Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1---
AA, com sede no Porto, intentou uma acção com processo comum, contra
BB, S.A., com sede em São Félix da Marinha, pedindo que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT do sector, e que a mesma seja condenada a devolver os valores retirados àquela remuneração a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor.
Pediu ainda que a R seja condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidades no cálculo do valor mensal pago pela retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª daquele CCT, com o consequente pagamento a cada uma dos seus trabalhadores filiados no Autor das diferenças daí decorrentes.
Alegou para tanto que:
Representa os trabalhadores seus associados, motoristas TIR, que exercem a sua actividade por conta da Ré que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias;
Estes têm direito a uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia, conforme o disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT aplicável e que recebem desde a data da sua admissão, tratando-se portanto duma remuneração regular e periódica, devida em relação a trinta dias do mês, sendo integrada também na retribuição de férias e respectivo subsídio;
Contudo, a Ré, a partir de Agosto de 2012, começou a pagar aos seus trabalhadores motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista na citada cláusula 74.ª, pois até Julho de 2012, aqueles trabalhadores auferiam a importância de € 371,26 e, a partir de Agosto de 2012, passaram a auferir apenas € 299,86 mensais;
Esta retribuição não depende da realização efectiva de trabalho suplementar e nada tem a ver com este, correspondendo ao pagamento de duas horas de trabalho com o acréscimo de 50%, uma, e a outra de 75%;
Acresce que a Ré também não tem em conta no cálculo desta retribuição o valor pago a título de diuturnidades, o que viola o disposto no artigo 262.º, do C.T.
Como a audiência de partes não redundou na sua conciliação, veio a Ré contestar, alegando que:
O interesse colectivo não pode ser a discussão da interpretação da cláusula 74.ª pois, nesse caso, seria a R. parte ilegítima e a forma do processo não seria a própria;
A partir de Agosto de 2012, passou a liquidar o valor da cláusula 74.ª, n.º 7, pela fórmula da remuneração horária prevista no artigo 271.º do CT x 30 x 2 e o total dos acréscimos da remuneração da 1ª hora e da 2ª hora pela percentagem indicada no artigo 268.º, n.º 1, a), do C.T. x 30;
O cálculo das duas horas de trabalho suplementar não integra diuturnidades, equivalendo ao conceito restrito de retribuição base descrito no artigo 262.º, n.º 2, a), do C.T;
Que nos termos do n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012 de 25/06, estão suspensas as disposições de IRCT que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo C.T. e, assim, só uma fórmula de cálculo do trabalho suplementar subsiste e só essa pode ser aplicada no cálculo da cláusula 74ª, n.º 7.
Pugna assim pela sua absolvição da instância; e caso assim se não entenda, deverá a acção improceder na sua totalidade.
O A. não apresentou resposta.
De seguida, foi proferido o despacho saneador sentença nos seguintes termos:
“(…) decide-se pois julgar a acção procedente e, em consequência:
a) consideram-se ilícitos os “cortes” impostos pela Ré, BB, S.A., desde Agosto de 2012, ao valor da retribuição prevista no nº 7 da cláusula 74ª da C.C.T. celebrada entre a CC e a DD, publicada no BTE, de 08-03-‑1980;
b) condena-se a Ré a devolver aos seus motoristas de Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias filiados no AA os valores subtraídos desde Agosto de 2012 e até à reposição da retribuição anteriormente paga a título de cl. 74ª, nº 7, da C.C.T.;
c) e condena-se ainda a Ré a considerar o valor das diuturnidades no cálculo da referida retribuição da cl. 74ª, nº 7, devendo repor as diferenças derivadas dessa não contabilização aos trabalhadores filiados nos Sindicato Autor que auferem diuturnidades;
d) sendo os valores ou diferenças a repor a liquidar (se necessário) em execução de sentença.”
Notificada desta decisão, apelou a R, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado procedente a apelação, e revogando a sentença recorrida, absolveu a Ré da instância por ilegitimidade do A.
Interposta revista por este, foi esta concedida pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Abril de 2015, que revogando a decisão recorrida, declarou que o A é parte legítima, determinando-se que os autos voltassem à Relação para conhecer das demais questões suscitadas no recurso de apelação.
Voltando os autos à Relação, esta proferiu acórdão a confirmar a sentença recorrida.
Ainda irresignada, interpôs a R revista excepcional, que foi admitida pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672º do CPC.
E tendo a recorrente alegado, rematou com as seguintes conclusões:
“Aplicação de normas suspensas durante o período de suspensão:
I. A cl. Clª. 40.ª do CCT celebrado entre a CC e a DD, que dispõe sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho, foi suspensa pelo Art. 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho;
II. O objecto da norma que suspende outra norma é a própria norma que irá ficar suspensa, e que, por isso, fica suspensa. a norma que a suspendeu projecta-se noutra norma: uma norma suspensa deixa de ter eficácia durante o período da sua suspensão.
III. Se uma norma suspensa deixa de ter eficácia, a actividade do intérprete de descobrir perante a panóplia de efeitos possíveis da norma quais os que estão suspensos e quais os que não estão é um total contra-senso: não estamos a determinar os efeitos de uma revogação tácita, uma norma suspensa é ineficaz, não produz efeitos nenhuns e pela mesma razão que uma lâmpada apagada não pode produzir luz alguma: se a norma pudesse produzir efeitos não estava suspensa e se a lâmpada pudesse produzir luz não estava apagada.
IV. Por isso a conclusão 3 do sumário do acórdão recorrido, forçosamente errada porque ilógica, a suspensão aplica-se a normas e não a efeitos de normas.
CASO SE NÃO ENTENDA TER OCORRIDO SUSPENSÃO DE NORMAS: A remissão para fórmulas de cálculo:
V. Porque a cl.ª 74.ª/7 remete para uma cláusula, que é uma norma, sem mais, a remissão é formal porque estamos perante normas regulamentares com carácter geral e abstracto, que haveremos de interpretar de modo actualista, sem querer cristalizar o sentido histórico das normas, para lá até do momento em que estas deixem de vigorar: a remissão é dinâmica, o regime para que remete em cada momento é o que em cada momento vigorar.
VI. Todavia, como se referiu supra, uma remissão (estática ou dinâmica, é indiferente) para uma norma suspensa é uma remissão para algo que, naquele momento, não existe, é uma remissão para o nada.
A proibição de revogação de normas:
VII. Não tendo o Art. 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, que põe em causa o suposto princípio da irredutibilidade da retribuição, sido considerado pelo TC inconstitucional, não se deverá procurar o efeito que resultaria da sua declaração como inconstitucional, alegando a violação de normas infraconstituicionais a que se dê um valor hierárquico superior a outras da mesma fonte.
