Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO (CÍVEL) | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | AÇÃO EXECUTIVA EMBARGOS DE EXECUTADO TÍTULO EXECUTIVO TRANSAÇÃO JUDICIAL SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA CLÁUSULA PENAL INCUMPRIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 11/12/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - Para que a transacção judicial homologada por sentença valha como título executivo tem ela de ser constitutiva de uma obrigação, não cumprindo tal requisito se apenas se prevê a sua constituição;
II - É o que sucede com a sentença homologatória de transacção, que não é título executivo da cláusula penal nela prevista para o caso de incumprimento por qualquer das partes do acordo, por a situação de incumprimento ser constitutiva da obrigação e não se encontrar abrangida pelo título. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA e mulher BB deduziram embargos de executado à execução para pagamento de quantia certa que lhes move CC com base em sentença homologatória de transacção, na qual, além do mais, se convencionou que “em caso de incumprimento por qualquer as partes do ora clausulado na presente transação, acordam as partes em estabelecer a título de cláusula penal, a quantia de €58.830,00 (…). Como fundamento dos embargos alegaram no essencial a inexistência de título executivo (art.729º, al. a) do CPC). O Exequente contestou defendendo que a cláusula penal é integrante do título, certa, exigível e determinada. Realizado a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou os embargos procedentes, por inexequibilidade do título, com a consequente extinção da execução. O exequente apelou para a Relação de …, mas sem sucesso pois que aquele Tribunal, por decisão unânime, confirmou a sentença. /// Ainda inconformado, o Exequente interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do art. 672º, nº1, a) e b) do CPCivil, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1ª. A qualificação da natureza das cláusulas penais, inseridas em acordos judiciais homologados por sentença e cuja exequibilidade é posta em causa, tem gerado controvérsia jurisprudencial em que a sua caracterização é relegada para o intérprete que deve socorrer-se do disposto nos arts. 236º e 239º do CCivil. 2ª. Conceber critérios e métodos mais claros e uniformes na sua redacção, que permitam uma maior nitidez na sua caracterização, é fundamental e necessária para uma melhor aplicação do direito, face às divergências jurisprudenciais. 3ª. O cidadão comum, quando confrontado com uma resolução do litígio por acordo exarado em tribunal, sendo-lhe explicado (…), até pelos julgadores, de que a transacção devidamente homologada pelo juiz, tem valor de sentença, e como tal pode ser executada e caso de incumprimento, confia plenamente na validade, segurança e exequibilidade da decisão. 4ª. Com efeito, a ambiguidade com que são interpretadas as cláusulas penais inseridas em transacções, quando pretendem ter um efeito sancionatório, acaba por desvirtuar o seu efeito útil, deixando, o cidadão sem uma garantia e segurança nas sentenças dos tribunais. 5ª. Esta ambiguidade e duplicidade gera no cidadão um sentimento de insegurança e desconfiança nas decisões judiciais e, em consequência, na justiça, o que assume uma importância social enorme, dado que os tribunais são o garante do Estado de Direito. 6ª. Nesta medida, a reapreciação das questões suscitadas no caso dos autos é fundamental, não só para haver melhor interpretação e aplicação do direito, mas também para restaurar a confiança e valor que os cidadãos pretendem ver nas decisões dos tribunais. 7ª. Reafirma-se que a cláusula penal inserida no título dado à execução tem carácter sancionatório e não indemnizatório, como pretende o acórdão recorrido. 8ª. É notório que aqui não se trata de uma cláusula de fixação antecipada da indemnização, subsumível ao art. 811º do CC, mas sim de uma cláusula penal em sentido estrito e com carácter compulsório-sancionatório, encontrando-se por isso incorporado no título dado à execução. 