Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO DE GRUPO CONTRATO DE ADESÃO CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL DEVER DE COMUNICAÇÃO DEVER DE INFORMAÇÃO QUESTIONÁRIO SEGURADORA BANCO SEGURADO LEI APLICÁVEL INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL TEORIA DE IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA | ||
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Data do Acordão: | 05/25/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
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Sumário : | I. Mediante a apresentação do texto da declaração dos autos a ser subscrito pela aderente, a seguradora questionou a autora a respeito do seu estado de saúde em termos que permitiam a um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real (art. 236.º, n.º 1, do CC), considerar que os dados relevantes acerca do estado de saúde da aderente se reportavam apenas àquilo que, nos últimos seis meses, pudesse ter afectado, e/ou continuar a afectar, a sua capacidade de trabalho, não lhe sendo exigível que equacionasse a possibilidade de haver outros dados relevantes a comunicar a respeito da sua história clínica; pelo que improcede a invocação da anulabilidade do contrato de seguro à luz do art. 429.º do Cód. Com. II. Na resolução da questão de saber se a ré seguradora estava adstrita à obrigação de comunicar à autora, enquanto aderente a um seguro de grupo contributivo, as cláusulas de exclusão da cobertura do seguro, assim como de saber, se, entendendo-se ser o tomador do seguro o obrigado a comunicar tais cláusulas contratuais à autora, se deve, porém, considerar que o incumprimento dessa obrigação pelo dito tomador do seguro é oponível à ré seguradora, constatou-se que a jurisprudência nacional tem resolvido de forma divergente as dificuldades de conjugação do regime do art. 4.º do DL n.º 176/95, de 26.07, relativo aos seguros de grupo, com o regime dos arts. 5.º e 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10, respeitante às CCG: a) De acordo com uma das orientações adoptadas, o regime do DL n.º 176/95, relativo aos seguros de grupo, é um regime especial que afasta a aplicação do regime das CCG; consequentemente, deverá entender-se que, não estando a seguradora legalmente adstrita aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas do contrato de seguro de grupo, o incumprimento de tais deveres não lhe é oponível pelo segurado; b) De acordo com outra orientação, o regime do DL n.º 176/95 não afasta a aplicação do regime das CCG, devendo entender-se seja que a seguradora se encontra vinculada aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas consagrados em tal regime, seja, em alternativa, que o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível à seguradora. III. Suscitaram-se dúvidas acerca da compatibilidade da primeira orientação jurisprudencial com o efeito útil da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05.04.1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, decidindo-se colocar perante o TJUE as seguintes questões prejudiciais: 1ª) O art. 5.º da Directiva 93/13/CEE, ao exigir que «as cláusulas propostas ao consumidor estejam (…) sempre redigidas de forma clara e compreensível», deve interpretar-se, de acordo com o Considerando 20 da Directiva, no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas? 2ª) O art. 4.º, n.º 2, da Directiva 93/13/CEE, ao exigir, como requisito para a exclusão do controlo das cláusulas relativas ao objecto principal do contrato, que «essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível», deve interpretar-se no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de tais cláusulas? 3ª) No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do carácter abusivo das cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual relativas à definição do objecto principal do contrato: (i) O art. 3.º, n.º 1, da Directiva 93/13/CEE, interpretado de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n.º 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora possa opor à pessoa segurada uma cláusula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada e que, em consequência, a pessoa segurada não tenha tido oportunidade de conhecer; (ii) ainda que, simultaneamente, a legislação nacional responsabilize o tomador do seguro pela violação do dever de comunicação/informação das cláusulas pelos danos causados à pessoa segurada, responsabilidade essa, porém, que, em regra, não permite colocar a pessoa segurada na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado? IV. Por acórdão de 20.04.2023 (processo C‑263/22), o TJUE respondeu à primeira e à segunda questões suscitadas em sede de reenvio prejudicial da seguinte forma: «O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém.». E respondeu à terceira questão prejudicial nos seguintes termos: «O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.». V. No caso dos autos, dúvidas não subsistem de que a cláusula contratual que exclui da cobertura do seguro as situações clínicas resultantes da evolução de doenças pré-existentes não foi comunicada à autora aderente aquando da celebração do contrato de seguro, configurando, de acordo com os parâmetros indicados na fundamentação do Acórdão do TJUE, uma situação frontalmente contrária à “exigência da boa fé”, sendo de qualificar como cláusula abusiva. VI. De acordo com a orientação do Acórdão do TJUE, a interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva 93/13/CEE não permite que a existência de regimes de responsabilização do tomador do seguro pelo incumprimento do dever de comunicação/informação das cláusulas possa afectar a inoponibilidade ao aderente consumidor de cláusula contratual qualificada como abusiva. VII. Assim, o direito nacional (art. 8.º, al. a), do DL n.º 446/85, de 25.10), ao determinar que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato, encontra-se em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE. VIII. No caso dos autos, considera-se excluída do contrato de seguro a cláusula de exclusão do risco de doença pré-existente, mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (art. 9.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25.10), devendo, por isso, entender-se que a situação de incapacidade total e permanente da autora se encontra coberta pelo seguro contratado. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I – Relatório 1. AA instaurou, em 7 de Agosto de 2014, a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A., pedindo a sua condenação: «a) Ao pagamento ao Banco Millennium BCP de parte da quantia mutuada que ainda se encontrava em dívida à data que a autora veio a ser considerada portadora de deficiência, que lhe conferiu uma incapacidade permanente global de 82%, quantia essa no montante de €31.090,00, à data de 31/03/2014, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos, estes a favor da ora autora até efetivo e integral pagamento. b) Ao pagamento à autora, de todas as prestações mensais do crédito hipotecário, que a mesma e o seu marido têm vindo a pagar assiduamente ao Banco Millennium bcp, desde aquela data – 31/03/2014 -, e todas as que pagarem, até efetivo e integral pagamento das mesmas pela ré, prestações estas, que se relegam para execução de sentença por se desconhecer quando as mesmas irão ser pagas, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos a favor da ora autora até efetivo e integral pagamento, o que se relega igualmente para execução de sentença. c) No pagamento de todas as despesas que a autora venha a ter com o presente processo, deslocações ao tribunal, deslocações ao escritório da Advogada, pagamento de despesas e honorários a esta, quantia que se relega igualmente, para execução de sentença, por presentemente se desconhecer qual o valor que irá ser despendido pela autora. d) A ressarcir a autora por danos não patrimoniais em quantia não inferior a 5.000,00 Euros, face ao supra alegado em 62º a 67º desta peça.» Alega, em síntese, o seguinte: - Tendo em vista a aquisição de um prédio urbano, sito em ..., para habitação própria, ela e o marido solicitaram e obtiveram do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. (BII) um crédito no montante de 10.000.000$00 (dez milhões de escudos, a que corresponde o montante de € 49.879,70), tendo o contrato de mútuo sido formalizado por escritura pública (que também formalizou a compra e venda do imóvel) outorgada em 25.01.2000 e devendo o valor mutuado ser reembolsado em 300 prestações mensais de € 195,00; - Associado a esse mútuo, está um contrato de seguro do ramo Vida, celebrado por imposição daquela instituição de crédito; - Assim, em 24.10.1999, a A. e o marido subscreveram, nas instalações da instituição de crédito, uma proposta de adesão ao exigido seguro de vida, que deu origem à apólice n.