Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||||||||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||||||||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||||||||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CÚMULO JURÍDICO PENA PARCELAR PENA ÚNICA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL MEDIDA DA PENA | ||||||||
| Data do Acordão: | 02/05/2025 | ||||||||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||||||||
| Texto Integral: | S | ||||||||
| Privacidade: | 1 | ||||||||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||||||||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||||||||
| Sumário : | I – Fixadas as penas parcelares estas permanecem imutáveis face ao trânsito em julgado das condenações sofridas, em face do que não podem ser modificadas ou alteradas as decisões definitivas que condenaram o arguido pelos crimes do concurso em outras tantas penas parcelares, pois qualquer alteração nas decisões condenatórias e nas penas poria em causa a segurança e paz jurídica bem como ofenderia o principio ne bis in idem (impedindo a repetição de uma causa já definitivamente julgada). II – Na determinação da pena única, o critério aritmérico, como factor de compressão, não constitui critério legal embora servir de auxiliar em algumas circunstâncias III - A justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há-de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global a apreciar no momento da decisão. IV- Em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, sua abrangência e relevo social atual como causadores de sentimento de insegurança, tendo em conta o modo de atuação do arguido, no sentido de exigir ou não uma maior atenção preventiva contra fatores desagregadores da sociedade e o grau da necessidade de afirmar a validade das normas jurídicas violadas V- Em termos de integração social e laboral importa saber se esta se mostra efetivada, e se tem o apoio familiar atual e um percurso de vida estável ou instável, não podendo ser menorizadas as razões de prevenção especial no que aos factos ilícitos concretos respeita. VI- Na ponderação da personalidade do arguido revelada nos factos há que ponderar o modo e condições da sua vida, e o seu percurso quer em termos laborais, sociais, familiares e educativos apurados, salientando a instabilidade ou não do seu modo de vida, e a violência dos seus actos reveladoras ou não de uma atitude desconforme com as regras e valores de vivência em sociedade e da existência ou não de uma personalidade violenta e desconforme com aqueles valores VII- Não se deverá também descurar “a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.” , pois o quantum exacto da pena deverá ser determinado também em função das exigências de prevenção especial. | ||||||||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os juízes Conselheiros da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça No processo C. C. nº 1580/19.2PFLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., em que é arguido AA, foi por acórdão de 3/10/2024 proferida a seguinte decisão: Termos em que, O TRIBUNAL DECIDE CONDENAR AA NA PENA ÚNICA DE 14 (CATORZE) ANOS DE PRISÃO. Remeta boletins ao registo criminal (artigo 374º, n.º 3, alínea d), do Código de Processo Penal). Deposite (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal). Comunique, DE IMEDIATO, o teor do presente acórdão ao Tribunal de Execução de Penas e ao processo n.º 523/19.8..., informando-se que o mesmo ainda não transitou em julgado. APÓS TRÂNSITO, considerando o disposto no artigo 78.º do Código Penal, determino que seja solicitada informação aos autos objeto de cúmulo quanto ao cumprimento da pena cumulada e, após, sejam os autos apresentados ao Ministério Público com termo de vista para se pronunciar quanto aos descontos a efetuar.” Recorre o arguido, o qual no final da sua motivação, apresenta as seguintes conclusões: “1. Ao longo da motivação do recurso o recorrente insurgiu-se contra as penas parcelares e única aplicadas, com vista à respetiva redução. 2. Entende assim o recorrente que as penas parcelares aplicadas aos crimes foram excessivas, desadequadas e desproporcionais. 3. O arguido era muito jovem à data dos factos, no limiar da maioridade, o que lhe retira naturalmente maturidade, na prática de atos. 4. Acresce que além das atenuantes referidas no Acórdão, o arguido aguarda por uma oportunidade de trabalho no estabelecimento prisional. 5. Goza ainda de apoio familiar. 6. No que se refere à pena única, devem-se ter em conta a gravidade dos factos e a personalidade do agente. 7. Ora, em nenhum dos factos em análise, decorreram consequências graves para terceiros. 8. O arguido é muito jovem e manifesta comportamentos imaturos o que, todavia, não quer dizer que possa ser considerado um delinquente nato ou por tendência. 9. Termos em que deve reduzir-se a pena única, que já se considerava desadequada, desproporcional e injusta para um valor próximo do mínimo legal dos 11 anos e 8 meses. Termos em que se requer, que seja dado provimento ao presente recurso e em consequência que seja reduzida a pena única aplicada na dimensão considerada como justa e equitativa Respondeu o Mº Pº defendendo a sua improcedência Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA foi de parecer que o recurso deve improceder. Foi observado o disposto no artº 417º2 CPP Não foi apresentada resposta Cumpridas as formalidades legais procedeu-se à conferencia Cumpre conhecer Consta do acórdão recorrido: “1. BB sofreu as seguintes condenações transitadas em julgado:
Processo Factos Trânsito Pena Crimes Estado
A – Nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo com o NUIPC 523/19.8... do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, no qual o arguido foi condenado por factos praticados em 13 e 16 de outubro de 2019, como autor material, na forma consumada, de quatro crimes de ofensa à integridade física qualificados, dois crimes de homicídio tentados, um crime de detenção de arma proibida e de dois crimes de condução sem habilitação legal, na pena única de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão, foram julgados provados os seguintes factos, com relevância para a situação do arguido: “(…) 1. O arguido AA tem um diferendo com CC relacionado com a sua namorada, DD, que tivera um relacionamento com este há alguns anos. 2. No dia ... de ... de 2019, o arguido AA enviou diversas mensagens escritas através do telemóvel a CC referindo que andava “à procura dele”. 3. No dia ... de ... de 2019, o arguido AA conduziu o veículo automóvel, de marca Volkswagen, modelo Polo, com matrícula ..-ST.., em direção à zona de ..., uma vez que pretendia encontrar-se com CC. 4. Antes dese dirigir paraaquelelocal, o arguido AA anunciou a pessoa ou a pessoas não concretamente determinadas que se dirigia para a zona da Avª..., em ..., perto das instalações d....... .......... de ..., uma vez que pretendia encontrar-se com CC. 5. No lugar do pendura, seguia um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar. 6. O arguido AA conduziu o referido veículo, naquelas circunstâncias, sem ser titular de carta de condução ou de qualquer licença que o habilitasse à condução de tal veículo. 7. Junto às instalações do R..... .......... .. ..... encontravam-se, entre outros indivíduos, o FF, GG, HH, II e o CC. 8. Cerca das 21h30m, o arguido AA parou o seu veículo automóvel a não mais de 20 metros dos referidos indivíduos. 9. De seguida, o arguido AA abriu o vidro da sua viatura e empunhou uma espingarda, de marca J. Uriguen, com dois canos justapostos, com o número de série 2..83, com o calibre de 12mm e colocou-a parcialmente no exterior da viatura. 10. Ato contínuo, sem proferir qualquer expressão, o arguido AA efetuou dois disparos com a referida arma na direção de FF , GG, HH e II, atingindo-os. 11. Na sequência dos disparos realizados pelo arguido AA, HH foi atingido por chumbo em ambos os braços e mãos, no abdómem e nas pernas e sofreu dores nas zonas atingidas, múltiplas lesões em “pulverizado” de chumbos nos membros superiores, incluindo na palma da mão direita, coxa esquerda e abdómem e ficou com múltiplos projéteis extraperitoneais nas coxas, tendo sido assistido no Hospital 1. 12. Tais lesões determinaram um período de 10 (dez) dias de doença, com 2 (dois) dias de afetação grave da capacidade de trabalho geral. 13. Das lesões sofridas por HH é expectável que resulte cicatrizes não desfigurantes, sendo ainda expectável que o corpo do ofendido, ao longo do tempo, possa expelir alguns dos projéteis de grão de chumbo que se localizem em topografia superficial ou, caso tal não aconteça, a formação de granulomas de corpo estranho, com encapsulação dos mesmos. 14. Na sequência dos disparos realizados pelo arguido AA, FF foi atingido por chumbos nos membros inferior e sofreu dores nas zonas atingidas, três feridas punctiformes na face anterior da coxa esquerda, uma ferida na face lateral da coxa direita, ficou ainda com dois chumbinhos na coxa esquerda, tendo sido assistido no Hospital 1. 15. Tais lesões determinaram um período de 10 (dez) dias de doença, sem afetação grave da capacidade de trabalho geral. 16. Das lesões sofridas por FF é expectável que tenham resultado cicatrizes não desfigurantes, sendo ainda expectável que o corpo do ofendido, ao longo do tempo, possa expelir os dois projéteis presentes na coxa esquerda ou, caso tal não aconteça, a formação de granulomas de corpo estranho, com encapsulação dos mesmos. 17. Na sequência dos disparos realizados pelo arguido AA, GG foi atingido por chumbos na porção inferior do dorso e nas pernas e sofreu dores nas zonas atingidas, lesões em “pulverizado” de chumbos na região nadegueira, porção inferior do dorso e porção superior da face posterior das coxas e ficou com múltiplos fragmentos de projéteis de arma de fogo com dimensões milimétricas na parede abdominal das regiões lombares, das regiões das nádegas, das vertentes anteriores e posteriores das coxas, aparentemente extra-cavitários. 18. GG foi assistido no Hospital 1 , onde ficou internado entre o dia 13 de outubro a 15 de outubro. 19. Tais lesões determinaram um período de 10 (dez) dias de doença, com 2 (dois) dias de afetação grave da capacidade de trabalho geral. 20. Das lesões sofridas por GG é expectável que resultem cicatrizes não desfigurantes, sendo ainda expectável que o corpo do ofendido, ao longo do tempo, possa expelir alguns dos projéteis localizados no tecido cutâneo mais superficial ou, caso tal não aconteça, a formação de granulomas de corpo estranho, com encapsulação dos mesmos. 21. Na sequência dos disparos realizados pelo o arguido AA, II foi atingido por chumbos na mão direta e sofreu dores na zona atingida, traumatismo da hemibacia direita/flanco direito e mão direita e uma ferida punctiforme de chumbo subcutâneo na região da crista ilíaca. 22. Estas lesões exigiram que também este ofendido fosse assistido no Hospital 1. 23. Tais lesões determinaram um período de 10 (dez) dias de doença, sem afetação da capacidade de trabalho geral. 24. De seguida, o arguido AA colocou a arma no interior da sua viatura e encetou fuga daquele local para parte incerta. 5. No dia 15 de outubro de 2019, o arguido AA enviou, através da rede social Instagram, uma mensagem a CC, com o seguinte teor: “Acho que isto já deu para perceber que não vim brincar, mas já deu pá perceber que não podemos meter mais ninguém nas nossas confusões, se quiseres declaramos paz, e tu não falas pra mim eu não falo para ti, caso contrário temos guerra aberta os dois”. 26. Em data não concretamente apurada, mas posterior a 13 de outubro de 2019, o arguido AA enviou a DD as seguintes mensagens escritas, via Whatsapp: “eles vieram nsnminha zona”; “vamos matar eles” e “vou matar eles”. 27. No dia ... de ... de 2019, após as 21 horas, os arguidos AA , JJ e KK deslocaram-se na viatura com a matrícula ..-ST-.., até à Rua ..., em .... 28. Nesse local, encontraram LL e MM, amigos de CC, que circulavam no motociclo com a matrícula ..-XR- ... 29. Quando avistaram os arguidos naquele local, LL, que conduzia o motociclo, fez uma manobra de inversão do sentido da marcha e tentou iniciar fuga daquele local, por temer factos semelhantes àqueles que tinham sido praticados no dia 13 de outubro de 2019. 