Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9017/14.7T8PRT-G.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
EMBARGOS DE TERCEIRO
VENDA JUDICIAL
CASO JULGADO
OFENSA DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
EXTINÇÃO
CRÉDITO
PRESCRIÇÃO
EFEITOS
DEVEDOR
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I – É de admitir a extensão dos efeitos do caso julgado constituído por decisão proferida em embargos de executado aos executados que não embargaram quando o fundamento de oposição que determinou a extinção da execução em relação ao executado embargante também constitua, segundo o direito substantivo, motivo de extinção do crédito exequendo em relação ao executado não embargante.

II – A prescrição é um meio de defesa pessoal que aproveita apenas ao devedor que a invoca.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça


Nos autos de execução para pagamento de quantia certa em que é exequente BPI, o executado, AA, arguiu a nulidade do despacho que fixou o valor base dos bens a vender.

Para o efeito alegou, em síntese, que o processo de execução já estava extinto desde 8 de Junho de 2022, por efeito do acórdão proferido, em 4 de Maio de 2022, no apenso E, pelo Tribunal da Relação do Porto. Segundo o requerente, no referido processo de embargos, deduzido pelo seu cônjuge, foi declarada extinta a execução por o crédito do exequente se encontrar prescrito. Logo – continuou o requerente –, o despacho que fixou o valor base dos bens era nulo pois foi proferido em violação do acórdão que decidiu do mérito dos embargos e após estar esgotado o poder jurisdicional sobre os autos de execução.

A arguição de nulidade foi indeferida. As razões do indeferimento foram, em síntese, as seguintes:

• A execução só foi extinta, por prescrição, quanto a BB, cônjuge do executado;

• A prescrição só aproveita a quem a invoca validamente.

Apelação

O executado não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação para o tribunal da Relação do Porto, pedindo se substituísse a decisão do Tribunal a quo por uma outra que conhecesse da nulidade do despacho que fixou o valor para a venda dos bens penhorados, atento o facto de os autos já estarem extintos desde 8 de junho de 2022, por prescrição do crédito da exequente, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão constante dos autos, anexo E, e, nesses termos, deveriam, igualmente, os autos ser remetidos à conta.

O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 12-07-2023, julgou improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.

Revista

O executado não se conformou com a decisão e interpôs recurso de revista excepcional, nos termos do artigo 672.º do CPC, pedindo se substituísse a decisão do Tribunal a quo por uma outra que conhecesse da nulidade do despacho que fixou o valor para a venda dos bens penhorados, atento o facto de os autos já estarem extintos desde 8 de junho de 2022, por prescrição do crédito da exequente, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão constante dos autos, anexo E, e, nesses termos, deveriam, igualmente, os autos ser remetidos à conta.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes

1. O presente recurso é admissível:

a. Por o acórdão recorrido ter decidido sobre questão de enorme relevância jurídica – os efeitos legais dos embargos de cônjuge de executado –, uma vez que, nos termos defendidos no acórdão recorrido, os embargos de cônjuge de executado não passam de mero pro forma, donde não resultam quaisquer efeitos práticos na execução propriamente dita, pelo que é claramente necessária uma apreciação do mesmo para uma melhor aplicação do direito – a aplicação conforme o disposto nos artigos 33.º (por imposição legal do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 786.º do Código de Processo Civil), 34º e 35.º do Código de Processo Civil, dado que os embargos do cônjuge do recorrente, julgados procedentes no apenso E, são uma única ação com pluralidade de sujeitos e não um processo independente em relação aos seus contrapartes.

b. A ser julgada conforme a interpretação da lei plasmada no acórdão recorrido, chegaríamos ao absurdo jurídico da casa de família poder ser vendida e o cônjuge do executado deduzir embargos de executado e recusar-se a abandonar a casa onde reside, dado que o crédito da exequente está prescrito.

