Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1054/12.2TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
ESTABELECIMENTO DE RESTAURAÇÃO E BEBIDAS
FALTA DE MENÇÃO DA LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
NULIDADE
OBRIGAÇÃO DO FIADOR
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 04/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO À REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / FIANÇA / INVALIDADE DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 632.º, N.º1.
DL N.º 168/97, DE 04-07, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO DL N.º 57/2002, DE 11-03: - ARTIGO 14.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-01-2012, PROCESSO N.º 239/07.8TBSTS.P1.S1;
- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 2234/11.3TBFAF.G1.S1.
Sumário :
I. A falta de menção em contrato de cessão de exploração de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 2004, da existência de alvará de licença de utilização conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03, ao prescrever, em disposição legal imperativa, que a existência de alvará de licença ou de autorização para utilização carece de ser obrigatoriamente mencionado, quer nos contratos definitivos, quer nos contratos promessa que envolvam a transmissão, sob qualquer forma jurídica, do estabelecimento destinado às referidas actividades, sob pena de nulidade dos mesmos.

II. Não procede a excepção de abuso de direito, conduzindo à ininvocabilidade do referido vício formal pelos fiadores, quando o mesmo é alegado por estes no seu exclusivo interesse, num momento em que o negócio de cessão se mostra extinto e exaurido entre as partes – desde logo em consequência da insolvência da empresa cessionária – com vista a prevalecerem-se da nulidade consequencial do negócio constitutivo das respectivas fianças, sem que esteja demonstrado, da sua parte, qualquer comportamento em que pudesse assentar a fundada confiança do credor em que os fiadores nunca se iriam prevalecer da referida excepção de nulidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



1. AA intentou ACÇÃO DECLARATIVA DE CONDENAÇÃO, EM PROCESSO QUE SEGUE A TRAMITAÇÃO DO REGIME PROCESSUAL CIVIL EXPERIMENTAL, PREVISTO NO D.L. nº 108/2006, DE 8 DE JUNHO, contra: BB - ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA., CC, DD, EE, FF, e GG, pedindo a condenação dos Réus (tendo sido julgada extinta a instância contra a 1ª Ré, declarada insolvente), na qualidade de fiadores, a pagarem-lhe € 134.571,94, correspondente à dívida da 1ª Ré, resultante de prestações devidas a título de renda de exploração não pagas, € 7.667,54, correspondente ao montante das penalizações devidas pela mora no pagamento das 12 prestações do ano de 2010 e das 4 prestações vencidas em 2012; os juros legais, vencidos e vincendos até integral pagamento, contados à taxa de juros comerciais de 8% ao ano sobre as verbas referidas nas alíneas anteriores, ascendendo os vencidos, na presente data, a € 17.707,88; e ainda a verba de € 507.376,80 (a que acresce IVA à taxa legal em vigor), necessária para repor o estabelecimento em condições de funcionamento, - sem prejuízo da sua ampliação, em função do que se vier a apurar ser o real custo das obras e reequipamento do estabelecimento, bem como a quantia de € 180.000,00 a título da perda da retribuição da cessão de exploração do JJ que o A. suportou desde 1 de maio de 2011, até ao momento, verba a que acrescem € 10.000,00 por cada mês que decorrer até que a Ré entregue ao A. o capital necessário para repor o JJ em funcionamento.

Defenderam-se os Réus, por excepção peremptória, invocando a invalidade das fianças prestadas, por o contrato celebrado entre Autor e 1ª Ré ser nulo, já que não se tratou de um contrato promessa, mas sim de um contrato definitivo, na medida em que passou logo a ser executado, tendo logo o Autor passado  a receber as importâncias de renda acordadas e a 1ª Ré a utilizar o estabelecimento - celebrado sem que houvesse licença de utilização do estabelecimento.

Foi proferido despacho consignando-se que o estado dos autos habilitava a conhecer da excepção invocada - e decidiu-se pela nulidade da fiança, por o contrato celebrado entre Autor e 1ª Ré ser nulo, absolvendo-se os 2º a 6º Réus, fiadores, dos pedidos formulados pelo Autor.