º ...90-crédito imobiliário, em que o valor do capital do seguro era o mesmo que o capital mutuado; - Beneficiário do seguro era o BII, sendo que o seguro que, além do risco de morte, cobria o risco de invalidez total dos segurados (A. e marido); - A A. e o seu marido limitaram-se a assinar os documentos que lhe foram apresentados e que um funcionário do banco preencheu, sem que lhes tivesse sequer lido o seu conteúdo; - Em 10.01.2014, devido ao agravamento das suas condições de saúde, e na sequência de uma intervenção cirúrgica a que foi submetida, a A. pediu exame por Junta Médica de Incapacidade e o resultado foi a atribuição de uma incapacidade permanente global de 82%, ou seja, a Junta Médica decidiu que a A. estava, total e definitivamente, incapacitada para exercer qualquer profissão; - A A. participou a incapacidade ao Banco Millenium BCP, mas, em 21.04.2014, recebeu da R. Ocidental Seguros uma comunicação em que esta declinava qualquer responsabilidade, invocando a anulabilidade do contrato de seguro, argumentando que as patologias de que a A. sofria eram pré-existentes à celebração do contrato, o que fora por ela omitido; - Entende que a R. não tinha fundamento para anular o contrato de seguro nem para declinar a responsabilidade dele decorrente, pois a A. e seu marido limitaram-se a assinar a proposta de adesão ao seguro do ramo Vida, que era uma exigência do Banco, não lhes tendo sido solicitada a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração dos contratos de seguro; tão pouco lhes foi exigida a realização de exames médicos; e nem sequer as cláusulas contratuais gerais e especiais dos contratos lhes foram lidas, pelo que devem ser consideradas nulas as cláusulas de exclusão da sua responsabilidade. Citada, a Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A. apresentou contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação: - Na defesa por excepção, alega a nulidade ou anulabilidade do contrato de seguro que celebrou com a A. e seu marido; - Isto porque, antes de subscrever o contrato, a A. já padecia de diversos problemas de saúde (incontinência fecal desde 1989, diabetes mellitus desde 1991 e síndrome depressivo desde 1998), de que tinha conhecimento, mas que ocultou à R. quando subscreveu a proposta de adesão relativa ao seguro de Vida; - Se a A. a tivesse informado do seu estado de saúde, a R. não teria celebrado o contrato de seguro ou, pelo menos, teria excluído da respectiva cobertura todos os riscos relacionados com essas doenças; - Ora, a incapacidade permanente total atribuída à A. resulta dos problemas de saúde de que já padecia quando da celebração do contrato; por isso a R. comunicou à A. a anulabilidade da apólice; - Na defesa por impugnação, alega que são falsos os factos alegados pela A. e que não tinha que exigir a esta qualquer tipo de exame médico, bastava que a A. respondesse com verdade às questões que lhe foram colocadas ou que alertasse a R. para os graves problemas de que padecia. Realizou-se, em 05.05.2015, uma primeira audiência prévia, na qual a A. respondeu à matéria da excepção invocada pela R., alegando que a informação clínica constante da proposta de adesão foi preenchida pelo funcionário do banco que apresentou o contrato para ser outorgado e que, ao contrário do alegado pela R., não preencheu a A. qualquer questionário clínico; limitou-se a subscrever tal proposta, sem que lhe tenha sido lida qualquer cláusula de exclusão de responsabilidade do contrato celebrado. Uma vez que as ditas cláusulas de exclusão não lhe foram lidas nem explicado o seu conteúdo, devem ser consideradas não escritas e insusceptíveis de produzir quaisquer efeitos ou consequências jurídicas, nomeadamente as pretendidas pela R.. Do mesmo passo, a A. requereu a Intervenção Principal do Banco Comercial Português, S.A. (BCP), «como associado da autora», «a fim de evitar que a ré seja considerada parte ilegítima e consequentemente a mesma ser absolvida da instância» e o requerimento foi deferido. Citado o BCP, veio este apresentar articulado próprio em que alega a sua ilegitimidade, já que o BII e o BCP, embora pertencendo ao grupo empresarial, gozam ambos de personalidade jurídica própria e autónoma e o BCP não foi, originariamente, a entidade mutuante, nem o BII foi fundido no BCP, nem este, por qualquer forma, sucedeu na titularidade do crédito em causa. Impugna, por serem falsos, os factos alegados nos artigos 17, 18, 19, 21,22, 32, 33, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57 e 58 da petição inicial, pois a A. «falta à verdade quando fingidamente declara ter assinado de cruz, sem nada saber do que estava a assinar». A A. respondeu à excepção e requereu a intervenção principal do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. como associado da A.. Por despacho de 10.02.2016, o tribunal de 1.ª instância julgou procedente a excepção de ilegitimidade de Banco Comercial Português, S.A. e admitiu a Intervenção Principal do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. que, citado, apresentou articulado cujo conteúdo segue a mesma linha do apresentado pelo BCP. Em 28.02.2020 foi proferida sentença[1] que julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos. 2. Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Por acórdão de 10 de Maio de 2021, foi proferida a seguinte decisão: «Por tudo o exposto, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (... Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA e, em consequência: A) alterar a decisão sobre matéria de facto nos termos supra exarados; B) revogar o dispositivo da sentença recorrida, que se substitui pela condenação da ré “Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.” nos seguintes termos: 1) a pagar a “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.” a quantia correspondente ao saldo devedor, em 31.03.2014, do mútuo, celebrado em 25.02.2000 e formalizado por escritura pública outorgada no 1.º Cartório Notarial da cidade ..., entre aquela instituição de crédito, como mutuante, e a autora e marido como mutuários; 2) a reembolsar a autora AA da quantia, a determinar em incidente de liquidação, correspondente a todas as prestações mensais de amortização do capital mutuado que aquela pagou e vier a pagar a “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.” desde 31.03.2014, quantia essa que será deduzida no valor referido no número anterior; 3) a pagar à autora AA juros de mora à taxa legal sobre a quantia referido no número anterior, a contar de 01.05.2014 e até integral reembolso; 4) a pagar à autora AA a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais. 5) absolver a ré da parte restante do pedido.». 3. Veio a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «I. Afigura-se à ora Recorrente que o douto Acórdão não pode, de todo em todo, manter-se. II. O contrato de seguro dos autos foi aprovado e aceite pela Recorrente em 07.03.2000, sendo que em tal data foi emitido o Certificado Individual de Seguro. III. O beneficiário do seguro é o Banco Mutuário – cfr. pontos 10 a 19 dos factos provados. IV. O contrato de seguro visou a proteção do crédito bancário concedido pelo Banco de Investimento Imobiliário, S.A. à Recorrida e ao seu marido. V. Face ao disposto no artigo 12.º, n.º 1 e 2 do Código Civil e artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16/04, ao presente contrato de seguro são aplicáveis as normas revogadas pelo diploma citado, ou seja, os artigos 425.º a 431.º e 455.º a 462.º, todos do Código Comercial. VI. O contrato de seguro é uma convenção em virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou um conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado. VII. É um contrato formal, ou seja, a sua validade intrínseca está dependente da sua redução a escrito em documento designado de apólice de seguro – cfr. artigo 426.º do Código Comercial. VIII. Resulta que o contrato de seguro celebrado entre Recorrida e a Recorrente configura-se como um contrato a favor de terceiro e resultou de uma negociação concluída com a aceitação pela Recorrente da proposta de adesão datada de 24.10.1999, sendo que o contrato se tornou perfeito em 07.03.2000, quando a Recorrente emitiu a respetiva apólice de seguro (certificado de adesão), documento escrito obrigatório para o contrato em causa. XI. A Recorrente invocou a anulabilidade do contrato de seguro celebrado com a Recorrida uma vez que esta prestou falsas declarações e omitiu outras circunstâncias relevantes sobre o seu estado de saúde anterior e na data da subscrição da proposta de adesão, ao abrigo do disposto no artigo 429.º do Código Comercial. XII. Estabelece o artigo 429.º do Código Comercial que “Toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”. XIII. É entendimento pacífico que apesar da lei falar em nulidade, trata-se de uma anulabilidade – cfr. Acórdãos do STJ de 17.11.2005 e 10.9.2019, Acórdãos da Relação Lisboa de 7.6.2018 e 12.7.2018 e Acórdãos da Relação do Porto de 20.1.2014 e 8.3.2019, todos in www.dgsi.pt. XIV. O art.º 429.º do Código Comercial não exige a existência de nexo de causalidade entre os factos omitidos e o sinistro, no caso dos autos, a incapacidade, como requisito para a declaração de anulabilidade do contrato e também não releva que as declarações inexatas ou reticentes tenham sido prestadas de boa fé ou má fé. XV. O que é relevante é que os factos omitidos ou reticentes existam à data da subscrição da proposta de seguro, que sejam conhecidos do proponente-declarante – a pessoa segura ou tomador do seguro – e sejam essenciais para a apreciação do risco por parte da ora Recorrente. XVI. O carácter essencial dos factos omitidos ou inexactos para a apreciação do risco há-de determinar-se, não segundo critérios de ordem subjetiva, mas segundo o critério da impressão do destinatário a que alude o art.º 236.º do Código Civil, isto é, tal como os consideraria um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, no caso a Recorrente. XVII. No ramo vida a declaração do risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar. XVIII. Para este efeito, as entidades seguradoras (e, no caso, a Recorrente) usam um questionário como uma das formas de declaração inicial do risco pelo tomador do seguro que tem por objetivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto. XIX. No caso dos presentes autos, aquando da subscrição da proposta de adesão por parte da Recorrida e do seu marido aquela limitou-se a declarar que “(…) nos últimos seis meses não tive qualquer alteração importante do meu estado de saúde devido a doença ou acidente, estando atualmente na posse de plena capacidade de trabalho, não me encontro consequentemente impedido, por motivos de saúde, do pleno desenvolvimento da minha normal e regular atividade profissional (…)”. XX. Não obstante no caso dos autos não ter existido qualquer questionário quanto ao estado de saúde da Recorrida, tal não desonerava a mesma de informar a Recorrente das doenças que padecia e que eram do seu conhecimento. XXI. Resultou demonstrado que à data da subscrição da proposta de adesão do seguro, a Recorrida sabia que padecia de depressão, diabetes (ainda que não fosse insulina dependente) e incontinência fecal e que não informou a Recorrente de que sofria de tais patologias e tal dever de informação era seu ónus. XXII. Mais resultou demonstrado que se a Recorrente soubesse àquela data de que a Recorrida sofria de tais doenças não contrataria nos moldes em que contratou, pelo que, tal determina a anulabilidade do contrato de seguro celebrado entre a Recorrida e a Recorrente, nos termos do disposto no artigo 429.