c. Quanto à relevância social da decisão quanto à matéria do recurso esta é patente, está em causa a certeza e segurança do direito, dado que, de outro modo, o cônjuge embargante que vê os seus embargos totalmente procedentes com a sentença que decreta a extinção a dívida exequenda, da qual não é devedor, ficaria na posse de uma sentença sem quaisquer efeitos práticos, para “pendurar na parede”, tendo sido perdido tempo e energia num processo a “fazer de conta”, só para que conste que exerceu o seu direito a reagir num processo que o afeta diretamente, mas do qual não resulta qualquer efeito na proteção da “economia familiar” – a ratio legis em que se funda o seu direito a deduzir embargos.

d. Tanto mais incoerente tal posição é quanto é a própria letra da lei que impõe como consequência da não citação para embargar a execução do cônjuge do executado a nulidade de todo o processado.

e. O Acórdão recorrido está em oposição com o Acórdão da Relação de Évora, Proc. n.º 1623/20.7T8STB-A.E1, de 25 de fevereiro de 2021, in http://www.dgsi.pt, o qual é absolutamente clarificador quanto ao regime legal aplicável aos embargos, quando existem vários embargantes: “1 – Pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, donde decorre necessariamente que relativamente ao executado que não deduz oposição à execução não ocorre um cenário de revelia nos termos preceituados para a acção executiva.” (doc. n.º 1);

f. Em igual sentido, pode-se ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. n.º 498/12.4TTVCT-C.G1, in http://www.dgsi.pt : “O estatuto do cônjuge consagrado no artigo 787º do CPC visa dar cumprimento processual ao regime substantivo do artigo 1682.º-A do CC, o qual dispõe: (Alienação ou oneração de imóveis e de estabelecimento comercial) 1. Carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime de separação de bens: a) A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns; b) A alienação, oneração ou locação de estabelecimento comercial, próprio ou comum. 2. A alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre a casa de morada da família carece sempre do consentimento de ambos os cônjuges. A citação do cônjuge do executado nos termos do aludido normativo, no caso de dívidas não comunicáveis, pressupõe que a intervenção por parte do cônjuge na execução, com todos os direitos que a lei processual confere ao executado, é para defesa de direitos próprios do cônjuge. A norma do Cód. Civ. visa a proteção da “economia familiar”, salvaguardando determinados ativos que se encontram na esfera patrimonial do casal, considerados, dada a sua aptidão valorizativa e estabilizadora, como fundamentais, tal como a norma os entende (imóveis). Para tais bens exige a lei uma confluência das vontades de cada um dos membros do casal para a prática dos atos previstos na norma. Só assim não será se vigorar o regime de separação de bens, e sempre com salvaguarda da casa de morada de família. São estes interesses relativos ao património “familiar”, que o cônjuge defende, como interesse próprio, que justificam o especial estatuto a que nos vimos referindo, dando-lhe em consonância todos os direitos de defesa que cabem ao executado. Coloca-se assim a economia familiar a coberto de eventuais negligências do executado e desinteresse deste na proteção dos bens imóveis do casal. E tendo em conta estes objetivos, é irrelevante saber se o imóvel é próprio ou comum. Tanto assim é que a norma do artigo 786º, a), primeira parte, não lhe faz referência, aludindo apenas a que deve tratar-se de imóvel que o executado não passo por si só alienar, o que no regime de comunhão de bens e de comunhão de adquiridos, ocorre com qualquer imóvel seja próprio ou comum.”

2. O despacho que fixa o valor para a venda dos bens penhorados é nulo, dado que os autos já estão extintos desde 8 de junho de 2022, em obediência à decisão transitada em julgado do Acórdão da constante dos autos, apenso E, Acórdão de 4 de maio de 2022, da 2ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou procedente o recurso interposto, revogando o saneador-sentença recorrido na parte que não conheceu da prescrição, e declarando extinta a execução por se verificar a prescrição do crédito da Exequente.

3. Não deixa de ser interessante destacar que a exequente optou por não se pronunciar quanto ao requerimento do ora recorrente a arguir a nulidade da fixação do valor para a venda dos bens penhorados, nem apresentou contra-alegações.