2. Inconformadas, apelaram HH e II, autoras habilitadas, tendo a Relação concedido provimento ao recurso, considerando válidas as fianças e determinando o prosseguimento dos autos – enunciando a matéria de facto apurada nos termos seguintes:

1. Em 10/3/2004 o Autor e a 1ª Ré celebraram o contrato designado de “contrato promessa de cessão de exploração” de que se encontra junta cópia a fls 54 a 61, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (artigo 6º, da p. i.);

2. Como contrapartida da acordada cessão de exploração ficou acertado que a 1ª Ré pagaria ao A. “a quantia anual de € 189.322,08 em prestações mensais iguais e sucessivas de € 15.776,84 cada, acrescidas do respetivo IVA, vencendo-se a primeira com a outorga do contrato definitivo, e as restantes nos primeiros cinco dias dos meses sucessivamente subsequentes por transferência bancária” (art. 7º, da p. i.);

3. Autor e 1ª Ré obrigaram-se a colaborar no sentido da obtenção da licença de utilização do estabelecimento e acordaram em que o contrato prometido fosse assinado ajustado por adaptação das cláusulas do contrato “promessa” à definitividade no prazo de 60 dias a contar da comunicação da obtenção da licença de utilização (art. 8º, da p. i.);

4. Com data de 11 de Março de 2004, A. e RR. outorgaram um aditamento ao referido contrato - doc de fls. 62 a 65 cujo teor dá aqui por reproduzido (art. 10º, da p. i.);

5. Pelo menos a partir de 12 de Março de 2004 foi efetivamente transferida a exploração do JJ para a 1ª Ré (art 9º, da p. i. – v. art. 66º, da contestação);

6. Nesse aditamento foi ajustado que a retribuição mensal ajustada na cláusula décima do contrato acima referido passava a ser devida e a vencer-se mensalmente, nos termos previstos nesse mesmo contrato, a partir do mês de Maio de 2004 (art. 11º, da p. i.);

7. O estabelecimento foi aberto ao público pela sociedade 1ª Ré, sob exploração da mesma, em Maio de 2004 (art. 12º, da p. i.);

8. Pelo que passou a mesma a pagar mensalmente ao A. a retribuição mensal estabelecida no contrato para a exploração (art. 13º, da p. i.);

9. O estabelecimento não tinha licença de utilização de restauração e bebidas com dança, tendo o alvará de utilização sido emitido pela Câmara Municipal do Porto em 5/6/2008 (cfr. parte final do art. 50º, de fls 377, art. 26º, de fls 839, art 12 e segs de fls 848 e seg).


3. Passando a apreciar as questões que integravam o objecto da apelação, considerou a Relação no acórdão recorrido:

Desde já se consigna concordar-se inteiramente com a qualificação feita na sentença do contrato como sendo um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial.

O artigo 280º do C.C. estabelece que “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável ”.

Explica Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição que a expressão “objecto do negócio jurídico” pode ter dois sentidos. Um, correspondente ao objecto imediato, ou conteúdo, sendo preenchido pelos efeitos jurídicos que o negócio tende a produzir. O outro, o objecto mediato, ou objecto stricto sensu, consiste naquilo sobre que incidem os efeitos do negócio. Ambos estes sentidos estão abrangidos naquela disposição.

Será impossível legalmente o objecto de um negócio quando a lei ergue a esse objecto um obstáculo tão insuperável como o que as leis da natureza põem aos fenómenos fisicamente impossíveis.

No caso, o negócio jurídico celebrado pelas partes, contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, cujo objecto mediato era o estabelecimento comercial de restauração e bebidas com dança, não é legalmente impossível ou contrário à lei uma vez que a ordem jurídica consente-o, não o repudia.

Porém, à data da celebração do contrato em causa o DL nº 168/97 de 4/07, com a redacção introduzida pelo DL nº 57/2002 de 11/03, regulamentava o processo de licenciamento da utilização de estabelecimentos de restauração e bebidas dispondo no respectivo artigo 14º, nº 2, que “…a existência de alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma… deve ser obrigatoriamente mencionado nos contratos de transmissão, ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior à entrada em vigor do presente diploma, sob pena de nulidade dos mesmos.”.

Ora a inexistência do alvará em causa é uma circunstância meramente temporária, porque é susceptível de desaparecer num momento em que a prestação ainda oferece interesse ao credor (artigo 792º, nº 2 do C.C..

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Antunes Varela, na RLJ, ano 115º, pág. 253, nota 1: “a impossibilidade originária nem sempre determina a nulidade do negócio. O nº 2 (do art. 401º) admite duas excepções”.

O caso em análise enquadra-se na previsão do citado artigo 401 n.º 2 do CC, ou seja, trata-se de negócio com prestação tornada possível mediante o cumprimento de um dever de conduta vocacionado e destinado a isso mesmo.

Mas mesmo que assim não fosse a questão sempre teria de ser encarada na perspectiva do abuso de direito.

O artigo 334º dispõe que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

A concepção legal do abuso de direito é a objectiva. Não é preciso ter consciência de exceder os limites, basta excedê-los.

