Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5175/20.0T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
CÚMULO MATERIAL
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 01/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A jurisprudência do STJ tem entendido que, por virtude da alteração legislativa operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, no art. 78.º, n.º 1 do CP (eliminação do segmento «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta»), no cúmulo superveniente são incluídas as penas já cumpridas, por o respectivo tempo de cumprimento ser descontado na pena conjunta (art. 78.º, n.º 1, in fine, e 81.º, n.º 1, do CP), mas não as prescritas ou extintas por causa diversa do efectivo cumprimento (incluindo a amnistia e o perdão total), uma vez que, não tendo sido estas cumpridas, não poderiam ser descontadas na pena única, o que implicaria o seu «agravamento (…) sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas” da ordem jurídico-penal, por renúncia (definitiva) do Estado à sua execução (a sua integração no cúmulo aumentaria o limite máximo da moldura aplicável e, mesmo, nalgumas situações, o limite mínimo, sem qualquer vantagem para o condenado, em virtude de nada haver para descontar).
II - Quanto às penas principais, de prisão ou de multa, que estejam cumpridas constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que devem estas ser consideradas nas operações de cúmulo, procedendo-se ao respectivo desconto na pena única, como decorre expressamente dos art.os 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do CP (sobre este ponto, neste sentido, cfr. o acórdão de 18.10.2017, no Proc. 8/15.1GAOAZ.P1.S1, rel. Cons. Raul Borges, e a abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt).
III - Mostrando-se em causa a inclusão de uma pena de multa, como no caso em apreço, o julgador para decidir se a aquela deverá ou não ser englobada num cúmulo superveniente não tem que averiguar se a mesma já se encontra cumprida pelo pagamento, e, por isso extinta, na medida em que, aquela pena, independentemente de estar cumprida ou não, entrará necessariamente no cúmulo, verificados que se mostrem os pressupostos legais para a sua inserção – neste sentido se pronunciou, também, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 3.ª edição, páginas 377/378.
IV - Situação diversa é aquela que se prende com as condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, as quais apenas integram o cúmulo superveniente se ainda não tiverem sido declaradas extintas (cf. por todos, acórdão do STJ de 12-07-2012, http://www.dgsi.pt), mostrando-se necessário, se o prazo de suspensão já tiver decorrido integralmente à data da realização do cúmulo superveniente, apurar qual a decisão sobre essa execução. E tal prende-se por se entender que, nas penas suspensas na sua execução quando declaradas extintas (nos termos do artigo 57.º, do Código Penal), como o condenado não chegou a cumprir a pena de prisão substituída, caso englobassem o cúmulo, não poderiam ser descontadas na pena única, o que agravaria a situação processual do arguido – neste sentido, cfr. o recente acórdão deste STJ, de 09-09-2021, Proc. 268/21.9T8GRD.S1, 5.ª Secção, Relatora: Helena Moniz.
V - Nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, a pena única conjunta, a aplicar a um caso de concurso crimes, é determinada a partir de uma moldura que tem como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, e como limite máximo “a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Pelo que as penas concretas aplicadas a cada crime constituem os elementos a partir das quais se determina aquela moldura; e não será a partir das penas únicas (que se tenham aplicado em cada um dos processos) que se constrói da moldura do concurso de crimes.
VI - Estabelecida a moldura penal do concurso, para cada um dos ciclos, a medida da pena única deverá ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente – Cfr., J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421, p. 290 a 292.
VII - A reformulação é um novo cúmulo, em que tudo se passa como se o anterior não existisse. É, de resto, a solução que decorre da lei (art. 78.º, n.º 1, do CP), pois o trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no art. 77.º. A única limitação ao cúmulo (ou à sua reformulação) é a de as respectivas penas não estarem cumpridas, prescritas ou extintas.
VIII - No caso dos autos está em causa o primeiro cúmulo de penas (12 anos), crimes de furto (simples e qualificado, embora tentado), que se consubstanciam em crimes que atingem bens patrimoniais com um modus operandi em tudo semelhante e num lapso de cerca de um ano (03-06-2014 e 21-09-2015), de um crime de condução sem habilitação legal (23-10-2015) e dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo art. 173.º, n.º 1, do CP e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo art. 171.º, n.os 2 e 5, na forma tentada, crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015.
IX - A actividade delituosa do recorrente é variada e merece séria ponderação, sobretudo no que se refere a aspectos que integram crimes de abuso sexual de criança (art. 171.°, do CP) e do crime de actos sexuais com adolescentes, dando-nos uma personalidade, que se revela com tendência para o desrespeito das normas jurídicas e dos valores comunitários que o direito penal tutela. E se, quer no tocante aos concretos modos de execução, quer as consequências desvantajosas das condutas, o grau de ilicitude dos factos é elevado atento o tipo de actos sexuais de relevo levados a cabo pelo arguido, a impor fortes exigências de prevenção geral, por outro lado, o modo de cometimento dos crimes, revelador de uma energia criminosa intensa e de persistência na prática de tais ilícitos criminais, dada a pluralidade dos mesmos, de forma reiterada no seu percurso de vida, demonstram que não estamos perante uma mera ocasionalidade mas perante uma clara tendência criminosa para a prática deste tipo de crimes.
X - Sendo as exigências de prevenção especial acentuadas, denotando uma grande indiferença pelos valores protegidos pelas normas incriminadoras e pelas anteriores condenações, reclamando maiores exigências ao nível da prevenção acrescidas, atendendo ao facto do arguido ter um percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes e às características de personalidade do arguido, em particular a falta de consciência do arguido relativamente a gravidade e consequências do seu percurso criminal, como resulta patente do relatório social do mesmo, entende-se que uma pena única de 11 (onze) anos, para o primeiro cúmulo, se mostra adequada e proporcional em ordem ao cumprimento mínimo daquelas exigências.
Decisão Texto Integral:


 Proc. nº 5175/20.0T8LRS.L1.S1

Acordam, em Conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação ....

I. RELATÓRIO:

1. No Proc. nº 5175/20...  do Tribunal Judicial da Comarca ... Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., por acórdão de 22 de Junho de 2021, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas em que o arguido AA foi condenado no processo n.º 205/15.... do J..., do ..., no processo n.º 171/14.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no processo n.º 108/15.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no processo n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no Processo Comum n.º 1024/17.... do J..., do Juízo Central criminal do Tribunal ..., respectivamente, tendo condenado o arguido AA, nas seguintes penas a cumprir sucessivamente:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

b) Segundo cúmulo:

Em cúmulo material, por força da diversa natureza das penas em concurso as penas parcelares aplicadas nos proc. 1/18.... em que foi condenado (na pena de 100 dias de multa) e o crime de violação pelo qual o arguido foi condenado (na pena de 7 anos de prisão) no proc. 1024/17.... é o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, no montante global de 500 Euros.

Por força do disposto no art. 78º, n.º 1 e 80º, n.º 1, ambos do Código Penal, às penas únicas aplicadas ao arguido, serão descontados os períodos de privação de liberdade sofridos e o período de prisão já cumprido, no âmbito dos Processos integrados no cúmulo jurídico efectuado.

*

Inconformado com a decisão, interpôs recurso o arguido para este STJ., concluindo nos seguintes termos: (transcrição):

I. O ora Recorrente não se conforma com o Acórdão de fls., proferido pelo Coletivo de Juízes do Tribunal do Juízo Central Criminal da Comarca ... que o condenou a cumprir sucessivamente:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

b) Segundo cúmulo:

Em cúmulo material, por força da diversa natureza das penas em concurso as penas parcelares aplicadas nos proc. 1/18.... em que foi condenado (na pena de 100 dias de multa) e o crime de violação pelo qual o arguido foi condenado (na pena de 7 anos de prisão) no proc. 1024/17...., é o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, no montante global de 500 Euros.

Por força do disposto no art. 78º, n.º 1 e 80º, n.º 1, ambos do Código Penal, às penas únicas aplicadas ao arguido, serão descontados os períodos de privação de liberdade sofridos e o período de prisão já cumprido, no âmbito dos Processos integrados no cúmulo jurídico efectuado.

II. Sendo que o Arguido sofreu as seguintes condenações:

1ª - No Processo Comum n.º 205/15.... do J..., do ..., por sentença proferida em 04.01.2016, transitada em julgado em 03.02.2016, foi o arguido condenado na pena de 9 (nove) meses de prisão, a cumprir em 54 períodos de 36 horas cada, pela prática em 22.09.2015 de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p.p. pelos arts. 203º e 204.°, nº 2, al. e) , 22º nº 1 e 2 e 23º nº 1, todos do C. Penal. Declarada extinta em 06.09.2017.

2ª - No Processo Comum n.º 171/14.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., por sentença proferida em 21.06.2016, transitada em julgado em 07.09.2016, foi o arguido condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em 36 períodos de 36 horas cada, pela prática em 03.06.2014 de um crime de furto, p.p. pelos arts. 203º do C. Penal. Cumprido um período de prisão por dias livres.

3ª - No Processo nº 108/15.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., por sentença proferida em 16.11.2017, transitada em julgado em 18.12.2017, foi o arguido condenado, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, pela prática em 23.10.2015, do crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelos artigos 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01.

Revogada a suspensão da execução da pena por despacho transitado em julgado em 30.09.2019.

4ª - No Processo Comum n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., por sentença proferida em 05.07.2019, transitada em julgado em 30.09.2019, foi o arguido condenado pela prática, de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artº 387º nº 1 do Código Penal, cometido em 28.12.2017, na pena de na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros.

5ª - No Processo Comum n.º 1024/17.... do J..., do Juízo Central criminal do Tribunal ..., por Acórdão proferido em 12.03.2019, transitado em julgado em 15.04.2019, foi o arguido condenado nas seguintes penas: Pela prática de um 1 crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal na pena de 7 anos de prisão. Pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (a que se refere a actuação descrita no artº 6º da matéria de facto provada), um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes. Pela prática de três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (a que se refere a actuação descrita no artº 7º e 8º da matéria de facto provada), dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes.

Por convolação de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º nº 1 para a prática de um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal na pena de 1 ano de prisão. Pela prática de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (a que se refere a actuação descrita no artº 10º da matéria de facto provada), 3 anos de prisão. Em cúmulo jurídico das penas parcelares mencionadas em 5º foi o arguido condenado na pena única de 11 anos de prisão.

III. Sucede que, relativamente ao Processo Comum n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., que por sentença proferida em 05.07.2019, transitada em julgado em 30.09.2019, foi o arguido condenado pela prática, de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artº 387º nº 1 do Código Penal, cometido em 28.12.2017, na pena de na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros,

IV. Não obstante, omitiu o Tribunal recorrido se a pena de multa foi paga, mandada executar ou se a mesma já foi declarada extinta.

