Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
Descritores: | DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA EXECUTADO ENCERRAMENTO AÇÃO EXECUTIVA EXTINÇÃO RATEIO EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES INTERPRETAÇÃO DA LEI INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS | ||
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Data do Acordão: | 05/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Sendo os executados, declarados insolventes, pessoas singulares a quem não foi concedido o benefício da exoneração do passivo restante, o encerramento do processo de insolvência após a realização do rateio final não deve conduzir à extinção do processo de execução, não constituindo a decisão de encerramento do processo de insolvência com este fundamento, de per se, uma causa de extinção das obrigações do devedor. II. Com efeito, embora o elemento gramatical da norma prevista no n.º 3 do art. 88.º do CIRE aponte no sentido da extinção da execução na situação apontada em 1., o sentido decisivo de tal norma não poderá prescindir de uma leitura sistemática da mesma, em conjugação com as demais regras que disciplinam o processo de insolvência e o processo executivo. III. A interpretação integrada destas normas leva-nos a afastar a tese da extinção automática, “ope legis”, da execução em todos os casos de encerramento do processo de insolvência, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, aconselhando, ao invés, que o destino da ação executiva seja ponderado de forma casuística, tendo por referência o sujeito passivo da declaração de insolvência e o tratamento que o crédito exequendo conheceu no âmbito do processo de insolvência. IV. Como tal, na situação dos autos, tendo o processo de insolvência dos executados não exonerados sido encerrado com os efeitos previstos no art. 233.º do CIRE, e podendo o credor exequente exercer os seus direitos nos termos gerais, não se verificando o obstáculo decorrente do art. 242.º/1 do CIRE, seria frontalmente contrário ao princípio da economia processual, na vertente da economia de processos, extinguir a execução suspensa, obrigando o exequente a cobrar coercivamente o crédito não satisfeito através de uma ação executiva com idêntico escopo à presente lide executiva desaproveitada. V. Justifica-se, por isso, uma interpretação restritiva da norma do n.º 3 do art. 88.º do CIRE, que exclua do efeito extintivo por si determinado a execução movida anteriormente à declaração de insolvência dos executados, pessoas singulares, cujo processo de insolvência foi encerrado após a realização do rateio final, num caso, como o dos autos, em que os executados não beneficiaram do regime da exoneração do passivo restante e em que o crédito exequendo não logrou satisfação no processo de insolvência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO Caixa Geral de Depósitos, S.A., intentou acção executiva comum para haver coercivamente dos executados AA e mulher, BB e CC e mulher, DD, a quantia global de 51.181,44€ e juros vincendos, dando à execução livrança em que os executados figuram como avalistas da subscritora. Porque demonstrado terem sido os executados (todos eles) declarados insolventes (os executados AA e BB no âmbito do processo nº 1227/22.0... e os executados CC e DD no âmbito do processo nº 1228/22.8..., ambos a correr termos no juízo de comércio de ...), determinou o agente de execução, ao abrigo do disposto no art. 88º do CIRE, a suspensão da execução. No processo de insolvência dos executados CC e DD, indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante por eles formulado, foi proferida decisão de encerramento do processo, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 230º do CIRE (com os efeitos previstos no art. 233º do CIRE). Trazida tal informação aos presentes autos, decidiu o agente de execução a renovação da execução quanto a tais executados (assim deferindo pretensão formulada pela exequente, que requerera o prosseguimento da ação executiva contra tais executados, face ao encerramento do respectivo processo de insolvência e ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante). Apresentaram-se então os executados CC e DD a reclamar de tal decisão do agente de execução, pedindo fosse a mesma ‘anulada’ e ordenada a extinção da execução, em atenção ao disposto no art. 88º, nº 3 do CIRE e art. 849º, nº 1, f) do CPC. Apreciando tal reclamação, foi proferido despacho que determinou (para lá de considerar nulo, nos termos do art. 195º do CPC, o acto do agente de execução) que o agente de execução declarasse a extinção da execução, nos termos do art. 88º, nº 3, do CIRE, quanto aos executados reclamantes – ponderou-se que tendo sido o processo de insolvência ‘encerrado por rateio nos termos do art. 233º, nº 1, a), do CIRE’, deveria o agente de execução ‘ter declarado extinta a execução’, podendo o exequente instaurar nova execução ‘apresentando como título executivo a sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do art. 233º, nº 1, c), do CIRE, o mapa de rateio que informe o pagamento que obteve na insolvência’, estando-lhe todavia impedido renovar a presente execução, por a mesma dever ser extinta ao abrigo do art. 88º, nº 3 do CIRE. Inconformada, apela a exequente, pretendendo a revogação da decisão e substituição por outra que determine o prosseguimento da execução (quanto aos executados CC e DD), vindo a Relação do Porto, em acórdão, a “julgar procedente a apelação e, em consequência, revogando a decisão apelada, determinando o prosseguimento da execução contra os executados apelados”. * Inconformados com esta decisão da Relação, vieram os Recorridos/executados AA e DD interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, peticionando a repristinação do decidido na primeira instância, para o que apresentaram alegações que rematam com as seguintes CONCLUSÕES 1. O presente recurso de revista é apresentada ao abrigo da al. d) do nº 2 do Artº 629º do CPC porquanto: - O ACTRP proferido neste processo está em contradição com o ACTREV datado de 15.09.2022, processo nº 1129/10.2TBSSB-B.E1, Relator Anabela Luna de Carvalho; - Os 2 acórdãos versam a mesma legislação - Artºs. 