Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6500/07.4TBBRG.G2,S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ACTOS PROCESSUAIS
NULIDADES
INEPTIDÃO DA PETIÇÃO INICIAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
FACTOS CONCRETIZADORES
AQUISIÇÃO PROCESSUAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / NULIDADES DOS ACTOS ( NULIDADES DOS ATOS ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 206.º, 264.º, N.º3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 186.º, 200.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19/2/2013.
Sumário :
1. A ineptidão da petição inicial – nulidade principal que não pode ser oficiosamente suscitada e conhecida na fase de recurso – supõe que o A. não haja definido factualmente o núcleo essencial da causa de pedir invocada como base da pretensão que formula, obstando tal deficiência a que a acção tenha um objecto inteligível.

2. A mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos  factos essenciais em que se estriba  a pretensão deduzida ( implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omite a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial) não gera o vício de ineptidão, apenas podendo implicar a improcedência, no plano do mérito, se o A. não tiver aproveitado as oportunidade de que beneficia para fazer adquirir processualmente os factos substantivamente relevantes, complementares ou concretizadores dos alegados, que originariamente não curou de densificar em termos bastantes.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e mulher, BB, intentaram acção de condenação, na forma ordinária, contra CC e mulher, DD , pedindo que os RR. sejam condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o prédio que identificam e a restituírem-lhes determinada  parcela de terreno – faixa horizontal, situada na parte sul do prédio reivindicado pelos AA., contígua à estrada nacional - que abusivamente ocuparam, bem como a absterem-se de perturbarem novamente o seu direito de propriedade e posse.

Citados, contestaram os RR, impugnando os factos alegados pelos AA., sustentando que a parcela de terreno em litígio faz parte do seu próprio prédio e defendendo a improcedência da acção.

Os AA replicaram, reiterando a sua inicial posição.

Após saneamento e instrução do processo, procedeu-se a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença a julgar a acção procedente - condenando os RR a reconhecerem o direito de propriedade dos AA sobre todo o prédio identificado na petição, incluindo a parcela de terreno que se desenvolve ao longo da sua confrontação com a via pública, situada a sul, e a restituírem-lhes essa parcela.

Inconformados, os RR apelaram, tendo a Relação julgado parcialmente procedente o recurso, alterando a resposta ao ponto 1º da base instrutória, dela expurgando  matéria de facto não oportunamente alegada, nem processualmente adquirida de forma regular,  - e determinando ainda  a ampliação da base instrutória, mediante o aditamento de novos factos, referentes à inclusão da faixa de terreno referida no art- 7º da BI em algum dos prédios em litígio,  com a consequente anulação da decisão sobre a matéria de facto e da sentença.

Efectuado o ordenado aditamento à BI e realizado o julgamento, foi proferida nova sentença, idêntica à primeira.

Novamente inconformados, apelaram os RR., impugnando, desde logo, o julgamento da matéria de facto, tendo a Relação negado provimento ao recurso, não determinando qualquer alteração quanto à matéria de facto e considerando extemporânea a junção de determinado documento na fase da alegação.

De tal acórdão foi interposto recurso de revista para o STJ.

O STJ, em acórdão de 19.02.2013 (fls. 972/986), anulou o referido Acórdão da Relação, determinando que:

- após produção de prova sobre o invocado conhecimento tardio do documento de fls. 749, se decidisse admitir  ou rejeitar esse documento; e, caso fosse admitida a respectiva junção, a Relação apreciasse livremente o seu conteúdo, em conjugação com a demais prova, no âmbito da reapreciação da matéria de facto impugnada.

- se  eliminasse, nos termos do nº4 do art. 646º do CPC, a matéria constante dos quesitos 14º e 15º ( em que se perguntava se a parcela de terreno em litígio fazia parte do prédio dos AA. ou dos RR.), por considerar o seu conteúdo manifesta e claramente conclusivo.

2. Remetidos os autos à Relação, começou esta por enunciar a matéria que a decisão de 1ª instância considerara provada, notando que, por força do decidido pelo STJ, tinha de considerar-se inexistente o segmento do ponto  10 da matéria de facto, atinente à inclusão da faixa de terreno em litígio no prédio reivindicado pelos AA., fazendo-o nos seguintes termos:

“1 - Em 17 de Abril de 2001, foi adjudicado à firma "EE, Lda", no âmbito do processo de execução que sob o n.º 18/98 correu termos pelo 3º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Braga, o prédio rústico denominado "B...", a confrontar do norte com FF, do sul com caminho municipal n.º 1316, do nascente com GG e do poente com HH, situado na freguesia de ..., neste concelho e comarca de ..., inscrito na matriz sob o artigo 426º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 414.

2 - Essa aquisição mostra-se definitivamente registada a favor da "EE, Lda", por apresentação datada de 8 de Março de 2002.

