Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5164/22.0T8ALM.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: USUFRUTO
NUA-PROPRIEDADE
USUFRUTUÁRIO
BENFEITORIAS ÚTEIS
BENFEITORIAS VOLUPTUÁRIAS
POSSE DE BOA FÉ
OBRAS
OBRAS NOVAS
CONTRATO
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 03/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - O usufrutuário tem o direito de gozar plenamente a coisa alheia, mas sem alterar a sua forma e substância, estando nesse gozo obrigado a proceder como procederia um “bom pai de família” e, a respeitar o destino económico da coisa.

II - Resulta consensual da doutrina e da jurisprudência que:

i - No gozo pleno incluem-se:

- o poder de usar, fruir ou administrar a coisa, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, nem alterar o seu destino económico;

- o poder de alienação ou oneração do usufruto;

- o poder de reivindicação;

- o poder de transformação, através de benfeitorias úteis e volutuárias e reparações ordinárias, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, ou seu destino económico;

- o dever de administrar a coisa como faria um bom pai de família, o que inclui o melhor aproveitamento da coisa, no respeito pela sua integralidade.

ii- A obrigação de respeito pela forma e substância reconduz-se à proibição de alteração do usufruto, nele se incluindo a proibição da sua destruição e deterioração.

III - Ocorre divergência na doutrina e jurisprudência quanto à abrangência do conceito “destino económico a respeitar”:

i- Defendendo uma primeira posição que, o “destino económico a respeitar” deve ser aquele que foi dado pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo);

ii- Defendendo uma segunda posição que, no “destino económico a respeitar” tanto releva a aplicação dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua própria natureza e, simultaneamente, corresponda a uma administração prudente e conforme aos usos. Neste caso, o que releva são as possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia (critério objetivo);

iii- Uma terceira posição, intermédia, concebe que o usufrutuário possa alterar o destino económico durante o usufruto, desde que posteriormente o possa fazer voltar ao estado anterior.

IV - A letra da lei não condiciona o respeito pelo destino económico da coisa ao destino específico dado pelo proprietário (critério subjetivo).

V - Contudo, porque o usufrutuário estando legitimado a fazer na coisa benfeitorias úteis e volutuárias que não alterem a sua forma ou substância, nem o seu destino económico e, tendo, findo o contrato, direito a ser considerado possuidor de boa-fé, logo, tendo direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, mas se detrimento houver, tendo direito a haver do proprietário o valor das mesmas segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273.º, n.º 2), mostra-se mais ajustada à natureza temporária do contrato e à expetativa das partes, uma posição correspondente ao critério subjetivo ou, quando muito, ao critério intermédio.

VI - O critério subjetivo do destino económico da coisa é o que melhor previne o risco do pagamento de uma indemnização futura, com que os proprietários não contavam, como forma de ressarcimento de benfeitorias úteis que não servem o fim económico da coisa por si concebido, mas antes um fim económico potenciado pela natureza do bem (critério objetivo), que poderão não desejar.

VII - Respeita o destino económico da coisa, a sua forma e substância, o usufrutuário que dentro da área que lhe foi concedida em usufruto, onde antes se incluía um polidesportivo com campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros) e, logradouro adjacente, nele construiu campos de padel, de estrutura amovível e base removível e, colocou uma bomba de abastecimento elétrico para abastecimento das suas viaturas.

VIII - Administra como um “bom pai de família” o usufrutuário que procede à legalização e ampliação das construções existentes, quando as anteriores construções se mostravam parcialmente em ruínas ou a carecer obras de conservação.

Decisão Texto Integral:
Revista excecional P.5164/22.0T8ALM.L1.S1

Acordam, na 6ª secção, no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. AA, residente em ... e BB, residente em ..., vieram na qualidade de proprietárias de raiz intentar ação de processo comum contra Juventude Futebol Clube Sarilhense, na qualidade de usufrutuária, pedindo:

a) Seja o Réu condenado a abster-se de, na parte do prédio misto sito na Quinta da..., com a área total de 165.599 m2, com a área coberta de 2769 m2 e descoberta de 162830m2, inscrito na matriz urbana sob o artigo ... e na matriz rústica sob o artigo ...º, Secção D, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis do ... sob o nº ...69/20110728, da freguesia de ..., concelho de ..., sobre que foi constituído o usufruto, proceder a quaisquer atos de edificação ou reconstrução não estritamente necessários à preservação dos elementos estruturais existentes à data da constituição do usufruto;

b) Seja o Réu condenado a retirar da parte do prédio sobre que foi constituído o usufruto, todos os elementos neles implantados, de forma inovadora, após a constituição do usufruto – 29.10.2019 – incluindo os campos de padel, o estabelecimento de restauração e os balneários e aumento de bancada, e outros;

c) Seja o Réu condenado a retirar da área do prédio sobre que não incide o usufruto qualquer elemento estrutural e/ou edificativo ali por si colocado ou utilizado;

d) Seja o Réu condenado, a título de sanção pecuniária compulsória, na quantia diária de euros 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso na remoção ou reposição peticionada.

Alegaram, em síntese, que são proprietárias de um imóvel e sobre parte dele foi constituído usufruto a favor do Réu. Este, para além da área definida para tal usufruto por sentença homologatória de transação, ocupou ainda uma parcela de 1.575,00 m2 e edificou no local várias estruturas, quer aproveitando construções antigas, que derrubou na totalidade, reconstruindo numa área com volumetria maior – caso das bancadas e estabelecimento de serviço de alimentação e restauração - quer construindo de raiz, caso dos campos de padel e de estacionamentos, sem que para o efeito tivesse pedido autorização às Autoras.

O Réu contestou, alegando, em síntese, que à data da constituição do usufruto as construções existentes no terreno não se encontravam licenciadas, e que em 2020, na qualidade de usufrutuário, apresentou junto da Câmara Municipal do ... um projeto para legalização e ampliação das construções existentes, projeto esse que veio a ser aprovado.

Nega ter ocupado uma parcela de terreno superior à que é objeto do seu direito de usufruto (correspondente a 16.428,00 m2), e refere ter vindo a fazer as obras necessárias para a legalização, conservação, recuperação e melhoramento dos edifícios já existentes e espaço circundante, ampliando apenas alguns deles, com vista ao estrito cumprimento das normas legais vigentes para a construção de imóveis e para a prática desportiva a que se dedica. Pugna pela improcedência da ação.

2. Procedeu-se à audiência de julgamento tendo a 1ª instância proferido sentença que julgou a ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolveu o Réu dos pedidos.

3. Inconformadas, vieram as Autoras recorrer de apelação, impugnando de facto e de direito, tendo o Tribunal da Relação decidido por acórdão, sem voto de vencido, julgar o recurso improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.

