| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CARLOS CAMPOS LOBO | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM ADMISSIBILIDADE PORNOGRAFIA DE MENORES QUEIXA ERRO DE ESCRITA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL VALOR DA AÇÃO PREVENÇÃO GERAL MEDIDA CONCRETA DA PENA INADMISSIBILIDADE | ||
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| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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| Sumário : | I – Tem sido entendimento jurisprudencial consensual a admissibilidade de recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões em que a pena única seja superior a 5 anos de prisão, não obstante as penas parcelares aplicadas a cada um dos ilícitos que integram esse cúmulo jurídico serem inferiores a esse limite, entendimento este refletido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2017. II – Considerando as normações expressas nos artigos 113º do CPenal e 49º do CPPenal, tanto quanto se crê, não decorre da Lei a exigência / demanda de qualquer tipo de formalidade ou modelo específico para a queixa, devendo a mesma consubstanciar uma simples declaração incondicionada, segundo a qual o titular do respetivo direito revela uma intenção inequívoca, no sentido de pretender o procedimento criminal por determinado facto, não carecendo de motivação, nem estando sujeita a nenhum formalismo legal, podendo ser escrita ou, mesmo, oral, desde que seja apta para transmitir a vontade do ofendido. III - Vem sendo entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena, não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório. IV - Em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso, se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei. V – Relativamente a crimes de pornografia de menores, parece indubitável que são elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em consideração o bem jurídico protegido e a intensa perturbação social que estas condutas causam, ofendendo de forma fundamental a personalidade das crianças e jovens. VI – Do mesmo modo, tenha-se em mente que a utilização da internet para a prática de ilícitos de natureza sexual afeta de modo particularmente intenso a sociedade, alastrando-se um sentimento de enorme falta de controlo e existência de um perigo invisível e imprevisível, não obstante os menores se encontrarem, muitas das vezes, alegadamente em segurança dentro da sua residência. VII – Afiguram-se também prementes as necessidades de prevenção geral, no que concerne a crimes praticados por via de equipamentos informáticos - dano relativo a programas ou outros dados informáticos e acesso ilegítimo - atendendo ao sentimento de fragilidade e ausência de segurança e fiabilidade na utilização desses equipamentos, os quais são usados diariamente pela comunidade, em particular pelos jovens que se apresentam como mais indefesos. VIII – Neste contexto, considerando uma moldura abstratamente aplicável, em termos de pena única, com um mínimo de 2 anos e 6 meses e um máximo de 22 anos e 11 meses, onde estão em causa 18 crimes, praticados num período aproximado de 10 meses, em período de suspensão de execução de uma pena de prisão imposta por factos de natureza semelhante, não se verificando existir qualquer ato de onde decorra um juízo de autocensura da parte do arguido relativamente aos factos praticados, um passo que fosse de cerceamento dos seus impulsos, um laivo de sentimento de comiseração ante vítimas tão jovens e, por isso, com menos capacidade de proteção e / ou defesa, uma pena concreta de 8 anos de prisão, não exige qualquer intervenção em termos de redução. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência na 3ª Secção Criminal I – Relatório 1. No processo nº 1437/23.2JABRG da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 6, realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 09 de maio de 2025, onde se decidiu: a) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima AA2. b) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima AA3. c) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea a) e 3, do CPenal, por referência à vítima AA4. d) Absolver o arguido AA1 da prática de sete crimes de pornografia de menores agravados, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 7, do CPenal e de dois crimes de pornografia de menores agravados, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea a) e 3 e 177º, nº 7, do CPenal, por referência à vítima AA5. e) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3, do CPenal, por referência à vítima AA6. f) Absolver o arguido AA1 da prática de dois crimes de pornografia de menores, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3, do CPenal, por referência à vítima AA7. g) Absolver o arguido AA1 da prática de quatro crimes de pornografia de menores, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3, do CPenal e de um crime de pornografia de menores, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea a) e 3, do CPenal, por referência à vítima AA8. h) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima, AA9. i) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. artigos 176º, nºs 1, alínea a) e 3 e 177º, nº 7, do CPenal, e de dois crimes de pornografia de menores agravados, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 7, do CPenal, ambos por referência à vítima AA10. j) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima AA11. k) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 176º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima AA12. l) Absolver o arguido AA1 da prática de um crime de pornografia de menores agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 176.º, nºs 1, alínea b) e 3 e 177º, nº 8, do CPenal, por referência à vítima AA13. m) Absolver o arguido AA1 da prática de oito crimes de pornografia de menores agravados, p. e p., cada um, pelos artigos 176º, nº 5 e 177º, nº 7, do CPenal. n) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei nº 109/2009, de 15 de setembro – por referência ao utilizador “ut0001” - na pena de três meses de prisão. o) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA2 - na pena de um ano e oito meses de prisão. p) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA3 - na pena de dois anos de prisão. q) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - por AA4 - na pena de dois anos de prisão. r) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA5 - na pena de dois anos e seis meses de prisão. s) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência ao utilizador “_ut0002_” - na pena de quatro meses de prisão. t) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA6 - na pena de um ano e dez meses de prisão. u) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA7 - na pena de dois anos de prisão. v) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência ao utilizador “ut0003_” - na pena de três meses de prisão. w) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do n.º 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA8 - na pena de dois anos de prisão. x) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA9 - na pena de um ano e seis meses de prisão. y) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência ao utilizador “ut0004” - na pena de quatro meses de prisão. z) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano relativo a programas e a dados informáticos, p. e p. pelo artigo 4º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência a AA9 - na pena de nove meses de prisão. aa) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA10 - na pena de dois anos de prisão. bb) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo artigo 6º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência ao utilizador “ut0005” - na pena de três meses de prisão. cc) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de dano relativo a programas e a dados informáticos, p. e p. pelo artigo 4º, nº 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro – por referência a AA10 - na pena de nove meses de prisão. dd) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 3, por referência à alínea b), do nº 1, do mesmo artigo, do CPenal - AA11 - na pena de um ano e oito meses de prisão. ee) Condenar o arguido AA1 pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 5, do CPenal - ficheiros encontrados nos aparelhos eletrónicos apreendidos ao arguido - na pena de dez meses de prisão. ff) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido na pena única de oito anos de prisão. gg) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado em 17/12/2024, pela demandante AA10, condenando o demandado, AA1, a pagar àquela a quantia de €1.600,00 (mil e seiscentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% e até efetivo e integral pagamento, contabilizados desde a presente data, absolvendo-o quanto ao remanescente do pedido. hh) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado em 18/12/2024, pela demandante AA7, condenando o demandado, AA1, a pagar àquela a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% e até efetivo e integral pagamento, contabilizados desde a presente data, absolvendo-o quanto ao remanescente do pedido. ii) Julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado em 18/12/2024, pela demandante AA8, condenando o demandado, AA1, a pagar àquela a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% e até efetivo e integral pagamento, contabilizados desde a presente data, absolvendo-o quanto ao remanescente do pedido. jj) Condenar o arguido, AA1, a pagar às demais vítimas, a título de reparação civil, as quantias de: - €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a AA2; - €1.000,00 (mil euros) a AA3; - €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a AA4; - €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a AA5; - €850,00 (oitocentos e cinquenta euros) a AA6; - €500,00 (quinhentos euros) a AA9; - €700,00 (setecentos euros) a pagar a AA11. 2. Inconformado com o decidido, o arguido AA11 recorreu para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, sendo que o Tribunal a quo considerando que o recurso em causa visa exclusivamente matéria de direito e atendendo à pena aplicada ao arguido, o admitiu, considerando caber a competência para a sua apreciação ao Supremo Tribunal de Justiça2. 3. O arguido recorrente em discordância do que foi decidido em 1ª Instância e na sequência das motivações que enuncia, apresenta as seguintes conclusões: (transcrição) I-) Dos autos de notícia que deram origem aos presentes Autos, participados pelas menores, não se extrai o exercício do direito de queixa; II-) Com efeito, o direito de queixa tem que ser exercido pelo maior de 16 anos ou pelo representante legal do menor de 16 anos, nos termos do artigo 113º, nº 4, do Código Penal; III-) Dos cinco crimes de acesso ilegítimo pelos quais o recorrente foi condenado, apenas a representante legal da menor AA5 exerceu esse direito de queixa nas declarações prestadas nos Autos; IV-) As restantes menores e os seus representantes legais, não exerceram o direito de queixa, nem em queixa formal, nem nas declarações posteriores; V-) Igualmente, não foi exercido o direito de queixa pelos crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos, pelos quais o arguido foi condenado; VI-) Pelo que, deve ser declarada a nulidade de todo o processo quanto a esses quatro crimes de acesso ilegítimo e aos dois crimes de dano; VII-) Por falta de legitimidade do MP, por violação do artigo 113º, nº 4, do Código Penal e 49º, nº 1, 52º e 119º, alínea b-) do Código Processo Penal; VIII-) Com efeito, o crime previsto e punido pelo artigo 6º, nº 1, da Lei 109/2009 depende de queixa, nos termos do nº 7, do mesmo artigo; IX-) E o crime previsto e punido pelo artigo 4º, nº 1, da referida Lei 109/2009, depende de queixa, nos termos do nº 6 do mesmo artigo; X-) As penas parcelares e a pena única aplicadas ao arguido são exageradas; XI-) Pois, não levam em conta que a actividade do arguido, que foi dada por provada, se resumiu a um período do Verão de 2023 e ao mês de Maio de 2024; XII-) E ao facto de as imagens encontrados nos ficheiros dos aparelhos electrónicos apreendidos não terem sido divulgadas ao público ou a outras pessoas, nem ter sido provado que o arguido tinha intenção de as divulgar; XIII-) Pelo que a vergonha, inquietação e receio das menores foram um dano limitado no tempo e no espaço; XIV-) Devendo as penas parcelares ser reduzidas de 1/3, bem como o limite máximo da pena única, depois de descontadas das penas nulas que foram aplicadas; XV-) Sendo o limite máximo da pena única de cerca de 15 anos, não devendo a pena única ultrapassar os cinco anos de prisão; XVI-) Devendo ainda as indemnizações civis, atentos os alegados limites dos danos, e a condição económica do arguido, ser todas reduzidas a metade das condenações efectuadas. 4. O Digno Ministério Público junto do Juízo Central Criminal de Braga respondeu ao recurso interposto, concluindo nos seguintes termos: (transcrição) 1. No acórdão recorrido o arguido AA1 foi, entre o mais, condenado pela prática de: - dois crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos, previsto e punível pelo artigo 4º, n.º 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro; - cinco crimes de acesso ilegítimo, previsto e punível pelo artigo 6º, n.º 1, da Lei do Cibercrime - Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro. 2. Tais ilícitos assumem natureza semi-pública, ou seja, o procedimento criminal depende de queixa, conforme dispõem os artigos 4º, n.º 6 e 6º, n.º 7, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro. 3. Nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo». 4. Compulsados os autos, constata-se que todas as ofendidas (ou respectivos representantes legais) de tais ilícitos apresentaram queixa pelos factos de que foram vítimas, mais concretamente: - AA14 (nascida a D-M-2002) - a fls. 159 dos autos principais, através de declaração da própria; - AA5 (nascida a D-M-2007) - a fls. 34 e 35 do apenso C, através de declaração da própria e da sua mãe em auto de denúncia; - AA7 (nascida a D-M-2007) - a fls. 56 do apenso E, através de declaração da própria e da sua mãe em auto de denúncia; - AA9 (nascida a D-M-2007) - no termo de fls. 1384; - AA10 (nascida a D-M-2008) - no termo de fls. 1384 e através de declaração assinada constante de fls. 1385. 