3 - O prédio transmitido fora arrestado em Fevereiro de 1998, no âmbito de uma providência cautelar intentada pela "EE, Lda", como preliminar da citada execução, arresto esse que foi posteriormente convertido em penhora.

4 - Por escritura pública outorgada no dia 22 de Novembro de 2006, II e JJ, agindo na qualidade de sócios gerentes e em representação da "EE, Lda", declararam vender ao A., que por sua vez declarou comprar à representada daqueles, o referido prédio, mediante uma contrapartida pecuniária de € 25.000,00.

5 - No decurso de uma assembleia geral realizada no dia 28 de Dezembro de 2006, foi aprovada por unanimidade a proposta de dissolução da "EE, Lda", bem como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo.

6 - Por escritura pública outorgada no dia 12 de Abril de 2001, no 2° Cartório Notarial de Braga, LL declarou vender aos RR, os quais, por sua vez, declararam comprar àquela, o prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-da-chão e andar, com logradouro, situado no lugar do ..., freguesia de ..., neste concelho e comarca de ..., inscrito na matriz sob o artigo 436° e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 416°, mediante uma contrapartida pecuniária de 18.500 contos.

7 - Desde há mais de 20 anos que os AA, por si e antecessores, usufruem o prédio referido na alínea A), venerando-o e suportando os inerentes encargos, o que sempre fizeram ininterruptamente, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de dele serem donos.

8 - Esse prédio confronta do lado nascente com o prédio referido na alínea F) da matéria de facto assente.

9 - Em 2002, aquando de uma visita ao prédio por parte do legal representante da firma “EE, Lda”, o Réu marido, arrogando-se dono de uma parcela de terreno que dele fazia parte, correspondente a uma faixa horizontal contígua à estrada que o delimita pelo lado sul, impediu aquele de o vedar.

10 - Há mais de 30 anos que o prédio referido na alínea A) da matéria de facto assente apresenta as confrontações aí indicadas.

11 - Em Março de 2006, o Réu marido impediu um topógrafo recrutado pelo legal representante da "EE, Lda" de fazer o levantamento do prédio referido em A).

3. De seguida , e após enunciar as questões que constituíam objecto do recurso de apelação –em que se incluía a impugnação deduzida contra o julgamento da matéria de facto em 1ª instância – suscitou a Relação a questão prévia de ineptidão da petição inicial, já que, na sua óptica, integraria tal nulidade principal a falta de alegação de factos que permitissem a sustentação do direito reivindicado, fazendo-o nos seguintes termos:

A causa de pedir é constituída pelo facto ou factos de onde emerge o direito que o A pretende fazer valer. Nas acções reais (como é o caso), a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real. (artº 498º, nº 4 do CPC)

Pede-se, na petição inicial, o reconhecimento da posse e do direito de propriedade sobre determinado prédio e ainda a restituição ao A de “toda e qualquer parcela” daquele prédio, nomeadamente “a referida em 27º”.

No artº 27º da petição inicial “identifica-se” tal “parcela” como “uma faixa horizontal, na parte sul do prédio id. Em 3º, contígua à estrada nacional”. Em nenhum outro local da petição inicial se descreve com um mínimo de rigor tal parcela.


Entendemos que, pura e simplesmente, não é alegado (de forma minimamente inequívoca / concretizada) o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade que se pretende fazer valer, ou seja, especificamente, o direito de propriedade sobre a referida parcela (imprecisão que, evidentemente, se estende à integralidade do prédio): com efeito, sem a necessária descrição da parcela (desde logo, a respectiva área e contornos concretos), como é possível que o tribunal aprecie com exactidão a sua pretensão e, mais grave, como pode concretizar-se a decisão, se é desconhecido o concreto objecto a executar – em caso de procedência da acção, qual é a parcela que se restitui aos AA? Qual é a sua área? Qual é a sua concreta implantação no local?

Entendemos, pois, que a petição inicial é notoriamente inepta. (artº 193º, nº 2, alínea a) do CPC)

A ineptidão da petição inicial dá lugar à absolvição da instância, uma vez que, tratando-se de um vício processual que gera a nulidade de todo o processo (artº 193º, nº 1), é-lhe aplicável o disposto nos artigos 288º, nº 1, alínea b) e 494º, alínea b), ambos do CPC. 

Decidir-se-á em conformidade, ficado prejudicado o conhecimento das demais questões.


4. Inconformados, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões:

1. O Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, doutamente composto por 30 páginas, resolve o litígio que separa as partes em 4 curtíssimos parágrafos, e que, em sumula, conclui pela ineptidão da petição inicial, absolvendo os RR da instância, pelas duas e seguintes ordens de razão:

i) falta de alegação do facto jurídico sobre qual deriva o direito de propriedade dos autores sobre o imóvel;

ii) falta de alegação do facto jurídico sobre qual deriva o direito de propriedade dos autores sobre a parcela do imóvel - e, ao contrário do que se escreve no acórdão sub judice estas duas problemáticas terão de ser analisadas por esta ordem, sob pena do raciocínio não ser lógico (infra será explanado porquê); e

iii) falta da necessária descrição da parcela.