Concretamente,
VIII. A irredutibilidade da retribuição é uma norma ordinária constante do Código do Trabalho, com o mesmo valor hierárquico que qualquer outra norma do Código do Trabalho, e como ela, visa regular relações contratuais entre privados e não a feitura de lei por órgãos de soberania, pelo que não conseguimos acompanhar a conclusão 4) do sumário do douto acórdão que admite que uma norma do CT (no caso, o Art. 268.º do CT) possa violar uma outra norma do CT (no caso, o Art. 129.º do CT).
IX. Normas de valor hierárquico semelhante, que além do mais se encontram no mesmo diploma, nunca violam outras normas com o mesmo valor hierárquico ou com valor hierárquico inferior.
X. Da sucessão de normas contraditórias de igual valor hierárquico, não se se diz em caso algum, que a norma nova viola a antiga e que portanto não poderá ser aplicada
XI. A sucessão de normas contraditórias de igual valor hierárquico chama-se revogação.
Incidência das diuturnidades:
XII. Contendo o Art. 262.º uma norma supletiva “1. Quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário […]” (sic.), havendo norma convencional que especialmente regula o cálculo da Clª. 74/7, será essa a norma aplicável, a qual é contrária – distinta, se se preferir – da norma geral do Art. 262.º.
XIII. No apuramento da cl. 74ª, nº 7, ou da remuneração de trabalho suplementar, não se tem em conta, o valor das diuturnidades porque a Cl.ª 74/7 é regulada por IRC que estabelece uma fórmula própria de cálculo daquela prestação, sendo que o cálculo das duas primeiras horas de trabalho suplementar assenta na retribuição horária conforme Art. 271.º do CT, não integra diuturnidades e apenas faz uso da retribuição correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho e do número de horas, equivalendo assim ao conceito restrito de “retribuição base” descrito no Art. 262.º, n.º 2, a) do CT. E,
XIV. O cálculo das duas primeiras horas de trabalho suplementar assenta na retribuição horária conforme Art. 271.º do CT, não integra diuturnidades e apenas faz uso da retribuição correspondente à actividade do trabalhador no período normal de trabalho e do número de horas, equivalendo assim ao conceito restrito de “retribuição base” descrito no Art. 262º, nº 2, a) do CT.
XV. Isentar os trabalhadores TIR de uma regra que se aplica a todos os seus colegas que trabalham no plano interno resultaria numa quebra de igualdade: precisamente a que levou o Tribunal Constitucional a invalidar a supressão de subsídios (apenas) na função pública, pelo que se não poderia interpretar tal norma dessa forma, contrária aos Art.s 2.º e 13.º da Constituição.
Nulidades:
XVI. Ocorre nulidade de omissão de pronúncia, conforme disposto no Artigo 615.º n.º 1 d) do CPC (art.º 668.º CPC 1961), aplicável por remissão do disposto no Art. 666.º do CPC, quando no Acórdão os juízes deixem de pronunciar-se sobre questões que devessem apreciar;
XVII. Tal sucede quando o recorrente haja invocado na primeira e segunda páginas do requerimento de interposição do recurso, logo a seguir à frase em que declara interpor recurso, e antes de, na terceira página, se dirigir pela primeira vez ao Venerando Tribunal da Relação, usando estas palavras: “A douta sentença será aliás, nula” // “Com efeito”, // “Dispõe o Art. 615.º n.º 1 do CPC que é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. // “Na fundamentação da sentença deve, o juiz analisar criticamente as provas, podendo extrair dos factos apurados presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. (Art. 607.º n.º 4 do CPC/2013), pois que se as presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC), sempre pressupõem a existência de um facto conhecido (base da presunção), provado esse facto, intervém a lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido)”. // “Equivale à falta absoluta de fundamentação aquela em que a materialidade de um facto é afirmada, sem mais, por o juiz afirmar presumir que o mesmo é verdadeiro;” // “Tal sucede quando meramente se afirma ser de presumir que os trabalhadores sindicalizados em serviço na R., todos eles, sem excepção, autorizaram o A. a propor, em seu nome ou interesse, esta acção judicial, se nem se apurou sequer que da mesma tiveram conhecimento.” // “É pois, nula nessa parte, a sentença.” e o próprio Tribunal a quo se tenha pronunciado sobre a mesma nos seguintes termos: “Salvo o devido respeito por opinião contrária, não reconhecemos a pretensa nulidade do despacho saneador-sentença arguida pela R./recorrente, face às causas de nulidade taxativamente fixadas no art. 615º do C.P.C.”. // “Termos em que, a nosso ver, não há qualquer nulidade a suprir – cfr. art. 617º do C.P.C.”, mas,
XVIII. O Venerando Tribunal não tenha conhecido tal nulidade afirmando: “lendo o requerimento de interposição do recurso, facilmente se conclui que a recorrente não arguiu a nulidade conforme o disposto no citado normativo, e consequentemente, a este Tribunal está vedado o seu conhecimento por tal arguição ser extemporânea […]”.”
XIX. Dispõe o Artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC, aplicável por remissão do disposto no Art. 666.º do CPC, que é nulo o acórdão quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão que torne a decisão ininteligível.
XX. Tal nulidade verifica-se porquanto:
a. O douto acórdão não permite perceber se, por efeito do acórdão, os trabalhadores que não estejam já filiados no sindicato A. na data do seu trânsito em julgado ou cujos créditos se possam ter extinto por caducidade subsequente a uma anterior cessação dos seus contratos de trabalho nos termos gerais, serão igualmente abrangidos pelos efeitos do douto acórdão.
b. O douto acórdão não permite perceber quem, por efeito do acórdão, tem direito à referida reposição, se os trabalhadores filiados a que o Sindicato se referia à data da propositura da acção e que afirmava representar, ou todos os trabalhadores que se tenham filiado após essa data ou ainda se venham a filiar após o trânsito em julgado do douto acórdão, devendo entender-se que também estavam então já representados, ainda que, por absurdo, pudessem nem ter na data da propositura da acção a profissão de motoristas ou habilitação legal para conduzir;
c. O douto acórdão não permite perceber se o mesmo garante a todos os filiados que se devam inserir no seu âmbito o valor daquelas diferenças, ainda que tenham estado abrangidos por outro sistema de pagamentos (seja ele totalmente diverso do previsto no CCT ou uma adaptação daquele sistema retributivo com prestações ali não previstas) que, em execução de sentença se venha a revelar globalmente mais favorável do que o previsto no CCT, e que poderá ter vigorado após a data da sentença em primeira instância, caso em que se deverão acumular parcelas de sistemas retributivos distintos sendo os filiados pagos duas vezes pelo mesmo trabalho.
d. O douto acórdão não permite perceber se, verificando-se que o sistema retributivo vigente no empregador é nulo por não se provar que é mais favorável que o previsto no CCT, e que poderá ter vigorado após a data da sentença em primeira instância, se deverão acumular parcelas de sistemas retributivos distintos contabilizando os valores do CCT com as referidas diferenças, sendo os filiados pagos duas vezes pelo mesmo trabalho.