5. Não foi cometida qualquer nulidade. 6. Nada há, por isso, a censurar à decisão recorrida quanto a essa matéria. 7. Segundo o artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 8. A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido. 9. As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios: - no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva); - no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva). 10. Os vectores da medida da pena previstos no artigo 40º do Código Penal são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. 11. Alguns desses factores são elencados no artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, a título exemplificativo. 12. Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes. 13. Considerando os critérios estabelecidos, não merece qualquer reparo a medida das penas parcelares e a pena única de oito anos de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente, atendendo ao grau de culpa por si revelado, à intensidade do dolo e grau de ilicitude, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir. 14. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo recorrente. 15. A decisão recorrida não merece censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelo recorrente. 5. Subidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416º do CPPenal, emitiu competente parecer, defendendo: (transcrição)3 (…) Sobre o montante das indemnizações arbitradas, além de o recorrente não alegar qualquer fundamento para a redução pedida, porque a impugnação dos precisos montantes indemnizatórios resultantes de PIC´s e do arbitramento oficioso a pagar às vítimas não têm quaisquer repercussões na parte criminal da condenação, o Ministério Público limita–se a não as considerar excessivas, SMO. Lidos os factos provados, que aqui se dão por reproduzidos, verifica–se que no facto 55 consta como provado o seguinte: “55) Assim, ainda no referido dia 27-02-2023, o arguido e AA8 efetuaram videochamada, tendo para o efeito o arguido usado conta de Instagram diferente, a qual se encontrava também sob o seu controlo.”. Tal facto está na sequência dos factos constantes dos pontos anteriores, designadamente dos factos provados 36, 42 e no 49, onde se lê: “49) Ainda no dia 27-07-2023, o arguido acedeu de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram”, com o utilizador “ut0003_” pertencente a AA7.” Julgamos ser evidente a existência de um lapso de escrita no ponto 55) dos factos provados, como também o identifica o recorrente a p. 23 da motivação do seu recurso, o qual importa correção, devendo ler–se aí “27–7–2023”. A reconhecer–se esse lapso, importa pois proceder à retificação do acórdão recorrido (pág. 12, ponto 55) dos factos provados) na parte relativa à data indicada, nos termos do disposto no artigo 380º, nº 1, al. b) e nº 2, do Código de Processo Penal. (…) Defende o recorrente, na sua conclusão I) que “ dos autos de notícia que deram origem aos presentes Autos, participados pelas menores, não se extrai o exercício do direito de queixa” (…) não há que reconhecer qualquer nulidade. (…) Como vem sendo jurisprudência firme e reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, o exame, em sede de recurso, da adequação ou correção da medida concreta da pena só é justificado em casos de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou em situações de manifesta violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) nas operações de determinação previstas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de determinação e medida da pena. Apenas nestas situações é que se justifica uma intervenção do tribunal de recurso para alterar a escolha e a determinação da espécie e da medida concreta da pena; sentido e método jurisprudencial que são válidos tanto para a determinação das medidas das penas parcelares quanto para a pena única ou conjunta. No acórdão recorrido, quanto à determinação concreta das penas, as razões de prevenção geral e especial, balizadas pelo grau de culpa do arguido, em sentido amplo, estão completamente escrutinadas e justificadas. Considerando as penas abstratamente definidas como aplicáveis a cada um dos crimes cometidos pelo arguido, julgamos que as penas parcelares e a pena única concretamente aplicadas são adequadas e proporcionais ao respetivo grau de culpa, não havendo razão para qualquer intervenção corretiva. Na verdade, conforme citação precedente, o tribunal recorrido ponderou de forma adequada e proporcional, em função dos critérios elencados e juridicamente atendíveis, as penas concretas aplicadas (grau de ilicitude médio–alto quanto aos crimes informáticos e elevado quantos aos crimes de pornografia; o modo de execução demonstrativo do desprezo pelos bens jurídicos protegidos e pelos valores éticos comumente aceites; o dolo direto; os antecedentes criminais homólogos; as elevadas exigências de prevenção geral impostas pela necessidade de desincentivar a tipologia de crimes cometidos e as elevadas exigências de prevenção especial associadas ao cometimento de 18 crimes na pendência de uma pena suspensa pela prática de crimes de teor idêntico, demonstrativo de completa indiferença pela ameaça da pena e pela validade das normas violadas; denotando, na gravidade elevada do ilícito global, uma personalidade desviante por tendência ou persistência criminosa), pelo que as penas aplicadas, tendo sido fixadas abaixo dos limites médios das penas abstratamente definidas, são ainda justas. Ao contrário do reclamado pelo recorrente, ao pedir uma redução indiscriminada de 1/3 de todas as penas parcelares e única, a comunidade não perceberia como justas tanto a aplicação de penas parcelares coincidentes ou próximas do limite mínimo legal, nem compreenderia que uma pena de cúmulo adequada a uma personalidade com tendência criminosa, como foi caracterizada pelo acórdão recorrido, pudesse ser suficientemente sancionada com uma pena única inferior aos 8 anos de prisão aplicados. (…) Não foi apresentada qualquer resposta. 6. Efetuado o exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir. II – Fundamentação 1.Questões a decidir Face ao disposto no artigo 412º do CPPenal, considerando a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de outubro de 19954, bem como a doutrina dominante5, o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo da ponderação de questões de conhecimento oficioso que possam emergir6. Isto posto, e vistas as conclusões do instrumento recursivo trazido pelo arguido recorrente e os poderes de cognição deste tribunal, importa apreciar e decidir, as seguintes questões: a-da existência de um lapso de escrita no facto provado nº 55 e no dispositivo do acórdão recorrido; b-da nulidade por falta de queixa das ofendidas AA14, AA7, AA9 e AA10, ou dos seus legais representantes, relativamente aos crimes de acesso legítimo e de dano relativo a programas e dados informáticos; c-penas impostas (parcelares e única), sua adequação e justeza; d-dos valores atribuídos às ofendidas, a título de indemnização civil. 2. Apreciação 2.1. O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: Factos Provados 1. O arguido AA1 engendrou um plano que consistia em aceder, de forma não autorizada, a contas das redes sociais “Instagram”, “Twitter” e “TikTok” pertencentes a crianças do sexo feminino e estabelecer contactos com outras crianças do mesmo sexo, fazendo-se passar pelas titulares das mencionadas contas, de forma a convencê-las a enviar-lhe fotografias e vídeos dos seus corpos nus e a fornecerem os dados de acesso às suas contas. 2. Para o efeito, na senda de tal plano e de modo a conferir credibilidade ao mesmo, o arguido acedeu, sem autorização, a contas de “Instagram”, “Twitter” e “TikTok” tituladas por pessoas do sexo feminino, as quais exibiam no respetivo perfil um fotograma que representava uma pessoa do sexo feminino. ** 3. A conta da rede social “Instagram” com o utilizador “ut0001”, alojada no sítio de Internet “https://www.instagram.com/ut0001” pertence a AA14. 4. De modo ainda não concretamente identificado, o arguido logrou obter o acesso à referida conta de AA14, utilizando-a e usando a identidade de AA14 sem autorização e consentimento desta. ** 5. No âmbito do referido plano, no dia 19-05-2023, o arguido acedendo de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram” com o utilizador “ut0001”, fazendo-se passar por esta utilizadora, enviou uma mensagem de texto para a conta de “Instagram” pertencente a AA2, nascida em D-M-2010, dizendo que tinha na sua posse fotografias íntimas do corpo de AA2. 6. O arguido continuou a enviar mensagens de texto a AA2 onde mencionava que as fotografias em questão tinham sido obtidas através da câmara do telemóvel e que a sua conta de “Instagram” e das suas colegas, com quem também se encontrava a trocar mensagens, havia sido usurpada. 7. O arguido disse ainda a AA2 que os fotogramas iriam ser publicados às 16.00h daquele dia e que tais fotogramas iriam ser remetidos a todos os contactos do seu telemóvel. 8. Continuou a conversa, continuando a fazer-se passar por AA14, mencionando que tinha uma solução para o referido problema, pois o seu primo trabalhava na Polícia Judiciária, na área do “Cibercrime”. 9. Após ganhar a confiança da criança e depois de lhe perguntar a idade, tendo obtido a resposta “12”, o arguido disse a AA2 para se deslocar à casa de banho da escola para tirar uma fotografia do seu corpo sem roupa, dizendo que a sua amiga “AA3” também já tinha tirado fotografia, para que conseguissem eliminar as suas fotogramas íntimas do “Instagram”. 10. Como AA2 se recusou a enviar as fotografias pretendidas pelo arguido este disse-lhe: “pronto então espera que toda a gente na tua escola tenha fotogramas tuas”. ** 11. A conta da rede social “Instagram” com o utilizador “ut0006”, “https://www.instagram.comut0006” pertence a AA3, nascida em D-M-2010. 12. No dia 18-05-2023, o arguido, acedendo de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram” com o utilizador “ut0001”, fazendo-se passar por esta utilizadora, enviou uma mensagem de texto para a conta de “Instagram” de AA3, dizendo-lhe que alguém tinha acedido à câmara do seu telemóvel e conseguiu captar fotografias do seu corpo nu, estando numa esquadra a ajudar a polícia. 13. Nessa sequência, o arguido deu indicações a AA3 para lhe enviar uma foto do seu corpo nu, com o objetivo de evitar que outros fotogramas seus fossem divulgados na Internet, tendo a referida vítima anuído à referida pretensão por crer na encenação do arguido. 14. Assim, nessa sequência, AA3 captou uma fotografia sua, na qual visualizava o seu corpo despido. 15. Em seguida, a vítima remeteu tal fotograma ao arguido, pensando que estaria a remeter tal fotograma a AA14. 16. O arguido recebeu o fotograma do corpo nu de AA3, conforme por si solicitado. ** 17. No dia 29-09-2023, o arguido, acedendo à conta da rede social “Instagram” com o utilizador “_ut0007”, fazendo-se passar por esta utilizadora, enviou uma mensagem de texto para a conta de “Instagram” de AA4, nascida em D-M-2006, dizendo-lhe que um grupo de hackers possuía fotografias íntimas suas, e que com o ataque informático acediam à câmara do telemóvel e conseguiam captar fotografias do seu corpo nu. 18. Nessa sequência, fazendo-se passar pelo titular da conta de “Instagram” “_ut0007”, o arguido deu indicações a AA4 para lhe enviar uma fotografia do seu corpo nu, com o objetivo de evitar que outros fotogramas seus fossem divulgados nas redes sociais, tendo a mesma anuído à referida pretensão. 19. Assim, nessa sequência, AA4 captou um fotograma do seu corpo nu e remeteu o mesmo ao arguido, conforme solicitado por este. 20. O arguido recebeu o fotograma do corpo nu de AA4, conforme por si solicitado. 21. Ainda nesse dia 29-09-2023, o arguido solicitou à referida vítima a realização de videochamada e a exibição do seu corpo nu por aquele meio. 22. Assim, nessa sequência, o arguido e AA4 realizaram videochamada, por intermédio da aplicação informática “Instagram”, nunca exibindo o arguido a sua imagem corporal, somente exibindo a fotografia associada ao perfil da conta de “Instagram” “_ut0007”. 23. Assim, acedendo ao pedido do arguido, pensando que estaria a contactar com a pessoa titular da conta de “Instagram” “_mariia_.eduarrda”, a vítima exibiu ao arguido, em tempo real, a imagem do seu corpo nu, nomeadamente a sua zona mamária e genital, conforme este lhe solicitara. ** 24. No dia 26-07-2023, acedendo de forma não autorizada à conta da rede social “Twitter”, com o utilizador @ut0008_”, a qual exibia no seu perfil uma figura feminina, fazendo-se passar por esta utilizadora, o arguido enviou uma mensagem para a conta de “Twitter” de AA5, nascida em D-M-2007, dizendo-lhe que um grupo de “hackers” possuía fotografias do seu corpo nu e que com o ataque informático os perpetradores acederam à câmara do telemóvel e conseguiram captar fotografias do seu corpo nu. 25. Nessa sequência, fazendo-se passar pelo titular referida conta de “Twitter”, o arguido disse a AA5 que a poderia ajudar a evitar a disseminação das fotografias e que, para tal, teria que lhe facultar as credenciais de acesso à sua conta de “Instagram”. 26. Assim, ludibriada pela informação prestada pelo arguido, AA5 forneceu ao arguido as credenciais de acesso à sua conta de “Instagram”, com a designação “_Irisk8_”. 27. Em seguida, o arguido solicitou a AA5 que lhe remetesse fotografias do seu corpo nu, com o objetivo de evitar que outros fotogramas seus fossem divulgados nas redes sociais, tendo a mesma anuído à referida pretensão e remetido quatro fotogramas que exibiam a imagem do seu corpo nu. 28. O arguido recebeu os fotogramas remetidos por AA5. 