9ª. A previsão da aludida penalidade visava forçar os devedores ao cumprimento pontual do acordo, encontrando-se a mesma excluída do âmbito de aplicação do art. 811º (…), podendo, portanto, o credor cumular licitamente a quantia fixada com a exigência do pagamento da quantia em dívida e juros de mora vencidos e não prescritos. 10ª. Não estando em causa a validade e eficácia do acordo celebrado entre exequente e executados, ambas as partes se encontram por ele vinculadas, e obrigadas ao cumprimento pontual (art. 406º/1 do CC). 11ª. Contrariamente ao vertido no douto acórdão, basta o incumprimento da obrigação para acionar a sanção prevista para o mesmo, no caso a cláusula penal sancionatória. 12ª. (…). 13ª. Ainda que a cláusula penal tiver apenas uma função indemnizatória, cabe ao devedor o ónus de prova correspondente, ou seja, no caso, caberia aos Recorridos a prova da não culpabilidade do incumprimento, o que não sucedeu. 14ª. Dos factos dados como provados torna-se óbvio que a atitude dos Embargantes desde o início do processo, que começa ainda na fase declarativa do processo, consubstancia uma situação de abuso de direito, já que nos termos do art. 334º do CC, fazem uso dos meios processuais e do direito para sob a égide da legalidade alcançarem um efeito contrário à lei. 15ª. A situação dos autos contraria claramente os princípios da boa fé, da proporcionalidade e dos bons costumes, não merecendo tutela legal, já que se é verdade que o Recorrente sabia que o acordo dependia da intervenção de terceiros, também e por maioria de razão, vale o mesmo argumento para os Embargantes, que eram bem conhecedores da aceitação conferida pela DD, sua mãe e sogra, não tendo sido dada qualquer justificação aceitável para a recusa repentina desta em outorgar a escritura. 16ª. Aliás, as regras da experiência comum e interpretadas por um homem médio, indicam notoriamente que não existe nenhuma justificação para a recusa, convenientemente apenas após o cumprimento de todas as obrigações impostas ao Recorrente, denotando um óbvio conluio entre os Recorridos e a DD. Como se explica que alguém recuse a aquisição de uma habitação? 17ª. A interpretação e aplicação do direito efectuada pelo tribunal recorrido, não só desvirtua a segurança jurídica e confiança que o Recorrente depositava nos acordos judiciais, como ainda o penaliza, quando sempre foi cumpridor, premiando o incumprimento dos Embargantes, que sob a aparência de um direito formalmente admissível, alcançaram um fim manifestamente contrário à boa fé, colocando em causa o princípio pro actione ou de direito à justiça plasmado no art. 20º da CRP, o que se invoca com todas as legais consequências. 18ª. O Sr. Juiz violou os arts. 334º, 406º, 810º, 811º do CCivil, e arts. 703º/1, a) 726º/2 e 734º/1 do CPC, e 20º da CRP. O acórdão deve ser revogado, concluindo-se pela exequibilidade do título dado à execução e declarando ainda o abuso de direito. Contra alegaram os Embargantes pugnado pela improcedência do recurso. /// Por acórdão da Formação foi admitida a revista excepcional. Considerou a Formação e com interesse para o recurso: No caso concreto, é suscitado, ao abrigo do art. 672º/1, a) e b) do CPC, quer o relevo jurídico, quer o relevo social em torno da apreciação dos requisitos da exequibilidade, por seu lado conjugada com a apreciação da natureza e dos contornos da cláusula penal introduzida na transação judicialmente homologada. Cremos que este é um dos casos em que uma intervenção do Supremo Tribunal de Justiça pode ser útil para assegurar os valores da segurança e da certeza do direito, por seu lado ligados à natureza do conteúdo de sentenças homologatórias de transações judiciais, quando, como ocorreu no caso, traduzam uma obrigação de prestação de facto relativamente a cujo incumprimento tenha sido convencionada uma determinada consequência de ordem patrimonial. Não cumpre a esta Formação apreciar o mérito do que foi decidido, em contraste com o mérito do que é alegado pelo recorrente, mas apenas verificar se, porventura, o caso é merecedor do acesso ao terceiro graus de jurisdição, malgrado o impedimento geral que é colocado em situações