88º, 230º e 233º do CIRE - e incidem sobre a mesma questão fundamental de direito: quais os efeitos do encerramento do processo de insolvência após o rateio final sobre as execuções que foram suspensas nos termos do nº 1 do Artº 88º do CIRE, ou seja, suspensas por força da declaração de insolvência do devedor; - Apesar da presente execução ter o valor de 51.181,44 € e decisão de 2ª instância ser totalmente inversa à de 1ª instância, não é possível recurso ordinário da decisão do ACTRP por motivo estranho à alçada deste tribunal, porquanto, nos termos do Artº 854º do CPC, sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução; e, - Não existe acórdão de uniformização de jurisprudência conforme o ACTRP. 2. Entre os 2 citados Acórdãos, existe uma identidade do núcleo central da matéria de facto, que embora não seja total, é muito semelhante, pois que: - ambas as execuções foram suspensas nos termos do nº 1 do Artº 88º, ou seja, por força da declaração de insolvência dos executados/devedores; - nos 2 diferentes processos de insolvência aos executados foi recusada exoneração do passivo restante; - nas 2 insolvências foi declarado o encerramento do processo após realização do rateio final, nos termos da al. a) do nº 1 do Artº 230º do CIRE; - E que, na 1ª instância, foi determinada a extinção de ambas as execuções em causa, por força do nº 3 do Artº 88º do CIRE, em virtude do encerramento do processo de insolvência após realização do rateio final (al. a) do nº 1 do Artº 230º do CIRE). 3. Neste contexto e da confrontação entre os 2 acórdãos em causa, quanto à aplicação do direito, resulta clara a contradição entre ambos, na medida em que: - O ACRTEV considera que, por regra, as acções executivas suspensas nos termos do nº 1 do Artº 88º do CIRE extinguem-se ope legis nos termos do nº 3 do mesmo artigo (com a excepção do exercício do direito de regresso), quando o processo de insolvência seja encerrado após o rateio final, podendo os credores do insolvente/executado tentar cobrar os seus créditos insatisfeitos na insolvência (por não concessão do benefício da exoneração do passivo restante), nos termos gerais previstos no Artº 233º, nº 1, al. c) do CIRE através de nova execução; - Enquanto o ACTRP considera que do encerramento do processo de insolvência com fundamento nas alíneas a) e d) do nº 1 do art. 230º do CIRE não decorre, necessariamente, a extinção da execução quando não haja satisfação e/ou extinção (por não concessão do benefício da exoneração do passivo restante) dos créditos do credor exequente sobre o devedor pessoa singular, afastando assim a regra da extinção ope legis prevista no nº 3 do Artº 88º do CIRE. 4. Por economia processual, os EXE declaram que aderem na sua totalidade à fundamentação de facto e de direito da decisão de 1ª instância deste processo datada de 26.09.2024, que: - Por um lado determinou a extinção desta execução nos termos do nº 3 do Artº 88º do CIRE; - E que, por outro lado, apreciando o exercício dos direitos por parte dos credores da insolvência, após o encerramento do processo, contra o devedor, os mesmos assentarão (como decorre do art. 233º, nº 1, c) do CIRE) não no título executivo original, mas antes na sentença de verificação de créditos. 5. Os Srs. Juízes Desembargadores vieram expor os seus motivos de discordância em relação à extinção OPE LEGIS das execuções nas situações previstas no nº 3 do Artº 88º do CIRE, apresentando basicamente, 2 argumentos: 1º - A decisão de encerramento do processo de insolvência (após o rateio final) não constitui, de per si, causa de extinção das obrigações do devedor, quando não ocorrer a satisfação dos créditos do exequente, não existindo razões para entender que ocorre uma situação de “inutilidade superveniente da lide” e que a eventual existência de um novo título executivo (sentença de verificação de créditos e/ou verificação ulterior de créditos); e, 2º - A incongruência do nº 3 do Artº 88º do CIRE não prever a extinção ope legis das execuções suspensas ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, no caso de encerramento do processo de insolvência conforme al. b) do nº 1 do Artº 230º do CIRE, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste. REBATENDO ESTES ARGUMENTOS: Quanto ao 1º argumento: 6. Os Srs. Juízes Desembargadores dão especial ênfase à insatisfação dos direitos dos credores no âmbito do processo de insolvência, melhor dito, ao cenário em que as obrigações dos devedores insolventes irão manter-se na medida em que tais créditos não obtiveram satisfação (total) na insolvência. 7. Nos casos iguais aos dos 2 Acórdãos aqui em análise - encerramento de processo de insolvência de devedor que não beneficia da exoneração do passivo restante, ao abrigo das alíneas a) e d) do nº 1 do art. 230º do CIRE – é permitido aos credores exercer os seus direitos (exigir judicialmente o cumprimento) contra do devedor, sem outras restrições que não as constantes de eventual plano de insolvência e plano de pagamentos (alíneas c) e d) do nº 1 do art. 233º do CIRE). 