29. Ainda no mesmo dia, o arguido acedeu, sem consentimento, à conta de “Instagram” com a designação “_ut0002_” e usando a referida conta remeteu uma mensagem de texto para a conta de “Instagram” com a designação “_ut0009_”, titulada também por AA5. 30. Dizendo-lhe que podia falar com o “hacker” pelo Instagram, remetendo mensagem para a conta de “Instagram” com a designação “ut0010”, a qual se encontrava também sob o seu controlo. 31. Assim, por intermédio da referida conta, o arguido solicitou agora a AA5 que efetuasse videochamada e que, durante aquela, esta se apresentasse perante o arguido despida, que se sentasse na cama com as pernas afastadas e exibisse a vagina, tocasse com os seus dedos na vagina e simulasse que estava a praticar sexo oral com uma embalagem de desodorizante. 32. Para evitar que os fotogramas do seu corpo nu fossem espalhados pela internet, conforme o arguido lhe tinha referido, a vítima efetuou videochamada com o arguido, durante cerca de quatro minutos. 33. Nessa videochamada, o arguido nunca exibiu a sua imagem corporal, tendo a vítima se exibido sentada na cama com as pernas afastadas, tocou com os seus dedos na vagina, e simulou que estava a praticar sexo oral com uma embalagem de desodorizante. 34. Durante este período temporal, o arguido disse à vítima que “deveria fingir que se estava a engasgar”. 35. Chamou-a de “puta” e “badalhoca” e pediu-lhe para gemer. ** 36. No dia 27-07-2023, o arguido acedeu de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram”, com o utilizador “ut0002_”, pertencente a AA5. 37. Desse modo, fazendo-se passar por AA5, o arguido enviou uma mensagem para a conta de “Instagram” de AA6, nascida em D-M-2006, dizendo-lhe que um grupo de hackers possuía fotografias do seu corpo nu. 38. Nessa sequência, fazendo-se passar por AA5, o arguido disse a AA6 que a poderia ajudar a evitar a disseminação das fotografias e que, para tal, teria que lhe remeter fotografias do seu corpo nu. 39. Assim, acreditando na veracidade do discurso do arguido, AA6 solicitou ao seu namorado, AA15, que procedesse ao envio de fotogramas do seu corpo nu, conforme solicitado pelo arguido. 40. Nessa sequência, AA15 remeteu para a conta de “Instagram” identificada como “@ut0011”, previamente indicada pelo arguido, pelo menos cinco fotogramas da parte traseira do corpo nu da vítima AA6. 41. O arguido recebeu os ficheiros de imagem que continham a representação gráfica do corpo nu da vítima. ** 42. No dia 27-07-2023, o arguido acedeu de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram”, com o utilizador “ut0002_”, pertencente a AA5. 43. Desse modo, fazendo-se passar por AA5, o arguido enviou uma mensagem de texto para a conta de “Instagram” de AA7, nascida em D-M-2007, identificada por “@ut0012_”, dizendo-lhe que um grupo de hackers possuía fotografias suas que representavam a imagem do seu corpo nu. 44. O arguido disse a AA7 que as referidas imagens iriam ser divulgadas às 07.00h e que necessitava das credenciais de acesso à sua conta de “Instagram” para apagar as mencionadas fotografias da Internet. 45. Assim, acreditando na veracidade do discurso do arguido, o qual continuava a fazer se passar por AA5, pessoa conhecida por AA7, a referida vítima remeteu ao arguido as credenciais de acesso da sua conta de “Instagram” “ut0003_”. 46. Posteriormente, o arguido disse a AA7 que era necessário que esta lhe enviasse uma fotografia do seu corpo nu para identificar as suas fotografias e apagá-las. 47. Nessa sequência, a vítima remeteu ao arguido três fotogramas que representavam a zona mamária da vítima, duas das quais completamente despida e uma apenas com soutien vestido. 48. O arguido recebeu os fotogramas do corpo nu da vítima. ** 49. Ainda no dia 27-07-2023, o arguido acedeu de forma não autorizada à conta da rede social “Instagram”, com o utilizador “ut0003_” pertencente a AA7. 50. Desse modo, fazendo-se passar por AA7, o arguido enviou uma mensagem para a conta de “Instagram” de AA8, nascida em D-M-2006, dizendo-lhe que na Internet possuíam fotografias suas e de AA7 que representavam a imagem do corpo nu. 51. O arguido disse ainda à vítima AA8 que tinha um primo e que conseguiria apagar as referidas imagens da Internet caso AA8 lhe enviasse fotografias do seu corpo nu. 52. O arguido disse ainda a AA8 que o envio das suas fotografias devia ser efetuado até às 12.00h sob pena de as referidas imagens íntimas serem divulgadas. 53. Assim, acreditando na veracidade do discurso do arguido, AA8 remeteu pelo menos dois fotogramas que representavam o seu corpo nu, sendo visível a sua zona genital e seios. 54. O arguido recebeu os fotogramas do corpo nu da vítima e, de seguida, comunicou à vítima que teria que efetuar uma videochamada. 55. Assim, ainda no referido dia 27-02-2023, o arguido e AA8 efetuaram videochamada, tendo para o efeito o arguido usado conta de Instagram diferente, a qual se encontrava também sob o seu controlo. 56. Nessa videochamada o arguido solicitou à vítima que se exibisse despida perante este. 57. Assim, com receio que fotogramas do seu corpo nu fossem divulgados, a vítima assentiu às pretensões do arguido e exibiu-se perante este despida, revelando-lhe a sua face e zona mamária. 58. Durante a videochamada, o arguido chamou AA8 de “badalhoca” e “porca”. ** 59. Em data não concretamente apurada do mês de maio de 2024 mas anterior a 20, o arguido enviou mensagem escrita para AA9, nascida em D-M-2007, por intermédio da aplicação informática “Tik Tok”, tendo usado o perfil “ut0013”. O arguido enviou mensagem de texto para a conta “ut0004”, pertencente a AA9, dizendo que imagens do seu corpo nu estariam a circular num grupo da aplicação informática “Telegram” e que era necessário impedir que isso acontecesse, acrescentando que o seu primo trabalhava na polícia e que conseguia proteger as contas de “Instagram”, “TikTok” e “ICloud” da vítima, sendo para isso necessário que a mesma lhe enviasse os respetivos logins e passwords. 60. A vítima, confiando na veracidade daquilo que lhe fora transmitido, acedeu à pretensão do arguido, tendo enviado as credenciais de acesso às mencionadas contas de “TikTok”, do “Instagram”, onde utilizava o perfil “ut0014_”, e à sua conta “ICloud”. 61. Posteriormente, o arguido disse, ainda, à vítima, que para que as fotos não fossem divulgadas no “Telegram”, seria necessário que lhe enviasse uma fotografia sua, desnudada da cintura para cima. 62. O arguido não logrou obter fotografias do corpo nu da vítima, uma vez que esta recusou enviar tais conteúdos ao arguido. 63. Nessa sequência, o arguido alterou as credenciais de acesso às contas de “TikTok” e “Instagram”, apropriando-se das referidas contas sem o consentimento da vítima e utilizando-as no âmbito do esquema criminoso ora descrito. 64. Desse modo, em face da atuação do arguido, a vítima perdeu o acesso à referida conta de utilizador da aplicação informática “TikTok”. ** 65. Em concretização do esquema por si erigido, no dia 26-05-2024, utilizando a conta de “TikTok” de AA9, sem o consentimento desta, o arguido enviou mensagem de texto para AA10, nascida em D-M-2008, titular da conta de “TikTok” “ut0005”, fazendo-se passar por AA9. 66. Na referida mensagem o arguido comunicou a AA10 que um hacker possuía fotografias do seu corpo nu. 67. AA10 respondeu ao arguido que não tinha esse tipo de conteúdos, tendo o arguido contraposto, de forma a ludibriar a vítima, que o hacker também tinha fotogramas do corpo nu de AA9, por quem este se fazia passar, explicando que isso poderia ter acontecido através de um acesso à câmara do telemóvel de ambas, quando se estavam a despir ou a tomar banho, também lhe dizendo que obteve conhecimento da existência dessas fotografias por intermédio de um seu primo que trabalhava na Polícia Judiciária. 68. Em seguida, o arguido disse à vítima que a forma para resolver a situação seria enviar uma fotografia para o referido primo, em que estivesse despida, justificando que dessa forma ele iria conseguir detetar os hackers e eliminar as fotografias de todas as menores. 69. Como AA10 recusou a pretensão do arguido, este comunicou à vítima, por intermédio de mensagem escrita, que o primo ia tentar proteger o acesso aos dados no telemóvel da depoente, sendo para isso necessário que lhe enviasse as suas credenciais de acesso do “ID Apple”, do “TikTok” e do “Instagram”. 70. Assim, acreditando naquilo que o arguido encenava, AA10 enviou as credenciais de acesso das contas “Apple” e “TikTok” ao arguido. 71. Em seguida, o arguido, continuando a fazer-se passar por AA9, disse à vítima que deveria tirar uma fotografia em que surgisse em soutien, tendo aí a vítima acedido à pretensão do arguido e remetido a referida fotografia ao arguido. 72. Não satisfeito, o arguido solicitou à vítima que captasse e lhe remetesse fotograma em que exibisse a sua zona mamária, despida, com exibição do rosto, tendo a vítima acedido à pretensão do arguido e remetido duas fotografias ao arguido. 73. O arguido rececionou os fotogramas que representavam o corpo desnudado da vítima, como solicitado. 74. Por último, o arguido solicitou à vítima que entrasse numa videoconferência na rede social “Telegram”, devendo esta se exibir despida, tendo a vítima negado a pretensão do arguido. 75. Nessa sequência, o arguido alterou as credencias de acesso à conta de “TikTok” da vítima”, apropriando-se da mesma sem o consentimento da vítima e utilizando-a no âmbito do esquema criminoso ora descrito. 76. Desse modo, em face da atuação do arguido, a vítima perdeu o acesso à referida conta de utilizador da aplicação informática “TikTok”. ** 77. Ainda no dia 26 de Maio de 2024, utilizando a conta de “TikTok” de AA10, sem o consentimento desta, o arguido enviou mensagem de texto para AA11, nascida em D-M-2010, titular da conta de “TikTok” “ut0015”, fazendo-se passar por AA10. 78. Na referida mensagem o arguido comunicou a AA11 que hackers possuíam fotografias do seu corpo nu e do corpo nu da própria AA10, por quem o arguido se fazia passar. 79. AA11 respondeu que nunca tinha partilhado esse tipo de conteúdos, tendo o arguido contraposto, de forma a ludibriar a vítima, que tal poderia ter acontecido através do acesso à câmara do telemóvel de ambas, quando se estavam a despir ou a tomar banho, também lhe dizendo que obteve conhecimento da existência dessas fotografias por intermédio de um seu primo que trabalhava na Polícia Judiciária. 80. Em seguida, o arguido disse à vítima que a forma para resolver a situação seria colocar na galeria do telemóvel uma foto em que estivesse despida, justificando que dessa forma o primo iria conseguir detetar os hackers e eliminar as referidas fotografias. 81. Continuando a fazer-se passar por AA10, o arguido disse a AA11 que já estava a tirar uma fotografia dessas para enviar para o primo e, aconselhando-a a fazer o mesmo, enviando-lhe um link “WeTransfer” e respetivas instruções, para que a vítima enviasse um fotograma do seu corpo despido. 82. O arguido não logrou obter fotografias do corpo nu da vítima, uma vez que esta recusou enviar tais conteúdos ao arguido. ** 83. Também em Maio de 2024, utilizando a conta de “TikTok” de AA9 sem o consentimento desta, o arguido enviou mensagem de texto para AA12, nascida em D-M-2012, titular da conta de “TikTok” “__.ut0016”, fazendo-se passar por AA9. 84. Na mensagem que lhe enviou o arguido comunicou a AA12 que um primo que trabalhava com computadores queria tirar do Twitter fotos nuas de uma pessoa. 85. AA12 contactou AA9, sua amiga, a qual lhe comunicou que a sua conta de “TikTok” tinha sido ilegitimamente acedida. 86. Após o que AA12 não respondeu mais ao arguido. ** 87. No mesmo período temporal, utilizando a conta de “TikTok” de AA9 sem o consentimento desta, o arguido enviou mensagem de texto para AA13, nascida em D-M-2009, titular da conta de “TikTok” “ut0017”, fazendo-se passar por AA9. 88. Na referida mensagem o arguido comunicou a AA13 que hackers possuíam fotografias do seu corpo nu, pois estes tinham acedido à sua câmara de telemóvel e de AA9, por quem o arguido se fazia passar. 89. Nessa sequência, AA13 contactou AA9, a qual lhe comunicou que a sua conta de “TikTok” tinha sido ilegitimamente acedida. 