Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
| Descritores: | AÇÃO EXECUTIVA PROCESSO SUMÁRIO CITAÇÃO INTERPELAÇÃO EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO VENCIMENTO DA DÍVIDA VENCIMENTO ANTECIPADO PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO PENHORA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 09/05/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCECIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º do CC, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital. II - Entende-se que o art. 781.º do CC atribui ao credor o poder de provocar o vencimento da obrigação, não produzindo ope legis esse vencimento. E, por isso, necessário que o credor interpele o devedor para que se produza o vencimento de todas as prestações e, deste modo, exigir antecipadamente o pagamento das restantes prestações. III - No caso de interpelação extrajudicial do devedor anterior à data da propositura da ação executiva, compete ao exequente o respetivo ónus da prova juntamente com a apresentação do seu requerimento executivo, conforme o art. 724.º, n.º 4, al. a), do CPC. IV - No que respeita a execuções sob a forma de processo sumário, tendo já sido efetuada a penhora e a subsequente citação, razões de simplificação procedimental e de economia de meios não são suscetíveis de permitir que a interpelação opere com a citação: o devedor/executado não pode ter-se por interpelado com a respetiva citação. Como a execução sob a forma de processo sumário prossegue sem citação, não pode considerar-se que esta serve de interpelação, de um lado e, de outro, como é a interpelação que provoca o vencimento da dívida, a dívida não está nem fica vencida. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. A 10 de maio, a Exequente, Banco BPI, S.A., intentou ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumário, contra AA e BB, referindo, além do mais, que: “Os Executados deixaram de cumprir as obrigações pecuniárias emergentes dos títulos de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e de Abertura de Crédito com Hipoteca, (…) desde 30.04.2018 e 28.02.2018, sendo os respetivos capitais em dívida, àquelas datas, de 188.868,50€ e 34.995,59€, respetivamente”. 2. A Exequente juntou aos autos certidão das escrituras públicas dos contratos de “Compra, Venda e Mútuo com Hipoteca” - e “Documento Complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante da escritura lavrada em dezoito de Abril de dois mil e oito (…)” - e de “Abertura de crédito, Hipoteca” - e “Documento Complementar elaborado nos termos do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado e que faz parte integrante da escritura lavrada em dezoito de Abril de dois mil e oito (…)” - e comprovativo de depósito relativo à abertura de crédito. Ambos os contratos foram celebrados a 18 de abril de 2008. Mediante o mútuo, a Exequente concedeu crédito aos Executados no montante de € 210.000,00 e, através da abertura de crédito, no valor de € 38.724,00. 3. No prosseguimento normal da execução, o imóvel hipotecado foi penhorado a 23 de maio de 2019 e o Executado BB, citado a 17 de dezembro de 2020, deduziu embargos de executado a 13 de janeiro de 2021. 4. Admitidos liminarmente os embargos, a Exequente/Embargada apresentou contestação, assim como diversos documentos com vista a demonstrar, em síntese, que comunicou ao Executado/Embargante que os créditos em causa estavam “vencidos” e que lhes exigiu “o pagamento da totalidade da dívida”. 5. Realizaram-se a audiência prévia e a audiência de julgamento. 6. A e de novembro de 2021, o Tribunal de 1.ª Instância, por sentença, decidiu o seguinte: “Julgo os embargos à execução parcialmente procedentes, mantendo-se os capitais em dívida exigidos na acção e alterando a contagem dos juros de mora sobre os mesmos nos seguintes termos: - até à citação do embargante, sobre a data e o valor de cada uma das prestações vencidas até então; depois da citação, sobre a totalidade dos capitais em dívida. Para tanto, no prazo de dez dias após o trânsito, deverá a embargante apresentar liquidação rectificada da quantia exequenda (à data da propositura da acção)”. 7. Não conformado, o Executado/Embargante interpôs recurso de apelação. 8. A Exequente/Embargada/Recorrida não apresentou contra-alegações. 9. Por acórdão de 10 de março de 2022, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte: “Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e, em consequência, mantém-se integralmente a decisão recorrida. Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.” 10. De novo não conformado, o Executado/Embargante BB interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “A) O Recorrente não se conforma com o Venerando Acórdão da Relação de Lisboa que julgou improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão de indeferimento dos Embargos proferida em primeira instância, com um voto de vencido; B) Nos presentes autos o Recorrido instaurou uma execução para pagamento de quantia certa sob a forma de processo sumário que prosseguiu os seus termos com a penhora do imóvel do Recorrente e subsequente citação; C) Conforme resultou provado nos autos, o Recorrente nunca foi interpelado extrajudicialmente pelo Recorrido para o pagamento das prestações vencidas do seu empréstimo; D) A questão da falta de interpelação para o vencimento da totalidade da dívida foi suscitada pelo Recorrente logo na sua primeira intervenção processual (cfr. artigos 16.º a 22.