4. De novo inconformadas vieram as apelantes recorrer de Revista excecional para este Supremo Tribunal de Justiça.

Nas suas alegações de Revista, apresentam as Recorrentes/Autoras as seguintes Conclusões:

a) A existência de várias situações de constituição de usufruto, a necessidade de pacificar as relações entre nu proprietário e usufrutuário e a determinação precisa de qual o âmbito de atuação legítima do usufrutuário, que se nos afigura árida em termos jurisprudenciais, justificam a interposição do presente recurso extraordinário de revisão à luz do art. 1672º, nº 1, als. a) e b) do Cod. Proc. Civil;

b) Tal como decorre do art. 1450º, nº 1 do Cód. Civil, ao usufrutuário apenas assiste a possibilidade de realizar atos de administração do bem sobre que incide o usufruto, limitando-se à prática de benfeitorias úteis e voluptuárias;

c) Aquele comando legal permite apenas a realização de benfeitorias úteis e voluptuários e mesmo estas, desde que não se altere a forma ou substância da coisa e o seu destino económico;

d) A edificação de estruturas prediais novas, a demolição de outras existentes ou a reconstrução integral de edificações são atos que fogem por completo aos poderes de administração que caracterizam o usufruto, encerrando atos de disposição que não se encerram ou enquadram na esfera do usufruto, sendo, antes, atos próprios de acessão, tal como definidos nos arts. 1325º, 1339 a 1341º do Cod. Civil, o que a qualidade de usufrutuário do edificante (ainda que abusivo) não afasta;

e) O Acórdão recorrido, salvo melhor opinião, viola os comandos legais invocados nas presentes conclusões de recurso.

Requerendo que, admitido este, seja o mesmo julgado procedente.

O Réu contra-alegou pugnando pela improcedência da Revista, elencando as seguintes conclusões:

1 – O recurso de revista excecional deve ser rejeitado por não se verificar nenhuma das situações previstas no nº 1 do artº 672º do CPC, designadamente por a decisão recorrida não ser inédita na nossa ordem jurídica. A distinção entre benfeitorias e acessão é já um tema clássico dos direitos reais, o qual que tem sido largamente debatido na doutrina e nos tribunais portugueses, tendo vindo a consolidar-se na nossa jurisprudência da forma como o Douto Tribunal recorrido decidiu: a benfeitoria distingue-se da acessão pela existência ou inexistência de relação jurídica contratual da pessoa à coisa beneficiada. Existindo relação, aplicar-se-á o regime das benfeitorias (regime regra). Inexistindo relação, aplicar-se-á o regime da acessão (excecional). Sendo que o fato das construções terem sido colocadas onde anteriormente nada existia, não retira a sua qualificação como benfeitorias.

2 - As Autoras Recorrentes discordam do Douto Acórdão recorrido porquanto, no seu entendimento, a edificação de 6 campos de padel e um posto de abastecimento elétrico de veículos no prédio usufruído não pode ser entendida, qualificada, nem enquadrada como benfeitorias, em primeiro lugar porque têm carácter inovador, identidade própria e autonomia relativamente à coisa sobre a qual foram implantadas e, em segundo lugar porque extravasam os limites da atuação legitima do usufrutuário (limitada a atos de conservação) sendo que “estando-se em face de um prédio rústico, ao usufrutuário é legitimo, tão apenas, realizar novas plantações, que não, de forma alguma, proceder no mesmo a novas edificações”), entendendo que à referida edificação, deverá, antes, aplicar-se o regime da acessão;

3 - Antes de mais, saliente-se a falta de coerência das Autoras Recorrentes que, em sede de primeira instância e nas suas Doutas Alegações de Recurso para o Tribunal da Relação defenderam que a edificação, pela usufrutuária, de 6 campos de padel e de uma bomba de abastecimento elétrico, eram abusivas, simplesmente por terem sido realizadas sem autorização das nuas proprietárias e no presente recurso de revista excecional, entendem que esse abuso advém antes da extrapolação dos poderes de administração e de conservação que a lei confere ao usufrutuário;

4 - As Autoras Recorrentes usam como fundamento do presente recurso factos objetivamente não provados nestes autos (que a Ré Recorrida demoliu estruturas prediais existentes), referindo-se aos mesmos, de forma convicta e repetidamente, como se os mesmos tivessem sido considerados provados, que não foram (cfr. ponto 3 dos fatos não provados), como muito bem é do seu conhecimento, dessa forma tentando induzir em erro o Douto Tribunal;

5 - A pretensão das Autoras Recorrentes assenta, não em fatos concretos, mas no medo que as mesmas criaram da futurologia por si idealizada de que no termo do usufruto a usufrutuária poderá vir a exigir-lhes o pagamento de um crédito por benfeitorias e utilizam o presente processo como forma de defesa antecipada desta possibilidade futura e incerta e de limitar os direitos da usufrutuária e impedi-la de efetuar benfeitorias na coisa usufruída;

6 - Salvo o devido respeito, a argumentação das Autoras Recorrentes não faz qualquer sentido em termos técnico-jurídicos, sendo manifesto que as mesmas se encontram totalmente equivocadas quanto ao âmbito de aplicação e interpretação das normas jurídicas aplicáveis e aplicadas ao caso.

Tendo em conta o critério técnico jurídico de distinção entre a benfeitoria e acessão adotado pela jurisprudência maioritária e seguido pelo Douto Tribunal Recorrido e que a Ré Recorrida tem um vínculo contratual à coisa (usufruto), é manifesto que, juridicamente, todas as obras que a mesma ali fizer são benfeitorias (e não acessão) aplicando-se o respetivo regime jurídico, independentemente de se tratarem de remodelação, ampliação ou construção nova.

7 - A colocação de 6 campos de padel e 1 bomba de abastecimento elétrico é uma benfeitoria, da mesma forma, como a construção de um edifício preparado para posto médico e lavandaria, a construção de um edifício preparado para balneários /vestiários, bar, arrecadação e instalações sanitárias, a construção de uma plataforma com pavimento de betão afagado na frente de outros edifícios foram consideradas benfeitorias (e não acessão) no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2012 disponível em https://www.google.pt/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://www. dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/db329a349028877980257aaa003e 385c%3FOpenDocument&ved=2ahUKEwjq6eCFxdmJAxW7BdsEHfmMAJwQFnoEC BcQAQ&usg=AOvVaw12chc2ZreXxG9aoxrKYNXC, a construção de uns anexos no logradouro de um prédio foram consideradas benfeitorias (e não acessão) no Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01-07-2021 no Proc. 188/18.4T8ESP.P1, mencionado nas Doutas Alegações de Recurso das Autoras Recorrentes e disponível em http://www.dgsi.pt e a colocação de telhado e vigamento, chão novo em casa de banho, tetos em placa de gesso, forro das paredes com tijolo, colocação de chão em mosaico, azulejos, tijolo, esgotos, canalização e instalação elétrica, construção de uma casa de banho com esgotos, azulejos, lavatório, bidé, sanita e chuveiro e o derrube de um pinheiro, arbustos e outras árvores de menor porte foram consideradas benfeitorias (e não acessão) no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-02-2015 no Proc. 1289/12.8TBACB.C1, mencionado nas Doutas Alegações de Recurso das Autoras Recorrentes e disponível em http://www.dgsi.pt;

8 - Os 6 campos de padel e 1 bomba de abastecimento elétrico colocadas na coisa usufruída não têm uma identidade própria autónoma e diferente da coisa sobre a qual foram implantados. Pelo contrário, incorporam-se na coisa usufruída, melhorando-a. Assim entendeu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2012 acima referido;

9 - O entendimento das Autoras Recorrentes de que “estando-se em face de um prédio rústico, ao usufrutuário é legitimo, tão apenas, realizar novas plantações, que não, de forma alguma, proceder no mesmo a novas edificações”, é extrema e manifestamente redutor do direito de usufruto em si mesmo, para além do que é incompatível com as construções existentes na coisa à data da constituição do usufruto e o fim a que as mesmas se destinam, que é a prática desportiva e não a atividade agrícola.