2. Porém, na opinião dos autores, tais conclusões violam os factos do caso e o Direito material e adjetivo aplicável, motivo pelo qual se apresenta o presente recurso de revista.

3. A resolução que este Colendo Tribunal a final irá proferir não poderá nunca deixar de ter em conta as vicissitudes processuais que se distribuem já por largos anos.

  i) Ainda corria o ano de 1998, 16 anos atrás, quando os Autores, por intermédio dos seus antepossuidores - a sociedade Alves & Castro, Lda. - tiveram a necessidade de intentar a ação executiva com o n.° 18/98, e que correu termos no extinto 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga para cobrança de um crédito. Em sequência, já no ano de 2002, o imóvel/parcela sub judice veio a ser adjudicado à referida sociedade EE, Lda. como forma de pagamento do crédito exequendo.

  ii) Em 21 de Setembro de 2006, a sociedade EE, Lda. intenta providência cautelar contra o Réu marido para obter a restituição provisória da posse sobre a parcela sub judice, o que, doutamente, foi deferida, a que se seguiria a ação declarativa, intentada em 13.09.2007, igualmente julgada procedente, que os RR. contestaram demonstrando conhecimento dos factos e da exatidão como a parcela foi descrita na PI, não invocando a ineptidão da petição inicial.

  iii) Não se conformando, e com base noutra ordem de argumentação, os Réus apresentaram recurso junto do Tribunal da Relação de Guimarães, o qual ordenou a alteração da resposta a um quesito, e a descida dos autos à primeira instância, tendo, novamente, em 1ª instância, o Tribunal decidido dar razão aos Autores, o que originou novo recurso dos RR junto da Relação.

  iv) Em meados de 2012, o Tribunal da Relação de Guimarães indeferiu tudo o peticionado pelos Réus.

  v) Sem que os RR ou o Tribunal oficiosamente tivessem alguma vez invocado a ineptidão da petição inicial.

  vi) Novo recurso dos Réus, e em 2013, os presentes autos estiveram nas mãos deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, que achou por bem ordenar a descida dos autos para produção de prova testemunhal (MM) - com a única finalidade de admissão de documento tardiamente junto pelos RR. Não tiveram os Ilustres Juízes Conselheiros dúvidas sobre a aptidão da petição inicial.

  vii) A Relação ordena que o processo desça para o mencionado fim, à 1a Instância. A testemunha depõe. O ilustre Juiz de 1ª Instância realiza a diligência de inquirição e devolve os autos ao Tribunal da Relação de Guimarães, a fim de se pronunciar sobre a admissibilidade do documento constante de fls. 749, de harmonia com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

  viii) Foi pois só aqui, após cumprimento do doutamente ordenado pelo Supremo Tribunal de Justiça, e à terceira vez que analisa o processo, que o Venerando Tribunal a quo, o Tribunal da Relação de Guimarães, à revelia de tudo o que havia sido ordenado por este Venerando Tribunal, vem decidir que afinal ninguém sabe o que está a ser discutido nos autos, pelo que é tudo anulado!

4. Algo que nunca antes fora alegado, nomeadamente pelo Ilustre Juiz de 1.a Instância no saneador ou nas duas sentenças proferidas, nem a Relação nas duas vezes anteriores, nem mesmo o Supremo Tribunal de Justiça na anterior vez em que o processo esteve nas suas venerandas mãos, e que ordenara a descida do processo para um fim exclusivo que foi de todo renegado pela Relação.


5. O Venerando Tribunal a quo decidiu em erro, pois é por demais evidente a suficiência da identificação e pormenorização do prédio.

6. Vejam-se parágrafos 3 da PI, bem como teor do Documento 1 junto aos autos da providência cautelar, composto por certidão do registo predial, para o qual o citado paragrafo 3º da Petição Inicial faz expressa referência, e Certidão do processo executivo n.° 18/98, que correu termos no 3.° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Braga, e junta aos autos por requerimento datado de 28/03/2008: "(...), do prédio rústico denominado «B...», composto por terra e mato, com 952 m2 sito na freguesia de ..., confrontando de Norte com FF, Sul com caminho municipal 1316, Nascente com GG e Poente com HH, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.° 000414/08097,

(…)."

7. Ao contrário da decisão do Venerando Tribunal a quo, os Réus em momento algum impugnam a aquisição de propriedade pelos Autores do prédio identificado em 3º da petição inicial (veja-se artigo 1º da contestação).