º do Código Comercial. XXIII. Conforme resulta dos factos provados nos autos, a Recorrida tinha várias patologias diagnosticadas em data anterior à data da celebração do contrato de seguro (e da subscrição da proposta de adesão), patologias estas pré-existentes e que não foram declaradas aquando da celebração do contrato de seguro. XXIV. Tais patologias contribuem para o grau de incapacidade de que a Recorrida padece na presente data. XXV. Aquando do preenchimento da proposta de adesão, em 04.10.1999, não foram mencionadas pela Recorrida as doenças das quais a mesma padecia e que, no fundo, eram pré-existentes relativamente à data da subscrição da proposta de adesão. XXVI. Para avaliação do risco coberto e cobertura do capital seguro respectivo, a Recorrente estabeleceu que, em função do montante de capital seguro – €49.879,79 – conjugado com a idade dos segurados, a condição necessária para a avaliação do risco por parte da Recorrente seria, repete-se, os proponentes procederem a uma declaração de saúde. XXVII. Os Segurados, quando celebram com a Recorrente o contrato de seguro dos autos declaram não sofrer de qualquer tipo de patologia, seja ela qual for. XXVIII. A Recorrida, antes de subscrever o contrato de seguro agora em discussão já padecia de diversos problemas de saúde, a saber: incontinência fecal, diabete mellitus e síndrome depressivo persistente. XXIX. Todos estes problemas de saúde foram ocultados à Recorrente. XXX. A Recorrida tinha conhecimento das patologias/problemas de saúde anteriormente a subscrever a proposta relativa ao contrato em apreço, designadamente, na data do preenchimento da proposta de seguro (04.10.1999) que deu origem ao contrato de seguro dos autos. XXXI. Trata-se de doenças pré-existentes, estando os riscos das mesmas, neste caso, naturalmente excluídos das garantias do contrato seguro. XXXII. Unicamente a morte/doença decorrente de doenças imprevistas, não pré-existentes, é que estaria abrangida pela garantia do contrato de seguro. XXXIII. Em face do facto provado 42. não restam dúvidas de que estamos não perante uma incerteza mas, isso sim, perante uma certeza: a Recorrida, com as doenças de que padecia e das quais não deu conhecimento à Recorrente na altura em que subscreveu a proposta de adesão, acabou por ficar a padecer de uma IPG e em face desses mesmos problemas vem accionar a cobertura do seguro dos autos. XXXIV. A Recorrida não declarou, como lhe era exigido pelo princípio da boa fé, que padecia de problemas de saúde graves, problemas esses que, para além de tudo o mais, estão na base da IPG de que a Recorrida está afectada. XXXV. Quando preencheu a proposta de seguro a Recorrida já tinha problemas de saúde, nomeadamente os problemas que deram origem e agravaram a atribuição da IPG de que padece e já tinha plena consciência dos problemas de saúde de que era portadora. XXXVI. A Recorrida aceitou o risco com desconhecimento de todos os factores agravantes do mesmo, não podendo assim sujeitar o processo à análise dos seus serviços clínicos, e, posteriormente, caso fosse essa a decisão, proceder à aceitação condicionada do risco, ou seja, à exclusão das garantias do contrato para as patologias existentes, o que faz por mera cautela, apesar das patologias pré-existentes estarem, como é lógico, sempre excluídas. XXXVII. Daí que o contrato de seguro seja nulo/anulável, nos termos das Condições da Apólice e nos termos do art.º 429.º do Código Comercial. XXXVIII. Nos termos das Condições Gerais da Apólice e nos termos la lei (art.º 429.º do Código Comercial), considera-se nulo o contrato de seguros celebrado entre a Recorrente e a Recorrida e, consequentemente, não produzirá quaisquer efeitos em caso de sinistro, quando da parte do Tomador de Seguro ou da Pessoa Segura tenha havido, no momento da celebração do Contrato, declarações inexactas, assim como reticências de factos ou circunstâncias, dele conhecidas, que teriam podido influir sobre a existência ou condições do Contrato. XXXIX. É o princípio da liberdade contratual a funcionar: as partes acordaram que a sanção para o acto da Recorrente (falsas declarações) seria este. XL. As doenças que vieram a determinar a incapacidade da Recorrente eram, obviamente, pré-existentes à adesão ao seguro e, necessariamente, pré-existentes relativamente à data em que foi incluída na apólice a cobertura complementar de Invalidez Total e Permanente. XLI. A propósito da exclusão das cláusulas contratuais gerais em face da não comunicação das referidas cláusulas à Recorrida, não assiste qualquer razão aos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto. XLII. Na verdade, a jurisprudência dois nossos Tribunais Superiores a este propósito (na sua grande maioria) é contrária à decisão agora colocada em crise. XLIII. Não tendo a Recorrida demandado directamente o Tomador do Seguro no que à comunicação/consequência da não comunicação das cláusulas das cláusulas diz respeito, nunca poderia a Recorrente ser responsabilizada por tal facto. XLIV. Estamos perante um contrato de seguro de grupo, em que a obrigação de comunicação das cláusulas é da responsabilidade do tomador/beneficiário do contrato de seguro (a instituição de crédito), conforme veio esclarecer, de forma definitiva, o disposto no art.º 79.º da Lei do Contrato de Seguro (Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), por remissão do art.º 78.º do mesmo dispositivo legal. XLV. A obrigação de comunicação das cláusulas é do tomador do seguro e a eventual responsabilidade pela sua não comunicação, só poderá ser assacada ao tomador e nunca à seguradora, ora Recorrente. XLVI. No que à condenação da Recorrente no pagamento de €3.000,00 a título de danos não patrimoniais diz respeito, tal decisão é inexplicável! XLVII. Os contratos de seguro de vida servem para assegurar o pagamento do capital devido à data da eclosão de um sinistro e não para o pagamento de prestações de crédito de mútuo que contém, para além do capital, os juros contratados com a entidade bancária. XLVIII. É isso que consta do contrato/apólices, ou seja, o capital seguro é, apenas e só, o que ali vem descrito, ou seja, não contempla qualquer outro tipo de pagamentos para além do capital, nomeadamente prestações de mútuos bancários e danos não patrimoniais. XLIX. Tal decisão viola de forma clara aquilo que foi acordado entre as partes, ou seja, o capital seguro, nos termos do disposto no facto provado 14., era de €49.879,70 na data da celebração do contrato e, por conseguinte, a Recorrente apenas responde pelo capital em dívida à data da ocorrência de um sinistro. L. A douta decisão agora impugnada, violou o disposto nos art.º 429.º do Código Comercial, os art.ºs 227.º e 405.º e seguintes do Código Civil e o art.º 4.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 176/95, de 26.07.» Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a sua absolvição do pedido. 4. A Recorrida contra-alegou, concluindo nos termos seguintes: «1). Mesmo com a existência de algumas patologias de saúde, a recorrida e o marido declararam a verdade na “Declaração de Saúde” constante da proposta de adesão ao seguro de vida. 2). “No caso dos presentes autos, aquando da subscrição da proposta de adesão por parte da Autora e do seu marido inexistiu qualquer questionário acerca do estado de saúde da Autora (…) E a verdade é que tal declaração prestada pela Autora corresponde à verdade” – sentença de primeira instância a fls. 17 e reafirmação no Acórdão recorrido a fls. 19. 3). Ficou assente que, nem a recorrente, nem outro terceiro (incluindo o tomador de seguro, o Banco que foi interveniente principal) informaram e esclareceram a recorrida e o seu marido, proponentes do seguro, sobre as cláusulas de exclusão de coberturas. 4). O cálculo do risco a assumir para efeitos de seguro de vida, e o consequente prémio a pagar pelo segurado, foi da competência da recorrente. 5). A definição dos critérios utilizados para o cálculo do risco foi da competência da recorrente. 6). A aceitação do formulário de proposta de adesão da recorrida ao seguro foi da competência da recorrente. 7). A aceitação da declaração de saúde da recorrida foi da competência da recorrente. 8). Se, a recorrente deu a entender aos proponentes que, apenas interessava conhecer o estado de saúde dos últimos 6 meses, por que razão a recorrida relataria a vida toda? 9). A recorrente não solicitou informações relativas ao estado de saúde da recorrida (factos provados nº 34 e 35), mesmo com uma declaração tão limitada e pouco perceptível, o que é revelador da ausência de um comportamento medianamente cuidadoso na avaliação dos riscos que assumiu. 10). Se a recorrente utilizou uma declaração com linguagem complexa, fechada, limitada temporalmente, com vários requisitos cumulativos e não mencionava que queria saber todo o historial clínico das pessoas seguras, deverá assumir os riscos a que se expôs. 11). O art.º 429º do C. Comercial estabelece que, só uma declaração inexacta ou reticente que, influencie a existência ou as condições do contrato celebrado, é que pode desencadear a possibilidade de anulação do seguro. 12). “IV. Se a seguradora alegou um conjunto cumulativo de factos e circunstâncias que, em larga medida, não logrou demonstrar na acção – apenas tendo ficado demonstrada, perante a matéria de facto fixada, a verificação isolada de um desses requisitos - não pode ter-se por verificado o efeito impeditivo à validade do negócio, decorrente do preceituado no art. 429º do C.Com.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no âmbito do processo nº 1937/11.7TBBNV.E1.S1, datado de 26/01/2017 e relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, consultável em www.dgsi.pt. 13). Se a declaração de saúde foi a única “questão” de saúde colocada à recorrida, se não se provou que a recorrida omitiu que sofria de alguma doença (facto não provado a)) e provou-se que declarou a verdade sobre o seu estado de saúde nos últimos 6 meses, o que foi alegado pela recorrente como critérios de aferição do risco e da sua decisão de contratar, então, o art.