Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO ÂMBITO DO RECURSO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PRESUNÇÃO JUDICIAL CONSTITUCIONALIDADE TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES REINCIDÊNCIA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 10/12/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I - Nos termos do art. 434.º do CPP, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21-12, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas als. a) e c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP. II - A pretendida apreciação da constitucionalidade da norma do art. 127.º do CPP, no sentido de permitir o recurso a presunções, para além de não vir fundamentada ou concretizada, diz respeito ao critério (jurídico) de formação da base probatória relativo à apreciação da prova pelo tribunal recorrido para afirmar os factos provados, ou seja, traduzir-se-ia numa questão (de direito) respeitante à decisão em matéria de facto, pelo que o seu conhecimento imporia que o recorrente impugnasse a decisão em matéria de facto, nos termos do n.º 3 do art. 412.º do CPP, no respeitante a provas extraídas por via de presunções legalmente admissíveis quanto a factos dados como provados no acórdão recorrido. III - Se tal ocorresse, estaria vedado a este STJ conhecer do recurso nessa parte, por ser matéria da competência do tribunal da relação (arts. 427.º e 428.º do CPP); poderia restar a este tribunal competência para eventual conhecimento da questão no âmbito da apreciação dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o art. 410.º, n.º 2, do CPP, se o recurso fosse interposto com estes fundamentos (art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, parte final, com a alteração introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21-12), o que não ocorre. IV - A circunstância de o acórdão se limitar a dizer “que a prisão a aplicar ao arguido não poderá deixar de ser efetiva e superior a seis meses”, sem indicação da sua medida concreta, não obsta a que se deva considerar preenchido este pressuposto formal da reincidência. V - Entre a prática do crime anterior e a prática do crime atual não tinham decorrido mais de 5 anos, pois que o arguido se encontrou privado da liberdade, em cumprimento de pena, entre fevereiro de 2011 e dezembro de 2016, não podendo este período de tempo ser computado naquele prazo de 5 anos (art. 75.º, n.º 2, do CP). VI - Mostra-se igualmente verificado o pressuposto material da reincidência estabelecido na parte final do n.º 1 do art. 75.º do CP, revelador de “maior culpa”, o qual requer que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime. VII - Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal a de que a reincidência, tendo como elemento fundamental o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior, não opera como efeito automático das anteriores condenações, exigindo-se a demonstração de que estas não tiveram suficiente força de dissuasão para o afastar do crime, pois que só através do caso concreto, nas suas próprias circunstâncias, se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de solene advertência. VIII - Em princípio, como se tem afirmado na jurisprudência deste tribunal, poderá a conexão entre os crimes estabelecer-se mais facilmente relativamente a casos de reincidência homótropa (crimes da mesma natureza), como sucede em situações, como a dos autos, de repetição de crimes de tráfico de estupefacientes, de idêntica natureza, com similar motivação e semelhantes formas de execução, em que não intervenham circunstâncias que possam excluir tal conexão. IX - Considerando a moldura abstrata da pena estabelecida por funcionamento da reincidência (art. 76.º , n.º 1, do CP), mostrando-se ponderados os fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, que revelam elevadas exigências e necessidades de prevenção geral, a considerar no limite da culpa, tendo em conta a frequência, a insegurança e a grave danosidade social resultantes da prática destes tipos de crime, bem como de prevenção especial, não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 6 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão de 23.2.2022 do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., comarca ..., que o condenou, como reincidente, pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, a ele anexas e 75.º e 76.º, do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Discordando da condenação como reincidente e da medida da pena aplicada, que pretende ver reduzida, apresenta motivação, de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): «1. Com o devido respeito pelo douto Tribunal a quo, que é muito, o recorrente não pode conformar-se com a decisão proferida pelo douto acórdão de que ora se recorre. 2. Não vislumbra o recorrente, e com o devido respeito, face aos factos dados como provados, que haja sido condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, p. e p. pelos art.º 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às tabelas I-A e I-B, e anexas a tal diploma e art.ºs. 75.º e 76.º, ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão. 3. Atendendo à matéria efetivamente dada como provada pelo Tribunal a quo no seu douto Acórdão, é nosso entendimento que a decisão concretamente proferida contraria o objetivo da política criminal que a lei perspetiva e que a justiça não pode subtrair-se, que é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, 4. uma vez que condenou o recorrente em pena de prisão de seis anos e seis meses, quando poderia e deveria, tendo em conta a prova produzida, e tendo em conta as concretas necessidades de prevenção geral e especial, e as circunstâncias que depunham a favor e contra o mesmo, condenado numa pena de cinco anos. 5. No caso sub judice o recorrente confessou os factos constantes do douto acórdão, dados como provados e mostrou arrependimento. 6. É ainda relativamente jovem, 46 anos, cresceu num contexto de um agregado numerosos, composto pelos pais e 11 irmãos, de situação financeira precária. O agregado mantinha uma dinâmica coesa e de entreajuda. 7. O recorrente frequentou o ensino apenas até ao 5º ano do ensino básico, após o que trabalhou numa serração, após onde se manteve vários anos. Posteriormente trabalhou na área da .... 8. Em reclusão concluiu o 9º ano de escolaridade, no âmbito da frequência do Curso Profissional .... 9. A partir de 2017 e até ter sido ordenada a sua prisão preventiva, o recorrente trabalhou, juntamente com o irmão, na área da .... 10. Na sua área de residência, bem como, nas localidades onde anteriormente residiu, não há qualquer registo de problemas ao nível do seu relacionamento interpessoal. 11. Em meados de 2018 iniciou uma relação em união de facto com BB, sendo esta que lhe tem prestado todo o apoio desde que se encontra recluído. 12. No que concerne à condenação do recorrente como reincidente, consideramos, com o devido e muito respeito que nos merece o tribunal a quo, que não se verificam os pressupostos materiais da reincidência. 13. Se, quanto ao preenchimento dos pressupostos formais não haverá nenhum reparo a fazer, o mesmo não se poderá dizer quanto aos pressupostos materiais. 14. O preenchimento do pressuposto material da reincidência tem, que assentar em factos concretos não bastando a mera menção ao certificado de registo criminal. Deve ser explicitado, designadamente da motivação para a prática dos factos, de ausência voluntária de hábitos de trabalho e sobre a personalidade do arguido, que permitam concluir que entre os crimes pelos quais cumpriu prisão e o crime em apreciação, existe uma íntima conexão, nomeadamente a nível de motivos e forma de execução, relevantes do ponto de vista da censura e da culpa, de molde a que possamos concluir que a reiteração radica na personalidade do arguido. 