4. O Douto acórdão ora recorrido, ao julgar improcedente a arguição de nulidade, erra clamorosamente ao entender que: “I- Por via de regra, o executado que não embargue a execução não fica abrangido pela eficácia do caso julgado da decisão final de procedência de embargos deduzido por outro executado, por aplicação do disposto nos artigos 580º, nº 1, 581º, nºs 1 e 2 e 619º, nº 1, todos do Código de Processo Civil. II- Haverá, contudo, que estabelecer um distinguo consoante o embargante se tenha defendido através da invocação de meios que pessoalmente lhe competem ou antes por intermédio da invocação de meios ou fundamentos que são comuns (v.g. pagamento da obrigação exequenda, falta ou inexequibilidade do título executivo, etc.) a todos os executados. Na primeira hipótese, estando em causa uma exceção de natureza pessoal do embargante, a decisão de procedência apenas a este aproveita, não libertando os demais executados do dever de satisfazer a dívida exequenda; já na segunda hipótese, a decisão final de procedência proferida nos embargos aproveita e é extensível, como efeito reflexo, a executado não embargante, contanto que essa decisão se baseie em fundamento comum a todos os executados. III - Não sendo a prescrição de conhecimento oficioso, e apenas aproveitando a quem a invoca (artigo 303º do Código Civil), não pode a decisão de extinção da execução com esse fundamento aproveitar aos executados que a não tenham invocado validamente. IV- A norma do artigo 301º do Código Civil não consagra a comunicabilidade da prescrição, assentando, antes, a sua ratio no propósito de possibilitar o aproveitamento da prescrição por parte de incapazes.”

5. Acrescentando-se na fundamentação de direito do acórdão ora recorrido: “Deste modo, a prescrição decretada relativamente à embargante BB não pode aproveitar ao recorrente, não sendo aplicável aqui o disposto no art. 301.º do Cód. Civil, dado que, como se sublinhou, a prescrição é individual” e mais, à frente conclui-se “Em resultado do exposto, considerando que o fundamento que serviu de base aos embargos deduzidos por BB não é comum aos executados - filiando-se antes num meio pessoal de defesa, como inequivocamente é a prescrição -, segue-se, pois, que o caso julgado formado com a procedência desse enxerto declaratório não é extensível ao apelante, devendo, nessa medida, a execução prosseguir os seus termos para satisfação do direito creditório do exequente.”.

6. Ora, nos termos do n.º 4 do artigo 732.º do Código de Processo Civil, a procedência dos embargos extingue a execução no todo, por prescrição do crédito da exequente.

7. E, para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito sobre os embargos constantes do apenso E, constitui caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, como dispõe o n.º 6 do artigo 732º do Código de Processo Civil.

8. Com o trânsito em julgado do Acórdão que julgou procedentes os embargos, que originou a extinção da execução, esgotou-se o poder jurisdicional do Tribunal a quo – artigo 613.º do Código de Processo Civil.

9. O cônjuge do executado, citado ao abrigo do artigo 786.º, n.º 1, al. a), 1.ª parte, do CPC, torna-se, verdadeiramente, parte principal na ação executiva, na medida em que, não sendo, apesar de tudo, titular da relação exequenda, isto é, devedor, “mas estando presente em razão dos bens, um pouco como os terceiros garantes ou possuidores (artigo 54.º, n.º 2 e 4, do CPC), o direito que lhe assiste de deduzir oposição à execução permite-lhe, sendo o caso, levar à extinção da execução” (PINTO, Rui, Manual da Execução e Despejo, ob. cit., pág. 843).

10. O Tribunal a quo faz letra morta do disposto nos artigos 33.º (por imposição legal do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 786.º do Código de Processo Civil), 34.º e 35.º do Código de Processo Civil, dado que os embargos do cônjuge do executado, julgados procedentes no apenso E, são uma única ação com pluralidade de sujeitos e não um processo independente em relação aos seus contrapartes.

11. Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário – como havia sido imposto anteriormente pelo Douto Acórdão da 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de novembro de 2019, apenso aos autos - decisão esta que constitui caso julgado formal nos presentes autos, o que não foi tido em conta no Acórdão recorrido, o qual, ao decidir em sentido contrário, violou o disposto no artigo 620º do Código de Processo Civil.

12. Nesse mesmo exato sentido, o Acórdão da Relação de Évora, Proc. n.º 1623/20.7T8STB-A.E1, de 25 de fevereiro de 2021, é absolutamente clarificador quanto ao regime legal aplicável aos embargos, quando existem vários embargantes: “1 – Pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção, donde decorre necessariamente que relativamente ao executado que não deduz oposição à execução não ocorre um cenário de revelia nos termos preceituados para a acção executiva. Acautela o n.º 3 do artigo 728º do Código de Processo Civil um desvio relativamente à situação que ocorre na acção declarativa quando haja vários réus. Na execução, havendo vários executados, o prazo para dedução dos embargos de executado corre individualmente para cada um, contado da respectiva citação, afastando-se deste modo a aplicação do regime processualmente previsto no n.º 2 do artigo 569º do mesmo diploma.” (doc. 1).

13. Na Fundamentação do referido aresto pode ler-se, a respetivo da execução ser intentada contra ambos os cônjuges, como no caso sub iudice: “Todavia, relativamente à questão do litisconsórcio, permanece incólume a chamada à acção executiva dos dois executados, mantendo-se o regime substantivo aplicável por via da existência de uma relação matrimonial. Aquilo que ocorreu é que o articulado de oposição à execução não foi aceite relativamente à sua subscrição pela Autora. Tão só isso, sem que a desconsideração subjectiva parcial do articulado de oposição tenha consequências ao nível da potencial perda ou oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família.”.

14. Para além de tal, a venda dos bens penhorados nem sequer é possível, uma vez que, nos termos da al. a) do artigo 730º do Código Civil, a hipoteca que incidia sobre os mesmos, extinguiu-se pela extinção da obrigação a que serviam de garantia.

15. A embargante, cônjuge do executado, exerceu os seus direitos de oposição à execução, com todos os direitos que a lei confere ao executado, ora recorrente, podendo cumular fundamentos de oposição à execução, tudo nos termos do n.º 1 do artigo 787.º do Código de Processo Civil, donde resulta que os efeitos da procedência dos seus embargos se refletem diretamente na esfera do executado, seu cônjuge. Ou seja, a procedência dos embargos do cônjuge do executado tem os mesmos efeitos processuais, como se tivessem sido interpostos pelo executado.

16. O crédito da exequente está prescrito por decisão judicial transitada em julgada, o que manifestamente se invocou, para os efeitos do artigo 303.º do Código Civil.

17. Sendo que, tal prescrição aproveita ao ora recorrente, sendo o seu benefício patente - artigo 301º do Código Civil -, tendo o executado, ora recorrente, a faculdade de recusar o cumprimento da prestação, ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito- n.º 1 do artigo 304º do Código Civil.

18. Pressuposto essencial do caso julgado formal é que uma pretensão já decidida, em contexto meramente processual, e que não foi recorrida seja objeto de repetida decisão. Se assim for, a segunda decisão deve ser desconsiderada por violação do caso julgado formal assente na prévia decisão.

19. A Douta decisão recorrida violou o disposto nos artigos 33.º (por imposição legal do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 786º do Código de Processo Civil), 34.º e 35.º, nos n.ºs 4 e 6 do artigo 732.º, no artigo 613º, no n.º 1 do artigo 787.º, nos artigos 620.º, 621.º e 625.º, todos do Código de Processo Civil, e nos artigos 301.º, 303º e n.º 1 do artigo 304.º, todos do Código Civil.

O exequente não respondeu ao recurso.