º 429º do CC nunca poderia ter aplicação ao presente caso. 14). Tendo resultado provado que a recorrida não tomou conhecimento das cláusulas contratuais gerais (facto 44) e tendo resultado não provado que, a recorrente ou um terceiro tenham procedido à sua explicação (facto b)), estas cláusulas não podem ser invocadas para efeitos de exclusão de risco. 15). Ao contrário do que alega a recorrente, este Venerando Supremo Tribunal tem decidido, recentemente, pela eliminação das cláusulas não informadas ou comunicadas, quer o dever de informar esteja ao encargo da seguradora e/ou do tomador de seguro. 16). “IV. Tratando-se de uma cláusula que tem por objeto uma exclusão da cobertura do seguro e que está sujeita ao regime consagrado na LCCG, cabe à seguradora demonstrar ter sido objecto de negociação ou adequadamente comunicada e suficientemente informada aos aderentes. V. Apesar de resultar do art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 176/95, que os deveres de comunicação e informação recaem, primordialmente, sobre o tomador do seguro, o seu incumprimento é oponível pelos aderentes/segurados à seguradora. (…) Alguns arestos mais recentes defendem que a falta de comunicação e informação dos aderentes, pelo tomador do seguro, de uma cláusula de exclusão, tendo como consequência a sua eliminação do conteúdo contratual nos termos do art. 8.º, als. a) e b) da LCCG, não autoriza a seguradora a prevalecer-se dessa falta” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 1197/16.3T8BRG.G1.S1, à data de 09/03/2021 e relatado pela Exma. Juiz-Conselheira Maria João Vaz Tomé (consultável em www.dgsi.pt). 17). “I- O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. II. Impõe o artº 6º, do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, ao contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais, o dever de informar a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique, acrescendo ao dever de comunicação o dever de efectiva informação.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 846/17.0T8BRG.G1, à data de 30/01/2020 e relatado pela Exma. Juiz-Desembargadora Maria Luísa Ramos (consultável em www.dgsi.pt). 18). “III -A falta de comunicação da cláusula de exclusão pelo tomador do seguro aos aderentes tem como efeito a sua eliminação do conteúdo contratual, nos termos do art. 8.º, als. a) e b) do DL n.º 446/85, de 25-10 (LCCG), não podendo a seguradora prevalecer-se dessa falta para se eximir da sua responsabilidade de ressarcir pela ocorrência do risco sob cobertura, com fundamento no disposto no art. 4.º, n.º 1 a 3, do DL n.º 176/95.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 261/15.0T8VIS.C1.S2, à data de 10/05/2018 e relatado pelo Exmo. Juiz-Conselheiro Henrique Araújo (consultável em www.dgsi.pt). 19). “III. A interpretação que protege o consumidor segurado, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora e o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 838/15.4T8VRL.G1.S1, à data de 18/09/2018 e relatado pelo Exmo. Juiz-Conselheiro Fonseca Ramos (consultável em www.dgsi.pt). 20). “VI - O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro. (…) Note-se que é a seguradora que recebe o prémio de seguro, não podendo a entidade que beneficia desta remuneração considerar-se isenta do dever de informar o segurado” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 294/2002.E1.S1, à data de 14/04/2015 e relatado pela Exma. Juiz-Conselheira, Maria Clara Sottomayor (consultável em www.dgsi.pt). 21). Nem a recorrente, nem o Banco interveniente, lograram fazer prova da comunicação e informação das cláusulas contratuais, conforme lhes competia (facto provado 44 e não provado b)). 22). O dever de informação e esclarecimento das cláusulas contratuais inseridas na apólice de um contrato de seguro de grupo, impede sobre a seguradora, além do tomador de seguro, nos termos dos art.º 5º e 6º daquele Decreto-Lei nº 446/85. 23). “II - O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (artigo 5.º, n.º 3, do DL n.º 446/85. De 25-10).” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 8963/16.8T8ALM-B.L1.S1, à data de 17/11/2020 e relatado pela Exma. Juiz-Conselheira, Maria Clara Sottomayor (consultável em www.dgsi.pt). 24). Se a recorrente não provou que, as cláusulas contratuais de exclusão de cobertura foram explicadas à recorrida, logo, as mesmas devem ser consideradas nulas e, por isso, ineficazes, nos termos do art.º 8, alínea a) do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. 25). “X. Na vigência do artigo 4º do DL. 176/95, de 26 de Julho, não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro, provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas exclusões contratadas”, não pode a seguradora, demandada como Ré, e o Banco que na acção foi interveniente principal, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ramo vida, as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo nº 1274/15.8T8GMR.S1, à data de 29/11/2016 e relatado pelo Exmo. Juiz-Conselheiro Fonseca Ramos (consultável em www.dgsi.pt). 26). “I – Tendo sido demandada na acção a seguradora e admitida a intervenção do banco tomador do seguro, e não tendo estes conseguido provar o cumprimento do ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, não pode a seguradora opor-lhe as cláusulas de exclusão ou limitação de riscos não comunicadas ou sobre as quais este não foi devidamente informado.” - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo nº 2143/15.7T8VCT.G1, à data de 25/01/2018 e relatado pela Exma. Juiz-Desembargadora Raquel Baptista Tavares (consultável em www.dgsi.pt). 27). Como refere o artigo 46º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOS), aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26 de agosto, “Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito”. 28). Conjugando tal disposição com o artigo [...] do CPC, que dispõe que “O Supremo Tribunal de Justiça conhece dos recursos... que por lei sejam da sua competência” será então evidente que o presente recurso, tendo em vista uma impugnação da matéria de facto - sendo certo que, a recorrente constrói o recurso por referência à violação de normas e princípios e extravasa os poderes de cognição deste Supremo Tribunal de Justiça. 29). É notório do conteúdo das Alegações que a recorrente requer uma reapreciação da matéria de facto, nomeadamente daquela matéria, que foi alterada pelo Tribunal da Relação. 30). “Está fora dos poderes de cognição do STJ a valoração das provas, sua apreciação e alteração da matéria de facto, a não ser nos casos excecionais constantes dos artigos 674, nº3 do CPC… seja direta ou indiretamente…” (negrito e sublinhado nosso), sendo assim, inadmissível, até, tal recurso. 31). Os arestos jurisprudenciais juntos pela recorrente estão ultrapassados (2012, 2017 e 2019) e não correspondem às recentes decisões deste Venerando Supremo Tribunal suprarreferidas (de 2020 e 2021), que tem decidido no sentido mais favorável ao aderente, como parte débil e desprotegida na relação contratual. 32). Os danos não patrimoniais peticionados e sobre os quais a recorrente foi condenada diga-se que não se fundamentam no clausulado contratual, mas na responsabilidade civil pelo incumprimento contratual, conforme prevê o art.º 496º do CC. 33). As prestações inerentes ao mútuo, como taxas e juros, não podem ser afastadas pela recorrente, pois, constam do acordado entre as partes, nomeadamente, leia-se no certificado individual de seguro “o Banco de Investimento Imobiliário, S.A. é beneficiário irrevogável pelo montante em dívida no empréstimo associado ao contrato”. 34). Este Venerando Supremo Tribunal deve decidir pela improcedência do recurso interposto, negando a revista do douto Acórdão, que não merece qualquer reparo ou censura pois, decidiu conforme o entendimento mais recente dos Tribunais, a Lei aplicável e a prova factual apurada com base nos elementos constantes da gravação e do processo.». II – Admissibilidade do recurso A finalizar as conclusões das suas contra-alegações, invoca a Recorrida a inadmissibilidade do recurso, alegando ser «notório do conteúdo das Alegações que a recorrente requer uma reapreciação da matéria de facto, nomeadamente daquela matéria, que foi alterada pelo Tribunal da Relação», pretensão que se encontra excluída do âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça. Não assiste razão à Recorrida. Com efeito, compulsadas as conclusões do recurso de revista, constata-se que, ainda que a Recorrente discorde da alteração da decisão da matéria de facto realizada pelo tribunal a quo, não pretende a reversão da mesma alteração, e, não invocando sequer a verificação de alguma das hipóteses previstas na segunda parte do n.º 3 do art. 374.º do CPC, nas quais o Supremo Tribunal pode sindicar decisão relativa à matéria de facto, limita-se a enunciar apenas questões relativas à decisão de direito. Deste modo, nada obsta ao conhecimento do recurso. III – Objecto do recurso Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem por objecto as seguintes questões: - Saber se o contrato de seguro é inválido com base em declarações falsas ou inexactas prestadas pela A. à R. seguradora acerca do seu estado de saúde; - Saber se a R. seguradora estava adstrita à obrigação de comunicar à A., enquanto aderente a um seguro de grupo contributivo, as cláusulas do contrato, incluindo as cláusulas relativas aos fundamentos de invalidade do contrato e às situações de exclusão da cobertura do seguro; ou ainda se, entendendo-se ser o tomador do seguro (no caso, a instituição bancária) o obrigado a comunicar tais cláusulas contratuais à A., se deve, porém, considerar que o incumprimento dessa obrigação pelo dito tomador do seguro é oponível à R. seguradora; - Saber se, para além do valor do capital seguro, a R. seguradora deve ser condenada a pagar à A. juros de mora e indemnização por danos não patrimoniais. Importa esclarecer que, embora, tal como formulada, a segunda questão inclua a comunicação das cláusulas contratuais relativas aos fundamentos de invalidade do contrato, nesta parte, não reveste autonomia em relação à primeira questão. Atendendo a que as condições de validade do contrato de seguro dos autos se encontram reguladas na lei, a apreciação, nessa parte, da segunda questão enunciada, encontra-se consumida na apreciação da primeira questão. IV – Fundamentação de facto 1. A Autora, em 25 de fevereiro de 2000, no 1.