15. Exige-se, assim, “uma especifica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirara a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição com o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor”.(Cfr. entre outros os acórdãos do STJ de 26-03-08, proc. 4833/07- 3ª, e de 4-12-08, proc. 3774/08-3ª in www.dgsi.pt) 16. Mesmo que estejamos perante uma íntima conexão entre os crimes reiterados decorrentes da prática de factos de natureza análoga, podia o Tribunal a quo, e com o devido respeito, ter considerado as circunstâncias da experiência criminógena da prisão, bem como da sua adição, que pudessem ter permitido concluir pela não verificação da qualificativa. 17. Pelo exposto, é nosso entendimento que, no caso concreto, tendo em conta tudo o que se acaba de referir quanto à determinação da medida da pena, tendo em conta as concretas exigências de prevenção geral e especial, bem como todas as circunstâncias que depõem a favor do recorrente, a pena aplicável ao mesmo, subsumível ao tipo legal do crime tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93, deveria ser de cinco anos de prisão. 18. O recorrente entende que deve ser apreciada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127º do Código Processo Penal, acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349º e 350º do Código Civil, considerando e com o devido respeito, que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, consagrados no artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. 19. O recorrente considera, com o devido respeito, que o Tribunal recorrido deveria ter aplicado os princípios constitucionais supra referidos aquando da interpretação normativa do artigo 127º do Código de Processo Penal, enquanto expressão garante da minimização de equívocos irrefletidos quando se recorre a este tipo de prova, como resulta do acórdão recorrida quando formou a sua convicção sobre a verdade do facto e o seu convencimento da veracidade do mesmo, para lá da dúvida razoável, sustentando tal convencimento em elementos de prova que mesmo concatenados com outros não deveriam ter permitido formar a convicção do Tribunal a quo, pela verdade do facto e sua demonstrabilidade no que concerne à prática dos crimes em causa. 20. Foram violados, os artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, 40.º, 70.º, 7.1º, 75.º e 76.º do Código Penal e artigo127.º do Código Processo Penal e 32.º da Constituição da República Portuguesa.» 3. Respondeu o Ministério Público, concluindo pela improcedência do recurso, nos seguintes termos: a) Quanto à invocada inconstitucionalidade do artigo 127.º do CPP, dizendo, em síntese: Que “o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre problemas de constitucionalidade de normas que estabelecem presunções legais em matéria penal, tendo concluído pela sua admissibilidade, desde que seja conferida ao arguido a possibilidade de abalar os fundamentos em que a presunção se sustenta e que baste para tal a contraprova dos factos presumidos, não se exigindo a prova do contrário”, citando, a este propósito, o acórdão n.º 391/2015 do mesmo tribunal; E que “tal como resulta do Acórdão em apreço, o Tribunal fundou a sua convicção quanto à matéria de facto dada como provada na análise da prova documental, pericial e testemunhal produzida em audiência de julgamento”, não havendo referência a fundamentação da decisão com base em presunções. b) Quanto à reincidência e à medida da pena: Que “como bem refere o tribunal encontram-se preenchidos todos os pressupostos formais e materiais da punição do arguido como reincidente estabelecidos no art.º 75.º do Código Penal”; Que “o arguido não impugna os factos dados como provados e, designadamente, o facto dado como provado sob o ponto 19, pelo que, se impunha, como bem fez o tribunal, a condenação do arguido como reincidente por observância do requisito material, além do requisito formal plasmado no ponto 18 da matéria de facto dada como provada”. Que, tendo em conta o disposto no artigo 76.º do Código Penal quanto à punição da reincidência, as elevadas exigências de prevenção geral – “atenta a frequência com que o crime de tráfico de estupefacientes é cometido neste país, incluindo esta comarca” e atendendo a que “o tráfico de estupefacientes é das atividades que mais corrói a sociedade em que vivemos e potencia o cometimento de variadíssimos outros tipos de crimes, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e desenquadramento laboral e familiar que acabam por ser suportados pela generalidade dos cidadãos” – e de prevenção especial – pois que “o arguido exerceu a atividade de venda de heroína e cocaína, consideradas drogas duras, nos termos descritos na matéria de facto dada como provada, revelando comportamento totalmente indiferente às normas em vigor e com total indiferença pelas anteriores condenações sofridas pela prática do mesmo ilícito de trafico de estupefacientes” –, a pena aplicada mostra-se adequada, não merecendo a decisão qualquer crítica». 4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto, subscrevendo a posição do Ministério Público em 1.ª instância, emitido parecer, também no sentido da improcedência do recurso, acrescentando, em síntese (transcrição): a) Quanto à invocada inconstitucionalidade: Que o “TC já teve oportunidade de se pronunciar por diversas vezes no sentido de que o recurso à prova indiciária e à prova por presunções judiciais é admissível em Direito Penal e em Direito Processual Penal e não fere quaisquer princípios constitucionais, nomeadamente os princípios da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP), de que o princípio in dubio pro reo constitui uma decorrência, e da fundamentação das decisões judiciais (art. 205.º, n.º 1, do CRP)”, citando ainda os acórdãos 578/2016, 197/2017, 149/2018, 521/2018 e 444/2021 do mesmo Tribunal. b) Quanto à reincidência: Que o acórdão recorrido não é merecedor de censura, pois que “a factualidade provada mostra que o arguido: - Cometeu, entre 05.2018 e 31.05.2021, um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01 (factos provados 1 a 15); - Em razão da moldura penal abstracta do tipo e dos diversos factores destacados no acórdão, a prisão a aplicar não podia deixar de ser efectiva e de ter uma dura-ção superior a seis meses (págs. 31-34 do acórdão); - Antes disso foi condenado no processo 5/10...., por acórdão transitado em 22.06.2012, na pena de 7 anos de prisão pela prática, no período compreendido entre 08.2010 e 07.02.2011, de um crime de tráfico de estupefacientes (al. c) do facto provado 17); - Esteve ininterruptamente preso à ordem do processo 5/10.... entre 07.02.2011 e 07.12.2016 (facto provado 18). Por outro lado, além da condenação no processo 5/10...., o arguido também já tinha sido condenado no processo 186/05...., por acórdão transitado em 07.01.2008, pela prática, em 2005, de um outro crime de tráfico de estupefacientes, esse em concurso efectivo com um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão efectiva (al. b) do facto provado 17). Ora, a despeito dessas duas anteriores condenações em penas de prisão efectiva pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, o arguido foi incapaz de moldar o seu comportamento de acordo com as regras de direito e da sociedade e retomou a mesma actividade delituosa. Conforme orientação expressa do STJ, «na reincidência específica ou homótropa, a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior de um mesmo crime, em condições semelhantes (como é o tráfico de estupefacientes) (…) revela suficientemente, em tal relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, isto é, que prevenisse a reincidência» [Acórdão de 28.02.2007, processo 07P09, www.dgsi.pt.] Daí que, como se reconhece a propósito de uma hipótese com contornos semelhantes aos dos autos, «resultando da matéria de facto provada que: - o recorrente acabou de cumprir em 07-06-2004 a pena de 2 anos de prisão em que fora condenado por tráfico de estupefacientes, e retomou em Outubro de 2005 essa sua actividade de venda de