V. Porquanto, se tal pena já foi declarada extinta, carece totalmente de sentido incluí-la no cúmulo jurídico a que se procedeu no âmbito do presente processo.

VI. Por conseguinte, o tribunal recorrido, ao englobar no cúmulo uma pena de multa a que o arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sem apurar previamente qual a decisão sobre o respetivo cumprimento, execução ou extinção, e sem plasmar essa informação no acórdão, incorreu numa Nulidade por omissão do dever de pronúncia, nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal.

VII. Estando em causa a pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, não se sabendo se tal pena foi já declarada extinta, ou parcialmente paga, ou substituída por pena de outra natureza, etc..

VIII. Sendo que, tal nulidade, configurada nos termos anteriormente expostos, implica que, se proceda à averiguação sobre se a aludida pena de multa se mostra ou não declarada extinta, e, depois, se proceda em conformidade, com elaboração de novo acórdão que dê conta de tais elementos factuais, e, também com base neles, proceda, se for caso disso, à elaboração do competente cúmulo jurídico.

IX. Conforme Jurisprudência dominante, o cúmulo jurídico deve ser entendido como um instrumento através do qual se visa precisamente atingir, no caso de concurso de crimes, uma punição mais justa.

X. Resulta da factualidade apurada, essencialmente baseada no relatório social junto aos autos, que os crimes cometidos pelo arguido foram resultado dum processo de desenvolvimento precocemente afetado pela problemática dos abusos de natureza sexual por parte do progenitor e por desagregação e disfunção familiar.

XI. O arguido encontra-se a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional ....

XII. O objetivo de reintegração do arguido na sociedade não se alcança com a sujeição do mesmo a uma pena privativa da liberdade tão pesada.

XIII. Ao proceder ao cúmulo jurídico das penas, haverá que ter em conta a personalidade do arguido e o conjunto dos factos, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal.

XIV. No âmbito da decisão recorrida foi violado o disposto nos artigos 77º do Código Penal, e artigo 379º, nº 1, al. c), do Código do Processo Penal.

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Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o mui Douto Suprimento de Vossas Excelências, deve o Recurso interposto pelo ora Arguido/Recorrente ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão recorrida com todas as legais consequências, tendo em conta todo o anteriormente exposto, e consequentemente:

a) Declarar nulo o Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, al. c), do Código do Processo Penal, e todo o processado subsequente.

*

A Ex.ª Magistrada do MP, na 1.ª instância, respondeu ao recurso pronunciando-se pela sua improcedência, conforme transcrição que segue:

1. O cúmulo jurídico superveniente deve englobar sempre todas as penas mesmo que cumpridas, prescritas ou extintas, cabendo, em momento posterior, proceder-se ao respectivo desconto na pena única fixada.

2. Nessa medida, e, mostrando-se em causa a inclusão de uma pena de multa, como no caso em apreço, o julgador para decidir se a aquela pena deve ou não ser englobada num cúmulo superveniente não tem que, previamente, averiguar se a mesma já se encontra cumprida pelo pagamento.

3. Com efeito, a pena de multa, independentemente de estar cumprida ou não, entrará necessariamente no cúmulo, verificados que se mostrem os pressupostos legais para a sua realização, não tendo existido por parte do tribunal a quo a arguida nulidade por omissão de pronúncia, plasmada no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

4. Situação diversa é aquela que se prende com as condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, as quais apenas podem ser englobadas no cúmulo superveniente se ainda não tiverem sido declaradas extintas, mostrando-se necessário, se o prazo de suspensão já tiver decorrido integralmente à data da realização do cúmulo superveniente, apurar previamente qual a decisão sobre o decurso dessa execução – situação que não é a dos presentes autos.

5. No que se reporta à alegação de que a pena única aplicada, em cúmulo, se mostra desproporcionada não merece a mesma, a nosso ver, qualquer procedência, pela motivação exposta no acórdão recorrido relativamente à determinação da fixação da medida concreta das penas cumuladas, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida, não tendo sido violado o artigo 77.º, do Código Penal.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se dessa forma a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA!

*

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu parecer também a seguir transcrito:

1 – Por acórdão cumulatório proferido em 22 Junho de 2021, no âmbito do presentes autos em termos no Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do C.P.P., foi o arguido AA condenado em 2 penas únicas de prisão, a cumprir sucessivamente, a saber:

1.1 - A pena única de 12 (doze) anos de prisão, emergente do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos n.º 205/15.... (9 meses de prisão), 171/14.... (6 meses de prisão), 108/15.... (6 meses de prisão), e pelos crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes cometidos entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2015 (como se escreve a fls. 19 e 20 do acórdão, e o que, por mero lapso de escrita, decerto, não foi vertido no dispositivo relativo ao este 1º cúmulo, aí resultando a expressão 28.12.2017 e 9.12.2017) do processo n.º 1024/17.... (penas de 1 ano e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 1 ano de prisão e 3 anos de prisão).

1.2 - A pena de 7 (sete) anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, no montante global de 500 Euros, em cúmulo material, por força da diversa natureza das penas em concurso, das penas parcelares aplicadas no processo n.º 1/18.... (100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros), e o crime de violação, ocorrido em 9 de Dezembro de 2017, do processo n.º 1024/17.... (7 anos de prisão).

2 – Inconformado com tal decisão condenatória, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando, tal como se extrai das conclusões com que o remata, 1) a nulidade da decisão, por omissão do dever de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do C.P.P., por não se ter averiguado se a pena de multa aplicada ao arguido no processo n.º 1/18.... já se encontrava extinta, e 2) a violação do disposto no artigo 77.º do Código Penal, por se ter fixado uma pena única, que tem por excessiva, frustrante do objectivo da sua reintegração na sociedade, e em que não teria sido considerada a sua personalidade e o conjunto dos factos.

3 – O Ministério Público na 1ª instância apresentou resposta ao recurso, na qual defende a manutenção da decisão recorrida, solução que foi igualmente defendida no parecer do Ministério Público no Tribunal da Relação ..., para onde foi determinada a remessa dos autos, o que deu origem ao despacho de 12.11.2021 por via do qual foi excepcionada a incompetência desse Tribunal para os termos do recurso em presença, e, consequentemente, ordenada a remessa do processo para este Supremo Tribunal de Justiça, instância para a qual foi efectivamente interposto o recurso.

4 – Não se suscita qualquer questão que obste ao conhecimento do recurso interposto, devendo o mesmo ser julgado em conferência, nos termos do disposto no artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P.

5 – Acompanham-se os fundamentos da resposta e parecer do Ministério Público nas instâncias anteriores, no que respeita à invocada nulidade da decisão, por omissão do dever de pronúncia a que atrás se aludiu, para considerar, como aí, que não ocorre tal vício.

6 – Já quanto à medida da pena contra a qual se insurge o recorrente – de forma muito simplista, lacónica, mesmo, há que dizer, já que, a tal respeito, na motivação do recurso se refere tão só que o objetivo de reintegração do arguido na sociedade não se alcança com a sujeição do mesmo a uma pena privativa da liberdade tão pesada (conclusão XII), e que ao proceder ao cúmulo jurídico das penas, haverá que ter em conta a personalidade do arguido e o conjunto dos factos, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal (conclusão XIII), e, por fim, que foi violado o disposto nos artigos 77º do Código Penal, e artigo 379º, nº 1, al. c), do Código do Processo Penal (conclusão XIV) – e que só poderá ser a de 12 anos de prisão aplicada no 1º cúmulo de penas efectuado, é de considerar que a mesma não deverá subsistir.

7 – Entendeu o Tribunal a quo, na verificação dos legais requisitos, que as condenações a considerar, neste domínio, deveriam ser as que tiveram lugar nos processos n.º 1024/17...., do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., 205/15...., do ..., Juiz ..., do mesmo ..., 171/14...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., ainda daquele ..., 108/15...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., do ... da Comarca ..., e 1/18...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., todos estes juízos do Tribunal Judicial da Comarca ....

8 – E concluiu que as mesmas implicavam a realização de dois cúmulos distintos, a darem origem a duas penas únicas, a cumprir sucessivamente, o que se afigura correcto.

Como se diz no acórdão recorrido, o primeiro cúmulo incluirá as condenações sofridas nos proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e bem como as condenações sofridas no âmbito do proc. 1024/17...., pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes), três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes), um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal (pena de 1 ano de prisão) e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (3 anos de prisão), crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015,

O segundo cúmulo incluirá as condenações sofridas no proc. 1024/17...., crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal, pelo qual o arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão cometido em 9.12.2017 e no proc. 1/18...., crime de maus tratos a animais de companhia p. pelo artº 387 º nº 1 do C.Penal, em que foi condenado na pena de 100 dias de multa, praticado em 28.12.2017, que em face da distinta natureza das penas se traduz em mero cúmulo material das penas em concurso.

9 – Considerou o Tribunal a quo serem as seguintes as molduras penais abstractas para efeitos de determinação da pena única a aplicar.

Primeiro cúmulo.

- 3 anos (correspondente à mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 15 anos e 6 meses de prisão (correspondente à soma das penas parcelares de prisão aplicadas a cumular).

Segundo cúmulo:

Como já referido corresponderá ao cúmulo material da pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa.

10 – Um primeiro reparo merece o limite máximo da moldura penal abstracta calculada no âmbito do primeiro cúmulo, já que a soma de todas as penas de prisão a englobar (9 meses, 6 meses, 6 meses, 1 ano e 6 meses, 1 ano e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 1 ano e 3 anos) apresenta o resultado de 16 anos e 3 meses, e não o de 15 anos e 6 meses.

11 – E reparo maior suscita a pena única de 12 anos de prisão que emerge desse primeiro cúmulo de penas efectuado.

12 – Não cabendo dúvida sobre a autonomia que, na reformulação de um cúmulo jurídico de penas, readquirem as diversas penas parcelares que o integram, e daí que a moldura penal abstracta a considerar agora seja aquela de 3 anos de prisão a 16 anos e 3 meses de prisão, a verdade é que, no particularismo do caso que se lhe apresentava, o Tribunal a quo não poderia ter-se alheado da situação em que o arguido se encontrava antes da realização dos cúmulos de penas a que se procedeu.

13 – O arguido AA encontrava-se condenado numa pena única de 11 anos de prisão, aplicada pela prática de oito crimes no processo n.º 1024/17.... (um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal (C.P.) / pena de 7 (sete) anos de prisão, dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P./penas de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, para cada um destes crimes, três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P./penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, para cada um destes crimes, um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo artigo 173.º, n.º 1, do C.P./pena de 1 (um) ano de prisão, e um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 e 5, na forma tentada, na pena de 3 (três) anos de prisão).

E estava ainda condenado nas penas de 9 meses de prisão (processo n.º 205/15....), 6 meses de prisão (processo n.º 171/14....), 6 meses de prisão (processo n.º 108/15....) e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 € (processo n.º 1/18....).

