Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3º SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL APOIO JUDICIÁRIO ACTO TÁCITO | ||
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Data do Acordão: | 02/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO – ARGUIÇÃO DE NULIDADE | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Doutrina: | Direito processual penal – recursos / recursos ordinários / tramitação unitária / exame preliminar. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 417.º, N.º 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º. ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS, APROVADO PELA LEI N.º 34/2004, DE 29-07: - ARTIGO 25.º, N.ºS 1 E 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 08-01-2009, PROCESSO N.º 3057/06, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, WWW.STJ.PT; - DE 22-05-2013, PROCESSO N.º 712/00.9JFLSB-U.L1.S1-A, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, WWW.STJ.PT; - DE 13-11-2013, PROCESSO N.º 245/03.1IDPRT.P1-A.S1, IN SASTJ, SECÇÕES CRIMINAIS, WWW.STJ.PT; - DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 113/07.8IDMGR.C1-B.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 17-05-2017, PROCESSO N.º 28/13.0PPRT.P1.S1; - DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 1211/12.1PBXL.L2-A.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 469/97, IN DR, 2.ª S DE 16-10-1997; - ACÓRDÃO N.º 533/99, IN DR, 2.ª S, DE 22-11-1999. | ||
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Sumário : | I - A falta de notificação do parecer que no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência o MP emite não constitui violação do princípio do contraditório consagrado no art. 32.º da CRP, atenta a específica natureza deste recurso que não assume as características típicas do recurso ordinário, que se destina a reapreciar um litígio concreto, opondo o MP, enquanto titular da acção penal, e o arguido, e portanto a decidir a solução do caso. II - Ao invés, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, é a decisão de uma questão de direito que é o objecto do procedimento, é a fixação da interpretação de uma norma, a definição de um certo conteúdo normativo que se pretende, com consequências não só naquele processo como em todos os demais em que se coloque a mesma questão de direito. III - A discordância do reclamante quanto ao decidido no acórdão sob reclamação não pode merecer uma pronúncia por este STJ uma vez que, com a prolação do acórdão, está esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal no âmbito do presente recurso. IV - Como se retira da leitura do disposto no art. 25.º, n.ºs 1 e 2, da Lei 34/2004, de 29-07, nesse preceito não se prevê a oposição, constatação, certificação pelo tribunal de qualquer menção da formação do acto tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário. O que a norma contempla é a menção em tribunal da formação do acto tácito, sendo de indeferir o pedido de aposição da menção da formação do acto tácito de deferimento da protecção jurídica formulado pelo requerente. | ||
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Decisão Texto Integral: |
AA, notificado do acórdão de fls. 68-80, que rejeitou o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada por ele interposto, vem arguir a nulidade do mesmo, «nos termos do n.º 2 do art. 360.º do CPP, por ofensa ao princípio do contraditório, ínsito no n.º 5 do art. 32.º da CRP», nos seguintes termos: «I AA, assistente e com os demais sinais identificativos nos autos acima epigrafados, que move ao 2º Sargento BB, havendo sido notificado do douto Acórdão que antecede, vem, requerer a nulidade do mesmo, nos termos e fundamentos seguintes: 1º Um dos elementos fundamentais e estruturantes do direito de processo penal consiste no principio do contraditório, ínsito no nº5 do art.32º da CRP, impondo que o “processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao principio do contraditório” e nos termos do Código do Processo Penal anterior, a instrução contraditória era mesmo a coluna dorsal do sistema, visando impedir que fosse assumida pelo juiz qualquer decisão que atingisse o estatuto jurídico da pessoa sem que esta tivesse a possibilidade de previamente poder defender-se, relativamente às medidas que viessem ser aplicadas, o que representava uma relevante garantia de defesa no processo penal. 