º da sua Petição de Embargos); E) O Recorrido optou pela forma sumária da execução porque considerava vencida automaticamente a dívida exequenda, mas, nem no requerimento executivo (onde nem sequer alegou o facto), nem posteriormente, em sede de Embargos, logrou fazer prova da interpelação do Recorrente; F) Na falta de interpelação extrajudicial, não existiu, previamente à execução, nos termos do n.º 1 do artigo 805.º do Código civil, o vencimento antecipado da totalidade da dívida - esse vencimento ocorreu apenas com a citação do Recorrente para a execução; G) Na data da instauração da execução, a dívida do Recorrente não se encontrava vencida; H) Dispõe a alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC, que se emprega o processo sumário nas execuções baseadas “Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor”; I) Não tendo o Recorrido feito a interpelação extrajudicial para o vencimento antecipado da dívida, sempre teria de instaurar a sua execução de um título extrajudicial sob a forma ordinária; J) A questão não foi suscita pelo Agente de Execução e o requerimento executivo indeferido, como poderia e deveria ter sido, mas apenas pelo Recorrente já em sede de Embargos; K) O Mmo Juiz tinha a obrigação de conhecer automática e oficiosamente, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 577.º, n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do CPC, a nulidade da execução, e deveria ter determinando, em consequência, o seu indeferimento; L) O vício nunca seria sequer susceptível de ser suprido porquanto a convolação da execução para a forma ordinária em momento posterior à penhora dos bens do Recorrente sempre implicaria uma inadmissível redução das garantias deste; M) Não o tendo feito antes, ainda poderia e deveria o Mmo. Juiz de primeira instância, em sede de julgamento de embargos, e nos termos do n.º 4 do artigo 732.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 734.º do CPC, julgar os Embargos procedentes, conhecer da nulidade do processo e extinguir, em consequência, a execução; N) Não o tendo feito, a douta decisão proferida em primeira instância violou ostensivamente o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC, quando admitiu a forma sumária da execução de um título extrajudicial sem que se encontrasse vencida a obrigação exequenda; O) A douta decisão proferida em primeira instância violou igualmente as disposições conjugadas da alínea b) do artigo 577.º, n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do CPC, porquanto a utilização errada da forma sumária numa execução de um título extrajudicial com uma obrigação pecuniária não vencida, sempre implicaria o conhecimento automático e oficioso da nulidade da execução; P) Ao manter integralmente a douta sentença de primeira instância, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez também uma incorrecta interpretação da alínea c) do n.º 2 do artigo 550.º do CPC, que deverá ser interpretado no sentido da inadmissibilidade da execução de título extrajudicial sob a forma sumária de uma obrigação pecuniária não vencida; Q) Ao manter integralmente a douta sentença de primeira instância, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez também uma incorrecta aplicação das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 577.º, n.º 2 do artigo 726.º e n.º 1 do artigo 734.º, todos do CPC, porquanto a utilização errada da forma sumária numa execução de título extrajudicial de obrigação pecuniária não vencida, sempre implicaria o conhecimento automático e oficioso da nulidade da execução; R) Ao manter integralmente a douta sentença de primeira instância, o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez também uma incorrecta aplicação do n.º 4 do artigo 732.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 734.º, todos do CPC, porquanto a douta sentença de primeira instância deveria ter sido revogada e substituída por uma outra que julgasse os Embargos procedentes, conhecendo da nulidade do processo e extinguindo, em consequência, a execução. Termos em que, com o douto suprimento, deverão V. Ex.as: Julgar totalmente procedente o presente recurso, revogando a douta decisão recorrida e substituindo-a por uma outra que julgue os Embargos totalmente procedentes, conhecendo da nulidade do processo e extinguindo, em consequência, a execução, pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!” 11. Por seu turno, a Exequente/Embargada não apresentou contra-alegações. II – Questões a decidir Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões: a. Da (in)exigibilidade da quantia exequenda – em especial: i. a falta de interpelação extrajudicial, ii. a citação enquanto interpelação; iii. a ação executiva sob a forma sumária. b. Da (in)existência de erro na forma do processo III – Fundamentação A. De Facto Foram dados como provados os seguintes factos: “1. Por escritura pública celebrada em 18 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de ..., e competente documento complementar que a integra, o Banco embargado concedeu ao aqui Embargante BB e à executada AA, um financiamento destinado a aquisição de habitação própria permanente, no valor de € 210.000,00, cf. documento junto ao requerimento executivo que se dá por reproduzido (art. 2.º da contestação) 2. Por escritura pública celebrada em 18 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de..., e competente documento complementar que a integra, o Banco embargado concedeu ao aqui Embargante BB e à executada AA, um financiamento sob a forma de Abertura de crédito, no valor de € 38.724,00, cf. documento junto ao requerimento executivo que se dá por reproduzido (art. 3.