produtos estupefacientes a terceiros; - não se tratou de um acto isolado de tráfico, antes era uma actividade continuada, traduzida em vendas de heroína e cocaína a um número expressivo de consumidores toxicodependentes; Tratando-se de uma situação de homotropia de condutas, sendo relativamente reduzido o intervalo de tempo que mediou entre o termo da reclusão e o retomar do tráfico, e atendendo às características deste, tanto basta para se poder concluir pela falência da anterior condenação para a dissuasão da prática de novo crime, e, consequentemente, pela verificação do requisito da reincidência» [Acórdão do STJ de 24.01.2007, processo 06P4455, www.dgsi.pt. No mesmo sentido v. os acórdãos do STJ de 29.02.2012, processo 999/10.9TALRS.S1 (“estando em causa uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado (tráfico de estupefacientes): se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que foi indiferente ao sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir”), e de 18.02.2016, processo 35/14.6GAAMT (“Se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo”)]”. c) Quanto à medida da pena: Dizendo que todas as circunstâncias invocadas pelo recorrente “(com ressalva, por razões que não carecem de explicação, da «relativa» juventude do recorrente) foram sopesadas pelo tribunal colectivo” e que “por outro lado, à vista do grau de ilicitude dos factos, aferido, nomeadamente, pela nocividade dos estupefacientes traficados (heroína e cocaína), pela área geográfica onde o arguido desenvolvia a actividade ilícita (nos concelhos ..., ... e ...) e pelo respectivo tempo de duração (cerca de 3 anos), do dolo (directo e intenso), das consabidamente acentuadas necessidades de prevenção geral nos crimes de tráfico de estupefacientes, quer pelos bens jurídicos atingidos – “a vida, a integridade física, a liberdade de determinação dos consumidores de estupefacientes, (…) a saúde pública em geral” [João Luís de Moraes Rocha, Droga – Regime Jurídico, Legislação Nacional anotada Diplomas Internacionais, Livraria Petrony, Ld.ª, 1994, pág. 61.6] – quer pelos efeitos criminógenos que lhes estão associados [Como realça o MP na sua resposta, “o tráfico de estupefacientes é das actividades que mais corrói a sociedade (…) e potencia o cometimento de variadíssimos outros tipos de crimes, gerando instabilidade social, problemas de saúde pública e desenquadramento laboral e familiar que acabam por ser suportados pela generalidade dos cidadãos”], e das não inferiores necessidades de prevenção especial, desveladas pelos antecedentes criminais do arguido (os quais, além dos já assinalados, também incluem crimes de condução perigosa de veículo rodoviário e de violência doméstica), temos por certo que a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, numa moldura penal cujos limites mínimo e máximo são de 5 anos e 4 meses e de 12 anos de prisão, respetivamente, a pecar, não é seguramente por excesso.” 5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse. 6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso foi à conferência, para julgamento – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. II. Fundamentação 7. O tribunal a quo julgou provados os seguintes factos: «1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde Maio de 2018 e até ao dia 31 de Maio de 2021, o arguido AA, conhecido por “CC”, dedicou-se à compra, transporte, detenção e venda a terceiros de produtos estupefacientes, mediante contrapartida monetária, designadamente heroína e cocaína. 2. E desenvolveu essa actividade em várias freguesias de, pelo menos, três concelhos: ..., ... e .... 3. O arguido descolocava-se com regularidade à cidade ..., nomeadamente ao Bairro ... para se abastecer daquelas substâncias, para prover, por um lado, ao seu próprio consumo e, por outro, para ulterior venda aos consumidores que o contactavam previamente por telefone. 4. Na execução de tal actividade utilizou, em ocasiões distintas, três veículos: - o veículo automóvel, marca Volkswagen, modelo ... de cor ..., de matrícula ..-..-QE, registado em nome da sua companheira BB; - o motociclo, marca Kawasaki, modelo ..., de cor ..., de matrícula ..-..-UG, pertencente à companheira BB; - o veículo de matrícula ..-..-NG, marca Toyota, modelo ..., de cor ..., pertencente ao arguido. 5. Quando mudava de contacto telefónico, o arguido, aquando das vendas de heroína e/ou cocaína aos consumidores que o procurassem, entregava-lhes, simultaneamente, um pequeno manuscrito com o novo contacto telefónico que passaria a utilizar. 6. Nas circunstâncias de tempo e locais referidas nos pontos 1 e 2, o arguido vendeu cocaína e heroína, pelos preços de 10€ cada base e 5€ cada pacote, de entre outros, aos seguintes consumidores: a) a DD: desde data não concretamente apurada, mas aproximadamente desde o início do ano de 2021, vendeu-lhe, diariamente, um ou dois pacotes de heroína, o que fez, de entre outros, no dia 20 de Março de 2021, pelas 07h49m, na Rua ..., em ..., freguesia e concelho ..., em que lhe vendeu um pacote; b) a EE: vendeu-lhe uma base de cocaína e dois pacotes de heroína, o que fez no dia 20 de Março de 2021, pelas 08h44m, na Rua ..., em ..., freguesia e concelho ...; c) a FF: vendeu-lhe um pacote de heroína, o que fez, entre as 16h13m e as 16h15m, na Rua ..., em ..., freguesia e concelho ...; d) a GG: desde data não concretamente apurada, mas aproximadamente desde o início do ano de 2021, vendeu-lhe um ou dois pacotes de heroína, com uma regularidade diária, apenas, no período compreendido entre Fevereiro e Abril de 2021, sempre junto à pastelaria ... situada na Avenida ..., em ..., freguesia e concelho ...; o que fez, de entre outros, nos dias 22 de Março de 2021, pelas 07h49m, 15 de Abril de 2021, pelas 07h30m, 21 de Abril de 2021, pelas 07h24m, 22 de Abril de 2021, pelas 07h29m e 27 de Abril de 2021, pelas 07h25m; e) a HH: desde data não concretamente apurada, mas no início de 2020, vendeu-lhe uma média diária de um ou dois pacotes de heroína, sempre na Rua ..., em ..., freguesia e concelho ..., o que fez, de entre outros, nos dias 25 de Março de 2021, pelas 07h05m, 26 de Março de 2021, pelas 07h15m, 12 de Abril de 2021, pelas 07h15m, 13 de Abril de 2021, neste dia pelas 07h23m e pelas 19h30m, 16 de Abril de 2021, pelas 07h15m, 19 de Abril de 2021, pelas 07h20m, 20 de Abril de 2021, pelas 07h20m, 21 de Abril de 2021, pelas 07h15m, 22 de Abril de 2021, pelas 07h15m e 27 de Abril de 2021, pelas 07h11m; f) a II: desde data não concretamente apurada, mas desde o ano de 2019, vendeu-lhe uma média diária de duas pedras de cocaína e dois pacotes de heroína, normalmente na Avenida ..., em ..., freguesia e concelho de ..., o que fez, de entre outros, nos dias 25 de Março de 2021, pelas 07h15m e 22 de Abril de 2021, pelas 07h55m; g) a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar: vendeu-lhe um pacote de heroína, o que fez em duas ocasiões distintas, sendo uma delas no dia 26 de Março de 2021, pelas 07h07m, junto da paragem de autocarro, sita na Rua ..., ..., ..., em ...; h) a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar: vendeu-lhe heroína e/ou cocaína, em quantidade e por quantia monetária não concretamente apuradas, o que fez no dia 9 de Abril de 2021, pelas 07h05m, na Avenida ..., ..., freguesia e concelho ...; i) a JJ: desde, pelo menos Dezembro de 2018, vendeu-lhe, uma média de três a quatro pacotes de heroína de cada vez, de forma diária até 2019 e, ocasionalmente, a partir de 2020, o que fez, de entre outros, no dia 9 de Abril de 2021, pelas 07h15m; consumiu logo um pacote e foram-lhe apreendidos os outros dois com o peso líquido de 0,204g; j) a KK: desde data não concretamente apurada, mas desde Agosto de 2019 e com uma frequência não concretamente apurada, vendeu-lhe um ou dois pacotes de heroína, em cada ocasião, o que sucedeu, de entre outros, nos dias 12 de Abril de 2021, pelas 19h00m e 6 de Maio de 2021, pelas 17h36m; k) a LL: vendeu-lhe, heroína e/ou cocaína, em quantidade e por quantia monetária não concretamente apuradas, o que fez no dia 13 de Abril de 2021, pelas 11h08m, na Rua ..., ..., ..., freguesia e concelho ...; l) a um indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, condutor do veículo de matrícula ..