10 - O usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente de uma coisa ou direito alheio, desde que não altere a sua forma e a sua substância (cfr. artº 1439º do C.Civil), podendo o usufrutuário usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico (cfr. artº 1446º do C.Civil).

Quanto a benfeitorias, o usufrutuário tem a obrigação de realizar as benfeitorias necessárias e as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa (cfr. 1472º do C.Civil) e tem a faculdade de realizar “as benfeitorias úteis e voluptuárias que lhe parecer, contando que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico” (cfr. artº 1450º do C.Civil).

Ou seja, o usufrutuário não está impedido de realizar na coisa usufruída, qualquer tipo de benfeitorias (sejam elas, necessárias, úteis ou voluptuárias, ordinárias ou extraordinárias) e não está dependente da autorização, ou, sequer, do conhecimento do nu proprietário. Tem limitações, sim, mas são apenas aquelas que constam do título constitutivo do direito de usufruto (in casu, a inalienabilidade) e das imposições legais de não alterar a forma e a substância da coisa, não alterar o seu destino económico e administrá-la como faria um bom pai de família.

O usufruto, com exclusão do direito de disposição da coisa, assemelha-se, em tudo, à plenitude de gozo do direito de propriedade. Só não é um direito exclusivo, na medida em que pressupõe a existência do direito de propriedade de raiz. Daí que tenha a qualificação de um direito real de gozo menor.

Daí que o Prof. Oliveira Ascensão afirme que “O usufrutuário beneficia do poder de transformação, mas só enquanto esta não contrariar os limites genéricos representados pelos deveres de não alterar a forma ou a substância da coisa, ou o seu destino económico”, in Oliveira Ascensão, Reais, 1983, 419.

E que o Prof. António Menezes Cordeiro afirme que “Dos artºs 1472º e 1473º deduz-se que o usufrutuário tem a faculdade de transformação”, in A. Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, 928.

11 - A colocação dos 6 campos de padel e de um posto de abastecimento elétrico na coisa usufruída não altera o seu destino económico, que era e continua a ser o da prática desportiva. Os campos de padel permitem precisamente e, apenas, a prática de uma atividade desportiva, nada se desviando da finalidade do prédio usufruído. E a colocação de uma bomba de abastecimento elétrico é claramente acessória daquela finalidade destinando-se aos utilizadores daquelas atividades;

12 - A colocação dos 6 campos de padel e de um posto de abastecimento elétrico na coisa usufruída não altera a forma, nem a substancia da coisa usufruída que já era constituída por “campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros), bem como o logradouro adjacente onde se incluem os acesso desde os arruamentos públicos confinantes até ao recinto desportivo e às edificações e área do parque de estacionamento lateral”, cfr ponto 2- I dos fatos provados. De facto, “três dos campos de padel (...), foram construídos na área de um polidesportivo pré-existente”, cfr. ponto 15 dos fatos provados, os outros 3 estão ali mesmo ao lado, sendo que essas novas construções ocupam um espaço insignificante numa área global objeto do usufruto de 16.428 m2.

13 - Acresce que a estrutura dos campos de padel são amovíveis e a respetiva base, removível, cfr. ponto 14 dos fatos provados, bem como a bomba de abastecimento é também removível. Significa isto que, no termo do usufruto, sempre será possível desmontar e retirar da coisa usufruída aquelas estruturas, repondo o estado inicial da coisa.

14 - Finalmente, contrariamente ao referido pelas Autoras Recorrentes nas suas Doutas Alegações de Recurso, o Douto Tribunal de Primeira Instância e o Douto Tribunal da Relação não “desculpabilizam” os campos de padel e bomba de abastecimento elétrico colocadas pela usufrutuária numa “ótica de harmonia com a atividade desportiva”. Não! Os Doutos Tribunais limitaram-se a aplicar as normas jurídicas que as Autoras Recorrentes simplesmente não aceitam e não entendem, porque pessoalmente não lhes convêm. Neste sentido, analisaram as benfeitorias realizadas na perspetiva do destino económica da coisa usufruída à data da constituição do direito de usufruto (fins desportivos), em obediência ao disposto no artº 1446º e 1450º do C.Civil e não por terem uma qualquer preferência ou simpatia por esse tipo de atividades, conforme as Autoras Recorrentes insinuam.

15 - Do mesmo modo, as Doutas Decisões anteriormente proferidas nestes autos não se socorreram do artº 1450º como norma legitimadora para os abusos da aqui Ré Recorrida. Não! Os Doutos Tribunais recorridos limitaram-se a aplicar a lei, interpretando-a de forma correta e irrepreensível, em sentido idêntico à jurisprudência e doutrinas largamente maioritárias.

16 - Pelo que, não têm razão as Autoras Recorrentes porquanto decidiu bem o Douto Tribunal de Recurso, que confirmou integralmente a Douta Sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, nenhum reparo merecendo, devendo o presente recurso ser julgado totalmente improcedente e mantendo-se inalterada a Douta Decisão Recorrida.

5. A Revista excecional foi admitida pela Formação (art. 672º nº 3 do CPC), tendo esta considerado que “o ineditismo das matérias em análise, associado à complexidade não irrelevante das concretas questões em análise, justificam, de forma bastante, a intervenção liderante e clarificadora deste STJ a título excecional”.

II- Ultrapassada a questão da (in)admissibilidade da Revista cumpre conhecer do seu Objeto:

- Sendo este, na delimitação das respetivas conclusões e/ou poderes oficiosos, o de apurar se a entidade usufrutuária, Juventude Futebol Clube Sarilhense, tem vindo a praticar no terreno que a tal título dispõe, atos que excedem os limites legais/contratuais do exercício do usufruto, nomeadamente desrespeitando a forma e substância da coisa, ou o seu destino económico, devendo por isso ser condenada a repor o terreno e edificações nos limites permitidos.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. Correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Cível de ... - Juiz ..., sob o processo nº 901/17.7..., uma ação sob a forma de processo comum, em que foram autoras as aqui Autoras e réus a aqui Ré e uma terceira entidade.

