Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
253/17.5T8PRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DIREITO DE REGRESSO
SEGURADORA
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 09/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: - CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DOS AA.
- NEGADA A REVISTA DA RÉ
Sumário :
I - O dano morte/perda do direito à vida e os danos morais/não patrimoniais (que precederam o decesso, também designados por “danos intercalares”) sofridos pela vítima/cônjuge de acidente de viação constituem danos indemnizáveis autonomamente, cujo direito radica na esfera do de cujus e que depois se transmite (em conjunto) aos seus familiares-herdeiros referidos no nº. 2 do artº. 496º do C. Civil.

II - Por sua vez, os danos de cariz patrimonial daí decorrentes sofridos por aqueles seus familiares-herdeiros são danos próprios dos mesmos, cujo direito de indemnização radica ab initio na sua esfera jurídica.

III - Todos esses danos, e particularmente aquele decorrente da perda do direito à vida, devem ser condignamente indemnizados/compensados, tendo sempre como critério nuclear de fundo a equidade, embora sem perder de vista o recurso a outros elementos circunstanciais, quer aqueles de caráter mais geral, e particularmente aqueles que a lei manda atender, quer aqueles que resultam da peculiaridade de que se reveste o caso concreto.

IV - À luz desses critérios mostra-se minimamente ajustado compensar o dano decorrente da perda do direito à vida da falecida com o montante indemnizatório de € 95.000,00, na sequência de um acidente de viação para o qual não contribuiu, tendo na altura 41 anos de idade e sendo então uma pessoa saudável, feliz/alegre, com família constituída, com um agregado familiar composto pelo seu marido e uma filha menor, e estabilizada ainda profissionalmente.

V - Têm direito de exigir uma indemnização por danos patrimoniais futuros todos aqueles a quem a falecida vítima prestava alimentos ou que estavam em condições legais de dela os exigir.

VI - Daí que, como decorre o nº 3 do artº. 495º do CC, a indemnização pelos danos patrimoniais futuros se circunscreva, na sua essência, à obrigação alimentar de que se viu privada a pessoa que dela beneficiava ou podia vir a beneficiar em termos previsíveis futuros.

VII - No leque dessas pessoas encontram-se os cônjuges e os descendentes menores (em regra) sobrevivos, os primeiros numa decorrência do dever matrimonial de assistência que estava vinculado o falecido enquanto durasse a sociedade conjugal - abrangendo os alimentos e os encargos normais da vida familiar (cfr. artºs. 1672º, 1675º, 1676º, 2015º, e 2009º, nº. 1 al. a) do CC) -, e os segundos como decorrência das responsabilidades parentais a que estão sujeitos os progenitores - e que envolvem, além do mais, a obrigação de prover pelo sustento, saúde e educação/instrução dos filhos até atingirem a sua maioridade, mas que pode prolongar-se para depois, vg. até aos 25 anos, ou seja, até que completem o processo da sua educação ou da sua formação profissional (cfr. artºs. 1874º, 1877º, 1878º, nº. 1, 1879º, 1880º e 1885º e 1905º, nº. 2, 2003º e 2009º, nº. 1 al. c) ).

VIII - Sendo o agregado familiar da vítima falecida composto por ela, pelo marido e uma filha menor de 11 anos, na falta de elementos de facto concretizadores/esclarecedores a esse respeito, é de presumir ou ficcionar que o salário/rendimento auferido então pela mesma seria gasto na mesma proporção (de 1/3) em despesas com cada um deles.

IX - O direito de regresso consagrado no 27º nº. 1 al. d) do DL nº. 291/2007, de 21/08 (regime do seguro obrigatório), a favor da seguradora, quando o condutor do veículo segurado – que deu causa ao acidente – não estiver legalmente habilitado com o respetivo título de condução, deve (fora das situações em que ocorra originariamente falta absoluta desse título) ser conjugado com o artº. 130º do C. da Estrada.

X - Tendo o acidente ocorrido na altura em que se encontrava em vigor a redação dada ao último preceito legal pelo DL nº. 138/2012, de 05/07, só o condutor que conduzisse o veículo com o título de condução cancelado (pelo IMT, IP) é que era equiparado então, nomeadamente para efeitos do direito de regresso da seguradora, como não habilitado a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório



1. AA, por si e na qualidade de legal representante da filha menor BB, instaurou (em 28/04/2017) ação declarativa de condenação, soba forma de processo comum, contra Ré, Companhia de Seguros Liberty, S.A., (atualmente denominada Liberty Seguros, Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A.Sucursal em Portugal), todos com os demais sinais identificadores dos autos.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Que nas circunstâncias de tempo (28/04/2015), lugar e modo descritas no articulado da petição inicial, CC, mulher do Autor e mãe da menor Autora, foi vítima mortal num acidente de viação ocorrido naquela data, que se deveu exclusivamente à conduta culposa do condutor do veículo automóvel de matrícula ..-DA-.., seguro na Ré, pois que circulava então de forma desatenta, em velocidade excessiva e ainda sob a influência de substâncias canabinóides, não possuindo ainda na altura licença de condução válida que o habilitasse à condução do mesmo.

Desse acidente resultou a morte da CC e bem como outros danos (de natureza patrimonial e não patrimonial) pelos quais pretendem ser indemnizados.

Desse modo, no final, foi pedida a condenação da Ré seguradora a pagar aos Autores as seguintes importâncias indemnizatórias:

a) Indemnização pela morte da referida CC, respetivamente, mulher e mãe dos AA. AA e BB, em conjunto, no valor de € 110.000,00, assim discriminada:

i) Dano moral sofrido pela vítima: € 10.000,00;

ii) Dano pela perda do direito à vida:  € 100.000,00.

b) Indemnização ao Autor AA na importância de € 320.600,00, assim discriminada:

i) Dano moral sofrido pelo do Autor: € 35.000,00;

ii) Dano patrimonial sofrido pelo Autor: € 285.600,00.

c) Indemnização à Autora BB a importância de € 152.600,00, assim discriminada:

i) Dano moral sofrida pela Autora: € 35.000,00;

ii) Dano patrimonial sofrida pela Autora:  € 117.600,00.

d) Quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até ao seu integral pagamento.

2. Na sua contestação a Ré defendeu-se por impugnação, contrariando a dinâmica do acidente descrita pelos AA., negando qualquer responsabilidade do condutor do veículo seu segurado na sua produção (atribuindo-a à referida vítima CC e a uma colega DD com ela se encontrava na altura, que também foi alvo de atropelamento), considerando, de qualquer modo, ainda, excessivos os montantes indemnizatórios peticionados por aqueles.

No final, requereu ainda a intervenção acessória do condutor do veículo seu segurado, EE, com vista a assegurar contra ele o direito de regresso em relação às importâncias que porventura viesse a ser condenada a pagar em consequência do referido acidente, que defendeu lhe assistir (à luz do disposto no artº. 27º, nº. 1 als. c) e d), do DL nº. 291/2007, de 21/08), em virtude de o mesmo conduzir o referido veículo sem que então fosse possuidor de qualquer título de condução válido e eficaz, e ainda por o conduzir sob a influência de substâncias psicotrópicas.

3. Admitida que foi tal intervenção, o referido interveniente, EE, apresentou contestação na qual, e em síntese, se defendeu negando, por um lado, qualquer responsabilidade na produção do acidente (atribuindo-a às referidas CC e DD), por outro, alguns dos danos invocados pelos AA., considerando ainda exagerados os valores indemnizatórios reclamados e, por fim, sustentou não assistir à Ré o direito de regresso por si invocado, pois que na altura se encontrava legalmente habilitado a conduzir veículos automóveis (da categoria daquele que então conduzia) – defendendo que o facto de não ter revalidado atempadamente a carta de condução, não lhe retirava as faculdades e aptidões necessárias à sua condução -, sendo certo ainda que a eventual presença de substâncias psicotrópicas no seu corpo, as mesmas, pelo seu reduzido grau, não lhe retiraram a aptidão (física/psicológica) para conduzir.

Daí ter pedido no final a improcedência da ação e, de qualquer modo, a improcedência, por falta dos respetivos requisitos, do direito de regresso contra si invocado pela Ré.


4. No despacho saneador foi fixado o valor da causa (€ 583.200,00), considerando-se válida e regular a instância, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas prova.

5. Instruídos os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que, no final da sua parte dispositiva – após ter concluído pela responsabilidade exclusiva do condutor veículo segurado na Ré na produção do acidente e reconhecido à última, à luz do artº. 27 nº. 1 al. d) do DL nº. nº. 291/2007, de 21/08, o direito de regresso que invocou sobre aquele interveniente -, decidiu condenar a Ré nos seguintes termos:

« I) a pagar aos Autores, em conjunto, na qualidade de herdeiros de CC, a importância global de € 115.000,00, a que acrescerá juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de compensação pelo dano moral e perda do direito à vida da falecida CC (cuja discriminação dos montantes indemnizatórios parcelares por cada um desses danos adiante referiremos).

II) a pagar ao Autor AA a importância global de € 268.022,35, a que acrescerá juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ele sofridos (cuja discriminação dos montantes indemnizatórios parcelares por cada um desses danos adiante referiremos);

III) a pagar à Autora BB a importância de €113.236,53, a que acrescerá juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por ela sofridos (cuja discriminação dos montantes indemnizatórios parcelares por cada um desses danos adiante referiremos).

Custas por AA. e Ré, na proporção do respectivo decaimento (sem prejuízo do apoio judiciário de que os AA beneficiam). »

7. Inconformados com tal sentença dela apelaram a e o Interveniente EE (recursos independentes).

8. Após a apreciação desses recursos, o Tribunal da Relação do Porto (TRP), por acórdão 23/09/2022, decidiu, a final, nos seguintes termos:

« (…) I - Nos termos e com os expostos fundamentos acordam os juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em considerar parcialmente procedente o recurso interposto pela ré Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros S.A e alteram a sentença recorrida, nos termos seguintes:

a) - Fixam em €10.000,00 euros a indemnização devida a titulo do dano de sofrimento físico e psíquico que a vitima experienciou antes de falecer;

b) - Fixam em €85.000,00 euros a indemnização pela perda da vida da referida CC;

Estes valores são atribuídos em conjunto aos autores AA e BB, enquanto únicos herdeiros daquela CC

c) - Fixam em €30.000,00 e €35.000,00 euros, respetivamente, para os autores AA e BB, a indemnização por danos não patrimoniais por eles sofridos com a morte daquela CC;

d) Fixam em €110.929,00 para o autor e recorrido AA, e em €40.099,50 euros para a autora e recorrida BB a indemnização pelo dano patrimonial correspondente à perda do que seria previsivelmente o contributo económico da falecida CC.

Consequentemente condenam a Ré Liberty Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros S.A a pagar aos autores AA e BB as quantias assim fixadas, a que acrescem juros de mora à taxa de juros civis, desde a data da prolação deste acórdão, até integral pagamento, com exceção do valor fixado a título de indemnização por danos patrimoniais às quais acrescem juros de mora à taxa de juros civis desde a citação, até integral pagamento.

II – Acordam por outro lado em julgar procedente o recurso interposto pelo interveniente EE, revogando a sentença recorrida na parte em que reconhece à Ré Liberty Seguros o direito de regresso sobre o interveniente pelos valores indemnizatórios que venha a pagar em consequência desta decisão.