-..-IA: vendeu-lhe heroína e/ou cocaína, em quantidade e por quantia monetária não concretamente apuradas, o que fez no dia 13 de Abril de 2021, pelas 19h17m, junto ao ..., freguesia e concelho ...; m) a MM: desde data não concretamente apurada, mas no ano de 2020, vendeu-lhe uma média diária de uma pedra de cocaína e um pacote de heroína, o que fez, de entre outros, no dia 6 de Maio de 2021, pelas 18h24m, na Rua ..., ..., freguesia e concelho ...; m) a NN: vendeu-lhe, semanalmente aos fins-de-semana, quatro pacotes de heroína em cada ocasião. 7. Para além de outras deslocações que efectuou ao Bairro ... e sempre com a finalidade referida no ponto 4, o arguido deslocou-se aí nos dias 8 de Abril de 2021, no período compreendido entre as 06h20m e as 08h20m, 14 de Abril de 2021, no período compreendido entre as 06h20m e as 08h20m (nesta última ocasião não concretizou a compra por motivo alheio à sua vontade, uma vez que naquele local se encontrava a decorrer uma operação da P.S.P.), 14 de Maio de 2021, no período compreendido entre as 12h50m e as 14h20m e 30 de Maio de 2021, no período compreendido entre as 06h50m e as 08h30m. 8. No dia 23 de Abril de 2021, no período compreendido entre as 10h59m e as 12h29m, o arguido deslocou-se ao ..., OO, onde adquiriu 1 pedra de cocaína, pelo preço de 10€, e dois pacotes de heroína, pelo valor total de 10€, substâncias essas que consumiu. 9. No dia 31 de Maio de 2021, pelas 07h30m, o arguido tinha no interior da sua residência, sita na Rua ..., ..., em ..., ...: i. No quarto, na gaveta da mesa de cabeceira: - 740€ (setecentos e quarenta euros) em numerário, dividido em 35 notas de 20€ e quatro de 10€; ii. Na sua posse, no interior da carteira: - três panfletos em cartão de cor amarelo, com a inscrição do contacto ...44; - 30€ (trinta euros) em numerário, dividido em três notas de 10€; - um telemóvel de marca Alcatel, modelo 1066D com Imei’s ...06 e ...14; - um telemóvel de marca Samsung, modelo SM-A125F/DSN com Imei’s ...86 e ...84, contendo um cartão SIM da operadora NOS sem identificação; - os veículos de matrícula ..-..-NG, ..-..-QE e ..-..-UG, referidos no ponto 4. 10. A actividade de venda daqueles produtos estupefacientes constituía a principal fonte de receita do arguido. 11. Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido para estabelecer contactos na actividade de tráfico que desenvolvia. 12. Os veículos e demais objectos apreendidos, nomeadamente os papeis manuscritos com contactos, foram utilizados pelo arguido na actividade de tráfico que desenvolvia. 13. As quantias monetárias apreendidas ao arguido eram provenientes da sua actividade de tráfico de estupefacientes. 14. O arguido conhecia a natureza e as características das substâncias estupefacientes que comprava e/ou vendia e/ou guardava/detinha e não ignorava que a respectiva compra e/ou detenção e/ou venda lhe estavam legalmente vedadas. 15. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível das suas condutas. Mais se provou que: 16. O processo de desenvolvimento do arguido AA decorreu no contexto de um agregado numeroso, composto pelos pais e 11 irmãos, de situação financeira precária. Não obstante, o agregado mantinha uma dinâmica familiar coesa e de entreajuda, sendo os irmãos mais velhos a colaborar na gestão e no acompanhamento dos mais novos. Em idade própria, ingressou no sistema de ensino, abandonando a escola após a conclusão do 5.º ano de escolaridade, após o que trabalhou numa serração, onde se manteve vários anos. Contraiu matrimónio com PP, do qual resultaram dois filhos. Passou a trabalhar na área da .... Em 2005 foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e, após alguns meses de cumprimento de pena de prisão, saiu em liberdade condicional, tendo reintegrado, então, o agregado constituído, retomando a actividade laboral no ramo da ... com um .... Durante a segunda reclusão, o arguido AA procurou investir na sua progressão escolar, concluindo o 9.º ano de escolaridade, no âmbito da frequência de um Curso Profissional .... Em paralelo, frequentou dois programas de intervenção, um deles direccionado a condenados pela prática de crimes estradais, “Estrada Segura” e outro, no âmbito do “Desenvolvimento Moral e Ético”. Ainda que esporadicamente, foi alvo de acompanhamento psicológico, tendo em conta os seus níveis de ansiedade. E pese embora o cônjuge continuasse receptivo ao seu enquadramento durante o benefício das saídas jurisdicionais, a relação entre ambos foi registando uma progressiva instabilidade e distanciamento afectivo. Neste contexto, aquando a sua libertação condicional, em Dezembro de 2016 acabou por reintegrar o agregado constituído pelo cônjuge e os dois filhos, onde se manteve até Julho de 2017. Por não ter conseguido encontrar trabalho consistente, começou a colaborar informalmente com um irmão, em serviços de .... Todavia, a conflitualidade entre o casal foi-se acentuando, e culminou na sua condenação pela prática do crime de violência doméstica, e, consequentemente, na sua saída da habitação em Julho de 2017. Nessa altura, integrou o agregado do irmão para quem trabalhou, numa freguesia ..., onde permaneceu cerca de 4 meses, até se mudar para casa de uma irmã, por melhores condições habitacionais. Com dificuldade em aceitar o termo do matrimonio, sentindo-se deprimido e desorientado, passou a ingerir bebidas alcoólicas de forma excessiva e a consumir estupefacientes. Não se sujeitou a tratamento, mas acolheu bem o apoio e amizade de BB, com quem em meados de 2018 iniciou uma relação em união de facto. Ao nível laboral, continuou a aceitar trabalhos de .... No meio de residência é pouco conhecido, e de uma forma genérica, nas anteriores localidades onde residiu, não há registo de problemas ao nível do seu relacionamento interpessoal. Em contexto prisional, o arguido tem revelado uma postura calma e uma conduta de acordo com o normativo institucional, designadamente, encontra-se laboralmente activo e parece manter-se abstinente de estupefacientes desde a sua entrada em meio institucional. Continua a beneficiar de retaguarda por parte da companheira e da família de origem. 17. O arguido sofreu as seguintes condenações: a) por sentença de 13.02.2007, transitada em julgado em 28.02.2007, no processo comum singular n.º 77/05...., do extinto ... Juízo Criminal ..., foi condenado pela prática, em Janeiro de 2005, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 200 dias de multa à taxa de 4€, a qual se mostra extinta pelo seu cumprimento; b) por acórdão de 24.10.2006, transitado em julgado em 07.01.2008, no processo comum colectivo n.º 186/05...., do extinto ... Juízo Criminal ..., foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido em 2005, e de um crime de detenção de arma proibida, cometido a 24.03.2005, na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão efectiva; no âmbito do processo de liberdade condicional n.º 1117/11...., beneficiou de liberdade condicional e definitiva por decisão do T.E.P. de 16.01.2013; c) por acórdão de 03.02.2012, transitado em julgado em 22.06.2012, no processo comum colectivo n.º 5/10...., actualmente deste Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi condenado pela prática, no período compreendido entre Agosto de 2010 e 7 de Fevereiro de 2011, de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de 7 anos de prisão; d) por sentença de 06.09.2018, transitada em julgado em 08.10.2018, no processo comum singular n.º 364/17...., do Juízo Local Criminal ..., Juiz ..., foi condenado pela prática, em 07.12.2016, de um crime de violência doméstica, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, e na pena acessória de proibição de contacto com a vítima e proibição de uso e porte de armas, penas acessórias essas que se mostram extintas pelo seu cumprimento. 