8. Afirmam ainda os Srs. Juízes que a eventual existência de um novo título - sentença de verificação de créditos e/ou verificação ulterior de créditos – não acarreta a inutilização/destruição do anterior, nem sequer a substituição de um pelo outro, pois o novo título acrescerá ao outro. 9. Dão ainda realce à possibilidade do credor não ter efectuado reclamação de créditos no processo de insolvência, não dispondo nesse caso de novo título - sentença de verificação de créditos e/ou verificação ulterior de créditos -, não ficando impedido de exigir ao devedor – após o encerramento de processo de insolvência de devedor que não beneficia da exoneração do passivo restante – o seu crédito, não podendo invocar- se então esse argumento (a existência de novo título), como justificação para a inutilidade superveniente da lide. ORA, 10. Se a execução ficou suspensa por força da declaração de insolvência do devedor/executado, o credor teve necessariamente conhecimento da insolvência e tem 2 opções: 1ª – Reclama o seu crédito na insolvência, que é reconhecido e obtém a sentença de verificação de créditos e/ou verificação ulterior de créditos; 2ª – Ou não reclama o seu crédito na insolvência. 11. Ora, como muito bem dizem os Srs. Juízes Desembargadores, a Lei nº 16/2012 de 20.04 propôs-se regular o destino das execuções suspensas, depois de decidido o encerramento do processo e os nºs. 3 e 4 do Artº 88º do CIRE foram introduzidos por essa Lei já que, anteriormente à sua publicação, o CIRE nada previa quanto ao “destino” das execuções suspensas por força da declaração de insolvência do executado/devedor. 12. Pelo que, resultou inexoravelmente da introdução do nº 3 do Artº 88º do CIRE a extinção ope legis de todas as execuções suspensas por força da declaração de insolvência do executado/devedor. NESTE CONTEXTO, 13. As alíneas c) e d) do nº 1 do Artº 233º do CIRE, estipulando a possibilidade de exercício de direitos dos credores após o encerramento do processo de insolvência, baliza esses direitos da seguinte forma: c) Os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência; d) Os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos. 14. Por seu lado, os Artºs 47º e 51º do CIRE definem o conceito de credores da insolvência e o que são dívidas da Massa Insolvente e no Artº 128º e ss. do mesmo diploma vai regulada a forma de reclamação e verificação dos créditos sobre a insolvência. 15. Assim, da al. c) do nº 1 do Artº 233º do CIRE resulta que, encerrado o processo, passam os credores da insolvência a ter 2 títulos executivos diferentes: I - a sentença homologatória do plano de pagamentos; ou, II - a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência. 16. Da conjugação destes citados artigos resulta claramente que, os direitos dos credores da insolvência que podem ser exercidos por estes credores nos casos em apreço – após o encerramento de processo de insolvência de devedor que não beneficia da exoneração do passivo restante, ao abrigo das alíneas a) e d) do nº 1 do art. 230º do CIRE – apenas podem ser exercidos 2 formas: 1ª – Pelos que efectuaram reclamação de créditos na insolvência, por qualquer um dos títulos executivos previstos na al. c) do nº 1 do Artº 233º do CIRE, dependendo unicamente se após a verificação de créditos ocorreu, ou não, a aprovação de um plano de insolvência / plano de pagamentos das dívidas para lançar “mão” de um dos 2 possíveis títulos; e, 2ª – Para os que não efectuaram qualquer reclamação, apenas podem exigir do devedor os seus créditos de acordo com um plano de insolvência / pagamentos aprovado(s). 17. Se porventura não ocorreu na insolvência a aprovação de um plano de pagamentos, extinguem-se os créditos para os que não efectuaram qualquer reclamação na insolvência. 18. Pois que, doutra forma, seria letra “morta” e sem qualquer significado a exigência da Lei da al. c) do nº 1 do Artº 233º quando define que tais direitos só podem ser exercidos com base nos seguintes 2 títulos executivos: i) a sentença homologatória do plano de pagamentos; ii) a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência. 19. Logo, quem não tem qualquer um desse título, não pode exercer os seus direitos posteriormente ao encerramento do processo. 20. Na situação da al d) do nº 1 do Artº 233º do CIRE, prevê-se o exercício dos direitos do credores da Massa Insolvente, que não tem aplicação ao caso em apreço, pois nesta execução não se discute uma dívida da Massa. Quanto ao 2º argumento: 21. Compreende-se o raciocínio exposto pelos Srs. Juízes Desembargadores para a incongruência do nº 3 do Artº 88º do CIRE ao não prever a extinção ope legis das execuções suspensas ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, no caso de encerramento do processo de insolvência conforme al. b) do nº 1 do Artº 230º do CIRE. 22. Seria lógico. 23. Porém, ao contrário do exposto, entende-se que existe apenas aqui uma falha do legislador que não consagrou tal hipótese na redacção que seria correcta do nº 3 do Artº 88º do CIRE. ISTO PORQUE, 24. Sendo aprovado o Plano de Insolvência com um Plano de pagamentos com as incidências no passivo do devedor previstas no Artº 196º do CIRE, dúvidas não restam que todos os direitos de crédito sobre o insolvente/devedor – seja de quem for, tenha ou não reclamado na insolvência -, passam a ser configurados conforme o Plano aprovado. 