8. É assim possível afirmar que as partes estão de acordo que o prédio existe, que esse prédio é o descrito na Conservatória do Registo Predial, que é o prédio sobre o qual se defrontam, que se não no todo reconhecem que pelo menos parte do prédio é propriedade dos Autores, discordando somente quanto à fronteira entre ambos!

9. Quanto à forma de aquisição do direito de propriedade, apesar de essa matéria estar evidenciada com clareza na matéria de facto assente, sob A) a E), para os quais aqui expressamente se remete, os Autores na sua petição inicial, nos parágrafos 3 a 23, de forma detalhada alegam os respetivos factos geradores.

10. É assim ostensivamente evidente que decidiu em erro o Venerado Tribunal da Relação a quo quando afirmou não terem os Autores identificado o facto jurídico sobre qual deriva o seu direito de propriedade sobre o imóvel sub judice.

11. Sob pena de se fazer tábua rasa do seu significado linguístico, a parcela em causa é uma parte do imóvel também em causa. Neste pressuposto, identificam os Autores a parcela do imóvel nos termos do artigo 27. da PI, para cujo teor se remete, e que mereceu o teor dos artigos 11, 24 da Contestação dos Réus.

12. O próprio Meritíssimo Juiz de 1ª Instância inspecionou pessoalmente a parcela em crise (Despacho de 13/02/2009), tal como o Sr. Agente de Execução que se deslocou ao local no âmbito da providência cautelar de restituição provisória da posse (Auto de 04/04/2007):

13. Pelo menos desde 05/04/2007 que a parcela sub judice está materialmente identificada no local e, mesmo antes dessa data, Autores e Réus sabiam perfeitamente qual era a parcela.

  14. Identificada que está a parcela, nos limites do que é possível exigir, é por demais evidente que o direito de propriedade dos Recorrentes sobre a parcela tem exactamente a mesma origem que o direito de propriedade sobre o restante imóvel. Isto é, chegou à propriedade dos Recorrentes uma propriedade única, propriedade essa que incluiu, como não podia deixar de ser, a parcela aqui em crise, e todas as demais parcelas em que abstratamente se queira/possa dividir o imóvel. O imóvel é só um, e a parcela é parte desse imóvel.

15. O acórdão sub judice viola o caso julgado que, de forma definitiva, já havia decido quanto à aptidão/ineptidão da petição inicial, e, de igual forma, sobre demais vícios ou nulidades quer do processo, quer das peças processuais em causa.

16. Por despacho saneador de 02/04/2008, o Ilustre Tribunal de 1ª Instância concluiu pela plena aptidão da petição inicial, não tendo os Réus invocado a existência de ineptidão da petição inicial, pelo contrário, mostraram perfeito conhecimento sobre o objecto dos autos, e não recorreram do douto despacho saneador.

17. Assim, os Réus não consideraram que havia ineptidão da petição inicial, não a invocaram na sua contestação, o Meritíssimo Juiz de 1.a Instância fez despacho saneador considerando não haver ineptidão da petição inicial, despacho saneador esse que apenas foi objecto de reclamação por parte dos Réus quanto a matéria distinta - a amplitude dos factos provados e questionário - e não quanto à inaptidão da petição inicial.

18. Posto isto, nos termos do Art. 510º nº 3, do CPC ([1]), tal decisão jurisprudencial, por não ter sido alvo de recurso por nenhuma das partes, e após o seu trânsito em julgado, passou a valer como caso julgado:

19. A jurisprudência deste Alto Tribunal, como não poderia deixar de ser, vai no sentido da existência de caso julgado formal relativamente à excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, caso, tal como nos autos, tal excepção não seja alegada pela parte interessada na fase dos articulados ou não se apresente recurso do despacho saneador. Assim, e a título de exemplo, veja-se o teor dos Acórdãos melhor identificados em rodapé "33, "34, 35, 36, "37, "38, "39, "40, "41, 42, "43, "44, "45 ([2])

20. É esmagadora a Jurisprudência no sentido de retirar à Relação o poder de, nesta fase processual, decidir pela ineptidão da petição inicial, havendo iá caso julgado quanto a essa matéria. Pelo exposto, mostra-se claro que o Venerando Tribunal a quo violou o Art. 620.° do Código de Processo Civil, o que fundamenta, nos termos do Art. 674.°, n.° 1, alínea b), também do Código de Processo Civil, o presente recurso de revista.

21. Sem prescindir, mas o que só por mera cautela de patrocínio de concede, mesmo aceitando-se que a petição inicial possa padecer de ineptidão, mal decidiu o Venerando Tribunal a quo, pois nos termos dos Artºs 278.°, n.° 3, e 6.°, n.° 2, ambos do Código de Processo Civil, por se tratar de mera excepção dilatória, deveria ter ordenado a notificação dos Autores para virem corrigir a peça processual defeituosa.