Mas, este excesso tem de ser manifesto; tem de haver manifesto abuso.

Assim, sempre que no exercício do direito haja manifesto excesso dos limites impostos, seja pela boa fé, seja pelos bons costumes, seja pelo fim económico ou social próprio desse direito e o facto venha ao conhecimento do tribunal deve este considerar-se ilegítimo, mas não ilícito, com as consequências adequadas a cada tipo de situação.

A boa-fé aqui referida é, pois, a objectiva, que se concretiza em regras de actuação; é a consideração razoável e equilibrada dos interesses dos outros, a honestidade e a lealdade nos comportamentos e, designadamente na celebração e execução dos negócios jurídicos. Ela reporta-se à correcção e lealdade.

Por bons costumes haverá que entender o conjunto de regras de comportamento acolhidas pelo Direito, em cada momento histórico, as quais, não estando formalizadas, advêm de um consenso em concreto. Nos casos de concretização dos bons costumes haverá ter em conta os princípios cogentes da ordem jurídica bem como uma moralidade social inerente também a cada momento histórico.

Para determinar os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na colectividade.

Por outro lado, a função económica e social do direito prende-se com a sua configuração real, a apurar através da interpretação; se um direito é atribuído com certo perfil, já não haverá direito quando o titular desrespeite tal norma constitutiva.

Na tipologia dos actos abusivos encontramos referidos: o venire contra factum proprium, as inalegabilidades formais, a supressio e a surrectio, o tu quoque e o desequilíbrio no exercício, sendo certo que a exceptio doli foi regredindo, tendo-se imposto os outros tipos

No venire contra factum proprium a conduta social castigada pelos civilistas traduz-se de um modo geral na pretensão de alguém extinguir certa relação subjectiva, recorrendo ao direito de anular, resolver, revogar ou denunciar o negócio que lhe serviu de fonte, depois de fazer crer à parte contrária, por actos ou palavras, que não exerceria tal direito e também quando alguém, por acção, dá azo a uma situação de confiança, sem que, dogmaticamente seja possível recorrer à teoria dos negócios; não se trata tanto de conseguir uma protecção, antes prevalece a necessidade de definir os termos e o âmbito de uma tutela razoável; daí o apelo à boa fé e aos meandros da tutela da confiança.


O ponto sensível do modelo do venire reside na detecção de facto susceptível de gerar uma situação de confiança legítima.

Assim, são pressupostos de aplicação do instituto de proibição de venire contra factum proprium os seguintes: 1 - situação objectiva de confiança; conduta de alguém que possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2 - investimento na confiança (a contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada) e irreversibilidade desse investimento - o dano que provocaria a conduta violadora da fides não é removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória - se esta solução satisfatória pode ser alcançada mediante um direito de indemnização, ou mediante o recurso aos preceitos sobre a gestão de negócios ou sobre o enriquecimento sem causa, não tem que intervir a proibição da conduta contrária à fides - o recurso a esta proibição é sempre um último recurso; 3 - boa-fé da contraparte que confiou e que esta tenha agido com o cuidado e as precauções usuais no tráfico jurídico.

Do acervo fáctico emerge o seguinte:

Em 10/3/2004 o Autor e a 1ª Ré celebraram o contrato designado de “contrato promessa de cessão de exploração;”

2 - Como contrapartida da acordada cessão de exploração ficou acertado que a 1ª Ré pagaria ao A. “a quantia anual de € 189.322,08 em prestações mensais iguais e sucessivas de € 15.776,84 cada, acrescidas do respectivo IVA, vencendo-se a primeira com a outorga do contrato definitivo, e as restantes nos primeiros cinco dias dos meses sucessivamente subsequentes por transferência bancária” - Autor e 1ª Ré obrigaram-se a colaborar no sentido da obtenção da licença de utilização do estabelecimento e acordaram em que o contrato prometido fosse assinado ajustado por adaptação das cláusulas do contrato “promessa” à definitividade no prazo de 60 dias a contar da comunicação da obtenção da licença de utilização;

- Com data de 11 de Março de 2004, A. e RR. outorgaram um aditamento ao referido contrato

- Pelo menos a partir de 12 de Março de 2004 foi efectivamente transferida a exploração do JJ para a 1ª;

- Nesse aditamento foi ajustado que a retribuição mensal ajustada na cláusula décima do contrato acima referido passava a ser devida e a vencer-se mensalmente, nos termos previstos nesse mesmo contrato, a partir do mês de Maio de 2004;

- O estabelecimento foi aberto ao público pela sociedade 1ª Ré, sob exploração da mesma, em Maio de 2004;

- Pelo que passou a mesma a pagar mensalmente ao A. a retribuição mensal estabelecida no contrato para a exploração;

Depois de tudo isto só em 23/2/20012, data em que apresentaram a contestação, é que, com surpresa, vem alegada a nulidade do contrasto.