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Questão a decidir:

A questão que constitui objecto do recurso é a de saber se, ao julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão proferida na 1.ª instância que indeferiu a arguição de nulidade da decisão que fixou o valor base dos bens a vender, o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido 4 de Maio de 2022, no apenso E.

Na verdade, apesar de o recorrente ter interposto recurso de revista excepcional, o ora relator entendeu, no despacho liminar, que não cabia recurso de revista excepcional e que o recurso era de admitir ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do CPC, na parte em que dispõe que, independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com fundamento na ofensa de caso julgado.


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Factos relevantes para a decisão do recurso:

1. O Banco BPI, S.A., Sociedade Aberta, Pessoa Coletiva .......34, é uma sociedade anónima resultante da alteração de denominação do BPI-SGPS, S.A., que havia incorporado, por fusão, entre outros, o Banco BPI, S.A., Pessoa Coletiva .......30, tendo-lhe transmitido todos os direitos e obrigações do banco incorporado, conforme certidão permanente do Banco BPI, S.A. N.º ..75-..81-..04.

2. Por escritura pública denominada «Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca» celebrada em 1 de Fevereiro de 2002, e documento complementar que a constitui, CC, em representação da sociedade D...., S.A., declarou, em suma, vender a AA e DD, pelo preço de 144.651,39€ as frações autónomas designadas pelas letras “AK”, “CN” e “CO”, todas do prédio em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., nºs 280-300-338, ..., ..., descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 380, o que estes declararam aceitar.

3. Na mesma escritura pública, AA e DD declararam que solicitaram ao BANCO BPI, SA, representado por EE, empréstimo, que este concedeu, no montante de €109.735,54, pelo prazo de 30 anos e que este seria reembolsado em 360 prestações mensais e constantes de capital e juros, a primeira com vencimento a 1 de março de 2002, e as restantes no mesmo dia de cada um dos meses seguintes, prestações que seriam determinadas em função da taxa aplicada nos termos da cláusula primeira do documento complementar.

4. Pelos mesmos AA e DD foi ainda dito que, em caução e garantia do referido empréstimo, dos juros contados à taxa de 4,351%, da sobretaxa de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, das despesas extrajudiciais de 4.389,42 € constituem hipoteca sobre as frações atrás identificadas e adquiridas.

5. A aludida hipoteca está registada mediante a AP. 16 de 2002/01/15, abrangendo as três frações – descrições 380/19991203 – AK, 380/19991203–CO e 380/19991203–CN.

6. A execução deu entrada em juízo, em 31-10-2014, contra AA e DD

7. O executado AA foi citado em 17/02/2015, tendo em 12/03/2015 juntado aos autos comprovativo de pedido de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e encargos e nomeação de patrono.

8. A executada DD foi citada em 09/012/2014, tendo juntado procuração aos autos em 16 de dezembro de 2014.

9. O executado AA deduziu embargos (apenso A), julgados improcedentes por acórdão da Relação do Porto de 16.05.2016, já transitada em julgado.

10. O executado AA deduziu embargos (apenso B) que foram liminarmente indeferidos por decisão prolatada em 12.10.2015.

11. O executado AA voltou a deduzir embargos (apenso F), nos quais suscitou a questão da prescrição, sendo proferida decisão que os julgou improcedentes, que foi confirmada por acórdão da Relação do Porto de 15.09.2022, já transitado em julgado.

12. Todas as fracções penhoradas se encontravam à data da propositura da execução, da penhora e da fase citação dos credores, inscritas a favor dos executados AA e DD, casados entre si, mediante a ap. nº 15 de 2002/01/15.

13. O executado é, desde 8 de setembro de 2006, casado com BB, sem convenção antenupcial.

14. Tal facto apenas foi conhecido nos autos após o requerimento do executado AA datado de 27/05/2019, junto aos autos principais.

15. O cônjuge do executado foi citada em 03/03/2020, após acórdão do Tribunal da Relação do Porto que ordenou tal citação, tendo deduzido os respetivos embargos (apenso E).