º Cartório Notarial da cidade ..., perante o Licenciado BB, outorgou com o seu marido – CC -, na qualidade de compradores e mutuários, escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, em que também foram outorgantes DD e mulher EE, como compradores e o Banco de Investimento Imobiliário, S.A., como mutuante. 2. Tal escritura é composta por treze folhas e foi extraída da escritura exarada de folhas 135 a folhas 136 verso do livro de notas para escrituras diversas 176-E, sendo a mesma composta igualmente por um documento complementar e que faz parte da dita escritura, conforme documento n.º 2. 3. A referida escritura teve como objeto a compra e venda do prédio urbano destinado exclusivamente a habitação da Autora e seu agregado familiar, composto por casa de rés-do-chão, andar e quintal, sito no ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 1225 e inscrito na matriz sob o artigo 2363, atualmente inscrito na matriz sob o artigo 6859 da União de Freguesias ... (... e ...) e ... e registado a favor da Autora e seu marido. 4. Tal prédio foi vendido à Autora pelo preço de Esc. 11.150.000$00 (onze milhões e cento e cinquenta mil escudos), o equivalente a €55.615,59 (cinquenta e cinco mil, seiscentos e quinze euros e cinquenta e nove cêntimos). 5. O Banco de Investimento Imobiliário, S.A. emprestou à Autora e seu marido a quantia de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), o que equivale a €49.879,70 (quarenta e nove euros, oitocentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos). 6. A mencionada quantia de €49.879,70 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos) foi entregue pelo Banco de Investimento Imobiliário pelo crédito na conta de depósitos à ordem com o n.º ...29, titulada pela Autora e seu marido e tal empréstimo enquadrou-se na classe de bonificação. 7. Foi acordado que o empréstimo em referência vencia juros sobre o capital em divida contados dia a dia e cobrados ao mês, calculados durante o primeiro ano de vigência do dito contrato à taxa nominal de 4,6%, à qual correspondia à taxa nominal efetiva de 4,78%, vencendo durante esse período juros à taxa da Euribor a 90 dias vigente no 2.º dia útil anterior ao início do período de contagem de juros acrescida de dois pontos percentuais, com arredondamento para o quarto percentual imediatamente superior. 8. Foi ainda acordado que a taxa de juro a aplicar seria revista trimestralmente a partir do segundo ano de vida do empréstimo. 9. Tal empréstimo foi concedido à Autora e seu marido pelo prazo de 25 anos, a contar da data de 25.2.2000 e seria amortizado em 300 prestações mensais de capital e juros, a primeira no montante de Esc. 39.286$00 (trinta e nove mil, duzentos e oitenta e seis escudos), o que equivale a €195,90 (cento e noventa e cinco euros e noventa cêntimos), com vencimento um mês após a data da realização da escritura e as restantes com vencimento em igual dia dos meses subsequentes. 10. A Autora e marido optaram pelo sistema de amortização por prestações constantes com bonificação crescente. 11. Foi exigida à Autora e marido a celebração de um contrato de seguro do ramo “Vida”, o que foi efetuado por intermédio do banco mutuante. 12. A Autora e seu marido em 24 de outubro de 1999 subscreveu junto do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. uma proposta de adesão respeitante a tal contrato de seguro de vida com o n.º 12636, titulada pela apólice n.º ...90. 13. Em tal proposta e imediatamente antes da assinatura aposta pela Autora e seu marido consta a seguinte menção: “Declaração de Atividade e Estado de Saúde Declaro que nos últimos seis meses não tive qualquer alteração importante do meu estado de saúde devido a doença ou acidente, estando atualmente na posse de plena capacidade de trabalho, não me encontro consequentemente impedido, por motivos de saúde, do pleno desenvolvimento da minha normal e regular atividade profissional (…)”. 14. O capital seguro foi de Esc. 10.000.000$00 (dez milhões de escudos), o que equivale a €49.879,70 (quarenta e nove mil, oitocentos e setenta e nove euros e setenta cêntimos), tendo-se iniciado em 25 de fevereiro de 2000, pelo prazo de 25 anos, renovável por períodos de um ano atualizado anualmente em função do capital em dívida e da idade dos proponentes. 15. Os beneficiários de tal seguro, relativamente à parte do capital em dívida seria o Banco de Investimento Imobiliário, S.A. e o remanescente em caso de morte, seriam os herdeiros legais dos proponentes. 16. Tal seguro cobria ainda a invalidez total e permanente dos proponentes. 17. O pagamento do prémio mensal à aqui Ré seria feito em simultâneo com o débito da prestação mensal relativa ao empréstimo contraído junto do Banco de Investimento Imobiliário, ou seja, ao dia 25 de cada mês. 18. Tal contrato de seguro foi aprovado e aceite pela Ré em 7.3.2000. 19. Em tal data foi emitido o Certificado Individual de Seguro. 20. A Autora e seu marido apuseram as suas assinaturas na proposta de seguro identificada em 12. 21. A Autora sofreu fratura bimaleolar esquerda em 13.4.2013, tendo sido operada em 7.5.2013 no Hospital .... 22. A Autora apresentava lombalgia mecânica crónica por discopatias L4-5-51, tendo sido orientada para a consulta da dor, associadamente apresentava tendinopatia da coifa dos rotadores à esquerda, bem como depressão, diabetes e incontinência fecal. 23. A Autora começou a sentir um agravamento da sua condição de saúde por volta de 2012. 24. A Autora requereu em 10.1.2014 e foi submetida a um exame de Junta Médica de Incapacidade. 25. Resultou de tal Junta Médica que a Autora é portadora de deficiência, que lhe confere uma incapacidade permanente global de 82% definitiva. 26. Em 31.3.2014 foi emitido o Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, onde foi decidido que a Autora encontra-se total e definitivamente incapacitada para exercer qualquer profissão. 27. Em 4.4.2014, a Autora participa junto do Banco Millenium BCP, no âmbito do contrato de seguro de vida, a invalidez total e permanente. 28. Em 21.4.2014, a Autora rececionou carta remetida pela Ré Ocidental, em que a mesma declinou qualquer responsabilidade pelo pagamento do capital seguro e procedeu à anulação do contrato de seguro. 29. A Autora outorgou entre a Irmandade e Santa Casa da Misericórdia ... um contrato de formação – curso de formação de ajudantes familiares/lar, que decorreu naquela Irmandade no período de ... .6.2002 a ... .12.2002, o qual era remunerado. 30. A Autora através da Associação ... fez um curso de Formação profissional de Auxiliares de Ação Educativa, que decorreu entre ... .11.2003 a ... .4.2004. 31. A Autora trabalhou desde outubro de 2004 a junho de 2007 no Agrupamento de Escolas ..., Escola ... e 3 Ciclos do ensino básico .... 32. A Autora e seu marido continuam a pagar ao Banco a prestação mensal relativa ao empréstimo, no montante de €168,77 (cento e sessenta e oito euros e setenta e sete cêntimos). 33. A Ré emitiu novo certificado individual com o nº ...25 a favor deste para garantia do risco de morte e invalidez total e permanente associada ao crédito imobiliário ...23, mantendo as garantias contratadas com este em 24.10.1999. 34. A Ré não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro dos autos. 35. Nem exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados. 36. A Autora encontra-se reformada, conforme teor do documento n.º 16 junto com a petição inicial. 37. O comportamento da Ré causou à Autora amargura e preocupação. 38. A Autora vive com dificuldades económicas. 39. Aquando da assinatura da proposta de adesão pela Autora, esta não mencionou as doenças de que à data padecia. 40. A Ré aceitou o contrato com base na proposta de adesão assinada pela Autora em 4.10.1999. 41. Para a aceitação desta proposta pela Ré era condição essencial que a Autora respondesse e fizesse declarações com toda a verdade e isenção. 42. A Autora antes de subscrever o contrato de seguro dos autos já padecia desde 1989 de incontinência fecal, desde 1998 de síndrome depressivo, desde 1991 de diabetes mellitus, não insulina dependente. 43. A Autora sabia que padecia das referidas doenças. 44. A Autora limitou-se a apor a sua assinatura na proposta de adesão ao contrato de seguro a que se alude nos n.os 11 a 14, sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo. [aditado pela Relação] Factos dados como não provados: a) Que a Autora e seu marido quando celebraram o contrato de seguro com a Ré tenham declarado que não sofriam de qualquer tipo de patologia, fosse ela qual fosse. b) A Ré ou um terceiro em sua representação explicou e informou a Autora das cláusulas constantes em tal proposta de seguro, designadamente das cláusulas de exclusão da cobertura de riscos. [aditado pela Relação] V – Fundamentação de direito 1. Consideremos, em primeiro lugar, a questão de saber se o contrato de seguro é inválido com base em declarações falsas ou incompletas prestadas pela A. à R. seguradora acerca do seu estado de saúde. À data da celebração do contrato de seguro dos autos (24.10.1999) estava em vigor o art. 429.º do Código Comercial, no qual se prescrevia que: «Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo.». Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que o regime do art. 429.º do Código Comercial se refere a nulidade relativa (na terminologia do Código de Seabra) ou anulabilidade (na terminologia do Código Civil de 1966). Neste sentido, cfr., entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 16.10.2008 (proc. n.