30. De imediato, o arguido AA, que seguia ao volante da viatura com a matrícula ..-ST-.., efetuou uma manobra de inversão do sentido da marcha tentou seguir no percurso do motociclo, o que apenas não logrou por razões alheias à sua vontade. 31. Pouco depois, os arguidos avistaram, novamente, LL e MM, que circulavam de motociclo, junto ao cruzamento da Rua ... com a Rua ..., em .... 32. De seguida, o arguido AA fez uma manobra de inversão do sentido de marcha. 33. Posteriormente, AA, quando a viatura onde seguia se encontrava a cerca de cinco ou seis metros do motociclo conduzido por LL, através da janela do lado do condutor da aludida viatura, empunhou a espingarda, demarca J. Uriguen, com dois canos justapostos, com o número de série 22183, com o calibre de 12mm e colocou-a parcialmente no exterior da viatura. 34. Após efetuou, pelo menos, um disparo na direção de LL e de MM, que apenas não os logrou atingir por razões alheias à sua vontade. 35. No entanto, alguns dos projéteis atingiram a porta do condutor e a porta traseira do mesmo lado, do veículo de matrícula ..-HV-.., onde estava sentado o condutor NN, não tendo causado quaisquer lesões ao condutor. 36. De seguida, os arguidos encetaram fuga daquele local. 37. Posteriormente, no dia ... de ... de 2019, pelas 23h00, na Rua ..., em ..., os arguidos KK e JJ foram intercetados pelas agentes da Polícia de Segurança Pública, quando se encontravam no veículo de matrícula ..-ST-.., na companhia do arguido AA e de outro indivíduo cuja identidade não se apurou e que lograram fugir do local. 38. No interior do veículo de matrícula ..-ST-.., no banco traseiro do lado esquerdo, encontrava-se uma espingarda, demarcaJ. Uriguen, com dois canos justapostos, com o número de série 22183, com o calibre de 12mm. 39. O arguido AA conhecia as características da arma que empunhava no dia ... e que a mesma quando disparada a uma curta distância dos ofendidos poderia, no limite, pôr em perigo as suas vidas. 40. O arguido AA quis usar uma arma de fogo cujas caraterísticas conhecia para causar lesões no corpo de GG, HH , FF e II , estando perfeitamente ciente que o meio utilizado e a forma súbita como agiu, retirava qualquer hipótese de defesa às vítimas. 41. O arguido AA sabia quenão podiaexercer acondução do referido veículo na via pública por não possuir título que o habilitasse à condução e, ainda assim, quis conduzir nas duas circunstâncias supra referidas. 42. O arguido AA conhecia as características da arma que detinha no dia ... de ... de 2019 e que a mesma, quando disparada a uma curta distância dos ofendidos LL e MM, naquelas circunstâncias em que atuou, poderia pôr em perigo as suas vidas, apenas não lhes retirando a vida por razões alheias à sua vontade. 43. O arguido AA, nesse dia ... de ... de 2019, agiu com o propósito de tirar a vida a LL e a MM, sendo uma arma de fogo cujas características conhecia, prevendo que, com isso, os poderia atingir em órgãos vitais, provocar-lhes doença particularmente dolorosa e causar- lhes a morte, estando perfeitamente ciente de que o meio utilizado e a forma súbita como agia, retirava qualquer hipótese de defesa aos ofendidos, resultado com o qual se conformou, só não o logrando por razões alheias à sua vontade. 44. O arguido AA conhecia as características da arma que detinha, bem sabendo que não era titular de licença de uso e porte de arma que o habilitasse a tê-la, na sua posse. 45. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento. 46. O arguido JJ é o terceiro elemento e o arguido AA o quarto de uma fratria de quatro irmãos, todos nascidos no ...,país onde os progenitores se conheceram. 47. Os pais dos arguidos foram, em momentos distintos, para esse país da ... como missionários de uma igreja evangélica, tendo aberto uma delegação da R.... em ..., organização não governamental de apoio a pessoas marginalizadas. 48. O agregado familiar mantinha boas condições de vida, acima da média, vivendo numa moradia com jardim e piscina. 49. Deslocavam-se com alguma frequência a Portugal para passar períodos de férias. 50. O casal viveu dezassete anos no ..., tendo a família decidido regressar a Portugal em 2009. 51. Contudo, o progenitor de AA e JJ faleceu, devido a uma infeção hospitalar, uns meses antes da data prevista para o regresso ao território nacional. 52. Esse acontecimento inesperado para a família, teve consequências distintas nos quatro filhos. 53. Os irmãos mais velhos, OO e PP, ficaram deprimidos, enquanto que o irmão mais novo, AA, revelou comportamentos mais disruptivos, sendo o mais nrevoltado com a situação. 54. Quanto ao arguido JJ, este não demonstrou as suas emoções, ficando mais contido. 55. Segundo a progenitora destes dois arguidos, JJ nunca lhe criou preocupações até 2018. 56. Enquadrava-se com facilidade nos diversos contextos onde se inseria, designadamente a família, a escola, a igreja ... e na prática de ..., modalidade desportiva onde foi federado desde 2010 e ... a partir de 2014, aos dezasseis anos. 57. A família foi sempre muito unida, passando muito tempo com a sua irmã e respetivos filhos assim como a avó materna do arguido, em férias e atividades de tempos livres aos fins de semana. 58. JJ completou o ensino secundário em 2018 na área das línguas e humanidades, tentando sem sucesso, em dois anos consecutivos, ingressar no ensino superior num curso de ... . 59. Desempenhou, entretanto, diversos trabalhos indiferenciados, o que complementava com a atividade de ...aos fins de semana. 60. Deixou, contudo, a arbitragem devido ao seu envolvimento com o sistema de justiça. 61. Mais recentemente, esteve a trabalhar, desde setembro, durante pouco mais de dois meses, como servente na construção civil na empresa de um conhecido da família,..., auferindo o ordenado mínimo. 62. Veio a ser preso preventivamente em ... de 2021, quando se encontrava sem ocupação e aguardando resposta de um restaurante de venda de pizzas para início de atividade em ... de 2021. 