Não tivera sido realizado o cúmulo jurídico, e o arguido teria por cumprir 12 anos e 9 meses de prisão, soma (material) das penas aplicadas nos referidos processos, permita-se o raciocínio.

Efectuado, como é de lei, o cúmulo de penas, resultou o arguido condenado em duas penas de cumprimento sucessivo de 12 anos de prisão, a primeira, e de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 €, a segunda: 19 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 €.

12 anos e 9 meses de prisão versus 19 anos de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de 500,00 €, por força da reformulação do cúmulo anteriormente realizado em ordem à integração das penas de prisão de 9 meses, 6 meses, 6 meses, e da pena de 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 €.

E com este particularismo.

Retirada à condenação imposta ao arguido no processo n.º 1024/17.... a pena de 7 anos de prisão, a mais expressiva das penas parcelares aplicadas nesse processo, que passou a integrar o segundo cúmulo de penas, da consideração das restantes penas aí em causa e daquelas três penas de prisão de 9 meses, 6 meses e 6 meses, resultou uma pena única de 12 anos de prisão, superior em 1 ano ao anterior cúmulo efectuado quando nele se incluía a referida pena de 7 anos de prisão.

O que se apresenta como irrazoável, desproporcional e injusto, afigura-se.

14 – É de entender, pelo que antecede, dever ter lugar a revisão da medida da pena fixada no primeiro cúmulo de penas efectuado pelo Tribunal a quo, adequando-a ao circunstancialismo concreto que se evidencia ser o do recorrente, em observância dos critérios definidores previstos nos artigos 71.º e 77.º, do Código Penal.

15 – Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de que, no que se refere à medida da pena de prisão aplicada no primeiro cúmulo de penas, deverá o recurso ter provimento, devendo, no mais, ser julgado improcedente.

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Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.

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Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).

*

Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:

1 – AA sofreu as seguintes condenações:

1º - No Processo Comum n.º 205/15.... do J... do ...), por sentença proferida em 04.01.2016, transitada em julgado em 03.02.2016, foi o arguido condenado na pena de 9 (nove) meses de prisão, a cumprir em 54 períodos de 36 horas cada, pela prática em 22.09.2015 de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p.p. pelos arts. 203.° e 204º, nº 2, al. e), 22º nº 1 e 2 e 23º nº 1, todos do C. Penal. Declarada extinta em 06.09.2017.

Nos referidos autos foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

No dia 21 de Setembro de 2015, cerca das 18,00 h, em conjugação de esforços e de intentos, os arguidos saltaram para o telhado das instalações da fábrica “...”, sita na Rua ..., ... e a partir daí introduziram-se nas instalações, através de um buraco na parede do balneário.

Já no interior de um edifício industrial, em fase de desmantelamento, os arguidos retiraram vários componentes de cobre e latão e vários utensílios industriais que acondicionaram em sacos para depois transportar para o veículo onde se faziam deslocar., estacionado à porta do edifício, objectos esses no valor estimado de cerca de 1.000,00 Euros.

Os arguidos pretendiam levar consigo, para além dos materiais já ensacados, outros objectos existentes no referido edifício, concretamente metais não preciosos de valor seguramente superior a 102, 00 Euros.

Os arguidos não conseguiram apropriar-se de todos esses bens porquanto forma surpreendidos pela GNR no interior do edifício e detidos no local.

Ao actuar da forma descrita em conjugação de esforços e na concretização de um desígnio comum, os arguidos quiseram apropriar-se e fazer seus bens que sabiam não lhes pertencer, contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que apenas não sucedeu por motivo alheio às suas vontades, agindo de forma livre, voluntária e consciente e com conhecimento de que a sua confuta era proibida e punida por Lei.

2º - No Processo Comum n.º 171/14.... do J... do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ...), por sentença proferida em 21.06.2016, transitada em julgado em 07.09.2016, foi o arguido condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em 36 períodos de 36 horas cada, pela prática em 03.06.2014 de um crime de furto, p.p. pelos arts. 203º do C. Penal. Cumprido um período de prisão por dias livres.

Nos referidos autos foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

No dia 3 de Junho de 2014 em hora não concretamente apurada mas antes das 2.00 horas, o arguido acompanhado de BB e de CC dirigiram-se até à Quinta..., e na sequência do plano elaborado, AA e AA apearam-se, dirigiram-se para o edifício e entraram no seu interior, através de uma janela.

Enquanto isso de acordo com o plano elaborado CC permaneceu junto do veículo automóvel em que se tinham deslocado, para assegurar que ninguém se aproximava ou caso surgisse alguém alertar os restantes arguidos.

Uma vez no interior os arguidos AA e AA apoderaram-se de 3 grelhas reflectoras para lâmpadas, 1 chapa em inox com 1,27 m de comprimento, 1 cesto de basquetebol, 4 acessórios de casa de banho, 1 quadro de electricidade, 3 caixas para instalações eléctricas e vários metros de cabos de cobre, tudo no valor superior a 102 Euros.

Os objectos foram apreendidos, pela GNR que passou no local e abordaram os arguidos que estavam já no interior do veículo onde já se encontravam parte dos objectos de que se haviam apoderado e outros ainda juntos a uma janela do edifício.

Ao actuar da forma descrita em conjugação de esforços e na concretização de um desígnio comum, os arguidos quiseram apropriar-se e fazer seus bens que sabiam não lhes pertencer, contra a vontade do seu legítimo proprietário, o que apenas não sucedeu por motivo alheio às suas vontades, agindo de forma livre, voluntária e consciente e com conhecimento de que a sua confuta era proibida e punida por Lei.

3º - No Processo nº 108/15.... do J... do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., por sentença proferida em 16.11.2017, transitada em julgado em 18.12.2017, foi o arguido condenado, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, pela prática em 23.10.2015, do crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelos artigos 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01. Revogada a suspensão da execução da pena por despacho transitado em julgado em 30.09.2019.

Nos referidos autos foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

No dia 23 de Outubro de 2015, na EM 501, ..., ..., o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-HB, apesar de não ser titular de documento que o habilitasse à condução de veículos automóveis.

O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente.

Com perfeito conhecimento de que não podia conduzir o mencionado veículo sem que para o efeito fosse titular do documento que o habilitasse a tal.

Sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

4º - No Processo Comum n.º 1/18.... do J... do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., por sentença proferida em 05.07.2019, transitada em julgado em 30.09.2019, foi o arguido condenado pela prática, de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artº 387º nº 1 do Código Penal, cometido em 28.12.2017, na pena de na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros.

Nos referidos autos foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

O arguido era dono de uma cadela da raça “pastor alemão”, desde data não concretamente determinada mas anterior a 29/12/2017 e pelo menos até 03/01/2018, que mantinha na casa onde residia, sita na Rua ..., em ..., e que era seu animal de companhia.

No dia 29 de Dezembro de 2017, pelas 23:15 horas, na Rua ..., o arguido desferiu um pontapé na supra identificada cadela, de que é dono.

DD e EE observaram tais agressões e dirigiram-se ao arguido, com o propósito de as fazer cessar.

Perante tal facto, o arguido agarrou na supra referida cadela e transportou-a ao colo para dentro da sua residência, mas enquanto a transportava do modo descrito, continuou a desferir número não concretamente determinado de socos na referida cadela, na região do focinho, actos estes que provocaram dor ao referido animal.

No dia 3 de Janeiro de 2018, pelas 20:00 horas, o arguido mantinha a supra referida cadela no sótão da fracção onde reside, num espaço parcialmente fechado, com fezes e urina da identificada cadela no chão daquele espaço, de há pelo menos 5 dias.

A supra referida cadela não tinha qualquer documentação nos termos legais, identificação electrónica ou vacinação.

O arguido previu, quis e conseguiu desferir número não concretamente determinado de socos e pontapés no corpo da cadela de que era dono, e manter a mesma num espaço parcialmente fechado nas supra descritas condições, sem qualquer documentação nos termos legais, identificação electrónica ou vacinação, com o propósito de lhe causar dor, sofrimento e lesões físicas, o que logrou conseguir.

O arguido sabia que a conduta descrita é proibida e punida por lei penal e tinha capacidade para se determinar segundo esse conhecimento.

5º - No Processo Comum n.º 1024/17.... do J... do Juízo Central criminal do Tribunal ... por Acórdão proferido em 12.03.2019, transitado em julgado em 15.04.2019, foi o arguido condenado nas seguintes penas:

Pela prática de um 1 crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal na pena de 7 anos de prisão.

Pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (a que se refere a actuação descrita no artº 6º da matéria de facto provada), um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes.

Pela prática de três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (a que se refere a actuação descrita no artº 7º e 8º da matéria de facto provada), dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes.

Por convolação de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º nº 1, para a prática de um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal na pena de 1 ano de prisão.

Pela prática de um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (a que se refere a actuação descrita no artº 10º da matéria de facto provada), 3 anos de prisão.

Em cúmulo jurídico das penas parcelares mencionadas em 5º foi o arguido condenado na pena única de 11 anos de prisão.

Nos referidos autos foram considerados provados os seguintes factos com relevância para a presente decisão:

1. A ofendida, FF, nasceu em .../.../2001, e é filha de GG e de HH.

2. O arguido é cunhado de II, irmã da ofendida.

3. Desde data não concretamente apurada, mas que se situa no Verão do ano de 2013, a FF reside habitualmente com os pais em casa destes, sita no n.º ..., Porta I, ..., da Rua ..., em ..., aí residindo também as suas irmãs JJ e KK.

4. Até data não concretamente apurada, mas que se situa no Verão do ano de 2012, a ofendida residiu com os pais e as irmãs, na localidade de ..., freguesia de ..., passando a partir de então a residir no ... e posteriormente no centro de ... onde permaneceram até ao Verão de 2013.

5. Entre Janeiro de 2012 até 11.07.2013, o arguido residiu numa garagem anexa à residência de BB e II, cunhado e irmã respectivamente, da ofendida FF, residência essa geminada com a da própria ofendida, em ..., ....

6. Nesse lapso temporal em que residiu na dita garagem, aproveitando-se da proximidade que a relação de parentesco com II, irmã da ofendida FF, lhe permitia, e, bem assim, a proximidade das respectivas residências, o arguido, pelo menos em 2 ocasiões distintas, abordou a ofendida quando a mesma se encontrava sozinha na referida garagem e apalpou-lhe os seios e o rabo.

7. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, aproveitando-se do facto de ficar sozinho com a ofendida na referida garagem, em datas que em concreto não foi possível apurar, mas pelo menos em 2 ocasiões distintas, obrigou-a a segurar-lhe no pénis com a sua mão e a friccioná-lo.