2. No âmbito dessa Acão, entre as aqui Autoras e Réu foi efetuada uma transação, mediante a qual as mesmas acordaram em que:

«I. Os Autores constituem a favor do Réu Juventude Futebol Clube Sarilhense usufruto sobre uma área de 16.428 m2 (dezasseis mil, quatrocentos e vinte e oito metros quadrados) que inclui campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros), bem como o logradouro adjacente onde se incluem os acessos desde os arruamentos públicos confinantes até ao recinto desportivo e às edificações e área do parque de estacionamento lateral, tudo conforme descrito a fls. 156 a 159 e 160 verso dos autos.-II. O usufruto agora constituído é vitalício, inalienável e abrange exclusivamente a área do prédio misto denominado Quinta da ... sito em ..., freguesia de ..., concelho do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ...69 da freguesia de ... e escrito na matriz sob o artigo predial rústico ... da secção D da mesma freguesia, não havendo coincidência entre a área de constituição do usufruto e o artigo urbano n.º ... do mesmo prédio.-III. Para efeitos registrais as Autoras comprometem-se a adotar todos os procedimentos necessários à concretização do registo do usufruto agora constituído que a Ré Juventude Futebol Clube Sarilhense necessita para esse fim, quer a nível registral, quer a nível matricial, designadamente para constituição de área autónoma naquelas sedes, registo esse a promover pela mencionada Ré.-IV. Independentemente da concretização do registo, a Ré Juventude Futebol Clube Sarilhense assume o encargo a suportar o IMI com efeitos a 31 de dezembro de 2019, sendo o mesmo calculado proporcionalmente à área ocupada ou por inteiro, caso a área ocupada seja autonomizada da restante área. Para o efeito as Autoras recebendo o aviso pagamento comunicam tal facto à Ré que se compromete a pagar o valor no prazo de 30 (trinta) dias.».

3. A transação a que alude o ponto 2., foi objeto de sentença homologatória, já transitada em julgado.

4. As Autoras são donas e legítimas proprietárias de um prédio misto sito na Quinta da ..., com a área total de 165.599 m2, com a área coberta de 2769 m2 e descoberta de 162830m2, inscrito na matriz urbana, sob o artigo 37, e na matriz rústica, sob o artigo 23º, Secção D, com a seguinte composição e confrontações: cultura, figueiras e oliveiras, com 161880m2, taipa, quatro casas para arrecadações, abegoaria e habitação; Norte, próprio; Sul, Rua ...; Nascente, Rua ... e Rua ...; Poente, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis do ...sob o nº ...69/20110728, da freguesia de ..., concelho de ..., por o haverem adquirido por sucessão hereditária de sua falecida Mãe CC.

5. As Autoras mediante notificação judicial avulsa, junta a folhas 21 a 26 verso e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, interpelaram o Réu no sentido de:

«- ficar ciente de que as requerentes não autorizam ou consentem a ocupação de partes do seu prédio fora da área que ficou afecta ao usufruto da requerida;

- da mesma forma que não aceitam as obras estruturais que no local a requerida edificou, como supra descrito;

- devendo ser reposta a situação das estruturas existentes quando da constituição do usufruto, no prazo de 30 dias.»

6. O Réu foi notificado no âmbito da notificação judicial avulsa em 31 de Maio de 2022.

7. O Réu respondeu à notificação judicial avulsa referida no ponto 5., enviando a carta para o Advogado das Autoras e estas, constante de fls. 28 a 30 , a qual se dá por reproduzida.

8. O Réu construiu sobre o prédio, no qual o usufruto foi constituído e a que alude o ponto 2., quatro campos de Padel que não existiam no local.

9. O Réu colocou sobre o prédio, no qual o usufruto foi constituído e a que alude o ponto 2., uma bomba de abastecimento elétrico.

10. As estruturas referidas em 7. e 8. (leia-se “8 e 9”) foram realizadas/colocadas pelo Réu sem o conhecimento prévio ou consentimento das Autoras.

11. As construções existentes na área referida em 2., eram ilegais, encontrando-se parte em ruínas ou a carecer de obras de conservação.

12. Em 2020, a R. apresentou junto da Câmara Municipal do Montijo um projeto para legalização e ampliação das construções existentes.

13. (…) Projeto esse que veio a ser aprovado e deu lugar ao alvará de utilização nº .../20, emitido pela Câmara Municipal do ..., em 14-08-2020.

14. Os campos de padel referidos em 7., bem como mais dois posteriormente construídos, são constituídos por uma estrutura de cobertura amovível que assenta numa base de betão removível.

15. Três dos campos de padel referidos em 14., foram construídos na área de um polidesportivo pré-existente.


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B. E deram como “Não Provada” a seguinte factualidade:

1. O Réu, para além da área constante da transação a que alude o ponto 2. da Matéria de Facto Provada, ocupou uma parcela de 1.575,00 m2.

2. O Réu aumentou as bancadas circundantes do campo de futebol.

3. O Réu demoliu na totalidade o café/bar que existia (denominado Santa ...) tendo ali edificado um estabelecimento de restauração (denominado E...) e balneários que ali não existiam.

4. O Réu realizou as obras com vista à construção do estacionamento existente.

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Coloca-se nos autos a questão de saber se o Réu usufrutuário, Juventude Futebol Clube Sarilhense, praticou no terreno que a tal título dispõe, atos que excedem os limites contratuais e/ou legais do direito/exercício do usufruto, nomeadamente se desrespeitou os limites impostos pela forma e substância da coisa, ou pelo seu destino económico, devendo por isso ser condenado a repor o terreno e edificações dentro de tais limites como reclamam as Autoras, proprietárias de raiz.

É sabido que no usufruto concorrem dois direitos reais.: a propriedade de raiz ou “nua propriedade” do proprietário e, o “usus e fructus” do usufrutuário, pelo que, a delimitação prévia deste direito real impõe-se como condição necessária para avaliar do respeito ou desrespeito dos respetivos limites.

Os poderes de uso e fruição do usufrutuário estão limitados pelo título constitutivo e pelas normas do direito civil previstas nos artigos 1439.º a 1483.º do Código Civil, legislação a que doravante nos referiremos.

Assim, os limites legais do usufruto extraem-se das seguintes proposições:

O “usufruto” é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (art. 1439.º).

Sendo constituído a favor de uma pessoa coletiva, de direito público ou privado, a sua duração máxima é de trinta anos (art.1443.º).

Os direitos e obrigações do usufrutuário são regulados pelo título constitutivo do usufruto; na falta ou insuficiência deste, observar-se-ão as disposições dos artigos 1446.º e seguintes do Código Civil (art. 1445.º).

Constitui direito do usufrutuário o poder usar, fruir e administrar a coisa ou o direito como faria um bom pai de família, respeitando o seu destino económico (art. 1446.º).

O usufrutuário tem a faculdade de fazer na coisa usufruída as benfeitorias úteis e voluptuárias que bem lhe parecer, contanto que não altere a sua forma ou substância, nem o seu destino económico (nº 1 do art. 1450.º)1

É aplicável ao usufrutuário, quanto a benfeitorias úteis e voluptuárias, o que neste código se prescreve relativamente ao possuidor de boa fé (nº2 do art. 1450.º).