25. Donde, tenha ou não reclamado o seu crédito, passam todos os credores a puder exigir os seus créditos de acordo com a al. c) do nº 1 do Artº 233º do CIRE. 26. Pelo que, em rigor, deveria tal hipótese fazer parte de efectiva redacção do nº 3 do Artº 88º do CIRE para evitar incongruências e interpretações correctivas (por muito compreensíveis que sejam, são interpretações). 27. Nesta situação sim, deverá ocorrer a aplicação analógica do nº 3 do Artº 88º do CIRE às execuções suspensas ao abrigo do nº 1 do mesmo artigo, ou mesmo, a extinção da execução por da inutilidade superveniente da lide, verificada que seja pelo Tribunal (de execução), a aprovação do o trânsito em julgado da decisão de homologação do plano de insolvência, se a isso não se opuser o conteúdo deste. EM RESUMO: 28. O Artº 88º, nº 3 do CIRE preconiza a extinção ope legis de todas execuções suspensas nos termos do seu nº 1, logo que, quanto ao executado/insolvente, o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto. 29. Com efeito preceitua o artº 233 nº 1 al. c) do CIRE que encerrada a insolvência os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência. 30. O processo de insolvência foi encerrado por rateio nos termos do artº 233 nº 1 al. a) CIRE. 31. Foi pois acertada a decisão de 1ª instância que determinou a extinção da execução ao abrigo do nº 3 do Artº 88º do CIRE. 32. O douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou assim os Artºs. 88º, nº 3, 233º, nº 1, al. c), ambos do CIRE, está em contradição com o ACTREV conforme exposto e deve ser por isso revogado. TERMOS EM QUE, Deve este recurso de revista ser julgado totalmente procedente, revogando-se a decisão proferida pelo Douto Acórdão proferido nestes autos a 11.02.2025, confirmando-se assim o despacho/decisão de 1ª instância sem qualquer alteração. * A exequente apresentou resposta, pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O recurso é admissível ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 629.º/2/d), 631.º/1, 674.º/1/a)/b) e 854.º, primeira parte, todos do CPC, nada obstando à apreciação do mérito da revista, pois que a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir é a seguinte: • Saber se a norma do n.º 3 do art. 88.º do CIRE determina a extinção da presente ação executiva quanto aos executados recorrentes, pessoas singulares cujo processo de insolvência foi encerrado após a realização do rateio final, nos termos do art. 230.º/1/a) do CIRE, sem que os mesmos tivessem beneficiado da exoneração do passivo restante. ** III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS Atendendo aos elementos constantes dos autos, são os seguintes os factos a considerar para a decisão do presente recurso: 1 - Caixa Geral de Depósitos, S.A., intentou a presente ação executiva comum para haver coercivamente dos executados AA e mulher BB e CC e mulher DD, a quantia global de 51.181,44€ e juros vincendos, dando à execução livrança em que os executados figuram como avalistas da subscritora. 2 - Porque demonstrado terem sido os executados (todos eles) declarados insolventes (os executados AA e BB no âmbito do processo nº 1227/22.0... e os executados CC e DD no âmbito do processo nº 1228/22.8..., ambos a correr termos no juízo de comércio de ...), determinou o agente de execução, ao abrigo do disposto no art. 88º do CIRE, a suspensão da execução. 3 - No processo de insolvência dos executados CC e DD foi indeferido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante por eles formulado e proferida decisão de encerramento do processo, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 230º do CIRE (com os efeitos previstos no art. 233º do CIRE). 4 - Trazida tal informação aos presentes autos, decidiu o agente de execução a renovação da execução quanto a tais executados (assim deferindo pretensão formulada pela exequente, que requerera o prosseguimento da ação executiva contra tais executados, face ao encerramento do respetivo processo de insolvência e ao indeferimento do pedido de exoneração do passivo restante). 5 - Apresentaram-se então os executados CC e DD a reclamar de tal decisão do agente de execução, pedindo que a mesma fosse ‘anulada’ e ordenada a extinção da execução, em atenção ao disposto no art. 88º, nº 3 do CIRE e art. 849º, nº 1, f) do CPC. 6 - Apreciando tal reclamação, foi proferido despacho a 26-09-2024 que determinou (para lá de considerar nulo, nos termos do art. 195º do CPC, o acto do agente de execução) que o agente de execução declarasse a extinção da execução, nos termos do art. 88º, nº 3, do CIRE, quanto aos executados reclamantes – ponderou-se que tendo sido o processo de insolvência ‘encerrado por rateio nos termos do art. 233º, nº 1, a), do CIRE’, deveria o agente de execução ‘ter declarado extinta a execução’, podendo o exequente instaurar nova execução ‘apresentando como título executivo a sentença de verificação e graduação de créditos, nos termos do art. 233º, nº 1, c), do CIRE, o mapa de rateio que informe o pagamento que obteve na insolvência’, estando-lhe todavia defeso renovar a presente execução, por a mesma dever ser extinta ao abrigo do art. 88º, nº 3 do CIRE. ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO Discute-se, no recurso em apreço, os efeitos processuais no âmbito da presente ação executiva, suspensa ao abrigo do art. 88.º/1 do CIRE pelo facto de os executados terem sido declarados insolventes, do encerramento do processo de insolvência relativo aos recorrentes, por verificação da hipótese prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE. Comecemos por expor o regime legal aplicável. Segundo o que dispõem os primeiros três números do art. 88.