considerou como provados e condenou a Recorrida no ressarcimento de uns putativos danos emergentes que a Recorrente nunca alegou como danos (de qualquer tipo, emergentes ou lucros cessantes) e cujo ressarcimento a Recorrente nunca peticionou (…)”. (x) Ora, o desrespeito pelo princípio do dispositivo afecta decisivamente a possibilidade de defesa da contraparte. Com efeito, na medida em que o dado de facto relativo à construção das 458.614 UA não foi perspectivado pela autora da acção arbitral como integrando o conceito de “dano”, tem razão a ora recorrida ao alegar, no ponto 207 das suas contra-alegações, que “nunca foi objeto do Processo Arbitral saber se (i) a Recorrente efetivamente construiu 458.614 UAs, (ii) as UAs construídas pela Recorrente cumpriam os critérios de partilha estabelecidas no Acordo, (iii) a Recorrida tinha interesse na partilha das UAs construídas individualmente pela Recorrente, (iv) a Recorrente, para beneficiar do número de UA a que teve acesso, teria de ter construído somente 229.307 UAs, (v) o prejuízo correspondente ao investimento adicional que a Recorrente teve de despender na construção das referidas UAs e (vi) o benefício que a Recorrente auferiu por não ter partilhado essas UAs (i.e., por as ter operado em exclusivo).”. Deste modo, e sem necessidade de nos pronunciarmos sobre se a decisão arbitral também reconfigurou também o facto ilícito invocado pela demandante, conclui-se que a mesma decisão incorreu em condenação em objecto diverso do pedido, bem como em excesso de pronúncia, devendo ser anulada nos termos previstos no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV. 11. A terminar, assinale-se que a alegação feita pela Vodafone, segundo a qual a procedência do pedido de anulação da decisão arbitral implica que “a prova da existência de danos resultantes de um incumprimento contratual doloso fique sem a respectiva reparação simplesmente porque, nessa acção, não se logrou demonstrar o concreto montante do dano infligido, quando tais soluções seriam contrárias à lei e não são preconizadas nem pela doutrina nem pela jurisprudência”, ao situar-se ao nível da apreciação do mérito da acção arbitral, se encontra excluída da sindicância pelos tribunais judiciais (cfr. artigo 46.º, n.º 9, da LAV). VII - Fundamentação de direito. Os pedidos subsidiários formulados pela Vodafone 1. Formula a Vodafone, ré na presente acção e autora na acção arbitral, o pedido de que, caso venha a ser julgado procedente algum dos fundamentos de anulação da decisão arbitral, seja accionada a faculdade prevista no n.º 8 do artigo 46.º da LAV: “quando lhe for pedido que anule uma sentença arbitral, o tribunal estadual competente pode, se o considerar adequado e a pedido de uma das partes, suspender ode anulação durante o período de tempo que determinar, em ordem a dar ao tribunal arbitral a possibilidade de retomar o processo arbitral ou de tomar qualquer outra medida que o tribunal arbitral julgue susceptível de eliminar os fundamentos da anulação”. Não se mostra adequada a aplicação deste mecanismo ao caso dos autos, atendendo à insusceptibilidade de suprimento do fundamento de anulação da sentença arbitral consistente na condenação em objecto diverso do pedido. Indefere-se, assim, este pedido subsidiário. 2. Formula ainda a Vodafone o pedido de que, caso não seja possível accionar a faculdade prevista no n.º 8 do artigo 46.º da LAV, deve ser accionada a faculdade prevista no n.º 7 do mesmo preceito legal: “Se a parte da sentença relativamente à qual se verifique existir qualquer dos fundamentos de anulação referidos no n.º 3 do presente artigo puder ser dissociada do resto da mesma, é unicamente anulada a parte da sentença atingida por esse fundamento de anulação”). Também a este propósito cabe afirmar que, sendo a decisão do Tribunal Arbitral de natureza unitária (condenação ao pagamento de indemnização por uma única categoria de danos), a anulação de tal decisão com fundamento em condenação em objecto diverso do pedido afecta toda a decisão, não sendo viável uma anulação parcial. Indefere-se, pois, este pedido. VIII – Decisão Pelo exposto, decide-se: a. Julgar procedente o recurso da Vodafone Portugal Comunicações Pessoais, S.A., revogando-se a decisão do acórdão recorrido (acórdão do Tribunal da Relação de 30.01.2025) que anulou a decisão arbitral com fundamento em violação do princípio do contraditório; b. Julgar procedente a pretensão da recorrida Meo - Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A. deduzida em sede de ampliação do objecto do recurso, anulando-se a decisão arbitral com fundamento em condenação em objecto diverso do pedido e em excesso de pronúncia; c. Indeferir os pedidos subsidiários formulados pela Vodafone de aplicação do regime previsto no artigo 46.º, n.ºs 7 e 8 da LAV. Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de a ré ter ficado vencida na acção, condena-se a mesma pelas custas no recurso e na acção. Lisboa, 27 de Novembro de 2025 Maria da Graça Trigo (relatora) Emídio Santos Fernando Baptista |