16. Nesses embargos, o cônjuge do executado alegava que a obrigação estava prescrita, que um dos documentos dados à execução não tinha força executiva e que foram pagos montantes que não estavam considerados no requerimento executivo.

17. Os referidos embargos foram objeto da seguinte decisão: «Pelo exposto, julgo os presentes embargos parcialmente procedentes, por falta de título executivo, e consequentemente, reduzo a quantia exequenda ao montante das prestações vencidas e não pagas desde 01.10.2013, constantes da escritura e relativas ao capital inicial de 109.735,54 €, acrescido de juros vencidos e vincendos desde a data da propositura da execução até integral pagamento».

18. Da decisão referida em 17 foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão datado de 4 de Maio de 2022, julgou «procedente o recurso, revogando a sentença, declarando extinta a execução em relação à embargante por se verificar a prescrição do crédito do exequente.»


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Resolução das questões:

O acórdão recorrido enunciou como questão a resolver a de saber se a decisão (rectius, os seus efeitos) proferida no apenso E – que, na procedência da prescrição invocada pelo cônjuge do apelante, julgou procedentes os embargos que deduziu com a consequente extinção, quanto a ela, da execução – era extensiva ao ora recorrente, implicando igualmente a extinção da execução quanto ao mesmo.

O acórdão deu-lhe resposta negativa. Justificou-a dizendo, em síntese:

• Os executados que não embarguem a execução não ficam abrangidos pela decisão final de procedência dos embargos deduzido por outro executado, por aplicação do disposto nos artigos 580.º, n.º 1, 581.º, n.ºs 1 e 2, e 619.º, n.º 1, todos do CPC;

• As situações jurídicas de que são titulares os codevedores não embargantes apenas são atingidas de modo indireto, isto é, só beneficiam das repercussões que lhes possam caber segundo o direito substantivo aplicável, mas sempre em sede de extensão do caso julgado a terceiros;

• Se o embargante se tiver defendido através da invocação de meios que pessoalmente lhe competem, a decisão de procedência apenas a este aproveita, não libertando os demais executados do dever de satisfazer a dívida exequenda; se o embargante se tiver defendido por intermédio da invocação de meios ou fundamentos que são comuns (v.g. pagamento da obrigação exequenda, falta ou inexequibilidade do título executivo, etc.) a todos os executados, decisão final de procedência proferida nos embargos aproveita e é extensível, como efeito reflexo, a executado não embargante;

• A pretensão deduzida pela embargante BB no apenso E traduziu-se na invocação da prescrição, a qual se assume como fundamento ou meio pessoal de defesa, sendo, por isso, apenas invocável pelo prescribente, não liberando os executados do cumprimento da obrigação exequenda, nem se registando qualquer extinção da hipoteca que garante o cumprimento dessa mesma obrigação.

O recorrente sustenta que, ao decidir no sentido acima exposto, o acórdão recorrido ofendeu o caso julgado constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido 4 de Maio de 2022, no apenso E. Segundo ele, do mencionado acórdão decorre a extinção da execução também em relação a si. Invocou, para tanto, os n.ºs 4 e 6 do artigo 732.º do CPC, o artigo 613.º do mesmo diploma, os artigos 786.º, n.º 1, alínea a), 1.ª parte, os artigos 33.º, 34.º e 35.º, todos do CPC, o n.º 1 do artigo 787.º e os artigos 620.º, 621.º e 625.º, todos do CPC e ainda os artigos 301.º, 303.º, n.º 1 e 304.º, todos do código Civil.

O recurso é de julgar improcedente. Nenhuma das disposições invocadas dá amparo à pretensão do recorrente.

O acórdão em questão foi proferido em embargos de executado deduzidos por BB, cônjuge do executado, contra a execução instaurada por Banco BPI contra o ora recorrente e DD. A embargante foi citada para a execução, em 3 de Março de 2020, ao abrigo da 1.ª parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 786.º do CPC, segundo a qual “concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução o cônjuge do executado quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente…”.