º da contestação). 3. Os executados deixaram de pagar as prestações de reembolso dos referidos financiamentos nas datas de 30.04.2018 e 28.02.2018, estando então por pagar os valores de 188.868,50 e 34.995,59 euros (requerimento executivo e art. 42.º da contestação). 4. O embargante residiu no imóvel, sobre o qual foram constituídas hipotecas para garantia dos financiamentos concedidos pela embargada, até 2014/2015 (art. 23.º da petição de embargos). 5. O embargante acordou com a executada que esta ficava a residir no imóvel e pagava a totalidade dos empréstimos bancários (art. 24.º da petição de embargos). 6. Em 2018, o embargante comunicou à embargada a alteração do seu domicílio para a Rua ... (art. 27.º da petição de embargos). 7. No dia 03 de Outubro de 2018, a embargada enviou carta ao embargante, registada com aviso de recepção, com a indicação “Empréstimo n.º ...07”, e o seguinte teor: “Apesar os vários contactos estabelecidos c/Vexa. para regularização da dívida referente ao empréstimo em epígrafe, mantém-se o mesmo em situação de incumprimento. Face a esta situação foi o Contencioso deste Banco mandatado para proceder à distribuição da competente execução judicial contra V.Exa. para cobrança dos montantes em dívida, tendo sido considerado vencido todo o empréstimo a partir de 28/02/2018, sendo o capital em dívida àquela data de Euros 34.995,59, ao qual acrescem juros de mora e demais encargos.” (art. 57.º da contestação) 8. No dia 12 de Novembro de 2018, a embargada enviou carta ao embargante, registada com aviso de recepção, com a indicação “Empréstimo n.º...06””, e o seguinte teor: “Apesar os vários contactos estabelecidos c/Vexa. para regularização da dívida referente ao empréstimo em epígrafe, mantém-se o mesmo em situação de incumprimento. Face a esta situação foi o Contencioso deste Banco mandatado para proceder à distribuição da competente execução judicial contra V.Exa. para cobrança dos montantes em dívida, tendo sido considerado vencido todo o empréstimo a partir de 30/04/2018, sendo o capital em dívida àquela data de Euros 188.868,50, ao qual acrescem juros de mora e demais encargos.” (art. 57.º da contestação)”. O Tribunal recorrido deu como não provados os seguintes factos: “ - O embargante ou a executada pagaram à embargada outros valores por conta dos financiamentos concedidos, não deduzidos aos montantes considerados em dívida pela exequente (arts. 35.º a 37.º e 39.º da petição de embargos); - As cartas aludidas em 7. e 8. dos factos provados chegaram ao local de destino (art. 57.º da contestação)”. B. De Direito (In)admissibilidade do recurso 1. No que respeita ao valor da causa, € 236 415,66 (duzentos e trinta e seis mil e quatrocentos e quinze euros e sessenta e seis cêntimos), e da sucumbência (superior a € 15 000,00), não se verifica a existência de qualquer obstáculo ao conhecimento do recurso - art. 629.º, n.º 1, do CPC. 2. Note-se, ainda, que estando em causa um procedimento de oposição à execução, também por força do disposto no art. 854.º do CPC não existe qualquer obstáculo à admissibilidade do recurso de revista interposto por BB. 3. Por último, apesar da dupla conformidade decisória das Instâncias, o acórdão recorrido foi prolatado com um voto de vencido. Por isso, o presente recurso de revista é admissível ao abrigo do disposto nos arts. 854.º (procedimento de oposição à execução), 671.º, n.os 1 e 3, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC. Enquadramento 1. O Recorrente refere nas suas conclusões de recurso que dos títulos exequendos “não resulta, por si ou directamente das suas cláusulas a obrigação exequenda” e que, estando em causa contratos com prestações futuras, “a perda de benefício do prazo” invocada pelo Exequente e, pois, o vencimento de todas as prestações contratuais, depende “da prévia comunicação dessa intenção ao ora Recorrente, com a indicação da totalidade da dívida vencida, comunicação que (…) não foi feita”. 2. Foram dados à execução dois documentos exarados por notário: uma escritura de “Compra, Venda, e Mútuo com Hipoteca”, acompanhada de documento complementar, e uma escritura “Abertura de Crédito, Hipoteca”, acompanhada também de documento complementar e de extrato de conta relativo ao crédito conferido. 3. Tais documentos constituem os títulos executivos em apreço. 4. Da escritura pública do contrato de “Compra, Venda, e Mútuo com Hipoteca”, assim como do respetivo documento complementar, decorre que os Executados, designadamente o Recorrente, são mutuários da Recorrida no montante de € 210.000,00. Por seu turno, da escritura pública do contrato de “Abertura de crédito, Hipoteca” e do correspondente documento complementar e restantes documentos anexados resulta, para os Executados, uma dívida no valor de € 38.724,00. 5. Nos termos dos referidos contratos, ambos celebrados a 18 de abril de 2008, tais montantes deveriam ser restituídos à Exequente em quatrocentas e quarenta e quatro prestações mensais e sucessivas, ou seja, ao longo do período de trinta e sete anos. 6. No seu requerimento inicial, a Exequente alegou que, na medida em que os Executados deixaram de cumprir a sua obrigação de realização das referidas prestações, procedeu à liquidação da totalidade da dívida, que ascendia ao montante de € 232.905,00. Justifica esta quantia, que é inferior ao valor total do crédito concedido, com os cálculos efetuados. I.e., a Exequente observou o disposto nos arts. 707.