22. Acrescente-se que, nos termos do Art. 590.°, n.° 2, alínea a), do Código de Processo Civil, o Venerando Tribunal a quo estava vinculado à obrigação de notificar os Autores para virem a juízo corrigir eventual excepção dilatória identificada.

23. Mesmo que o vício processual só tenha sido identificado nesta fase processual de recurso, isto é, largos anos após o despacho saneador, tal não liberta o Julgador da obrigação legalmente imposta de cooperação com as partes, e, mais importante ainda, do princípio geral de direito que dá primazia às decisões de mérito sobre as decisões de forma. (Ac RC, de 14.05.2013, Proc. 2665/10.6TJCBR.C1, in www.dgsi.pt)

24. Concomitantemente ainda, o Venerando Tribunal a quo violou de forma absoluta do Art. 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil: "O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem."

25. Ora, o Venerando Tribunal a quo não deu oportunidade aos Autores para se pronunciarem sobre a exceção dilatória julgada procedente. A jurisprudencial nacional tem sido muito clara na obrigatoriedade imposta pelo Art. 3.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, e a denominada proibição das decisões surpresa, tal e qual como a do Tribunal a quo. Veja-se, a título de exemplo"46 ([3])

26. "4. Decisão surpresa é aquela que comporta uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo."47 ([4])

27. E, especificamente quanto à excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, aqui se invoca o seguinte acórdão:

"I - O conhecimento oficioso, pelo juiz, da nulidade de todo o processado por ineptidão da petição inicial, realizado imediatamente após os articulados, sem que seja dada a oportunidade a qualquer das partes de se pronunciar sobre tal matéria de direito -decisiva para a sorte do pleito -, até então perfeitamente omitida nos autos, constituiu uma decisão surpresa, que ofende o princípio consignado no art° 3°, n° 3, do Cod. Proc. Civil." 48 ([5])

28. A ineptidão da petição inicial é questão nova que - repete-se - nos largos anos deste processo nunca foi invocada (e por diversas vezes o processo foi analisado por Ilustres Juízes de 1.a e 2.a Instância e, também, por este Colendo Tribunal ad quem) e sobre a qual os Autores não tiveram a oportunidade de apresentar os seus argumentos.

29. A decisão a quo é um caso flagrante de violação do princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais que conforma o nosso processo civil - apesar de tal princípio não constar expressamente de nenhum artigo do Código de Processo Civil, são vários os seus afloramentos, por exemplo: Artºs 6º, nº 2, 195º, nº 2, 595º, nºs 2, 3 e 4, 614º, e 615º, todos do Código de Processo Civil.

30. Foi extensa a prova produzida - documental e testemunhal -, foram numerosas as peças processuais escritas pelas partes, Ilustres Magistrados já gastaram em conjuntos várias dezenas de horas a ouvir prova, analisar o processo e a escrever sentenças e acórdãos. Porém, todo este trabalho, de uma só vez e sem a devida moderação, é destruído por uma decisão absolutamente antagónica e conflituosa com todas as produzidas anteriormente.

31. Não pode ainda este Colendo Tribunal deixar de ter em conta a forma como o cidadão comum -o omnipresente bonus pater famílias.

32. Os Autores e os Réus já há diversos anos que se degladiam juridicamente sobre a parcela do imóvel sub judice, e não é possível aceitar - para ambas as partes - que, depois do todo o tempo, energia e recursos financeiros despendidos o processo judicial seja pura e simplesmente atirado ao lixo, como consequência de um pecado original datado de 13 de Setembro de 2007, ou seja, há mais de 7 anos 49 ([6]). Não pode este Colendo Tribunal aceitar a destruição pura e simples de todo este trabalho.

33. Além de que este Venerando Tribunal havia, da última vez que decidiu estes autos, solicitado diligencias probatórias que, afinal, veio a Relação, em denegação clara do que lhe havia sido ordenado superiormente, recusar analisar e decidir o que fora executado pela 1ª Instância em sequência do ordenado pelo STJ.

34. Pelo exposto, mostra-se claro que o Venerando Tribunal a quo violou os Artºs 278.°, n.° 3, 6.°, n.° 2, 590.°, n.° 2, alínea a), e 3.°, n.° 3, todos do Código de Processo Civil e o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais, o que fundamenta, nos termos do Art. 674.°, n.° 1, alínea b), também do Código de Processo Civil, o presente recurso de revista.

35. Ora, mesmo aceitando-se a existência de deficiência na elaboração da petição inicial, o que só por mera cautela de patrocínio se concede, os Réus perceberam perfeitamente qual o alcance do peticionado pelos Autores, qual o imóvel em causa, qual a parcela em causa, e qual a forma de aquisição de propriedade.

36. Basta a mera leitura da contestação dos Réus para se perceber o alcance do seu conhecimento, em especial os artigos 11, 15, 19 a 27, 31 a 34, 41, para cujo teor se remete expressamente.