Não obstante a falta da licença em causa, nunca os réus ficaram impedidos de explorar estabelecimento comercial, pagando mensalmente ao A. a retribuição mensal estabelecida no contrato para a exploração, tudo como se aquele contrato estivesse perfeito, válido e, plenamente, eficaz, o que não pode deixar de constituir da sua parte a afirmação de um verdadeiro “venire contra factum proprium”.

A conduta dos réus posterior à celebração do contrato promessa, objectivamente, interpretada em face dos bons costumes e do princípio da boa fé, legitimava a confiança do autor de que aqueles não invocariam a nulidade do contrato.

Assim, é abusivo pedir a nulidade de um contrato promessa de trespasse por falta de licenciamento em que se consentiu, e dele se valeu, durante cerca de 8 anos.

Esta solução é em tudo semelhante à tratada no Ac. do STJ de 24-01-2012, Proc. 239/07.8TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt , o qual seguimos de perto.

E sendo o contrato principal válido, válida é também a fiança.

Pelo exposto, delibera-se julgar totalmente procedente a apelação e, em consequência, julga-se improcedente a excepção da nulidade do contrato, devendo o processo prosseguir os seus trâmites também quanto aos fiadores.


4. Inconformados, interpuseram os RR. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1 - Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pela 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, que julgou totalmente procedente a apelação, revogando a sentença em 1ª instância, a qual havia julgado procedente a excepção da nulidade do contrato principal.

2 - Sucede que, os Recorrentes não se conformam com tal Aresto, que entendem ser desajustado, quer da própria matéria de facto assente, quer dos normativos legais positivos aplicáveis “in casu’ entendendo justificada a presente revista ao abrigo do artigo 674°, n.° 1, a) do CPC (violação de lei substantiva).

3 - Assim, pelos motivos que se explanarão, V. Exas. irão concluir que mal andou o Acórdão recorrido, o qual, com a procedência do presente recurso, deverá ser revogado, mantendo-se integralmente a sentença proferida em 1ª instância.

4 - Desde logo, quanto á qualificação do contrato sub judice, atendendo à matéria de facto provada, mais concretamente, aos factos 1, 4, 5 e 6, entendem os Recorrentes que bem andou a 1ª instância ao concluir que as partes celebraram um contrato definitivo, de cessão de exploração, pois este começou logo a ser executado.

5 - Regista-se que o Acórdão recorrido concordou “inteiramente com a qualificação feita na sentença do contrato como sendo um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercia!’, pelo que, sobre esta questão, se verifica uma dupla conforme.

6 - Sendo inquestionada a qualificação do contrato entre as partes como um contrato de cessão de exploração de estabelecimento, cumpre aferir a sua validade.

7 - O contrato in questio consistia na cessão de exploração de um estabelecimento de restauração ou bebidas, encontrando-se sujeito, por isso, ao regime do então Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho.

8 - O artigo 14.° desse diploma, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.° 57/2002, de 11 de Março, estipula que qualquer contrato ou contrato-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, de estabelecimentos de restauração ou de bebidas — celebrado posteriormente a 12 de Março de 2002 — devia obrigatoriamente mencionar, sob pena de nulidade, a existência de alvará de licença ou de autorização de utilização para serviços de restauração ou de bebidas, concedido ao abrigo do diploma (ou a existência de autorização de abertura nos termos de legislação anterior ou, ainda, a abertura dos estabelecimentos com base num deferimento tácito do pedido de emissão do alvará).

9 - Nesse sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Setembro e 2010 e de 17 de Outubro de 2010, disponíveis em www.dgsi.pt

10 - Ora, resulta do facto provado 9 que “O estabelecimento não tinha licença de utilização de restauração e bebidas com dança, tendo o alvará de utilização sido emitido pela Câmara Municipal do Porto em 5/6/2008 (cfr. parte final do art.º 50°, de fls. 377 art.º. 26° de fls. 839, art.º 12 e segs de fls. 848 e seg)".

11 - Deste modo, bem andou a sentença da 1ª instância quando concluiu que “assim, sendo contrato de cessão de exploração o celebrado entre as partes, verifica-se, porém, que o mesmo é nulo, na medida em que tem por objecto uma universalidade desprovida da licença obrigatória”.

12 - A letra da lei é límpida em sancionar expressamente com nulidade o contrato que não mencione a existência de um alvará de licença.