Custas no recurso interposto pela ré Liberta Seguros por recorrente e recorridos autores, na proporção do decaimento que se fixa em 25% para a recorrente e em 75% para os recorridos.

Custas pela recorrida Liberta Seguros no recurso interpostos pelo interveniente EE. »


9. Inconformados, com o decidido por esse acórdão do TRP, dele interpuseram recurso de revista (normal) os AA. e a R. (ambos a título independente).


10. Os Autores concluíram as suas alegações de recurso nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

 « 1- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto pelo qual foram reduzidos os valores indemnizatórios fixados em sede de primeira instância e devidos aos AA em razão do falecimento da sua esposa e mãe, designadamente no que diz respeito a:

a) Direito à Vida

b) Danos Não Patrimoniais da Vítima

c) Danos Não Patrimoniais próprios de cada um dos AA;

d) Danos Patrimoniais próprios de cada um dosAA.

2- Em sede de primeira instância foram atribuídos os seguintes valores indemnizatórios:

• Direito à Vida - 95.000,00€

• Danos Não Patrimoniais da Vítima - 20.000,00€

• Danos Não Patrimoniais do A. marido 40.000,00€

• Danos Não Patrimoniais da A. filha - 40.000,00€

• Danos Patrimoniais do A. marido - 268.022,35€

• Danos Patrimoniais da A. filha - 113.236,53€

3 - Valores esses reduzidos em sede de segunda instância para:

a) Direito à Vida - 85.000,00€

b) Danos Não Patrimoniais da Vítima - 10.000,00€

c) Danos Não Patrimoniais do A. marido 30.000,00€

d) Danos Não Patrimoniais da A. filha - 35.000,00€

e) Danos Patrimoniais do A. marido; - 110.929,00€

f) Danos Patrimoniais da A. filha - 40.099,50€

4 - Com respeito ao valor da compensação a título de Direito à vida, considerando a matéria de facto dada como provada, as decisões que vêm sendo proferidas pelos nossos tribunais superiores em casos semelhantes deverá ser alterado o douto acórdão recorrido nesta parte atribuindo-se aos AA, a título de Direito à vida, uma compensação de pelo menos 95.000,00€.

5 - A este respeito importa referir os doutos Ac. do STJ de 13/05/2021 no processo 10157/16.3T8LRS.L1.S1, de 31 de Janeiro de 2012, de 10 de Maio de 2012 (processo 451/06.7GTBRG.G1.S2), de 12 de Setembro de 2013 (processo 1/12.6TBTMR.C1.S1), de 24 de Setembro de 2013 (processo 294/07.0TBETZ.E2.S1), de 19 de Fevereiro de 2014 (processo 1229/.09TAPDL.L1.S1), de 09 de Setembro de 2014 (processo 121/10.1TBPTL.G1.S1), de 11 de Fevereiro de 2015 (processo 6301/13.0TBMTS.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 185/13.6GCALQ.L1.S1), de 12 de Março de 2015 (processo 1369/13.2JAPRT.P1S1), de 30 de Abril de 2015 (processo 1380/13.3T2AVR.C1.S1), de 18 de Junho de 2015 (processo 2567/09.9TBABF.E1.S1) e de 16 de Setembro de 2016 (processo 492/10.0TBB.P1.S1), todos acessíveis através de www.dgsi.pt.).”.

6 - O valor ora defendido havia já sido atribuído pela primeira instância tendo por referência critérios de equidade e, sem deixar de garantir o princípio da igualdade e tendo em conta as circunstâncias específicas da vítima, sem esquecer a lição do Ac. do S.T.J. de 16-12-1993, paradigma da jurisprudência que vem prevalecendo, segundo o qual “é mais que tempo de se acabar com os miserabilismos indemnizatórios”, assim respeitando quer as particularidades do caso concreto quer o princípio da igualdade, da proporcionalidade e uniformização de decisões que se pretende na nossa justiça.

7 - No que respeita aos danos não patrimoniais da vítima, tendo em consideração a matéria de facto alterada em sede de segunda instância, veio o tribunal reduzir o valor da compensação arbitrada pela primeira instância, fixando-o agora nos 10.000,00€, valor este que não pode aceitar-se porquanto fica muito àquem do devido para compensar as dores e sofrimento da falecida mãe e esposa dos AA.

8 - Pese embora a alteração factual na matéria dada como provada, afigura-se errado o juízo do tribunal recorrido pelo qual foi determinada a redução do valor fixado a título compensatório pelos danos não patrimoniais da vítima pois, se é facto que a prova objetivamente considerada nos diz que a falecida sofreu nos 15 a 20 minutos que se seguiram ao embate, não menos verdade é que não resultou provado que entre esse momento e a hora do óbito a CC não tivesse sofrido.

9 - Temos como provado que a falecida sofreu violento embate pelas 12:55 horas, que sofreu nos 20 minutos que se lhe seguiram e que faleceu pelas 15:25 horas.

10 - Tal como vem sendo considerado pela nossa jurisprudência , num juízo de experiência comum e normalidade  das coisas, não podemos afastar que não tenha tido dores nem que não tenha pressentido a morte e, como tal, não podemos excluir que também para lá dos 20 minutos após o embate e, até que efetivamente faleceu, a falecida não tenha sofrido, não tenha padecidos de dores e quer até não tenha pressentido a morte sendo que, o que nos diz a experiência comum é precisamente o oposto ou seja que, o sofrimento se prolonga até ao falecimento efetivo e, nessa medida deve ser com siderado.

11 - Deve ser alterado o douto acórdão recorrido, determinando-se a atribuição de compensação de pelo menos 20.000,00 € para compensação da dor e padecimento (danos não patrimoniais) próprios da vítima.

12 - Andou mal o tribunal recorrido ao reduzir os valores atribuídos na douta sentença a título de danos não patrimoniais dos AA porquanto os montantes arbitrados em primeira instância mostram-se adequados e justos ao passo que os valores fixados no douto acórdão de que ora se recorre, revelam-se manifestamente insuficientes para ressarcir os AA pela perda da sua esposa e mãe.

12 (note-se que este número 12 se mostra repetido) - Considerando a matéria de facto dada como provada, a douta fundamentação da decisão de primeira instância à qual se adere e, bem assim as decisões dos nossos tribunais superiores em casos semelhantes, deverá ser alterado o douto acórdão recorrido.

13 - Tendo ainda em conta os parâmetros seguidos pela nossa jurisprudência e a necessidade de uma progressiva atualização dos valores indemnizatórios, mostra-se justo e adequado o valor fixado em sede de primeira instância como compensação pelos sofrimentos próprios da filha da falecida CC e do A. marido com quem estava casada há 17 anos, não se vislumbrando razões para estabelecer, a este nível, qualquer diferenciação entre eles visto resultar claro da matéria provada que ambos mantinham com a vítima laços de afetividade e convivência no âmbito de um mesmo consolidado agregado familiar, admitindo-se, por isso, que terão ficado psicologicamente afetados, em igual medida, pela perda da vítima.

14 - Deve ser alterado o douto acórdão recorrido, determinando-se a atribuição de compensação de, pelo menos, 40.000,00 € para compensação dos danos não patrimoniais próprios devidos ao A. marido e, 40.000,00€ para compensação pelos danos não patrimoniais próprios da A. filha.

15 - Acresce que, uma vez determinados os valores compensatórios pela primeira instância, relativamente a Direito à Vida, Danos não patrimoniais da vítima e Danos Não Patrimoniais dos AA, com base na equidade e, mostrando-se o mesmo balizado pelas decisões dos nossos tribunais superiores para casos semelhantes, assim respeitando necessariamente os princípios de igualdade e proporcionalidade, temos que a mesma não era nem podia ser merecedora de qualquer censura.

16 - A decisão judicial que defina o valor indemnizatório, apenas poderá merecer juízo de censura por tribunal superior – em sede de recurso –, e consequente alterabilidade, se empiricamente evidenciar que significativamente destoe da contemporânea linha jurisprudencial respeitante a similares condições contextuais, e, assim, potencialmente comprometa a ideal segurança da aplicação do direito e o princípio constitucional da igualdade relativa, (cfr. arts. 8.º, n.º 3, do C. Civil, e 13.º, n.º 1, da Constituição).

17 - Mais, tratando-se aqui de danos não patrimoniais (Direito à Vida, Danos não patrimoniais da vítima e Danos Não Patrimoniais dos AA) e, para a determinação da medida da respetiva compensação há ainda que ter em consideração a culpa do agente (no caso mostra-se grave) a ausência total de qualquer contribuição da vítima para o evento e, menos ainda dos AA… devendo ainda considerar-se que a esfera patrimonial do agente se encontra enriquecida com o capital seguro e a função deste é o justo e adequado ressarcimento dos lesados.

18 - Veio o Tribunal da Relação considerar que o valor determinado em sede de primeira instância deveria ser reduzido porquanto o valor remuneratório auferido pela falecida e a considerar na determinação do valor indemnizatório deverá ser o valor líquido e, não o valor ilíquido da sua remuneração fundamentando ainda a sua decisão de redução do montante indemnizatório com a redução expectável do valor da reforma a auferir pela falecida para 68% do valor de remuneração em tempo de vida ativa e, bem assim mediante um fator de correção de 15% em razão do recebimento imediato pelos AA do que iriam receber ao longo de anos.

19 - O tribunal recorrido não dispunha nem dispõe de quaisquer elementos que permitam determinar qual o valor de impostos pagos pela falecida e, como tal não poderia determinar o valor líquido.

20 - A determinação do valor líquido auferido num determinado ano apenas pode ser determinado, em sede de IRS, com a liquidação operada pelo sistema de finanças sendo que, ao valor bruto auferido por qualquer trabalhador podem ser abatidos determinados montantes (despendidos com saúde, educação, juros de empréstimo para aquisição de habitação própria entre outros) assim reduzindo a base tributável ou seja o montante sobre o qual incidirão os impostos, havendo ainda considerar o número de elementos do agregado familiar e ausência de rendimentos por parte dos AA e, ainda o valor da dedução específica a abater.

21 - Tendo em conta a matéria de facto dada como provada temos que ter como certa a equivalência do valor líquido ao ilíquido porquanto, seria previsível o reembolso integral dos descontos efetuados na fonte sobre o rendimento da falecida.

22 - Neste mesmo sentido, cfr. o douto Ac. TRP de 23/10/2014 no processo 148/12.9TBVLP.P1, o ac. do TRP de 31/10/2013, 7794/09.6TBMTS.P1, o ac. do TRL de 26/05/1999, os acórdãos do STJ de 10/05/2012, 451/06.7GTBRG.G1.S2, 16/12/2010, 270/06.0TBLSD.P1.S, de 21/10/2010, 1331/2002.P1.S1, de 07/10/2010, 839/07.6TBPFR.P1.S1, de 30/09/2010, 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 05/11/2009, 381-2002.S1, de 24/09/2009, 09B0037, de 22/01/2009, 07B4242, e de 23/09/2008, 07B2469); todos in www.dgsi.pt.