18. O arguido esteve preso à ordem processo referido no ponto 17 al. c) desde 7 de Fevereiro de 2011 até 7 de Dezembro de 2016, data em que, por decisão transitada em julgado, no processo de liberdade condicional n.º 1117/11...., do ... Juízo do T.E.P. do Porto, lhe foi concedida a liberdade condicional até ao dia 7 de Fevereiro de 2018. 19. As penas aplicadas ao arguido, em particular as referidas nos pontos 17, als. b) e c), bem como o tempo de reclusão referido no ponto 18, não o inibiram de levar a cabo os factos descritos nos pontos 1 a 15.” 8. A decisão em matéria de direito encontra-se fundamentada nos seguintes termos: 8.1. Quanto à qualificação jurídica dos factos, relevando para a fixação da moldura abstrata da pena, a partir da qual se determina a medida concreta (artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal), concluiu o tribunal que se mostra preenchido o tipo legal de crime p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, dizendo: “Como decorre da matéria de facto provada, o arguido dedicou-se à aquisição para posterior venda de produtos estupefacientes nos moldes aí descritos. Ora, face a esta factualidade, é de concluir que os factos que praticou integram o tipo legal de crime em questão, pois este arguido nas circunstâncias referidas comprou, transportou, deteve e vendeu ilicitamente (já que não estamos perante qualquer das situações previstas no capítulo II do diploma legal em apreço, de habilitação legal para o efeito) as substâncias identificadas, o que fez ao longo de cerca de três anos. Não restam, assim, dúvidas de que esta conduta do arguido, desde logo tendo em conta a amplitude das modalidades da acção previstas no tipo legal de crime do art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, integra os elementos objectivos do tipo legal fundamental do crime de tráfico de substâncias estupefacientes. Em face dos factos constantes do ponto 14 verifica-se que também o elemento subjectivo do crime se mostra preenchido, existindo dolo (mostram-se preenchidos os seus elementos intelectual e volitivo) e na modalidade de dolo directo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1 do C.P.: (…). Pelo que se conclui ter o arguido cometido o crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B do mesmo diploma, de que vinha acusado.” 8.2. Quanto à determinação da pena e à reincidência: «Ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 4 a 12 anos (art. 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01). Enunciada a moldura abstracta há que saber, ainda, se o arguido AA deve ser condenado, conforme propõe a acusação, como reincidente. (…) Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar em sede de medida concreta (art. 71.º, n.º 2 do Cód. Penal): - o dolo intenso (directo, dada a definição do art. 14.º, n.º 1 do C. Penal e a matéria fáctica provada), relativamente ao arguido; - a qualidade e diversidade das substâncias estupefacientes (que envolvia heroína e cocaína), com formas de consumo também diversas e de perigosidade distinta, o que permite classificar o grau de ilicitude como muito elevado, já que podiam assim abranger um maior espectro de destinatários; - também reveladoras de uma elevada ilicitude são as quantidades destas substâncias estupefacientes adquiridas e vendidas pelo arguido, permitindo efectuar um número elevado de doses individuais; - as motivações que determinaram o arguido à sua conduta, naturalmente relacionadas com um aumento do seu rendimento e a angariação de mais dinheiro para as suas próprias despesas e para comprar mais substâncias estupefacientes, para voltar a vender nos moldes que ficaram descritos e, ainda, para a satisfação do seu próprio consumo; - as elevadas necessidades de prevenção gerais e especiais ínsitas ao crime de tráfico de substâncias estupefacientes, dado o perigo que o mesmo representa para a saúde pública e os efeitos sociais perniciosos que lhe estão associados: e, neste ponto, permitimo-nos transcrever o que se diz no acórdão do Tribunal da Relação ..., proferido a 23.04.2018, no processo n.º 520/12.... (do Juízo Central Criminal, Juiz ..., onde a relatora foi titular): «Neste âmbito, é de realçar que o tráfico de estupefacientes é seguramente um dos campos em que mais se fazem sentir as necessidades de prevenção geral dados os foros de calamidade que a questão da droga vem assumindo a nível nacional – e não só – com consequências bastante nefastas tanto para os consumidores como para a comunidade em geral, especialmente no caso das drogas de maior danosidade para a saúde pública. Não admira que se tenha escrito que o tráfico de droga é mesmo objecto de forte reprovação ético-social, altamente criminógeno, apenas comparável aos crimes mais graves contra as pessoas; as drogas são uma grave ameaça para a saúde e bem-estar de toda a humanidade, para a independência dos Estados, para a democracia, estabilidade de países, estrutura de todas as sociedades e para a esperança de milhões de pessoas e suas famílias [Assim se lhes referiu a 20.ª Sessão Especial da Assembleia das Nações Unidas – cfr. Rui Pereira e Luís Bonina, in “Problemas Jurídicos da Droga e da Toxicodependência, RFDUL, págs. 154 e 191]. Acresce que, na maioria das vezes, a proliferação descontrolada do consumo de drogas aparece associado a outro tipo de criminalidade como os delitos contra o património e contra a integridade física das pessoas tendo como escopo a satisfação do vício do consumo». - considerando o tipo de condutas abrangido, sempre se pode considerar relevante o período de tempo de actuação do arguido – cerca de três anos -, tanto mais que a cessação da actividade e o seu não prosseguimento para além deste período se tenha devido à circunstância de este ter sido detido e não de ter voluntariamente abandonado a sua conduta; - as condições pessoais do arguido descritas na matéria de facto, das quais resulta que são elevadas as exigências de prevenção especial quanto ao mesmo, já que foi condenado anteriormente pela prática de vários ilícitos, dois deles da mesma natureza, o último do quais na pena de 7 anos de prisão, tendo beneficiado de liberdade condicional e definitiva na primeira condenação e de liberdade condicional aos 5/6 da pena na segunda (situação ainda mais gravosa, já que tal medida é concedida como um “prémio” pelo tempo de reclusão e o bom comportamento intra muros e com o fim de antecipar o regresso do condenado à sociedade e a sua reintegração), situação que demonstra que não ficou suficientemente intimidado pelo longo tempo de prisão que cumpriu; - há que ter em conta, ainda, que não pode dissociar-se este comportamento do facto do arguido ser à data consumidor de substâncias estupefacientes; - finalmente, há que atender à sua confissão, bem como ao seu arrependimento, que se nos afigurou sincero. Por todos estes motivos, afigura-se-nos que a prisão a aplicar ao arguido não poderá deixar de ser efectiva e superior a seis meses, razão pela qual temos agora que equacionar a questão da reincidência, uma vez que o arguido se encontra ainda acusado como reincidente nos termos dos arts. 75.º e 76.