º e 724.º, n.º 1, als. e) e h), do CPC. Em situações como a dos autos não se exige que no(s) no(s) título(s) exequendos se encontre, com rigor, a quantia exequenda. Basta que tal quantia decorra da exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido exequendo e da liquidação feita pela Exequente no requerimento executivo, conforme os arts. 707.º e 724.º, n.º 1, als. e) e h), do CPC, o que sucedeu in casu. 7. Como a este propósito referiu o Tribunal de 1.ª Instância no despacho saneador de 22 de setembro de 2021, «(…) estabelecendo tais títulos executivos e documentos complementares, o valor dos créditos (mutuado e em conta corrente), o prazo e o número de prestações mensais para seu reembolso, a forma de cálculo e as concretas datas de vencimento, estava a exequente dispensada de o reproduzir no requerimento executivo, prescrevendo o art. 724.º, n.º 1, al. e), do CPC que nele deve a exequente expor, apenas, “sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo”. Ora, satisfaz este ónus de alegação mínimo, o exequente que, para além de todos aqueles elementos constantes dos títulos, alegou em concreto “Os Executados deixaram de cumprir as obrigações pecuniárias emergentes dos títulos de Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca e de Abertura de Crédito com Hipoteca, (cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2) desde 30.04.2018 e 28.02.2018, sendo os respetivos capitais em divida, àquelas datas, de 188.868,50€ e 34.995,59€, respetivamente”, especificando, adicionalmente, na liquidação da obrigação exequenda “As responsabilidade dos mencionados contratos cifram-se à data de 10.05.2019, nos montantes seguintes: Título identificado como Doc. n.º 1: CAPITAL= 188.868,50€ JUROS DE 31.03.2018 a 10.05.2019 à taxa de 3,422% (0,422 de juros remuneratórios e 3% de juros moratórios) = 7.171,36€ IMPOSTO DE SELO= 286,85€ TOTAL=196.326,71€ Título identificado como Doc. n.º 2: CAPITAL= 34.995,59€ JUROS DE 31.01.2018 a 10.05.2019 à taxa de 3,422% (0,422 de juros remuneratórios e 3% de juros moratórios) = 1.522,36€ IMPOSTO DE SELO= 60,89€ TOTAL=36.578,84€ TOTAL DA DÍVIDA: 232.905,55€ (duzentos e trinta e dois mil, novecentos e cinco euros e cinquenta e dois cêntimos), acresce juros vincendos e imposto de selo até efetivo e integral pagamento.”. (…) Perante, assim, o teor dos títulos executivos (e documentos complementares), dos factos e da liquidação pormenorizada da obrigação exequenda, foi concedido aos executados, mormente ao ora embargante, cabal lastro informativo relativo à causa de pedir e ao pedido, não se mostrando minimamente afectadas as suas garantias de defesa». 8. Atendendo ao requerimento executivo e aos documentos juntos aos autos, a liquidação da quantia exequenda realizada pela Exequente/Recorrida afigura-se inteligível. Questões de saber se se verifica ou não o vencimento da totalidade das prestações em dívida e se a citação subsequente à penhora, no processo de execução sumária, vale ou não como interpelação do devedor/executado 1. Reitere-se que o Recorrente menciona nas suas conclusões das suas alegações de recurso que dos títulos exequendos “não resulta, por si ou directamente das suas cláusulas a obrigação exequenda” e que, estando em causa contratos com prestações futuras, “a perda de benefício do prazo” invocada pelo Exequente e, pois, o vencimento de todas as prestações contratuais, depende “da prévia comunicação dessa intenção ao ora Recorrente, com a indicação da totalidade da dívida vencida, comunicação que (…) não foi feita”. 2. Aquela liquidação efetuada pela Exequente teve por base o incumprimento contratual dos Executados. É que estes deixaram de realizar as prestações mensais a que estavam contratualmente obrigados e, consequentemente, a Exequente considerou vencidas todas as restantes prestações em dívida, conforme a cláusula 7.ª do documento complementar anexado ao contrato de “Compra, Venda e Mútuo com Hipoteca”, e a cláusula 8.ª do documento complementar anexado ao contrato de “Abertura de crédito, Hipoteca”, ambos celebrados a 18 de abril de 2008. 3. Essas cláusulas contratuais encontram-se em conformidade com o disposto no art. 781.º do CC, segundo o qual “[s]e a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. O vencimento das prestações vincendas não é, contudo, automático, porquanto pressupõe a interpelação prévia do devedor. 4. Recorde-se que, apesar de se lhe reconhecer autonomia, nomeadamente por nele se encontrarem frequentemente estipulações que não são usuais fora da atividade bancária – verbi gratia, o reembolso do capital em prestações e a vinculação do mutuário a obrigações simultaneamente amortizadoras e remuneratórias do capital -, o regime jurídico do mútuo bancário é, fundamentalmente, o do mútuo civil que, por seu turno, se revela parco. Em determinada medida, pode dizer-se o mesmo a propósito do contrato de abertura de crédito, que é um contrato legalmente de concessão de crédito atípico. 5. Importa levar em devida linha de conta que as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas – geram algumas dificuldades na determinação do regime jurídico aplicável às perturbações contratuais. É que não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias – e não autónomas -, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado1. 