XXI. Viola as normas referidas nestas conclusões o entendimento diverso do aí estipulado.”
Pede assim que se revogue o acórdão recorrido.
O A não alegou.
Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido da improcedência do recurso, o qual, notificado às partes, suscitou reacção discordante da recorrente.
Cumpre assim decidir.
2---
Para tanto, fixaram as instâncias a seguinte matéria de facto:
1.º O Autor, AA, é uma Associação Sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exerçam a sua actividade profissional no sector de transportes rodoviários e urbanos.
2.º Assim, representa vários trabalhadores seus associados que exercem a sua actividade profissional remunerada, por conta e sob a direcção e fiscalização da Ré, BB, S.A..
3.º A qual se dedica ao transporte rodoviário (nacional e internacional) de mercadorias.
4.º O A. encontra-se, actualmente, filiado na EE, que sucedeu, para todos os efeitos, à DD, conforme consta dos Estatutos, publicados no Boletim do trabalho e Emprego, n.º 47, 1.ª Série, de 2007/12/22.
5.º A Ré encontra-se filiada na CC.
6.º Os associados do A., que estão classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias e que, efectivamente, exercem as funções inerentes a tal categoria, têm recebido, de acordo com o disposto no n.º 7 da cláusula 74.ª do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a CC e a DD “… uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
7.º Por isso, e a tal título, todos os associados do A. que estejam classificados pela Ré como motoristas dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias recebem, desde as datas das suas respectivas admissões, uma importância regular, periódica e constante.
8.º Sucede, porém, que, a Ré, a partir de Agosto de 2012, começou a pagar aos seus trabalhadores classificados como motoristas TIR, uma importância abaixo da que vinha pagando a título da retribuição prevista no n.º 7 da Cláusula 74.ª,
9.º De facto, até Julho de 2012, os trabalhadores auferiam a importância de 371,26 euros.
10.º E, a partir de Agosto de 2012, os trabalhadores passaram a auferir a importância de 299,86 euros cada.
11.º Acresce que no cálculo da referida retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª, a Ré não tem em conta o valor pago aos seus trabalhadores a título de diuturnidades.
12º Calculando o seu valor tendo em conta apenas o valor da retribuição base.
3----
Apreciando:
Face ao teor das conclusões da recorrente, são três as questões suscitadas por esta:
Nulidades do acórdão;
Licitude dos cortes da recorrente sobre a retribuição paga aos seus motoristas/TIR ao abrigo da cláusula 74/7 da contratação colectiva aplicável.
Incidência das diuturnidades no cálculo desta retribuição.
Sendo estas as questões a tratar na revista, vejamos então cada uma delas, começando pelo conhecimento das nulidades imputadas ao acórdão recorrido.
3.1---
A primeira nulidade imputada ao acórdão da Relação é a da omissão de pronúncia quanto à falta de fundamentação da sentença quando esta afirma ser de presumir que os trabalhadores sindicalizados em serviço na R., todos eles, sem excepção, autorizaram o A. a propor, em seu nome ou interesse, esta acção judicial, se nem se apurou sequer que da mesma tiveram conhecimento.
Efectivamente, o acórdão recorrido não apreciou esta matéria.
Mas também não tinha que a apreciar.
Efectivamente, a mesma interessava apenas à apreciação da questão da ilegitimidade do A, matéria que o acórdão deste Supremo Tribunal de 22 de Abril de 2015 havia resolvido, com carácter definitivo, declarando que o A é parte legítima.
Por isso, não tinha a Relação que apreciar a pretensa nulidade imputada à sentença da 1ª instância, por se tratar de questão que o mencionado acórdão deste Supremo Tribunal havia resolvido definitivamente.
3.1.1---
Imputa a recorrente mais uma nulidade ao acórdão recorrido, invocando o disposto no artigo 615.º, n.º 1, c) do CPC, donde resulta que é nulo o acórdão quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade da decisão que a torne ininteligível.
E para fundamentar tal nulidade alega que:
A decisão proferida no acórdão não permite perceber se os trabalhadores que não estejam já filiados no sindicato A. na data do seu trânsito em julgado ou cujos créditos se possam ter extinto por caducidade subsequente a uma anterior cessação dos seus contratos de trabalho nos termos gerais, serão igualmente abrangidos pelos seus efeitos;
Que o acórdão não permite perceber quem tem direito à referida reposição, se os trabalhadores filiados a que o Sindicato se referia à data da propositura da acção e que afirmava representar, ou todos os trabalhadores que se tenham filiado após essa data ou ainda se venham a filiar após o trânsito em julgado do douto acórdão;
Que o acórdão não permite perceber se o mesmo garante a todos os filiados que se devam inserir no seu âmbito o valor daquelas diferenças, ainda que tenham estado abrangidos por outro sistema de pagamentos;
E que o acórdão não permite perceber se, verificando-se que o sistema retributivo vigente no empregador é nulo por não se provar que é mais favorável que o previsto no CCT, e que poderá ter vigorado após a data da sentença em primeira instância, se deverão acumular parcelas de sistemas retributivos distintos.
Tendo a requerente arguido esta nulidade nos termos do disposto no artigo 77º do CPT, e tendo a Relação apreciado esta questão, indeferindo-a, tem este Supremo Tribunal que a apreciar.
Mas a recorrente não tem razão.
Efectivamente, o dispositivo da decisão impugnada é absolutamente claro quanto ao seu âmbito, nenhuma nulidade se podendo imputar-lhe.
Por outro lado, as razões alegadas pela recorrente constituem questões novas que nunca foram suscitadas, pelo que não tinha o acórdão recorrido que se pronunciar sobre elas.
Pelo exposto, e nenhuma nulidade se podendo imputar ao acórdão recorrido, improcede também esta questão.
3.2---
Quanto à reclamada licitude dos cortes operados pela recorrente na retribuição paga aos seus motoristas/TIR ao abrigo da cláusula 74ª, nº7 da contratação colectiva aplicável:
O A pede que sejam declarados ilícitos os cortes impostos pela Ré, desde Agosto de 2012, à retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT do sector, e que a mesma seja condenada a devolver os valores retirados àquela remuneração a cada um dos seus trabalhadores nele filiados.
Efectivamente, a cláusula 74ª, nº7, do CCTV celebrado entre a CC e a DD, publicado no BTE nº9, 1ª série, de 08.03.1980 e no BTE nº16, 1ª série, de 29.04.1982 e que manteve idêntica redacção nas posteriores alterações publicadas nos BTE nº18/86, 20/89, 10/90, 18/91, 25/92, 25/93, 24/94, 20/96 e 30/97, estabelece para os trabalhadores deslocados no estrangeiro o direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Assim, a R pagava àqueles trabalhadores uma retribuição mensal equivalente ao valor de duas horas de trabalho “extraordinário” por dia, com os acréscimos de 50% para a primeira hora e de 75% para a segunda (conforme alteração da cláusula 40ª operada no BTE, nº19, 1ª série, de 22.05.1990).