º do C. Penal. No Código Penal, a reincidência assume unicamente a natureza de uma causa de agravação da pena, avultando assim aí a “vertente da culpa agravada do agente”, cujo fundamento se encontra “no desrespeito ou desatenção do agente” pela advertência contra o crime que constitui a condenação anterior. Exige-se, assim, como pressuposto material, “uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa”, a qual poderá, “em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução” (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime”, págs. 262, 268 e 269). Relativamente aos restantes pressupostos, é necessário que o crime dos autos assuma a forma de crime doloso, a ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses, e que a condenação anteriormente sofrida pelo arguido seja também em pena de prisão efectiva superior a seis meses e respeite a crime doloso praticado não mais de 5 anos antes da prática do crime actual, descontado o tempo em que o arguido tenha cumprido medida privativa da liberdade. Para se poder concluir pela existência do pressuposto material da reincidência é necessário ainda que exista uma íntima ligação valorativa entre os crimes anteriores e o crime actual, que justifique que o desrespeito pela advertência anterior deva ser censurado de uma forma mais grave, com a figura da reincidência, ou seja quando exista uma absoluta diferença de natureza dos crimes em causa, daí não pode retirar-se a necessidade de uma maior censura do arguido por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. Dito de outro modo, designadamente no Ac. do S.T.J de 18.06.2019, referente ao processo n.º 159/08.9PQLSB.S1, publicado na internet in www.dgsi.pt/jstj «Podendo a reiteração criminosa resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 28- 02-2007, Proc. n.º 9/07 - 3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07 - 3.ª, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 - 3.ª e 4833/07 - 3.ª, de que foi retirado o trecho transcrito, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08 - 3.ª, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08 – 3.ª.». Ora, no caso vertente, parece-nos evidente que a actuação reiterada do arguido não advém de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – como por exemplo, uma forte pressão decorrente de dívidas que eventualmente tivesse, com dificuldades em encontrar outra forma de resolução imediata -, já que o arguido não apontou nenhuma e só ele estaria em condições de as reportar ao tribunal; ao invés, a prática deste novo ilícito resultou, desse logo e em primeira-mão, da sua forte adição, situação que o levou, novamente, a cometer o mesmo tipo de ilícito. Deste modo, atendendo às considerações supra tecidas, somos a entender, sufragando a posição do S.T.J, que, relativamente ao arguido existe fundamento para a especial agravação da pena, traduzindo-se numa maior culpa em relação ao facto que praticou. Ora, no caso concreto sabemos que ao arguido foi aplicada uma pena de 7 anos de prisão no âmbito do processo comum colectivo n.º 5/10...., actualmente deste Juízo Central Criminal, Juiz ..., pela prática de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, cometido no período compreendido entre Agosto de 2010 e Fevereiro de 2011; esteve em cumprimento da pena de prisão aplicada no âmbito desses autos entre os dias 7 de Fevereiro de 2011 e 7 de Dezembro de 2016, data em que lhe foi concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena e, consequentemente, restituído à liberdade (que perdurou até 31.05.2021) – cfr. pontos 17 alínea c) e 18 da matéria de facto provada. Tendo em conta estes factos, é notório que entre a data da prática do crime por ele praticado anteriormente e a data da prática do crime em apreciação nestes autos não decorreram mais de cinco anos, mesmo descontando o tempo de pena cumprido pelo arguido (n.º 2 do art. 75.º do C.P.), pelo que se verifica que a prática do crime anterior releva para efeitos de reincidência. Ademais, estão também verificados os restantes pressupostos relativamente ao arguido, na medida em que ocorre que o crime dos autos assume a forma de crime doloso, a ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses. Por outro lado, considerados os factos aludidos e atenta a semelhante natureza do crime praticado pelo arguido, bem como das motivações subjacentes à sua actuação, condicionadas pelos seus modos de vida, com sucessivos contactos com o sistema penal, como resulta da matéria de facto provada em que a reiteração radica na sua personalidade, onde se enraizou um hábito de praticar crimes, afigura-se-nos que é de censurar por as condenações anteriores não lhes terem servido de suficiente advertência contra o crime, estando desde logo verificado o requisito material exigido pela lei para a ocorrência de reincidência – cfr. pontos 19 da matéria de facto provada. Assim, estão preenchidos todos os pressupostos da punição do arguido como reincidente. De acordo com o disposto no art. 76.º, n.º 1, do C. Penal, “em caso de reincidência o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado”, o que significa que no caso concreto a moldura penal abstracta da reincidência é de: 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão. Pelo que, considerando agora a agravação da sua culpa resultante de se tratar de arguido reincidente, sem nunca esquecer, contudo, que a génese da sua conduta radica na sua forte adição (o que constitui uma diferença assinalável em relação a decisões recentes por nós proferidas nos processos n.ºs 7/19.... e 2/19...., ainda não transitadas em julgado, em que julgámos arguidos que não eram toxicodependentes), temos como adequado aplicar ao mesmo a pena de 6 anos e 6 meses de prisão.” Âmbito e objeto do recurso 9. O recurso tem, pois, por objeto um acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos. Visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 434.º do CPP), sem prejuízo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, segundo o qual se pode recorrer com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, que não vêm invocados. O âmbito do recurso, que circunscreve os poderes de cognição deste tribunal, delimita-se pelas conclusões da motivação (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se for caso disso, em vista da boa decisão do recurso, de vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro). Mostram-se satisfeitos os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do CPP, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer destes vícios ou nulidades que devam ser conhecidos. 10. São duas as questões colocadas pelo recorrente à apreciação e decisão deste tribunal, que se interligam: (1) a da medida da pena aplicada que, a seu ver, deverá ser reduzida para 5 anos de prisão, e (2) a da punição como reincidente. 11. Pretende ainda o recorrente que seja “apreciada a inconstitucionalidade da interpretação normativa do artigo 127.º do Código Processo Penal, acolhida na decisão recorrida de que a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, permite o recurso às presunções de prova previstas nos artigos 349.º e 350.º do Código Civil, considerando (…) que tal interpretação ora colocada em crise viola as garantias de defesa e da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo, consagrados no artigo 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como, do dever de fundamentar, estatuído no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa”. Como observa o Ministério Público, trata-se de matéria sobre a qual o Tribunal Constitucional se tem pronunciado repetidamente no sentido da não inconstitucionalidade, como se demonstra nos acórdãos citados (acórdãos n.ºs 391/2015, 578/2016, 197/2017, 149/2018, 521/2018 e 444/2021. Nota-se, a este propósito, que a alegação do recorrente reproduz textualmente a alegação no Processo n.º 1115/2019 do Tribunal Constitucional em que foi proferido o acórdão n.º 444/2021, como se pode verificar em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210444.html). No mesmo sentido, podem ainda ver-se o acórdão n.º 541/2018, proferido na sequência da decisão sumária n.º 417/2018, e, mais recentemente, os acórdãos n.º 35/2022, em reclamação da decisão sumária n.º 165/2021, e n.º 175/2022, em reclamação da decisão sumária n.º 49/2022. Quanto a este ponto há, todavia, que ter em conta que a pretendida apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 127.