63. O arguido JJ não coloca de parte a possibilidade de emigrar para ..., ou paraa ..., onde já esteve no verão de 2019, à procura de emprego depoisde ter pedido apoio à família, mas de onde regressou ao fim de duas semanas sem sucesso, tendo familiares e conhecidos nestes países que o poderão auxiliar a encontrar trabalho. 64. JJ mantém a sua residência oficial na morada de ..., casa da avó materna, reformada de setenta e um anos, onde vive igualmente a mãe, auxiliar de ação médica, e os dois irmãos mais velhos: PP de vinte e três anos, secretária numa escola de condução e OO, de vinte e quatro anos empregado num supermercado. 65. O arguido AA saiu de casa em abril de 2019, tendo ido residir para um quarto arrendado. 66. Segundo informação da progenitora, JJ passa a maior parte do tempo em casa da família da namorada, QQ, com a qual teve um filho, atualmente com um ano, em ..., na morada constante nos autos, zona conotada com elevada problemática social e delinquencial. 67. O arguido JJ aparece pontualmente na casa materna, ficando por vezes várias semanas sem visitar os seus familiares diretos. 68. A relação do arguido com a sua mãe não tem sido a mais próxima, visto que esta última é muito crítica quanto às amizades do filho e à postura que este tem tomado nos últimos dois anos. 69. Segundo a progenitora, JJ sempre teve uma atitude adequada, quer em casa, quer na escola, ou na igreja evangélica que frequentava assiduamente com a família. 70. Porém, uma alteração de comportamento começou a operar neste em 2018, quando o arguido deixou de entregar parte do seu vencimento para a ajuda do pagamento das despesas da casa como era habitual fazer, tendo saído de casa em ... de 2019. 71. JJ assume o consumo regular de haxixe, como forma de se relaxar, mas não avalia essa prática como problemática. 72. O irmão, e aqui arguido AA, abandonou a casa da mãe para passar a viver em casa da namorada, DD, com esta, com a irmão mais nova e com o padrasto daquela. 73. Antes da reclusão, AA estava a trabalhar no Continente de..., auferindo € 600,00 por mês. 74. O arguido ajudava nas contas do mês, com quantia não concretamente definida. 75. A sua namorada trabalha numa empresa de ..., auferindo ela, também, € 600,00 por mês. 76. O arguido estudou até ao 9º ano de escolaridade e estava, à data da prisão , a frequentar o 10º ano, por módulos. 77. O arguido decidiu, em determinado momento, deixar de trabalhar para o grupo S..... 78. Pelo que deixou de trabalhar em julho, com o intuito de terminar os seus estudos. 79. Após a reclusão, o arguido começou a fazer módulos do 11º e 12º ano de escolaridade. 80. AA pretende, no entanto, terminar o seu curso de Eletricidade e .... (…) 94. O arguido AA não tem qualquer condenação averbada o seu registo criminal.” * B – Nos presentes autos de processo comum com intervenção do Tribunal Coletivo, em que o arguido foi condenado pela prática, em 31 de julho, 3 de agosto e 4 de agosto de 2019, pela prática de três crimes de roubo, na pena única de 6 anos de prisão, foram julgados provados os seguintes factos respeitantes ao arguido: APENSO 1547/19.0... 1. No dia ... de ... de 2019, pelas 02h45, o arguido AA e dois indivíduos cuja identidade não se logrou apurar, entraram no táxi com a matrícula ..- QD-.., na Rua ..., cujo condutor era o ofendido RR e solicitaram que os levasse à Rua dos ..., em .... 2. Ao chegarem à Rua ..., em ..., o arguido AA disse a RR que ficariam naquele local, encostando- lhe de seguida nas costas um objeto que pelo toque no corpo era em tudo semelhante a uma arma de fogo, dizendo-lhe simultaneamente “DÁ-ME O DINHEIRO TODO QUE TIVERES, SÓ QUEREMOS O DINHEIRO, NÃO TE VAMOS FAZER MAL”. 3. Temendo pela sua integridade física, RR entregou-lhes o porta moedas que continha no seu interior cerca de €130,00 (cento e trinta euros). 4. Ato seguido, o arguido e os mencionados indivíduos puseram-se em fuga levando a mencionada quantia. 5. O arguido AA atuou em conjugação de esforços e intentos com os demais suspeitos não identificados, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto semelhante a uma arma de fogo para esse efeito. Processo Principal 1580/19.2PFLSB 6. No dia ... de ... de 2019, cerca das 12h59, o Arguido SS , através do seu telemóvel com o n.º .......25, telefonou para a “T........” e solicitou a entrega de uma pizza na Rua dos ..., em .... 7. Ao local deslocou-se o ofendido TT, estafeta da “T........”, que assim que chegou ao local foi abordado pelos arguidos SS e AA, que lhe disseram “FUI EU QUE PEDI PIZZA, DÁ-ME A PIZZA”, tendo o ofendido respondido que teriam de pagar primeiro. 8. Em face de tal resposta, o arguido SS abriu uma mala que trazia consigo e exibiu um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, ao mesmo tempo que solicitava dinheiro e o arguido AA pediu as chaves da mota, tendo TT recusado. 9. Ato seguido, o arguido SS retirou a arma de fogo da mala, puxou a corrediça atrás três vezes, encostou a arma à barriga daquele e exigiu-lhe simultaneamente o troco, tendo aquele dito que não tinha dinheiro, pelo que o arguido AA retirou a pizza da mota, no valor de €14,35 (catorze euros e trinta e cinco euros) e puseram-se em fuga. 10. Os arguidos AA e SS atuaram em conjugação de esforços e intentos, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro e da pizza que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo para esse efeito. APENSO 1108/19.4... 16. No dia ... de ... de 2019, pelas 13h50, o ofendido UU, ... da “P.... ...”, deslocou-se à Rua do ..., a fim de proceder à entrega de uma pizza, uns pães de alho e uma pepsi de 1,5l, no valor de €26,35 (vinte e seis euros e trinta e cinco cêntimos). 17. Ali chegado foi abordado pelos arguidos SS e AA, sendo que o arguido SS empunhou um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo na sua direção ao passo que o arguido AA lhe disse que não valia a pena tirar o talão/factura da caixa pois não iriam pagar. 18. Ato seguido o arguido SS pediu-lhe o dinheiro que tivesse tendo o arguido AA retirado as pizzas da caixa de transporte 19. O ofendido UU, com receio pela sua integridade física, entregou-Lhe €24,65 (vinte e quatro euros e sessenta e cinco cêntimos), colocando-se os arguidos em fuga levando as pizzas e o dinheiro. 