2º Mas como resulta da lei, este princípio assume crucial importância, porque desde de logo a produção da prova está sujeita à apreciação das partes, ficando excluída a possibilidade de decisão com base em elementos probatórios que na audiência de julgamento e noutras fases processuais, não tenham sido apresentados e discutidos, cuja obrigatoriedade nos remete para o disposto nos arts.327º,348º,355º e 360º,todos do CPP. Ora in casu, segundo a leitura do douto Acórdão, o Tribunal ouviu o M.P, residente que sobre a prova das datas da interposição do presente recurso, disse o que entendeu, relativamente a essa matéria. 3º Contudo, lamentavelmente o Exmo. Senhor Relator Conselheiro jamais se lembrou que existia um assistente que, por acaso, foi quem recorreu, sendo precisamente aquele a quem foi negado o direito a exercer qualquer contraditório sobre essa questão, esquecendo-se dos direitos preconizados no art.69º do CPP, conferidos constitucionalmente, por força do disposto no nº7 do art.32º da Lei base da República. Daí, que venha, em tempo, nos termos do nº2 do art.360º do CPP, requerer a nulidade do douto acórdão, por violação ao direito do exercício do contraditório, postulado no nº5 do preceito acima referido, cujos fundamentos estão subjacentes à recusa de pronúncia sobre o mérito do recurso, por no seu dizer, este ter sido interposto para além do prazo. 4º No entanto, com ressalva de erro da nossa parte, cremos que assim não deverá ser, porquanto: 5º O recorrente foi notificado do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, em 20/06/2018,e por requerimento de 27/06/2018,foi ao abrigo do nº 4 do art.94º do CPP, requerida a cópia dactilografada de algumas partes do aresto que se encontravam manuscritas e, por isso, de difícil leitura ao seu destinatário, o que lhe foi deferido e notificado, em 05/07/2018; 6º Por outro lado, os termos do nº1 do art.446º do mesmo diploma, diz-nos ser “admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra a jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida”… 7º Ora, para efeito da notificação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, o assistente foi notificado apenas, a 05/07/2018, e o prazo de 30 dias para o trânsito do aresto ali proferido, começou a contar desde 06/07/2018,e interrompeu-se em virtude das férias judiciais, a partir de 16/07 até 31/08/2018; 8º Voltando a contar desde 01/09 até ao dia 21/09/2018,momento em que perfez 30 dias do trânsito da decisão recorrida, sendo que, de harmonia com os termos do nº1 do art.411º do CPP, o “prazo para interposição de recuso é de 30 dias”, ou seja, o mesmo do trânsito dos acórdãos e sentenças, o qual, terminava, a 22/10/2018 e foi entregue, neste caso, a 19/10/2018,portanto, dois dias antes do prazo precludir; 9º Contudo, o aresto sob auspícios de nulidade, dando aquiescência ao parecer do MP, adianta no seu decisório: 10º “A decisão do Tribunal da Relação era insusceptível de recurso ordinário, conforme artigos 400º, nº1, alínea c) e 432.°, nº 1, alínea b), do CPP . 11º Perante a inadmissibilidade do recurso ordinário, o trânsito em julgado da decisão do Tribunal da Relação verificou-se com o decurso do prazo de 10 dias, prazo- regra estabelecido no artigo 105°, nº 1, do CPP, para arguição de nulidades ou correcção da decisão nos termos do artigo 380° do CPP, ou para a interposição de recurso perante o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 75°, nº 1, da Lei nº 28/82,de 15 de Novembro- Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, na sua actual redacção) 12º Ou seja, o acórdão recorrido transitou em julgado, como se referiu já, em 03-09-2018. O presente recurso foi interposto em 19 de Outubro de 2018 quando já havia decorrido o prazo de 30 dias fixado no artigo 446°,nº1,do CPP. Ou seja, este recurso foi interposto fora de tempo, pelo que deve ser rejeitado nos termos dos artigos 420°,nº 1, alínea b), e 414°, nº2, do CPP, sendo certo que, conforme nº3 deste último preceito, a decisão que o admitiu não vincula este Supremo Tribunal, restando prejudicada a apreciação dos seus pressupostos substanciais”. 