90. Assim, AA13 não respondeu à mensagem enviada pelo arguido. ** 91. No dia 28 de Maio de 2024, cerca das 07.15h, na sua residência, sita na Rua 1, o arguido detinha: i. Um “tablet” da marca/modelo «IPad Pro», com o número de série DLXXQFB3K7RG, no qual foram detetados dois ficheiros multimédia - JVYL..66 e RELF..18 - nos quais é possível visualizar uma criança do sexo feminino, com menos de 15 anos de idade, despida e em poses sexualizadas, a realizar atos de masturbação. a. O primeiro vídeo, denominado JVYL..66, com 15 minutos e 23 segundos, criado em 19 de maio de 2024, às 11H41, trata-se de uma gravação de ecrã de uma videochamada que já tinha iniciado há 2 minutos e 15 segundos. b. A chamada iniciou-se às 11H25 do dia 19 de maio de 2024 e tinha sido estabelecida via Skype com o utilizador “ut0018”. c. No referido vídeo observa-se uma pessoa do sexo feminino, com menos de 15 anos de idade, em que esta aparece, numa casa de banho, sem camisola ou roupa interior na parte superior do corpo, visualizando-se totalmente a zona mamária desnudada da menor; d. Aos 20 segundos do vídeo é ainda possível ver a menor a retirar as cuecas, ficando totalmente desnudada, sendo que, durante a duração do vídeo, massaja a zona dos seios, exibe a sua zona genital e insere os próprios dedos na vagina e simula atos de sexo oral num desodorizante e, posteriormente, numa embalagem de creme. e. Tratam-se de gravações de ecrã de uma videochamada, da aplicação Skype, que é acompanhada de instruções para a realização desses comportamentos sexualizados, por escrito, remetidas pelo utilizador “joos def” para a menor identificada como “ut0018”; f. As referidas instruções são acompanhadas de expressões como “acho que não me entendeste bem, vou enviar já a algumas pessoas, pode ser que aprendas”; g. O segundo vídeo, intitulado “RELF..18”, com 18 minutos e 4 segundos, criado a 20 de maio de 2024, às 01H31, trata-se de uma gravação de ecrã de uma videochamada. A chamada iniciou-se às 01H13 do dia 20 de Maio de 2024 e tinha sido estabelecida via Skype com o utilizador “ut0018”; h. É possível visualizar a menor retratada no vídeo anterior, que se apresenta num quarto, inicialmente de t-shirt e cuecas, as quais retira aos 55 segundos do vídeo, encontrando-se totalmente desnudada. Novamente é possível observar a menor a massajar a zona mamária, bem como, posteriormente, a exibir a zona nadegueira e genital e a inserir os próprios dedos na vagina e, posteriormente, no ânus. i. Aos 17 minutos e 22 segundos a chamada termina, sendo novamente possível verificar, aos 17 minutos e 30 segundos, que a chamada era entre a menor “ut0018” e o utilizador “joost def”. Novamente é possível verificar que as ações e comportamentos da menor eram decorrentes das mensagens do utilizador “ut0019”. ii. Um telemóvel da marca/modelo IPhone 12 Pro, com o número de série DNPDQ07DOD80, com os IMEI´s .............12 e .............78. a. No referido aparelho telefónico o arguido tinha instalado a rede social “TikTok”, na qual utilizava dois perfis de acesso à conta: “ut0004” e “ut0005”. iii. No computador portátil MacBook Pro, com número de série QGWQG2JLHX o arguido tinha: a. Nos ficheiros apagados do computador, seis ficheiros contendo imagens de crianças do sexo feminino nuas com representação dos seus órgãos sexuais, nomeadamente: b. Os ficheiros IMG_..86, IMG_..98, IMG_..22 e IMG_..26, onde é possível visualizar uma criança do sexo feminino, com menos de 15 anos, a qual aparecia também nos vídeos encontrados no equipamento «iPad» do arguido, identificada como “ut0018”. Nestes ficheiros de imagem a menor aparece vestida apenas com uma t-shirt azul escura (idêntica à utilizada nos referidos vídeos), sendo possível visualizar todo o corpo da menor, incluindo a zona mamária e genital. c. Os ficheiros IMG_..89 e IMG_..95, criados no dia 26/05/2024, respetivamente às 13H24 e 13H26, em que é possível observar a criança AA10, nascida em D/M/2008, desnudada com exceção das cuecas, sendo possível visualizar a totalidade da zona mamária da menor. d. No histórico do aplicativo “Safari”, o arguido alterou a palavra-passe de, pelo menos, duas contas da rede social “Instagram”, referentes aos emails ...” e .... 92. Ao atuar da forma supra descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de aceder, sem prévia autorização, a contas das aplicações informáticas “Instagram”, “Twitter” e “TikTok” das vítimas, como se tratasse do seu verdadeiro titular, não obstante saber que o acesso a tal sistema informático lhe era vedado. 93. Agiu também com o intuito de se apropriar das referidas contas informáticas, alterando as respetivas credenciais de acesso e, desse modo, impedindo o acesso às mesmas pelas legítimas titulares. 94. O arguido agiu com o propósito de aliciar as supra identificadas vítimas (com exceção de AA12 e AA13), menores de 18 anos de idade, a enviar-lhe reproduções fotográficas do seu corpo nu e dos seus órgãos sexuais. 95. Agiu também com o propósito predelineado de encenar àquelas vítimas que o arguido se tratava de criança do sexo feminino e que as poderia ajudar a evitar a disseminação de fotografias do seu corpo nu, fazendo-lhes crer que terceiros tinham na sua posse imagens do seu corpo nu, tendo como único fito intimidá-las e forçá-las a enviar-lhe fotogramas do seu corpo nu, a exibir-lhe o corpo nu e a exibir a prática de atos de masturbação por intermédio de videochamada, não obstante ter conhecimento da idade das crianças e que com os seus atos afetava a liberdade de autodeterminação sexual das mesmas. 96. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de deter e alojar em suporte informático fotogramas vídeos nos quais intervêm menores do sexo feminino com idades inferiores a 16 anos em atos que exibem os seus corpos nus, os seus órgãos sexuais e, no caso dos vídeos detidos pelo arguido, a praticar atos de masturbação. 97. O arguido sabia que os ficheiros informáticos supra enunciados, que detinha em suportes informáticos da sua propriedade, se referiam a imagens e capturas de imagens efetuadas a crianças nuas e seminuas, a exibirem os seus corpos e órgãos genitais. 98. Não obstante, rececionou e guardou tais ficheiros. 99. Agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal. * 100. No período a que se reportam os factos objeto dos autos, AA1, solteiro, estudante na Escola Superior de Artes e Design ... (ESAD....), residia durante as épocas letivas num quarto arrendado numa casa que partilhou com outros estudantes nas .... 101. Com um percurso escolar normativo, com registos de sucesso ao nível da aprendizagem e de comportamento, o arguido deu entrada no ensino superior aos 17 anos de idade, no Curso Design e Multimédia na Universidade ..., do qual veio a desistir, por não se identificar com o plano curricular, e por eleger o Curso de Design Gráfico na ESAD...., que apresenta uma componente mais artística, com a qual se identifica. 102. Ao atingir a maioridade, ainda a residir com a mãe, AA1 revelou uma mudança comportamental, com rebeldia e aparente sentido de autonomia desresponsabilizante, particularmente, com impacto na relação com aquela. 103. Nesse período, o arguido iniciou o consumo de drogas leves, adições que manteve até aos 21 anos de idade, quando considerou serem estas desorganizadoras do seu estado mental, relacional, e até, comprometedores da sua criatividade. 104. Após alguns relacionamentos amorosos furtuitos, em maio de 2023, AA1 iniciou a primeira e única relação de namoro, com uma colega estudante de Artes Plásticas, natural de .... 105. Contudo, decorrido algum tempo, a namorada foi residir para ... e, não obstante ter ponderado vir a cursar o mestrado em ..., posteriormente, optou por continuar a sua formação académica .... 106. AA1 beneficiou de suporte familiar estruturado e funcional, sendo órfão de pai desde os seis anos de idade. 107. A mãe, profissionalmente ativa, é técnica de radiologia, em ..., e a irmã, mais velha, consanguínea, encontra-se emigrada na .... 108. As despesas com a subsistência do arguido e as inerentes à frequência académica e de alojamento foram asseguradas essencialmente pela mãe. 109. Contudo, com alguns rendimentos próprios, o arguido recebia uma pensão de orfandade no montante de 180€ mensal e, ocasionalmente, fruto do seu trabalho artístico, designadamente, quando contratado por entidades publicas (Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais) para a pintura de murais, auferia de variáveis montantes. 110. AA1 dedicava parte do seu tempo livre ao convívio com alguns amigos e conhecidos, nas conversações através das redes sociais e, durante a adolescência, entre os 12 e 18 anos de idade, praticou basquetebol federado. 111. Em contexto de entrevista em meio prisional, AA1 demonstrou uma postura de cooperação, não se coibiu de contextualizar o seu percurso de vida, revelou consciência da situação jurídico-penal e das razões que estão na origem do presente processo. 112. Os factos do presente processo tiveram visibilidade através dos meios de comunicação social, particularmente, no meio académico em Caldas da Rainha, mas passaram despercebidos na localidade de residência do agregado de origem do arguido, onde, aparentemente, apenas os familiares próximos (mãe, tios e primos maternos e paternos), conhecem a presente situação jurídico-penal. 113. No caso de vir a ser condenado, e quando abordado sobre a eventualidade de sujeição a avaliação/ intervenção psicoterapêutica direcionada a ofensores sexuais, AA1 expressa a sua concordância. 114. Perante a problemática criminal, ainda que em abstrato, o arguido mostrou-se conhecedor da ilicitude e censurabilidade, embora evidenciando dificuldades em percecionar o real impacto e os danos potencialmente causados nas vitimas. 115. O arguido foi condenado: - Por acórdão datado de 29.09.2021 e transitado em julgado em 29.10.2021, proferido no processo comum coletivo n.º 538/15.5JDLSB do JCC Lisboa, J23, pela prática, em dezembro/2015, 15/02/2017, 17/02/2016, 08/08/2015, 08/07/2015, de três crimes de pornografia de menores, ps. e ps. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. b), do C.P.; um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º 109/09, de 15/09; um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 5, por referência à al. b), do n.º 1, do C.P.; quatro crimes de coação, na forma tentada, ps. e ps. pelos arts. 154.º, nºs 1 e 2, 22.º, nºs 1 e 2, al. a), 23.º, nºs 1 e 2 e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do C.P.; dois crimes de pornografia de menores agravados, ps. e ps. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 6, ambos do C.P.; e um crime de coação, p. e p. pelo art.º 154.º, do C.P., na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, com regime de prova; -Por sentença datada de 14.12.2022 e transitada em julgado em 13.01.2023, proferida no processo sumaríssimo n.º 444/20.1PBCLD, do JLC Caldas da Rainha, J1, pela prática em 08.10.2020, de um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, al. c), ambos do C.P. , na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €5,00, perfazendo o total de €750,00. 116. Na sequência da conduta do arguido, AA10 sentiu medo e vergonha, sentindo-se ameaçada. 117. Em casa, fechava-se no quarto, não querendo estar com a família, não relatando o sucedido. 118. Na sequência da conduta do arguido, AA7 sentiu-se triste. 119. Na sequência da conduta do arguido, AA8 sentiu-se (e sente-se) triste e envergonhada. Factos não provados: Da discussão da causa, não resultaram provados os seguintes factos: A) O arguido disse a AA3 “que a Polícia Judiciária estava a investigar uma lista de contas que tinham sido usurpadas, e que AA3 era uma das vítimas”. B) Em mensagem que o arguido remeteu a AA5, enviou fotogramas representando o seu corpo nu e dizendo que, caso não fizesse o que aquele pretendesse, divulgaria as referidas imagens na Internet e junto dos seus seguidores. C) O arguido solicitou a AA5 que introduzisse os seus dedos na vagina, o que esta fez. D) Disse-lhe “que se não se engasgasse divulgaria tudo, inclusive a videochamada que estavam a fazer”. E) Em seguida, o arguido obrigou a vítima a efetuar nova videochamada, a qual durou cerca de cinco minutos, tendo repetido os atos supra descritos. F) O arguido disse ainda à vítima que tinha que lhe remeter três vídeos do seu corpo nu e a praticar atos de natureza sexual tendo em vista impedir a divulgação das suas imagens. G) Com receio da atuação do arguido, a vítima remeteu ao arguido três ficheiros de vídeo, os quais representavam a imagem do seu corpo nu e rosto e nos quais tocava nos seus seios e vagina e introduzia dedos na sua vagina. H) O arguido disse a AA6 que as suas fotos iriam ser divulgadas na Internet naquele dia pelas 08.00h. I) AA15 remeteu as fotografias de AA6 para a conta de “Instagram” identificada como ut0011”, sendo que em duas fotografias somente era visível a zona genital da vítima. J) O arguido contactou AA7 para o perfil “ut0003_”. K) Disse-lhe que as imagens iriam ser divulgadas até às 07.00h. L) O arguido disse a AA8 que tinha um primo que trabalhava na Polícia Judiciária e que seria necessário efetuar a comparação das fotografias do seu corpo nu com as fotografias que circulavam na Internet. M) E de que as imagens íntimas seriam divulgadas pelos familiares e amigos de AA8. N) AA8 remeteu cinco fotogramas ao arguido. O) E este comunicou-lhe que as fotografias não tinham a qualidade necessária. P) AA8 efetuou videochamada para a conta de Instagram do arguido “ut0010”. Q) No dia 24-05-2024, o arguido enviou mensagem escrita para AA9, identificando -se como sendo uma pessoa do sexo feminino. R) O arguido disse a AA9 que o seu irmão trabalhava com computadores. S) O arguido disse a AA9 que se disponibilizava a verificar se também havia imagens do corpo nu da vítima nesse grupo de “Telegram”, solicitando-lhe, para o efeito, que tirasse uma fotografia em frente ao espelho e que a enviasse para o perfil da própria, ao qual o mesmo já tinha, entretanto, acedido. T) O arguido disse a AA11 que a forma para resolver a situação seria enviar uma fotografia para o referido primo. U) O arguido contactou AA12 a 26/05/2024. V) Na mensagem que lhe enviou o arguido comunicou a AA12 que “um hacker possuía fotografias do corpo nu de AA10”. W) AA12 não respondeu à mensagem enviada pelo arguido. X) O arguido não logrou obter fotogramas do corpo nu de AA12, conforme era sua intenção. Y) O arguido não logrou obter fotogramas do corpo nu de AA13, conforme era sua intenção. Z) Na sequência da conduta do arguido, AA10 sentiu humilhação. AA) Pedia para lhe levarem as refeições ao quarto. BB) Na sequência da conduta do arguido, AA7 sentiu-se e sente-se envergonhada, vexada e humilhada, sentindo-se, ainda hoje, triste. CC) Passou e passa as noites em sobressalto, apavorada pelo que lhe sucedeu. DD) Face à narrativa ilícita do arguido, nomeadamente, porque lhe deu a ideia que a conseguia espiar através daquele aparelho, a ofendida viu-se obrigada a trocar de telemóvel com receio de voltar a ser importunada. EE) Na sequência da conduta do arguido, AA8 sentiu-se e sente-se vexada e humilhada. FF) Passou e passa as noites em sobressalto, apavorada pelo que lhe sucedeu. GG) Face à narrativa ilícita do arguido, nomeadamente, porque lhe deu a ideia que a conseguia espiar através daquele aparelho, a ofendida viu-se obrigada a trocar de telemóvel com receio de voltar a ser importunada. 