13 - Perante isto, o Acórdão recorrido, pese embora considere que o contrato celebrado seja efectivamente um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial, entende que “a inexistência do alvará em causa é uma circunstância meramente temporária”.

14 - Sucede que, para tal, baseia-se num Aresto desse Supremo Tribunal, que também se refere á impossibilidade temporária de cumprimento da prestação, mas no caso de um contrato-promessa, que ambas as instâncias entenderam não existir!

15 - Esse mesmo Acórdão, proferido em 24 de Janeiro de 2012, consultável em www.dgsi.pt, conclui que “A falta de menção no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art.º. 14.º n.° 2, do DL n.° 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.° 57/2002, de 11-03.”

16 - Assim sendo, é notório que o contrato celebrado o foi de forma contrária à lei, mormente do artigo 14.° do Decreto-Lei n.° 168/97, de 4 de Julho, o que dita a sua nulidade, bem como a da fiança outorgada pelos Recorrentes (artigos 280.° e 632°, n.° 1 do Código Civil).

17 - A nulidade é uma excepção dilatória que acarreta a absolvição do pedido (artigo 576.°, n.° 3 do CPC).

18 - Além disso, entendem os Recorrentes que é despicienda a aplicação do instituto do abuso de direito quanto á invocação da nulidade.

19 - A nulidade é invocável e pode ser conhecida a todo o tempo (artigo 286.° do Código Civil e 579.° do CPC), pelo que a sua invocação não ofende os mais elementares princípios da boa-fé e justiça social, como é exigido pelo artigo 334.° do Código Civil.

20 - Frisa-se que os Recorrentes eram fiadores do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial, o qual foi celebrado pela Ré Foz Bar-Actividades Hoteleiras, Lda., que foi quem procedeu ao pontual cumprimento do contrato, pagando as respectivas prestações.

21 - Considerando tal facto, não é possível afirmar que se trate de uma “surpresa”, como entendeu o Tribunal recorrido, a invocação da nulidade do contrato aquando da apresentação da contestação, pois este é o momento em que os Réus, alheios à execução do contrato desde a sua celebração, foram efectivamente confrontados com o mesmo.

22 - Assim, é evidente aos olhos do homem médio que não é abusivo o facto de os Recorrentes apenas accionaram a fiança quando se lhes tornou cognoscível a sua nulidade.


23 - Pelo exposto, é forçoso concluir que o contrato entre as partes celebrado está ferido de nulidade, sendo a decisâo recorrida contrária aos supramencionados preceitos legais aplicáveis, pelo que deverá o presente recurso ser julgado procedendo, sendo revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que mantenha integralmente a sentença proferida em 1ª instância.

Nestes termos, e nos melhores de direito, deverá o presente recurso proceder sendo revogado, nos termos alegados, o Acórdão recorrido e mantida integralmente a sentença proferida em 1ª instância, assim se fazendo JUSTIÇA!


A.- Nas conclusões da sua apelação, os então recorrentes não fazem referência ao artigo 401º n.º 2 do Cód. Civil, utilizado no douto Acórdão proferido, nem sequer defendem que o contrato de cessão de exploração não deveria ser declarado nulo por falta de licença de utilização

B.- No que concerne ao tipo de contrato (promessa ou definitivo), a questão está definitivamente decidida porque tanto a 1ª Instância como o Tribunal da Relação concluíram tratar-se de um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial

C.- Ora, os apelantes basearam-se toda a sua argumentação na consideração do contrato, como sendo de promessa.

D.- E quanto ao contrato o que os apelantes dizem (de uma maneira muito residual) é que mesmo que se considere que o contrato é definitivo ele é válido porque existe licença de utilização

F.- Extravasando da questão que lhe foi colocada, o douto Acórdão recorrido defende é que se trata de um contrato definitivo, mas que a falta de licença de utilização não determina a sua nulidade

G.- Nada disto foi invocado pelos apelantes e, consequentemente, o douto Acórdão recorrido conheceu de questão de que não podia tomar conhecimento, pelo que, nessa parte, é nulo nos termos do art.º 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil que foi violado

H.- Como bem diz o douto Acórdão recorrido na sua página 10 (fls. 1179 verso dos autos): “…à data da celebração do contrato em causa o DL n.º 168/97 de 4/07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002 de 11/03, regulamentava o processo de licenciamento da utilização de estabelecimentos de restauração e bebidas dispondo no respectivo artigo 14º, n.º 2, que “…a existência de alvará de licença ou de autorização para serviços de restauração ou de bebidas concedido ao abrigo do presente diploma… deve ser obrigatoriamente mencionado nos contratos de transmissão, ou nos contratos-promessa de transmissão, sob qualquer forma jurídica, relativos a estabelecimentos ou a imóveis ou suas fracções onde estejam instalados estabelecimentos de restauração ou de bebidas, que venham a ser celebrados em data posterior à entrada em vigor do presente diploma, sob pena de nulidade dos mesmos.”.