37. Cumpre analisar a Lei, chamando-se à colação o Art. 186.°, n.° 3, do Código de Processo Civil; 50 ([7])

38. Ora, nos presentes autos, os Réus nem sequer invocaram a ineptidão, mas, mesmo que a tivessem invocado, ao longo de todas as suas peças e intervenções processuais sempre demonstraram um conhecimento perfeito e pleno do direito que os Autores se arrogavam.

39. E a jurisprudência tem sido clara na sua interpretação:"51([8]), nomeadamente aquela que tem defendido que, mesmo mantendo-se a ineptidão da petição inicial, se a parte contrária mostrar entendimento quanto aos factos em litígio, o processo deverá prosseguir os seus ulteriores termos - "52 ([9])

40. Pelo exposto, e em conclusão, mostra-se claro que o Venerando Tribunal a quo violou o Art. 186.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, o que fundamenta, nos termos do Art. 674.°, n.° 1, alínea b), também do Código de Processo Civil, o presente recurso de revista.

41. O sucedido nos presentes autos de igual forma contende com o que se prescreve na Constituição da Republica Portuguesa, em especial o seu Art. 20.°, nº 4:

42. Atente-se nas ilustres palavras de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS: "O direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de «requisitos processuais», se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais do que uma simples denegação de justiça.") 53 ([10])

43. Entendimento este que, diga-se, é sufragado pela melhor jurisprudência nacional. A título de exemplo invoca-se aqui:

"II - Quando uma petição inicial, embora imperfeita, é suficientemente explícita para permitir a qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art. 236° do CC) ou a um diligente bom pai - e mãe - de família (art. 487° n.° 2 CC), compreender os contornos da relação material controvertida, mesmo que esses contornos não se encontrem claramente definidos, o Juiz do processo está vinculado ao dever de convidar a Autora a aperfeiçoar o seu articulado inicial, nos termos definidos no n.° 3 do art. 508° do CPC. III - Na verdade, sendo a função constitucional dos Juízes administrar a Justiça em nome do Povo (n.° 1 do art. 202° da Constituição da República Portuguesa), têm os mesmos que, dentro dos limites da Lei e obedecendo às regras previstas nos três números do art. 9º do CC - mas dando particular ênfase ao n.° 3 que faz apelo às «soluções mais acertadas» -, tudo para fazer dirimir/eliminar os conflitos que são submetidos aos seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus actos sempre no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição. IV - Era já esse o entendimento dos jurisconsultos da Roma Antiga que, bem antes de Cristo, proclamavam favorabilia amplianda, odiosa restringenda, brocardo que se encontra consubstanciado no princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes, de que o n.° 2 do art. 201° do CPC é um mero afloramento. V. Sendo também isso que se estipula no n.° 4 do art. 20° da Constituição da República Portuguesa, do qual resulta que o acesso dos cidadãos e demais entidades que interagem no comércio jurídico ao Direito deve ser facilitado e não dificultado ou restringido (Ac. RL, de 17.11.2009: Proc. 3417/08.9TVLSB.L1-1.dgsi.Net)."

44. Pelo exposto, mostra-se claro que o Venerando Tribunal a quo violou os Artºs 20º, n.°4, da Constituição da República Portuguesa e os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva e do direito o processo, o que também fundamenta, nos termos do Art. 674.°, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, o presente recurso de revista.

45. Em síntese: não há ineptidão da petição inicial, mas se existir essa matéria já há muito foi julgada e transitou em julgado; se mesmo assim for este Colendo Tribunal decidir pela ineptidão, o Venerando Tribunal a quo deveria ter notificado os Autores para corrigir a petição inicial e se pronunciarem quanto à excepção; e, por último, mesmo que se entenda a ineptidão da petição inicial de tal modo grave e insanável, nos termos do Art. 186.°, n.° 3, do Código de Processo Civil, a mesma terá de se considerar sempre e forçosamente sanada!


Os recorridos contra alegaram, suscitando a questão prévia da inexistência de requerimento de interposição do recurso e pugnando pela manutenção do decidido no acórdão recorrido.

  O recurso foi admitido, por se considerar manifestamente improcedente a questão prévia da insuficiência do requerimento de interposição do recurso, já que dele emerge, em termos bastantes, a manifestação da vontade de impugnar a decisão proferida.

   Concorda-se inteiramente com o decidido no despacho de admissão da revista, a fls.1217, por o requerimento de interposição respeitar os requisitos legalmente impostos, improcedendo assim a questão prévia suscitada pelos recorridos.


5. Importa, deste modo, verificar se pode subsistir a solução jurídica, adoptada para o litígio no acórdão recorrido, – e que se traduziu na suscitação oficiosa, no momento do julgamento da apelação, da nulidade principal de ineptidão da petição inicial.