23 - Ainda que se aceite que possa haver uma redução de ganho efetivo aquando da reforma, muito mais certo é que nessa altura (da reforma da falecida para a qual faltavam mais de 25 anos) o rendimento que a falecida auferiria seria de uma ordem de grandeza muito superior seja pelo fator da inflação seja pela progressão na carreira e ou aumento de produtividade aumento ainda mais previsível sendo a falecida professora do ensino público.

24 - Menos ainda poderia o tribunal recorrido aplicar a percentagem de 68% sobre o valor que a falecida auferiu no ano anterior ao do óbito pois, basta verificar as tabelas salariais aprovadas para a função pública referentes a 2021 em que um professor do ensino básico em final de carreira tem um vencimento base mensal de 3 374,72 €, ou seja, um vencimento base anual de 47.236,00€ a que acresce o subsídio de refeição e seria este o vencimento expectável para a falecida aquando da sua reforma (no mínimo, pois também este sofrerá evolução para mais ao longo dos anos) ao qual poderia ser aplicada a percentagem de 68%.

25 - Não há qualquer vantagem no recebimento imediato da indemnização e, muito menos quando as taxas de referência para depósitos a prazo são praticamente nulas e, como tal não faz sentido a redução do valor indemnizatório. Neste mesmo sentido cfr. o douto Ac. TRP de 27/04/2021 in www.dgsi.pt.

26 - A partir dos 25 anos da filha, o rendimento disponível da falecida passaria a ser dividido por 2 apenas ou seja, o prejuízo do A. marido, a partir dos 25 anos da sua filha, aumentaria de 1/3 para ½ do rendimento auferido pela falecida, facto que não foi considerado pelo tribunal recorrido.

27 - Nestes termos, e considerando a matéria de facto dada como provada, deve ser alterado o douto acórdão recorrido, fixando-se os valores indemnizatórios a título de danos patrimoniais devidos à A. filha nos 117.600,00€ e, os devidos ao A. marido nos 285.600,00€

28 - O Douto acórdão recorrido, viola, o disposto nos artigos 495, 562, 564 e, 566, entre outros, todos do CC. »

11. Por sua vez, a Ré concluiu as suas alegações de recurso nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

« 1. O Tribunal a quo decidiu, face ao recurso interposto, o qual abarcava a reapreciação da matéria de facto, alterar a factualidade dada por provada em 1.ª Instância na parte respeitante ao ponto 21. da matéria de facto dada como provada.

2. No entanto, e em abono da verdade e salvo melhor entendimento, a alteração efetuada, para além de tornar o ponto da matéria factual de mais difícil compreensão, nenhuma outra consequência relevante produz.

3. A douta sentença proferida em primeira instância, e revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que se recorre, constitui um todo coerente e lógico e fez uma correta subsunção da factualidade apurada aos preceitos legais aplicáveis.

4. Da factualidade tida por provada torna-se evidente o acerto da douta decisão proferida em primeira instância, e o patente erro, no que se refere à aplicação do direito, do acórdão que ora se sindica.

5. A ora recorrida baseia o seu direito de regresso, que pretende lhe seja reconhecido, no estatuído na al. d), do nº1, do art.º 27.º, do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, por, sendo o interveniente o único responsável pela produção do acidente que densifica a causa de pedir, circular, no momento da prática dos factos, com a sua carta de condução caducada, por o respetivo titular não ter procedido à sua revalidação.

6. No âmbito do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, o direito de regresso da seguradora emerge do cumprimento da obrigação por aquela para com o lesado, ficando a mesma na posição de credora relativamente ao segurado, a quem incumbirá satisfazer as quantias que tenha liquidado, uma vez verificado o fundamento de tal direito de regresso.

7. Nesse sentido, dispõe art.º 27º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, de entre o mais, que “Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros (…) tem direito de regresso: (…) Contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado (…)”.

8. Prescreve o art.º 123.º, n.º 1, do Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3.05, na versão introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 03 de Setembro (vigente à data dos factos) que “a carta de condução habilita o seu titular a conduzir uma ou mais das categorias de veículos fixadas no RHLC.”.

9. Por seu turno, estipula o art.º 130.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que “o título de condução caduca se: a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período”.

10. Mais acrescenta o seu n.º 5 que “os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido”.

11. Da interpretação concatenada dos preceitos legais acabados de enunciar, à luz dos seus elementos teleológico, sistemático, histórico e relacional (art.º 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil), haverá que concluir que o conceito de “condução sem habilitação legal” para efeitos de direito de regresso da seguradora abrange, não apenas os casos de inexistência originária de título de condução e de cancelamento do título (art.º 130.º, n.ºs 3 e 5 do Código da Estrada), mas também aqueles em que o mesmo haja caducado, nos termos do n.º 1 do referido preceito legal.

12. Excluir do âmbito de aplicação do art.º 27.º, n.º 1, al. d), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, os casos em que o título de condução do segurado haja caducado, abrangendo somente as situações de cancelamento do mesmo – que apenas ocorrerá decorridos cinco anos sobre o prazo de caducidade – significaria reverter por completo a ratio legis do instituto.

13. Se o legislador impôs a necessidade de renovação do título de condução, por determinado motivo, não se pode aceitar a responsabilização da seguradora durante os cinco anos posteriores a tal limite temporal.

14. Subscrevemos o entendimento segundo o qual a seguradora poderá exercer o direito de regresso quando o condutor/segurado não estiver legalmente habilitado para o efeito, independentemente de ter incorrido na prática um crime de condução sem habilitação legal (p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3.01) ou de uma contraordenação de condução com título caducado, p. e p. pelo art.º 130.º, n.º 7, do Código da Estrada.

15. Por outro lado, o exercício do direito de regresso não depende da prova do nexo de causalidade entre a falta de habilitação legal para a condução e o acidente em que interveio o condutor.

16. Neste sentido, relativamente aos casos de condução sem habilitação legal, a fazem depender o direito de regresso apenas da demonstração de dois elementos objetivos:

(i) imputação subjetiva do acidente ao condutor que tenha levado a seguradora a responder perante o lesado, e

(ii) demonstração de que o mesmo não detinha habilitação legal para conduzir.

17. Não se exige a demonstração do nexo de causalidade entre o ilícito e o acidente ou seja, não é necessário à seguradora demonstrar que foi a falta de habilitação legal para conduzir que foi determinante para a ocorrência do acidente.

18. É este o sentido dominante na jurisprudência do STJ, que entende – e bem – que a seguradora, para fazer valer o direito de regresso em caso de falta de habilitação legal do condutor, não tem de provar o nexo de causalidade adequada entre a falta de carta e o acidente.

19. O douto acórdão recorrido violou, entre outras normas, os artigos 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21.08, 123.º, n.º 1 e 130.º do Código da Estrada e 9.º do Código Civil.

NESTES TERMOS,

Concedendo provimento ao presente recurso, revogando o douto acórdão recorrido em conformidade, com o exposto, ou seja, reconhecendo à recorrente o direito de regresso sobre o interveniente pelos valores indemnizatórios que venha a pagarem consequência do factos e questões versados nos autos, (…). »


12. A R. respondeu ainda (em contra-alegações) às alegações do recurso do A., pugnando pela improcedência do mesmo.


13. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***


II - Fundamentação

1. Do objeto dos recursos.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, e 679º do CPC).

Como vem, também, sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações dos sobreditos recursos (independentes dos AA. e da R.), verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Da fixação do valor do quantum indemnizatório a atribuir aos Autores pelo dano morte/perda do direito à vida da falecida CC e pelos danos morais/não patrimoniais sofridos pela mesma (durante os momentos que precederam o seu decesso) e pelos danos patrimoniais (futuros) sofridos por cada um daqueles em consequência do falecimento daquela sua mulher e mãe (questão referente ao objeto do recurso dos AA.);

b) Do direito de regresso da Ré - relativamente ao reembolso das importâncias que venha a ser condenada a pagar - sobre o Interveniente EE, condutor do veículo automóvel que causou o acidente de viação e em si segurado (questão referente ao objeto do recurso independente da R).


***


2. Dos Factos.

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos assinalando-se no local próprio a alterações que foram introduzidas pelo acórdão 2ª. instância na sequência da apreciação impugnação da decisão de facto que foi objeto dos recursos de apelação - (mantendo-se os termos, a ordem da sua descrição e sua a ortografia):

1. No dia .../.../2015, pelas 12:55 horas, na Estrada ..., cerca do número de polícia ...73 em ..., ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes:

a) O veículo de matrícula ..-DA-.., propriedade de FF e, na altura conduzido por EE;

b) O veículo de matrícula ..-..-TE, na altura estacionado na via supra referida;

c) CC, na qualidade de peão;

d) GG, na qualidade de peão;

2. O proprietário do ..-DA-.., havia transferido para a R. a responsabilidade civil por danos causados a terceiros na condução por aquele veículo, através de contrato de seguro válido e plenamente eficaz à data do sinistro, o qual se achava titulado pela apólice número ...26 (Doc. junto a fls. 89 e 90, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

3. A via atrás referida, no local do sinistro apresenta-se em reta e, atento o sentido V... / G..., com inclinação ascendente;

4. Naquele local, tinha dois sentidos de marcha separados por linha dupla longitudinal contínua inscrita no pavimento e, ainda barreiras verticais;

5. Cada sentido de marcha tinha uma via e zona para estacionamento;

6. O veículo ... encontrava-se estacionado do lado direito da via atento o sentido V.../G...;

7. Antes do embate, o veículo ... circulava pela Estrada ..., no sentido G.../V...;

8. O sinistro ocorreu em frente de uma escola pública;

9. Pouco mais à frente existia sinalização de perigo assinalando a presença de local para travessia de peões, designadamente utentes da referida escola;

10. Assim como à aproximação da escola e da passadeira existiam bandas sonoras transversais inscritas no pavimento atento o sentido de marcha do DA;

11. O Autor era casado com CC desde 7 de Dezembro de 1997 (Doc. junto a fls. 89 e 90, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

12. A Autora BB nasceu em .../.../2004 (Doc. junto a fls. 89 e 90, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

13. A CC, encontrava-se junto do veículo ..-..-TE, mais precisamente junto da traseira do mesmo, encontrando-se a GG na lateral do veículo com vista a aceder à porta do condutor;

14. Sucede que, quando se encontravam nessa posição, inesperadamente, sem que nada o fizesse prever foram os ditos peões e veículo TE violentamente embatidos pelo DA;

15. Em determinado ponto do seu percurso, o condutor do DA perdeu o controle do mesmo, guinando à sua esquerda após o que, o veículo entrou em capotamento galgando a linha contínua inscrita no pavimento e que separava os sentidos de trânsito;

16. Acabando por embater violentamente no TE e na CC e, tombou sobre a GG;

17. O veículo TE foi embatido na sua lateral esquerda (lado condutor) pela frente esquerda do DA e, foi projectado para o seu lado direito acabando em cima do passeio pedonal desse lado da via;

18. A CC foi projectada para trás acabando por cair desamparada no chão;

19. O veículo TE, em virtude do embate ficou com as rodas do lado direito (lado passageiro) em cima do passeio assim como com a roda traseira do lado esquerdo e, encostado ao muro de vedação ali situado;