6. Com efeito, no caso de as partes acordarem o reembolso fracionado do capital, esta obrigação é cumprida através de várias prestações, sem que se dissolva a unidade da obrigação do mutuário, que não é incompatível com o fracionamento ou repartição da obrigação em diversas prestações. O tempo não apresenta aqui qualquer dimensão constitutiva, respeitando apenas à execução da prestação e, por isso, limitando-se a fixar o momento em que a prestação deve ser realizada. Neste moldes, segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º do CC, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital, ou seja, a obrigações com um componente de restituição do capital e outro de pagamento de juros2. 7. De acordo com o disposto no art. 781.º do CC, “se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”. 8. Conforme mencionado supra, no caso sub judice, o devedor deixou de realizar as prestações, a que o mútuo o vinculava, a partir de 30 de abril de 2018, e as prestações a que a abertura de crédito o obrigava, a partir de 28 de fevereiro de 2018. 9. A determinação do sentido e do alcance com que o texto do art. 781.º deve valer tem sido, efetivamente, objeto de querela doutrinal e jurisprudencial. Em causa está a questão de saber se este preceito estabelece o vencimento das prestações futuras da dívida incumprida ou, diversamente, se apenas atribui ao credor o poder de as exigir antes do momento estipulado para a sua exigibilidade, provocando o seu vencimento antecipado. Para alguns, com base em argumentos de natureza gramatical e histórica, o incumprimento de uma prestação de uma obrigação fracionada constitui automaticamente o devedor em mora quando à realização das prestações futuras3. Para outros, não atribuindo valor determinante aos referidos argumentos, o incumprimento de uma prestação, em lugar de operar automaticamente o vencimento antecipado das restantes prestações, permite ao credor decidir sobre esse vencimento. Este sentido encontra-se, de resto, em harmonia com a ideia fundamental de que os efeitos que a ordem jurídica estabelece em vista da proteção de um sujeito devem ficar na sua disponibilidade, dependendo, por isso, da sua vontade. Com efeito, o credor pode não querer o benefício do vencimento antecipado com que a lei o contempla. Atendendo ao princípio da autodeterminação, deve entender-se o preceito do art. 781.º como atribuindo ao credor o poder de provocar o vencimento da obrigação e não como produzindo ope legis esse vencimento, independentemente de uma decisão sua4. Assim, o incumprimento de uma prestação de uma dívida pagável em prestações acarreta apenas a exigibilidade antecipada das restantes prestações e não o seu vencimento automático. É, por isso, necessário que o credor interpele o devedor para que se produza o vencimento de todas as prestações e, deste modo, exigir antecipadamente o pagamento das restantes prestações. Reitere-se: o art. 781.º apenas atribui ao credor o poder de exigir o cumprimento da obrigação - ainda que essa exigência, nos termos do acordo das partes, apenas pudesse ser feita mais tarde –, não colocando automática e imediatamente, independentemente da respetiva interpelação, o devedor numa situação de incumprimento5. 10. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça6 tem sufragado a última tese, sustentando que o vencimento imediato de todas as prestações, nos termos do art. 781.º, do CC, pressupõe a interpelação do devedor. 11. Parece ser este o sentido da norma do art 781.º do CC que se deve eleger. Com efeito, “tem como objectivo esta disposição proteger o credor que, em consequência da falta de pagamento de uma das prestações, deixou de confiar na pessoa do devedor. Concede-lhe o benefício de não se sujeitar aos prazos previstos no contrato, podendo exigir a totalidade das prestações, mas não o dispensa da interpelação do devedor para que a mora se verifique. O "vencimento automático" teria como consequência o direito a juros sobre a totalidade das prestações desde a data em que uma delas deixou de ser paga, o que se afigura manifestamente excessivo”7. 12. Na verdade, “[a] consequência deste artigo 781.º não é a automática constituição do devedor em mora pela totalidade das prestações em falta. Trata-se de uma hipótese de perda do benefício do prazo em que se concede ao credor a possibilidade de exigir antecipadamente o cumprimento de todas as prestações e, deste modo, constituir o devedor em mora quanto às prestações vincendas. Se o credor quiser usar o benefício que a lei lhe concede terá de manifestar a sua vontade, interpelando o devedor para cumprir imediatamente todas as prestações vincendas.”8. 13. Por seu turno, segundo o art. 805.º, n.º 1, do CC, “[o] devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”. 14. No caso em apreço, apenas resultou provado que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir de 30 abril de 2018, no mútuo, e a partir de 28 de fevereiro de 2018, na abertura de crédito. Nada se provando, conforme mencionado no acórdão recorrido, sobre uma eventual interpelação dos Executados pela credora antes da instauração da execução a que respeitam estes autos. 15. De facto, conforme refere o acórdão recorrido: “(…) A interpelação do embargante a considerar vencida a totalidade das prestações vincendas não ficou demonstrada: - primeiro, não ficou provado que as cartas enviadas em Outubro e em Novembro de 2018 tivessem chegado ao destino pelo que não se podem considerar eficazes – arts. 224.º, n.º 1 e 295.