Estão a cargo do usufrutuário tanto as reparações ordinárias indispensáveis para a conservação da coisa como as despesas de administração (art.1472.º).

Quanto às reparações extraordinárias, só incumbe ao usufrutuário avisar em tempo o proprietário, para que este, querendo, as mande fazer; se, porém, elas se tiverem tornado necessárias por má administração do usufrutuário, é aplicável o disposto no artigo anterior (art. 1473.º).

Resulta deste regime legal o direito do usufrutuário gozar plenamente a coisa alheia, mas sem alterar a sua forma e substância (princípio da conservação da forma e da substância), estando nesse gozo obrigado a proceder como procederia um “bom pai de família” e a respeitar o destino económico da coisa (não pode por exemplo transformar um terreno de cultivo num campo de jogos, ou transformar uma habitação numa discoteca, a menos que o proprietário de raiz nisso consinta).

A doutrina tem vindo a conjugar e harmonizar estes poderes e obrigações, posicionando-os e valorando-os em razão da sua integração ou não na tipicidade da figura, ou em função da supletividade ou imperatividade das normas que os preveem.

Assim:

JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, Direitos Civil - Reais, 5ª edição, Coimbra editora, p. 474-476, escreve que:

“Com limites embora, o usufrutuário pode usar, fruir ou administrar a coisa ou o direito. (…)

O usufrutuário beneficia também do poder de transformação; mas só enquanto esta não contrariar os limites genéricos representados pelos deveres de não alterar a forma ou a substância da coisa, ou o seu destino económico. É o que expressamente se estabelece no art. 1450º, como limite à faculdade de o usufrutuário fazer na coisa as benfeitorias, úteis e voluptuárias, que bem lhe parecer. (…)

Tão ampla liberdade de atuação do beneficiário tem a sua contrapartida na existência de vinculações.

O usufrutuário deve: - respeitar a forma ou a substância da coisa; - respeitar o seu destino económico; - administrá-la como faria um bom pai de família.

Independentemente da determinação rigorosa do sentido de cada um destes termos, sobretudo do primeiro, que só poderia fazer-se tendo em conta uma forte tradição, suscita dificuldades a coexistência das duas primeiras limitações, devendo perguntar-se se se sobrepõem e qual o sentido da sua repetição em lugares diversos.

Supomos que o sistema do nosso legislador é o seguinte: a exigência mais genérica é a do art. 1439.º. Ele compõe o próprio tipo de usufruto. Pelo contrário, a exigência do respeito do destino económico da coisa está integrada entre as disposições supletivas e por isso pode ser afastada. Assim, seria ilícito o «usufruto» em que se estabelecesse que o usufrutuário poderia demolir o prédio urbano sobre que recai o direito e construir um novo. É, porém, válido aquele em que se estipula que o prédio, até então adstrito à exploração pecuária, será utilizado em culturas hortícolas. (…)

Preocupou-se também a lei com a previsão das vinculações resultantes de melhoramentos na coisa. (…)

Quanto às benfeitorias necessárias, a regra fundamental deriva dos arts. 1472.º e 1473.º: competem ao usufrutuário as reparações ordinárias, e ao proprietário as extraordinárias.”

ANA PRATA, Código Civil Anotado, 2020, em anotação aos art. 1439 e seguintes refere:

“O direito de gozar plenamente da coisa previsto no artigo sob anotação inclui as faculdades de uso e fruição da coisa (art. 1446º) sem limitação do seu exercício em função do fim (contrariamente ao que sucede, nomeadamente, nos direitos de uso e habitação, em que as faculdades de uso e fruição da coisa ou de uso da casa de morada de família, respetivamente, são limitados pelas necessidades do seu titular e da sua família, nos termos do art. 1484º).

O direito de usufruto inclui ainda, para além das faculdades de uso e fruição, as faculdades de: (i) alienação ou oneração do usufruto (art. 1444 nº 1); (ii) administração, a qual inclui o poder de transformação da coisa (art. 1446º, 1450º e 1472 nº 1); (iii) Reivindicação (art. 1315º ex vi do art. 1311º). (…)

O exercício das faculdades de uso, fruição e administração tem como limites: (i) o respeito pela forma e substância da coisa, nos termos do artigo em anotação; (ii) O respeito pelo seu destino económico, de acordo com o art. 1446º; (iii) A diligência de um bom pai de família, enquanto limite mínimo de prudência no gozo da coisa (art. 1446º).

Os indicados limites do respeito pela forma e substância e pelo destino económico da coisa não se confundem entre si.

O respeito pela forma e substância da coisa reconduz-se à proibição de alteração do objeto do usufruto (Pires de Lima, cit., p. 36) o que inclui a proibição da sua destruição e deterioração. O respeito pelo destino económico da coisa reconduz-se à manutenção da finalidade económica que lhe era dada pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (Luís Carvalho Fernandes, cit. p.390, Menezes Cordeiro, Direitos Reais, cit. pp.635 e 665, José Alberto Vieira, cit., pp.657-658. Embora este último autor considere que o respeito pela forma e pelo destino económico significam a mesma coisa).”

Em anotação ao art. 1446º do Código Civil desenvolve a mesma autora que :

“O preceito elenca, por um lado, as faculdades incluídas no direito de gozar a coisa a que se refere a 1ª parte do art. 1439º. Por outro lado, estabelece dois limites ao exercício dessa faculdade – a aplicação da diligência de um bom pai de família e o respeito pelo destino económico do bem -, a somar ao limite do respeito pela forma e substância da coisa usufruída, igualmente previsto no art. 1439º, 2ª parte.

A faculdade de administração da coisa inclui o poder de transformação da mesma, a qual se materializa na possibilidade de realização de benfeitorias úteis e voluptuárias (art. 1450º) e de reparações ordinárias (art. 1472º nº 1).

A bitola de diligência do bom pai de família no gozo da coisa constitui um padrão de comportamento do usufrutuário. (…)

O respeito pelo destino económico da coisa reconduz-se à manutenção da finalidade económica que aquela tinha para o proprietário no momento da constituição do usufruto (Carvalho Fernandes, cit., p. 390, José Alberto Vieira, cit., pp. 657-658).”

A propósito do art. 1450º refere ainda que:

“De acordo com o nº 1, a realização de benfeitorias úteis ou voluptuárias na coisa, pelo usufrutuário, não pode importar a alteração da sua forma, substância ou destino económico. Trata-se de uma norma jurídica decorrente dos princípios constantes dos art. 1439º e 1446º.

Nos termos do nº 2, o usufrutuário é equiparado ao possuidor de boa fé para efeitos do regime aplicável à realização das benfeitorias na coisa usufruída, o que constitui uma remissão para os arts 1273º a 1275º.

Em resultado da equiparação do usufrutuário ao possuidor de boa fé, caso o usufrutuário realize benfeitorias úteis na coisa, é aplicável o art. 1273º, pelo que aquele tem direito a levantar as benfeitorias realizadas (2ª parte do nº 1 do art. 1273º), ou ao pagamento de uma indemnização, calculada nos termos do enriquecimento sem causa, se as benfeitorias não puderem ser levantadas, por desse levantamento resultar o detrimento da coisa (nº 2 do art. 1273º).”