13º Em ordem ao acima exposto, seja-nos permitido desacompanhar a bondade da fundamentação expendida no acórdão, sobretudo sustentada, nos argumentos emprestados pelo MP, já que em matéria de prazos este órgão não é exemplo para quem quer que seja e, por isso, não será por aqui que perderemos tempo, embora sempre se dirá a quem de direito que o Código do Processo Penal não oferece uma regra em função da qual os agentes processuais saibam em cada caso quando uma decisão transita em julgado, como no processo civil, os termos dos arts. 638º e 644º diferenciam as diversas espécies de recursos e os prazos de interposição, permitindo um quadro jurídico em que as partes se movimentam com segurança, ou melhor dizendo, no processo penal está comummente assente, desde da alteração de 2013 que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e igual prazo para o trânsito das sentenças e acórdãos, não sendo, por isso, liquida a doutrina extraída agora pelo STJ. 14º Uma vez que a formulação da norma do nº1 do art.446º é omissa na especificação da tipicidade dos recursos, e um arguido condenado por um acórdão do Tribunal da Relação só vê o mandato de prisão a ser emitido após os 30 dias e não nos 10 dias, pelo que, não pode o intérprete andar em busca das decisões procedentes de sentenças ou acórdãos, cujos prazos do trânsito em julgado sejam diferentes uns dos outros, daí que a emissão dos mandatos seguiam aquela regra geral, sem receio de tropeçarem em alçapões, donde o principio seja de que os despachos transitam ao cabo de 10 dias e as sentenças e acórdãos em 30 dias, sendo os casos especiais de recurso para o Tribunal Constitucional, cujo prazo é de 10 dias, mas aqui não é obrigatório o requerimento ser acompanhado da sua motivação, aliás, como era em todos os processos antes das recentes reformas processuais. 15º Porém, determinando os termos do nº1 do art.446º do CPP, ser “admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra a jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida”. Naturalmente, se o presente recurso emergisse de uma decisão do juiz singular contida num despacho ou do próprio relator do processo, seria razoável a exigência proferida no douto Acórdão aqui sob censura. No entanto, resultando a prolação recursória de um aresto é natural que se siga a regra geral dos nºs 2 e 3 art.9º do CC. Isto é: “2-Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso. 3-Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” E a respeito destas situações, o saudoso Prof. Castro Mendes, ensinava que: “Onde legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir”. 16º Posto que, sem embargo do merecido respeito, a nosso ver, o presente recurso foi interposto em tempo, devendo, por isso ser admitido e decidido de mérito, conforme se peticionou, tanto mais que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Constitucional, em caso de conflito deve prevalecer o direito substantivo em detrimento da forma, por esta contender com o direito fundamental de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva, plasmado no art.20º da CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, sendo-lhe aplicável o regime do art.18º,por força do disposto no art.17º da CRP, traduzindo-se, no direito de recurso a um tribunal e de obter nele uma decisão jurídica e equitativa sobre questão juridicamente relevante, dado tratar-se dos direitos à garantia em processo penal estabelecida no nº9 do art.32º da CRP, cuja decisão contrária põe em causa o principio do juiz natural. 17º Sendo que o Tribunal Constitucional interpreta esta garantia no sentido da proibição de regimes adjectivos que em absoluto retirem a uma das partes o seu direito de defesa, reafirmando-a como "um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito) oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras"(cf., por ex., A TC nº 86/88 de 13/4/88,BMJ 376, pág.237). 