20. Os arguidos SS e AA atuaram em conjugação de esforços e intentos, com a intenção de subtraírem e se apropriarem do dinheiro e da pizza que o ofendido trazia consigo, não se inibindo de utilizarem um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo para esse efeito. APENSO 144/19.5... 21. No dia ... de ... de 2019, pelas 18H20, o ofendido VV, segurança no supermercado “M........”, sito na Rua ..., observou o arguido SS no interior da loja, a retirar um sumo do frigorífico e a consumir; 22. VV foi ter com o arguido SS e avisou-o que consumir produtos dentro da loja não era permitido, o que provocou no arguido SS algum nervosismo, acabando por dizer “ESPERA AÍ QUE EU JÁ VENHO”, e ausentou-se da loja. Pouco tempo depois, cerca das 18h25, o arguido SS voltou a entrar no interior da loja e circulou pelos corredores à procura da testemunha VV, que o observou pelo sistema de videovigilância. 24. Como não encontrou a testemunha, o arguido SS voltou atirar outro sumo e começou a bebê-lo e dirigiu-se para as caixas registadoras, onde retirou do bolso direito uma arma de fogo de pequenas dimensões, e começou a efetuar movimentos de puxar a corrediça atrás, por duas vezes, municiando a arma. 25. Após, pagou o sumo a WW e ausentou-se da loja. 26. O arguido SS atuou coma intenção de exibir a arma defogo quetrazia,nãosendoportador dequalquer documento queohabiliteater qualquer arma na sua posse, não se inibindo ainda assim de atuar. 35. Arguido AA a. AA nasceu no ... e é o mais novo dos quatro filhos do casal progenitor de origem portuguesa. Naquele país, a família residia numa residência pertencente à A......... ..... e na qual os pais trabalhavam, sendo o pai diretor de uma das casas. A integração neste espaço, relacionada com a problemática aditiva de ambos os progenitores, não terá sido fonte de impacto relevante para o jovem, que se mantinha distanciado de eventuais convívios de risco. A relação do arguido com os pais era consistente, principalmente com o pai, pelo que o falecimento deste na sequência de doença prolongada quando o arguido tinha cerca de seis anos se constitui fonte de grande sofrimento, tendo lidado com dificuldade com o luto e a perda. b. Posteriormente ao falecimento do pai, a mãe do arguido decidiu regressar a Portugal com os filhos. Em Portugal fixou residência em casa da sua mãe e passou a contar com o apoio da família de origem e alargada, sendo a dinâmica relacional descrita como coesa e de grande solidariedade entre os elementos da família. O arguido terá vivido com sofrimento o regresso a Portugal e a perda das suas referências, tendo apresentado dificuldades de adaptação ao novo ambiente e comportamentos desajustados quer no seio familiar, quer na escola na qual se inserira. Por tais motivos, passou a ser acompanhado em consulta de pedopsiquiatria, iniciada em 2009, tendo sido diagnosticado com Défice de Atenção e Hiperatividade, para as quais foi medicado. Manteve ainda apoio psicológico. Segundo a mãe do arguido, apesar deste apoio, o comportamento de AA não sofreu grandes alterações e exigiu da parte da família uma monitorização apertada do seu quotidiano. c. O seu percurso escolar foi marcado por absentismo comportamentos desrespeitadores dentro e fora da sala de aula e dificuldades de concentração. As várias medidas disciplinares que lhe foram aplicadas, concretamente suspensões, e o baixo rendimento determinaram a sua primeira retençãono7º ano. Após a sua transferência para uma outra escola, AA concluiu o 9º ano de escolaridade, com cerca de 18 anos de idade. d. Não obstante as estratégias de controlo adotadas pela família, sobretudo pela mãe, AA apresenta anteriores contactos com o Sistema de Justiça Juvenil. Não lhe são atribuídas problemáticas aditivas. e. À data dos factos de que vem acusado, o arguido constituía agregado familiar com a mãe, 45 anos de idade, assistente operacional num equipamento de saúde, pela avó materna, de 74 anos de idade, reformada, pelo irmão OO, 26 anos e pela irmã PP, de 25 anos de idade, ambos profissionalmente ativos. AA continuava a apresentar comportamentos de resistência ao cumprimento das regras impostas pela mãe, adotando comportamentos de oposição, provocação, potenciadores de conflitos e orientados para a satisfação imediata dos seus desejos e necessidades. f. Cerca de dois meses após ter atingido a maioridade, o arguido, que na altura, trabalhava como ... num hipermercado, auferindo cerca de €800,00 mensais, optou por abandonar a casa de morada de família e, durante algum tempo, a progenitora não teve conhecimento do seu paradeiro, sabendo apenas que ele pernoitava em casa de amigos ou da namorada. Algum tempo depois entrou em contacto com a mãe que o acolheu, voltando a integrar o agregado familiar de origem, com quem permaneceu até à sua prisão preventiva ocorrida em .../.../2019. g. A família reside em casa pertencente à avó materna do arguido e, em termos económicos, o agregado subsiste com a remuneração da progenitora, a reforma da avó e os salários dosirmãosdoarguido, mantendo umasituação capaz desatisfazer as necessidades básicas do agregado. h. A mãe proporcionou-lhe outras atividades estruturadas de tempos nomeadamente ... que praticou desde os 10 anos, durante vários anos nos clubes de O..... e P.... ...... À data da prisão, mantinha a prática desportiva no Clube.... i. Em 2018 iniciou uma relação de namoro com XX, de 18 anos de idade. Quando esta ficou grávida em 2019, o arguido afastou-se conduzindo a uma separação do casal que se revelou temporária já que ambos se reaproximaram depois do nascimento do filho, já durante a prisão de AA. Atualmente a relação é descrita como estável. O arguido é descrito pela namorada como afetuoso tanto para o filho, como para ela própria. j. AA encontra-se em cumprimento de pena de prisão de 9 anos e 6 meses à ordem do processo n.