º, ambos do CC; - segundo, do teor dessas cartas não se infere que a embargada esteja a exigir ao embargante o pagamento da totalidade da dívida em que se traduz a interpelação, mas apenas que considerou vencida a totalidade da dívida em datas pretéritas e que a vai exigir por via de acção judicial. Não demonstrada a interpelação extrajudicial do embargante para pagar a totalidade da dívida antes da propositura da acção, temos que ela só ocorreu quando da citação para a acção executiva – art. 805.º, n.º 1, do CC. (…)” 16. Revestindo-se o preceito do art. 781.º do CC de natureza supletiva, à luz do princípio da autonomia negocial, as partes podem afastar a disciplina nele consagrada, acordando, designadamente, o vencimento automático das prestações vincendas, sem necessidade, para tal efeito, de interpelação do devedor. Compulsada a matéria de facto dada como provada pelas instâncias, verifica-se que não se encontra provada a existência de qualquer acordo das partes sobre um regime diverso do que resulta do artigo 781.º do CC. É que da cláusula 7.ª do documento complementar do contrato de “Compra, Venda e Mútuo com Hipoteca”, assim como da cláusula 8.ª do documento complementar do contrato de “Abertura de Crédito, Hipoteca”, não resulta o afastamento do regime plasmado no art. 781.º do CC, mas antes, no fundo, a sua mera reprodução. 17. Efetivamente, De acordo com a cláusula 7.ª do documento complementar do contrato de “Compra, Venda e Mútuo com Hipoteca”, “O Banco reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado for alienado, desvalorizado ou por qualquer outro modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o(s) mutuário(s) deixar(em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumida.” e, conforme a cláusula 8.ª do contrato de “Abertura de Crédito, Hipoteca”, “O BANCO reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o crédito se o imóvel hipotecado for alienado, desvalorizado ou por qualquer outro modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o(s) mutuário(s) deixar(em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumidas”. 18. No caso sub judice, a Exequente não exerceu o poder que tanto a lei como os contratos lhe concediam de provocar o vencimento antecipado da totalidade das prestações em dívida. 19. Note-se, todavia, nesta sede, que não é pacífica a aplicação do art. 781.º do CC – exigibilidade antecipada – à obrigação de reembolso do capital que recai sobre o mutuário, tal como ela é, via de regra, estabelecida pelas partes no mútuo bancário. As obrigações híbridas ou mistas em apreço – que não se limitam a reembolsar fracionadamente o capital mutuado, visando também remunerar a disponibilização do capital - não se subsumem à hipótese do art. 781.º, que apenas comtempla prestações fracionadas ou repartidas. Contudo, mesmo que se aceitasse essa suscetibilidade de exigibilidade antecipada da obrigação de reembolso, no caso do incumprimento de obrigações simultaneamente amortizadoras do capital, mediante a aplicação por analogia desse preceito, na medida em que esse incumprimento correspondesse à não realização de uma prestação do reembolso do capital, apenas se verificaria a exigibilidade do valor total do capital mutuado em dívida. Tal como as obrigações de juros não estão abrangidas pela facti-species do art. 781.º, os componentes de juro destas obrigações híbridas ou mistas não são igualmente compreendidos pelo mesmo. Portanto, da aplicação por analogia do art. 781.º às obrigações híbridas ou mistas em apreço resultaria, como consequência do incumprimento de uma prestação que visasse parcialmente a amortização do capital mutuado, o “vencimento antecipado” das restantes parcelas do capital9. 20. No caso de interpelação extrajudicial do devedor anterior à data da propositura da ação executiva, compete ao exequente o respetivo ónus da prova juntamente com a apresentação do seu requerimento executivo, conforme o art. 724.º, n.º 4, al. a), do CPC. 21. Não tendo havido interpelação extrajudicial do devedor, tem-se a interpelação por efetuada com a citação do executado, pois, nos termos do art. 726.º, n.º 6, do CPC, o executado é citado para, inter alia, “pagar” e, segundo o art. 610.º, n.º 2, al. b), do mesmo corpo de normas - aplicável ao processo de execução por força da remissão genérica estabelecida no art. 551.º, n.º 1 -, “quando a inexigibilidade derive da falta de interpelação (…) a dívida considera-se vencida desde a citação”. 22. Na verdade, “[a] obrigação é exigível quando ocorre alguma das seguintes situações: já se encontra vencida; o seu vencimento depende de interpelação do devedor (art. 777.º, n.º 1, do CC) e este já foi interpelado extrajudicialmente; o seu vencimento depende de interpelação do devedor e este não foi interpelado extrajudicialmente, sendo-o através da citação (artigo 55.º, n.º 1 e 610.º, n.º 2, al. b); Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, pp. 140-141)”, cabendo “ao credor/exequente demonstrar, quando tal seja necessário, que foi feita a interpelação do devedor (…)”10. 23. Assim, “a obrigação é exigível quando deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação do devedor. Está nessas condições a obrigação que, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial, não dependente de contraprestação, nem estando o credor em mora.”11. 24. Ou seja, nas situações em que se dá à execução título cuja obrigação exequenda só é integralmente exigível com a interpelação do executado, a interpelação pode operar com a respetiva citação. 