20. O veículo seguro na R. acabou imobilizado na via ocupando a faixa destinada a estacionamento do lado direito da Estrada ... atento o sentido V.../G... ou seja, junto ao passeio do lado oposto ao que levava e, com o rodado da frente direita (lado do passageiro) junto do mesmo e virado no sentido oposto ao que levava;

21. O condutor do DA era condutor habilitado para a condução de veículos ligeiros, que foi apreendida com fundamento em que o respetivo titular não ter procedido à sua revalidação. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “O condutor do DA era condutor habilitado para a condução de veículos ligeiros, tendo sido considerado apto para conduzir, mas não tinha revalidado a licença de condução”);

22. A CC era casada com o A. AA e mãe da A. BB, seus únicos herdeiros;

23. Dada a violência do embate e suas circunstâncias, acarretou para a CC gravíssimas consequências, que culminaram no seu falecimento;

24. A falecida CC, nada pode fazer para evitar o embate tal a rapidez com que surgiu o DA e tudo ocorreu;

25. Nos 15 a 20 minutos que se seguiram ao acidente sofreu medo e angústia. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “Sofreu, durante o tempo em que sobreviveu, o medo e angústia de saber que podia morrer, o que aconteceu, e deixar a filha menor e marido”);

26. A CC faleceu apenas às 15:25 horas do dia .../04/2015 mais de 2,5 horas após o embate;

27. Durante esse tempo sofreu dores graves e gemeu. (Na sentença da 1.ª instância este ponto continha a seguinte redação: “Durante esse tempo sofreu dores graves e gemeu”);

28. Foi-lhe prestada assistência e cuidados de reanimação sendo que, o falecimento ocorreu já no Hospital ... onde entrou às 14:56h;

29. À data do acidente a vítima tinha 41 anos de idade;

30. Era uma pessoa saudável, alegre e muito activa;

31. Frequentava convívios, festas com amigos e familiares;

32. Era muito amiga da família a quem dedicava todo o apreço e carinho, sentimentos que lhe eram correspondidos;

33. Sofreram os AA., enorme desgosto e abalo pela perda do seu ente querido, esposa e mãe;

34. A falecida e os AA viviam juntos, partilhando as alegrias e tristezas do dia a dia;

35. O casamento tinha 17 anos de duração;

36. A BB tinha apenas 11 anos de idade à data do acidente;

37. Viu-se sem mãe numa idade que tanto dela necessitava;

38. Também o A. AA, sofreu um enorme e profundo abalo psicológico;

39. A falecida mãe e esposa dos AA era professora e auferia um rendimento anual da ordem dos 24.620,21€;

40. O rendimento da falecida era essencial para o bem-estar do agregado familiar;

41. A A. BB era e é menor em idade escolar pelo que, necessitava e necessitaria da mãe para, além de alimentação e vestuário, que lhe pagasse os estudos;

42. A falecida era pessoa muito poupada e económica, não bebia, não fumava, só gastava o estritamente necessário;

43. Era expectável que a BB ainda dependesse da mãe por mais 14 anos (11 – 25);

44. O A. marido beneficiaria do rendimento da falecida mulher pelo menos até aos 75 anos;

45. Há vários anos que se encontrava em situação de desempregado.

46. No sentido de marcha G...-V... existe uma passadeira, para a frente, a menos de 30 metros do portão da escola;

47. Em frente ao portão da escola existe um gradeamento a separar o passeio da Estrada ...;

48. Esse gradeamento prolonga-se desde o portão da escola quase até à passadeira;

49. As vítimas, desempenhavam ambas, na altura da ocorrência dos factos, as funções de docentes no estabelecimento de ensino existente no local;

50. Por força deste acidente, a CGA pagou ao cônjuge A. a título de pensão por morte, até 2021-01-31, a importância de €45.237,65 e à filha A. a importância de €30.158,47.


***


3. Do Direito.

3.1 Quanto à 1ª. questão.

- Da fixação do valor do quantum indemnizatório a atribuir aos Autores pelo dano morte/perda do direito à vida da falecida CC e pelos danos morais/não patrimoniais sofridos pela mesma (durante os momentos que precederam o seu decesso) e pelos danos patrimoniais (futuros) e não patrimoniais sofridos por cada um daqueles em consequência do falecimento daquela sua mulher e mãe (referente ao recurso dos AA.).

3.1.1 Importa, antes de mais, começar por lembrar que nos encontramos no domínio da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, decorrente de um acidente de viação, do qual foi exclusivamente responsável o Interveniente (EE), condutor do veículo automóvel segurado na Ré e no qual se viu envolvida (enquanto peão) a identificada CC (mulher e mãe, respetivamente, do A. e da A.), e do qual resultou tragicamente a morte da última.

Responsabilidade essa que, como se sabe, se encontra disciplinada no artºs. 483º e ss., do Código Civil (diploma a esse ao qual nos referiremos sempre que doravante mencionarmos somente o normativo sem a indicação da sua fonte).

Dispõe-se nesse normativo legal que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Extrai-se, assim, desde logo, desse preceito legal que são pressupostos legais dessa responsabilidade a existência de um facto voluntário do agente, que o mesmo seja ilícito, que haja um nexo de imputação desse facto ao agente (culpa), que desse facto resulte um dano e, por fim, que se verifique um o nexo de causalidade entre esse o facto e o dano. (cfr. por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. ed., revista e actualizada, pág. 444 e ss.).

Pressupostos esses cujos ónus de alegação e prova impende ao lesado (artº. 342º, nº. 1), a não ser que beneficie de uma presunção legal (artº. 350º, nº. 1), o que a acontecer transfere para o lesante o ónus de ilidir essa presunção (artº. 350º, nº. 2). No que concerne à culpa, ou seja, no que diz respeito ao pressuposto do nexo de imputação do facto ao agente, esse ónus de prova imposto ao lesado é ainda especificamente reforçado pelo artº. 487º.

Dada a pacificidade (na doutrina e jurisprudência) sobre tal matéria, não iremos perder-nos na dissecação de cada um desses conceitos legais, tanto mais que na presente revista (dos AA.) o que verdadeiramente discute é – para além do direito do regresso da R. sobre aquele interveniente (revista da R.) – somente a quantificação/valorização indemnizatória dos daqueles danos acima referidos (que mais adiante melhor discriminaremos, e cuja existência e direito de ressarcimento sobre eles não se discute), pois que ficou definitivamente resolvido/decidido que a produção do dito acidente, da qual resultou a morte da mulher e a mãe dos AA., se ficou a dever exclusivamente à conduta culposa daquele condutor do veículo segurado na Ré.

Mesmo assim, não resistimos em deixar, desse já, umas breves notas preliminares no que concerne à obrigação de indemnizar imposta ao lesante pelos danos advenientes para o (s) lesado (s) decorrentes da conduta do primeiro.

Como regra, nos termos do artº. 562º. o objetivo da indemnização consiste em colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fora o acontecimento produtor do dano, desde que este seja resultante desse evento em termos de causalidade adequada.

Tal resultado deve ser procurado, em primeiro lugar, pela reposição da situação tal como estava antes da produção do dano - princípio da restauração natural.

Todavia, não raras vezes essa reposição apresenta-se muito difícil ou mesmo impossível (como acontece no caso dos danos não patrimoniais), tendo lugar então a indemnização em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Ou seja, como decorre dos normativos legais acabados de citar, vigora entre nós o princípio da restauração ou reposição natural, traduzido na imposição para o lesante da obrigação de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, no dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Ou melhor ainda, tal reparação do lesado deve, em princípio, ser feita através da restauração ou reposição natural, só devendo a mesma ser realizada em dinheiro sempre que tal reconstituição (natural) não seja possível, não repare integralmente o dano ou se mostre excessivamente onerosa para o devedor.

Como resulta do artigo 563º, tal obrigação de reparação supõe a existência de um nexo causal entre o facto e o prejuízo. Porém, o nexo de causalidade (adequada) exigido entre o dano e o facto não deverá excluir a ideia de causalidade indireta – que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste (vide, por todos, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in «Ob. cit., pág. 548»).

O montante da indemnização medir-se-á pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (nº. 2 do artº. 566º, que consagra a chamada teoria da diferença).

Como decorre do artº. 564º, o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, ou seja, os danos emergentes - que alguns designam com alguma impropriedade também de presentes - como também os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, os lucros cessantes, sendo que nos termos do nº. 2 daquele mesmo normativo na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; e se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.

São por demais consabidas as dificuldades que existem em tal domínio (de cálculo do montante indemnizatório), devido à ausência de regras legais que enunciem objetivamente os critérios (legais) a seguir, e daí que em tais situações, e particularmente naquelas em que não possa ser averiguado o valor exato dos danos a lei mande julgar à luz da equidade, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança ou de probabilidade à luz de cada caso concreto. (artº. 566º, nº. 3).

Diga-se a esse respeito - e como constitui jurisprudência consolidada nos nossos tribunais superiores, e particularmente neste Supremo Tribunal -, que no que concerne à reparação do dano na responsabilidade civil extracontratual resultante da circulação de veículos automóveis, como sucede in casu, os critérios e valores constantes da Portaria nº. 377/2008, de 26/05, com ou sem as alterações introduzidas pela Portaria nº. 679/2009, de 25/06, não vinculam os tribunais, pois que têm exclusivamente em vista a elaboração de proposta pela empresa seguradora, visando a regularização extrajudicial de sinistros, e daí que, nesse domínio, os tribunais continuem adstritos à regras e princípios insertos no Código Civil. (Cfr., a propósito, e por todos, Acs. do STJ de 19/09/2019, proc. nº. 2707/17.6T8BRG.G1.S1, e de 21/06/2022, proc. nº. 1663/14.4T8GMR.G1.S, disponíveis em www.dgsi.pt).

Como decorre do que se deixou exposto, os danos indemnizáveis são tanto os danos que assumam natureza patrimonial, como também aqueles se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só quanto a estes últimos que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º).

Diga-se ainda, por último, que é hoje insofismável e pacífico que, em caso de acidente de viação de que resultou a morte da vítima, assiste aos seus familiares-herdeiros o direito de serem indemnizados pelo dano da perda do direito à vida e pelos danos morais/não patrimoniais sofridos pela mesma - durante os momentos que precederam o seu decesso após a produção do acidente – (num direito que se lhes transmite, naquela qualidade) e pelos danos não patrimoniais e patrimoniais (futuros) - sofridos por perdas ou privação de rendimentos/alimentos que beneficiavam em vida daquela, independentemente, particularmente quanto aos últimos, da tese que se perfilhe sobre a velha vexata quaestio de saber se a aquisição desse direito de indemnização de processa por via sucessória (tese do prof. Vaz Serra) ou se consubstancia num direito próprio, de matriz excecional – tese do prof. A. Varela, que atualmente se apresenta como a dominante - (cfr. artºs. 495º, nº. 3, 496º, nºs. 2, e 4, 2024º, 2031º, 2132º, 2133º, nº. 1 al. a), 2009, nº.1 als. a) e c), 2003º, nºs. 1 e 2, 1672º, 1675º, nº. 1, 1676º, nº. 1, 1874º, 1878º, nº. 1, 1879º, 1880º e 1885º, e no que concerne à discussão sobre a referida fonte de aquisição, e para maior desenvolvimento, que o caso aqui não impõe, vide, entre outros, Acs. do STJ de 07/10/2003, proc. 03A2692, e de 29/01/2008, proc. 07B4397, disponíveis em www.dgsi.pt, e o prof. Capelo de Sousa, in “Lições de Direito das Sucessões, Vol. I, pág. 297”).