º 08A2362), de 20.01.2010 (proc. n.º 471/2002.G1.S1), de 31.05.2011 (proc. n.º 2693/07.9TBMTS.P1.S1) e de 02.11.2017 (proc. n.º 40/10.1TVPRT.P1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, assim como José Carlos Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro - Estudos, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 271 e seg. No caso dos autos, relevam os seguintes factos provados: 12. A Autora e seu marido em 24 de outubro de 1999 subscreveu junto do Banco de Investimento Imobiliário, S.A. uma proposta de adesão respeitante a tal contrato de seguro de vida com o n.º 12636, titulada pela apólice n.º ...90. 13. Em tal proposta e imediatamente antes da assinatura aposta pela Autora e seu marido consta a seguinte menção: “Declaração de Atividade e Estado de Saúde Declaro que nos últimos seis meses não tive qualquer alteração importante do meu estado de saúde devido a doença ou acidente, estando atualmente na posse de plena capacidade de trabalho, não me encontro consequentemente impedido, por motivos de saúde, do pleno desenvolvimento da minha normal e regular atividade profissional (…)”. 16. Tal seguro cobria ainda a invalidez total e permanente dos proponentes. 20. A Autora e seu marido apuseram as suas assinaturas na proposta de seguro identificada em 12. 21. A Autora sofreu fratura bimaleolar esquerda em 13.4.2013, tendo sido operada em 7.5.2013 no Hospital .... 22. A Autora apresentava lombalgia mecânica crónica por discopatias L4-5-51, tendo sido orientada para a consulta da dor, associadamente apresentava tendinopatia da coifa dos rotadores à esquerda, bem como depressão, diabetes e incontinência fecal. 23. A Autora começou a sentir um agravamento da sua condição de saúde por volta de 2012. 29. A Autora outorgou entre a Irmandade e Santa Casa da Misericórdia ... um contrato de formação – curso de formação de ajudantes familiares/lar, que decorreu naquela Irmandade no período de ... .6.2002 a ... .12.2002, o qual era remunerado. 30. A Autora através da Associação ... fez um curso de Formação profissional de Auxiliares de Ação Educativa, que decorreu entre ... .11.2003 a ... .4.2004. 31. A Autora trabalhou desde outubro de 2004 a junho de 2007 no Agrupamento de Escolas ..., Escola ... e 3 Ciclos do ensino básico .... 34. A Ré não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro dos autos. 35. Nem exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados. 39. Aquando da assinatura da proposta de adesão pela Autora, esta não mencionou as doenças de que à data padecia. 40. A Ré aceitou o contrato com base na proposta de adesão assinada pela Autora em 4.10.1999. 41. Para a aceitação desta proposta pela Ré era condição essencial que a Autora respondesse e fizesse declarações com toda a verdade e isenção. 42. A Autora antes de subscrever o contrato de seguro dos autos já padecia desde 1989 de incontinência fecal, desde 1998 de síndrome depressivo, desde 1991 de diabetes mellitus, não insulina dependente. 43. A Autora sabia que padecia das referidas doenças. 44. A Autora limitou-se a apor a sua assinatura na proposta de adesão ao contrato de seguro a que se alude nos n.os 11 a 14, sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo. [aditado pela Relação] Perante os factos provados 29 a 31, dos quais resulta que a A. exerceu actividade profissional durante vários após a celebração do contrato de seguro dos autos, não oferece dúvidas que, ao declarar que «nos últimos seis meses não tive qualquer alteração importante do meu estado de saúde devido a doença ou acidente, estando atualmente na posse de plena capacidade de trabalho, não me encontro consequentemente impedido, por motivos de saúde, do pleno desenvolvimento da minha normal e regular atividade profissional (…)”, não prestou a A. falsas declarações aquando da celebração do contrato de seguro. Na interpretação e aplicação da norma do art. 429.º do Código Comercial, a dúvida coloca-se antes a respeito da eventual incompletude das declarações da A. acerca do seu estado de saúde aquando da celebração do contrato de seguro. A 1.ª instância, apreciando factualidade provada da qual não constava o facto 44 aditado pela Relação («A Autora limitou-se a apor a sua assinatura na proposta de adesão ao contrato de seguro a que se alude nos n.os 11 a 14, sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo»), pronunciou-se nos seguintes termos: «Da proposta de adesão do seguro em causa inexiste qualquer questionário ou outro formulário onde a Autora fosse convidada a declarar o seu estado de saúde, designadamente sobre diabetes ou problemas psiquiátricos, como depressão, as alegadas doenças pré-existentes à celebração do contrato de que se a Ré seguradora delas tivesse conhecimento não contrataria com a Autora o seguro dos autos. Ora, não obstante no caso dos autos não ter existido qualquer questionário quanto ao estado de saúde da Autora, tal não desonerava a Autora de informar a Ré seguradora das doenças que padecia e que eram do seu conhecimento.». Por sua vez, o Tribunal da Relação apreciou a questão da validade do contrato de seguro não em função do regime normativo do art. 429.º do Código Comercial, mas apenas e tão só em função das cláusulas do contrato de seguro celebrado entre as partes, razão pela qual fundiu a apreciação de tal questão com a apreciação da questão da titularidade passiva, num contrato de seguro de grupo, da obrigação de comunicação das cláusulas do contrato (assim como das consequências decorrentes do incumprimento dessa obrigação), a qual corresponde, essencialmente, à segunda questão objecto do presente recurso de revista. Convém, porém, manter a distinção entre uma e outra questão. No que respeita à questão da invocada invalidade do contrato de seguro por incompletude das informações acerca do estado de saúde do segurado, há vasta jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, ainda que pronunciando-se em sentidos aparentemente não coincidentes (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos de 29.07.2017, proc. n.º 225/14.1TBTND.C1.S1, e de 08.10.2019, proc. n.º 14715/16.6T8LSB.L2.S1, consultáveis em www.dgsi.pt), não revelam, só por si, interpretações normativas divergente, uma vez que se afigura que, em cada caso, se encontra em causa factualidade materialmente distinta. Ora, nas palavras da fundamentação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 10/2001, publicado no Diário da República, Iª Série A, de 27.12.2001: «[S]sendo fundamental, no contrato de seguro, a confiança nas declarações emitidas pelos contraentes, para prevenir as eventuais tentativas de fraude, a lei sanciona com a invalidade os contratos em que tenha havido declarações inexactas, incompletas ou prestadas com reticências, com omissões por parte do tomador do seguro e que influam sobre a existência ou condições do contrato, sendo inócua a intenção do segurado. (…) A avaliação do que sejam declarações inexactas, ou omissões relevantes, determinantes do regime de invalidade do negócio terá de ser feita caso a caso». No caso dos autos, ficou provado que «[a] Ré não solicitou a apresentação de qualquer exame médico ou informação clínica para a celebração do contrato de seguro dos autos», «[n]em exigiu a realização de exames médicos em serviços clínicos por si contratados». De acordo com a justificação da própria seguradora Recorrente, tal ficou a dever-se ao facto de que «[p]ara avaliação do risco coberto e cobertura do capital seguro respectivo, a Recorrente estabeleceu que, em função do montante de capital seguro – €49.879,79 – conjugado com a idade dos segurados, a condição necessária para a avaliação do risco por parte da Recorrente seria, repete-se, os proponentes procederem [apenas] a uma declaração de saúde». Tendo ficado provado que a A. celebrou o contrato de seguro através da subscrição, junto da entidade bancária mutuante, de uma proposta de adesão que lhe foi apresentada (factos 12 e 40), na qual apôs a sua assinatura (facto 20) imediatamente após a referida “Declaração de Atividade e Estado de Saúde” (facto 13), sem que, porém, lhe tenha sido dado a conhecer o conteúdo da dita proposta de adesão (facto 44), importa responder à pergunta – essencial para a resolução da questão recursória em causa – de saber se, nas circunstâncias concretas, era exigível à A. que, por sua iniciativa, prestasse mais informações acerca os seus antecedentes de saúde. Entende-se que a resposta a esta pergunta deve ser negativa, precisamente em função da especificidade factual dada como provada no caso sub judice, qual seja a existência e o teor da dita “Declaração de Atividade e Estado de Saúde” constante da proposta de adesão, declaração essa subscrita pela A.. Com efeito, ao requerer à aderente que assinasse tal declaração («Declaro que nos últimos seis meses não tive qualquer alteração importante do meu estado de saúde devido a doença ou acidente, estando atualmente na posse de plena capacidade de trabalho, não me encontro consequentemente impedido, por motivos de saúde, do pleno desenvolvimento da minha normal e regular atividade profissional»), aquilo que substantivamente a proponente fez foi formular à A. a seguinte pergunta: nos últimos seis meses teve alguma alteração importante no seu estado de saúde, devido a doença ou acidente, que tenha afectado a sua capacidade de trabalho, impedindo-a de desenvolver normal e regularmente a sua actividade profissional? A esta pergunta, que envolve em si mesma a prestação de múltiplas informações, respondeu a A. negativamente, o que, como se viu, era verdadeiro. Assim, ainda que, como alegado pela Recorrente e afirmado pela 1.ª instância, não tenha havido lugar ao tradicional questionário clínico desenvolvido, afigura-se que, mediante a apresentação do dito texto (“Declaração”) a ser subscrito pela aderente, a seguradora questionou, ainda que sumariamente, a A. a respeito do seu estado de saúde. Fê-lo em termos que permitiam a um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real (cfr. art. 236.º, n.