25. Parece não restarem dúvidas a propósito deste regime quando se trate de execução para pagamento de quantia certa sob a forma de processo ordinário, em que a citação precede a penhora. 26. Por seu turno, no que respeita a execuções sob a forma de processo sumário, tendo já sido efetuada a penhora e a subsequente citação, como sucede no caso em apreço, razões de simplificação procedimental e de economia de meios não são suscetíveis de justificar a mesma solução, ainda que, no caso concreto, dela não resulte qualquer prejuízo para o devedor/executado. Não pode ser essa a solução do litígio sub judice, conforme mencionado no voto de vencido apresentado pelo Senhor Desembargador Pedro Martins. O devedor/executado não pode, pois, ter-se por interpelado com a respetiva citação. 27. Na medida em que o art. 550.º, n.º 2, al. c), do CPC, apenas permite a execução, sob a forma de processo sumário, de título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, não se afigura possível intentar ação executiva sob a forma de processo sumário sem que no próprio título se encontre a prova do ato que provocou o vencimento da obrigação, ou seja, sem prova da interpelação do devedor. 28. Como a execução sob a forma de processo sumário prossegue sem citação, não pode considerar-se que esta serve de interpelação, de um lado e, de outro, como é a interpelação que provoca o vencimento da dívida, a dívida não está nem fica vencida. 29. Permitir a continuação da execução sob a forma de processo sumário sem prova da interpelação (que, no caso em apreço, nem sequer foi invocada) significa deixar prosseguir uma execução sumária relativamente a uma obrigação não vencida, o que a lei claramente não consente. Por isso, a situação em apreço distingue-se – por ausência de norma que o permita - daquela que configura uma exceção à execução sob a forma de processo ordinário em que se solicita a dispensa de citação prévia, efetuando-se a penhora antes da citação. De resto, nada assegura, in casu, que, caso tivesse havido interpelação, teria lugar a penhora o imóvel em causa, atendendo ao montante das prestações então em dívida. Na verdade, o Recorrente poderia ter procedido ao pagamento da dívida sub judice. 30. “Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao deferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos arts. 812.º - A, n.º 1, alíneas c) e d) e 812.º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que - nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efectivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva.”12. 31. Para parte da doutrina e da jurisprudência, na execução sob a forma de processo sumário, intentada nos termos do art. 550.º, n.º 2, al. c), do CPC, compete ao exequente juntar, desde logo, documento comprovativo da interpelação para cumprimento, sob pena de inverificação de um dos requisitos da obrigação exequenda13. 32. Por isso, nestas situações, ou o credor interpela o devedor antes da propositura da ação executiva e esta segue os termos do processo sumário, ou intenta logo a ação executiva – caso em que a citação valerá como interpelação – e esta tem de seguir os termos do processo ordinário (o que quer dizer que o credor, na primeira hipótese, requer uma execução sumária e, na segunda, uma execução ordinária)14. 33. No caso sub judice, a Exequente requereu logo a execução sob a forma de processo sumário, sem alegar nem demonstrar o vencimento antecipado das prestações futuras. Por isso, pode dizer-se que a execução devia ter sido rejeitada logo que o Juiz se apercebesse disso (arts. 734.º, 726.º, n.º 2, als. a), b) e c), e 577.ª, al. b, do CPC), porque, de um lado, não a podia aproveitar como execução sob a forma de processo ordinário – art. 193.º, n.º 2, do CPC – e, de outro lado, a execução sob a forma de processo sumário iniciou-se com a penhora dos bens do devedor, em prejuízo das suas garantias. I.e., a convolação da execução sob a forma de processo sumário em execução sob a forma de processo ordinário aproveitaria atos praticados em prejuízo das garantias do devedor. 34. Deixar seguir uma execução sumária nestes termos, sem outras consequências para além da questão dos juros de mora, contra o que a lei expressamente consagra (art. 550.º, n.º 2, al. d), do CPC), significaria consentir aos credores requerer execução sob a forma de processo sumário de título extrajudicial de obrigação pecuniária não vencida. 35. O Executado/Embargante/Recorrente suscitou, nos embargos, a questão da ausência de interpelação pela Exequente/Embargada/Recorrida, necessária ao vencimento da totalidade da dívida. 36. De acordo com o Senhor Desembargador que votou vencido, para além disso, o Tribunal podia rejeitar oficiosamente a execução até ao primeiro ato de transmissão de bens, com base na falta de título suficiente para a execução que foi requerida ou no erro na forma de processo, com requerimento inaproveitável (arts. 193.º, n.º 1, 196.º, 550.º, n.º 2, al. c), 726.º, n.º 2, als. a) e b), e 734.º, do CPC), e esta questão também podia ser colocada no recurso de apelação dos embargos (arts. 573.º, n.º 2, in fine, e 578.º, do CPC, por aplicação analógica), desde que aquele momento ainda não tivesse chegado, como não chegou no caso em apreço (uma vez que ainda não se procedeu à venda dos bens). 37. Por conseguinte, deve julgar-se procedente a oposição à execução (arts. 726.º, n.º 2, als. a), b) e c), 729.º, als. a), b) e c), do CPC), com a consequente extinção da execução (art. 732.º, n.º 4, do CPC). IV – Decisão Nos termos expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso de revista interposto pelo Executado/Embargante BB, revogando-se o acórdão recorrido e extinguindo a ação executiva. Custas pela Exequente/Embargada/Recorrida. Lisboa, 5 de Setembro de 2023