I.- No caso concreto é inquestionável a falta dessa menção no contrato de cessão de exploração, o que quer dizer que o mesmo está ferido de nulidade.

J.- O licenciamento dos estabelecimentos comerciais constitui um condicionamento administrativo ao exercício da actividade comercial e visa garantir as condições mínimas do seu funcionamento, em ordem a salvaguardar os interesses dos particulares, sendo o alvará de licença de utilização uma formalidade habilitante da celebração do contrato que se destina a instruir

K.- A nulidade de contrato por violação de imperativo legal assenta na impossibilidade legal originária do seu objecto contratual que, nos termos do art.º 401º n.º 1 “… produz a nulidade do negócio jurídico”, o que é confirmado pelo estabelecido nos art.ºs 280º n.º 1 (“É nulo o negócio jurídico cujo objecto seja físico ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável) e 294º (“Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulta da lei”) todos do Cod. Civil e que o douto Acórdão recorrido violou

L.- O alvará de licença de utilização é uma formalidade habilitante da celebração do contrato que se destina a instruir.

M.- A formalidade analisada não integra a ordem pública de protecção ou a ordem pública social e, por isso, a invalidade correspondente à sua omissão não constitui uma nulidade atípica, mas antes uma nulidade absoluta, cujo vício afectou, geneticamente, o negócio jurídico de cessão de exploração de estabelecimento comercial, tornando-o inapto para a produção dos efeitos jurídicos a que se destina, em regra, desde o início, e de modo absoluto e insanável.

N.- no caso concreto, estamos perante um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial em que, parece aos recorrentes, não se verificam os requisitos de funcionamento da excepção prevista no nº 2 do artº 410º do Cod. Civil, que claramente não resultam do contrato celebrado entre as partes.

O.- Por todas as invocadas razões concluem os recorrentes que, como bem foi decidido em 1ª instância, o contrato em causa nos autos é definitivo, de cessão de exploração de estabelecimento comercial e não tendo sido mencionada no contrato a existência de alvará de licença ou autorização de utilização, o contrato é nulo, nos termos do artº 14º nº 2 do DL 168/97 de 04/07, com a redacção introduzida pelo DL 57/2002 de 11/03.

P.- Os recorrentes intervieram neste contrato como fiadores e, por isso não sendo válida a obrigação principal não é válida a fiança – artº 632º nº 1 do Cod. Civil.

Q.- Não se pode deixar de referir que é muito discutível a aplicação da figura do abuso de direito quando está em causa a nulidade de um contrato; a declaração de exercício abusivo de direito relativamente à invocação de nulidade de contrato conduz à manutenção da eficácia e à produção de efeitos de um contrato que a lei não quer que os produza.

R.- No caso concreto a nulidade podia ser conhecida, oficiosamente, pelo tribunal, nos termos do disposto no artº. 286º do Cód. Civil.

S.- A invocação de uma nulidade – pelo menos, de uma nulidade substancial, como a presente, já que quanto a nulidades formais existe divergência – nunca pode ter como consequência que essa invocação seja considerada abusiva, porque sempre a nulidade seria conhecida pelo tribunal mesmo que não fosse invocada.

T.- Mesmo que se admitisse que a invocação de nulidade de um negócio jurídico podia ser considerada abusiva, sempre nos depararíamos com a inutilidade da relevância desta consideração na medida em que o reconhecimento da nulidade não poderia ser paralisado, dado o já assinalado carácter oficioso do mesmo.

U.- De tudo isto se retira que a invocação, por parte da ré, a título subsidiário, de que existia uma situação de impossibilidade originária da prestação da autora e, consequentemente, que o negócio era contrário à lei e nulo, não pode ser considerada como abusiva.”

V.- De qualquer maneira, todos os factos dados como provados e usados no douto Acórdão como determinantes do exercício abusivo do direito, que configuram a conduta posterior à celebração do contrato promessa, dizem respeito tão só à cessionária e não aos recorrentes

X.- Aos ora recorrentes, o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, não imputa a prática de quaisquer factos que determinassem que a invocação da nulidade do contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial representaria um “venire contra factum proprium”.