º do CPP, no sentido de permitir o recurso a presunções, para além de não vir fundamentada ou concretizada, diz respeito ao critério (jurídico) de formação da base probatória relativo à apreciação da prova pelo tribunal recorrido para afirmar os factos provados, ou seja, traduzir-se-ia numa questão (de direito) respeitante à decisão em matéria de facto. O conhecimento desta questão imporia, assim, que o recorrente impugnasse a decisão em matéria de facto, nos termos exigidos pelo n.º 3 do artigo 412.º do CPP, no respeitante a provas extraídas por via de presunções legalmente admissíveis quanto a factos dados como provados no acórdão recorrido. O que o recorrente não faz. Sendo certo que, se tal ocorresse, estaria vedado a este Supremo Tribunal de Justiça conhecer do recurso nessa parte, por ser matéria da competência do tribunal da relação (artigos 427.º e 428.º do CPP). Neste quadro, poderia restar a este Supremo Tribunal competência para eventual conhecimento da questão no âmbito da apreciação dos vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, se o recurso fosse interposto com estes fundamentos, como permite o artigo 432.º, n.º 1, al. c), do CPP, parte final, a partir da alteração a este preceito introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro. O que também não ocorre. Assim sendo, estando o recurso limitado a matéria de direito quanto às questões anteriormente identificadas – reincidência e medida da pena –, e não se suscitando, nesse âmbito, qualquer questão de aplicação da norma do artigo 127.º do CPP, que o Supremo Tribunal de Justiça deva conhecer, não tem este tribunal que proceder à pretendida apreciação da inconstitucionalidade mencionada. Quanto à medida da pena e à reincidência 12. O crime da previsão do artigo 21.º (tráfico e outras actividades ilícitas) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, moldura a partir da qual há que determinar a pena concreta, de acordo com os critérios e factores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma). Vindo o recorrente punido como reincidente, há também que levar em conta, na delimitação da moldura abstrata da pena, o disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, segundo o qual, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado, não podendo a agravação exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores. Fixa-se, assim, a punição da reincidência no mínimo de 5 anos e 4 meses e no máximo de 12 anos, moldura em que se deverá encontrar a pena concreta. De acordo com o artigo 75.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece os pressupostos da reincidência, “é punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efetiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”. 13. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente (manifestada no facto) – fatores relativos à execução do facto, à personalidade do agente e à conduta do agente, anterior e posterior ao facto –, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente, as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito. Como se tem afirmado, encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos». A privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º). 14. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente, nos termos do n.º 2, os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – fatores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização. Como se tem sublinhado, é, pois, na determinação da presença e na consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., por todos, no sentido do que vem de se afirmar, o acórdão de 8.6.2022, Proc. 430/21.4PBPDL.L1.S1, e jurisprudência e doutrina nela citadas, em www.dgsi.pt.). 15. Considera o recorrente, em síntese, que, tendo confessado a prática dos factos, mostrado arrependimento, tendo em consideração a sua situação pessoal, económica e familiar e não se verificando o pressuposto material da reincidência, a duração da pena de prisão não deveria ultrapassar 5 anos. 16. Na determinação da pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, o tribunal a quo, na consideração do disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, ponderou (supra, 8.2) as circunstâncias relevantes, resultantes dos factos provados, nomeadamente as invocadas pelo arguido, bem como, quanto ao grau de ilicitude e ao modo de execução do facto, sua gravidade e consequências, e intensidade do dolo, a qualidade e diversidade das substâncias estupefacientes, que envolviam heroína e cocaína, produtos estupefacientes de elevado grau de danosidade (por isso inscritas na Tabela I anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, como se tem afirmado – cfr., a este propósito, por todos, o acórdão de 19.1.2022, Proc. n.º 8/19.2PEFAR.S1, em www.dgsi.pt), o número elevado de doses individuais, o dolo direto e intenso, as motivações do arguido, o período (cerca de 3 anos) em que decorreu a atividade criminosa. Quanto comportamento anterior e posterior, para além de considerar a confissão e o arrependimento e a situação de toxicodependência, a que atribuiu particular valor de atenuação, o tribunal equacionou adequadamente a questão da reincidência, que apenas ocorre na presença dos pressupostos de natureza formal e material estabelecidos no artigo 75.º do Código Penal. 17. Mostram-se verificados os pressupostos formais da reincidência exigidos pelo artigo 75.º do Código Penal. O crime anterior, que constituiu o objeto do processo º 5/10...., foi punido com pena de 7 anos de prisão. Seguindo a metodologia imposta pelo n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, o tribunal a quo começou por determinar o limite da pena em função da moldura correspondente ao crime do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, na consideração dos fatores indicados no artigo 71.º, concluindo pela aplicação de uma pena superior a 6 anos. Como se observou no acórdão de 18.6.2009, Proc. 159/08.9PQLSB.S1 (em www.dgsi.pt), em situação idêntica, a circunstância de o acórdão se limitar a dizer “que a prisão a aplicar ao arguido não poderá deixar de ser efectiva e superior a seis meses”, sem indicação da sua medida concreta, não deverá obstar a que se deva considerar preenchido este pressuposto formal. Ambos os crimes são crimes dolosos, correspondem-lhes penas de prisão efetivas superiores e 6 meses, a condenação anterior já havia transitado em julgado (em 22.6.2012), quando o crime destes autos foi praticado, entre maio de 2018 e maio de 2021, e entre a prática do crime anterior, entre agosto de 2010 e fevereiro de 2011, e a prática do crime atual não tinham decorrido mais de 5 anos, pois que o arguido se encontrou privado da liberdade, em cumprimento de pena, entre fevereiro de 2011 e dezembro de 2016, altura em que saiu do estabelecimento prisional por lhe ter sido concedida liberdade condicional, não podendo este período de tempo ser computado naquele prazo de 5 anos (artigo 75.º, n.º 2, do Código Penal). 18. Mostra-se igualmente verificado o pressuposto material da reincidência estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, revelador de “maior culpa”, o qual requer que, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente deva ser censurado por a condenação ou condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. 