8. Ainda nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, em mais do que uma ocasião o arguido ordenou à ofendida que despisse as calças e cuecas que esta tinha vestidas, friccionou o pénis na vagina da ofendida acabando por ejacular, pelo menos numa das ocasiões.

9. Em todas as situações atrás descritas, o arguido dizia à ofendida que se contasse alguma coisa a alguém faria mal à sua família.

10. No dia do nascimento do filho do arguido, LL - 30 de Março de 2014 -, quando se encontrava juntamente com a ofendida e a mulher do seu irmão MM, na respectiva residência, aproveitando o facto de esta última se ter ausentado, e de ter ficado sozinho com a ofendida, levou-a para o seu quarto, despiu-se, ordenou-lhe que fizesse o mesmo e que se deitasse na cama, após o que friccionou o seu pénis na vagina daquela, tentando introduzi-lo no seu interior, o que só não concretizou por ter sido entretanto surpreendido pelo regresso da sua cunhada NN a casa.

11. Em data não concretamente apurada, mas que se situa durante o período de tempo entre 11.07.2013 a Dezembro de 2015, quando o arguido residia na zona da ..., em ..., aproveitando-se do facto de a ofendida pernoitar em sua casa, juntamente com a prima OO, filha da sua companheira, o arguido dirigiu-se à cama onde a ofendida dormia, acordou-a e levou-a consigo para a casa de banho onde lhe apalpou os seios e tentou beijá-la na boca.

12. Desde data não concretamente apurada do ano de 2015, o arguido passou a residir com a sua mulher na Rua do ..., em ....

13. No dia 9 de Dezembro de 2017, cerca das 17h30, aproveitando-se do facto de a chave da residência da ofendida se encontrar do lado de fora da porta, o arguido introduziu-se no interior da referida habitação, dirigiu-se à ofendida que se encontrava no sofá da sala a ver televisão, começou por lhe tapar os olhos e tentou beijá-la na boca, o que não conseguiu por aquela lhe ter oferecido resistência.

14. Entretanto a ofendida conseguiu libertar-se e fugiu para o quarto dos pais, até onde foi seguida pelo arguido que, ali chegado, começou por lhe apalpar o rabo, empurrou-a para cima da cama, desapertou as suas próprias calças e as que a ofendida vestia.

15. De seguida, enquanto com uma das suas mãos tapava a boca da ofendida, assim a impedindo de gritar, com a outra introduziu-lhe pelo menos um dedo na vagina, e, por fim, o pénis erecto, até ejacular.

16. Após, o arguido vestiu-se e depois de dizer à ofendida que se contasse o que havia ocorrido a alguém faria mal aos seus pais e à sua irmã, abandonou a residência da ofendida, dirigindo-se para a rua.

17. Com as descritas condutas, o arguido, comandado tão só pela satisfação dos seus impulsos libidinosos, obrigou a ofendida FF, que contava, aquando da prática dos actos que se situam em data anterior ao dia 19 de Junho de 2014, com 12 anos, ou menos, de idade e aquando da prática dos actos que se situam antes do dia 19 de Junho de 2015 com apenas 13 anos de idade, a praticar consigo actos de natureza sexual, gravemente violadores da sua consciência, decência e pudor sexuais, abusando da sua inexperiência, assim como do facto de ser pessoa conhecida da família da ofendida o que lhe permitia conhecer os respectivos hábitos e aceder facilmente ao interior da respectiva residência.

18. No dia 9 de Dezembro de 2017, o arguido, apesar de saber que o fazia contra a vontade da FF, o arguido agiu com a intenção, concretizada, de praticar acto sexual de cópula, satisfazendo unicamente a sua libido, com total desprezo pela pessoa e sentimentos da mesma, o arguido, com recurso à força física e ao amedrontamento da ofendida e colocando-a na impossibilidade de resistir e de pedir ajuda, praticou com a mesma os actos sexuais supra.

19. Em todos os seus comportamentos acima descritos, o arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que agia contra a vontade da ofendida, e que eram proibidas e punidas por lei as respectivas condutas.

2 – Consta do seu Relatório Social:

AA é o terceiro filho de uma fratria de 10 irmãos, e o seu desenvolvimento durante a infância e juventude decorreu na Ilha da ..., num contexto socio familiar desfavorecido.

A família residia em meio rural, numa habitação com condições precárias e, apesar de AA não referir privações significativas a nível das necessidades básicas, apenas o pai trabalhava de forma regular na agricultura ou como indiferenciado na construção civil, estando a mãe tendencialmente em casa.

A dinâmica familiar era disfuncional quer pela promiscuidade entre os membros como pelos problemas de alcoolismo do progenitor, cujas alterações de comportamento se reflectiam em episódios qualificados como violência doméstica centrada no cônjuge e descendentes.

O progenitor veio a cumprir pena efectiva de prisão por violação das filhas, que foram retiradas da família e institucionalizadas, desconhecendo o arguido actualmente o paradeiro destas irmãs.

O arguido terá sido sujeito a abusos de natureza sexual por parte do progenitor durante a infância, embora essa questão se constitua como um tema que o arguido rejeita abordar, desconhecendo-se assim o impacto psicológico destas vivências sobre AA.

Frequentou a escola em idade regular, mas concluiu apenas o 4º ano de escolaridade, apontando o desinteresse pelas matérias curriculares como o principal motivo de desinteresse pela escola.

A nível laboral refere ter começado a trabalhar aos 15 anos como ajudante de pedreiro e embora apresente outras experiências profissionais como operador de armazém, tem trabalhado essencialmente como indiferenciado na construção civil. Num período mais recente, juntamente com alguns irmãos, dedicou-se á recolha de sucata.

De um modo geral tem tido colocações profissionais de curta duração e períodos de inatividade laboral. Não desenvolveu actividades de tempos livres regulares ou estruturadas.

A nível pessoal refere vários relacionamentos pouco duradores, com filhos nascidos destas relações e com contactos reduzidos com os mesmos, sendo as questões de parentalidade por ele abordadas com superficialidade.

Veio contudo a fazer vida em comum com uma jovem madeirense, cerca de l ano e meio relação da qual nasceu 1 filha. Esta relação foi conturbada sobretudo pelas dificuldades económicas, já que a companheira encontrava-se a estudar e era beneficiária do RSI e o arguido tinha na época actividade laboral irregular e era considerado pela companheira, uma pessoa pouco responsável e inconsistente nas suas opções.

A relação terminou após a prisão e condenação de AA por violação, em Novembro de 2007.

Durante o tempo de prisão, o arguido investiu na formação escolar e profissional, no sector de artesanato e teve um percurso institucional ajustado com benefício de várias LSJs.

Foi-lhe concedida Liberdade Condicional em Dezembro de 2011, com autorização opara o mesmo se fixar em ... junto de irmãos.

Contudo permaneceu neste país pouco tempo, alegadamente por dificuldades linguísticas e de empregabilidade, e no início de 2012, viajou para Portugal, e estabeleceu-se junto de um irmão, na zona de ....

Durante o acompanhamento da liberdade condicional evidenciou acentuada mobilidade habitacional, deixando a companhia do irmão, refugiando-se no apoio de pessoas que ia conhecendo ao longo do tempo, e em termos laborais permaneceu com períodos de inactividade prolongados, referindo dificuldades de integração laboral. Chegou a apoiar uma amiga na exploração de um café num clube desportivo.

Reintegrou posteriormente o agregado familiar de um irmão e cunhada e passou a colectar sucata junto deste, assim como a trabalhar na montagem de carrosséis.

Em 2014 foi condenado por um crime de condução de veículo sem habilitação legal, a uma multa convertida em PTFC, que veio a cumprir nesse ano, com avaliação positiva. Sofreu posteriormente nova condenação pela mesma tipologia de crime, em 2015

Em 2013 iniciou um novo relacionamento afectivo, com uma companheira que de duas relações anteriores, tinha já 3 filhos, com os quais não residia, uma vez que se encontravam confiados aos seus progenitores, alegadamente por negligência.

Na época trabalhava como indiferenciado na construção civil para o mesmo senhorio, e auferia segundo o mesmo, cerca de 800 euros mensais por esse trabalho. Depois do horário de trabalho ia apanhar ferro velho para vender e segundo ele, suprir as necessidades familiares, mas de acordo com as fontes permanecia por isso, pouco presente na dinâmica familiar.

A companheira manteve alguns trabalhos em limpezas para particulares mas permaneceu maioritariamente desocupada já que voltou a engravidar. O quadro económico na época, era percepcionado como equilibrado e suficiente para garantir as necessidades familiares.

No mesmo edifício também residiam alguns dos irmão do arguido, verificando-se nesse período, a existência de alguma proximidade e entreajuda entre os familiares.

A nível local estaria conotado como um individuo sociável, que frequentemente pagava aos amigos com que convivia, cafés ou cervejas.

Apesar do quotidiano do arguido estar aparentemente organizado e existir investimento por parte deste em tomo da recuperação da habitação, no contacto com fontes colaterais, foram imputados ao casal hábitos de consumo de álcool.

Na sequência de outras participações anónimas decorreu nova intervenção no âmbito da protecção de menores e o segundo filho, entretanto nascido, foi retirado igualmente ao casal e entregue aos avós maternos.

Ocorreu na época uma separação temporária da companheira, mas o casal veio a reatar e estabilizar o casamento depois deste ser legalizado, há 2 anos. A companheira entretanto engravidou de um terceiro filho.

Em ambiente prisional o arguido tem cumprido as normas institucionais, não averbando registos disciplinares.

3 - Para além das condenações mencionadas em 1, o arguido averba no certificado de registo criminal, as seguintes condenações transitadas em julgado:

- pela prática em 25.04.2000, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artº 204º do Código Penal, foi condenado por decisão de 09.12.2002, transitada em julgado em 27.02.2002, na pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução.

- pela prática em 09.10.2001, de um crime de receptação, p. e p. pelo artº 231º do Código Penal, foi condenado por decisão de 08.04.2003, transitada em julgado em 05.05.2003, na pena de 80 dias de multa..

- pela prática em 08.01.2006, de um crime de violação, p. e p. pelos arts. 164º, do Código Penal, foi condenado por decisão de 15.10.2007, transitada em julgado em 05.11.2007, na pena de 6 anos de prisão.

- pela prática em 18.12.2012, de um crime de condução se habilitação legal, p. e p. pelos arts. 3º do DL 2/98 de 03.01, foi condenado por decisão de 14.02.2014, transitada em julgado em 14.02.2014, na pena de 80 dias de multa.

- pela prática em 29.11.2014, de um crime de condução se habilitação legal, p. e p. pelos arts. 3º do DL 2/98 de 03.01, foi condenado por decisão de 12.12.2014, transitada em julgado em 27.01.2015, na pena de 180 dias de multa.