  Poderá ter-se por tempestiva a suscitação, apenas na fase de recurso, de tal nulidade principal – depois de ter sido decidido o mérito da causa em anteriores sentença e acórdão?

   Deveria tal suscitação ter sido precedida de audição das partes, ao abrigo da regra do contraditório?

A insuficiência ou falta de densificação nos articulados apresentados da matéria factual atinente à exacta delimitação das extremas dos prédios em confronto – de modo a identificar-se mais claramente os limites físicos da parcela realmente em litígio – poderá originar, só por si, o referido e drástico vício de ineptidão, gerador da nulidade de todo o processo?

Afigura-se que, quanto a estes pontos, tem de reconhecer-se razão aos recorrentes – importando notar, desde logo, que o vício de ineptidão da petição inicial não pode ser apreciado, mesmo oficiosamente, aquando do julgamento da apelação.

Efectivamente, face ao preceituado no art. 200º, nº1, do CPC a referida nulidade principal, prevista no art. 186º do CPC, é apreciada no despacho saneador, se o não tiver sido antes - podendo conhecer-se dela até à sentença final, se o processo não comportar despacho saneador.

Resulta, pois, claramente deste preceito legal – que reproduz inteiramente o regime que já constava do anterior art. 206º do velho CPC – que a nulidade por ineptidão da petição inicial está irremediavelmente precludida no momento em que é proferida sentença em 1ª instância, não podendo, consequentemente, ter-se por verificada, mesmo por impulso oficioso do Tribunal, apenas na fase de recurso.

E bem se compreende, aliás, o estabelecimento de um tal limite temporal à suscitação do vício de ineptidão, já que a prolação de decisão sobre o litígio – no caso dos autos, decisão sobre o mérito da causa, confirmada, aliás, por um primeiro acórdão, proferido pela Relação – implica necessariamente que, no desenrolar do processo, a eventual e originária insuficiência estrutural da petição inicial tenha sido suprida ou ultrapassada: não só a parte contrária terá contestado a versão do A., compreendendo o sentido essencial da factualidade que ele alegou, como o próprio tribunal, ao apreciar o mérito da causa, terá logrado compreender os pontos fundamentais do litígio que opunha as partes, ultrapassando, através da interpretação que fez dos articulados, as originárias deficiências e insuficiências factuais destes.

A preclusão do conhecimento da nulidade principal de ineptidão da petição inicial implica, como é óbvio, que esteja ultrapassada a invocada violação da regra do contraditório, traduzida na omissão de audição prévia das partes sobre a ocorrência de tal vício, inquinando todo o processo.

6. Importa, por outro lado, realçar que – independentemente de tal preclusão – a insuficiência na densificação ou concretização da matéria litigiosa, notada no acórdão recorrido ( e de algum modo acentuada pelo decidido pelo STJ no Ac.de 19/2/13, ao apagar da matéria de facto provada a conclusão de que a parcela física em litígio fazia parte do prédio reivindicado pelos AA.) , nunca poderia gerar o vício de ineptidão – devendo distinguir-se claramente esta figura ( que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) da mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos  factos essenciais em que se estriba  a pretensão deduzida ( implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação, ao nível tido por adequado à fisionomia do litígio, de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).

É que, neste caso, movemo-nos já no plano, não do vício de ineptidão da petição, mas da insuficiente alegação de um facto concretizador dos factos essenciais efectivamente alegados, podendo tal insuficiência de concretização factual ( mesmo que não haja sido oportunamente detectada, em termos de originar a formulação de um convite ao aperfeiçoamento, na fase de saneamento) ser ainda suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução, nos termos do nº3 do art. 264º do velho CPC, vigente na data da realização da audiência nos presentes autos.

   E, como é evidente, se tal falta de densificação ou concretização adequada dos factos substantivamente relevantes, - de que depende, afinal, a procedência da pretensão do A. - nem mesmo assim se puder ter por suprida, a consequência de tal insuficiência da matéria de facto processualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas possibilidades processuais de que beneficiou,  alegar e provar cabalmente todos os elementos factuais constitutivos de que dependia o reconhecimento do direito por ele invocado…

    Ora, no caso dos autos, a originária insuficiência de alegação que a Relação notou, no que concerne à cabal identificação na petição dos precisos limites físicos da parcela de terreno cuja titularidade realmente integrava o objecto fulcral do litígio que opunha as partes ( mais do que sobre a questão da titularidade do direito de propriedade sobre os prédios de A. e R. , o litígio versava sobre a demarcação ou definição dos exactos limites físicos dos prédios em confronto), nunca tornaria a petição inepta, sendo tal insuficiência de densificação factual suprível durante o processo, nos termos em que está admitida a aquisição processual de factos concretizadores dos que integram o núcleo essencial da causa de pedir invocada pelo A. – e conduzindo uma irremediável insuficiência da matéria de facto, caso o A. não tenha aproveitado as oportunidades que a lei de processo lhe confere para suprir durante o processo tal originária deficiência na densificação factual dos factos substantivamente relevantes que alegou na petição, não à absolvição da instância do R., mas à improcedência da acção, por insuficiência do acervo factual constitutivo do direito por ele invocado.