Acontece porém, que a Lei nº 23/2012 de 25.06 veio reduzir o valor do trabalho suplementar prestado em dia útil, ao alterar os acréscimos de retribuição estabelecidos no nº 1 do artigo 268º do CT/2009 e fixando-os em 25% para a primeira hora e em 37,5% para as restantes.
Além disso, o mencionado diploma legal veio ainda estabelecer na alínea a) do nº 4 do seu artigo 7º, que ficam suspensas durante dois anos, contados a partir da sua entrada em vigor, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
Foi na linha deste normativo que, e a partir de Agosto de 2012, a R passou a pagar aos seus motoristas TIR deslocados no estrangeiro uma retribuição correspondente ao nº 7 da cláusula 47ª de duas horas “extraordinárias” por dia (30 dias no mês), mas com os acréscimos de 25% para a primeira hora e de 37,5% para a segunda, baixando assim, unilateralmente, os valores que lhes vinha pagando a este título, pugnando o Sindicato Autor pela ilegalidade desta actuação.
Discute-se se este comportamento é legal, tendo as instâncias convergido no sentido da sua ilegalidade, a que contrapõe a recorrente que a decisão impugnada aplicou normas cuja vigência foi suspensa; que sendo a remissão para fórmulas de cálculo dinâmica, não pode esta remeter para uma norma cuja vigência foi suspensa; e que, não tendo o art. 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho sido declarado pelo TC inconstitucional, não se deverá procurar o efeito que resultaria da sua declaração como inconstitucional, alegando a violação de normas infraconstituicionais a que se dê um valor hierárquico superior a outras da mesma fonte.
Colocando-se a questão a decidir nos termos acabados de referir, vejamos como resolver.
3.2.1---
Esta matéria já foi apreciada por este Supremo Tribunal no seu acórdão de 24 de Fevereiro de 2015, proferido no processo n.º365/13.4TTVNG.P1.S1, desta 4ª Secção, tendo-se aí explicitado as seguintes considerações:
“3.1---
O Contrato Colectivo de Trabalho a que nos vimos referindo dispõe, na
Cláusula 74.ª
(Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro)
1 — Para que os trabalhadores possam trabalhar nos transportes internacionais rodoviários de mercadorias deverá existir um acordo mútuo para o efeito. No caso de o trabalhador aceitar, a empresa tem de respeitar o estipulado nos números seguintes.
2 — Os trabalhadores que iniciem o seu trabalho neste regime devem ter uma formação técnica adequada.
3 — Após acordo prévio, entre o trabalhador a empresa, e desde que se verifique que o trabalhador não disponha de formação profissional adequada para o desempenho da sua função, o mesmo deixará de a exercer.
4 — Nenhum trabalhador que complete 50 anos de idade ou 20 anos de serviço neste regime poderá ser obrigado a permanecer nele.
5 — Qualquer trabalhador que comprove, através de atestado médico reconhecido pelos serviços de medicina no trabalho, a impossibilidade de continuar a trabalhar neste regime, passa imediatamente a trabalhar noutro tipo de trabalho, dentro das possibilidades da empresa.
6 — No caso referido no n.º 4 desta cláusula, a empresa colocará o trabalhador noutro tipo de trabalho ou noutra função, mesmo que para tal haja necessidade de reconversão, nunca podendo o trabalhador vir a receber remuneração inferior.
7 — Os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
8 — A estes trabalhadores, de acordo com o estabelecido no número anterior, não lhes é aplicável o estabelecido nas cláusulas 39.ª (Retribuição de trabalho nocturno) e 40.ª (Retribuição de trabalho extraordinário).
9 — O número de cargas e descargas das mercadorias transportadas neste regime não pode ser superior ao estabelecido na lei.
Consagrou-se portanto no seu n.º 7 o direito dos trabalhadores dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias, deslocados no estrangeiro, a uma retribuição mensal que não pode ser inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Sobre a natureza jurídica deste direito tem a jurisprudência entendido, com foros de consensualidade, que se trata de uma retribuição especial que tem por objectivo compensar aqueles trabalhadores pela maior penosidade e esforço que lhes é exigido pelo desempenho de tal actividade, prestada em condições de grande isolamento por, normalmente, terem de trabalhar sozinhos e longe do respectivo agregado familiar e do seu círculo de amigos.
E assim se firmou doutrina no sentido de que é devida em relação a todos os dias do mês, independentemente da prestação efectiva de qualquer trabalho, acrescendo à retribuição de base que é devida. Mas não pressupõe uma efectiva prestação de trabalho extraordinário, pelo que, e revestindo carácter regular e permanente, integra a retribuição.
Foi esta a posição do acórdão deste Supremo Tribunal com o nº7/2010 (publicado no DR, 1ªsérie, de 9.7.2010) donde se colhe que “[A] retribuição mensal prevista no nº7 da cláusula 74ª, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre a CC e DD, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº9, de 8 de Março de 1980, e no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ªsérie, nº16, de 29 de Abril de 1982, tendo como base mínima de cálculo o valor equivalente a duas horas extraordinárias, é devida em relação a todos os dias do mês do calendário”.
Para tanto argumentou-se que “[A] especial característica de retribuição mensal, supra-‑assinalada, de compensação de uma acordada disponibilidade, tornando-a alheia à efectiva prestação de trabalho extraordinário, não tem qualquer ligação com o período normal de trabalho, que compreende os dias úteis do mês; por outro lado, diversamente da remuneração por trabalho extraordinário, é uma atribuição patrimonial regular que radica na possibilidade do exercício da actividade em particulares condições de penosidade e risco, e não em situações excepcionais referidas ao tempo normal de trabalho. O elemento sistemático, assente nos distintos regimes, correspondentes às distintas características da retribuição mensal especial e da remuneração por trabalho extraordinário, aponta, por conseguinte, no sentido da primeira, apesar de ter como base mínima pecuniária de cálculo o mesmo valor diário da última, nada mais ter em comum com esta (…)”.
Seguiu-se portanto a doutrina que já vinha do acórdão deste Supremo Tribunal de 05.02.2009 – proferido no processo 08S2311 e publicado em www.dgsi.pt – onde se decidiu que “A retribuição especial prevista no nº7 da cláusula 74ª do CCTV celebrado entre a CC e a DD” (…) “destina-se a compensar o trabalhador pela maior penosidade e risco decorrentes da possibilidade de desempenho de funções no estrangeiro, certo que esse desempenho implica uma prestação de trabalho extraordinário de difícil controlo, não dependendo, pois, de uma efectiva prestação deste tipo de trabalho extraordinário. Assim, o direito à aludida compensação não exige um efectivo e ininterrupto desempenho de funções no estrangeiro, bastando a vinculada disponibilidade do trabalhador para esse efeito”.