18º É que tal direito, no segmento da garantia das partes a um processo equitativo e justo, pressupõe que não deva existir manifesta desproporção entre a falta praticada e as graves e irremediáveis consequências processuais, nomeadamente quando não se faculte à parte qualquer suprimento ou a possibilidade de correcção da deficiente actuação processual, já que a entender-se o contrário, era dar-se prevalência à formalidade sobre a substância do direito com graves prejuízos sociais e económicos para os sujeitos processuais, devendo, por conseguinte, declarar-se a inconformidade constitucional da interpretação normativa conferida aos termos do nº1 do art.446º do CPP, conforme se decidiu também no douto Acórdão tirado por unanimidade no STJ e proferido no Proc.nº891/08.7TBILH.C1.SI. http://www.dgsi.pt/.js. II APOIO JUDICIÁRIO 19º Por outro lado, a 17/11/2016,na pendência do Inquérito, o recorrente instou à Segurança Social o Apoio Judiciário, na modalidade de “dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo”, conforme se alcança no documento que se anexa. 20º Sucede que decorrido mais de 2 anos e até ao momento, o mesmo não foi objecto de qualquer notificação e jamais aquela entidade se pronunciou sobre a bondade do pedido, sendo que os termos do nº1,2 e 3 do art.25º da Lei nº34/2004/29/07,com a redacção introduzida pela Lei nº47/2007/28/08, ao abrigo da qual este foi solicitado, observam respectivamente: 21º “O prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias,”(....) “Decorrido o prazo referido no número anterior sem que tenha sido proferido uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica”. ”No caso previsto no número anterior, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito”(....). 22º Deste modo, por contas certas, o requerente obteve, o apoio Judiciário, por deferimento tácito, a 18/12/2016. Assim sendo, e face ao que vem de ser demonstrado no documento em anexo, requer a V.Exa. se digne apor a menção da formação do acto tácito acima obtido, nos presentes autos. III- EM CONCLUSÃO 23º Em ordem ao que vem de ser exposto, deve anular-se o douto Acórdão impugnado, nos termos do nº2 do art.360º do CPP, por ofensa ao princípio do contraditório, ínsito no nº5 do art.32º da CRP; 24º Julgar inconstitucional a interpretação normativa atribuída aos termos do nº1 do art.446º do CPP, porquanto a mesma no sentido consignado pelo Acórdão do STJ ora contestado, para além de se desviar dos princípios observados no art.9º do Código Civil, colide ainda com o disposto no nº9 do art.32º da CRP, atentando contra o principio do juiz natural, permitindo que o MP, como, in casu, para favorecer os amigos, avoque os inquéritos do local para outro e decida, da forma que lhe aprouver, sendo chamado a decidir o juiz instrutório alheio ao local do crime.» Cumpre decidir.
O cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP). Alega o Reclamante a ofensa do princípio do contraditório uma vez que este Tribunal «ouviu o MP residente que, sobre a prova das datas da interposição do presente recurso, disse o que entendeu relativamente a essa matéria», sendo que lhe «foi negado o direito a exercer qualquer contraditório sobre essa questão». Embora não se invoque a norma contida no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, está subjacente na presente reclamação a omissão da notificação aí prevista, omissão que, para o Reclamante configura uma nulidade. Porém, importa dar nota de que se a falta de cumprimento daquele preceito se devesse ter por verificada, a sanção correspondente não seria a nulidade, mas a da simples irregularidade. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 20-11-2014, proferido no processo n.º 113/07.8IDMGR.C1-B.S1 – 5.ª Secção[1] a propósito da rejeição de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência cuja argumentação é válida para o recurso extraordinário rejeitado no acórdão reclamado: «[…] a matéria das nulidades está regulada no processo penal de forma autónoma e completa, sem necessidade de recurso a quaisquer normas supletivas, nomeadamente do processo civil, vigorando nesse regime o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei (art. 118.º, n.º 1 do CPP). Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular – artigo 118.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (n.º 2 do mesmo normativo)». Também no acórdão deste Supremo Tribunal de 22-05-2013 (Proc. n.º 712/00.9JFLSB-U.L1.S1-A - 5.ª Secção)[2], relatado pelo mesmo Exmo Relator (Cons. Manuel Braz), se considera:
«I - Nos termos do art. 448.º do CPP, aos recursos extraordinários para fixação de jurisprudência e de decisão proferida contra jurisprudência fixada “aplicam-se subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários”, ou seja, estas normas são aplicáveis aos recursos extraordinários nos casos omissos, nas matérias não regulados pelos arts. 437.º a 447.º do CPP. II - Não há qualquer lacuna que deva ser suprida pela aplicação do art. 417.º, n.º 2, do CPP, quando a lei, nos recursos extraordinários, não prevê a notificação ao arguido do parecer que o MP emite na vista que lhe é concedida ao abrigo do n.º 1 do art. 440.º do CPP. III - Se o TC tem afirmado que o parecer do MP deve ser notificado ao arguido, para sobre ele se poder pronunciar, sob pena de violação do disposto nos n.ºs 1 e 5 do art. 32.º da CRP, fê-lo sempre tendo em vista os recursos ordinários, em que o MP representa a acusação. IV - E não é essa a situação presente, onde não está em causa um processo penal que tem por objecto uma acusação deduzida contra o arguido, mas antes um procedimento cujo objecto, como se acentuou no Ac. do STJ 05-12-2012, Proc. n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1, “é constituído pela determinação do sentido de uma norma, com força quase obrigatória e, de qualquer modo, geral e abstracta, a benefício directo dos valores da certeza e da segurança jurídica, unificando a interpretação e o sentido de uma norma que os tribunais de recurso consideravam de modo divergente.”. V - Aliás, numa situação aproximada, o TC, no Ac. n.º 376/2000, não considerou violadoras das normas dos arts. 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP e 6.º da CEDH, a não notificação ao condenado do parecer do MP na vista que teve do processo, ao abrigo do n.º 1 do art. 455.º do CPP, tendo em conta precisamente “a estrutura processual do recurso de revisão”.» No mesmo sentido, os acórdãos de 13-11-2013 (Proc. n.º 245/03.1IDPRT.P1-A.S1 - 3.ª Secção) e de 08-01-2009 (Proc. n.º 3057/06 - 5.ª Secção)[3]: a inobservância do disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP não constitui nulidade, sendo susceptível de constituir mera irregularidade. Com efeito, como se salienta no citado acórdão de 13-11-2013, no processo penal vigora em matéria de nulidades o princípio da legalidade, segundo o qual a violação ou a inobservância das disposições da lei só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular – cf. n.º 1 do art. 118.º do CPP.
Também no acórdão de 17-05-2017, proferido no processo n.º 28/13.0PPRT.P1.S1 – 5.ª Secção, se considera que a falta de notificação do parecer do Ministério Público emitido no âmbito do artigo 440.º, n.º 1, do CPP, não configura um caso de nulidade pois, como resulta do artigo 118.º, n.os 1 e 2, do CPP, qualquer violação da lei processual penal só constitui nulidade se como tal estiver expressamente prevista na lei. Esta lei é a lei do processo penal que assim prevê exaustivamente os casos de nulidade em processo penal. Ora, nos termos do artigo 440.º, n.º 1, parte final do CPP, o processo, após ser recebido no Supremo tribunal de Justiça vai com vista ao Ministério Público, por 10 dias. E nenhuma disposição da lei do processo penal classifica como nulidade a falta de notificação ao recorrente arguido da pronúncia que o Ministério Público emita nesse acto. Sucede, porém, que a irregularidade ou, no entender do Reclamante, a nulidade, não se tem por verificada. Acompanhando novamente o citado acórdão de 20-11-2014, o parecer do Ministério Público emitido ao abrigo do disposto no artigo 440.º, n.º 1, do CPP não tem que ser notificado ao recorrente, Tratando-se aqui de um recurso extraordinário interposto contra jurisprudência fixada, é por via da remissão que as normas que disciplinam este tipo de recurso fazem para a disciplina dos recursos ordinários, enquanto disciplina subsidiária daquele (artigo 448.º do CPP), que se invoca a necessidade de notificação ao recorrente do parecer que o Ministério Público venha a emitir ao abrigo do disposto no art. 440.º, n.º 1, nos mesmos termos do art. 417.º, n.º 2, ambos do CPP.
Ora, no respeitante a este tipo de recurso, o que está em causa, como se deixou expresso no acórdão agora sob reclamação, é a defesa de um interesse na unidade do direito. O recurso extraordinário, previsto no artigo 446.º do CPP, interposto de decisão em que se invoca a sua não conformidade com um acórdão de fixação de jurisprudência constitui um meio impugnatório apto não só a fazer respeitar jurisprudência fixada anteriormente, mas também a possibilitar o reexame dessa jurisprudência.