2.2. Das questões a decidir a – da retificação do acórdão ad quo Compulsada a matéria factual dada com assente, ao que se crê, verifica-se um manifesto lapso de escrita no ponto 55) dos factos provados, no que tange ao mês em que os mesmos ocorreram. Na verdade, e considerando toda a cadência factual relacionada com o episódio em causa que, em particular tem o seu início em 49), é manifesto que a videochamada descrita em 55) ocorreu no dia 27-07-2023 e não no dia 27-02-2023, como dali consta. Do mesmo modo, analisada a fundamentação e o dispositivo do acórdão recorrido, extrai-se que o mesmo padece, também, de um lapso de escrita no que respeita ao valor da quantia atribuída à ofendida AA2, a título de reparação civil - alínea jj) do dispositivo -, tendo em atenção o que consta em sede de justificação, em concreto na página 87 – tendo em consideração as idades das jovens, o Tribunal julga ajustado arbitrar as seguintes quantia (…) de €700,00 (setecentos euros) a pagar a AA2. Dispõe o artigo 380º, nº 1, alínea b), do CPPenal que que ante erro, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial existente em sentença, o tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à devida correção, sendo que por força do nº 2 do dito inciso legal, em caso de situação recursiva já existente no Tribunal ad quem, a correção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer o recurso7. Atendendo ao supra exposto, é manifesto que emergem dois lapsos de escrita, que poderão ser corrigidos nos termos do referido normativo legal, uma vez que a dita alteração não implica uma modificação essencial da decisão. Desta forma, afigura-se ser de retificar o acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 380º, nº 1, alínea b) do CPPenal, nos seguintes termos: i)Ponto 55) dos Factos Provados: onde se lê “27-02-2023” deve ler-se “27-07-2023”; ii)Alínea jj) do Dispositivo: onde se lê “€7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a AA2” deve ler-se “€700,00 (setecentos euros), a AA2”. * b – da nulidade por falta de queixa das ofendidas AA14, AA7, AA9 e AA10, ou dos seus legais representantes, relativamente aos crimes de acesso legítimo e de dano relativo a programas e dados informáticos Neste segmento, e como primeira nota, impõe-se, ainda que telegraficamente, apurar da dimensão da admissibilidade recursiva, no caso presente. O objeto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões da respetiva motivação – artigo 412º nº 1, in fine, do CPPenal –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas8. Nos termos previstos no artigo 434º do CPPenal, o Supremo Tribunal de Justiça conhece, em regra, apenas da matéria de direito. Por sua vez, dispõe o artigo 432º, nº 1, alínea c) do mesmo diploma legal que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça de (…) acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º. Ora, atentando na decisão recorrida, verifica-se que o recorrente foi condenado nas penas parcelares de 3 meses de prisão [crime de acesso ilegítimo], 1 ano e 8 meses de prisão [crime de pornografia de menores], 2 anos de prisão [crime de pornografia de menores], 2 anos de prisão [crime de pornografia de menores], 2 anos e 6 meses de prisão [crime de pornografia de menores], 4 meses de prisão [crime de acesso ilegítimo], 1 ano e 10 meses de prisão [crime de pornografia de menores], 2 anos de prisão [crime de pornografia de menores], 3 meses de prisão [crime de acesso ilegítimo], 2 anos de prisão [crime de pornografia de menores], 1 ano e 6 meses de prisão [crime de pornografia de menores], 4 meses de prisão [crime de acesso ilegítimo], 9 meses de prisão [crime de dano relativo a programas e a dados informáticos], 2 anos de prisão [crime de pornografia de menores], 3 meses de prisão [crime de acesso ilegítimo], 9 meses de prisão [crime de dano relativo a programas e a dados informáticos], 1 ano e 8 meses de prisão [crime de pornografia de menores] e 10 meses de prisão [crime de pornografia de menores] e , em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos de prisão. Verifica-se, assim, que as penas parcelares em que o arguido foi condenado são, todas elas, inferiores a 5 anos de prisão. Todavia, das alegações de recurso apresentadas pelo arguido recorrente verifica-se que apenas está em causa a apreciação de questões de direito (ausência de queixa e adequação da medida das penas parcelares e da pena única). Ora, tem sido entendimento jurisprudencial consensual a admissibilidade de recurso per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões em que a pena única seja superior a 5 anos de prisão, não obstante as penas parcelares aplicadas a cada um dos ilícitos que integram esse cúmulo jurídico serem inferiores a esse limite. Tal entendimento encontra-se refletido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2017, onde se pode ler que (…)A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo‑lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas. Como tal, em face do exposto, é este Supremo Tribunal competente para conhecer do recurso interposto, em tudo o que concerne com a vertente criminal. Neste seguimento, olhe-se, então, ao concreto questionamento trazido pelo arguido recorrente, neste conspecto. Invoca o arguido que (…) o procedimento criminal pelos referidos 5 crimes de acesso ilegítimo p.p. pelo artigo 6 nº 1 da Lei 109/2009, depende de queixa, nos termos do nº 7 do mesmo artigo; e o procedimento criminal pelos 2 crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos p.p. pelo artigo 4 nº 1 da referida Lei 109/2009, depende de queixa, nos termos do nº 6 do mesmo artigo. Ora, aqueles crimes de acesso ilegítimo são por referência aos utilizadores: (…) “ut0001”, de AA12 (…) “ut0002”, de AA5 (…) “ut0003”, de AA7 (…) “ut0014”, de AA9 (…) “ut0005”, de AA10 (…) Apenas a representante da menor AA16, declarou desejar procedimento criminal pelos factos de acesso à conta (…) (n)ão se encontrando nos autos de denúncia, ou nas declarações posteriores, qualquer manifestação de vontade do exercício do direito de queixa, pelo acesso ilegítimo (…) aos 2 crimes de dano, por referência às contas e dados de AA9, a AA10, não é manifestado nos autos de notícia, que relatam a existência de “fotografias”, nem em quaisquer declarações dos seus representantes legais o exercício do direito de queixa pelo dano relativo aos programas e dados informáticos (…) assim (…) relativamente aos quatro crimes de acesso ilegítimo, dos dados de AA12, AA7, AA9 e AA10 (…) relativamente aos crimes e dano relativos a AA9 e AA10 (…) (n)ão foi exercido o direito de queixa, pelas legais representantes das menores (…) o procedimento criminal, por tais factos, não podia prosseguir, nos termos do artigo 49 nº 1 e 52º do CPP e 113 do CP (…) foi cometida a nulidade insanável prevista no artigo 119 al. b) do CPP, por referência aos artigos 49 e 52 do mesmo CP. De outra banda, o Digno Mº Pº, concretizando e o ilustrando, refere que, contrariamente ao pugnado pelo arguido recorrente, é patente nos autos que todas as ofendidas ou respetivos representantes legais, de tais ilícitos, apresentaram queixa pelos factos de que foram vítimas. O artigo 48º do CPPenal estabelece a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, estabelecendo que lhe incumbe, por regra, a promoção e a prossecução processual, independentemente da manifestação de vontade de qualquer indivíduo para esse efeito, prerrogativa prevista constitucionalmente no artigo 219º da CRP9. Contudo, esta regra da oficialidade compreende as exceções previstas nos artigos 49º a 52º do CPPenal, no que concerne aos crimes com natureza semipública e particular, sendo que (…) [n]esses casos específicos, a mera notitia criminis não desencadeia ipso facto a perseguição e a prossecução criminal oficiosa, carecendo (…) da existência (e manutenção) da queixa (art. 49.º) e, nalguns casos, (art. 50.º), mesmo da dedução de uma acusação particular (art. 285.º). a normal atividade oficiosa do MP é aqui substituída pelo necessário impulso prévio ou subsequente da vítima, constituída como assistente. Sem ele, por mais prementes que sejam as necessidades punitivas, o MP não pode iniciar ou prosseguir com o processo(…)10. Assim, a existência de uma queixa consubstancia, no caso de ilícitos com natureza semipública, um verdadeiro pressuposto processual, sem o qual o processo não poderá prosseguir, fixando o artigo 113º do CPenal o regime da titularidade para o exercício do direito de queixa11, indicando, por sua vez, o artigo 49º do CPPenal o caminho a tomar para esse exercício12. Cotejando estes dispositivos legais, tanto quanto se crê, não decorre da Lei a exigência / demanda de qualquer tipo de formalidade ou modelo específico para a queixa, devendo a mesma consubstanciar uma simples declaração incondicionada, segundo a qual o titular do respetivo direito revela uma intenção inequívoca, no sentido de pretender o procedimento criminal por determinado facto, não carecendo de motivação, nem estando sujeita a nenhum formalismo legal, podendo ser escrita ou, mesmo, oral, desde que seja apta para transmitir a vontade do ofendido13. Ora, in casu, segundo invoca o arguido nas presentes alegações recursivas, não foi exercido o direito de queixa relativamente aos cinco crimes de acesso ilegítimo (artigo 6º, nº 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro), nem quanto aos crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos (artigo 4º, nº 1, da referida Lei), pelos quais foi condenado. No que respeita ao crime de acesso ilegítimo, preceitua o referido artigo 6.º, n.º 7 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, que (…)[n]os casos previstos nos n.os 1, 4 e 6 o procedimento penal depende de queixa (…). Do mesmo modo, no que concerne ao crime de dano relativo a programas e a dados informáticos, prevê o artigo 4º, nº 6 da citada Lei que o procedimento penal depende de queixa. Trata-se, assim, de dois ilícitos de natureza semipública. Visitando todo o acervo processual existente, parece que o arguido recorrente não tem a menor razão no que aqui aduz. Com efeito, relativamente à ofendida AA14, a mesma prestou declarações perante a Polícia Judiciária, relatando, em suma, os factos em causa nos presentes autos (acesso e utilização da sua conta de instagram, os quais se encontram vertidos nos Factos Provados nos 3 e 4), tendo terminado o seu depoimento afirmando que “pretende procedimento criminal contra a pessoa que praticou estes factos” (fls. 159 dos autos principais). Por seu turno, a ofendida AA5, nascida a D/M/2007, à data com 15 anos, deslocou-se, acompanhada da sua progenitora, a 26/07/2023, à Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de Viseu, descrevendo a factualidade que, no essencial, resultou assente, no que respeita aos acessos não autorizados à sua conta da rede social Instagram (Factos nos 36, 42 e 43), e manifestando a vontade de desejar procedimento criminal contra o arguido, em conformidade com os documentos de fls. 34 e 35 do apenso C. Ademais, a ofendida AA7, nascida a D/M/2007, à data com 16 anos, deslocou-se, acompanhada da sua progenitora, a 27/07/2023, à Guarda Nacional Republicana, Comando Territorial de Aveiro, manifestou a vontade de desejar procedimento criminal contra o arguido (no que respeita ao acesso não autorizado da sua conta de Instagram, descrito no facto provado nº 49), em conformidade com os documentos de fls. 56 e 56, verso, do apenso E. Finalmente, no que concerne à ofendida AA9, consta de fls. 1384 dos autos principais, em 22/11/2024, o seu desejo de pretender procedimento criminal contra o arguido, o mesmo sucedido relativamente à ofendida AA10, cujo requerimento nesse sentido, datado de 22/11/2024, se encontra a fls. 1385, por referência aos factos que haviam relatado, que se encontram vertidos na factualidade provada (Factos Provados nos 63, 64, 65, 75, 76, 77, 83 e 87). Verifica-se, assim, com imediata clareza que ao contrário do invocado pelo arguido recorrente foi exercido o direito de queixa por parte das referidas ofendidas, inexistindo qualquer nulidade que cumpra declarar. Deste modo, e sem necessidade de mais considerações, sucumbe o mencionado fundamento recursivo. * c-penas impostas (parcelares e única), sua adequação e justeza Outro vetor em discussão prende-se com as penas impostas – seu quantum e inerente justeza e adequação – tanto no que respeita às penas parcelares como à pena única fixada. Neste particular fragmento recursivo, defende o arguido que (…) (a)s penas parcelares estão exageradas, tendo em conta que, além do mais, as imagens que foram encontradas não foram divulgadas, nem ficou provada a intenção de as divulgar (…) não obstante a vergonha e medo sentido pelas menores, o dano não se alastrou ao conhecimento público ou de outras pessoas, ficando limitado no tempo e no espaço (…) as penas parcelares devem ser reduzidas de 1/3, sendo o limite máximo da pena única também reduzida de 1/3 (…). De seu lado, o Acórdão recorrido, no que à determinação da medida concreta das penas parcelares concerne, abordando os diversos quadros criminais em causa, aponta (…) as exigências de prevenção geral positiva revestem particular intensidade, em atenção à recorrência, em geral, dos delitos em presença e à necessidade, em particular, de os prevenir em contextos como aqueles em que, no caso, tiveram lugar, assim se correspondendo às legítimas expectativas da comunidade na validade e vigência das normas violadas (…) (a)s transformações que a sociedade sofreu na última década, designadamente, ao nível das interações pessoais, com multiplicação de situações em que há divulgação por meios informáticos de imagens de cariz sexual, tornaram as exigências de prevenção geral que esta criminalidade reclama elevadas e em processo de crescimento (…) crimes desta natureza constituem hoje uma proeminente preocupação social, dado que a sociedade atual se consciencializou da problemática em causa, assumindo uma firme atitude crítica e de rejeição deste tipo de situações, repudiando-as firmemente (…) exigências de prevenção especial são também de relevo, pois a conduta do arguido revela falhas graves ao nível da sua formação ética, que impõe a necessidade do mesmo fazer algum investimento no desenvolvimento das suas competências pessoais, exigindo assim um esforço acrescido de ressocialização (…) no caso “sub judice”, haverá de atentar-se ao número global de crimes praticado pelo arguido – 18 – sendo sete deles puníveis, alternativamente, com pena de multa. O arguido apresenta (…) antecedente criminal por crime referente à Lei do Cibercrime – acesso ilegítimo – no âmbito do qual foi condenado a uma pena de prisão, suspensa na sua execução, tendo praticado os factos objeto destes autos precisamente no período dessa suspensão (…) foi condenado por três outros crimes de pornografia de menores, ps. e ps. pelo art.