de dupla conformidade. E, na verdade, independentemente da resposta que o Supremo Tribunal de Justiça venha a dar, a mesma é susceptível de ultrapassar os limites do caso concreto, contribuindo para a correcta resolução de questões semelhantes noutros casos, quando se trate de apreciar, com segurança, o condicionalismo em que pode ser executada uma sentença homologatória de transação na qual se tenha estabelecido uma cláusula penal. Quer em termos de direito substantivo ligado à problemática das cláusulas penais, quer em termos de direito adjectivo ligado ao pressuposto da exequibilidade das sentenças homologatórias de transação, o ordenamento jurídico e o sistema judiciário podem beneficiar com uma pronúncia vinda precisamente do órgão a quem compete zelar pela certeza e segurança dos instrumentos legais. Por isso, independentemente do relevo social que também foi alegado, é de admitir a revista excepcional. /// Cumpre apreciar e decidir a questão decidenda que é a seguinte: Se reúne os requisitos de exequibilidade a sentença homologatória de transação judicial na qual se fixou uma cláusula penal para o caso de “incumprimento por qualquer das partes do clausulado na presente transacção.” /// Fundamentação. O acórdão recorrido ateve-se ao seguinte acervo factual: 1. CC propôs execução de sentença para pagamento de quantia certa, contra AA e BB, no montante de € 59.255,51 (cinquenta e nove mil duzentos e cinquenta e cinco euros e cinquenta e um cêntimos). 2. O Exequente apresentou como título executivo a sentença transitada em julgado a 22/11/2017, que homologou a transacção firmada entre Exequente e Executados no âmbito dos autos n.º 4716/15.9…, que correram termos no Tribunal da Comarca de … -Juízo Central Cível J…. 3. Na mencionada transacção acordaram as partes: “1. O R. confessa o pedido de declaração de nulidade da compra e venda titulada pela escritura de 15 de Outubro de 2014, outorgada no Cartório Notarial da Dra. …, sito na Rua …, nº. …, 1º. Direito., na cidade de …, junta sob o nº. 1, com a petição inicial, à fracção autónoma, designada pela letra A, correspondente a cave e rés-do-chão, destinados a habitação e logradouro posterior, do prédio urbano, denominado por Lote número …, sito na Rua …, nº. …, na …, freguesia da …, concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 2796, da aludida freguesia da …, com registo de aquisição a favor do A. pela apresentação 30, de 23 de Dezembro de 1997, submetido ao regime da propriedade horizontal conforme apresentação 27, de 23 de Dezembro de 1997, inscrito na matriz urbana da freguesia da … sob o artigo 3598 (proveniente do artigo 3042 da mesma freguesia da …). 2. Os AA. desistem de todos os pedidos de declaração de invalidade e nulidade da compra e venda titulada pela mesma escritura relativamente a metade indivisa do prédio urbano, composto de casa de habitação de rés-do-chão e quintal, sito na …, nº. …, em …, lugar e freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 3672, da aludida freguesia de …, com registo de aquisição daquela quota-parte a favor do vendedor pela apresentação 8, de 12 de Agosto de 1993, inscrito na matriz urbana da freguesia de … sob o artigo 2713. 3. A partir da presente transação, A. e R. consideram revogada por acordo a procuração irrevogável conferida pelo A. marido ao R. junta sob o nº. 5, com a petição inicial. 4. O R. pagará o adicional de IRS liquidado aos AA. por força da compra e venda referida no ponto 2 da presente transacção, obrigando a pagar-lhe esse valor no prazo de 10 dias, logo que notificado pelos AA. da liquidação do referido imposto, dado que nada foi pago aos AA. 5. Em consequência do acordado em 2, o A. retirará os seus pertences existentes no prédio referido nessa cláusula 2, no prazo de 30 dias, após o trânsito em julgado da sentença homologatória da presente transacção. 6. Os AA. obrigam-se a transmitir o imóvel referido no ponto 1 à sua mãe e sogra, DD, casada, mas separada judicialmente de pessoas bens, operadora de supermercado, residente na Rua …, nº. 1…6, … 3…0-1…2 ..., com o ónus de na mesma escritura de transmissão ser constituído o direito de uso e habitação vitalício a favor de EE, solteira, maior, residente na … n.