º 1, do Código Civil), considerar que os dados relevantes acerca do estado de saúde do aderente (no caso, a A.) se reportavam apenas àquilo que, nos últimos seis meses, pudesse ter afectado (e/ou continuar a afectar) a sua capacidade de trabalho, não lhe sendo exigível, em face do teor daquilo sobre o qual, concretamente, foi questionada, que equacionasse a possibilidade de haver outros dados relevantes a comunicar a respeito da sua história clínica. Como a própria Recorrente reconhece, ainda que não lhe atribuindo os efeitos que se afiguram curiais, em «função do montante de capital seguro (...) conjugado com a idade dos segurados», considerou a seguradora que «a condição necessária para a avaliação do risco por parte da Recorrente seria (...) os proponentes procederem a uma declaração de saúde». Se, por meio dessa declaração, impressa em documento elaborado pela seguradora e apresentado à aderente (aqui A.), esta foi questionada acerca dos dados de saúde tidos como relevantes pela mesma seguradora, não pode entender-se que se verifica a situação de incompletude das declarações prevista no art. 429.º do Código Comercial. Improcede, assim, a pretensão da Recorrente, na parte em que invoca a anulabilidade do contrato de seguro. 2. Passemos em seguida a apreciar a questão de saber se a R. seguradora estava adstrita à obrigação de comunicar à A., enquanto aderente a um seguro de grupo contributivo, as cláusulas de exclusão da cobertura do seguro; e, ainda de saber, se, entendendo-se ser o tomador do seguro (no caso, a instituição bancária) o obrigado a comunicar tais cláusulas contratuais à A., se deve, porém, considerar que o incumprimento dessa obrigação pelo dito tomador do seguro é oponível à R. seguradora. Está em causa a obrigação de comunicação da seguinte cláusula de exclusão (tal como transcrita na fundamentação do acórdão recorrido): Artigo 6.º 6.1, al. a) “EXCLUSÕES NA COBERTURA DE RISCOS” «Doença Pré-existente – Toda a alteração involuntária do estado de saúde da Pessoa Segura, não causada por acidente e susceptível de constatação médica objectiva, e que tenha sido objecto de um diagnóstico inequívoco ou que com suficiente grau de evidência se tenha revelado, em data anterior à data da celebração do presente contrato, salvo o caso em que tenha havido comunicação formal à Seguradora, e aceitação por parte desta, mediante as condições que para o efeito tenham sido estabelecidas». A 1.ª instância, tendo anulado o contrato de seguro em resultado da aplicação do regime do art. 429.º do Código Comercial, considerou prejudicado o conhecimento da questão de saber a quem competia o dever de comunicação desta cláusula (se à seguradora se ao tomador do seguro), assim como de apurar quais as consequências do não cumprimento desse dever. O Tribunal da Relação, dando como provado o ponto 44 da matéria de facto («A Autora limitou-se a apor a sua assinatura na proposta de adesão ao contrato de seguro (...) sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo»), aplicou ao caso o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), entendendo que a R. seguradora desrespeitou a obrigação de comunicar na íntegra as cláusulas contratuais aos aderentes que se limitem a subscrevê-las (art. 5.º, n.º 1). Consequentemente, e de acordo com o previsto no art. 8.º, alínea a), do mesmo diploma legal, considerou excluída do contrato a dita cláusula de exclusão da cobertura do seguro. 2.1. No acórdão recorrido não foi, porém, convocado, como se entende que seria necessário, o regime legal específico dos seguros de grupo previsto no Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, em cujo art. 4.º se dispõe o seguinte: «1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora. 2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro. 3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.°1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação. 4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.°1 seja assumida pela seguradora. 5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.». A conjugação do regime do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, relativo aos seguros de grupo, com o regime dos arts. 5.º e 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, respeitante às cláusulas contratuais gerais, suscita as seguintes dificuldades: (i) Na medida em que a norma do art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/95, atribui ao tomador do seguro de grupo o dever de informar os segurados acerca das cláusulas do contrato de seguro – tomador esse que, em regra, e como sucede no caso dos autos, é a instituição bancária mutuante beneficiária do seguro – coloca-se a dúvida de saber se, dessa opção normativa, resulta a não aplicação do regime jurídico relativo às cláusulas contratuais gerais consagrado no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, designadamente a não aplicação das normas do art. 5.º e do art. 8.º, alínea a), do mesmo diploma legal, que determinam que se excluam dos contratos singulares aquelas cláusulas contratuais que tenham sido inseridas com desrespeito pelo dever de comunicação; (ii) Sendo que a consequência da não aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais será o não funcionamento da cobertura do seguro, assim como a não responsabilização da seguradora pelo incumprimento do contrato de seguro; (iii) E sendo que, pelo incumprimento do dever de comunicação (denominado como dever de informar no art. 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho) das cláusulas apenas poderá responsabilizar-se, caso seja demandado, o tomador do seguro, seja nos termos do n.º 3 do referido art. 4.º (com a «obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação»), seja, eventualmente, nos termos da responsabilidade civil em geral (cfr. o art. 79.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril). 2.2. A jurisprudência nacional, e, em particular, a jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem resolvido de forma divergente as dificuldades de conjugação dos referidos diplomas legais. De acordo com uma das orientações adoptadas, o regime do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, relativo aos seguros de grupo, é um regime especial que afasta a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Consequentemente, deverá entender-se que, não estando a seguradora legalmente adstrita aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas do contrato de seguro de grupo, o incumprimento de tais deveres não lhe é oponível pelo segurado. De acordo com outra orientação, o regime do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, não afasta a aplicação do regime das Cláusulas Contratuais Gerais, devendo entender-se – em razão da natureza e da estrutura próprias do seguro de grupo contributivo – seja que a seguradora se encontra vinculada aos deveres de comunicação e de informação das cláusulas consagrados em tal regime, seja, em alternativa, que o incumprimento desses deveres pelo tomador do seguro é oponível à seguradora. 2.3. Suscitaram-se, porém, a este Supremo Tribunal, dúvidas acerca da compatibilidade da primeira orientação jurisprudencial referida no ponto anterior deste acórdão com o efeito útil da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, tendo em conta, designadamente, a seguinte jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE): Acórdão de 10 de Maio de 2001 (processo C-144/99) em acção da Comissão das Comunidades Europeias versus Reino dos Países Baixos por incumprimento da obrigação de transposição da Directiva 93/13/CEE; Acórdão de 3 de Junho de 2010 (processo C-484/08) em pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Tribunal Supremo de Espanha, no processo Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid versus Asociación de Usurarios de Servicios Bancarios (Ausbanc); e Acórdão de 21 de Março de 2013 (processo C-92/11) em pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesgerichtshof (Alemanha), no processo RWE Vertrieb AG versus Verbraucherzentrale Nordrhein‑Westfalen e.V.. 2.4. Perante a referida jurisprudência do TJUE, e ainda que o controle jurisdicional da inclusão das cláusulas contratuais gerais, previsto no direito português (arts. 5.º a 8.º do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho), não resulte directamente da transposição da Directiva comunitária, decidiu-se suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do art. 267.º, § 1.º, alínea b), e § 3.º, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, as seguintes questões prejudiciais: «1ª) O artigo 5.º da Directiva 93/13/CEE, ao exigir que «as cláusulas propostas ao consumidor estejam (…) sempre redigidas de forma clara e compreensível», deve interpretar-se, de acordo com o Considerando 20 da Directiva, no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de todas as cláusulas? 2ª) O artigo 4.º, n.º 2, da Directiva 93/13/CEE, ao exigir, como requisito para a exclusão do controlo das cláusulas relativas ao objecto principal do contrato, que «essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível», deve interpretar-se no sentido de exigir que o consumidor tenha sempre oportunidade de tomar conhecimento de tais cláusulas? 3ª) No quadro de uma legislação nacional que autoriza o controlo jurisdicional do carácter abusivo das cláusulas que não tenham sido objecto de negociação individual relativas à definição do objecto principal do contrato: (i) O artigo 3.º, n.º 1, da Directiva 93/13/CEE, interpretado de acordo com a alínea i) da lista indicativa referida no n.º 3 do mesmo artigo, opõe-se a que, num contrato de seguro de grupo contributivo, a seguradora possa opor à pessoa segurada uma cláusula de exclusão ou de limitação do risco segurado que não lhe tenha sido comunicada e que, em consequência, a pessoa segurada não tenha tido oportunidade de conhecer; (ii) ainda que, simultaneamente, a legislação nacional responsabilize o tomador do seguro pela violação do dever de comunicação/informação das cláusulas pelos danos causados à pessoa segurada, responsabilidade essa, porém, que, em regra, não permite colocar a pessoa segurada na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado?». 