º do CIRE, “1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. 2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados, e nas quais hajam sido penhorados bens compreendidos na massa insolvente, é apenas extraído e remetido para apensação traslado do processado relativo ao insolvente. 3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.” De acordo com a alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, “prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento: a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º; (…) d) Quando o administrador da insolvência constate a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente.” Encerrado o processo de insolvência “cessam todos os efeitos que resultam da declaração de insolvência, recuperando designadamente o devedor o direito de disposição dos seus bens e a livre gestão dos seus negócios, sem prejuízo dos efeitos da qualificação da insolvência como culposa” e do disposto no art. 234.º do CIRE (art. 233.º/1/a) do CIRE), podendo os credores “exercer os seus direitos contra o devedor sem outras restrições que não as constantes do eventual plano de insolvência e plano de pagamentos e do n.º 1 do artigo 242.º, constituindo para o efeito título executivo a sentença homologatória do plano de pagamentos, bem como a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior, em conjugação, se for o caso, com a sentença homologatória do plano de insolvência.” (art. 233.º/1/c) do CIRE). A eventual extinção do processo executivo em apreço não implicaria, naturalmente, a extinção do crédito do exequente, que sempre poderia vir a obter a sua realização coactiva, legalmente admissível por ter sido recusado o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelos executados recorrentes. A questão que se discute reside em saber se tal realização coactiva se poderá efectivar através da ação executiva pendente ou se, ao invés, através de uma nova execução instaurada para o efeito. O acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-20221, indicado pelos recorrentes para sustentar a sua posição, pronunciou-se, tal como o acórdão da mesma Relação de 25-06-20202 e o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-02-20213, no sentido da segunda alternativa elencada, apelando ao elemento gramatical da norma e fazendo notar que, apesar de “não fazer muito sentido que se decrete, sem mais, a extinção da execução pendente quando, no momento seguinte, é facultado ao exequente a instauração de uma execução para cobrança do crédito não satisfeito”, a intenção do legislador terá sido a “de tornar o processo de insolvência mais ativo na satisfação dos credores, desincentivando o ressuscitar das execuções pendentes.” O acórdão recorrido, por seu turno, sustentou a posição oposta, defendendo que, num caso, como o presente, em que os executados são pessoas singulares a quem não foi concedido o benefício da exoneração do passivo restante, o encerramento do processo de insolvência após a realização do rateio final não deverá conduzir à extinção do processo de execução, sublinhando que a decisão de encerramento do processo de insolvência com este fundamento não constitui, de per se, uma causa de extinção das obrigações do devedor, a acrescer ao catálogo de causas tipificado nos artigos 837º a 874º do CC. O Tribunal “a quo” evidenciou, para suportar a sua tese, que o CIRE permite que, encerrado o processo de insolvência, os credores exijam judicialmente o cumprimento das obrigações não satisfeitas (art. 233.º/1/c)), realçando a incongruência de se determinar a extinção da execução nos casos das alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, ao mesmo tempo que se permite que o credor não satisfeito intente uma outra ação executiva com o mesmo alcance. Por fim, sublinhou o aresto que, mesmo nas situações em que o processo de insolvência é encerrado em virtude da aprovação e subsequente homologação do plano de insolvência (art. 230.º/1/b) do CIRE) e se forma um novo título executivo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 233.º do CIRE, a lei não determina a extinção da ação executiva, podendo a mesma prosseguir, em função do conteúdo do próprio plano (cfr. art. 233.º/4 do CIRE). Este posicionamento encontra-se em linha, como também ressalta do texto do acórdão recorrido, com a posição defendida por Artur Dionísio Oliveira, que questionou a extinção das execuções suspensas quando o executado seja uma pessoa singular cujo crédito exequendo na insolvência não foi satisfeito, nem foi admitida a exoneração do passivo restante, num contexto em que “ao contrário do que sucede com as sociedades comerciais, o devedor não se extingue e poderá ter, entretanto, obtido ou vir a obter bens penhoráveis que satisfaçam o crédito exequendo, o que de resto, o próprio legislador previu na parte final do n.º 1 do artigo 182.º.”4 Também Maria do Rosário Epifânio expressou dúvidas quanto à extinção das ações executivas suspensas nos casos em que o processo de insolvência é declarado encerrado pelo preenchimento da alínea a) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, numa situação em que o crédito exequendo não foi reclamado no processo de insolvência e todos os credores sobre a insolvência obtiverem satisfação integral dos seus créditos, tendo o saldo remanescente sido entregue ao devedor nos termos do art. 184.