Antunes, H. Sousa, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, Universidade Católica Editora, p. 547 em anotação ao art. 1439º do C.C. expressa que:

“Esta restrição (sem alterar a sua forma ou substância) impede o usufrutuário de prejudicar a integridade material da coisa (ou a substância do direito). Todavia, não é pacífica na doutrina a articulação do presente artigo com o artigo 1446º, que segundo alguns autores, impõe ao usufrutuário o respeito pelo destino económico da coisa. No sentido já explicitado, segundo o qual a verdadeira delimitação negativa do usufruto se obtém através do art. 1439º, recortada com recurso aos conceitos da integridade material e da proibição da descaracterização do objeto do usufruto, tendo a norma do art. 1446º, natureza meramente supletiva ao estabelecer o respeito pelo destino económico da coisa v. inter alia, Pires de Lima/ Antunes Varela, 2011: 460, Oliveira Ascensão, 2012: 476, e Menezes Leitão, 2020: 347-348. Em sentido diverso, arguindo que a formulação contida no presente artigo é uma mera definição legal, não vinculativa, encontrando-se a delimitação negativa do usufruto no artigo 1446º, apelando ao respeito pelo destino económico da cousa, v. Menezes Cordeiro 1993: 652-655, e Rui Pinto/Cláudia Trindade, 2019: 298-300. Por fim, alternativamente, considerando que ambos correspondem a limites imperativos típicos, v. Alberto Vieira, 2020: 720-724. Afigura-se-nos mais acertado que o único limite imperativo, delimitador do tipo legal de usufruto, corresponde ao respeito pela forma e substância do seu objeto, ou, por outras palavras, a proibição da sua descaracterização. As fronteiras do conteúdo, positivo e negativo, do usufruto, são aquelas que o artigo 1439º traça.

(…)

O presente artigo traça em termos genéricos as notas fundamentais do conteúdo do direito de usufruto, delimitando-o positivamente, através da referência ao gozo pleno, e negativamente, mediante remissão para a noção de respeito pela forma ou substância do seu objeto, já abordada. Esta limitação, no entanto, não corresponde a uma supressão total dos poderes de transformação do usufrutuário, que pode realizar benfeitorias úteis e voluptuárias na coisa usufruída (art. 1450º nº 1).

O conceito de gozo pleno é, quanto ao usufruto, densificado através do artigo 1446º. O usufrutuário pode usar, fruir e administrar a coisa ou direito objeto do usufruto, tirando partido de todas as suas utilidades. Nessa medida, o conteúdo do seu direito aproxima-se do conteúdo do direito de propriedade. Por conseguinte, o usufruto não está limitado por quaisquer considerações finalísticas, ao contrário dos direitos de uso e habitação, que são legal e imperativamente afetados às necessidades do titular e da sua família (art. 1484º).”

A propósito do art. 1446 refere ainda que:

“Esta referência ao critério do bom pai de família é suficientemente abrangente para incluir, em simultâneo, o melhor aproveitamento das faculdades que cabem ao usufrutuário e o respeito pela integralidade da coisa ou do direito, que, na sua forma ou substância, pertencem ao proprietário.

(…)

Sobre o alcance do respeito pelo destino económico da coisa ou do direito, reitera-se que ele deve ser aferido pela funcionalidade dada ao objeto no momento da constituição do usufruto, e não pela sua aptidão objetiva (nesse sentido v. ARMANDO TRIUNFANTE, 2019:249-250, e MENEZES LEITÃO, 2020:352; entendendo, inversamente, que é relevante tanto a aplicação que vinha sendo dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua natureza própria, v. Ac. STJ 08.07.2003 e CARVALHO FERNANDES, 2010:410). Este entendimento encontra ampla sustentação nas diversas remissões para a observância das praxes do proprietário quanto aos usufrutos sobre matas e árvores de corte (art. 1455º nº 1), de plantas de viveiro (art. 1456º), de concessões mineiras (art. 1457º nº 1) e de pedreiras (art. 1458º, nº 1).

(…)

O respeito pelo destino económico da coisa ou do direito inclui a manutenção da utilização que lhe era dada pelo proprietário. Não corresponde à suscetibilidade de, findo o usufruto, regressar o seu objeto à sua função económica anterior. Em sentido contrário ao do texto, v. Menezes Cordeiro, 1993: 476. Na verdade, respeitada a forma da coisa ou a substância do direito, a sua integralidade, não é fácil discernir uma situação em que, findo o usufruto, não seja possível dar àqueles o uso que lhes era dado anteriormente, caso haja ocorrido alguma alteração do seu destino económico nas mãos do usufrutuário. Este limite estaria assim desprovido de qualquer sentido útil, para além dos limites típicos definidos pelo artigo 1439º, nas hipóteses em que não fosse afastado por via negocial.”

A propósito do art. 1450 (benfeitorias úteis e volutuárias) anota o mesmo autor Henrique Sousa Antunes que:

“O preceito em análise confere ao usufrutuário, de forma supletiva, o poder de transformação da coisa que é objeto do seu direito, desde que com respeito pela sua forma e substância e (supletivamente) pelo seu destino económico. Respeitados estes limites, não pode o proprietário de raiz opor-se à realização de tais melhoramentos. Compreende-se a solução legal. Se as obras em questão aumentam o valor da coisa, ou servem apenas para recreio do benfeitorizante, ainda que não sejam indispensáveis para a sua conservação, sendo realizadas com respeito pelos limites típicos do usufruto, não há razão para restringir o gozo do usufrutuário, respeitando-se assim o seu caráter pleno. (…)

Ainda no respeitante ao destino económico da coisa importa salientar a posição de Menezes Cordeiro (referida nas notas anteriores e também por José Alberto Vieira, Direitos Reais https://www.studocu.com/pt/document/universidade-de-lisboa/direitos-reais/usufruto/97720557) de acordo com a qual, o usufrutuário pode alterar o destino económico durante o usufruto, desde que a coisa possa voltar posteriormente ao estado anterior.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido escassa quanto à referência ao poder de transformação do usufrutuário e seus limites.

Como refere o acórdão da Formação que nestes autos admitiu a Revista extraordinária, para além de não existir uma amostra jurisprudencial relevante, constata-se que o último acórdão que procedeu à interpretação e aplicação do disposto no art. 1450.º do CC – uma situação em que se discutia a construção de uma casa de habitação em terreno de semeadura de que a autora era usufrutuária (P. 1500/14.0TBLRA.C1.S1, Rel. Abrantes Geraldes) - remonta ao ano de 2019 (leia-se “2018”2).

Trata-se de acórdão que se pronunciou sobre um litígio em que a A. usufrutuária, num terreno que era de semeadura e cuja nua propriedade pertencia aos seus sobrinhos, começou a construir uma casa de habitação, cuja propriedade veio a ser disputada por usufrutuária e proprietários de raiz.

Entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que “esta realidade não encontra eco nas regras do usufruto na medida em que, a todos os títulos, ao menos na parte do terreno onde foi implantada a casa de habitação, houve uma modificação substancial do destino económico (art. 1446 do CC)”.

Assim se expressando no respetivo sumário:

“II - A implantação de uma casa de habitação num terreno de semeadura de que a autora era usufrutuária, mas cuja nua propriedade pertencia aos seus sobrinhos, entre os quais o falecido marido da ré, não integra a faculdade da usufrutuária fazer na coisa benfeitorias úteis, dado que a referida construção constituiu uma modificação substancial do destino económico daquela (art. 1446.º, e 1450.º do CC).”

Embora mais remoto, afigura-se-nos de interesse referir o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-2003, P. 03A2080 (Rel. Afonso Correia), por defender um conceito de “respeito pelo destino económico da coisa” mais abrangente, nele incluindo não só a aplicação que vinha sendo dada à coisa usufruída pelo proprietário, mas também a aplicação que resultou da própria natureza da coisa, uma vez que se revelou prudente e de acordo com os usos.

Este acórdão considerou legítima uma atuação “conforme à natureza da coisa” da usufrutuária que haviam recebido em usufruto três imóveis que, além de terras de semeadura e vinha, eram também terra de mato e pinhal. Estes pinhais existiam há mais de 70 anos e ao longo de todo este tempo os respetivos proprietários retiravam deles, essencialmente, a resina, lenha proveniente da derramagem e os pinheiros que secavam ou caíam por força do vento. Em determinada altura a usufrutuária mandou cortar e vendeu todos os pinheiros existentes no prédio, sendo que, na região onde se situavam os pinhais é usual os pinheiros serem objeto de venda quando atingem o porte e maturação que aqueles, nesse momento, possuíam, sendo que, daí em diante, começavam a degenerar-se e a secar.

À vista destes factos, o Supremo entendeu que a usufrutuária agiu dentro da lei ao cortar e vender os pinheiros, tendo agido como uma proprietária prudente, um “bom pai de família”, como deveria o proprietário agir se fosse igualmente prudente e, de acordo com os usos da terra.

Lê-se na fundamentação:

“Com efeito, se é certo que tanto os seus antecessores como ela e seu marido, enquanto proprietários, se limitaram a colher a resina e a lenha, tanto da derramagem como dos pinheiros que secavam ou caíam com o vento, não é menos verdade que os pinheiros devem ser - e eram vendidos quando atingem porte e maturação como os ora em causa, pois daí em diante começam a degenerar, a secar.

Não terem sido antes cortados os pinheiros pode ter ficado a dever-se ao facto de se encontrarem em fase de crescimento e maturação; e nada impedia a usufrutuária de, antes de doar a raiz dos prédios à mãe das AA, fazer os cortes que entendesse, no exercício dos plenos poderes de proprietária que era.

Os pinhais ficaram sem pinheiros jovens, é certo. Mas isso aconteceu não porque a usufrutuária tivesse, gananciosamente, mandado cortar a eito, raso, mas porque os muito (os) poucos que existiam em estado de crescimento foram derrubados ou partidos com a queda dos cortados. Não houve, pois, alteração do destino económico dos imóveis que continuam a ser terras de mato e pinhal, se bem que a reconstituição dos pinhais vá demorar, como é normal e aconteceu com os agora cortados, dezenas de anos.”

Exposto o posicionamento doutrinal e jurisprudencial respeitante aos poderes e deveres do usufrutuário no gozo da coisa, cremos poder concluir ser consensual o entendimento de que:

i- o usufruto proporciona o gozo pleno de uma coisa corpórea em respeito pela forma ou substância do seu objeto, o que delimita negativamente o tipo legal do usufruto.

ii- no gozo pleno incluem-se:

- o poder de usar, fruir ou administrar a coisa (respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, nem alterar o seu destino económico);

- o poder de alienação ou oneração do usufruto;

- o poder de reivindicação;

- o poder de transformação, através de benfeitorias úteis e volutuárias e reparações ordinárias (respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, ou seu destino económico);

- o dever de administrar a coisa como faria um bom pai de família, o que inclui o melhor aproveitamento da coisa, no respeito pela sua integralidade.

Por sua vez:

- o respeito pela forma e substância reconduz-se à proibição de alteração do usufruto, nele se incluindo a proibição da sua destruição e deterioração.

Ocorrendo divergência na doutrina e jurisprudência quanto à abrangência do conceito “destino económico a respeitar”.

i- Defendendo uma primeira posição que, o “destino económico a respeitar” deve ser aquele que foi dado pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo);

ii- Defendendo uma segunda posição que, no “destino económico a respeitar” tanto releva a aplicação dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua própria natureza e, simultaneamente, corresponda a uma administração prudente e conforme aos usos. Neste caso, o que releva são as possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia (critério objetivo);

iii- Uma posição intermédia concebe que o usufrutuário possa alterar o destino económico durante o usufruto, desde que posteriormente possa voltar ao estado anterior.

A nossa posição:

A letra da lei não condiciona o respeito pelo destino económico da coisa ao destino específico dado pelo proprietário (critério subjetivo).

Contudo, porque o usufrutuário estando legitimado a fazer na coisa benfeitorias úteis e volutuárias que não alterem a sua forma ou substância, nem o seu destino económico (art. 1450.º nº 1) e, tendo, findo o contrato, direito a ser considerado possuidor de boa-fé (art. 1450.º nº 2), logo, tendo direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, mas se detrimento houver, tendo direito a haver do proprietário o valor das benfeitorias segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º nº 2), temos como mais ajustada à natureza temporária do contrato e à expetativa das partes, uma posição correspondente ao critério subjetivo ou, quando muito, ao critério intermédio.

Esse (critério subjetivo) é o critério que melhor previne a possibilidade do pagamento de uma indemnização futura, com que os proprietários não contavam, ressarcidora de benfeitorias que não servem o fim económico da coisa por si concebido, mas antes um fim económico potenciado pela natureza do bem (critério objetivo), que poderão não desejar.

O caso em apreciação.

Na falta de elementos que conduzam a diferente conclusão, é de presumir que os limites do usufruto definidos no título correspondem ao destino económico da coisa à data da sua constituição.

Resulta do título constitutivo que:

O Réu tem o usufruto de uma área de 16.428 m2 que inclui campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros) - bem como o logradouro adjacente onde se incluem os acessos desde os arruamentos públicos confinantes até ao recinto desportivo e às edificações e área do parque de estacionamento lateral.

Resulta da prova que:

O Réu construiu sobre o prédio, no qual o usufruto foi constituído, quatro campos de padel que não existiam no local. Estes quatro campos de padel, bem como mais dois posteriormente construídos, são constituídos por uma estrutura de cobertura amovível que assenta numa base de betão removível.

Três dos campos de padel foram construídos na área de um polidesportivo pré-existente.

O Réu colocou sobre o prédio, no qual o usufruto foi constituído uma bomba de abastecimento elétrico.