Trata-se pois duma retribuição mensal, paga em relação a 30 dias, haja ou não prestação de trabalho, e que se destina a compensar o trabalhador pela sua disponibilidade para desempenhar funções como motorista de transportes internacionais.
Efectivamente, e conforme advém do nº 1 da cláusula em causa, para que os trabalhadores tenham que exercer essas funções no serviço dos transportes internacionais rodoviários de mercadorias tem que haver um acordo prévio das partes nesse sentido. E no caso daqueles aceitarem, a retribuição consagrada no seu nº 7 constitui a contrapartida por esta disponibilidade para exercerem funções em condições mais penosas do que se fossem exercidas no país, face ao isolamento em que são, normalmente, efectivadas.
Doutro modo, também advêm benefícios para a empresa, pois a estes trabalhadores não é devido o acréscimo de 25% pela prestação de trabalho nocturno estabelecido na cláusula 39ª, nem qualquer outra retribuição por trabalho extraordinário eventualmente prestado, conforme clausulado no nº 8.
Concluímos portanto que se trata duma retribuição especial devida pelas empresas do sector aos seus trabalhadores que aceitem exercer funções nos transportes internacionais, nada tendo a ver com o pagamento de qualquer trabalho suplementar prestado para além do seu horário de trabalho.
3.2 ----
Como já se referiu, decorre do n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT acima mencionado que “os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”, referência que se compreende por este instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ter sido negociado no domínio da vigência do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, que considerava como trabalho extraordinário o que era prestado fora do período normal de trabalho, conforme resultava do seu artigo 16º, e que com a entrada em vigor do Decreto-lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, passou a designar-se por trabalho suplementar.
De notar, no entanto, que estamos claramente perante uma norma remissiva, uma vez que o valor do limite mínimo desta retribuição não resulta directamente do n.º7 da dita cláusula, mas de uma outra norma para que este remete, concretamente, a que determina o valor das duas horas de trabalho extraordinário, sendo tal norma chamada, por esta via, a integrar a disciplina desta remuneração.
A norma chamada é, no caso, a cláusula 40.ª, que na versão anterior à do CCT publicada no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) n.º 19, de 22 de Maio de 1990, era do seguinte teor:
Cláusula 40.ª
(Retribuição do trabalho extraordinário)
O trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% para as quatro primeiras horas extraordinárias; b) 75% para as restantes.
No entanto, com as alterações daquele CCT publicadas no mencionado BTE, o teor daquela cláusula passou a ser o seguinte: “o trabalho extraordinário será remunerado com os seguintes adicionais sobre o valor da hora normal: a) 50% na primeira hora e, al. b) 75% nas horas ou fracções subsequentes.”
De qualquer modo, para apurar o montante da retribuição mensal estabelecida no referido n.º 7 da cláusula 74.ª temos que determinar o sentido da remissão operada e as respectivas consequências jurídicas.
3.3 ---
A doutrina tem classificado as normas remissivas de acordo com vários critérios, relevando no caso a sua divisão entre remissões estáticas (também designadas materiais), e dinâmicas (também designadas formais), “em função do sentido da remissão: no primeiro caso, remete-se para uma norma concreta, tal como existe no momento do apontar da norma a quo; no segundo, a remissão faz-se para um lugar normativo formal, seja qual for a configuração que ele vá assumindo”[1].
Noutros termos, uma remissão estática liga a norma que determina a remissão ao concreto conteúdo da norma chamada; numa remissão dinâmica o apelo é feito para o espaço no sistema jurídico que é ocupado pela norma chamada, de forma a que as alterações supervenientes da disciplina nela consagrada acabam por ser igualmente importadas pela norma que determina a remissão.
No caso dos autos, se entendermos que estamos perante uma remissão dinâmica, as alterações supervenientes à versão original do regime de retribuição do trabalho suplementar serão chamadas à determinação do valor mínimo da retribuição em causa; caso contrário, se considerarmos que estamos perante uma remissão estática, então o valor em causa será aquele que vigorava no momento em que o CCT entrou em vigor.
Ora, a determinação da natureza em concreto de uma norma remissiva parte da interpretação da norma em causa, a fazer caso a caso, apontando a doutrina alguns critérios que podem apoiar o intérprete na busca de uma resposta a esta questão.
Assim, MENEZES CORDEIRO sintetiza alguns desses critérios doutrinários nos termos seguintes:
«Segundo Castro Mendes “a remissão na lei é em regra formal (= dinâmica), nos negócios jurídicos em regra material (= estática). Na verdade, quando façam remissões, as partes escolhem uma lei que conhecem: a escolha é material e logo estática. Pelo contrário, o legislador remete para a melhor solução existente: a escolha é formal e logo dinâmica, variando as normas ad quem.”
Por seu turno, escreve Dias Marques “[…] a remissão genérica traduzida pela referência a um dado instituto será quase sempre dinâmica. Quando a lei remete para o regime de certo instituto não visa, em geral, a sua regulamentação originária, mas antes o regime que existir no momento em que haja de proceder-se à aplicação”.
E continua esse mesmo autor: “Quando a remissão é específica, isto é dirigida a um preceito concreto, a um artigo da lei designada pelo seu número, já o problema pode revestir maior dúvida. Em todo o caso, ainda aí, na maior parte das vezes, haverá de considerar-se dinâmica a remissão”». [2]
Contudo, como refere, ainda, MENEZES CORDEIRO «não devem ser estabelecidas regras rígidas no domínio da interpretação das normas de remissão; apenas em cada caso será possível determinar o seu sentido e, designadamente, a natureza estática ou dinâmica da remissão efectuada».[3]
3.4----
No caso dos autos, estamos perante uma norma inserta numa convenção colectiva de trabalho, o que introduz algumas especificidades na abordagem da questão.
Na verdade, apesar de a norma em causa ter natureza regulamentar e não se suscitarem dúvidas de fundo no sentido de sujeitar a sua interpretação aos critérios gerais do sistema jurídico, consagrados nos artigos 9.º e 10.º do Código Civil, o certo é que a natureza do instrumento normativo que a integra não deixará de se reflectir no processo tendente à determinação do conteúdo daquela norma.
De facto, as convenções colectivas de trabalho têm base negocial e resultam de um encontro de vontades das partes no sentido de estabelecer uma específica disciplina para concretos segmentos da relação de trabalho abrangidos.
Esta matriz negocial das normas que integram uma convenção colectiva de trabalho situa-as num patamar bem diverso daquele em que se encontra o legislador que define, de forma geral e abstracta, uma disciplina para certos segmentos do sistema jurídico.