Maria João Vaz Tomé (Relatora) António Magalhães Jorge Arcanjo _____________________________________________ 1. Cf. Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, pp.186-188.↩︎ 2. Cf. Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p.204.↩︎ 3. Cf. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1997, pp.270-271.↩︎ 4. Cf. Bruno Ferreira, Contratos de crédito bancário e exigibilidade antecipada, Coimbra, Almedina, 2011, pp.186 e ss; João de Matos Antunes Varela, Direito das Obrigações em Geral, II, Coimbra, Almedina, 2005, pp.52-53; Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, II, Coimbra, Almedina, 2006, p.164;Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra, Almedina, 2007, pp.1018-1020; Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário – Ensaio sobre a estrutura sinalagmática do contrato de mútuo, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 209; Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de direito dos contratos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, pp.391 e ss..↩︎ 5. Cf. Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário – Ensaio sobre a estrutura sinalagmática do contrato de mútuo, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, p. 210.↩︎ 6. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de maio de 2017 (Olindo Geraldes), Proc. n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2; de 11 de julho 2019 (Ilídio Sacarrão Martins), Proc. n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1 (segundo o qual o vencimento das prestações referido no art. 781.º do CC traduz-se num benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação); de 15 de março de 2005 (Moitinho de Almeida), Proc. n.º 282/05; e de 17 de janeiro de 2006 (Azevedo Ramos), Proc. n.º 3869/05 (defendendo-se que o vencimento imediato das prestações cujo prazo ainda se não vencera constitui um benefício que a lei concede (mas não impõe) ao credor, pelo que não prescinde da interpelação do devedor. A interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação, realizando todas as restantes prestações, constitui a manifestação de vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui; de 16 de junho de 2020 (Maria João Vaz Tomé), Proc. n.º 23762/15.6T8PRT-A.P1.S1; e de 26 de janeiro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), Proc. n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2.↩︎ 7. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de março de 2005 (Moitinho de Almeida), Proc. n.º 282/05.↩︎ 8. Cf. Ana Afonso, “Anotação ao Artigo 781.º”, in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p. 1071.↩︎ 9. Pode, contudo, dizer-se que esta construção se afigura incompatível – tal como a exigibilidade antecipada da obrigação de reembolso como consequência do incumprimento de uma prestação puramente amortizadora – com o sinalagma existente entre a obrigação de pagamento de juros e a disponibilização do capital. Com efeito, o art. 781.º do CC consagra um mecanismo que apenas respeita à obrigação objeto de incumprimento, deixando incólume o direito do mutuante aos juros. A extinção da obrigação de pagamento de juros remuneratórios da futura disponibilização do capital não pode ser considerada como um dado adquirido, pois tem de encontrar fundamento em qualquer critério normativo, que não se descortina facilmente e que não é, normalmente, indicado. Pode, por isso, dizer-se que o respeito pelo sinalagma justifica a inaplicabilidade do regime de exigibilidade antecipada ao mútuo oneroso. Propõe-se, assim, a redução teleológica do art. 781.º, de modo a não compreender o incumprimento de obrigações fracionadas cujo vencimento antecipado – provocado como que potestativamente pelo credor- quebre a relação de sinalagmaticidade estipuladas pelas partes, permitindo ao mutuante beneficiar do pagamento dos juros sem que seja privado do capital pelo correspondente período de tempo. Daí que a tutela do credor, permitindo a recuperação do capital mutuado em virtude do incumprimento de uma prestação do reembolso, resida antes num outro mecanismo, suscetível de fazer cessar tanto a disponibilização do capital, como a respetiva remuneração: a resolução (art. 1150.º do CC). Cf. Miguel Brito Bastos, O mútuo bancário, Coimbra, Coimbra Editora, 2015, pp.206, 210-211.↩︎ 10. Cf. António Santos Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, volume II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 41.↩︎ 11. Cf. Rui Pinto, A Ação Executiva, Lisboa, AAFDL Editora, 2020, p. 233.↩︎ 12. Cf. Carlos Lopes do Rego, “Requisitos da Obrigação Exequenda”, in Revista Themis, Ano IV, n.º 7, 2003, pp. 70-71 – ainda que no âmbito do CPC de 1961.↩︎ 13. Cf. Paulo Ramos de Faria/Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, Volume I, Coimbra, Almedina, 2014, p. 468; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2019 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 6496/16.1T8GMR-A.G1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 5 de maio de 2020 (Fernando Samões), proc. n.º 734/18.3T8MMN-A.E1.S1 – disponível para consulta in ECLI:PT:STJ:2020:734.18.3T8MMN.A.E1.S1.↩︎ 14. Cf. José Lebre de Freitas, A acção executiva, 2017, Coimbra, Gestlegal, pp. 175-176.↩︎ |