º 1…3, 3…0-1…8 ..., relativamente à parte de baixo – cave – do referido imóvel, nos termos dos artigos 1484º ss do C.C. 7. A Autora BB, desde já declara que presta o seu consentimento ao Autor AA para a outorga da escritura de transmissão do prédio, com a constituição do direito de uso e habitação vitalício a favor de sua cunhada EE conforme acima descrito. 8. A referida escritura deverá ser realizada no prazo máximo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória da presente transacção, e a realizar em qualquer Cartório Notarial ou Escritório de Advogado, sendo marcada por consenso das partes, e por intermédio dos seus Mandatários. 9. As despesas da escritura acima indicada são divididas por AA e R em partes iguais.
10. Em caso de incumprimento por qualquer das partes do ora clausulado na presente transacção, acordam as partes em estabelecer a título de cláusula penal, a quantia de € 58.830,00 (cinquenta e oito mil oitocentos e trinta euros), correspondentes ao valor matricial do prédio referido em 1. 11. Custas em divida a Juízo, por AA. e R. em partes iguais” 4. Mais alega o exequente no requerimento executivo: “Acontece porém, que não obstante já terem decorrido mais de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença homologatória, os Executados, até à data não cumpriram, nem têm intenções de cumprir com o acordado em 6 e 7 da transação. Com efeito, a sentença transitou em julgado a 22/11/2017, sendo que não obstante o Exequente ter interpelado os Executados para cumprir, por si e através dos Mandatários, os mesmos até à data nada fizeram. Na verdade, após o cumprimento do clausulado em 5 da transacção a 29/11/2017, vieram os Executados querer desculpar o seu não cumprimento com o facto de a mãe e sogra dos Executados não pretender outorgar a escritura. Face a tal atitude, que notoriamente constituiu e constitui uma tentativa dissimulada para não cumprir, o Exequente interpelou por carta enviada a 5 de Janeiro de 2018 os Executados para cumprirem, sob pena de accionar as consequências legais. Não obstante, e decorrido o prazo indicado na interpelação enviada, os Executados não cumpriram e demonstraram intenção de nunca cumprir, mediante missiva enviada ao Exequente a 22 de Janeiro. Pelo que, face à falta de todo e qualquer fundamento para o incumprimento dos Executados, e tendo em conta a impossibilidade de subsistência de tal situação sem qualquer motivo válido ou atendível, considera e considerou o Exequente o incumprimento dos Executados como definitivo. Assim, e de acordo com a cláusula penal estabelecida em 10 da transacção, devem os Executados ao Exequente a quantia de € 58.830,00 (cinquenta e oito mil oitocentos e trinta euros), a título de cláusula penal pelo incumprimento, acrescida de juros legais. A Sentença homologatória é título executivo bastante.”
5. Os Autores por intermédio do seu mandatário diligenciaram a realização da dita escritura. 6. Quando pediram os documentos à donatária DD, a mesma se recusou a fornecê-los informando que não iria outorgar qualquer escritura. 7. Tendo, face à insistência do autor, seu filho, comunicado a este em …/11/2017, por documento escrito que ora se junta que: “Filho, Pediste me que desse cópia do meu bilhete de identidade para a escritura que me queres fazer da casa da Praia da .... Mas não dou documento nenhum, nem faço essa escritura. Dizes que foi uma exigência do teu pai para fazer acordo contigo, mas eu não tenho nada com isso e não faço vontades ao teu pai, que sempre me desprezou. Por isso, não contes comigo para essa escritura, porque nunca a vou fazer, porque não é do meu acordo. A casa está muito bem contigo. DD”. 8. O acordo celebrado no tribunal, ainda que formalmente outorgado pelo Exequente e por Embargantes, foi realizado a quatro, isto é, o Exequente, a sua filha (beneficiária do direito de habitação), de um lado e os Embargantes e donatária (mãe e sogra dos mesmos), do outro. 9. A mãe e sogra dos Embargantes, D.