3.1.2 Postas estas breves considerações de cariz geral sobre a obrigação de indemnizar os danos decorrentes da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, e que, in casu, emergiram de um acidente de viação - pela produção do qual foi, como já deixámos expresso, único responsável o condutor do veículo automóvel segurado na R. -, é altura de nos centrarmos na 1ª. questão acima colocada (referente recurso dos AA.) e que tem a ver com a fixação dos montantes indemnizatórios, a pagar pela R., pelos vários danos (de que já acima demos nota, e cuja existência e direito aqui não se discute ou coloca em causa) sofridos quer pela própria falecida, quer (autonomamente) pelos próprios AA., e que estes têm direito a receber.

Começaremos pelos danos não patrimoniais/morais e depois pelos danos patrimoniais, e quanto aos primeiros os sofridos pela falecida, e que iremos discriminando.


3.1.2.1 Quanto ao dano pela perda do direito à vida da falecida CC.

Na sentença da 1ª. instância fixou-se o montante indemnizatório por esse dano (perda do direito à vida pela falecida) em € 95.000,00 (valor esse não atualizado), enquanto a 2ª. instância/Relação (no acórdão recorrido) reduziu esse montante para a quantia de € 85.000,00 (atualizado à data prolação do acórdão), que depois atribuíram em montantes iguais a cada um dos AA. .

Neste seu recurso de revista os AA. defendem que esse montante deve ser fixado naquele que foi estipulado perla 1ª. instância, ou seja, na quantia global de € 95.000,00 (depois de inicialmente, ou seja, no articulado inicial da ação pugnarem pelo montante de € 100.000,00), defendendo a R., nas sua contra-alegações, a manutenção daquele montante fixado pela Relação.

Qual então o montante ajustado para indemnizar o referido dano?

Vejamos.

Como decorre do supra assinalado, o dano morte/perda do direito à vida constitui um dano indemnizável autonomamente, que se radica na esfera do de cujus e que depois se transmite (em conjunto) aos seus herdeiros referidos no nº. 2 do artº. 496º. (Vide, por todos, Ac. do STJ de 10/05/2017, proc. nº. 131/14.GBBAO.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

A vida representa o bem supremo do ser humano - com proteção constitucional, como bem inviolável (artº. 24º, nº. 1, da CRPort.) – e como tal a sua perda deverá (enquanto dano) ser condignamente compensada.

A esse propósito, debruçando-se sobre indemnização pela do direito à vida, escrevia o prof. Leite Campos (in “BMJ nº. 365, págs. 5 e ss.”) “atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica. O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros. (…)”.

A dificuldade do seu cálculo, resulta, desde logo, do facto do legislador não ter fixado (e porventura bem) padrões objetivos indemnizatórios, mas apenas princípios gerais, como decorre da conjugação do disposto do artº. 496º, nº. 4, com o dispôs no artº. 494º, e dos quais ressalta o princípio da equidade, complementado, com o grau de culpa do agente, da situação económica deste e das demais circunstâncias casuísticas.

Assim, no cálculo desse dano, assentando sempre, como vimos, num juízo de equidade, não poderemos, in casu, deixar de tomar ainda particularmente em atenção, por um lado, que a falecida em nada contribuiu para a produção do acidente do qual veio a resultar a sua morte, e, por outro, a situação de superioridade económica em que, presumidamente, se encontra a ré em relação aos autores.

Por outro lado ainda, não poderemos neste caso deixar de atender (não obstante estarmos a falar de um bem absoluto, como é o direito à vida, e como tal poder afirmar-se, como princípio geral, que ele existe independentemente da idade etária da pessoa) que a falecidas CC tinha então 41 anos de idade.

Ora, considerando (segundo os danos estatísticos fornecidos pelo site do INE – Estatísticas Demográficas) a esperança média de vida da mulher portuguesa rondava então, à data do acidente, os 83 anos (e mais concretamente 83,41), tal significa que nessa altura a falecida CC tinha então, em termos de prognose, um significativo tempo de esperança de vida, e mais concretamente a rondar os 41 anos, ou seja, expectavelmente encontrava-se então sensivelmente ao “meio do seu tempo de vida”, sendo então uma pessoa saudável, feliz/alegre, com família constituída, com um agregado familiar composto pelo seu marido e uma filha menor, e estabilizada ainda profissionalmente (cfr., nomeadamente, os conjugados pontos de facto nºs. 29 a 32 e 34 a 36, e 39).

Assim, sopesando todas as considerações e circunstâncias supra descritas, afigura-se-nos, ajustado, in casu, o montante de € 95.000,00 (fixado pela 1ª. instância e ora reclamado pelos AA.) de indemnização pelo dano da perda do direito à vida pela falecida CC, mulher e filha dos AA., e já devidamente atualizado à data da presente decisão/acórdão.

Montante esse (que, a nosso ver, a pecar será por defeito) a atribuir, em partes iguais ao A., marido, e à A., filha, pois que não vislumbramos razões suficientemente relevantes que levem a fixar uma distribuição diferente, sendo certo que (como bem se defendeu no Ac. do STJ de 08/06/2021, proc. nº. 2261/17.7T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt) a expressão “em conjunto” empregue no nº. 2 do artº. 496º não afasta que a repartição do montante indemnizatório ali fixado para os familiares-herdeiros nele referidos possa ser aritmeticamente diferente, se os elementos probatórios de facto a tal aconselharem/exigirem à luz da justiça do caso concreto (o que não sucede no caso em apreço).

Nessa medida se julga procedente o presente recurso de revista dos AA., e se revoga o acórdão recorrido.


3.1.2.2 Quanto aos danos morais/não patrimoniais sofridos pela falecida CC (durante os momentos que precederam o seu decesso).

É também pacífico o entendimento de no caso de falecimento da vítima haver lugar à indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos pela mesma durante o período de tempo que precedeu ao seu decesso (também vulgarmente designado por “dano intercalar”).

Danos esses que, na sua essência, se traduzem no sofrimento físico e psicológico de que alvo após o acidente e até ao seu falecimento (pressupondo, naturalmente que ela tenha perceção do mesmo).

Indemnização essa que se trata também de um dano próprio que radica na sua esfera jurídica e cujo direito se transmite depois, por via sucessória, ao seus sobreditos familiares-herdeiros.

Muito embora, como já deixámos exarado, não esteja aqui em discussão a existência desse dano e a obrigação de o indemnizar, mas tão só a fixação do seu quantum indemnizatório, importa, todavia, deixar umas mais breves considerações (em acrescento em enfatização daquelas já supra já referenciadas) de caráter geral sobre os danos não patrimoniais (sem olvidar a especificidade daqueles aqui em causa), e que julgamos de alguma utilidade para a resposta a dar à questão em apreço, e sobretudo também já a pensar (e para evitar cair em futuras repetições) quando mais adiante apreciarmos essa mesma questão no que concerne aos danos não patrimoniais sofridos prelos próprios AA. .

Como é sabido, e já se deixou referido, para além dos danos patrimoniais, são também suscetíveis de indemnização os danos que se revistam de natureza não patrimonial, exigindo-se tão só que eles que tenham gravidade suficiente de modo a merecer a tutela de direito (artº. 496º, nº. 1), sendo essa gravidade medida por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos e que caberá, desse modo, ao tribunal, em cada caso concreto, dizer se o dano (não patrimonial) é ou não merecedor de tutela jurídica.

Mostrando-se impossível a reparação/restauração (natural) de tais danos, o seu ressarcimento só poderá ocorrer por via da indemnização/compensação em dinheiro (cfr. artº. 566º, nº. 1).

Na verdade, e como afirma o prof. Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Ed., pág. 15”, “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano e compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado umpreço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal”. (Infelizmente neste caso essa satisfação não poderá ser usufruída pela vítima, devido ao facto de ter entretanto falecido, o que irá acontecer pelos AA., seus herdeiros).

Não fornecendo a lei critérios normativos concretos que fixem o seu montante indemnizatório e dada a consabida dificuldade em o fazer, o legislador fez, por isso, assentar a sua quantificação através do recurso à equidade (cfr. artºs. 496º, nº. 4, e 494º, 566º, nº. 3, e 4º), constituindo, porém, entendimento prevalecente, que se deverá atender para o efeito, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, devendo ser proporcional à gravidade do dano e tomando em conta na sua fixação todas as regras da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, e sem perder de vista a peculiaridade de que se reveste o caso concreto (vide, por todos, os profs. Pires Lima e Antunes Varela, in “Ob. cit., págs. 473/474”, e Acs. do STJ de 17/12/2019, proc. 2224/17.2T8BRG.G1.S1, de 17/12/2019, proc. 480/1.TBMMV.C1.S2, de 02/12/2013, proc. 1110/07.9TVLSB.L1.S1, e de 02/06/2016, proc. 6244/13.8TBVNG.P1.S1, disponíveis in dgsi.pt).

Como escreve Maria Veloso (in “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, Vol. III, Direito Das Obrigações, pág. 542”), nesse cálculo a natureza e a intensidade das lesões devem servir como “factor-base da ponderação”.

Danos esses que, como se extrai do acima exposto, devem ser condignamente compensados, como, aliás, vem sendo a afirmado neste mais alto tribunal, e cujo entendimento vem, sobretudo nos últimos tempos, grassando, numa espiral crescente, nos nossos tribunais.

Posto isto, qual será então o montante ajustado para indemnizar os referidos danos morais/não patrimoniais sofridos pela falecida CC?

Na sentença da 1ª. instância fixou-se o montante indemnizatório por esses danos em € 20.000,00 (valor esse não atualizado), enquanto a 2ª. instância/Relação (no acórdão recorrido) reduziu esse montante para a quantia de € 10.000,00 (atualizado à data prolação do acórdão), que depois atribuíram em montantes iguais a cada um dos AA. .

Neste seu recurso de revista os AA. defendem que esse montante deve ser fixado naquele que foi estipulado perla 1ª. instância, ou seja, na quantia global de € 20.000,00 (defendendo a R., nas sua contra-alegações, a manutenção daquele montante fixado pela Relação).

Quid iuris?

Considerando (sobretudo):

Estar aqui particularmente em causa, na apreciação desses danos, o sofrimento físico e psicológico de que padeceu a infeliz CC, no período que decorreu entre o acidente e o seu falecimento, devido às lesões decorrentes daquele;

Que esse período correspondeu a cerca de 2,5 horas (p. 26);

Que nesse período, sofreu dores graves e gemeu (cfr. p. 27 e resposta restritiva dada pela 2ª. instância àquela dada pela 1ª.);

Que durante, pelo menos, os 15 a 20 minutos que se seguiram ao acidente a referida CC sofreu medo e angústia (cfr. p. 25. e resposta restritiva dada pela 2ª. instância àquela que fora dada pela 1ª.), sendo, de a acordo com as regras da experiência comum, de admitir que tenha então representado a sua própria morte, face às lesões sofridas e ao estado em que se encontrava.