Como se salienta no citado acórdão de 20-11-2014, só reflexamente o interesse de um determinado sujeito processual ou parte civil (porque não se trata da específica posição do arguido, que já não tem aqui esse estatuto) pode ser afectado, na medida em que a decisão que vier a ser proferida tem eficácia no processo, não obstante o trânsito em julgado da decisão recorrida (art. 445.º do CPP), com respeito, naturalmente, pelo princípio da proibição da reformatio in pejus.
Por conseguinte, não se trata já, nesta fase, de assegurar propriamente as garantias do processo criminal, tal como decorrem do art. 32.º da Constituição da República, pois estas pressupõem a existência de um processo criminal, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão, sendo que o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, tal como o recurso interposto de decisão proferida contra jurisprudência fixada pressupõem justamente o trânsito em julgado da decisão recorrida, bem como da decisão que serve de fundamento.
Ora, como aí se considera:
«[…] tendo em conta estas especificidades, não parece que o parecer que o Ministério Público venha a emitir ao abrigo do artigo 440.º, n.º 1 do CPP, deva ser notificado ao arguido, nos termos do artigo 417.º, n.º 2.
Em primeiro lugar, muito embora o art. 448.º disponha que aos “recursos previstos no presente capítulo aplicam-se subsidiariamente as disposições que regulam os recursos ordinários”, o art. 440.º, n.º 1 estabelece que, “recebido no Supremo Tribunal de Justiça, o processo vai com vista ao Ministério Público, por 10 dias, e é depois concluso ao relator, por 10 dias, para exame preliminar”. E logo a seguir determina os trâmites subsequentes: o relator pode determinar que o recorrente junte certidão do acórdão com o qual o recorrido se encontra em oposição (n.º 2) e, no exame preliminar, verifica a admissibilidade, o regime de subida do recurso e a existência de oposição entre os julgados (n.º 3). Nada se determina sobre a notificação do eventual parecer do Ministério Público.
Poder-se-ia dizer que se trata de uma lacuna, a preencher pelo recurso à norma subsidiária do art. 417.º, n.º 2. Mas a verdade é que se não trata de lacuna.
Qual a razão de ser da notificação ordenada por aquele art. 417.º, n.º 2, enquanto norma inserida no capítulo dos recursos ordinários?
É, segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional, que remonta à polémica gerada em torno do art. 664.º do CPP de 1929, assegurar as garantias de defesa do arguido, ou seja, as garantias do particular a quem é imputada uma determinada infracção, dando-lhe a oportunidade de responder sempre que o Ministério Público, representante da acusação, se pronunciar sobre o objecto do processo ou sobre o conhecimento do recurso. Isto na formulação mais lata e abrangente, que acabou por ser consagrada, do direito de defesa, garantido através do contraditório – um direito de defesa que compreensivelmente se leva a uma expressão enfática quando está em causa a imputação de uma infracção, concedendo ao arguido o direito de ter a última palavra (Por todos, cf. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 469/97 e 533/99, respectivamente publicados nos DR 2.ª S de 16/10/97 e de 22/11/99).
Ora, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como se disse já, não está em causa a imputação de uma infracção, nem rigorosamente se trata de garantir os direitos inerentes ao estatuto de arguido. O respectivo processo já correu os seus termos até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, tratando-se agora de fixar o sentido da jurisprudência que deve ficar a valer, ante a constatada realidade de dois acórdãos divergentes. O arguido, que o foi no processo principal, se tem legitimidade, a par de outros sujeitos processuais, para interpor esse recurso, não é já alvo de qualquer actividade processual tendente ao apuramento da sua responsabilidade pela prática de uma infracção. Esse foi o objecto do processo principal. O objecto do recurso extraordinário é o diferendo jurisprudencial submetido à apreciação do mais alto tribunal da hierarquia dos tribunais, visando a interpretação de uma dada norma e a fixação do sentido com que ela deve ficar a valer, em termos semelhantes aos da enunciação normativa, isto é, em termos gerais e abstractos, muito embora os tribunais em geral, ao contrário do que sucedia com os assentos, não sejam obrigados a seguir a orientação perfilhada, mas devendo fundamentar obrigatoriamente a divergência em relação a essa orientação. A decisão tem eficácia apenas no processo onde foi interposto o recurso, mas vale para situações idênticas (enquanto a jurisprudência fixada não for modificada), não no sentido de acatamento obrigatório, mas no da exigida fundamentação da divergência em relação ao decidido, apoiada em argumentos que não sejam os da mera reprodução da posição que ficou vencida. Daí o recurso obrigatório de decisão que vá contra a jurisprudência fixada.