- pela prática em 12.07.2014, de um crime de furto, p. e p. pelo artº. 203º do Código Penal, e um crime de quebra de marcas e de selos, p. e p. pelo artº 356º do C. Penal, foi condenado por decisão de 13.06.2016, transitada em julgado em 13.07.2016, na pena única de 3 meses de prisão suspensa na sua execução.

Motivação:

A decisão do Tribunal quanto à matéria de facto provada fundamentou-se no confronto com:

- as certidões das sentenças e acórdãos que compõem os presentes autos.

- o relatório social relativamente às condições sociais e características de personalidade do arguido, bem como o teor do certificado de registo criminal do arguido Junto aos autos.

Enquadramento jurídico-penal:

Estipula o art. 77º, nºs. 1 e 3 do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

(…)

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

(…)».

Por seu turno, dispõe o n.º 1 do art. 78º do Código Penal na redacção da Lei n.º 59/2007, de 04-09: «Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.». Do confronto com as citadas disposições resulta como pressuposto de uma situação de concurso de crimes, a punir com uma única pena, que os vários ilícitos criminais tenham sido cometidos antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer um deles, sendo o trânsito em julgado o limite temporal a atender na determinante do concurso de crimes relevante para efeito de cúmulo jurídico das penas, sendo excluídos do cúmulo crimes que venham a ser praticados em momento posterior a esse trânsito em julgado.

Conforme tem sido o entendimento maioritário da jurisprudência, não são de admitir os cúmulos por arrastamento.

Salienta a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2010, http://www.dgsi.pt/, «É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. O momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido. O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.».

Quanto às condenações em pena de prisão suspensa na sua execução, aderindo à posição jurisprudencial maioritária nesta matéria, deverão as mesmas ser incluídas na reformulação da pena conjunta.

Salienta a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2013, http:www.dgsi.pt/, «No conhecimento superveniente da necessidade do cúmulo existe uma primeira operação que, basicamente, se reconduz, a uma decomposição das penas parcelares que integraram o cúmulo jurídico efectuado em primeiro lugar e uma recomposição que se consubstancia num novo cúmulo em que estão presentes as penas parcelares anteriormente conhecidas e aquelas cuja apreciação é agora sujeita à apreciação do Tribunal. Tudo se passa como uma repetição das mesmas operações se tratasse, voltando de novo a partir de um conjunto de penas parcelares individualmente consideradas para a efectivação do novo cúmulo. A pena conjunta em que o arguido foi previamente condenado perde a sua subsistência, e desaparece, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas.».

Nas situações de pena de prisão suspensa na sua execução, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, apenas não deverá integrar o cúmulo jurídico a pena de prisão suspensa na sua execução, mas já declarada extinta nos termos do art. 57º, n.º 1 do Código Penal (cf. por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2012, http://www.dgsi.pt).

Transpondo tais considerações para o caso em apreço, e analisadas as condenações sofridas pelo arguido, nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e bem como as condenações sofridas no âmbito do proc. 1024/17...., pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes), três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes), um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal (pena de 1 ano de prisão) e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (3 anos de prisão), crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015, e a condenação sofrida no proc. 1/18.... e o crime de violação cometido em 9.12.2017 no processo 1024/17...., verifica-se que as mesmas importam a realização de dois cúmulos jurídicos, que darão origem a duas penas únicas distintas a cumprir sucessivamente.

A pena de 3 meses de prisão suspensa por 1 ano, aplicada no proc. 14/4.... praticado em 12.07.2014, por decisão proferida em 13.06.2016 e transitada em julgado em 13.07.2016, porque declarada extinta em 13.07.2017 e de acordo com o entendimento jurisprudencial a que aderimos e já exposto supra, não entra no cúmulo a realizar.

O primeiro cúmulo incluirá as condenações sofridas nos processos 205/15...., 171/14...., 108/15...., e bem como as condenações sofridas no âmbito do proc. 1024/17...., pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes), três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes), um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal (pena de 1 ano de prisão) e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (3 anos de prisão), crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015,

O segundo cúmulo incluirá as condenações sofridas no proc. 1024/17...., crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal, pelo qual o arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão cometido em 9.12.2017 e no proc. 1/18...., crime de maus tratos a animais de companhia p. pelo artº 387 º nº 1 do C.Penal, em que foi condenado na pena de 100 dias de multa, praticado em 28.12.2017, que em face da distinta natureza das penas se traduz em mero cúmulo material das penas em concurso.

Prestado este esclarecimento cumpre analisar agora todas as demais condenações, já enunciadas supra, concretamente as que se referem os crimes praticados pelo arguido, a que se reportam os Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2015 do proc. 1024/17...., foram cometidos antes do trânsito em julgado da condenação, proferida no âmbito do processo 205/15.... sendo 03.02.2016 a data do primeiro trânsito em julgado relevante, encontrando-se todos os crimes objecto das referidas condenações, em situação de concurso supervenientemente conhecido.

Finalmente, tendo em conta que e sendo o tribunal do processo n.º 1/18.... o territorialmente competente nos termos do n.º 2 do artigo 471.º do Código de Processo Penal, por ser o tribunal da última condenação, foi este que determinou a extracção de certidão para realização de cúmulo jurídico e sua remessa à Instância Central Criminal de Loures do Tribunal Judicial da Comarca ..., por ser o Tribunal Colectivo o tribunal competente em razão da estrutura, para a realização do cúmulo jurídico, para aplicação ao arguido de uma pena única.

Por força do disposto no art. 77º, n.º 2 e 3 do Código Penal, à pena única de prisão a aplicar aos crimes em concurso, importará cumular a pena de multa em que o arguido igualmente se mostra condenado.

E assim, quanto às molduras abstractas a considerar para efeitos de determinação da pena única a aplicar, são as seguintes:

Primeiro cúmulo.

- 3 anos (correspondente à mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 15 anos e 6 meses de prisão (correspondente à soma das penas parcelares de prisão aplicadas a cumular).

Segundo cúmulo:

Como já referido corresponderá ao cúmulo material da pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa.

Quanto à medida concreta do cúmulo, nos termos do n.º 1 do mencionado art. 77º, considerar-se-á, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Da valoração global dos factos praticados pelo arguido e da personalidade do arguido, nos termos que resultaram provados nas decisões mencionadas, sobressai, em síntese:

- a gravidade da ilicitude global, atenta a natureza dos bens jurídicos violados (patrimoniais mas também eminentemente pessoais) e, em particular, e o modo de cometimento dos crimes, revelador de uma energia criminosa intensa e de persistência na prática de tais ilícitos criminais, dada a pluralidade dos mesmos, de forma reiterada no seu percurso de vida.

- a intensidade dolosa, tendo todos os crimes em concurso sido cometidos com dolo directo, e a reiteração de crimes praticados, revelador de uma persistência na prática de tais ilícitos criminais, denotando uma grande indiferença pelos valores protegidos pelas normas incriminadoras e pelas anteriores condenações, reclamando maiores exigências ao nível da prevenção, acrescidas atendendo ao facto do arguido ter um percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes, o que constitui um factor de risco em termos de adequada reinserção, e às características de personalidade do arguido, em particular a falta de consciência do arguido relativamente a gravidade e consequências do seu percurso criminal, como resulta patente do relatório social do mesmo. Por outro lado e a acrescer a falta de suporte de vida e as limitações em termos de competências laborais do arguido, o que constituem factores de risco em termos de reincidência.

- as elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a natureza dos crimes praticados pelo arguido (contra o património e bens eminentemente pessoais), sendo especialmente a prática de crimes de natureza sexual fonte de grande alarme e instabilidade social.

- as condições sociais do arguido.

Num juízo de ponderação, de todas as circunstâncias supra enunciadas afigura-se assim adequada, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas

Num juízo de ponderação, afigura-se assim adequada a aplicação ao arguido das seguintes penas, a cumprir sucessivamente:

Primeiro cúmulo: a pena única de 12 (doze) anos.

Segundo cúmulo: a pena de 7 (sete) anos e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros.

IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo, em:

1 - Condenar o arguido AA nas seguintes penas a cumprir sucessivamente:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

b) Segundo cúmulo:

Em cúmulo material, por força da diversa natureza das penas em concurso as penas parcelares aplicadas nos proc. 1/18.... em que foi condenado (na pena de 100 dias de multa) e o crime de violação pelo qual o arguido foi condenado (na pena de 7 anos de prisão) no proc. 1024/17...., é o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, no montante global de 500 Euros.

Por força do disposto no art. 78º, n.º 1 e 80º, n.º 1, ambos do Código Penal, às penas únicas aplicadas ao arguido, serão descontados os períodos de privação de liberdade sofridos e o período de prisão já cumprido, no âmbito dos Processos integrados no cúmulo jurídico efectuado.

*

II. Constitui entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2.ª ed. 2000, p. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 2007, p. 103; Ac. STJ de 09-10-2019, Proc. n.º 3145/17.4JAPRT.S1, Relator Cons. Raul Borges e de 11-09-2019, Proc. n.º 96/18.9GELLE.E1.S1, Relator Cons. Raúl Borges).

*

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, a pretensão do recorrente está relacionada com:

- A existência de nulidade por omissão do dever de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por não se ter averiguado se a pena de multa aplicada ao arguido no processo n.º 1/18.... já se encontrava extinta;

- Violação do disposto no artigo 77.º, do Código Penal por se ter fixado uma pena única, que considera pesada, sem levar em consideração a personalidade do arguido e as finalidades propugnadas pela reintegração dos arguidos na sociedade.

*

II. 1. Questão prévia:

Nos presentes autos, foi efectuado o cúmulo jurídico das penas em que o arguido AA foi condenado no processo n.º 205/15.... do J..., do ..., no processo n.º 171/14.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no processo n.º 108/15.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no processo n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal ..., no Processo Comum n.º 1024/17.... do J..., do Juízo Central criminal do Tribunal ..., respectivamente, sendo o mesmo condenado nas seguintes penas a cumprir sucessivamente:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015, do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

b) Segundo cúmulo:

Em cúmulo material, por força da diversa natureza das penas em concurso as penas parcelares aplicadas nos proc. 1/18.... em que foi condenado (na pena de 100 dias de multa) e o crime de violação pelo qual o arguido foi condenado (na pena de 7 anos de prisão) no proc. 1024/17...., foi o arguido condenado na pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, no montante global de 500 Euros.

*

Porém, na decisão recorrida, logo na parte inicial referente ao RELATÓRIO, no ponto 1., alínea a), faz-se constar:

I. RELATÓRIO: 1 (…)

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão”.

Do mesmo modo, na parte IV – DECISÃO, consta:

Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo, em:

1 - Condenar o arguido AA nas seguintes penas a cumprir sucessivamente:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão”.

Deverá, assim, proceder-se à correcção deste manifesto lapso, atento o disposto no artigo 380°, n° 1, alínea b) e n° 2, do Código de Processo Penal.