Que foi alvo de cuidados de reanimação (p. 28)

Que se extrai desses factos que tal sofrimento (físico e psicológico) perdurou apenas durante um (relativo) curto período de tempo (pelo menos em estado de consciência);

Que a falecida em nada contribuiu para o acidente;

A, presumível, superioridade económica da Ré.

As considerações de cariz teórico-técnico acima referenciadas sobre a indemnização dos danos não patrimoniais;

Afigura-se-nos, assim, num juízo equitativo de ponderação global de todas essas circunstâncias, ajustado, in casu, o montante de € 15.000,00 de indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos falecida CC, mulher e filha dos AA., e já devidamente atualizado à data da presente decisão/acórdão.

Montante esse a atribuir, em partes iguais ao A., pai, e à A., filha, pelas mesmas razões que se deixaram atrás exaradas aquando da fixação da indemnização pela perda do direito à vida por aquela sua mulher e mãe.

Nessa medida julga-se parcialmente procedente o presente recurso de revista dos AA., e se revoga o acórdão recorrido.


3.1.2.3 Quanto aos danos morais/não patrimoniais sofridos pelos AA. .

Importa, agora, fixar o quantum/valor da indemnização aos AA. pelos danos não patrimoniais que sofreram em consequência da morte da referida CC, respetivamente, mulher e mãe do A. e da A. .

Como ressalta do que acima deixámos aludido, trata-se de um dano próprio e que radica na esfera jurídica de cada um deles, e que, pela sua gravidade, merece indiscutivelmente a tutela do direito (cfr. artº. 496º, nºs. 1, 2 e 4), cuja obrigação de indemnização não está aqui em discussão, mas tão só, como vimos, o montante dessa sua indemnização, e cujos critérios de cálculo, assentes num juízo de equidade, já atrás também deixámos referenciados (e para os quais nos remetemos).

Na sentença da 1ª. instância fixou-se o montante indemnizatório por esses danos em € 40.000,00 (valor esse não atualizado) para cada um dos AA., enquanto a 2ª. instância/Relação (no acórdão recorrido) reduziu esse montante para as quantias de € 30.000,00 e € 35.000,00 (atualizadas à data prolação do acórdão), respetivamente, para o A. marido e para a A. filha.

Neste seu recurso de revista os AA. defendem que esse montante deve ser fixado naquele que foi estipulado perla 1ª. instância, ou seja, na quantia de € 40.000,00 para cada um deles (defendendo a R., nas sua contra-alegações, a manutenção daqueles montantes fixados pela Relação).

Que dizer?

A dificuldade que configura a quantificação de tais danos (enquanto danos não patrimoniais) já supra a deixámos assinalada.

No caso estamos a falar de um dos danos não patrimoniais mais significativos (para além da perda do direito à vida que acima já analisámos) e que, no fundo, tem a ver com a dor pela perda do ente que, em termos de laços familiares e biológicos, nos é normalmente dos mais queridos, ou seja, da dor sofrida pela perda de uma mulher/esposa e de uma mãe.

Dano esse que, por isso, se revela, normalmente, extremamente doloroso (do ponto de vista espiritual).

In casu estamos perante duas pessoas, a A. e o A., que precocemente se viram privados, respetivamente, da sua mãe e da sua mulher/esposa, de 41 anos de idade, numa  altura em que a primeira tinha apenas 11 anos de idade e o segundo 40 anos (como se extrai do assento do nascimento da primeira junto aos autos, não impugnado), num casamento que perdurava já há 17 anos, compondo todos um agregado familiar que vivia feliz, com amor e carinho que uns nutriam pelos outros, e numa altura que dela muito precisavam, tal como se extrai das conjugação dos factos provados descritos sob os pontos 22., 23., 29., 30 a 38., donde não será difícil concluir, de acordo com as regras da experiência comum, que  cada um dos AA. sofreu um forte abalo psicológico como a morte daquele seu ente.

Sendo assim, e na ponderação de todas essas circunstâncias, afigura-se-nos, no juízo equitativo, ajustado fixar em € 40.000,00 o montante da indemnização pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por cada um dos AA., - não vislumbrando, in casu, razão para estabelecer uma diferenciação nesse montante indemnizatório -, e que é já devidamente atualizado à data da presente decisão/acórdão.

Nessa medida se julga procedente o presente recurso de revista dos AA., e se revoga o acórdão recorrido.


3.1.2.4 Quanto aos danos patrimoniais sofridos pelos AA.

Como decorre do disposto no nº. 3 do artº. 495º, em caso de morte (ou lesão corporal), tem direito a indemnização aqueles podiam exigir alimentos do lesado.

Com escrevem os profs. Pires de Lima e A. Varela (in “Ob. cit., pág. 471”), consagra-se ali “uma exceção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação da disposição legal tem direito à indemnização, e não apenas os terceiros que apenas reflexa ou indirectamente sejam prejudicados”.

E daí a tese prevalecente de considerar titulares de um direito (excecional) próprio aqueles que estão nas condições legalmente previstas, nomeadamente aqueles que vêm exigir uma indemnização devido ao falecimento daquele que lhes prestava alimentos ou de quem lhos podiam exigir.

Constitui hoje entendimento dominante que a indemnização a que se alude no nº. 3 do citado artº. 495º tem como critério não tanto a necessidade e a medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artºs. 2003º, nº. 1, e 2004º, mas a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efetivamente prestando ou que poderia eventual prestar (vg. em termos de alimentos) não fora a lesão sofrida, e daí que não se imponha ao peticionante dessa indemnização a prova da efetiva prestação de alimentos, e/ou do seu montante, por parte do falecido, ou sequer da necessidade dos mesmos, mas tão só que se encontra entre o leque de pessoas que poderiam exigir alimentos do último. (Neste sentido, vide, entre outros, Acs. do STJ de 26/11/2015, proc. nº. 598/04.4TBCBT.G1.S1, e de 10/05/2017, proc. nº. 131/14.OGBBAO.P1.S1,  disponíveis em www.dgsi.pt).

Em idêntico sentido aponta também o prof. A. Varela (citado também no acórdão recorrido) quando refere que “se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível, nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrinal geral do n.º 2 do artigo 564º. (in “Direito das Obrigações, 9ª. Ed., pág. 647” e ainda o prof. Vaz Serra, R.L.J., ano 108º, pág. 184”).

Assim, como ressalta do citado nº. 3 do artº. 495º, e acentua no Ac. do STJ de 17/02/2009 (proc. nº. 08A2124, disponível em www.dgsi.pt) a obrigação de indemnização dos danos patrimoniais aos familiares da falecida reduz-se praticamente aos alimentos (cfr., em idêntico sentido, ainda Ac. do STJ de 13/04/2011, proc. nº. 418/06.5TBMNC.G1.S1, e Ac. do STJ de 10/05/2017, proc. nº. 131/14.GBBAO.P1. S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Indemnização essa que os AA. estão em condições de exigir, por o A. e a A. serem respetivamente, marido e filha (menor) da falecida, e a que, esta última estava obrigada prestar, no que concerne ao primeiro, como decorrência do dever assistência – que, como se sabe, abrange a obrigação dos cônjuges prestarem alimentos e de contribuírem para os encargos normais da vida familiar, enquanto durar, pelo menos, a sociedade conjugal – (cfr. artºs. 1672º, 1675º, 1676º, 2015º, e 2009º, nº. 1 al. a) – e no que concerne à segunda como decorrência das responsabilidades parentais a que estão sujeitos os progenitores – e que envolvem, além do mais, a obrigação de prover pelo sustento, saúde e educação/instrução dos filhos até atingirem a sua maioridade, mas que pode prolongar-se para depois, vg. até aos 25 anos, ou seja, até que completem o processo da sua educação ou da sua formação profissional – (cfr. artºs. 1874º, 1877º, 1878º, nº. 1, 1879º, 1880º e 1885º e 1905º, nº. 2, 2003º e 2009º, nº. 1 al. c)).

E com isso, e como ressalta do que supra já se deixou referenciado, estamos a falar de danos patrimoniais futuros, embora circunscritos aos alimentos que, neste caso, os AA. deixaram de beneficiar/usufruir por via da morte daquela sua mulher e mãe, ou seja, e por outras palavras, do contributo económico daquela para a economia do agregado familiar em que todos se integravam/viviam, e tanto mais que o A. marido se encontrava então desempregado.

Posto isto, qual então o montante indemnizatório a atribuir a cada um dos AA. pelo referido dano patrimonial?

Na sentença da 1ª. instância, por esse dano, atribuiu-se ao A. o montante indemnizatório de € 273.260,00, e à A. o montante de € 103.395,00, enquanto a 2ª. instância/Relação (no acórdão recorrido) reduziu esses montantes indemnizatórios, respetivamente, para as quantias de € 156.167,00 e de € 70.258,00 (não atualizados, em ambas as situações). Refira-se, desde já, que sobre essas quantias indemnizatórias, e bem assim sobre aquelas referentes aos restantes danos acima discriminados, ambas as instâncias, deduziram as importâncias globais que entretanto a CGA pagou ao A. marido e à A. filha, respetivamente, de € 45.237,65 e de € 30.158,47, e daí que os montantes finais indemnizatórios, que na parte final dispositiva das respetivas decisões a Ré lhes foi condenada pagar, refletem já essa dedução.

Por sua vez, neste seu recurso de revista os AA. defendem que esses montantes indemnizatórios devem ser fixados em € 285.600,00 e em € 117.600,00, respetivamente, para o dano (patrimonial) sofrido pelo A. marido e pela A. filha (defendendo a R., nas suas contra-alegações, a manutenção daqueles montantes fixados pela Relação).

Vejamos, então quais os montantes indemnizatórios que se nos afiguram ajustados, e tendo em conta o que supra já se deixou exarado a esse propósito.

Já acima deixámos expressas as dificuldades, e razão de ser delas, com que nos defrontamos no cálculo indemnizatório de tal dano, e bem como dos demais antes apreciados, mandando a lei julgar, de acordo com a equidade quanto não possa ser averiguado o valor exato dele, embora sem deixar de ter em conta critérios de verosimilhança e/ou de probabilidade à luz de cada caso concreto.

Nessa medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida (Claus Canaris, in “O Pensamento Sistemático e o Conceito de Sistema na Ciência do Direito”).

A equidade deve ser a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, devendo, o julgador ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr., entre outros, Ac. do STJ de 10/12/98, in “CJ, Acs. do STJ, Ano VI, T1 – 65” e os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 474”).

E nessa medida, é de repudiar/afastar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como as determinadas por fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras, entre outras, que deverão, quando muito, servir de meios auxiliares de orientação com vista a atingir a tal desiderato equitativo de indemnização do dano. (Cfr., por todos, o Ac. do STJ de 10/05/2017, já acima referenciado, e bem como a demais jurisprudência nele citada).

Como bem se referiu na 1ª. instância, com a concordância da 2ª. instância, constitui hoje entendimento prevalecente nos tribunais superiores, e particularmente neste, que indemnização pela frustração dos alimentos (enquanto dano futuro) deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não receberá do falecido e que se extingue, no caso do cônjuge, no termo do período que, provavelmente, viveria, não fora o acidente que o vitimou e, quanto ao descendente, no momento em que este, previsivelmente, irá concluir a sua formação académica, com o limite máximo dos 25 anos.