º 176.º, n.º 1, al. b), do C.P.; um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.º, n.º 5, por referência à al. b), do n.º 1, do C.P.; quatro crimes de coação, na forma tentada, ps. e ps. pelos arts. 154.º, nºs 1 e 2, 22.º, nºs 1 e 2, al. a), 23.º, nºs 1 e 2 e 73.º, n.º 1, als. a) e b), todos do C.P.; dois crimes de pornografia de menores agravados, ps. e ps. pelos arts. 176.º, n.º 1, al. b) e 177.º, n.º 6, ambos do C.P.; e um crime de coação, p. e p. pelo art.º 154.º, do C.P. Foi, ainda, condenado, pela prática de um crime de dano qualificado, p. e p. pelos artigos 212.º, n.º 1 e 213.º, n.º 1, al. c), ambos do C.P. , numa pena de multa (…) o arguido cometeu 18 crimes quando já apresentava antecedentes criminais pela prática de 13 crimes, estando a cumprir uma pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de 12 desses crimes que integram os seus antecedentes criminais, sendo um de acesso ilegítimo (…) (n)ão pode este Tribunal fazer, assim, uma avaliação positiva das suas condutas anteriores, nomeadamente pelo facto de o arguido revelar propensão para delinquir e um desrespeito pelas advertências contidas nas anteriores condenações (…) as exigências de prevenção especial – quer na vertente da socialização, quer na vertente do ponto de vista admonitório -, se manifestam de uma forma premente (…) (o) número de crimes ora em apreciação bem como os vertidos no registo criminal do arguido demonstram que os factos dos presentes autos não constituíram um caso isolado no contexto de uma vida fiel ao direito, inserindo-se, ao invés, num percurso criminoso já significativo e relevante (…) o arguido persiste nas condutas desviantes, cometendo 18 crimes na pendência de uma pena suspensa, o que é revelador de uma total indiferença pelas consequências penais das suas condutas (…) o arguido tem uma personalidade desconforme ao direito, verificando-se, por isso, uma necessidade de maior intervenção ressocializadora através da pena (…) a expressiva gravidade objetiva, intrínseca e extrínseca, dos factos em análise reclama à justiça a tomada de respostas firmes e rigorosas (…) consideramos que a aplicação de pena de prisão se mostra indispensável, para que não sejam postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expetativas comunitárias, já que não se está perante ilícitos anódinos, de menor dimensão, de uma qualquer “bagatela penal”, sem consequências, sem desvalor de resultado, tanto mais que praticados na era em que a cibercriminalidade ganha preponderância fulcral, atenta a preponderância dos meios digitais no relacionamento social, o que justifica como prementes e elevadas as necessidades de prevenção geral quanto a tais ilícitos, com “alvos fáceis” e de tenra idade, sendo cada vez mais precoce, não se esqueça, o acesso aos meios digitais pelos mais novos e inexperientes, reforçando-se, assim, as necessidades de prevenção e de salvaguarda de tais normas penais (…) militam, essencialmente, a natureza dos crimes em questão, o modo como foram praticados e, sobretudo, as circunstâncias que envolveram a prática dos mesmos, causadores de elevado alarme social elevado, impondo a opção por pena privativa da liberdade (…) (p)ela frequência da prática criminosa descrita, a pena de prisão é aquela que se apresenta com maior potencial de êxito, de sucesso, ao nível dissuasor (…) a imposição ao arguido de uma pena de multa mostrar-se-ia incompreensível para a generalidade da comunidade jurídica e perturbaria a confiança do público no direito, para além de representar para o arguido uma censura ética muito suave, destituída de suficiente poder persuasor para se alcançar o proposto e desejável objetivo de prevenção especial (…) a aplicação ao arguido de pena de multa quanto aos crimes que a admitem não satisfaz já, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, razão pela qual se opta por aplicar-lhe pena de natureza detentiva (…) o grau de ilicitude considera-se médio alto quanto aos crimes de acesso ilegítimo e dano relativo a programas e a dados informáticos, tendo sido praticados como meio de consumação de crimes de pornografia de menores; o número de acessos foi maior quanto à conta de Instagram “_ut0002_” e quanto ao perfil de “Tik Tok” “ut0004”; elevado relativamente aos crimes de pornografia, atenta a ameaça com divulgação de fotos na Internet, cuja proliferação é extremamente rápida e, por conseguinte, tem um efeito persuasivo bastante forte, tendo sido praticados os crimes com jovens de 12, 13, 15, 16 e 17 anos de idade, sendo proferidas, em alguns casos, injúrias e envolvendo os atos praticados quer o envio de fotos de nudez quer a realização de chamadas onde as jovens praticavam atos de masturbação; a ilicitude é, ainda, elevada, atenta a circunstância do arguido se ter feito passar por outras jovens e, na maioria dos casos, da área de conhecimento das vítimas, o que lhes aumenta a confiança; o arguido causou a AA10 medo e vergonha, sentindo-se ameaçada, tristeza em AA7 e tristeza e vergonha em AA8; quanto ao crime previsto no n.º 5, do artigo 176.º, os ficheiros guardados pelo arguido foram seis (…) o modo de execução mantém a censura no mesmo patamar de reprovação, já que evidencia o desprezo do arguido pelos bens jurídicos violados. Todo o contexto em que ocorreram os factos denuncia um profundo desfasamento perante os valores éticos comummente aceites pela sociedade (…) o arguido atuou com dolo direto (…) tem os antecedentes criminais (…) tem as condições pessoais descritas (…) as exigências de prevenção geral, como supra aludido, são elevadas e prementes, atendendo ao crescente número de crimes desta natureza praticados e à necessidade de desincentivar o seu cometimento, face à facilidade de acesso a informação de terceiros potenciada pela utilização da Internet, sendo necessário salvaguardar a utilização das novas tecnologias a menores - das quais não se poderão desvincular, atento o modus vivendi e a proliferação do uso de meios informáticos em todas as áreas da vida - sem serem alvo de atos atentatórios dos seus direitos fundamentais (…) quanto à prevenção especial (…) revela-se alta, tendo em consideração os antecedentes criminais do arguido e o facto de ter praticados os 18 crimes objeto dos autos na pendência de uma pena suspensa pela prática de crimes de teor idêntico, demonstrando uma total indiferença aos potenciais danos causados a menores (…). Refira-se, desde já, ser entendimento pacífico e sedimentado que o recurso em matéria de pena não é uma oportunidade para o tribunal ad quem fazer um novo juízo sobre a decisão em revista, sendo antes um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo Tribunal recorrido e que sobreleve de todo espetro decisório. Por outro lado, ao que se pensa, exige-se ao recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal de recurso o que de errado ocorreu nesta vertente. Verdadeiramente, tanto quanto se crê, há muito que a doutrina e jurisprudência se mostram firmadas, no sentido de que em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico, apontando para que a intervenção do tribunal de recurso se deve cingir à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e regularidade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstrata determinada na lei, sendo que observados os critérios globais insertos no artigo 71º do CPenal, a margem do julgador dificilmente pode ser sindicável14. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida, suscitado pela via recursiva, não deve afastar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que ainda se revele congruente, proporcional, justa e acertada15. Há, também, que atender, ao que se vem defendendo, no exercício a realizar para se determinar a medida concreta da pena a fixar e, dando cumprimento ao disposto no artigo 70º do CPenal, como primeira operação que urge levar a cabo é, se aplicável, a de optar entre uma pena privativa da liberdade ou uma pena não detentiva - se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Por outro lado, do que plasma o artigo 40º, nº 1 do CPenal, os fins visados com a imposição de uma pena consistem na proteção dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade sendo que, escolhido o tipo de penalidade adequado e apto ao alcance de tal, demanda-se a observância articulada do disposto nos 40º e 71º do CPenal. Sublinhe-se, também, que o limite máximo da pena a impor está balizado pela culpa do agente pois, no sistema penal vigente impera o princípio basilar que assenta na compreensão de que toda a pena repousa no suporte axiológico–normativo de culpa concreta (artigo 13.º do CPenal), o que sempre terá como consequência que se admita ainda a ausência de pena sem culpa, e se condicione os seus limites máximos à intensidade daquela16. Quanto às finalidades das penas, colhe, ainda, fazer notar que o vetor da proteção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva), significando, também, essa proteção, a prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente.17 Assim, para a aferição da medida concreta da pena haverá que considerar primeiro a delimitação rigorosa da moldura penal abstratamente aplicável ao caso concreto, determinando, nos limites mínimos e máximos daquela, a pena concretamente a aplicar, em consonância com o vetor axiológico-normativo que atrás se deixou exposto. E, neste percurso, há que atender a todos os elementos que, não fazendo parte integrante do tipo, depuserem a favor ou contra o agente, atendendo-se, de entre outras circunstâncias, às vertidas no nº 2 do artigo 71º do CPenal. Deste modo, apelando ao dito normativo cabe sopesar, designadamente: - O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); - A intensidade do dolo ou negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; - As condições pessoais do agente e a sua situação económica; - A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As necessidades de prevenção geral positiva visam estabilizar as expectativas comunitárias na validade da norma violada. Desta forma, (…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida18. Relativamente aos crimes de pornografia de menores, parece indubitável que são elevadas as exigências de prevenção geral, tendo em consideração o bem jurídico protegido – a autodeterminação sexual do menor de 18 anos – e a intensa perturbação social que estas condutas causam, ofendendo de forma fundamental a personalidade das crianças e jovens. Acresce que tal atuação conduz a uma intensa sensação de insegurança, sentida pela comunidade, atendendo, nomeadamente, ao meio utilizado – abordagem dos menores através das redes sociais, fazendo-se passar por outra pessoa. Deste modo, a utilização da internet para a prática de ilícitos de natureza sexual afeta de modo particularmente intenso a sociedade, alastrando-se um sentimento de enorme falta de controlo e existência de um perigo invisível e imprevisível, não obstante os menores se encontrarem, muitas das vezes, alegadamente em segurança dentro da sua residência. Trata-se, naturalmente, de um ilícito consideravelmente grave e que gera o repúdio e alarme por parte da sociedade em geral. Do mesmo modo, afiguram-se também prementes as necessidades de prevenção geral, no que concerne aos crimes praticados por via de equipamentos informáticos, pelos quais o arguido foi condenado (dano relativo a programas ou outros dados informáticos e acesso ilegítimo) atendendo ao sentimento de fragilidade e ausência de segurança e fiabilidade na utilização desses equipamentos, os quais são usados diariamente pela comunidade, em particular pelos jovens que, como se notou, se apresentam como mais indefesos. Por sua vez, no que respeita à prevenção especial, a mesma divide-se em prevenção especial positiva, visando a reintegração do agente na sociedade, e negativa, com vista a evitar a nova prática de ilícitos penais. Assim, (…)[d]entro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...). A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena19. No retrato em apreço, as necessidades de prevenção especial afiguram-se ser, em particular, de significado. É certo que milita a favor do arguido a sua integração familiar e social, encontrando-se, à data dos factos, a estudar na Escola Superior de Artes e Design de .... Ademais, o arguido mostrou-se conhecedor da ilicitude e censurabilidade das suas condutas. Todavia, importa referir que o arguido ao tempo já exibia antecedentes criminais relevantes, tendo sido condenado por acórdão transitado em julgado a 29 de outubro de 2021, pela prática, em 2015, 2016 e 2017, de quatro crimes de pornografia de menores, um crime de acesso ilegítimo, quatro crimes de coação, na forma tentada, dois crimes de pornografia de menores agravados, um crime de coação, na pena única de três anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos, com regime de prova. Verifica-se, assim, que não só o arguido já havia sido condenado por crimes idênticos aos aqui em causa, como praticou os factos em discussão nos presentes autos durante o período de suspensão da pena, sendo revelador do insucesso da mesma na contenção do impulso criminoso do arguido, vindo este a reiterar na prática de condutas ilícitas particularmente gravosas, do mesmo cariz e intensidade. Por outro lado, o arguido agiu com dolo direto, o mais grave, tendo atuado com total intenção de praticar os ilícitos em causa nos presentes autos, e evidencia dificuldades em percecionar o real impacto das suas condutas e dos danos causados nas vítimas. Relativamente à culpa, encarada como reflexo da ilicitude dos factos, a mesma é consideravelmente elevada, tendo em atenção que não poderia de forma alguma desconhecer a gravidade das suas condutas, a idade das ofendidas (algumas com apenas 12 e 13 anos) e as consequências das mesmas. Neste ensejo, no que respeita aos crimes de acesso ilegítimo, a moldura abstratamente aplicável situa-se entre 1 mês e 1 ano de prisão ou pena de multa até 120 dias. No