19. Constitui jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal, refletindo a doutrina dominante (cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Católica Editora, 2015, pp. 374-375), a de que a reincidência, “tendo como elemento fundamental o desrespeito, por parte do delinquente, da solene advertência contida na sentença anterior”, “não opera como efeito automático das anteriores condenações”, exigindo-se a demonstração “de que as condenações anteriores não tiveram a suficiente força de dissuasão para o afastar do crime”, pois que só através do caso concreto, nas suas próprias circunstâncias, “se consegue reconhecer um caso de culpa agravada, em que o arguido deva ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de solene advertência contra o crime ou uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade” [como se expressou, no sumário, o acórdão de 17.12.2014, Proc. 1055/13.3PBFAR.S1 (Raul Borges), com exaustiva indicação de jurisprudência]. Podendo a reiteração criminosa “resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas – caso em que inexiste fundamento para a especial agravação da pena por não se poder afirmar uma maior culpa referida ao facto –, e não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes” – sublinhada, em particular, por Figueiredo Dias (Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, § 378) e Maria João Antunes (Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2017, p. 55) – “não se basta com a simples história criminosa do agente, antes exige uma «específica comprovação factual, de enunciação dos factos concretos dos quais se possa retirar a ilação que a recidiva se explica por o arguido não ter sentido e interiorizado a admonição contra o crime veiculada pela anterior condenação transitada em julgado e que conduz à falência desta no que respeita ao desiderato dissuasor» (cfr. entre outros, os Acórdãos do STJ de 28-02-2007, Proc. n.º 9/07 - 3.ª, de 16-01-2008, Proc. n.º 4638/07 - 3.ª, de 26-03-2008, Procs. n.ºs 306/08 - 3.ª e 4833/07 - 3.ª, de 04-06-2008, Proc. n.º 1668/08 - 3.ª, e de 04-12-2008, Proc. n.º 3774/08 - 3.ª e de 18.6.2009, donde foi retirado o trecho transcrito – do mesmo acórdão). No mesmo sentido, salientando a necessidade de uma conexão estreita entre o novo crime e o crime anterior, cfr. também, entre outros, os acórdãos de 22-06-2006, Proc. 06P1790 (Santos Carvalho), de 27.02.2008, Proc. 08P419 (Pires da Graça), de 18-06-2009, Proc. 159/08.9PQLSB.S1 (Sousa Fonte), de 17.10.2012, Proc. 87/11.0PJAMD.S1 (Santos Cabral), de 26-09-2012, Proc. 3/11.0PJAMD.L1.S1 e de 13.9.2018, Proc. 184/17.9JELSB.L1.S1 (Maia Costa). Em princípio, como se tem afirmado na jurisprudência deste tribunal, poderá a conexão estabelecer-se mais facilmente relativamente a casos de reincidência homótropa (crimes da mesma natureza), como sucede em situações de repetição de crimes de tráfico de estupefacientes, de idêntica natureza, com similar motivação e semelhantes formas de execução, em que não intervenham circunstâncias que possam excluir tal conexão, que sempre deverá efetuar-se em função dos factos provados, das circunstâncias do caso concreto e das condenações anteriores, de modo a que possa ser formulada uma fundada conclusão autónoma sobre a agravação da culpa (sendo a reiteração devida a circunstâncias fortuitas excluída será a reincidência, como se considerou no acórdão de 13-09-2018, Proc. 184/17.9JELSB.L1.S1, cit. supra). É assim que, como no acórdão de 09-06-2004, Proc. 04P1128 (Henriques Gaspar), em www.dgsi.pt, convocado no parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto, se pode afirmar que “o juízo necessário quanto à verificação dos pressupostos subjetivos da agravante da reincidência (não ter servido a condenação anterior de suficiente advertência contra o crime) não supõe idêntico método de análise ou igual grelha de leitura nos casos de reincidência imprópria ou própria”; “nesta espécie de reincidência (homótropa), em diverso daquela (polítropa), a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, mas apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior em condições semelhantes de um mesmo crime, como é o tráfico de estupefacientes, e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal direita relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática do novo crime” [no mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 17.10.2012, Proc. 87/11.0PJAMD.S1, e de 18-02-2016, Proc. 35/14.6GAAMT (Santos Cabral), de 09-05-2019, Proc, 13/17.3SWLSB.L1.S1 (Nuno Gonçalves) e, mais recentemente, o acórdão de 19-01-2022, Proc, 3/20.9FCOLH.S1 (Helena Fazenda), onde se afirma: “não operando a qualificativa por mero efeito das condenações anteriores, a comprovação da íntima conexão entre os crimes não se basta com a simples história criminosa do agente”; “sem colocar em causa tal posição unânime é evidente que, estando em causa uma reincidência homogénea, (…) se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática, é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir”]. 20. Dos autos resulta que, para fundamentar a verificação do prossuposto material da reincidência, em conformidade com a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, o tribunal recorrido levou em conta o provado em 17.c) da matéria de facto provada - “por acórdão de 03.02.2012, transitado em julgado em 22.06.2012, no processo comum colectivo n.º 5/10...., actualmente deste Juízo Central Criminal ..., Juiz ..., foi condenado pela prática, no período compreendido entre Agosto de 2010 e 7 de Fevereiro de 2011, de um crime de tráfico de estupefaciente, na pena de 7 anos de prisão”– e o provado no ponto 19 da mesma matéria de facto – “as penas aplicadas ao arguido, em particular as referidas nos pontos 17, als. b) e c), bem como o tempo de reclusão referido no ponto 18, não o inibiram de levar a cabo os factos descritos nos pontos 1 a 15.” E concluiu pela existência de uma “íntima ligação valorativa entre os crimes anteriores e o crime actual,”, que a “actuação reiterada do arguido não advém de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas” e que “ao invés, a prática deste novo ilícito resultou, desse logo e em primeira-mão, da sua forte adição, situação que o levou, novamente, a cometer o mesmo tipo de ilícito”. Pelo que improcede a alegação do recorrente de que não se verificam os pressupostos materiais da reincidência. 21. Do que vem de se expor se justifica a conclusão de que não se encontra motivo que permita suportar a crítica que o recorrente dirige ao acórdão recorrido, seja no que diz respeito aos fatores de concretização da pena seja no que que respeita à reincidência. O acórdão recorrido levou em conta os fatores que o recorrente considera negligenciados e a reincidência mostra-se preenchida no seu critério material, pois que, como exige a parte final do n.º 1 do artigo 75.º do Código Penal, mostra-se justificada a conclusão de que, de acordo com as circunstâncias do caso – prática reiterada, ao longo de cerca de 3 anos, de múltiplos atos de tráfico de estupefacientes, de natureza e motivação idênticas –, o agente é de censurar por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime. Pelo que, tendo em conta a moldura abstrata da pena aplicável, de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão, por virtude da reincidência, lhe aplicou a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, ou seja, uma pena que se situa numa medida próxima do limite mínimo e que respeita o critério de proporcionalidade estabelecido na parte final do n.º 1 do artigo 76.º do Código Penal, segundo o qual a agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada na condenação anterior. Assim sendo, considerando a moldura abstrata da pena estabelecida por funcionamento da reincidência, mostrando-se ponderados os fatores relevantes por via da culpa e da prevenção, que, como considera o acórdão recorrido, revelam elevadas exigências e necessidades de prevenção geral, a considerar no limite da culpa, tendo em conta a frequência, a insegurança e a grave danosidade social resultantes da prática destes tipos de crime, bem como de prevenção especial, não se surpreendem elementos que permitam constituir base de um juízo de discordância relativamente à pena aplicada, de 6 anos e 6 meses de prisão, a justificar uma intervenção corretiva. Pelo que improcede o recurso na sua totalidade. Quanto a custas 22. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais. III. Decisão 23. Pelo exposto, acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA. Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC. Supremo Tribunal de Justiça, 12 de outubro de 2022. José Luís Lopes da Mota (relator) Maria da Conceição Simão Gomes Paulo Ferreira da Cunha (assinado digitalmente) |