Assim, na parte da decisão recorrida onde consta na parte assinalada do RELATÓRIO, bem como na parte referente à DECISÃO:

a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos entre 28.12.2017 e 9.12.2017 do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão”, deverá passar a constar:

“a) Primeiro cúmulo:

Em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos Proc. 205/15...., 171/14...., 108/15...., e os crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015, do proc. 1024/17...., na pena única de 12 (doze) anos de prisão”.

*

II. 2. Quanto à omissão de pronúncia pela inclusão no cúmulo jurídico de uma pena de multa sem se apurar previamente se a mesma já se mostrava extinta.

Alega o recorrente que, relativamente ao Processo Comum n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., em que por sentença proferida em 05.07.2019, transitada em julgado em 30.09.2019, foi o arguido condenado pela prática, de um crime de maus tratos a animais de companhia previsto e punido pelo artº 387º nº 1 do Código Penal, cometido em 28.12.2017, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros, omitiu o Tribunal recorrido se a pena de multa foi paga, mandada executar ou se a mesma já foi declarada extinta, porquanto, no entendimento do recorrente, se tal pena já foi declarada extinta, carece totalmente de sentido incluí-la no cúmulo jurídico a que se procedeu no âmbito do presente processo. Por conseguinte, o tribunal recorrido, ao englobar no cúmulo uma pena de multa a que o arguido foi condenado no âmbito do Processo Comum n.º 1/18.... do J..., do Juízo Local Criminal ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., sem apurar previamente qual a decisão sobre o respetivo cumprimento, execução ou extinção, e sem plasmar essa informação no acórdão, incorreu numa nulidade por omissão do dever de pronúncia, nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, al. c), do C. P. Penal. Conclui, assim, que tal nulidade implica que se proceda à averiguação sobre se a aludida pena de multa se mostra ou não declarada extinta, e, depois, se proceda em conformidade, com elaboração de novo acórdão que dê conta de tais elementos factuais, e, também com base neles, proceda, se for caso disso, à elaboração do competente cúmulo jurídico.

*

Não assiste qualquer razão ao recorrente.

II. 2.1. A questão do concurso, e do concurso superveniente (que é o caso destes autos), está, entre nós, disciplinada nos arts. 77.º e 78.º do CP,.

Dispõe o art. 78.º do Código Penal que:

“1 Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.

3 As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêmse, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.”

Por outro lado, estabelece o artigo 77.º do Código Penal que:

1 Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratandose de pena de prisão e 900 dias tratandose de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.”

Um arguido pode, na mesma ocasião, cometer um só crime, ou cometer vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (v. n.º 1 do art. 77.º do CP). Estaremos, nesta 2.ª hipótese, no caso normal do concurso de crimes.

Também pode suceder que o tribunal verifique que o arguido depois de uma condenação transitada em julgado tinha praticado, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes. Nesta hipótese, estaremos perante um concurso superveniente (v. art. 78.º, n.º 1, CP).

De acordo com este normativo, na redação dada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro ao n.º 1 foi suprimido o requisito anterior, que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena estar já cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto da pena única.

Hoje, mesmo as penas já cumpridas ou extintas pelo cumprimento, deverão sempre englobar o cúmulo jurídico superveniente, procedendo-se sempre ao respetivo desconto, pois que naturalmente a ideia subjacente é sempre beneficiar o arguido.

A jurisprudência do STJ tem entendido que, por virtude da alteração legislativa operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, no art. 78.º, n.º 1 do Código Penal (eliminação do segmento «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta»), no cúmulo superveniente são incluídas as penas já cumpridas, por o respectivo tempo de cumprimento ser descontado na pena conjunta (art. 78.º, n.º 1, in fine, e 81.º, n.º 1, do Código Penal), mas não as prescritas ou extintas por causa diversa do efectivo cumprimento (incluindo a amnistia e o perdão total), uma vez que, não tendo sido estas cumpridas, não poderiam ser descontadas na pena única, o que implicaria o seu «agravamento (…) sem justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram “apagadas” da ordem jurídico-penal, por renúncia (definitiva) do Estado à sua execução (a sua integração no cúmulo aumentaria o limite máximo da moldura aplicável e, mesmo, nalgumas situações, o limite mínimo, sem qualquer vantagem para o condenado, em virtude de nada haver para descontar)» - Ac. do STJ de 02-10-2019, 3ª Secção, proc. nº 1379/19.6T8SNT.L1.S1., Relator: Mário Belo Morgado.

Quanto às penas principais, de prisão ou de multa, que estejam cumpridas constitui jurisprudência constante deste Tribunal a de que devem estas ser consideradas nas operações de cúmulo, procedendo-se ao respectivo desconto na pena única, como decorre expressamente dos artigos 78.º, n.º 1, parte final, e 81.º do Código Penal (sobre este ponto, neste sentido, cfr. o acórdão de 18.10.2017, no Proc. 8/15.1GAOAZ.P1.S1, rel. Cons. Raul Borges, e a abundante jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt).

*

II. 2. 2. Revertendo ao caso dos autos, por acórdão cumulatório proferido em 22 Junho de 2021, no âmbito do presentes autos do Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do C.P.P., foi o arguido AA condenado em 2 penas únicas de prisão, a cumprir sucessivamente, a saber:

Num primeiro cúmulo jurídico, integrando as penas parcelares aplicadas nos processos n.º 205/15.... (9 meses de prisão), 171/14.... (6 meses de prisão), 108/15.... (6 meses de prisão), e pelos crimes de abuso sexual de crianças e de actos sexuais com adolescentes cometidos entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2015, do processo n.º 1024/17.... (penas de 1 ano e 6 meses de prisão, 1 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 2 ano e 6 meses de prisão, 1 ano de prisão e 3 anos de prisão), numa pena única de 12 anos de prisão;

- Num segundo cúmulo sucessivo, por força da diversa natureza das penas, integrando as penas parcelares aplicadas nos processos n.º 1/18.... (100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros), e o crime de violação, ocorrido em 9 de Dezembro de 2017, do processo n.º 1024/17.... (7 anos de prisão), na pena de 7 anos de prisão e na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 500,00.

No caso concreto em análise, verifica-se que a pena aplicada ao recorrente no processo 1/18.... foi de 100 dias de multa, à taxa diária de 5 Euros.

Assim, o cúmulo jurídico superveniente deve englobar sempre todas as penas mesmo que cumpridas, prescritas ou extintas, cabendo, em momento posterior ao cúmulo, proceder ao respectivo desconto na pena única fixada.

E, nessa medida, mostrando-se em causa a inclusão de uma pena de multa, como no caso em apreço, o julgador para decidir se a aquela deverá ou não ser englobada num cúmulo superveniente não tem que averiguar se a mesma já se encontra cumprida pelo pagamento, e, por isso extinta, na medida em que, aquela pena, independentemente de estar cumprida ou não, entrará necessariamente no cúmulo, verificados que se mostrem os pressupostos legais para a sua inserção – neste sentido se pronunciou, também, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, 3ª edição, páginas 377/378 «Em caso de concurso de crimes punidos com penas de natureza diversa, a diferente natureza das mesmas mantém-se na pena conjunta. Assim, havendo concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa ou concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de multa em cumulação com pena de prisão, ou concurso de crimes punidos com pena de prisão e crimes punidos com pena de prisão subsidiária resultante de multa não paga nem executada, verifica-se uma verdadeira cumulação material das penas, mantendo-se autonomamente as penas de multa, de multa em cumulação com prisão e de prisão subsidiária da multa, o que tem particular relevância prática para efeitos da extinção da pena de multa pelo pagamento (…). Portanto, as penas de multa são sempre acumuladas materialmente com a de prisão e, quando não seja paga a pena de multa, a execução da prisão em que venha a ser convertida, seguir-se-á à execução da prisão diretamente aplicada.».

Situação diversa é aquela que se prende com as condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, as quais apenas integram o cúmulo superveniente se ainda não tiverem sido declaradas extintas (cf. por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2012, http://www.dgsi.pt), mostrando-se necessário, se o prazo de suspensão já tiver decorrido integralmente à data da realização do cúmulo superveniente, apurar qual a decisão sobre essa execução. E tal prende-se por se entender que, nas penas suspensas na sua execução quando declaradas extintas (nos termos do artigo 57.º, do Código Penal), como o condenado não chegou a cumprir a pena de prisão substituída, caso englobassem o cúmulo, não poderiam ser descontadas na pena única, o que agravaria a situação processual do arguido – neste sentido, cfr. o recente acórdão deste S.T.J., de 09/09/2021, Proc. 268/21.9T8GRD.S1, 5ª Secção, Relatora: Helena Moniz: “III - Quando já tenha decorrido o período de suspensão da execução da pena, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de entender que, previamente à realização do cúmulo, há que indagar se a pena deve ser declarada extinta, pelo cumprimento, ou se a mesma deve ser revogada; se a pena dever ser declarada extinta pelo cumprimento, deverá o tribunal da respetiva condenação declarar a extinção dessa pena que, encontrando-se então extinta, não poderá ser considerada na operação do cúmulo jurídico”.

*

II. 2. 3. Face a todo o exposto, não se verifica a invocada nulidade por omissão do dever de pronúncia, prevista no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, uma vez que, como foi já referido, mostrando-se em causa a inclusão de uma pena de multa, o julgador para decidir se a aquela deverá ou não ser englobada num cúmulo superveniente não tem que averiguar se a mesma já se encontra cumprida pelo pagamento, e, por isso extinta, na medida em que, aquela pena, independentemente de estar cumprida ou não, entrará necessariamente no cúmulo, verificados que se mostrem os pressupostos legais para a sua inserção.

E, no caso em apreço, conforme informação colhida junto do Tribunal Judicial da Comarca ... - Juiz ... (oficio recebido a 06.01.2022, Referência: ...), a multa em que o arguido foi condenado nos presentes, ainda não foi paga na sua totalidade.

Deverá, pois, nesta parte, ser negado provimento ao recurso interposto.

*

II. 3. Quanto à medida da pena única aplicada.

Quanto à medida da pena contra a qual se insurge o recorrente, o mesmo alega de forma muito lacónica, resultar da factualidade apurada, essencialmente baseada no relatório social junto aos autos, que os crimes cometidos pelo arguido foram resultado dum processo de desenvolvimento precocemente afetado pela problemática dos abusos de natureza sexual por parte do progenitor e por desagregação e disfunção familiar (conclusão X); que o arguido se encontra a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional ... (conclusão XI); que o objetivo de reintegração do arguido na sociedade não se alcança com a sujeição do mesmo a uma pena privativa da liberdade tão pesada (conclusão XII); que ao proceder ao cúmulo jurídico das penas, haverá que ter em conta a personalidade do arguido e o conjunto dos factos, nos termos do artigo 77º, nº 1, do Código Penal (conclusão XIII), e, por fim, que foi violado o disposto nos artigos 77º do Código Penal, e artigo 379º, nº 1, al. c), do Código do Processo Penal (conclusão XIV) – e que só poderá ser a de 12 anos de prisão aplicada no 1º cúmulo de penas efectuado, é de considerar que a mesma não deverá subsistir.