2.5. Por acórdão de 20 de Abril de 2023, proferido no Processo C‑263/22, o TJUE respondeu à primeira e à segunda questões suscitadas em sede de reenvio prejudicial da seguinte forma: «O artigo 4.º, n.º 2, e o artigo 5.º da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, lidos à luz do vigésimo considerando desta diretiva, devem ser interpretados no sentido de que: um consumidor deve ter sempre a possibilidade de tomar conhecimento, antes da celebração de um contrato, de todas as cláusulas que este contém.». E respondeu à terceira questão prejudicial nos seguintes termos: «O artigo 3.º, n.º 1, e os artigos 4.º a 6.º da Diretiva 93/13 devem ser interpretados no sentido de que: quando uma cláusula de um contrato de seguro relativa à exclusão ou à limitação da cobertura do risco segurado, da qual o consumidor em causa não pôde tomar conhecimento antes da celebração desse contrato, é qualificada de abusiva pelo juiz nacional, este tem de afastar a aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor.». 2.6. Retomemos a questão recursória em causa à luz da decisão do acórdão do TJUE e da respectiva fundamentação. Antes de mais, e em razão da resposta do TJUE às duas primeiras questões prejudiciais, fica esclarecido que o direito da aderente do contrato de seguro dos autos a ter a possibilidade de, antes da celebração do contrato, tomar conhecimento de todas as cláusulas nele contidas se encontra abrangido pela tutela do direito da União Europeia, designadamente pelo art. 4.º, n.º 2, e pelo art. 5.º da Directiva 93/13/CEE, não obstante a Directiva não prever expressamente o controle da inclusão das cláusulas contratuais. Esta conclusão tem como consequência a possibilidade de se qualificar como abusiva uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro contratado que não tenha sido antecipadamente comunicada à aderente. Sendo que, em razão da resposta do TJUE à terceira questão prejudicial, a qualificação de uma cláusula como abusiva implica – à luz do regime nacional que resultou da transposição da Directiva 93/13/CEE, designadamente do respectivo art. 6.º, n.º 1 («Os Estados-membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respectivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas») – a não «aplicação dessa cláusula a fim de que não produza efeitos vinculativos relativamente a esse consumidor» (ponto 56 do Acórdão do TJUE). E sendo que tais conclusões não são invalidadas pela possibilidade de, nos termos previstos no art. 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, o tomador do seguro vir a ser considerado responsável pelo pagamento do prémio do seguro, nem tampouco pela possibilidade de o mesmo tomador do seguro vir a ser a responsabilizado, nos termos gerais, pelas consequências danosas resultantes da falta de comunicação das cláusulas, uma vez que nem aquele regime especial nem o regime geral de responsabilidade civil permitem colocar o aderente na situação em que estaria se a cobertura do seguro tivesse funcionado. 2.7. No caso sub judice, perante a factualidade dada como provada, dúvidas não subsistem de que a cláusula 6.1. a), que exclui da cobertura do seguro as situações clínicas resultantes da evolução de doenças pré-existentes, não foi comunicada à A. aderente aquando da celebração do contrato de seguro dos autos. Na verdade, a situação fáctica dada como provada mostra-se mais gravosa ainda, uma vez que, estando em causa um contrato de seguro cuja celebração foi “exigida” (facto 11) à A. (e seu marido), em conexão com a celebração de um contrato de mútuo, e tendo aquele contrato sido celebrado mediante subscrição da proposta de adesão apresentada pela instituição bancária mutuante (facto 12), ficou provado que «[a] Autora limitou-se a apor a sua assinatura na proposta de adesão ao contrato de seguro (...) sem que lhe tenha sido dado a conhecer o seu conteúdo» (facto 44). Temos, assim, que a não comunicação à A. aderente da cláusula contratual 6.1. a), que exclui a cobertura do seguro do risco resultante de doença pré-existente gera – de acordo com os parâmetros indicados nos pontos 42 e 43 da fundamentação do Acórdão do TJUE – uma situação frontalmente contrária à “exigência da boa fé” (no sentido de boa fé procedimental), sendo de qualificar como cláusula abusiva. Cfr., a este respeito, Nuno Pinto Oliveira («O princípio da boa fé e o princípio da proporcionalidade - O problema das cláusulas abusivas nos contratos com os consumidores entre direito privado e direito público»,[2] págs. 148 e seg.), em comentário ao Acórdão do TJUE de 14 de Março de 2013 (Acórdão Aziz). O carácter abusivo da cláusula não pode ser desconsiderado em virtude de o direito nacional prever que o tomador do seguro que não tenha cumprido o dever de comunicação/informação que lhe está cometido pelo art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, poder ser responsabilizado, seja pelo pagamento da parte do prémio correspondente ao segurado (cfr. art. 4.º, n.º 3, do mesmo diploma legal), seja, eventualmente, nos termos gerais da responsabilidade civil (cfr. o art. 79.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril), sem garantir, porém, o restabelecimento integral da situação em que o aderente estaria se tivesse beneficiado da cobertura do seguro. De acordo com a orientação do Acórdão do TJUE proferido no reenvio dos autos (cfr. ponto 53), a interpretação do direito nacional em conformidade com a Diretiva 93/13/CEE não permite que a existência de um ou mais regimes de responsabilização pelo incumprimento do dever de comunicação/informação das cláusulas possa afectar a inoponibilidade ao aderente consumidor de cláusulas contratuais qualificadas como abusivas. Assim sendo, afigura-se que o direito nacional (art. 8.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), ao determinar simplesmente que as cláusulas não comunicadas sejam excluídas do contrato (isto é, sem sujeitar o afastamento de tais cláusulas ao controlo do respectivo conteúdo a realizar em razão dos parâmetros constantes dos pontos 45 e seguintes da fundamentação do Acórdão do TJUE), se encontra em plena consonância com a Diretiva 93/13/CEE. Nas palavras de Joaquim Sousa Ribeiro («O princípio da transparência no Direito Europeu dos Contrato, in Estudos de direito do consumidor, n.º 4, Publicação do Centro de Direito do Consumo, Coimbra, 2002, pág. 150), «a violação da transparência é, neste domínio, uma causa autónoma e suficiente de ineficácia». Consequentemente, no caso dos autos, considera-se excluída do contrato de seguro a cláusula de não cobertura do risco de doença pré-existente (cláusula 6.1. a)), mantendo-se, no mais, a vigência do mesmo contrato (cfr. art. 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro), devendo, por isso, entender-se que a situação de incapacidade total e permanente da A. se encontra coberta pelo seguro contratado. Tudo isto, sem prejuízo das eventuais consequências em matéria de responsabilidade civil do tomador do seguro diante da seguradora pela falta de cumprimento da obrigação de comunicação/informação que lhe está atribuída pelo art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho. Improcede, assim, também nesta parte, a pretensão da Recorrente. 3. Por último, consideremos a questão do saber se, para além do valor do capital seguro, a R. seguradora deve ser condenada a pagar à A. juros de mora e indemnização por danos não patrimoniais. Entre os pedidos formulados pela A. contam-se o pedido b) («pagamento à autora, de todas as prestações mensais do crédito hipotecário, que a mesma e o seu marido têm vindo a pagar assiduamente ao Banco Millennium bcp, desde aquela data – 31/03/2014 -, e todas as que pagarem, até efetivo e integral pagamento das mesmas pela ré, prestações estas, que se relegam para execução de sentença por se desconhecer quando as mesmas irão ser pagas, acrescida dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos a favor da ora autora até efetivo e integral pagamento, o que se relega igualmente para execução de sentença«) e d) («ressarcir a autora por danos não patrimoniais em quantia não inferior a 5.000,00 Euros, face ao supra alegado em 62º a 67º desta peça.»). O acórdão recorrido condenou a R. «3) a pagar à autora AA juros de mora à taxa legal sobre a quantia referido no número anterior, a contar de 01.05.2014 e até integral reembolso; 4) a pagar à autora AA a quantia de € 3 000,00 (três mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.». Insurge-se a Recorrente contra esta decisão, invocando que «os contratos de seguro de vida servem para assegurar o pagamento do capital devido à data da eclosão de um sinistro e não para o pagamento de prestações de crédito de mútuo que contém, para além do capital, os juros contratados com a entidade bancária» e que «É isso que consta do contrato/apólices, ou seja, o capital seguro é, apenas e só, o que ali vem descrito, ou seja, não contempla qualquer outro tipo de pagamentos para além do capital, nomeadamente prestações de mútuos bancários e danos não patrimoniais.». Vejamos. Os referidos pedidos b) e d) fundam-se em responsabilidade civil pelo incumprimento do contrato de seguro celebrado entre as partes. Assim sendo, o pedido indemnizatório da A. não se encontra limitado pelo valor do capital de seguro, podendo abranger, nos termos gerais dos arts. 562.º do Código Civil, aplicáveis à responsabilidade contratual, tanto juros de mora como danos não patrimoniais. Conclui-se, também nesta parte, pela improcedência do recurso da R. seguradora. 4. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido com fundamento na interpretação do direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia, tal como interpretado pelo Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia proferido no processo de reenvio prejudicial suscitado nos autos. Custas pela Recorrente. Lisboa, 25 de Maio de 2023 Maria da Graça Trigo (Relatora) Catarina Serra João Cura Mariano _____ [1] A decisão da sentença continha lapsos formais, assinalados nas notas 2 e 3 do acórdão da Relação. |