que concerne à punição pela prática dos crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos, o referido ilícito é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa20. Atendendo às circunstâncias já referidas, nomeadamente aos antecedentes criminais do arguido, e que os crimes de acesso ilegítimo e de dano relativo a programas e a dados informáticos visaram a facilitação da prática de crimes de pornografia de menores, na esteira do adiantado na decisão em sindicância, afigura-se manifesto não ser a pena de multa suficiente para satisfazer as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, a qual se subscreve inteiramente e para onde se remete. Consideram-se, igualmente, perfeitamente adequadas, proporcionais e não excessivas as penas concretamente aplicadas – uma pena de 3 meses de prisão para cada um dos crimes de acesso ilegítimo, quanto aos utilizadores “ut0001”; “ut0003_”; e “ut0005”; e uma pena de 4 meses de prisão quanto ao utilizador do instagram “_ut0002_” e quanto ao utilizador do Tik Tok “ut0004”, atendendo a que, relativamente a estes dois últimos, o número de acessos foi maior. Atendendo à moldura penal aplicável e a todos os fatores já elencados supra, não se afiguram excessivas as penas de 9 meses de prisão, para cada um dos crimes de dano relativo a programas e a dados informáticos, encontrando-se essa medida abaixo do terço inferior da moldura abstratamente aplicável. No que respeita aos crimes de pornografia de menores, previstos no artigo 176º, nº 3, do CPenal, a conduta do agente é punida com pena de prisão entre 1 e 8 anos. Exulta adequada a ponderação efetuada pelo Tribunal recorrido, no sentido de atribuir relevância à idade concreta de cada uma das vítimas, uma vez que é manifestamente mais gravosa a conduta do arguido quanto mais nova é a menor visada. Assim, no caso relativo às ofendidas AA2 (12 anos de idade, quase a atingir os 13 anos), AA9 (16 anos) e AA11 (13 anos), não obstante as insistências nesse sentido do arguido, pelas mesmas não foi enviada qualquer fotografia. Deste modo, cogita-se como adequada a fixação de uma pena mais próxima do mínimo, de 1 ano e 8 meses de prisão relativamente à conduta em que foram visadas as ofendidas AA2 e AA11, atendendo à sua idade, e de 1 ano e 6 meses de prisão, quanto a AA9, uma vez que esta, à data dos factos, já havia atingido os 16 anos de idade. No que respeita às condutas perpetradas contra AA3 (13 anos), AA6 (17 anos), AA7 (16 anos) e AA10 (15 anos), afiguram-se apropriadas as penas parcelares fixadas, também todas elas no quarto inferior da moldura abstratamente aplicável. Deste modo, atendendo à idade da menor AA3, de apenas 13 anos, é manifesto que a conduta assume maior gravidade, razão pela qual é fixada a pena de 2 anos de prisão, pelo envio de uma fotografia do seu corpo nu. A pena de 2 anos de prisão é aplicada a ambas as menores AA7 e AA10, tendo em consideração que as mesmas tinham, à data dos factos, 16 e 15 anos de idade, respetivamente, tendo as mesmas procedido ao envio de três fotografias, sendo que em duas das fotografias remetidas pela ofendida AA7 a mesma se encontrava completamente despida. Afigura-se proporcional a pena de 1 ano e 10 meses de prisão, no que concerne à ofendida AA6, atendendo a que esta, não obstante ter enviado cinco fotogramas da parte traseira do corpo despido, se encontrava quase a atingir a maioridade. Consideram-se mais gravosas as condutas adotadas contra as ofendidas AA4 e AA8, uma vez que, a par do envio de fotografias, realizaram videochamadas onde exibiram ao arguido, em tempo real, a imagem do seu corpo nu, o que necessariamente se reflete na pena concretamente aplicada pelo que, apesar de as mesmas se encontrarem quase a atingir a maioridade, afigura-se proporcional a pena concreta de 2 anos de prisão. Finalmente, a conduta perpetrada contra a menor AA5, de 15 anos, assume uma ilicitude mais grave, atendendo a que envolveu o envio de quatro fotogramas do seu corpo nu e a realização de videochamada, em que a vítima se sentou na cama com as pernas afastadas, tocou com os seus dedos na vagina, e simulou que estava a praticar sexo oral com uma embalagem de desodorizante. Durante este período temporal, o arguido disse à vítima que “deveria fingir que se estava a engasgar”, chamando-a “puta” e “badalhoca”. Deste modo, encontra-se plenamente justificada a aplicação de uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão, ainda assim muito abaixo do meio da pena abstratamente aplicável. No que respeita ao crime de pornografia de menores, previsto no artigo 176º, nº 5 do Código Penal21, a moldura aplicável situa-se entre 1 mês e 2 anos de prisão, afigurando-se perfeitamente adequada a fixação de 10 meses de prisão, levemente acima do terço inferior da referida moldura, pela detenção em suportes informáticos de imagens e capturas de imagens efetuadas a crianças nuas e seminuas, a exibirem os seus corpos e órgãos genitais. Ante todo este expendido, desponta como manifesto serem todas as penas em causa perfeitamente adequadas e proporcionais, tendo em consideração a ilicitude dos factos e as necessidades de prevenção, em particular a reiteração criminosa durante o período de cumprimento de uma pena suspensa pela prática de crimes idênticos, não pecando as mesmas por qualquer excesso, face à gravidade concreta das condutas em causa – como se viu, todas elas se encontram fixadas no meio inferior da moldura abstratamente aplicável. Reage, também, o arguido recorrente em matéria de pena única. E neste matiz reativo defende (…) deve ser reduzida de 1/3 a pena única aplicada, depois de levado em conta o desconto do limite máximo, determinado pela eliminação das penas aplicadas pelos crimes de acesso ilegítimo e de dano, que se fixa em 20 anos e 2 meses (…) o limite máximo da pena única rondaria os 15 anos, e a pena única aplicada deveria ser reduzida, por forma a situar-se próxima dos cinco anos (…). Quanto a este segmento o acórdão recorrido anuncia (…) o limite máximo da pena é de 22 anos e 9 meses22 e o limite mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão (…) o cúmulo deve ser o resultado da ponderação dos factos, em geral, e da personalidade do agente (…) o que marca decisivamente a pena unitária é a circunstância dos factos serem considerados apenas como referentes ou significantes da personalidade que se quer punir, sem possuírem - cada um deles – um relevo autónomo e quantificado dentro da pena do concurso (…) (n)a consideração da personalidade (que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos), devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente (…) (v)erifica-se que os factos ora em apreciação estão interligados em termos de contexto situacional, mas nem todos se encontram numa relação de proximidade temporal, tendo sido todos praticados no espaço de um ano – de maio de 2023 a maio de 2024 – assumindo o conjunto dos mesmos uma gravidade elevada. O arguido causou a AA10 medo e vergonha, sentindo-se ameaçada, tristeza em AA7 e tristeza e vergonha em AA8 (…) (e)ntende o Tribunal que tais factos se devem já a uma personalidade desviante, atento o percurso criminal do arguido e a total indiferença que o tempo por que perduraram as condutas objeto dos autos e a natureza dos comportamentos assumidos denotam face às advertências anteriores, estando, inclusivamente, o arguido, a cumprir uma pena de prisão, suspensa na sua execução, aquando da prática de todos os crimes em apreciação. A punição do concurso de crimes emergente do artigo 77º do CPenal encara o sistema da pena conjunta, rejeitando uma visão atomística da pluralidade de crimes, e nessa medida, obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente. Nesse trajeto, encontradas as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Em termos de segundo passo, importa essencialmente atender à unicidade / visão de conjunto, abandonando a ideia de compartimentação em que se fundou a construção de cada uma das molduras singulares que, não apagando a pluralidade de ilícitos perpetrados, antes a converte numa nova conexão de sentido, entendendo-se que a este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Ou seja, a pena única deve formar-se mediante uma valoração completa da personalidade do agente e das diversas penas parcelares, sendo por isso necessário que se obtenha uma visão integrada dos factos, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto, a maior ou menor autonomia, a frequência da comissão dos delitos, a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão, bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento23. Impõe-se o equacionar, em conjunto, a pessoa do autor e os delitos individuais, de modo que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve sempre refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência, sendo que na valoração da personalidade do agente deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delitos ocasionais sem relação entre si24. Há a reter, também, que não emergindo do ordenamento penal português o sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo) nem o da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, este visto não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto os factos e a personalidade do agente25. Releva, ainda, a ponderação do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)26. Toda esta métrica, reclama, por isso, que se fundamente a opção a tomar, por forma a que a medida da pena do concurso não surja como fruto de um ato intuitivo – da «arte» do juiz – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário, pese embora aqui, o dever de fundamentação não assuma nem o rigor nem a extensão dimanados do artigo 71º, podendo, contudo, os fatores enumerados no nº 2 deste inciso servir de mote enformador. Em conformidade com o disposto no artigo 77º, nº 2 do CPenal, a moldura abstratamente aqui aplicável, em termos de pena única, tem um mínimo de 2 anos e 6 meses e um máximo de 22 anos e 11 meses. Afigura-se que o Tribunal a quo foi adequado e criterioso no apuramento da pena única, que se fixou em 8 anos de prisão, situada ligeiramente acima de um terço da diferença entre a pena parcelar mais alta e o limite máximo, tendo a sua decisão sido fundamentada de forma ponderada e pormenorizada, levando em conta as circunstâncias que se afiguravam relevantes para o caso concreto e satisfazendo as necessidades de prevenção, geral e especial, que se impunham. Importa destacar a avaliação global do ilícito, tendo o recorrente praticado 18 crimes no período aproximado de 10 meses, não se verificando existir qualquer ato de onde decorra um juízo de autocensura da sua parte, relativamente aos factos praticados, um passo que fosse de cerceamento dos seus impulsos, um laivo de sentimento de comiseração ante vítimas tão jovens e, por isso, com menos capacidade de proteção e / ou defesa. Pelo contrário, o arguido recorrente foi evidenciando dificuldades em percecionar o real impacto e os danos potencialmente causados nas vítimas, centrando-se apenas e só nos seus desejos e impulsos. Acresce que o arguido recorrente, ao ficar na posse de contas pertencentes às ofendidas, fez-se passar por jovens, algumas que pertenciam ao círculo social das vítimas, com vista à prossecução do crime de pornografia de menores, o que lhes fez aumentar a sua confiança quanto à narrativa apresentada e conduzindo a que enviassem as fotografias em causa e realizassem as videochamadas por ele solicitadas. As consequências da sua conduta são graves, sendo que a ofendida AA10 viveu medo e vergonha, sentindo-se ameaçada, tendo as ofendidas AA7 e AA8 sentido tristeza. Acresce, ainda, como já se mencionou aquando da ponderação do vetor das penas parcelares, os factos em causa nos presentes autos foram praticados durante o período de suspensão da execução de uma pena três anos de prisão, pena que se encontrava a cumprir por ter sido condenado pela prática, em 2015, 2016 e 2017 de quatro crimes de pornografia de menores, um crime de acesso ilegítimo, quatro crimes de coação, na forma tentada, dois crimes de pornografia de menores agravados, um crime de coação. Verifica-se, assim, um acentuar das necessidades de prevenção especial, atendendo a que, confrontado com uma decisão judicial condenatória, pela prática de crimes de idêntica natureza, não conseguiu conter o impulso de reiterar na prática criminal, voltando a delinquir, desta feita praticando dezoito ilícitos em breve espaço temporal, o que desenha um crescente desejo de ir seguindo no mesmo tipo de comportamento. Ademais, o recorrente persiste na falta de consciência da gravidade das suas condutas, verificando-se, como refere o acórdão recorrido, um profundo desfasamento perante os valores éticos da sociedade. Finalmente, de reiterar o já referido supra relativamente às necessidades de prevenção geral, sendo de destacar que se tratam de crimes associados à utilização da internet e redes sociais, impondo-se de forma veemente a necessidade de proteção dos menores da criminalidade que se tem verificado de forma cada vez mais comum, através da utilização deste tipo de tecnologias. Assim, ponderadas as exigências de prevenção especial e geral, já apontadas em sede de determinação da medida concreta da pena, e a situação pessoal do arguido, e considerando globalmente todo o palco factual em presença, mostra-se cristalino, crê-se, que a pena única de 8 anos, encontrada na 1ª instância, muito aquém da mediania possível – 12 anos, 8 meses e 15 dias de prisão -, se mostra justa e adequada, surgindo a mesma como um equilíbrio adequado entre todas as necessidades em confronto. Nesta medida, também baqueia este traço recursório. * d- valores respeitantes à indemnização civil Resulta de todo o espetro decisório que o arguido recorrente, aqui demandado recorrente, foi condenado a pagar, a AA10, quantia de €1.600,00 (mil e seiscentos euros), a AA7, a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a AA8, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa legal de 4% e até efetivo e integral pagamento, contabilizados desde a data da prolação do Acórdão, e a pagar a título de reparação civil, as quantias de €700,00 (setecentos euros), a AA2, de €1.000,00 (mil euros) a AA3, de €1.500,00 (mil e quinhentos euros) a AA4, de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a AA5, de €850,00 (oitocentos e cinquenta euros) a AA6, de €500,00 (quinhentos euros) a AA9 e de €700,00 (setecentos euros) a pagar a AA11. Reza o artigo 400º, nº 2 do CPPenal que (…) [s]em prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada». Acresce que, nos termos do nº 3 desse normativo, se estabelece que (…)[m]esmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. A redação constante do nº 2 deste inciso legal foi conferida pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto, diploma que para além de acrescentar a expressão ‘só’, fez constar uma nova exigência que, anteriormente, não existia – a de que o valor do pedido tem de ser superior à alçada do tribunal recorrido. Por sua vez, o nº 3 do artigo 400.