º 523/19.8... desde .../.../2019. Segundo próprio, foi condenado na pena de multa no processo nº 6594/20.7..., aguardando trânsito. Tem ainda pendente o processo nº 1249/19.8... k. No contexto prisional e em termos disciplinares, o arguido apresenta registo de várias infrações sintomático de alguma dificuldade no cumprimento das regras do Estabelecimento Prisional. Por infração ocorrida em .../.../2022 foi punido com 14 dias de Permanência Obrigatória no alojamento, e por infração ocorrida em .../.../2022 foi punido com uma repreensão escrita. A última infração registada em .../.../2022 encontra-se em averiguações. Apesar disso, afirma que exerce funções de ... e em janeiro de 2023 prevê iniciar a frequência do curso de desporto que lhe dará equivalência ao 12º ano. l. Segundo XX, AA mostra-se mais sereno, mais adulto e com maior capacidade de avaliar o comportamento adotado no passado. Por isso, mostra-se disponível para manter o relacionamento e o apoiar através de contactos telefónicos e visitas regulares. m. O arguido tem recebido visitas regulares da mãe, com quem mantém contactos telefónicos frequentes. Quer a mãe, quer os outros elementos do seu agregado familiar manifestam disponibilidade para acolher e apoiar quer em reclusão, quer quando for restituído à liberdade. (…) O Arguido AA tem averbadas as seguintes condenações no CRC: a. 120 dias de multa pela prática em 19.8.19 do crime de condução sem habilitação legal, substituída por trabalho a favor da comunidade e já declarada extinta pelo cumprimento; b. 100 dias de multa pela prática em 15.9.2020 do crime de desobediência; c.9 anos e6mesesdeprisão pelapráticaem 12,13,15 e16.10.2019 dosseguintes crimes: i. - pela prática deum crime deofensa à integridadefísica qualificada, previsto e punível pelos art.ºs 143º, nº 1 e 145º, n.º 1, al. a) e n.º 2, por referência ao disposto no art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima HH), na pena parcial de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; ii. - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto epunível pelos art.ºs 143º, nº 1 e145º, n.º 1,al. a) en.º 2, por referência ao disposto no art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima GG), na pena parcial de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; iii. - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto epunível pelos art.ºs 143º, nº 1 e145º, n.º 1,al. a) en.º 2, por referência ao disposto o art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima YY), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; iv. - pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto epunível pelos art.ºs 143º, nº 1 e145º, n.º 1,al. a) en.º 2, por referência ao disposto no art.º 132º, n.º 2, al. h), todos no C. Penal (que teve como vítima II), na pena parcial de 2 (dois) anos de prisão; v. - pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido nos termos do artigo 86.º, n.º 1, al. c) e artigo 2.º, n.º 1, al. ar) do Regime Jurídico das Armas e Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), na pena parcial de 2 anos de prisão; vi. -pela prática de um crime de homicídio na forma tentada agravado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.ºe23.º todos do Código Penal86.º, n.º3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02(que teve como vítima LL), na pena parcial de 5 anos de prisão; vii. - pela prática de um crime de homicídio na forma tentada agravado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 22.º e23.º todos doCódigoPenal86.º,n.º3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02 (que teve como vítima MM), na pena parcial de 5 anos de prisão; viii. - pela prática de dois crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, nas penas parciais de 9 (nove) meses de prisão; ix. 6. E, procedendo nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das 9 penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA pela prática dos 9 crimes identificados no ponto anterior, na pena unitária de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses de prisão efetiva.” * C – Factos que resultaram da presente audiência (relatório social de fls. 743 a 745, certificado de registo criminal de fls. 776 a 780 e declarações do arguido): 1. O arguido encontra-se preso desde ... de ... de 2019, inicialmente no estabelecimento prisional ..., tendo sido transferido posteriormente para o estabelecimento prisional de ... e foi afeto definitivamente ao estabelecimento prisional ... em ... de ... de 2023; 2. O arguido entrou no sistema de ensino em idade regular, tendo concluído o 9.º ano de escolaridade; 3. No estabelecimento prisional o arguido aguarda por uma oportunidade de trabalho; 4. O arguido encontra-se colocado na mesma ala em que se encontra o seu irmão, também recluso no estabelecimento prisional do ...; 5. Antes de ser preso o arguido trabalhava como ... num supermercado; 6. O arguido contextualizou os factos que praticou no período decorrido entre agosto a outubro de 2019 como um período em que se desorientou e referiu ter sido o pior período da sua vida; 7. No estabelecimento prisional o arguido recebe visitas da sua mãe, do seu filho e da sua companheira; 8. Em liberdade, o arguido perspetiva formar a sua família; 9. Em contexto de entrevista o arguido aparenta ser um indivíduo calmo, educado, adotando uma postura colaborante com capacidade de raciocínio crítico e pensamento consequencial e apresenta cuidados de higiene; 10. Em termos globais, AA tem demonstrado interesse em integrar atividades em meio prisional, nomeadamente laborais e desportivas, o que ainda não foi possível, atentas as infrações disciplinares que tem desde a sua afetação ao estabelecimento prisional ...; 11. Apesar de fazer transparecer alguma imaturidade, denota ser um indivíduo com capacidadede adotar uma postura de aceitação da intervenção técnica e das figuras de autoridade, designadamente aderir a propostas que visem uma normal execução da pena e adoção de estratégias de mudança, no sentido pró-social. 