ª DD, esteve no tribunal reunida com as partes, designadamente, filho, nora, filha (EE) e Mandatários, na sala de audiências onde discutiram durante mais de uma hora sobre o assunto, e concordou, impôs condições e aceitou todos os termos da presente transacção. 10. Os Embargantes sabiam, eram e são conhecedores de todos os termos e condições específicas do acordo celebrado e estavam conscientes que a sua mãe/sogra e sua irmã/cunhada faziam e fazem parte da transacção judicial. 11. Conforme consta da ata da mencionada audiência, apenas e tão só a filha do Exequente, EE, necessitou de um período de reflexão para dar o seu assentimento aos termos do acordo que já estavam a ser exarados na audiência em questão, sendo certo que a D.ª DD, nenhum obstáculo colocou, quando questionada se aceitava a doação nos termos propostos. 12. Foi dado cumprimento ao clausulado em 5 da transacção, isto é, entrega dos bens realizada a 20 de Novembro de 2017. 13. A D.ª DD esteve e está bem ciente de todos os termos do acordo, tendo participado activamente neles, e aceite os seus precisos termos, tal como estava e está consciente das consequências do não cumprimento do mesmo. O direito. Está em causa saber se a sentença homologatória da transação efectuada na acção nº 4716/15.9… constitui título executivo válido da cláusula penal nela fixada. As instâncias entenderam que não, por dela não resultar, nem explícita nem implicitamente, a condenação dos Executados a pagarem o valor da cláusula penal ao Exequente, nem dela resultar a prova do incumprimento do clausulado na transacção. Diversamente, sustenta o Recorrente a exequibilidade da sentença homologatória da transacção; que a cláusula penal nela inserta tem natureza sancionatória, que “basta o incumprimento da obrigação para acionar a sanção prevista para o mesmo na cláusula penal” (conclusão 11ª), e que os Embargantes estão a agir com abuso de direito. Vejamos. Resulta do disposto no nº4 do art. 10º do CPCivil, que “as acções executivas são aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida.” E decisivamente, acrescenta o nº5, que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.” Nas palavras de Remédio Marques, “o título executivo é o meio legal de demonstração da existência do direito exequendo, cujo lastro material ou corpóreo é um documento (v.g., sentença, testamento público, documento particular), que constitui, certifica, ou prova, uma obrigação exequível, que a lei permite que sirva de base à execução.” (Curso de Processo Executivo Comum, pag. 46). Como se ponderou no acórdão do STJ de 23.01.2003, CJ, AcSTJ, tomo 1, pag. 48 e ss”, “para que se possa instaurar execução é indispensável que haja título executivo, como se proclama no art 45º (actual 703º), através do qual se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, sendo certo que os limites dessa obrigação comandam os limites da execução.” Além da exequibilidade extrínseca que é conferida pela incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que a formaliza, há outros requisitos exigidos para a obrigação exequenda, nos termos do art. 713º do CPC, como são a certeza exigibilidade e a liquidez da obrigação, genericamente designados por requisitos de exequibilidade intrínseca. “Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de caráter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da prestação.” (Lebre de Freitas, obra citada, pag. 40). Estes requisitos de exequibilidade, não interferindo com a exequibilidade do título, se dele não constarem, devem ser liminarmente preenchidos pelo exequente através dos procedimentos previstos nos arts. 714º a 716º do CPC. Posto isto. Os títulos executivos estão enunciados de forma taxativa no art. 703º do CPCivil, encontrando-se à cabeça de todos “as sentenças condenatórias.” Diz-se “condenatória toda a sentença que, reconhecendo a violação de um dever jurídico, cuja existência declara, determina o seu cumprimento (Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição, pag. 80). Na categoria das sentenças condenatórias cabem as sentenças homologatórias de transacção judicial (art. 290º/4 do CPC), desde que da homologação da transacção resulte alguma condenação susceptível