º/1 do CIRE5. A autora reiterou as suas dúvidas quanto à extinção das ações executivas no caso de encerramento do processo por insuficiência de bens da massa insolvente, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, questionando: “se o património é insuficiente para a satisfação das dívidas da massa e das custas do processo de insolvência, pode não o ser para a satisfação do crédito exequendo. Por que não deixar atuar as regras gerais de extinção da instância executiva, previstas no art. 849.º, mais concretamente nos arts. 748.º, n.º 3,750, n.º 2, e 799.º, n.º 6,855.º, n.º 4, todos do CPCivil?”6 Também Nuno de Lemos Jorge se manifestou reticente quanto à extinção da execução movida contra pessoa singular no caso de o crédito não ter sido satisfeito no processo de insolvência e de não ter sido proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante ou de o crédito não ter sido suscetível de exoneração, chegando mesmo a advogar uma parcial interpretação restritiva do art. 88.º/3 do CIRE, no caso de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente (art. 230.º/1/d) do CIRE) se existirem na insolvência apenas bens de valor inferior a €5.000,00 e a execução se mostrar, por essa razão, ainda viável7. A possibilidade de os credores da insolvência que já dispusessem de título executivo antes da declaração da insolvência poderem promover o prosseguimento das execuções suspensas instauradas anteriormente a tal declaração foi admitida por Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões8. O tratamento da específica questão que nos ocupa, ausente dos casos analisados pelo STJ, tem motivado controvérsia no âmbito da jurisprudência dos Tribunais da Relação, tendo-se vindo a firmar uma corrente expressiva que (ainda que por referência a situações fácticas não equiparáveis) vem afastando a extinção da ação executiva nos casos de encerramento do processo de insolvência com fundamento nas alíneas a) e d) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE9. Qual o entendimento a seguir? * O efeito suspensivo das ações executivas movidas contra o devedor declarado insolvente encontra justificação, como observa Marco Carvalho Gonçalves, “na circunstância de a insolvência constituir uma execução universal e coletiva, a qual implica a apreensão da totalidade do património do devedor, não sendo, por isso, possível o prosseguimento de diligências executivas sobre bens que integrem a massa insolvente, sob pena de violação do princípio par conditio creditorum. Daí que este efeito suspensivo das diligências executivas ou de outras providências requeridas pelos credores do devedor não se produza na eventualidade de a insolvência do devedor ter sido declarada com caráter limitado, nos termos dos arts. 39.º e 131.º, sem que, entretanto, tenha sido requerido o complemento da sentença, já que, nesse caso, não há lugar à apreensão de bens, nem à reclamação de créditos. Ademais, a declaração de insolvência obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer ação executiva intentada pelos credores da insolvência, já que, à luz do art. 90.º, os credores da insolvência devem exercer os seus direitos de crédito no próprio processo de insolvência. Vale isto por dizer que a declaração de insolvência do devedor determina a suspensão imediata da instância executiva e não a extinção da execução, por inutilidade superveniente da lide.”10 A lei estabelece, no entanto, a regra de que, com o encerramento do processo de insolvência nos termos das alíneas a) e d) do art. 230.º do CIRE, se extinguem relativamente ao executado insolvente tais ações executivas suspensas, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto (art. 88.º/3 do CIRE). Nas restantes situações, importa atender ao que resulta do plano de insolvência ou do plano de pagamento A extinção do processo de execução no caso de o processo de insolvência ser encerrado nas duas descritas situações justifica-se pelo facto de as execuções perderem a sua razão de ser, num cenário em que “se liquidou todo o património e se repartiu o produto por todos os credores que se apresentaram a concurso e quando não há ativo para satisfazer sequer os credores da massa insolvente.”11 É, pois, uma ideia de impossibilidade ou inutilidade da lide – que, recorde-se, ocorre quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida”12 – determinativa da extinção da instância, nos termos da alínea e) do art. 277.º do CPC, que se encontra subjacente à solução legal da extinção da execução com os descritos fundamentos. A norma do n.º 3 do art. 88.º do CIRE13 foi introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de abril, sendo que, até então, nenhuma disposição regulava especificamente a cessação da suspensão das execuções. A resposta à questão objecto de recurso dependerá dos resultados da actividade interpretativa desenvolvida a respeito desta disposição. Importa, pois, lançar mão dos fatores hermenêuticos previstos no art. 9.º do CC, apelando aos elementos gramatical, racional (consistente no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma), sistemático (que compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma interpretanda) e histórico (que abrange elementos relativos à história do preceito, desde logo a história evolutiva do regime em causa)14. Segundo o comando ínsito no art. 9.º do CC, há que partir da letra da lei – do seu enunciado linguístico – para extrair o pensamento (espírito) que lhe esteve subjacente, funcionando o elemento gramatical simultaneamente como limite, uma vez que não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei o pensamento legislativo “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2 do art. 9.º do CC)15. Como explicita Fátima Reis Silva, a introdução do n.