12. O arguido não atesta qualquer outra condenação, para além das identificadas acima nos factos provados.” + O recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da motivação que constituem as questões suscitadas pelo recorrente e que o tribunal de recurso tem de apreciar (artºs 412º, nº1, e 424º, nº2 CPP Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98 e Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335), sem prejuízo de ponderar os vícios da decisão e nulidades de conhecimento oficioso ainda que não invocados pelos sujeitos processuais – artºs, 410º, 412º1 e 403º1 CPP e Jurisprudência dos Acs STJ 1/94 de 2/12 e 7/95 de 19/10/ 95 este do seguinte teor:“ é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e do conhecimento dos mesmos vícios em face do artº 432º1 a) e c) CPP (redação da Lei 94/2021 de 21/12). É a seguinte a questão suscitada: - Se é excessiva a penas única em que o arguido foi condenado + Insurge-se o arguido quanto à pena única aplicada ao arguido, porque o tribunal não ponderou todos os fatores a favor do arguido e bem assim o modo aritmético de calcular a pena, que lhe seria favorável, e as penas parcelares foram excessivas, e não teve em conta as condições pessoais e sociais, a idade à data dos factos e o seu modo de vida, e apoio familiar e o seu relacionamento, trabalho e a atividade e estudo que desenvolve na prisão. O acórdão recorrido depois de ponderar os critérios para a determinação da pena manifesta-se quanto ao apuramento da pena única do seguinte modo: “Para a determinação da pena única, cumpre considerar os factos apurados constantes das decisões condenatórias acima enunciadas e que estão numa relação de concurso e a personalidade do arguido, revelada nesses factos, designadamente: Contra o condenado: -As necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a violência dos crimes praticados pelo arguido que impõe que os tribunais tratem tais situações com rigor por forma a restaurar a confiança dos cidadãos nas normas violadas; - Ao assumir as condutas consubstanciadoras dos crimes pelos quais foi condenado, o condenado agiu de todas as vezes com dolo direto. A favor do condenado: - O condenado denotou consciência crítica quanto aos factos por si praticados; - O arguido denota ser um indivíduo com capacidade de adotar uma postura de aceitação da intervenção técnica e das figuras de autoridade, designadamente aderir a propostas que visem uma normal execução da pena e adoção de estratégias de mudança, no sentido pró-social; - O arguido perspetiva uma vida em torno da família, mostrando-se inserido familiarmente. Assim sendo, tudo ponderado temos por ajustado, na realização do cúmulo jurídico das penas parcelares em concurso e pelas quais o arguido foi condenado (arts. 77º e 78º do C.P.), fixar a pena unitária de 14 (catorze) anos de prisão.” Apreciando. Desde logo convirá esclarecer que as invetivas contra as penas parcelares estão manifestamente deslocadas, nem o presente recurso as pode abranger, por serem imutáveis face ao trânsito em julgado das condenações sofridas, em face do que não podem ser modificadas ou alteradas as decisões definitivas que condenaram o arguido pelos crimes do concurso em outras tantas penas parcelares, pois qualquer alteração nas decisões condenatórias e nas penas poria em causa a segurança e paz jurídica bem como ofenderia o principio ne bis in idem ( impedindo a repetição de uma causa já definitivamente julgada), pois implicaria um novo julgamento ou a reabertura de um processo que apenas um recurso extraordinário, regulado pela lei, permite. No que à pena única respeita, insurge-se o arguido pela não adoção do critério aritmético1, que pretendia fosse adoptado traduzido na pena mais grave e em um terço das restantes, esquecendo que tal critério não é legal pois não resulta da lei, embora se admita que possa servir de auxiliar em algumas circunstâncias, mas esqueceu-se o arguido que mesmo adoptando tal critério a pena seria sensivelmente aquela que lhe foi aplicada, sendo que em face dos factos e sua gravidade e personalidade violenta do arguido neles manifestada, não lhe caberia a regra do 1/3 mas seria mais adequada a regra de ½ ou dos 2/3, como factores de compressão, o que elevaria consideravelmente a pena única. Feitos estes introitos, importa é analisar se a pena que lhe foi aplicada é justa e proporcional, e para isso ter em conta o que a lei estabelece. Dispõe o art. 77º, n.º 1 do CP que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”, e na determinação dessa pena, há que ter em conta o disposto no art. 77º, n.º 2 do CP, segundo o qual, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (…) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, tais normativos são aplicáveis no caso de concurso superveniente expresso no artº 78º CP “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.” É a situação dos autos em que temos por um lado os 2 crimes de tentativa de homicídio com arma de fogo e 4 de ofensa à integridade física qualificada com arma de fogo e depois os três crimes de roubo, um crime de detenção de arma e 2 de condução sem habilitação legal, pelo que importa por isso averiguar se a pena única em que foi condenado é ou não excessiva, ofendendo as regras sobre a sua determinação, regras essas que fixam os seus limites e os critérios a observar para encontrar a medida justa, como decorre do artºs 77º 1 e 2 CP ao estabelecer “1…Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” Quanto aos limites, ela deve ser encontrada entre os 5 anos e os 29 anos e 7 meses de prisão, que constitui a moldura do concurso, tendo presente o limite de 25 anos, para o que não relevam as penas únicas em que foi condenado anteriormente ( 9 anos e 6 meses e 6 anos, cujo cumulo é desfeito) sob pena de violação do principio da legalidade expresso no artº 77º2 CP. No que respeita aos critérios da sua determinação, traduzidos na apreciação, em conjunto dos factos e da personalidade do arguido há a considerar que a pena única é fruto “das exigências gerais de culpa e de prevenção”2 a coberto do artº 40º CP, e que se exige uma apreciação dos factos, na sua globalidade, e da personalidade do arguido neles revelada artº 77º1 CP), e como se expressa F. Dias “ tudo deve passar-se… como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global … “3, - o que é interpretado pelo STJ no ac. 18/6/2014 www.dgsi.pt/jstj4 como “A explanação dos fundamentos que, à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. Na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os factos que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade.”