º do CPPenal veio estabelecer a autonomia das regras respeitantes à admissibilidade dos recursos civis face às dos penais, podendo aqueles ser admitidos, não obstante exista irrecorribilidade em termos criminais. Tal normativo foi introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, constando da Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X, que lhe deu origem, que «[p]ara garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal». É, assim, manifesto que mesmo não sendo admissível o recurso penal, nos termos do artigo 400º, nº 1 do CPPenal, os afetados poderão recorrer da decisão em matéria civil, ficando a ação civil independente da penal. Como tal, (…) [d]ispõe o n.º 2, do art.º 400.º, do CPP, com teor normativo semelhante ao do n.º 1, do art.º 629.º, do Código de Processo Civil, que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível “desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. E o n.º 3, do mesmo art.º 400.º, do CPP, estabelece que mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, como é o caso, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. Assim, a admissibilidade do recurso das decisões relativas ao pedido civil deduzido no processo penal depende da verificação cumulativa de dois requisitos: (i) que o pedido tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, sendo que a alçada constitui o limite (definido em regra pelo valor da causa) dentro do qual um tribunal julga sem possibilidade de recurso ordinário; (ii) que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do Tribunal que proferiu a decisão de que se recorre, sendo que a sucumbência (decaimento) constitui o prejuízo ou desvantagem que a decisão implicou para uma parte (que tenha ficado, total ou parcialmente, vencida)27. Por sua vez, fixa o artigo 44º, nº 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que (…)Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de (euro) 30 000,00 e a dos tribunais de primeira instância é de (euro) 5 000,00. Desta forma, resulta claro que o valor mínimo da sucumbência, para efeitos de recurso de uma decisão cível, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, como sucede in casu, é de € 2.500,01 (dois mil, quinhentos euros e um cêntimo). Assim, o acórdão recorrido deveria, relativamente a cada uma das quantias (indemnização e reparação civil) concedidas às diferentes ofendidas, ser desfavorável para o recorrente em montante igual ou superior àquele. Contudo, compulsadas os valores atribuídos, verifica-se que todas eles são inferiores a esse quantitativo. Importa, ainda, referir que para efeitos da determinação seja do valor da causa, seja do valor da sucumbência, não assumem relevância os montantes referentes aos juros moratórios28. Deste modo, e tendo em consideração os montantes indemnizatórios atribuídos, a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância, neste segmento, é irrecorrível, nos termos dos artigos 400º, nº 2 e artigo 420º, nº 1, alínea b), do CPPenal29. Em face do exposto, e uma vez que o despacho que admite o recurso não vincula o tribunal superior, nos termos do previsto nos artigos 414º, nº 3, do CPPenal, determina-se a rejeição, por inadmissibilidade legal, do recurso interposto pelo arguido, relativamente à sua condenação civil. Nessa senda, não há que tomar pronunciamento, no demais, trazido pelo arguido recorrente, neste patamar. III – Dispositivo Nestes termos, acordam os Juízes da 3ª Secção Criminal deste Supremo Tribunal de Justiça em: a. Retificar, o Acórdão recorrido de acordo com o plasmado no artigo 380º, nº 1, alínea b) do CPPenal, nos termos seguintes: - o ponto 55) dos Factos Provados, pelo que onde se lê “27-02-2023” deve ler-se “27-07-2023”; - a alínea jj) do Dispositivo, pelo que onde se lê “€7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a AA2” deve ler-se “€700,00 (setecentos euros), a AA2”. b. Rejeitar, por inadmissibilidade legal, o recurso interposto relativamente à matéria civil; c. Julgar, no mais, totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA1, confirmando-se integralmente o Acórdão Recorrido. * - Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a Taxa de Justiça, em 7 (sete) UC - artigo 513º do CPPenal e artigo 8º, por referência à Tabela III Anexa, do RCP. * O Acórdão foi processado em computador e elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94º, nº 2, do CPPenal), sendo assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos. * Supremo Tribunal de Justiça, 1 de outubro de 2025 Carlos de Campos Lobo (Relator) José Vaz Carreto (1º Adjunto) Antero Luís (2º Adjunto) ________ 
 1. Em diante AA1.↩︎ 2. Referência Citius ...97.↩︎ 3. Consigna-se que apenas se transcrevem as partes do texto que não constituem a reprodução dos diversos articulados existentes e já referidos no Relatório e, bem assim, excertos do Acórdão em sindicância que, em momento oportuno, e se necessário, se referirão. 4. Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A. 5. SILVA, Germano Marques da, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, Universidade Católica Editora, p.335; SIMAS SANTOS, Manuel e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Recursos Penais, 8ª edição, 2011, Rei dos Livros, p.113. 6. Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do STJ, de 12/09/2007, proferido no Processo nº 07P2583, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria, disponível em www.dgsi.pt.↩︎ 7. Artigo 380.º Correcção da sentença 1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: a) (…) b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. 2 – (…) 3 – (…)↩︎ 8. Cf. Acórdão do Plenário das Secções do STJ, de 19/10/1995, in D.R. I-A , de 28/12/1995, já referido na nota 4.↩︎ 9. Onde se pode ler que: «1. Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática. 2. O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei. 3. A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos dos crimes estritamente militares. 4. Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei. 5. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República.»↩︎ 10. GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Artigos 1º a 123º, 2ª Edição, 2022, Almedina, 2.ª edição, pp. 534 e 535. 11. Artigo 113.º Titulares do direito de queixa 1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. 2 - Se o ofendido morrer sem ter apresentado queixa nem ter renunciado a ela, o direito de queixa pertence às pessoas a seguir indicadas, salvo se alguma delas houver comparticipado no crime: a) Ao cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou à pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, aos descendentes e aos adoptados e aos ascendentes e aos adoptantes; e, na sua falta b) Aos irmãos e seus descendentes. 3 - Qualquer das pessoas pertencentes a uma das classes referidas nas alíneas do número anterior pode apresentar queixa independentemente das restantes. 4 - Se o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa, este pertence ao representante legal e, na sua falta, às pessoas indicadas sucessivamente nas alíneas do n.º 2, aplicando-se o disposto no número anterior. 5 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, o Ministério Público pode dar início ao procedimento no prazo de seis meses a contar da data em que tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse do ofendido o aconselhar e: a) Este for menor ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa; ou b) O direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas ao agente do crime. 6 - Se o direito de queixa não for exercido nos termos do n.º 4 nem for dado início ao procedimento criminal nos termos da alínea a) do número anterior, o ofendido pode exercer aquele direito a partir da data em que perfizer 16 anos. 12. Artigo 49.º Legitimidade em procedimento dependente de queixa 1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo. 2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele. 3 - A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais. 4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender da participação de qualquer autoridade. 13. Neste sentido, GAMA, António, LATAS, António, CORREIA, João Conde, LOPES, José Mouraz, TRIUNFANTE, Luís Lemos, SILVA DIAS; Maria do Carmo, MESQUITA, Paulo Dá, ALBERGARIA, Pedro Soares de e MILHEIRO, Tiago Caiado, Ibidem, p. 546. 14. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11/04/2024, proferido no Processo nº 2/23.9GBTMR.S1, onde se pode ler que (…) em conformidade com a jurisprudência uniforme do STJ no sentido da abstenção de princípio do tribunal de recurso na definição do quantum concreto das penas fixadas em tais circunstâncias, por não se verificar qualquer desvio daqueles critérios e parâmetros de que resulte uma situação de injustiça das penas, por desproporcionalidade ou desnecessidade -, de 18/05/2022, proferido no Processo nº 1537/20.0GLSNT.L1.S1, onde consta que (…) A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” -, e de 19/06/2019, proferido no Processo nº 763/17.4JALRA.C1.S1, onde se decidiu que se justifica (…)uma intervenção correctiva quanto à pena aplicada ao arguido, reduzindo-se a pena de (…) para (…) que entendemos adequada e justa e proporcional e que satisfaz as exigências de prevenção, respeitando a medida da culpa -, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 15. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 27/05/2009, proferido no Processo nº 09P0484, onde se pode ler que (…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada -, disponível em www.dgsi.pt. 16. Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15/04/99, proferido no Processo nº 243/99. 17. Neste sentido, PALMA, Maria Fernanda, Casos e Materiais de Direito Penal, 2ª edição, 2022, Almedina, p. 32. 18. SANTOS, Manuel Simas e LEAL-HENRIQUES, Manuel, Noções Elementares de Direito Penal, Rei dos Livros, 2ª edição, p.169. 19. DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, p. 241. 20. O artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, prevê que «Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, apagar, alterar, destruir, no todo ou em parte, danificar, suprimir ou tornar não utilizáveis ou não acessíveis programas ou outros dados informáticos alheios ou por qualquer forma lhes afectar a capacidade de uso, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.» 21. Que dispõe que «Quem, intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com pena de prisão até 2 anos.» 22. Trata-se de evidente lapso pois o somatório de todas as penas parcelares é de 22 Anos e 11 Meses de prisão. 23. Neste sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 28/4/2010, proferido no Processo 4/06.0GACCH.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt. - I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). III - A substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de fracções e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo, e como refere Cláudia Santos (RPDC, Ano 16.º, pg. 154 e ss.), as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas. IV - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. 24. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 27/05/2015, proferido no Processo nº 173/08.4PFSNT-C.S1, de 14/07/2022, proferido no Processo nº 36/15.7PDCSC-A.S1 - para a determinação da medida da pena única, como já acima se disse, há que ponderar o conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, procedendo-se a uma avaliação da gravidade da ilicitude global dos mesmos (tendo em conta o tipo de conexão entre os factos em concurso), e a uma avaliação da personalidade do agente (aferindo-se em que termos é que a mesma se projecta nos factos por si praticados), de forma a apurar se a sua conduta traduz já uma tendência para a prática de crimes, ou se a sua conduta se reconduz apenas a uma situação de pluriocasionalidade (…) -, de 24/03/2021, proferido no Processo nº 536/16.1GAFAF.S1 - (…) na determinação da pena única devem considerar-se todos os factos, crimes e penas aplicados, para a obtenção da imagem do “comportamento global” e da personalidade do agente (…), disponíveis em www.dgsi.pt. 25. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas – Editorial Notícias, pp. 290-292. 26. Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, ibidem, p. 292. 27. Acórdão do STJ, de 14/09/2023, proferido no Processo n.º 1923/16.0T9VNG.P2.S1, disponível em www.dgsi.pt. 28. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 20/09/2023, proferido no Processo nº 1268/06.4TBEPS.G1-A.S1, onde se pode ler – (…) A recorribilidade depende da proporção do decaimento, devendo este ser superior a metade da alçada do Tribunal que proferiu a decisão impugnada (…) Os juros de mora vencidos na pendência da ação não relevam para a determinação do valor da causa, nem tão pouco podem ser levados em linha de conta para encontrar o valor da sucumbência com vista a apurar se a decisão é ou não recorrível (…) -, disponível em www.dgsi.pt.↩ 29. Neste sentido, o Acórdão do STJ, de 28/05/2025, proferido no Processo n.º 537/14.4JAPRT.G2.S1, disponível em www.dgsi.pt.↩︎ |