º 3 do art. 88.º do CIRE teve claramente um cunho interpretativo, clarificando que as execuções pendentes contra o insolvente não se extinguiam pela mera declaração de insolvência – tão-só se suspendendo e aguardando o desfecho do processo de insolvência – e colocando fim a uma prática “saneadora” levada a cabo, nomeadamente, nos tribunais onde corriam os processos de insolvência para os quais os processos executivos eram remetidos para apensação, onde o juiz da insolvência extinguia imediatamente o processo executivo por saber que o destino da insolvência seria a liquidação ou a insuficiência16. Nas palavras de Catarina Serra, ficou “definitivamente esclarecido que as acções executivas só se extinguem aquando do encerramento do processo de insolvência e não por qualquer causa: extinguem-se apenas quando o processo se encerra por ter sido realizado o rateio final ou por o administrador da insolvência ter constatado a insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as restantes dividas da massa insolvente. Nos restantes casos, a solução é a de que, após o encerramento do processo, as acções podem prosseguir, a não ser que haja restrições a isso no plano de insolvência ou no plano de pagamentos aos credores ou que esteja a decorrer o chamado «período de cessão do rendimento disponível" [cfr. art. 233.º, n.º 1, al. c)].”17 É insofismável que o elemento gramatical da norma prevista no n.º 3 do art. 88.º do CIRE aponta no sentido da extinção da execução num caso, como o presente, em que o processo de insolvência dos executados recorrentes foi declarado encerrado após a realização do rateio final. No entanto, o sentido decisivo de tal norma não poderá prescindir de uma leitura sistemática da mesma, em conjugação com as demais regras que disciplinam o processo de insolvência e o processo executivo. Ora, a interpretação integrada destas normas leva-nos a afastar a tese da extinção automática, “ope legis”, da execução em todos os casos de encerramento do processo de insolvência, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 230.º do CIRE, aconselhando, ao invés, que o destino da ação executiva seja ponderado de forma casuística, tendo por referência o sujeito passivo da declaração de insolvência e o tratamento que o crédito exequendo conheceu no âmbito do processo de insolvência. Com efeito, tal extinção é inevitável nas situações em que o insolvente seja uma sociedade comercial, dado que esta se considera extinta com o registo do encerramento do processo após o rateio final (art. 234.º/3 do CIRE). Do mesmo modo, tal efeito extintivo impõe-se nos casos em que, sendo o insolvente pessoa singular, o crédito do exequente haja sido satisfeito na insolvência ou tenha sido liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, situação em que, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art. 242.º do CIRE, são vedadas quaisquer execuções sobre os bens do devedor destinadas à satisfação dos créditos sobre a insolvência, durante o período da cessão. Todavia, num caso, como o presente, em que os insolventes, pessoas singulares, viram o seu pedido de exoneração do passivo restante ser indeferido liminarmente, a extinção da execução afigura-se destituída de fundamento material bastante, como bem é sublinhado pelo acórdão recorrido, quando é a própria a lei a conferir ao credor não satisfeito a possibilidade de intentar uma nova execução funcionalmente orientada à realização coativa do mesmo crédito. Crê-se que a solução da extinção da execução em tal caso, que frontalmente contraria o princípio da economia processual, não se mostra exigida pela teleologia prevista pela norma do n.º 3 do art. 88.º do CIRE – que, como se procurou demonstrar, teve como desiderato primordial esclarecer que os processos executivos não deveriam, por regra, findar com a declaração de insolvência dos executados. Poder-se-ia objectar, na linha do sustentado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-10-201618, que o facto de o art. 233.º/1/c) do CIRE preceituar que, após o encerramento do processo, os credores da insolvência poderão exercer os seus direitos contra o devedor – prevendo como título executivo, não o original, mas a sentença de verificação de créditos ou a decisão proferida em ação de verificação ulterior – inculca que a satisfação coativa ter-se-ia de efectuar através de uma nova ação executiva. Todavia, este argumento, de índole formal, é rebatível nos termos efectuados pelo acórdão recorrido, não se afigurando concludente para defender a extinção automática da execução nestes casos, uma vez que não se entende, ao contrário do que se retira da argumentação expendida pelos recorrentes, que a satisfação do crédito de um exequente, após o encerramento do processo de insolvência de um devedor não exonerado, se tenha de fazer, obrigatoriamente, através de um título executivo obtido no âmbito de um processo de insolvência: i)Em primeiro lugar porque o surgimento do novo título não acarreta a inutilização do título executivo anterior (“in casu”, da livrança avalizada pelos recorrentes), não se vislumbrando obstáculo legal a que este título se acrescente e conjugue com o título pré-existente, num quadro em que a obrigação exequenda subsiste (total ou parcialmente), por não se haver extinguido por novação (cfr. art. 857.º e seguintes do CC). De todo o modo, sempre se diga que, ainda que se considere inutilizado o título executivo primitivo, se admite a possibilidade de a exequente requerer a execução do novo título formado no âmbito do processo de insolvência, no mesmo processo executivo, caso estejam reunidos os pressupostos previstos no n.