Nesta perspectiva, não se impõe um direito de defesa na dimensão densificada com que se nos apresenta no processo criminal e, de uma forma geral, em todos os processos sancionatórios, desde a fase preliminar até ao trânsito em julgado da respectiva decisão, incluindo, portanto o direito ao recurso como parte integrante do direito de defesa. Aqui, já não se trata de reapreciar uma decisão proferida contra o arguido ou em que, em todo o caso, haja que assegurar, na sua plenitude, os direitos de defesa e as garantias do processo criminal. Do que se cura é de resolver o conflito de jurisprudência, independentemente da posição dos sujeitos processuais, maxime, do arguido. Assim também a posição do Ministério Público é muito diferente, visto que já não aparecendo na veste de titular da acção penal, mas de simples defensor da legalidade.
Por outro lado, incumbe ao recorrente, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, seja ele arguido ou outro sujeito processual, delinear os pressupostos desse recurso, identificando os acórdãos contraditórios e justificando a oposição que origina o conflito (artigos 437.º e 438.º do CPP).
Os outros sujeitos processuais e, nomeadamente o Ministério Público, têm o direito de se pronunciarem sobre esses pressupostos – e tão só sobre eles, visto que o que está em causa na primeira fase deste recurso é justamente a questão preliminar da admissibilidade do recurso e da oposição de julgados, sendo que, na conferência, a que o relator há-de submeter essa questão, os juízes se pronunciam sobre a existência desses pressupostos, rejeitando o recurso no caso de faltar algum deles, ou fazendo prosseguir o processo até ao seu julgamento em conferência pelo plenário das secções criminais (artigos 441.º e segs.). Com isso – com a oportunidade conferida aos sujeitos processuais interessados de responderem -, fica esgotado o direito ao contraditório.
Daí que se não imponha, por todo o complexo de razões que foram adiantadas, a notificação do parecer que o Ministério Público eventualmente venha a emitir no Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 440.º, n.º 1 do CPP.»
No mesmo sentido, são referenciadas no mesmo acórdão outras decisões deste Supremo Tribunal: o acórdão de 22-02-2007 (Proc. n.º 4040/06 – 5.ª Secção, relatado pelo mesmo Ex.mo Relator (Cons. Rodrigues da Costa), e os acórdãos de 14/09/2011 (Proc. n.º 344/04.2GTSTR.S1-A); de 05/12/2012 (Proc. n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1) e de 20/02/2013 (Proc. n.º 1388/05.2TAVRL.P1-A.S1), todos da 3.ª Secção.
As considerações expendidas no trecho transcrito são perfeitamente transponíveis para a situação presente, até por maioria de razão já que o sujeito processual aqui presente não tem o estatuto de arguido mas sim de assistente.
A falta de notificação do parecer que neste recurso extraordinário o Ministério Público emite não constitui violação do princípio do contraditório consagrado no artigo 32.º da Lei Fundamental, atenta a específica natureza deste recurso.
Como se assinala no acórdão deste Supremo Tribunal de 20-02-2013, acima referenciado:
«[…] o recurso para fixação de jurisprudência tem um procedimento especial. O processo vai com vista ao MP por 10 dias e depois é concluso ao relator para exame preliminar, por idêntico prazo. Esse exame destina-se à verificação da admissibilidade formal e da existência de oposição de julgados, questão que deverá ser decidida por acórdão no prazo de 10 dias. Sendo reconhecida a oposição de julgados o recurso segue para uma nova fase, na qual os sujeitos processuais são notificados para produzir alegações em 15 dias, não havendo lugar a resposta.