Como igualmente vem constituindo entendimento prevalecente no computo dessa indemnização, e do cálculo capital produtor do rendimento, relativo a esse específico dano deve atender-se, por um lado, ao período da esperança média de vida da vítima prestadora de alimentos, quer daquele que deles beneficiava (estamos neste caso a referirmo-nos particularmente aos cônjuges) e, por outro, lado à medida da contribuição da vítima para as despesas da economia do agregado familiar, sendo que na falta de elementos concretos se vem presumindo/ficcionando, em termos de equidade, que essa medida se traduz em 2/3 do rendimento anual por si auferido (correspondendo o outro 1/3 àquilo que, igualmente em termos de presunção/ficção, à luz da equidade, gastaria consigo própria, isto é, em despesas pessoais). Cfr. nesse sentido, entre outros, Acs. do STJ de 29/01/2008, proc. 07A3014, de 17/02/2009, proc. 08A2124, e de 10/05/2017, proc. nº. 131/14.OGBBAO.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Refira-se, que na altura em que ocorreu o acidente e se deu morte da mulher e mãe dos AA. (e segundo os danos estatísticos fornecidos pelo site do INE) a esperança média de vida da mulher portuguesa rondava então, como já acima deixámos referido, os 83 anos (e mais concretamente 83,41), enquanto a do homem português rondava os 77 anos (mais concretamente 77,74).

Tendo presente o que se deixou expendido, e aquilo que adiante de poderá ainda referir a tal propósito, passemos então à determinação concreta do quantum indemnizatório atribuir a cada um dos AA. pelo dano patrimonial que sofreram com a morte daquela sua familiar.


No que concerne à A. filha.

Para efeitos de singelo exercício desse dano por si sofridos, somos levados a considerar o seguinte raciocínio (que será no final sempre temperado com o recurso a um juízo de equidade):

Consideraremos que a A. então menor de 11 anos (à data da morte da sua mãe) iria presumivelmente (à luz das regras da experiência da via) usufruir dos alimentos prestados pela sua mãe até aos 25 anos de idade, altura em que acabaria a sua formação profissional. (cfr. ainda, a esse propósito pontos, 41 a 43).

Nessa medida ficou privada dos alimentos da mãe (em termos de expressão pecuniária) durante um período de 14 anos. (cfr., a esse propósito, o p. 43 dos factos provados).

Em termos de rendimentos auferidos pela falecida, sabe-se apenas (à luz da matéria factual apurada) que a mesma era professora e que auferia um rendimento anual na ordem dos € 24.620,21 – desconhecendo-se se era em termos brutos ou líquidos - (cfr. p. 39).

À luz das regras da experiência comum de vida, e num juízo de equidade, é de ficcionar que 1/3 desse seu rendimento seria despendido em alimentos (no seu sentido amplo previsto na lei, e envolvendo todas as vertentes) para filha.

Assim, tomando por base tais elementos (€ 24.620,21x1/3x14), chegar-se-ia à conclusão, em termos de resultado, que a respetiva perda de alimentos (aqui ficcionados) ao fim 14 anos (altura em que a mesma completaria a sua formação profissional/académica), importaria, singelamente, no valor total de € 114,884,00.

Porém, essa importância não é, como acima vimos, necessariamente vinculativa, pois que sempre, em princípio, teria de sofrer um ajustamento, e, desde logo, porque o lesado, a aqui A., vai receber de uma só vez aquilo que, em regra, deveria receber, em frações, ao longo de 14 anos, havendo, assim, uma antecipação de capital, que poderá de imediato aplicar e fazer render, e evitar, desse modo, uma situação de injustificado enriquecimento à custa alheia. E daí que seja prática habitual na nossa jurisprudência proceder a uma redução de tal quantia, variável perante cada caso concreto, mas que a maior parte das vezes tanto poderia oscilar entre 1/3 ou 1/4 daquele montante, como fixar-se numa percentagem que oscilaria entre os 10%, 20% ou 30% desse capital antecipado, tudo dependendo das situações casuísticas/concretas.

Porém, nesse ajustamento não podemos ainda deixar de considerar:

Termos assistido nos últimos anos a baixas taxas de inflação, chegando mesmo situar-se num nível negativo (deflação), o que, porém, vem sendo contrariado na conjuntura atual, e pelas razões que se conhecem, disparando para patamares que rondam atualmente os 9%.

Em concomitância, assistimos também nos últimos anos a baixas taxas de juros remuneratório pagos pelos depósitos bancários - e com uma margem de variação entre os 0 % e o 1 %, ou 2%, conforme a duração dos depósitos -, com uma tendência atual de subida, e sobretudo se se mantiver aquela atual tendência da subida das taxas de inflação.

É certo existirem também no mercado outros produtos de rentabilidade mais elevada (embora porventura com maior risco).

A provável evolução profissional da falecida e os seus reflexos a nível remuneratório.

E, por fim, outros fatores que, sendo projetados no futuro, não é possível quantificar neste momento (sendo que alguns deles já atrás aludimos).

Desse modo, e na ponderação de todas as referidas circunstâncias, afigura-se-nos ajustado proceder a uma redução de 10% naquele sobredito montante de € 114,884,00.

Assim, e sopesando tudo que se deixou exposto, afigura-se-nos, num juízo equitativo final, ajustado fixar em € 103.395,00 o montante da indemnização a atribuir à A. filha (já atualizado à presente data).

E nessa medida, julga-se, nessa parte, improcedente o recurso (de revista) dos AA. .


No que concerne ao A. marido.

Na quantificação indemnizatória do aludido dano (patrimonial) seguir-se-á o mesmo percurso argumentativo atrás percorrido para a fixação da indemnização pelo mesmo dano sofrido pela A., para o qual nos remetemos a fim de evitarmos repetições inúteis, embora com as adaptações que se impõem face a algumas especificidades do caso.

O A. tinha então (à data da morte da sua mulher) 40 anos de idade.

Como acima deixámos referenciado, nessa altura a esperança média de vida para os homens portugueses rondava os 77 anos (mais concretamente 77,74 anos).

Desse modo, era expectável (à luz das regras da experiência da vida) que iria beneficiar do contributo pecuniário daquela, para as despesas do agregado familiar - vg prestação de alimentos -, até aos seus 77 anos de idade (por defeito), ou seja, e portanto, durante um período de mais 37 anos (nas instâncias muito embora tenham considerado 78 anos como esperança média de vida, contabilizaram, todavia, de forma algo não compreensível, os mesmos 37 anos).

Acontece que consta da matéria de facto dada como provada (cfr. p. 44) que “o A. marido beneficiaria do rendimento da falecida mulher pelo menos até aos 75 anos” (sublinhado nosso)

Sendo assim, é essa idade limite (de 75 anos) que se considerará para efeitos de contabilização do período de tempo que o mesmo iria beneficiar daquele contributo alimentar, ou seja, para as despesas do agregado familiar em que se integrava (tanto mais que aquela data da esperança média de vida apenas configura um dado estatístico publicado pelo INE, e que normalmente os tribunais atendem, sem que tal configure um facto absoluto, e como tal provado/vinculativo, mas sem que possa contrariar o que, a esse respeito, consta das matéria de facto dada como provada).

Nessa medida, o A. ficou privado daquele contributo (alimentos e despesas do agregado familiar, durante um período de 35 anos (75-40).

Já vimos que a falecida/sua mulher, auferia, como professora, um rendimento anual na ordem dos € 24.620,21. (sendo que esse seu rendimento era essencial para o bem-estar do agregado familiar - cfr. p. 40).

À luz das regras da experiência comum de vida, e num juízo de equidade, é de ficcionar que 1/3 desse seu rendimento era destinado ao A. (pois que, como acima deixamos referenciado, considerou-se que seria expetável que 1/3 desse rendimento corresponderia ao montante que a falecida gastaria consigo própria, e outro 1/3, como vimos, ao montante que seria despendido e, alimentos para a A. filha).

Assim, tomando por base tais elementos (€ 24.620,21x1/3x135), chegar-se-ia à conclusão, em termos de resultado, que a respetiva perda de alimentos (aqui ficcionados) ao fim 35 anos importaria, singelamente, no valor total de € 287,210,00 (por arredondamento).

Porém, pelas razões supra aduzidas para o cálculo do dano da mesma natureza da A., essa importância não é vinculativa, havendo que reduzi-la.

E nesse ajustamento haverá, na sua essência, que atender às circunstâncias ali aduzidas para o efeito, sendo ainda de considerar o seguinte:

Com o atingir dos 25 anos da idade da A. (altura a partir da qual a mesma deixaria de estar, legalmente, sujeita à obrigação alimentar), o montante do contributo pecuniário da falecida para as despesas do agregado familiar aumentaria (e presumindo que aquela a partir de então passaria a estar em condições concretas de providenciar pelo seu sustento).

Por outro lado, o tempo que o A. vai dispor, de uma só vez, da antecipação do recebimento de capital (de que só antes beneficiaria em frações ao longo de 35 anos), é muito considerável, muito superior (mais do dobro), como se pode observar, àquele de que beneficia a A. .

Por fim, não se pode olvidar que estando o A. então desempregado, todavia, devido à ainda sua a relativa jovem idade (então 40 anos), é expectável que ainda venha a empregar-se e adquirir a sua própria fonte de rendimentos.

Desse modo, e nessa ponderação de todas as referidas circunstâncias, afigura-se-nos ajustado proceder a uma redução de 10 % naquele sobredito montante de € 287,210,00.

Assim, e sopesando tudo que se deixou exposto, afigura-se-nos, num juízo equitativo final, ajustado fixar em € 258.489,00 o montante da indemnização a atribuir ao A. marido (já atualizado à presente data).

E nessa medida, julga-se, nessa parte, parcialmente o recurso (de revista) dos AA. .


3.1.2.4.1 Em jeito de conclusão:

Face ao que supra se decidiu, os montantes indemnizatórios que os AA. têm direito a receber (por via do falecimento CC - mulher e mãe, respetivamente, do A. e da A. – ocorrido em consequência do sobredito acidente) são os seguintes:

I - No que se refere ao Autor:

a) € 47.500,00 (pelo dano da perda do direito à vida daquela sua mulher);

b) € 7.500,00 (pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por aquela sua mulher antes de falecer);

c) € 40.000.00 (pelos danos não patrimoniais sofridos por ele próprio com a morte daquela);

d) € 258.489,00 (pelos danos) patrimoniais sofridos por ele próprio com a morte daquela).

O que tudo totaliza a quantia de € 353.489,00.

Porém, a essa quantia haverá de ser deduzida (como procederam as instâncias, sem que tal fosse objeto de discussão nos recursos, e para evitar uma cumulação indevida de indemnizações) a quantia de € 45.237,65 que o A. já recebeu da CGA a título de pensão de morte (cfr. ponto 50 dos factos provados).

Pelo que, assim, a quantia indemnizatória que o A. tem direito a receber da Ré por tais danos fica reduzia à quantia global de € 308,251,35 (trezentos e oito mil duzentos e cinquenta e um euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, que se vencerem a partir da prolação deste acórdão e até ao seu integral pagamento.