As construções existentes na área, encontravam-se parte em ruínas ou a carecer de obras de conservação, tendo o Réu legalizado e ampliado as construções existentes.

Do confronto entre o título e os factos provados podemos concluir que, o que resulta novo, são seis campos de padel construídos no local. A factualidade assente nada assinala quanto à manutenção ou não do campo de futebol preexistente, mas a construção de seis campos de padel permite concluir que esta modalidade desportiva passou a dominar o espaço em causa.

Sendo este um espaço desportivo através do jogo, o acrescento ou substituição de uma modalidade que se desenvolve igualmente num campo, com duas duplas de jogadores, não é desrespeitadora do fim económico da coisa destinado pelo proprietário.

É certo que dos seis campos de padel, apenas três foram construídos na área do polidesportivo pré-existente, tendo os outros três sido edificados fora dessa área. Mas ainda assim, essa edificação coaduna-se e integra-se no destino económico – desporto através do jogo – preexistente.

E, como ressalvam as instâncias, também não há uma alteração de forma, porquanto a cobertura dos campos de padel são amovíveis e não obstante a placa de betão onde tal estrutura se fixa seja apenas removível e não amovível, tal não é suficiente para que se possa entender que há uma alteração da forma da coisa. No fim do usufruto os campos de padel poderão ser desmontados e o piso retirado pelo usufrutuário, sem grande custo.

O Réu colocou igualmente sobre o prédio, uma bomba de abastecimento elétrico, anteriormente inexistente. Com a mesma possibilita o abastecimento elétrico das suas viaturas, realidade que, considerando o atual parque automóvel, com preocupações ambientais, se enquadra numa boa administração da coisa e, não desrespeita o fim económico prosseguido.

Assim como a legalização e ampliação das construções existentes, porquanto as anteriores construções se mostravam parcialmente em ruínas ou a carecer obras de conservação.

Corroboramos assim a posição do acórdão recorrido de que:

“Tal enquadramento permite-nos concluir que as obras levadas a cabo pelo Réu consubstanciaram-se na reabilitação, ampliação e inovação do parque existente, dentro da área que lhe foi concedida pelas Autoras em usufruto, respeitando o destino económico da coisa, a respetiva forma e substância, e dessa forma viabilizando que a população residente possa usufruir da prática desportiva.

Será, igualmente, neste enquadramento que a colocação de uma bomba de abastecimento elétrico terá de ser perspetivada, na medida em que facilita o carregamento dos veículos que se dirigem às instalações desportivas e pela sua natureza poderá ser retirada aquando da cessação do usufruto em causa.»

E conforme também se apontou em 1ª instância, «afigura-se-nos que o Réu administrou a área que lhe foi concedida em usufruto como faria um bom pai de família». Está bem patente a melhoria das condições do imóvel e dos equipamentos lá existentes, tudo se traduzindo numa boa administração e respeito do fim económico prosseguido.”

As recorrentes não lograram provar o desrespeito, que haveria de se ter por inequívoco, pelos limites legais ou contratuais do usufruto.

Logo, improcede o recurso.

Síntese conclusiva

1- O usufrutuário tem o direito de gozar plenamente a coisa alheia, mas sem alterar a sua forma e substância, estando nesse gozo obrigado a proceder como procederia um “bom pai de família” e, a respeitar o destino económico da coisa.

2- Resulta consensual da doutrina e da jurisprudência que:

i - No gozo pleno incluem-se:

- o poder de usar, fruir ou administrar a coisa, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, nem alterar o seu destino económico;

- o poder de alienação ou oneração do usufruto;

- o poder de reivindicação;

- o poder de transformação, através de benfeitorias úteis e volutuárias e reparações ordinárias, respeitados os limites genéricos de não alterar a forma ou a substância, ou seu destino económico;

- o dever de administrar a coisa como faria um bom pai de família, o que inclui o melhor aproveitamento da coisa, no respeito pela sua integralidade.

ii- A obrigação de respeito pela forma e substância reconduz-se à proibição de alteração do usufruto, nele se incluindo a proibição da sua destruição e deterioração.

3 - Ocorre divergência na doutrina e jurisprudência quanto à abrangência do conceito “destino económico a respeitar”:

i- Defendendo uma primeira posição que, o “destino económico a respeitar” deve ser aquele que foi dado pelo proprietário no momento da constituição do usufruto (critério subjetivo);

ii- Defendendo uma segunda posição que, no “destino económico a respeitar” tanto releva a aplicação dada à coisa usufruída pelo proprietário, como a aplicação que resulta da sua própria natureza e, simultaneamente, corresponda a uma administração prudente e conforme aos usos. Neste caso, o que releva são as possibilidades objetivas de uso (lícito) que a coisa propicia (critério objetivo);

iii- Uma terceira posição, intermédia, concebe que o usufrutuário possa alterar o destino económico durante o usufruto, desde que posteriormente o possa fazer voltar ao estado anterior.

4- A letra da lei não condiciona o respeito pelo destino económico da coisa ao destino específico dado pelo proprietário (critério subjetivo).

5 - Contudo, porque o usufrutuário estando legitimado a fazer na coisa benfeitorias úteis e volutuárias que não alterem a sua forma ou substância, nem o seu destino económico e, tendo, findo o contrato, direito a ser considerado possuidor de boa-fé, logo, tendo direito a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela, mas se detrimento houver, tendo direito a haver do proprietário o valor das mesmas segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1273º nº 2), mostra-se mais ajustada à natureza temporária do contrato e à expetativa das partes, uma posição correspondente ao critério subjetivo ou, quando muito, ao critério intermédio.

6- O critério subjetivo do destino económico da coisa é o que melhor previne o risco do pagamento de uma indemnização futura, com que os proprietários não contavam, como forma de ressarcimento de benfeitorias úteis que não servem o fim económico da coisa por si concebido, mas antes um fim económico potenciado pela natureza do bem (critério objetivo), que poderão não desejar.

7 - Respeita o destino económico da coisa, a sua forma e substância, o usufrutuário que dentro da área que lhe foi concedida em usufruto, onde antes se incluía um polidesportivo com campo de futebol, estruturas de apoio (bancada, balneários, bar, duas casas de habitação, garagem, bilheteira, casa dos contadores de eletricidade e água e telheiros) e, logradouro adjacente, nele construiu campos de padel, de estrutura amovível e base removível e, colocou uma bomba de abastecimento elétrico para abastecimento das suas viaturas.

8- Administra como um “bom pai de família” o usufrutuário que procede à legalização e ampliação das construções existentes, quando as anteriores construções se mostravam parcialmente em ruínas ou a carecer obras de conservação.

DECISÃO:

Termos em que, se acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pelas Recorrentes.

Lisboa, 11 de março de 2025

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Maria Clara Sottomayor (1ª Adjunta)

Nelson Borges Carneiro (2º Adjunto)

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1. Artigo 216.º - (Benfeitorias)

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.↩︎

2. Acórdão de 07-06-2018↩︎