Efectivamente, e conforme refere PEDRO ROMANO MARTINEZ “partindo do pressuposto de que as convenções colectivas de trabalho, na parte regulativa, como produzem efeitos em relação a terceiros, se aproximam da lei, quanto à sua interpretação deve recorrer-se ao art. 9.º do CC. Mas é preciso ter em conta que a convenção colectiva de trabalho se distingue da lei, não tendo as mesmas características; por outro lado, as normas de uma convenção colectiva de trabalho provêm de negociações entre sujeitos privados (…) não emanando unilateralmente do poder central ou regional. Por isso das negociações havidas podem em alguns casos, retirar-se elementos importantes para a interpretação das regras constantes da convenção colectiva de trabalho”[4].
Na mesma linha de raciocínio se encontra a posição de MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, que, embora defenda a superação da dicotomia dualista na interpretação das convenções colectivas de trabalho, sustenta uma interpretação daquelas estruturas normativas de acordo com os critérios gerais dos artigos 9.º e 10.º do C. C., referindo que “a sujeição da convenção colectiva de trabalho aos parâmetros de interpretação da lei, nos termos apontados, não impedirá a ponderação de factores subjectivos – nomeadamente, no tocante ao conteúdo obrigacional da convenção -, que serão atendíveis no contexto dos elementos históricos de interpretação da lei”[5].
3.5---
Relativamente à determinação do sentido da norma do n.º 7 da cláusula n.º 74.ª do referido CCT interessa a evolução da fórmula de cálculo do valor da retribuição do trabalho suplementar no tempo.
Na data em que foi aprovada e entrou em vigor a versão originária do sobredito CCT, o valor da retribuição do trabalho suplementar, então designado trabalho extraordinário, estava disciplinado pelo artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, que estabelecia no seu n.º 1 que “a primeira hora de trabalho extraordinário será remunerada com um aumento correspondente a 25 por cento da retribuição normal e as horas subsequentes com um aumento correspondente a 50 por cento”.
Por sua vez resultava do n.º 2 deste artigo que “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem estabelecer aumentos superiores em função do número de horas de trabalho extraordinário”.
Com a entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1984, do Decreto-lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e de acordo com o seu artigo 7.º, n.º 1, a retribuição do trabalho suplementar passou a ser feita de acordo com a seguinte fórmula: “o trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho será remunerado com os seguintes acréscimos mínimos: a) 50% da retribuição normal na primeira hora; b) 75% da retribuição normal nas horas ou fracções subsequentes”.
Esta fórmula passou para o n.º 1 do artigo 258.º do Código do Trabalho de 2003 e manteve-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 268.º do Código do Trabalho de 2009, na sua versão inicial.
3.6---
Assentes os enunciados parâmetros interpretativos, cumpre tentar uma aproximação à natureza da remissão operada pelo n.º 7 da referida cláusula 74.ª do CCT para a remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia.
Esta cláusula é originária da revisão do CCT de 1982, publicada no BTE n.º 16, de 29 de Abril de 1982, não resultando sequer da versão original daquele instrumento de regulamentação colectiva do trabalho.
A referência à remuneração de trabalho extraordinário feita nesta cláusula tem forçosamente de se entender como feita para a cláusula 40.ª do referido CCT, conforme acima se referiu.
Na verdade, integrando a convenção colectiva de trabalho dispositivo específico sobre a remuneração do trabalho extraordinário, não podemos deixar de considerar que era essa a norma destinatária da remissão decorrente do referido n.º 7 da cláusula 74.ª
Trata-se de normas que integram a mesma estrutura normativa, o contrato colectivo de trabalho, em relação às quais não pode deixar de funcionar o critério da unidade de sistema como elemento relevante no processo de determinação do sentido da norma.
Por outro lado, as alterações supervenientes da referida cláusula 40.ª do CCT, resultantes da alteração de 1990, terão de se entender como aplicáveis à determinação do valor do suplemento previsto no n.º 7 da cláusula 74.ª, por força do regime de sucessão de leis no tempo consagrado no artigo 12.º do Código Civil e dos corolários do mesmo derivados.
Deste modo, é a versão daquele instrumento de regulamentação colectiva em vigor no momento em que se constituem os direitos à remuneração do trabalho suplementar que define o regime aplicável.
De facto, não encontramos no texto daquele contrato colectivo de trabalho, nem em quaisquer outros elementos relevantes no processo de interpretação, dados que permitam afirmar que a referência feita no n.º 7 da cláusula 74.ª se fixou na versão que estava em vigor na data da alteração daquela cláusula, ou seja, a versão inicial da cláusula 40.ª.
Por isso, na ausência destes elementos, a partir da entrada em vigor das alterações de 1990, é o novo teor da cláusula 40.ª o destinatário daquela remissão, pois a inserção das alterações sucessivas daquele CCT na versão inicial e o facto de se integrarem no contexto da mesma estrutura normativa, bem como a necessidade de respeitar o elemento sistemático na interpretação daquele contrato, impedem que se possa ficcionar que a versão originária daquela cláusula seja o objecto da remissão.
Estamos, assim, perante uma remissão dinâmica, pelo que as alterações supervenientes da cláusula são abrangidas pela remissão sobre que nos debruçamos.
Em suma: a remissão decorrente do n.º 7 da cláusula 74.ª é uma remissão para a norma da cláusula 40.ª do mesmo CCT, na versão em vigor na data em que ocorre a prestação do trabalho, sendo deste modo as normas relativas à aplicação da lei no tempo que definem a versão aplicável desta última cláusula.
3.7 ---
Assente a norma destinatária daquela remissão, cumpre agora ponderar as alterações introduzidas no Código de Trabalho de 2009, nomeadamente no seu artigo 268º. E, sobretudo, entender o reflexo do estabelecido no n.º 4 do artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, na medida em que suspendeu por dois anos as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho relativas à retribuição do trabalho suplementar.
As alterações introduzidas no Código do Trabalho pela referida Lei nº 23/2012 visaram satisfazer as directivas do Memorando da “Troika”, que em 17/5/2011, o Governo de então, com o acordo dos principais partidos da oposição, negociou e subscreveu, donde resultaram uma série de obrigações assumidas pelo Estado Português.
No respeitante ao mercado do trabalho, para além da redução das compensações devidas aos trabalhadores pela cessação do contrato de trabalho, o Governo assumia a obrigação de preparar um plano de acção para promover a flexibilidade dos tempos de trabalho, de molde a vir a adoptar-se um regime de “banco de horas” por acordo entre empregador e trabalhador. E assumia também o compromisso de rever a retribuição especial devida pela prestação de trabalho suplementar, quer em dia normal de trabalho, quer em dia de descanso semanal ou complementar, bem como a eliminação do descanso compensatório que lhe correspondia.