- e também no ac. STJ de 03/04/2013 www.dgsi.pt5, onde se defende que “…importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos e da motivação que lhes subjaz, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele” - e na “avaliação da personalidade – unitária- do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutivel a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade … “6, - sendo que esta (pluriocasionalidade) como se escreve no texto do Ac STJ 12/9/2007 www.dgsi.pt/7 “verifica-se quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não se radicam na personalidade do agente, em que não se está perante a formação paulatina do hábito enraizada na personalidade, tratando-se antes de repetição, de renovação da actividade criminosa, meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não são susceptíveis de revelar maior culpabilidade, em que desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime. A pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da «sucessão» de crimes”. Como em qualquer pena a justa medida, limitada no seu máximo pela culpa,- suporte axiológico de toda a pena - da pena única, há-de ser encontrada, tendo em conta as exigências de prevenção (da reincidência), traduzidas na proteção dos bens jurídicos e de reintegração social (ressocialização) – artº 40º CP – como finalidades preventivas e positivas de toda a pena – ponderando as penas aplicadas a cada facto, o conjunto desses factos e a personalidade do arguido neles manifestada como um comportamento global 8 a apreciar no momento da decisão. Assim em termos de prevenção geral há a ponderar a natureza dos crimes, todos eles violentos e dois contra a vida e 4 contra a integridade física grave e outros 3 de roubo contra o património e a liberdade pessoal, com arma de fogo (contra um taxista e um tarefeiro de entrega de pizzas), todos eles ambos de grande abrangência e relevo social atual causadores de sentimento de insegurança, tendo em conta o modo de atuação, à “gangster mafioso americano” disparando do carro contra pessoas, a exigir uma maior atenção preventiva como fatores desagregadores da sociedade, reafirmando energicamente a validade das normas jurídicas violadas, num sentimento exatamente contrário ao expresso pelo arguido no seu recurso de que “os factos em apreço revelam um comportamento próprio das pequenas violências urbanas, comum em zonas físicas e sociais de pequena delinquência juvenil…” Se em termos de integração social e laboral esta se mostraria efetivada, e que é o que se espera de qualquer cidadão, tendo inclusive o apoio familiar atual, o certo é que o seu percurso de vida instável, exige um maior cuidado na sua prevenção e por essa razão não podem ser menorizadas as razões de prevenção especial no que aos factos ilícitos concretos respeita. Na ponderação da personalidade do arguido revelada nos factos há que ponderar o modo e condições da sua vida, e o seu percurso quer em termos laborais, sociais, familiares e educativos apurados, salientando a instabilidade do seu modo de vida, e a violência dos seus actos praticados com arma de fogo, apesar da sua juventude (de 23 anos de idade) e a revelar uma atitude desconforme com as regras e valores de vivência em sociedade que, até apesar de detido, se evidencia motivo do seu sancionamento disciplinar no Estabelecimento Prisional, fazendo assim prevalecer uma personalidade violenta e desconforme aos valores sociais, que se pretende que com o trabalho e estudo, que pretende, no ambiente prisional a sua personalidade reassuma os valores sociais e humanos que postergou. A pena única aplicada ao arguido, se algum reparo merece não é certamente pela sua excessividade, mas pela confiança ilimitada de que a pena poderá ter um efeito benéfico no comportamento futuro do arguido seguindo Figueiredo Dias ao considerar que “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.”9, pois o quantum exacto da pena deverá ser determinado também em função das exigências de prevenção especial. Visto o exposto em tendo em conta a moldura do concurso, e apreciando os factos na sua globalidade e a personalidade violenta do arguido neles revelada e as penas parcelares aplicadas, as exigências de prevenção quer geral quer especial, a ilicitude dos factos e a culpa do arguido, e sua reinserção social e capacidade de observar as regras sociais, não se vê como necessária a intervenção corretiva deste Supremo Tribunal no sentido de reduzir a pena única em que foi condenado o arguido Improcede assim esta questão e com ela o recurso. + Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide: Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e mantém a decisão recorrida. Condena o arguido o pagamento da taxa de justiça de 6 Uc e nas demais custas Notifique DN + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 5/2/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Antero Luis José L. Lopes da Mota _________
1. Defendido por alguma doutrina e jurisprudência: P.Pinto Albuquerque, Anotação 3., ao artigo 77.º do Código Penal, in Comentário do Código Penal. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2008, p.244; Ac. STJ de 20-03-2014, no processo n.º 273/07.8PCGDM.S1, Cons. Santos Cabral; Ac. STJ de 6/1/2021, no proc. n.º 634/15.9PAOLH.S2 Cons. Nuno Gonçalves, e criticamente Ac. STJ de 14/12/2023, no proc.n.º 130/18.2JAPTM.2.S1, Cons. Jorge Gonçalves 2. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra, 2005, pág. 291, 4. Proc. 585/09.6TDLSB.S1 Conselheiro Santos Cabral 5. Proc. 789/11.1TACBR.C1.S1 Conselheiro Oliveira Mendes 6. Figueiredo Dias, ob. loc. cit. 7. Ac. STJ de 2007-09-12 (Proc. nº 07P2601) Conselheiro Raul Borges 8. Ac. STJ de 16/05/2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1 (Conselheiro Nuno Gonçalves), in www.dgsi.pt ; | ||||||||