de ser executada (Lebre de Freitas, A acção executiva (…), 7ª edição, pag. 62, e Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Executivo, pag. 61, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2015, CJ, AcSTJ, 1º, pag. 195, e de12.07.2018, P. 309/16, disponível em www.dgsi.pt). A questão nuclear do recurso é, assim, a de saber se da transacção resulta uma condenação dos Executados susceptível de ser executada. E a resposta é inequivocamente negativa. Na transação judicialmente homologada na acção nº 4…6/15.9…R - nos termos da lei civil a transacção é um contrato mediante o qual as partes decidem pôr fim ao litígio mediante recíprocas concessões (art. 1248º, nº1 do CCivil) – as partes assumiram obrigações recíprocas, e fixaram na cláusula 10ª uma penalidade à parte que não cumprir o acordo: em caso de incumprimento por qualquer das partes do ora clausulado na presente transacção, acordam as partes em estabelecer a título de cláusula penal a quantia de €58.830,00, valor matricial do imóvel.” Com a instauração da execução, o Exequente pretende efectivar a obrigação de indemnização, é dizer, accionar a cláusula penal, alegando não terem os Executados cumprido a obrigação de transmitir o imóvel à sua mãe e sogra. Sucede que a obrigação de pagar a cláusula penal tem como factos constitutivos, não só o acordo celebrado, mas também o incumprimento das obrigações assumidas, que se baseia em factos ocorridos na fase de execução do acordo homologado, portanto ulteriores à formação do título, e como tal não coberto pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução. Este Tribunal em duas ocasiões recentes apreciou situações semelhantes à presente, nos já citados acórdãos de 30.04.2015, (Tomé Gomes), e de 12.07.2018 (Maria Graça Trigo), tendo concluído pela falta de título executivo. Lê-se no primeiro dos citados acórdãos: I - A sentença homologatória de transacção não é título executivo da cláusula penal de indemnização (nela prevista) devida pelo eventual incumprimento definitivo das obrigações de facto ali assumidas; II - Aliás, a situação de incumprimento definitivo (verificada posteriormente à sentença homologatória) e a obrigação de indemnização que desta possa decorrer não estão compreendidas no âmbito da eficácia do caso julgado de tal sentença homologatória (o que também obsta a que se extraia da mesma uma condenação implícita na pretendida obrigação indemnizatória). “. Por sua vez, decidiu-se no Acórdão de 12.07.2018, “a ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transacção (que é o facto constitutivo da obrigação exequenda), não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.” Como assim, não se encontrando certificada na transacção homologada por sentença a obrigação exequenda, consistente na situação de incumprimento do acordo por parte dos Executados, é manifesta a sua inexequibilidade. Não se está evidentemente a recusar ao Recorrido o direito à indemnização fixada na cláusula penal fixada na transacção, mas apenas a dizer que a obrigação exequenda não tem suporte no título dado à execução. O Exequente/embargado terá de provar em acção declarativa os factos constitutivos da situação de incumprimento (art. 342º/1 do CC), não coberta pelo título executivo, antes de poder exigir dos executados a indemnização fixada a título de cláusula penal. Para que o comportamento dos Executados pudesse configurar abuso de direito era indispensável a prova de factos dos quais se pudesse extrair que estavam a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim económico e social desse direito (art. 334º do Cód. Civil), o que manifestamente não sucede. Provou-se, aliás, que eles diligenciaram pela realização da escritura, mas depararam-se com a recusa da donatária que, aparentemente, deu o dito por não dito, recusando-se agora a cumprir um acordo a que deu o seu aval. Termos em que improcedem na totalidade as conclusões do recurso. Decisão Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 12/11/2020
Ferreira Lopes Maria dos Prazeres Beleza Olindo Geraldes Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo. Ferreira Lopes |