*

II. 3.1. Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do C.Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo nesta considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1).
A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas (n.º 2).

Sendo umas penas de prisão e outras de multa, mantém-se a diferente natureza dessas penas no cúmulo a efectuar (n.º3).

Nos termos do artigo 78.º, n.º 1 do CP, «Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes

Conforme esclarece Paulo Dá Mesquita, in O Concurso de Penas, págs. 41 e 42, o momento decisivo para a existência de um concurso de penas, em caso de conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da condenação por qualquer dos crimes, pois só a partir do trânsito da condenação é que a solene advertência ao arguido tem efeitos jurídicos plenos, designadamente quanto ao cumprimento da pena.

Ora, em face do pressuposto temporal do concurso de penas, importa desde logo concluir que, com o trânsito da decisão proferida no Processo nº 205/15...., do ...) – 03.02.2016 – se iniciou um 1º ciclo de crimes, encontrando-se a pena ali aplicada em concurso com as penas aplicadas nos processos 171/14.... [pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em 36 períodos de 36 horas cada, pela prática em 03.06.2014 de um crime de furto, p.p. pelos arts. 203.° do C. Penal. Cumprido um período de prisão por dias livres]; 108/15.... (pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, pela prática em 23.10.2015, do crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelos artigos 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01. Revogada a suspensão da execução da pena por despacho transitado em julgado em 30.09.2019), bem como as condenações sofridas no âmbito do proc. 1024/17...., pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (um ano e seis meses de prisão, para cada um destes crimes), três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1 (dois anos e 6 meses, para cada um destes crimes), um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal (pena de 1 ano de prisão) e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada (3 anos de prisão), crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015,

Já o 2º ciclo de crimes, iniciou-se com o trânsito da decisão proferida no processo n.º 1/18.... – 30.09.2019 – (crime de maus tratos a animais de companhia p. pelo artº 387 º nº 1 do C.Penal, em que foi condenado na pena de 100 dias de multa, praticado em 28.12.2017), com o proc. 1024/17...., quanto ao crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal, pelo qual o arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão cometido em 9.12.2017), que em face da distinta natureza das penas se traduz em mero cúmulo material das penas em concurso.

Sendo o tribunal do processo n.º 1/18.... o territorialmente competente nos termos do n.º 2 do artigo 471.º do Código de Processo Penal, por ser o tribunal da última condenação, foi determinada a extracção de certidão para realização de cúmulo jurídico e sua remessa à Instância Central Criminal de Loures do Tribunal Judicial da Comarca ..., por ser o Tribunal Colectivo o tribunal competente em razão da estrutura, para a realização do cúmulo jurídico, para aplicação ao arguido de uma pena única.

Desta forma, é forçoso fazer dois cúmulos jurídicos, apurando-se duas únicas penas de cumprimento sucessivo, posição que encontra apoio na jurisprudência da nossa mais alta instância - pode ver-se, por exemplo, o Ac. 15.03.2007, processo nº 4796/06-5ª, onde se decidiu que os crimes cometidos posteriormente à primeira condenação transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respetivas penas.

Solução diversa redundaria no chamado cúmulo por arrastamento, cuja rejeição pela jurisprudência dos tribunais superiores é, atualmente, unânime – Cfr., a este propósito, A. Lourenço Martins, Medida da Pena – Finalidades e Escolha, págs. 323 a 328, e Paulo Dá Mesquita, op. cit., págs. 56 a 72.

Como se alude no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.02.2002, citado na obra acima referida, “Resulta dos arts. 77.º e 78.º do Código Penal que, para a verificação de uma situação de concurso de infrações a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infrações tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infração obsta a que, com essa infração ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito. / O trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois. / O cúmulo dito «por arrastamento», não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do Código Penal, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação, pelo que como tal, não deve ser aceite”.

*

II. 3.2. No que tange à determinação da moldura penal do concurso, considerou a decisão recorrida serem as seguintes as molduras penais abstractas para efeitos de determinação da pena única a aplicar.

«Primeiro cúmulo.

- 3 anos (correspondente à mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 15 anos e 6 meses de prisão (correspondente à soma das penas parcelares de prisão aplicadas a cumular).

Segundo cúmulo:

Como já referido corresponderá ao cúmulo material da pena de 7 anos de prisão e 100 dias de multa.

Quanto à medida concreta do cúmulo, nos termos do n.º 1 do mencionado art. 77º, considerar-se-á, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Da valoração global dos factos praticados pelo arguido e da personalidade do arguido, nos termos que resultaram provados nas decisões mencionadas, sobressai, em síntese:

- a gravidade da ilicitude global, atenta a natureza dos bens jurídicos violados (patrimoniais mas também eminentemente pessoais) e, em particular, e o modo de cometimento dos crimes, revelador de uma energia criminosa intensa e de persistência na prática de tais ilícitos criminais, dada a pluralidade dos mesmos, de forma reiterada no seu percurso de vida.

- a intensidade dolosa, tendo todos os crimes em concurso sido cometidos com dolo directo, e a reiteração de crimes praticados, revelador de uma persistência na prática de tais ilícitos criminais, denotando uma grande indiferença pelos valores protegidos pelas normas incriminadoras e pelas anteriores condenações, reclamando maiores exigências ao nível da prevenção, acrescidas atendendo ao facto do arguido ter um percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes, o que constitui um factor de risco em termos de adequada reinserção, e às características de personalidade do arguido, em particular a falta de consciência do arguido relativamente a gravidade e consequências do seu percurso criminal, como resulta patente do relatório social do mesmo. Por outro lado e a acrescer a falta de suporte de vida e as limitações em termos de competências laborais do arguido, o que constituem factores de risco em termos de reincidência.

- as elevadas necessidades de prevenção geral, atenta a natureza dos crimes praticados pelo arguido (contra o património e bens eminentemente pessoais), sendo especialmente a prática de crimes de natureza sexual fonte de grande alarme e instabilidade social.

- as condições sociais do arguido.

Num juízo de ponderação, de todas as circunstâncias supra enunciadas afigura-se assim adequada, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas

Num juízo de ponderação, afigura-se assim adequada a aplicação ao arguido das seguintes penas, a cumprir sucessivamente:

Primeiro cúmulo: a pena única de 12 (doze) anos.

Segundo cúmulo: a pena de 7 (sete) anos e 100 dias de multa à taxa diária de 5 Euros».

*

II. 3.3. Nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, a pena única conjunta, a aplicar a um caso de concurso crimes, é determinada a partir de uma moldura que tem como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, e como limite máximo “a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Pelo que as penas concretas aplicadas a cada crime constituem os elementos a partir das quais se determina aquela moldura; e não será a partir das penas únicas (que se tenham aplicado em cada um dos processos) que se constrói da moldura do concurso de crimes.

No presente caso as penas concretas a aplicar a cada um dos crimes em concurso já se encontram determinadas, posto que se trata de conhecimento superveniente:

a) Relativamente ao 1º ciclo, estão em consideração as seguintes penas:

- pena de 9 (nove) meses de prisão, a cumprir em 54 períodos de 36 horas cada, pela prática em 22.09.2015 de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p.p. pelos arts. 203.° e 204.°, nº 2, al. e) , 22º nº 1 e 2 e 23º nº 1, todos do C. Penal. Declarada extinta em 06.09.2017 (Proc. 205/15....);

- pena de 6 (seis) meses de prisão, a cumprir em 36 períodos de 36 horas cada, pela prática em 03.06.2014 de um crime de furto, p.p. pelos arts. 203.° do C. Penal. Cumprido um período de prisão por dias livres (Proc. 171/14....)

- pena de 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 1 ano, pela prática em 23.10.2015, do crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelos artigos 3º nº 1 e 2 do DL 2/98 de 03.01, tendo sido revogada a suspensão da execução da pena por despacho transitado em julgado em 30.09.2019 (Proc.108/15....); 

- pena de um ano e seis meses de prisão, para cada um dos dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1

 - pena de dois anos e 6 meses, para cada um dos  três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1

-  pena de 1 ano de prisão por um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal

-  pena de 3 anos de prisão, por um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada, todas estas quatro punições por crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015 (Proc. 1024/17....).

b) Relativamente ao 2º ciclo, estão apenas em causa a pena as condenações sofridas no proc. 1024/17...., crime de violação p. e p. pelo artº 164º nº 1 do C. Penal, pelo qual o arguido foi condenado na pena de 7 anos de prisão cometido em 9.12.2017 e no proc. 1/18...., crime de maus tratos a animais de companhia p. pelo artº 387 º nº 1 do C.Penal, em que foi condenado na pena de 100 dias de multa, praticado em 28.12.2017, que em face da distinta natureza das penas se traduz em mero cúmulo material das penas em concurso.

 

Nestes termos, a moldura do concurso de crimes a partir da qual deve ser determinada a pena concreta a aplicar ao arguido no primeiro cúmulo, tem como limite mínimo 3 anos (correspondente à pena concreta mais elevada) e como limite máximo de 16 anos e três meses [soma de todas as penas de prisão a englobar (9 meses, 6 meses, 1 ano e 6 meses, 1 ano e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 2 anos e 6 meses, 1 ano e 3 anos)], e não o de 15 anos e 6 meses, como consta da decisão recorrida. Todavia, tendo sido o recurso interposto pelo arguido, por força do princípio da proibição da reformatio in pejus, “o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida” (cf. art. 409.º, do CPP) em prejuízo do arguido, pelo que se analisará a pena única aplicada no âmbito do primeiro cúmulo, tendo por base o limite mínimo de 3 anos e o limite máximo de 15 anos e 6 meses de prisão considerado pelo Tribunal a quo.

Relativamente à pena de 3 meses de prisão suspensa por 1 ano, aplicada no proc. 14/4.... praticado em 12.07.2014, por decisão proferida em 13.06.2016 e transitada em julgado em 13.07.2016, porque declarada extinta em 13.07.2017, entendeu o tribunal não a incluir neste ciclo de crimes, com o que se concorda, nos termos do entendimento jurisprudencial a que aderimos e já exposto supra [Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2012 e de 09/09/2021, Proc. 268/21.9T8GRD.S1, já citados, e ainda, de 21-06-2011 (Orlando Gonçalves), 10-02-2010 (Maia Costa), 29-04-2010 (Santos Carvalho), 11-05-2011 (Raul Borges), de 12/12/2018, proc. 734/14.2PCLRS.S1), in http://www.dgsi.pt].