Da execução destas medidas, e após a realização de negociações com os parceiros sociais, resultou, em Janeiro de 2012, o Compromisso para o Crescimento, Competitividade e Emprego, que foi obtido no âmbito da Comissão Permanente de Concertação Social, e que visou concretizar as obrigações assumidas pelo Estado Português perante a Troika.
Foi neste enquadramento que surgiram as alterações ao Código do Trabalho, introduzidas pela Lei nº 23/2012 de 25 de Junho, por força das quais os acréscimos de retribuição estabelecidos no nº 1 do artigo 268º do CT/2009 foram fixados em 25% para a primeira hora e em 37,5% para as restantes.
E nos termos do nº4 do artigo 7º da referida Lei, ficavam também suspensas, durante dois anos, contados a partir da entrada em vigor do diploma, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que dispusessem sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar em montantes superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho - alínea a).
E em matéria de evolução salarial, o Governo comprometia-se a que qualquer aumento do salário mínimo só teria lugar se fosse justificado pela evolução económica e do mercado.
É assim inequívoco que com as alterações ao Código do Trabalho operadas em 2012 se visou flexibilizar o horário de trabalho através do regime do “banco de horas”. E pretendeu-se também embaratecer a prestação de trabalho suplementar, quer através da eliminação do descanso compensatório, quer através da redução para metade dos acréscimos que lhe correspondiam.
Além disso, estas medidas abrangiam os trabalhadores de todos os sectores produtivos, o que se concretizou através do mecanismo da suspensão, durante dois anos, das disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e das cláusulas de contratos de trabalho que estabelecessem acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho.
Por outro lado, é também inequívoco que não se visou um abaixamento dos salários dos trabalhadores do sector privado, pois o único compromisso assumido pelo Governo em matéria salarial foi o da contenção do salário mínimo.
3.8 ---
Sob a epígrafe “relações entre fontes de regulação”, o artigo 7.º da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, nos seus n.ºs 1 e 2, declarava a nulidade das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva, celebrados antes da entrada em vigor das alterações que aquela Lei introduziu no Código do Trabalho “relativas a: a) Compensação por despedimento colectivo ou de que decorra a aplicação desta, estabelecidas no Código do Trabalho; b) Valores e critérios de definição de compensação por cessação de contrato de trabalho estabelecidos no artigo anterior e que disponham sobre descanso compensatório por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado”.
Por sua vez, no n.º 3 do mesmo dispositivo, determinava-se que “as majorações ao período anual de férias estabelecidas em disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho ou cláusulas de contratos de trabalho posteriores a 1 de Dezembro de 2003 e anteriores à entrada em vigor da presente lei são reduzidas em montante equivalente até três dias”.
No n.º 4 do mesmo artigo referia-se que “4 -Ficam suspensas durante dois anos, a contar da entrada em vigor da presente lei, as disposições de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho e as cláusulas de contratos de trabalho que disponham sobre: a) Acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho; b) Retribuição do trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia”.
Finalmente, resultava do n.º 5 daquele artigo que “decorrido o prazo de dois anos referido no número anterior sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”.
Decorre assim do citado artigo 7º que se declaram desde logo nulas e de nenhum efeito as cláusulas referidas nos n.ºs 1 e 2 dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho anteriores à entrada em vigor daquela Lei e que se reduzem os valores das majorações previstas no n.º 3 daquele dispositivo.
Para além disso, suspendeu-se a vigência por dois anos das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva referidos no n.º 4, relativas a “acréscimos de pagamento de trabalho suplementar” e à retribuição de trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.
Por seu turno, o n.º 5 daquele artigo determinava que, decorrido aquele prazo de suspensão, “sem que as referidas disposições ou cláusulas tenham sido alteradas, os montantes por elas previstos são reduzidos para metade, não podendo, porém, ser inferiores aos estabelecidos pelo Código do Trabalho”.
Assim, por força deste número 5, se o mesmo se tivesse consolidado na ordem jurídica, os valores da retribuição do trabalho suplementar fixados na cláusula 40.ª do CCT em análise teriam sido reduzidos nos termos assinalados, ou seja, por via legislativa consolidar-se-ia uma alteração dos valores constantes desta cláusula, pormenor que é particularmente importante na análise da questão sobre que nos debruçamos.
A verdade porém, é que, tendo sido suscitada a apreciação da constitucionalidade do artigo 7.º da referida Lei n.º 23/2012, o Tribunal Constitucional veio a declarar com força obrigatória geral a inconstitucionalidade dos n.ºs 2, 3 e 5 daquele artigo, tendo igualmente decidido não declarar a inconstitucionalidade dos n.º 1 e 4 do mesmo dispositivo, nos seguintes termos:
“Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) a j) (…);
k) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
l) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição;
m) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 3, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição;
n) Não declarar a inconstitucionalidade da norma do artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho;
o) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 7.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, na parte em que se reporta às disposições de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, por violação das disposições conjugadas dos artigos 56, n.os 3 e 4, e 18.º, n.º 2, da Constituição”[6].
Está em causa no presente processo saber se a suspensão decorrente do n.º4 daquele dispositivo relativamente ao pagamento de trabalho suplementar também é aplicável à remuneração do trabalho a que se refere o n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT em análise.
A resposta a esta questão vai depender da interpretação que se faça do âmbito daquela medida, nomeadamente, se a mesma abrange também a remuneração do trabalho a que se refere aquela cláusula.
Importa, como ponto de partida, ter presente tudo aquilo que acima se referiu relativamente à natureza do trabalho prestado a coberto do nº 7 da dita cláusula 74.ª, bem como a autonomia que o mesmo tem relativamente ao regime do trabalho suplementar.
Esta autonomia é relevante para definir o âmbito da suspensão decretada, uma vez que esta se refere apenas aos acréscimos de pagamento de trabalho suplementar.
Por isso, não tendo o trabalho prestado a coberto do mencionado nº 7 da dita cláusula 74.ª a natureza de trabalho suplementar, como há muito se consolidou na jurisprudência desta Secção, líquido se torna que a retribuição prevista naquele nº 7 não pode ser abrangida pela suspensão imposta pelo nº 4 do artigo 7º da Lei nº 23/2012.
Efectivamente, estamos perante uma medida de natureza transitória e excepcional, não podendo as normas que a consagram ver o seu âmbito de aplicação alargado.
No caso dos autos, mau grado se possa fazer apelo a critérios de igualdade na distribuição dos sacrifícios, a verdade é que com este suplemento se visa a remuneração das particulares condições em que o trabalho é prestado pelos trabalhadores abrangidos e não a contrapartida pelo esforço derivado da prestação de trabalho suplementar.
Deste modo, as realidades que estão subjacentes a este suplemento remuneratório e ao trabalho suplementar são diversas, não sendo operativos os critérios de igualdade invocados.