Y.- No caso concreto até foram os ora recorrentes que vieram invocar a má-fé do primitivo autor ULISSES MOREIRA, alegando os factos 4. a 19. da contestação que a tal conclusão conduziriam

Z.- É manifesto, pensam os recorrentes, que nesse circunstancialismo factual, nunca se poderia concluir pela sua má fé, nem pelo exercício abusivo do direito de invocação da nulidade do contrato.

TERMOS EM QUE

Deve ser dado provimento ao presente recurso de revista e, em consequência, revogar-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e julgar-se, quanto aos recorrentes, a acção totalmente improcedente por não provada.


5. As instâncias coincidiram na qualificação da relação contratual, controvertida entre as partes, como sendo um contrato definitivo de cessão de exploração de estabelecimento comercial, apesar de, no documento em que se consubstancia tal negócio, aparecer denominado como de mera promessa de cessão: na verdade, atendendo ao facto de tal relação contratual ter sido imediata e efectivamente executada por ambas as partes considerou-se que – na intenção das partes – se tratou de celebrar, desde logo, um negócio definitivo.

Ora, não sendo tal configuração da relação contratual controvertida no âmbito da presente revista, é nela que iremos assentar.

Por outro lado, parece não suscitar dúvida relevante a existência de uma nulidade a afectar tal negócio jurídico, decorrente da violação de norma legal imperativa: tratando-se de cessão de exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, mostra-se a respectiva disciplina submetida ao regime definido pelo DL 167/89, cujo art. 14º prescreve, de modo imperativo, que a existência de alvará de licença ou de autorização para utilização carece de ser obrigatoriamente mencionado, quer nos contratos definitivos, quer nos contratos promessa que envolvam a transmissão, sob qualquer forma jurídica, do estabelecimento destinado às referidas actividades, sob pena de nulidade dos mesmos.

No caso dos autos, verifica-se que esse alvará, que inexistia à data da celebração do contrato, não foi, nem podia ser, obviamente mencionado aquando da celebração da dita relação contratual…

Saliente-se que a causa de tal nulidade não é propriamente a impossibilidade legal do objecto negocial ou a circunstância de se não incluir no próprio estabelecimento, perspectivado como universalidade, a dita licença de utilização para aquele específico fim empresarial – já que evidentemente o alvará de utilização pode ser obtido supervenientemente, como o foi, aliás, no caso dos autos, - mas a violação da norma imperativa, constante do citado art. 14º, que expressa e categoricamente comina com o vício de nulidade o contrato celebrado sem a dita menção essencial.

Como se refere no Ac. de 24/1/12, proferido por este Supremo no P. 239/07.8TBSTS.P1.S1, a propósito de um contrato promessa de trespasse, a falta de menção no contrato-promessa de trespasse de um estabelecimento de restauração e bebidas, celebrado em 31-07-2004, da existência de alvará de licença de utilização, conduz à nulidade desse contrato, ao abrigo do estatuído no art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03.


A questão fulcral a decidir consiste, assim, em determinar se, na especificidade do presente litígio, a invocabilidade de tal nulidade do negócio jurídico, decorrente de violação de lei imperativa, se deverá ter por paralisada, em consequência do preenchimento dos pressupostos da cláusula geral do abuso de direito.

Efectivamente, a jurisprudência – contrariando posições doutrinárias iniciais, que viam no regime de invocabilidade a todo o tempo da nulidade do negócio e na possibilidade de conhecimento oficioso desse vício pelo tribunal um obstáculo ao funcionamento, em sede dos vícios de forma, da figura do abuso de direito – tem admitido, em circunstâncias excepcionais - específicas e bem delimitadas - a paralisação do direito de uma das partes a invocar a nulidade , com base em impreteríveis razões ético-jurídicas, conexionadas com o respeito pelo princípio da confiança.

Como se afirma, por exemplo, no Ac. de 17/3/16, proferido pelo STJ no P. 2234/11.3TBFAF.G1.S1:

Em situações excepcionais e bem delimitadas, pode decretar-se, ao abrigo do instituto do abuso de direito, a inalegabilidade pela parte de um vício formal do negócio jurídico, decorrente da preterição das normas imperativas que, à data da respectiva celebração, com base em razões de interesse público, regiam a forma do acto: porém, esta solução - conduzindo ao reconhecimento do vício da nulidade, mas à paralisação da sua normal e típica eficácia- carece de ser aplicada com particulares cautelas, não podendo generalizar-se ou banalizar-se, de modo a desconsiderar de modo sistemático o conteúdo da norma imperativa que regula a forma legalmente exigida para o acto.