*

II. 3.4. Estabelecida a moldura penal do concurso, para cada um dos ciclos, a medida da pena única deverá ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e prevenção, tendo em especial consideração os factos no seu conjunto e a personalidade do agente – Cfr., J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Aequitas/Ed. Notícias, 1993, § 421, p. 290 a 292).

Conforme ensina o citado Professor, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) ”.

Tendo em conta a gravidade do ilícito global e a personalidade do arguido, cumpre analisar criticamente a pena única que lhe foi atribuída.

Será no âmbito daquela moldura penal e de acordo com a personalidade do agente, procedendo a uma análise global dos factos e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, que deverá ser determinada a pena única conjunta a aplicar ao arguido.

*

II. 3.5. A este propósito, entende o Digno Procurador Geral Ajunto neste Supremo Tribunal, no que se refere à medida da pena de prisão aplicada no primeiro cúmulo de penas (12 anos), que deverá o recurso ter provimento, porquanto o arguido AA se encontrava condenado numa pena única de 11 anos de prisão, aplicada pela prática de oito crimes no processo n.º 1024/17.... (um crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal do C.P., na pena de 7 anos de prisão; dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., nas penas de 1 ano e 6 meses de prisão, para cada um destes crimes, três crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do C.P., nas penas de 2 anos e 6 meses, para cada um destes crimes, um crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. pelo artigo 173.º, n.º 1, do C.P., na pena de 1 ano de prisão, e um crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 2 e 5, na forma tentada, na pena de 3 anos de prisão).

E estava ainda condenado nas penas de 9 meses de prisão (processo n.º 205/15....), 6 meses de prisão (processo n.º 171/14....), 6 meses de prisão (processo n.º 108/15....) e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 € (processo n.º 1/18....) pelo que, se não tivesse sido realizado o cúmulo jurídico, o arguido teria por cumprir 12 anos e 9 meses de prisão, soma (material) das penas aplicadas nos referidos processos. Efetuado o cúmulo de penas, resultou a condenação do arguido em duas penas de cumprimento sucessivo de 12 anos de prisão, a primeira, e de 7 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 €, a segunda: 19 anos de prisão e 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 € (12 anos e 9 meses de prisão versus 19 anos de prisão e 100 dias de multa, à taxa diária de 500,00 €, por força da reformulação do cúmulo anteriormente realizado em ordem à integração das penas de prisão de 9 meses, 6 meses, 6 meses, e da pena de 100 dias de multa à taxa diária de 500,00 €).

Ora, retirada à condenação imposta ao arguido no processo n.º 1024/17.... a pena de 7 anos de prisão, a mais expressiva das penas parcelares aplicadas nesse processo, que passou a integrar o segundo cúmulo de penas, da consideração das restantes penas aí em causa e daquelas três penas de prisão de 9 meses, 6 meses e 6 meses, resultou uma pena única de 12 anos de prisão, superior em 1 ano ao anterior cúmulo efectuado quando nele se incluía a referida pena de 7 anos de prisão, o que, no seu entendimento, se apresenta como irrazoável, desproporcional e injusto. Sustenta, ainda que, pese embora, não caiba qualquer dúvida sobre a autonomia que, na reformulação de um cúmulo jurídico de penas, readquirem as diversas penas parcelares que o integram, e daí que a moldura penal abstracta a considerar agora seja aquela de 3 anos de prisão a 16 anos e 3 meses de prisão, entende, porém, que, no particularismo do caso que se lhe apresentava, o Tribunal a quo não poderia ter-se alheado da situação em que o arguido se encontrava antes da realização dos cúmulos de penas a que se procedeu.

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II. 3.6. Sendo pertinente o reparo do Digno Procurador Geral Ajunto neste Supremo Tribunal à medida da pena de prisão aplicada no primeiro cúmulo de penas (12 anos), e que será devidamente ponderada, o certo é que a pena conjunta em que o arguido foi previamente condenado perde a sua subsistência, e desaparece, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas.

É que, tendo que se reformular o cúmulo, por força do conhecimento posterior de crimes que estavam em situação de concurso com os anteriores e que, portanto deveriam ter entrado nesse cúmulo, não há nenhuma «obrigação» de respeitar a pena unitária anterior, a que acresceria simplesmente mais «um quantum» relativamente aos crimes posteriormente conhecidos.

A reformulação é um novo cúmulo, em que tudo se passa como se o anterior não existisse. É, de resto, a solução que decorre da lei (art. 78.º n.º 1 do CP), pois o trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo, em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no art. 77.º. A única limitação ao cúmulo (ou à sua reformulação) é a de as respectivas penas não estarem cumpridas, prescritas ou extintas.

Esta é também a solução doutrinária mais congruente e que se pode ver, por exemplo, em FIGUEIREDO DIAS, ob. cit, p. 295: «Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida ao crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso».

Com efeito, o caso julgado inerente à formação de cúmulo jurídico vale rebus sic stantibus, ou seja, nas circunstâncias que estiveram na base da sua formação. Daí que, não subsistindo as mesmas circunstâncias ou elementos que presidiram à formação da primitiva pena única, nomeadamente pelo facto de ter que se englobar outras penas, o caso julgado em que esta se traduziu tem de ficar sem efeito, adquirindo as penas parcelares nela contidas toda a sua autonomia para a determinação da nova moldura penal do concurso (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-09-2012, processo n.º 303/06.0GEVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt; MILHEIRO, Tiago Caiado, in Cúmulo Jurídico Superveniente, Livraria Almedina, 2016, pág. 87) que não está limitada pela pena única anterior (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 112/2011, de 28 de abril, in www.tribunalconstitucional.pt e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1, in www.dgsi.pt).

Deste modo, a pena única a determinar terá que ser fixada a partir das penas parcelares, mesmo quando anteriormente todas ou algumas delas tenham sido incluídas em cúmulos jurídicos (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21-11-2012, processo n.º 153/09.2PHSNT.S1, in www.dgsi.pt).

Não se trata, pois, de fazer uma mera adição ao cúmulo anterior ou de fazer um cúmulo limitado entre a pena unitária anteriormente estabelecida e a pena ou penas correspondentes ao (s) crime(s) posteriormente conhecidos.

Trata-se de efectuar um novo cúmulo jurídico em que a personalidade do arguido seja vista em conjunto com todos os factos, e não apenas com mais uma parcela deles. 

*

II. 3.7. No caso dos autos está em causa o primeiro cúmulo de penas (12 anos), crimes de furto (simples e qualificado, embora tentado), que se consubstanciam em crimes que atingem bens patrimoniais com um modus operandi em tudo semelhante e num lapso de cerca de um ano (03.06.2014 e 21.09.2015), de um crime de condução sem habilitação legal (23.10.2015) e dois crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1, três crimes de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 1, um crime de actos sexuais com adolescente p. e p. pelo artº 173º nº 1 do C. Penal e um crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º nº 2 e 5 na forma tentada, crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015.

A actividade delituosa do recorrente é variada e merece séria ponderação, sobretudo no que se refere a aspectos que integram crimes de abuso sexual de criança (171.° Código Penal) e do crime de actos sexuais com adolescentes, em que se pretende proteger mediatamente, ainda que em níveis de intensidade distintos, um desenvolvimento adequado em relação a cada uma dessas fases específicas do crescimento dos jovens, isto é, a infância e a juventude (69,°, n,° 1 e 70.°, nº l da Constituição), dando-nos uma personalidade, que se revela com tendência para o desrespeito das normas jurídicas e dos valores comunitários que o direito penal tutela.

Na verdade, o arguido cometeu, nos termos que resultaram provados, e tendo em conta a periodicidade demonstrada, seis crimes previstos no art. 171°, n.° 1, do C, Penal, sendo um na forma tentada e nos termos do nº 2 e 5 do citado preceito legal do Código Penal. E ainda um crime previsto e punido pelo art° 173° n° 1 do C. Penal, bem como um crime de violação.

E se, quer no tocante aos concretos modos de execução, quer as consequências desvantajosas das condutas, o grau de ilicitude dos factos é elevado atento o tipo de actos sexuais de relevo levados a cabo pelo arguido, a impor fortes exigências de prevenção geral – considerando a enorme frequência com que este tipo de abusos são praticados, o facto de na maioria das vezes serem perpetrados no seio do agregado familiar da vítima, a natureza dos bens jurídicos protegidos pelos ilícitos em causa e o alarme e o sentimento de insegurança que este tipo de condutas causam na população – e que exigem a reposição da confiança na validade e eficácia das normas violadas, por outro lado, o modo de cometimento dos crimes, revelador de uma energia criminosa intensa e de persistência na prática de tais ilícitos criminais, dada a pluralidade dos mesmos, de forma reiterada no seu percurso de vida, demonstram que não estamos perante uma mera ocasionalidade mas perante uma clara tendência criminosa para a prática deste tipo de crimes.

E as exigências de prevenção especial são acentuadas, denotando uma grande indiferença pelos valores protegidos pelas normas incriminadoras e pelas anteriores condenações, reclamando maiores exigências ao nível da prevenção acrescidas, atendendo ao facto do arguido ter um percurso de vida associado ao consumo de estupefacientes, o que constitui um factor de risco em termos de adequada reinserção, e às características de personalidade do arguido, em particular a falta de consciência do arguido relativamente a gravidade e consequências do seu percurso criminal, como resulta patente do relatório social do mesmo.

Por outro lado, não é de desconsiderar o facto de que o arguido, em ambiente prisional, tem cumprido as normas institucionais, não averbando registos disciplinares.

Assim, tendo em conta a personalidade revelada nos factos e as exigências de prevenção geral, mas sem esquecer as específicas exigências de prevenção especial, de modo a obter-se uma pena conjunta mais adequada à globalidade do caso, entende-se que uma pena única de 11 (onze) anos, para o primeiro cúmulo, se mostra adequada e proporcional em ordem ao cumprimento mínimo daquelas exigências.

*

III. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, revogando a decisão recorrida na parte que o condenou no primeiro cúmulo, na pena de 12 (doze) anos, determinando, nos termos dos artigos 78.º, n.º 1 e 77.º do Código Penal, a condenação da pena única de 11 anos de prisão, referente ao primeiro cúmulo, resultante do cúmulo das penas aplicadas nos processos 205/15...., 171/14...., 108/15.... e processo 1024/17.... (por crimes cometidos no período temporal compreendido entre Janeiro de 2012 a Dezembro de 2015).

b) Sobre a referida pena deverá proceder-se ao desconto de 6 (seis) meses de prisão, respeitante ao processo 205/15...., considerando, assim, que o recorrente terá de cumprir, após a redução decorrente deste desconto, a pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, referente ao primeiro cúmulo.

c) No mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Sem custas.

Lisboa, 27 de janeiro de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Helena Moniz (Adjunta)