É, pois, inequívoco que o CPP não prevê a notificação do parecer do MP, elaborado ao abrigo do art. 440º, nº 1, do CPP, ao recorrente. A lei estabelece uma tramitação própria para este recurso, na qual não está incluída essa notificação. Não há qualquer lacuna legislativa, pelo que não é possível apelar à aplicação subsidiária do processo do recurso ordinário, por via do art. 448º do CPP.
[…] as especificidades de que se reveste a tramitação do recurso em referência [recurso extraordinário para fixação de jurisprudência] (não só aquela, como também a inexistência de contra-alegações na fase subsequente à declaração de oposição de julgados) justificam-se pela natureza específica deste recurso.
Na verdade, o que se pretende com este meio de impugnação é fixar um entendimento que ponha termo a divergências jurisprudenciais sobre uma certa questão de direito, contribuindo assim para a certeza na sua aplicação. Embora a decisão que resolver o conflito tenha eficácia no processo (art. 445º, nº 1, do CPP), é a fixação abstracta do entendimento a seguir quanto à questão de direito controversa que constitui o núcleo deste recurso. É, em síntese, a declaração do direito, no quadro estabelecido pela oposição de julgados, que caracteriza este recurso extraordinário.
Sendo assim, o recurso não assume as características típicas do recurso ordinário, que se destina a reapreciar um litígio concreto, opondo o MP, enquanto titular da acção penal, e o arguido, e portanto a decidir a solução do caso.
Ao invés, no recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, é a decisão de uma questão de direito que é o objecto do procedimento, é a fixação da interpretação de uma norma, a definição de um certo conteúdo normativo que se pretende, com consequências não só naquele processo como em todos os demais em que se coloque a mesma questão de direito.
Por isso, o MP não intervém neste tipo de recurso como titular da acção penal. Ele não tem interesse num certo resultado, mas apenas na boa administração da justiça. Ele intervém numa posição de neutralidade, como amicus curiae.
Por estas razões, não existe violação do princípio do contraditório.»
Concordamos com este entendimento, igualmente perfilhado no recente acórdão deste Supremo Tribunal de 18-01-2018, proferido no processo n.º 1211/12.1PBXL.L2-A.S1 – 5.ª Secção, entendimento que, insiste-se, é inteiramente válido e transponível para a situação presente em que, para além de que aqui também está em causa um recurso extraordinário, o Reclamante não tem o estatuto de arguido, no âmbito do qual o princípio do contraditório assume toda a relevância, mas sim o estatuto de Assistente.
Em face do exposto, seguindo o entendimento que, como referido, o Supremo tribunal de Justiça adoptando com uniformidade, indefere-se a arguição da nulidade formulada pelo Assistente.
Na matéria alegada nos n.os 4 a 18 do requerimento apresentado, o Assistente expõe a sua discordância quanto ao decidido no acórdão sob reclamação. Trata-se, porém, de matéria relativamente à qual não nos podemos pronunciar uma vez que, com a prolação do acórdão, está esgotado o poder jurisdicional deste Tribunal no âmbito do presente recurso.
Quanto ao pedido formulado no n.º 22 do requerimento, no capítulo II relativo ao apoio judiciário, no sentido da aposição da menção da formação do alegado acto tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica, cumpre dizer o seguinte:
Nos termos do artigo 25.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias e, decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica. Nesta situação, de acordo com o disposto no n.º 3 do mesmo preceito, «é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito».
Como claramente se retira da citada disposição, não se prevê a aposição, constatação, certificação pelo tribunal de qualquer menção da formação do acto tácito de deferimento. O que a norma contempla é a menção em tribunal da formação do acto tácito.
Termos em que se indefere o pedido de aposição da menção da formação do acto tácito de deferimento da protecção jurídica formulado pelo Requerente.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a reclamação apresentada pelo Recorrente AA e o pedido de aposição da menção da formação do acto tácito deferimento da protecção jurídica formulado pelo mesmo.
Custas pelo Reclamante com 2 UC de taxa de justiça.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 27 de Fevereiro de 2019 ---------------------------- |