   Improcede, pois, pelas razões apontadas, o decretamento da nulidade principal de ineptidão da petição inicial, com a respectiva consequência de anulação de todo o processo, envolvendo absolvição dos RR. da instância.

   A revogação do acórdão recorrido, no que toca à efectiva verificação de tal excepção dilatória, implica que os autos tenham de ser remetidos à Relação, para apreciação das restantes questões que integravam o objecto da apelação, todos eles atinentes à fixação da matéria de facto – e que não chegaram a ser apreciadas, em consequência do decretamento da referida nulidade principal: na verdade, não se mostrando, neste momento, cabalmente definida e estabilizada a matéria de facto subjacente ao litígio - e não dispondo obviamente o STJ de poderes cognitivos nessa sede – não é possível dirimir já, em termos jurídicos , o pleito.

7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido no que toca ao decretamento da excepção dilatória de ineptidão da petição inicial.

E, não se mostrando ainda definitivamente estabilizada a matéria factual subjacente ao litígio, em consequência de ter ficado prejudicado o conhecimento das questões suscitadas nesta sede no âmbito do  recurso de apelação, determina-se a remessa dos autos à Relação, de modo a que, sendo as mesmas apreciadas, se fixe definitivamente a matéria de facto litigiosa.

Custas da presente revista pelos recorridos.

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Vítor

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([1]) Na numeração anterior à versão do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, actualmente em vigor. Na versão vigente, a mesma solução, consta do Art. 595.°, n.° 3.

([2]) 33 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 463/09.9YFLSB, datado de 22/09/2009, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2009, Secções Cíveis, disponível in www.stj.pt.

34 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 73/00, datado de 22/02/2000, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2000, Secções Cíveis, disponível in www.stj.pt.

35- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 2614/00, datado de 31/10/2000, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2000, Secções Cíveis, disponível in www.stj.pt.

36- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 1581/08, datado de 06/05/2008, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2008, Secções Cíveis, p. 340, disponível in www.stj.pt.

37- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 1082/08, datado de 03/07/2008, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2008, Secções Cíveis, p. 509, disponível in www.stj.pt.

38- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 3508/08, datado de 13/11/2008, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2008, Secções Cíveis, pp. 790/791, disponível in www.stj.pt.

39- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 166/97, datado de 14/01/1998, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1997, Secção Social, p. 3, disponível in www.stj.pt.

40- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 1081/06.9TCSNT.L1.S1, datado de 11/01/2011, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2011, Secções Cíveis, p. 11, disponível in www.stj.pt.

41- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 1267/03, datado de 12/06/2003, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2011, Secções Cíveis, p. 304, disponível in www.stj.pt.

42- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 554/98, datado de 30/06/1998, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2003, Secções Cíveis, p. 309, disponível in www.stj.pt.

43- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 184/98, datado de 10/11/1998, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, Secções Cíveis, p. 467, disponível in www.stj.pt.

44- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 4162/04, datado de 18/01/2005, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Secções Cíveis, p. 37, disponível in www.stj.pt.

45- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 31/00, datado de 07/06/2000, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2000, Secção Social, p. 91, disponível in www.stj.pt.

([3]) 46. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativo ao processo n.° 568/12.9TVLSB.L1-2, datado de 08/05/2014, disponível in www.dgsi.pt.

([4]) 47. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, relativo ao processo n.° 621/09.6TBMLD.C2, datado de 09/04/2013, disponível in www.dgsi.pt.

([5]) 48. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativo ao processo n.° 2051/2008-7, datado de 11/03/2008, disponível in www.dgsi.pt.

([6]) 49 Crianças que ainda não tinham nascido no momento da propositura da acção, neste momento já estão em idade escolar. Testemunhas mais idosas que tenham sido ouvidas, por azar do destino, poderão já ter falecido. E, de certeza absoluta, a memória de todos, partes e testemunhas, relevante num caso como o vertente, em que o Juiz Decisor não se limita a apreciar somente documentos, terá desvanecido com o mero passar dos anos.

([7]) 50 Na numeração anterior à versão do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho, actualmente em vigor, igual solução constava do Art. 193.°, nº 3.

([8]) 51 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, relativo ao processo n.° 2268/03, datado de 02/10/2003, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2003, Secções Cíveis, p. 436, disponível /n www.stj.pt.

([9]) 52 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, relativo ao processo n.° 24944/10.2T2SNT.L1-6, datado de 27/09/2012, disponível in www.dgsi.pt.

([10] ) 53 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, 2010, pp. 439 e 440.