Em consonância com esta orientação geral, pode admitir-se a paralisação da invocabilidade da nulidade por vício de forma, com base num censurável venire contra factum proprium, quando é claramente imputável à parte que quer prevalecer-se da nulidade a culpa pelo desrespeito pelas regras legais que impunham a celebração do negócio por determinada forma qualificada ou quando a conduta das partes, sedimentada ao longo de período temporal alargado, se traduziu num escrupuloso cumprimento do contrato, sem quaisquer focos de litigiosidade relevante, assumindo aquelas inteiramente os direitos e obrigações dele emergentes – e criando, com tal estabilidade e permanência da relação contratual, assumida prolongadamente ao longo do tempo, a fundada e legítima confiança na contraparte em que se não invocaria o vício formal, verificado aquando da celebração do acto.

Não é, porém, esta a configuração material do presente litígio.

Na verdade, não se trata de uma das partes no negócio em execução vir invocar tardiamente, no confronto da outra, com vista a obter a extinção de relação contratual duradoura, de uma nulidade originária e formal ( decorrente aqui  da falta de menção de certo elemento fundamental no documento que titulava o negócio) , num caso em que o negócio  vinha sendo reiteradamente executado, ao longo dos anos, sem qualquer foco de litigiosidade relevante – violando plausivelmente tal invocação tardia e feita de surpresa do vício de nulidade o princípio da confiança na estabilidade da relação contratual, pacificamente executada, ao longo dos anos, por ambas as partes: é que, na situação litigiosa dos presentes autos, a relação contratual de cessão do estabelecimento de restauração e bebidas está já inexoravelmente extinta e exaurida entre as respectivas partes, em consequência da restituição do local onde funcionava o estabelecimento, em 30/4/11, aos AA (cfr. art. 27 da PI) e do decretamento da insolvência da 1ª R. ( fls. 435).

O que subsiste assim, como matéria litigiosa é apenas a pretensão de responsabilizar os restantes RR., como fiadores, por determinadas obrigações emergentes do incumprimento do referido contrato, nomeadamente por rendas em dívida e respectivas penalizações, a título de mora, bem como pelo não cumprimento da obrigação de restituir o locado no estado adequado, envolvendo danos, carecidos de reparação, e que inviabilizariam a normal utilização pelo proprietário no termo da relação contratual de cessão de exploração.

Ora, perante esta configuração da matéria litigiosa, envolvendo uma pretensão de efectivação da responsabilidade de fiadores pelo incumprimento da relação contratual de cessão de exploração do estabelecimento, já finda entre as respectivas partes, não se vê como imputar à invocabilidade ou alegabilidade do vício de nulidade do negócio de cessão pelos fiadores, com vista a fazer cair a validade das cláusulas em que se estabeleciam as suas obrigações acessórias, da violação do princípio da confiança na estabilidade do negócio; na realidade, não consta dos factos processualmente adquiridos qualquer comportamento dos fiadores em que pudesse assentar qualquer expectativa razoável ou fundada do A., no sentido de que os mesmos prescindiam da invocabilidade do vício de nulidade do acto em que assentavam as respectivas obrigações acessórias, dependentes geneticamente da validade do negócio principal.

Saliente-se que, numa situação em que a matéria litigiosa apresenta a peculiar configuração do caso dos autos, a paralisação do direito dos fiadores a invocarem e prevalecerem-se do vício de nulidade do acto constitutivo das respectivas fianças, naturalmente dependentes da validade do negócio principal, levaria, em última análise, a responsabilizar os fiadores, não pelas consequências do incumprimento das obrigações emergentes do negócio ( nulo) que constituía causa das respectivas obrigações acessórias, mas pelo cumprimento das obrigações de restituição, consequentes à verificação e decretamento da nulidade do negócio de cessão de exploração do estabelecimento - conversão esta que não encontra qualquer suporte no teor das cláusulas contratuais e na vontade das partes, adequadamente interpretada à luz da impressão do destinatário.


6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados considera-se inverificada, no confronto dos fiadores demandados, a excepção de abuso de direito, decorrente da invocabilidade da nulidade das fianças prestadas, nos termos do art. 632º, nº1, do CC, em consequência da nulidade do negócio principal por violação de lei imperativa (art. 14.º, n.º 2, do DL n.º 168/97, de 04-07, com a redacção introduzida pelo DL n.º 57/2002, de 11-03) , a qual se tem por verificada, com a consequente absolvição dos 2º a 6º RR. dos pedidos formulados pelo A., nos termos decretados na sentença proferida em 1ª instância.

Custas pelos AA./recorridos.


Lisboa, de 27 de Abril de 2017


Lopes do Rego (Relator)

Távora Victor

António Piçarra