II - No que se refere à Autora:

a) € 47.500,00 (pelo dano da perda do direito à vida daquela sua mãe);

b) € 7.500,00 (pelos danos morais/não patrimoniais sofridos por aquela sua mãe antes de falecer);

c) € 40.000.00 (pelos danos não patrimoniais sofridos por ela própria com a morte daquela);

d) € 103.395,00 (pelos danos patrimoniais sofridos por ela própria com a morte daquela).

O que tudo totaliza a quantia de € 198.395,00.

Porém, a essa quantia haverá de ser deduzida (como procederam as instâncias, sem que tal fosse objeto de discussão nos recursos, e para evitar uma cumulação indevida de indemnizações) a quantia de € 30.158,47 que a A. já recebeu da CGA a título de pensão de morte (cfr. ponto 50 dos factos provados).

Pelo que, assim, a quantia indemnizatória que o A. tem direito a receber da Ré por tais danos fica reduzia à quantia global de € 168.236,53 (cento e sessenta e oito mil duzentos e trinta e seis euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, que se vencerem a partir da prolação deste acórdão e até ao seu integral pagamento.


***


3.2 Quanto à 2ª. questão.

- Do direito de regresso da Ré - relativamente ao reembolso das importâncias que venha a ser condenada a pagar - sobre o Interveniente EE, condutor do veículo automóvel que causou o acidente de viação e em si segurado (referente recurso da R.).

Na sequência da intervenção acessória que contra ele deduziu a Ré – com os fundamentos que no Relatório se deixaram exarados –, da admissão do seu chamamento pelo tribunal a quo e da intervenção que o mesmo teve no processo, com a apresentação de contestação, na sentença da 1ª. instância foi reconhecido àquela, à luz do artº. 27 nº. 1 al. d) - 1ª. parte - do DL nº. 291/2007, de 21/08, o direito de regresso sobre o interveniente EE, relativamente às quantias indemnizatórias que venha a pagar em consequência do referido acidente a que deu causa.

Porém, no acórdão da Relação, na sequência do recurso interposto pelo interveniente, revogou-se a sentença nessa parte, ou seja, na parte em que reconheceu à Ré o invocado e aludido direito de regresso sobre o interveniente.

E é dessa parte de decisória do acórdão que a Ré recorre de revista, por com ela não se conformar, defendendo, em consonância com o que foi considerado na sentença e ao contrário do considerado naquele acórdão, estarem verificados os pressupostos legais previstos naquele normativo legal.

Quid iuris?

Sob epígrafe “Direito de regresso da empresa de seguros”, e naquilo que para aqui nos interessa, dispõe-se no artº. 27º nº. 1 do DL nº. 291/2007, de 21/08, – que, além do mais, aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório da responsabilidade civil automóvel –, na redação então vigente à data do acidente, que “Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso:

(…)

d) Contra o condutor, se não estiver legalmente habilitado (…)” (sublinhado nosso).

Por sua vez, sob a epígrafe “Caducidade e cancelamento dos títulos de condução”, dispõe-se no artº. 130º do atual Código da Estrada, na redação dada pelo DL nº. 138/2012, de 05/07, - então vigente à data do acidente - (e que aprovou então também o Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir – RHLC - ), que:

1 - O título de condução caduca se:

a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período;

b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.os 1 e 5 do artigo anterior.

2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que:

a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B, BE cujos titulares não tenham completado 50 anos;

b) O título se encontre caducado há mais de um ano, nos termos da alínea b) do número anterior.

3 - O título de condução é cancelado quando:

a) Se encontrar em regime probatório e o seu titular for condenado, por sentença judicial ou decisão administrativa transitadas em julgado, pela prática de crime ligado ao exercício da condução, de uma contraordenação muito grave ou de segunda contraordenação grave;

b) For cassado nos termos do artigo 148.º do presente Código ou do artigo 101.º do Código Penal;

c) O titular reprove, pela segunda vez, no exame especial de condução a que for submetido nos termos do n.º 2;

d) Tenha caducado há mais de cinco anos sem que tenha sido revalidado e o titular não seja portador de idêntico documento de condução válido.

4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2 os titulares de títulos de condução cancelados ao abrigo das alíneas a) e b) do número anterior que queiram obter novo título de condução.

5 - Os titulares de título de condução cancelados consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

6 - Ao novo título de condução obtido após cancelamento de um anterior é aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º.

7 - Quem conduzir veículo com título caducado é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600. » (sublinhado e negrito nossos)

Da leitura deste último normativo, na versão vigente à data do acidente (enfatiza-se) e atrás referida, resulta, naquilo que, para aqui mais releva, que a lei estabelecia então um regime de caducidade e um regime de cancelamento dos títulos de condução (vulgarmente designados por carta de condução - cfr. artº. 121º, nº. 4, do C.E.) – e ao contrário, diga-se, do que sucedia quer na versão imediatamente anterior daquele preceito legal, quer na versão atual do mesmo, que não existia ou existe essa duplicidade de regimes, circunscrevendo o mesmo à caducidade dos títulos.

O regime de caducidade desses títulos (vg. carta de condução) tinha lugar aquando da ocorrência das situações descritas nas als. a) e b) do nº. 1 do citado artº. 130º, enquanto que o regime de cancelamento desses mesmos títulos tinha lugar aquando da ocorrência das situações previstas nas diversas alíneas do nº. 3 do mesmo preceito legal.

A caducidade desses títulos de condução (vg. carta de condução) operava automaticamente (ope legis), logo que ocorresse alguma das situações previstas no citado nº. 1 daquele mesmo preceito legal.

Porém, isso já não sucedia com o cancelamento desses mesmos títulos, sendo tal uma atribuição da esfera de competência do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, IP (IMT, IP), tal como ressalta do artº. 2º, nº. 1, do RHLC, então em vigor, aprovado pelo DL nº. 138/2012, de 05/07, com as alterações introduzidas pelo DL nº. 37/2014, de 14/03.

Decretado o cancelamento do título (carta de condução), nos termos do estatuído no nº. 5 do artº. 130º (da citada redação dada pelo DL nº. 138/2012), o seu titular considerava-se então, para todos os efeitos legais, como não habilitado a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido.

E daí que - na conjugação desse normativo legal, naquela redação, com o acima transcrito artº. 27, nº. 1 al. d) do DL nº. 291/2007 – assista à seguradora o direito de regresso contra o condutor do veículo, seu segurado, que, com responsabilidade na produção do acidente (e independentemente do grau dessa responsabilidade), conduza o veículo com o título de condução (vg. carta de condução) cancelado, e uma vez satisfeita a indemnização a que está obrigada em virtude desse acidente.

Ora, subsumindo o que se deixou exaurido ao caso em apreço, importa dizer o seguinte:

Estando definitivamente fixada a responsabilidade do condutor do veículo automóvel DA, segurado na Ré e aqui interveniente, o único facto que permitiria consagrar/reconhecer o invocado direito de regresso da Ré sobre aquele – note-se que, como um direito novo/próprio que surge na sua esfera jurídica, isso só ocorrerá quando satisfazer as indemnizações que neste processo for condenada a pagar – é aquele que consta do ponto 21 dos factos provados, e que é o seguinte: “O condutor do DA era condutor habilitado para a condução de veículos ligeiros, que foi apreendida com fundamento em que o respetivo titular não ter procedido à sua revalidação.”

Ora, de tal facto não é possível extrair/concluir, salvo o devido respeito por outra opinião, que o interveniente condutor do veículo que deu causa ao referido acidente tivesse na altura o respetivo título de condução (vg. carta de condução) cancelado. Pressuposto esse – que deve assentar, como vimos, na ocorrência de alguma daquelas situações descritas no nº. 3 do supra transcrito artº. 130º do CE, naquela redação vigente à data do acidente, sendo da esfera da competência do IMT decretar esse cancelamento - essencial, como igualmente se deixou referenciado, para poder considerar-se, para efeitos do invocado direito de regresso, que o mesmo não estava a habilitado a conduzir o dito veículo automóvel.

Dele apenas é possível retirar que o referido interveniente condutor estava habilitado conduzir veículo automóveis ligeiros (da categoria daquele que então conduzia), e que na altura do acidente a carta de condução lhe foi apreendida com o fundamento de não ter procedido à sua revalidação. Diga-se que - conforme resulta do acórdão recorrido da Relação aquando da apreciação da impugnação da decisão de facto e que conduziu à redação daquele facto - essa apreensão foi então levada a efeito por agente policial, com tal fundamento, elaborando o respetivo auto de contra-ordenação, conforme dele consta, o que terá justificado, com base nesse documento/auto, a fixação daquele facto, tal, como aliás, já havia sido com base nele que a 1ª. instância justificara a redação primitiva que fixara para tal ponto de facto.

Facto que também não permite saber do fundamento/motivo que impunha ao dito condutor proceder à revalidação do respetivo título de condução.

Donde, perante o que se supra se deixou exposto, se conclui que não se mostra preenchido aquele sobredito pressuposto legal (previsto no citado artº. 27º nº. 1 al. d) do DL nº. 291/2007, de 21/08) que permite à Ré/recorrente exercer o direito de regresso sobre o interveniente, sendo que, nos termos do disposto no artº. 342º, nº. 1, do C. Civil, era sobre ela que impendia o ónus de tal prova.

Refira-se que, na sua essência, foi numa identidade de raciocínio/argumentação que assentou a decisão da Relação e que a decisão da 1ª. instância desconsiderou a redação do artº. 130º do C.E., na versão dada pelo DL nº. 138/2012, de 05/07 (à luz do qual, como vimos, deve ser analisado o caso em apreço, em conjugação com o citado artº. 27º nº. 1 al. d) do DL nº. 291/2007), antes o fazendo, como se intui da sua fundamentação, ao abrigo da versão atual.

Termos, pois, em que se julga improcedente a revista da Ré, confirmando-se, nessa parte, o acórdão recorrido


***


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se em:

1) Julgar parcialmente procedente o recurso (de revista) dos Autores, e, em consequência, condenar a Ré, Companhia de Seguros Liberty, SA, (atualmente denominada Liberty Seguros, Compañia de Seguros Y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal), a pagar:

a) Ao autor AA, a quantia indemnizatória global de € 168.236,53 (cento e sessenta e oito mil duzentos e trinta e seis euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, que se vencerem a partir da data da prolação deste acórdão e até ao seu integral pagamento.

b) À menor autora, BB (aqui representado por aquele seu pai) a quantia indemnizatória global de € 168.236,53 (cento e sessenta e oito mil duzentos e trinta e seis euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, à taxa legal vigente, que se vencerem a partir da data da prolação deste acórdão e até ao seu integral pagamento.

II- Julgar improcedente o recurso (de revista) da Ré.

Custas da ação pelos AA. e pela R., na proporção do seu respetivo decaimento, e que para o efeito se fixa em 1/5 para os primeiros e 4/5 para a segunda (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que aqueles gozam em tal modalidade) - artº. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

Custas do recurso dos AA. pela R. na proporção do seu respetivo decaimento, e que para o efeito se fixa em 3/5 para os primeiros e em 2/5 para a segunda (sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que aqueles gozam em tal modalidade) - artº. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

Custas do recurso da R. por esta - artº. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.



***


Lisboa, 2022/09/27


Relator: cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Aguiar Pereira

Cons. Maria Clara Sottomayor