º 1 do art. 711.º do CPC; ii) Em segundo lugar, o surgimento de tal “novo” título contra o credor exequente é meramente eventual, já que só existirá se o mesmo tiver reclamado o seu crédito na insolvência ou se o crédito tiver sido reconhecido pelo administrador; iii) Em terceiro lugar, como bem nota o acórdão recorrido, a circunstância de a extinção da execução não ter lugar nas situações em que o processo é encerrado em virtude da aprovação e subsequente homologação de plano de insolvência (art. 230.º/1/b) do CIRE), em que se forma um novo título executivo (cfr. art. 233.º/1/c) do CIRE), demostra que a lei admite a possibilidade de a ação executiva prosseguir – e, por isso, de o título pré-existente subsistir não obstante a formação de novo título – , a não ser que haja restrições no plano sobre esta matéria. Na situação dos autos, tendo o processo de insolvência dos executados não exonerados sido encerrado com os efeitos previstos no art. 233.º do CIRE, e podendo o credor exequente exercer os seus direitos nos termos gerais, não se verificando o obstáculo decorrente do art. 242.º/1 do CIRE, seria frontalmente contrário ao princípio da economia processual, na vertente da economia de processos19, extinguir a execução suspensa, obrigando o exequente a cobrar coercivamente o crédito não satisfeito através de uma ação executiva com idêntico escopo à presente lide executiva desaproveitada. Justifica-se, por isso, a nosso ver, uma interpretação restritiva da norma do n.º 3 do art. 88.º do CIRE, recortada pelo seu espírito20, que exclua do efeito extintivo por si determinado a execução movida anteriormente à declaração de insolvência dos executados, pessoas singulares, cujo processo de insolvência foi encerrado após a realização do rateio final, num caso, como o presente, em que os executados não beneficiaram do regime da exoneração do passivo restante e em que o crédito exequendo não logrou satisfação no processo de insolvência. ** Atento o exposto, entende-se que a presente execução não deverá ser extinta, devendo antes prosseguir quanto aos executados recorrentes, por subsistir a sua utilidade, permitindo-se ao exequente nomear à penhora bens que hajam sobrevindo ao património dos recorrentes, sem prejuízo da atuação das regras gerais da extinção da execução, previstas no art. 849.º do CPC. Como tal, conclui-se pela improcedência do recurso de revista. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação. Custas da revista a cargo dos recorrentes/executados Paulo A. T. Gomes e Maria de Fátima R. Teixeira. Lisboa, 15.5.2025 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Isabel Salgado (Juíza Conselheira 1º adjunto) Carlos Portela (Juiz Conselheiro 2º Adjunto) ______
1. Processo n.º 1129/10.2TBSSB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt. 2. Processo n.º 1102/17.0T8ENT-A.E1, disponível em www.dgsi.pt. 3. Processo n.º 6931/06.7TBGMR.G1, disponível em www.dgsi.pt. 4. Artur Dionísio Oliveira, “Os efeitos processuais da declaração de insolvência – acções executivas e acções declarativas pendentes”, E-book do CEJ sobre Processos Especiais dos Juízes do Comércio, Coleção Formação Contínua, setembro de 2019, p. 67, consultado em 02-05-2025 em chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=lsQNimgp8uE%3d&portalid=30 e “Os efeitos externos da insolvência nas ações pendentes contra o insolvente”, Julgar, n.º 9, 2009, p. p. 179. 5. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2019, p. 169, nota 596. 6. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2019, p. 169, nota 597. 7. Nuno de Lemos Jorge, “Os efeitos do PER e do processo de insolvência sobre as ações laborais”, Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 2, 2.º semestre, Centro de Estudos Judiciários, 2022, p. 318. 8. Ana Prata/Jorge Morais de Carvalho/Rui Simões, Código da Insolvência, Coimbra, Almedina, 2013, p. 646. 9. Cfr. os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 03-04-2014, de 08-07-2015, de 26-10-2017 e de 10-11-2022, do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-03-2017, de 21-11-2023, de 16-01-2024 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 01-07-2021, de 11-04-2024? e de 11-04-2024 – todos com texto integral disponível e www.dgsi.pt. 10. Marco Carvalho Gonçalves, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Coimbra, Almedina, 2023, pp. 317-318. 11. Fátima Reis Silva, “Efeitos processuais da declaração de insolvência”, in I Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Coimbra, Almedina, 2013, p. 261. 12. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, p. 546. 13. Dispondo que “3 - As ações executivas suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo de insolvência seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para efeitos do exercício do direito de reversão legalmente previsto.”. 14. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 181-184. 15. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1996, pp. 188-189. 16. Fátima Reis Silva, “Efeitos processuais da declaração de insolvência”, in I Congresso de Direito da Insolvência, coordenação de Catarina Serra, Coimbra, Almedina, 2013, p. 260. 17. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 207 – destaque nosso. 18. Processo n.º 165/09.6TBVNC-B.G1, disponível em www.dgsi.pt. 19. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, p. 204. 20. Cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 13.ª edição, Coimbra, Almedina, 2020, p. 424. |