Por outro lado, o n.º 4 do artigo 7.º da Lei em causa não revogou as disposições das convenções colectivas de trabalho que se mantiveram vigentes no sistema jurídico, apenas com a sua eficácia suspensa no que se refere ao pagamento de trabalho suplementar.
É exactamente por esta razão que decorrido aquele prazo de suspensão tais dispositivos assumem a plenitude da sua vigência no sistema jurídico.
Por isso, a suspensão da vigência no que se refere ao trabalho suplementar não atinge a remissão que no caso dos autos é feita para a referida norma da cláusula 40.ª do CCT, pelo que ela continua a ser objecto da remissão que lhe é dirigida pelo n.º 7 da cláusula 74.ª, continuando a definir os limites mínimos da retribuição correspondente ao serviço abrangido por aquela cláusula.
Nesta conformidade, não se pode aplicar os valores do artigo 268º do CT a uma componente fixa da retribuição mensal que, em essência, não corresponde à prestação de trabalho suplementar.
Temos de concluir portanto, pela ilegalidade da diminuição remuneratória a que a R procedeu, pois ainda que a cl.ª40ª do CCT aplicável, e com base na qual havia sido calculado tal componente remuneratória, tenha ficado suspensa, por força do nº4 do artigo 7º da Lei nº23/2012 de 25.06, esta suspensão apenas podia operar em relação ao pagamento de trabalho suplementar efectivamente prestado.”
Reapreciada a questão, sufraga-se inteiramente a fundamentação transcrita, que tem pleno cabimento no caso presente.
E assim concluímos que a suspensão operada pelo nº 4 do artigo 7º da Lei 23/2012 de 25 de Junho não se repercute no cálculo da retribuição especial estabelecida pelo nº 7 da cláusula 74ª da contratação colectiva aplicada aos motoristas da R afectos ao transporte internacional.
Por isso, improcedendo as razões invocadas pela recorrente, é de manter a decisão recorrida que vai portanto confirmada nesta parte.
4----
Quanto à incidência das diuturnidades no cálculo desta retribuição:
Pediu ainda o A que a R seja condenada a inserir o valor pago a título de diuturnidades no cálculo do valor mensal pago pela retribuição prevista no n.º 7 da cláusula 74.ª do CCT do sector, com o consequente pagamento a cada um dos seus trabalhadores filiados no Autor das diferenças daí decorrentes.
As instâncias deram razão ao A, posição que colhe a discordância da recorrente, sustentando que no apuramento desta retribuição especial não se deve ter em conta o valor das diuturnidades, porque o CCT estabelece uma fórmula própria de cálculo da mesma, remetendo para as primeiras duas horas de trabalho suplementar e, assentando o cálculo destas na retribuição horária prevista no artigo 271.º do C.T., que não integrando diuturnidades, recorre ao conceito restrito de retribuição base.
Vejamos então se a recorrente tem razão.
Conforme estabelece o mencionado artigo 271º do CT/2009, o valor da retribuição horária é calculado pela seguinte fórmula:
(RMx12): (52xn).
Assim sendo, para achar o valor/hora pago a um trabalhador multiplica-se a remuneração mensal por 12 e divide-se este valor por 52 semanas x o número de horas de trabalho que o trabalhador tenha por semana.
Por outro lado, e conforme resulta do nº 1 do artigo 262º do supracitado compêndio legal, quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, a base de cálculo de prestação complementar ou acessória é constituída pela retribuição base e diuturnidades.
Trata-se dum regime que remonta ao Código do Trabalho de 2003, cujo artigo 250º, nº 1 já determinava que a base de cálculo de prestação complementar ou acessória era constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades quando disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, regime que foi inovador, pois não constava das regras laborais anteriores.
Consagrou-se assim uma solução que envolve a irrelevância das demais prestações retributivas para este efeito e que vai condicionar decisivamente o cálculo de certas prestações como sucede com a retribuição do trabalho suplementar, conforme sustentava no domínio da vigência do CT/2003 Joana Vasconcelos, na anotação àquele preceito no Código do Trabalho, Romano Martinez e outros, 6ª edição, pgª 506, doutrina mantida na 9ª edição (2013), pgª 595.
Por isso, resultando da cláusula 38.ª da contratação colectiva aplicável, cuja última alteração foi publicada no BTE n.º 30 de 15/08/1997, que para além da remuneração, os trabalhadores têm direito a uma diuturnidade de três em três anos, até ao limite de cinco, que farão parte integrante da retribuição, e como na dita contratação colectiva não existe qualquer cláusula em contrário ao regime que foi consagrado no mencionado artigo 250º, nº 1 do CT/2003, e no artigo 262º, nº 1 do CT/2009, temos de aplicar o critério estabelecido nestes preceitos para determinar o valor hora a atender para o cálculo da retribuição especial estabelecida no nº 7 da sua cláusula 74ª, que deverá por isso integrar o valor das diuturnidades devidas a cada trabalhador.
Adite-se ainda que esta questão já foi decidida por este Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 17/12/2009, proferido no processo nº 449/06.7TTMTS.S1 (Sousa Grandão), disponível em www.dgsi.pt, de cuja doutrina se colhe que a retribuição do nº 7 da cláusula 74ª da contratação colectiva do sector TIR deve ser calculada com base na remuneração auferida pelo trabalhador em decorrência do seu contrato de trabalho, abrangendo, assim, as diuturnidades que lhe sejam efectivamente devidas[7].
E improcedendo também esta questão suscitada pela recorrente, temos de confirmar integralmente o acórdão impugnado.
5---
Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.
Custas a cargo da R.
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 3 de Maio de 2016
Gonçalves Rocha (Relator)
Belo Morgado
Ana Luísa Geraldes
______________________________________________________
[1] Menezes Cordeiro, Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12 de Julho de 1998”, in O Direito, ano 121.º, 1989 I (Janeiro- Março), p. 193.
[2] Ibidem pág. 193
[3] Ibidem, pág. 194
[4] Direito do Trabalho, 2010, 5.ª Edição, Almedina, p.p. 1222 e 1223.
[5] Tratado de Direito do Trabalho – Parte III – Situações Laborais Colectivas, Almedina, 2012, p. 288.
[6] Acórdão n.º 602/2013, de 20 de Setembro de 2013.
[7] Também assim decidiu o acórdão de 11-05-2011, Recurso n.º 273/06.5TTABT.S1 (Fernandes da Silva), disponível em www.stj.pt. Idêntica doutrina para o cálculo do valor/hora para efeitos de pagamento de trabalho suplementar advém do acórdão deste Supremo Tribunal de 16/3/2011, processo nº 439/08.3TTMAI.P1.S1 (Fernandes da Silva), acessível na CJS de 2011, pgª 263/265, do tomo 1.