O acórdão julgou procedente o recurso de apelação por ela interposto contra a sentença proferida em 1.ª instância, declarando extinta a execução em relação ela, embargante, por se verificar a prescrição, em relação a ela, do crédito do exequente.

Sendo estes os termos do acórdão e visto que a sentença constitui caso julgado nos precisos termos em que julga (1.ª parte do artigo 621.º do CPC), é de afirmar que, à luz deles, a execução não foi declarada extinta em relação ao executado, ora recorrente, nem nele foi declarado prescrito o crédito do exequente em relação ao executado.

E é ainda de afirmar que o caso julgado constituído pelo mencionado acórdão formou-se apenas entre a embargante e o embargado/exequente. Com efeito, segundo o n.º 6 do artigo 732.º do CPC, a decisão de mérito proferida nos embargos [a decisão do acórdão é de mérito por ter julgado procedente a excepção de prescrição] constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda. Ora, nos termos gerais, que são os do n.º 1 do artigo 619.º do CPC, a decisão transitada em julgado tem força obrigatória dentro dos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do mesmo diploma. Estes limites, no que diz respeito às pessoas abrangidas, são as partes do processo onde foi proferida a decisão. É a chamada eficácia relativa do caso julgado.

A alegação do recorrente remete-nos para a questão de saber se o caso julgado formado entre o exequente e o executado embargante aproveita aos executados que não tenham deduzido oposição.

Esta questão é controvertida como dão conta, por exemplo, José Lebre de Freitas (A Acção Executiva depois da reforma da Reforma, páginas 196 e 197, Coimbra Editora), Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pereira de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, página 91, Almedina) Rui Pinto (in Manual Execução e Despejo, páginas 456 a 458, Coimbra editora).

Apesar da controvérsia, é de admitir, como reconhece o acórdão sob recurso, a extensão dos efeitos do caso julgado aos executados que não embargaram quando o fundamento de oposição que determinou a extinção da execução em relação ao executado embargante também constitua, segundo o direito substantivo, motivo de extinção do crédito exequendo em relação ao executado não embargante. Era o que sucederia, por exemplo, se a sentença proferida nos embargos tivesse julgado extinta a execução com fundamento na satisfação do direito de crédito através do cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação. Nestes casos, a satisfação do direito do credor produz a extinção, relativamente a ele, da obrigação dos restantes devedores (artigo 523.º do Código Civil).

No caso, o recorrente não está em condições de beneficiar da extensão do caso julgado formado no apenso E porque o fundamento de oposição à execução que determinou a extinção da execução em relação à embargante foi a prescrição do crédito em relação à embargante e esta, como bem decidiu o acórdão sob recurso, é um meio de defesa pessoal, aproveita apenas a quem a invocar, no caso à embargante. É o que decorre do artigo 303.º do Código Civil, na parte em que dispõe que a prescrição necessita, para se eficaz, de ser invocada judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelos seus representantes ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público.

É a natureza pessoal da prescrição que explica, por exemplo, que, no domínio das obrigações solidárias, “se por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra causa a obrigação de um dos devedores de mantiver, apesar de prescrita as obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe-lhe o direito de regresso contra os seus condevedores” (artigo 523.º do CC).

A favor do entendimento da prescrição como meio de defesa puramente pessoal, citam-se, na doutrina, a título de exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 522.º do Código Civil [Código Civil Anotado, Volume I, página 537, 4.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora] e Mário Júlio de Almeida Costa [Direito das Obrigações, páginas 674 e 675, 11.ª Edição Actualizada, Almedina]. Na jurisprudência, cita-se, a título de exemplo, o acórdão do STJ proferido em 30-09-2008, no recurso n.º 08A1918, publicado em www.dgsi.pt., em que numa situação semelhante à dos autos, referiu-se à prescrição como meio de defesa pessoal nos seguintes termos: “que a prescrição invocada pelo executado marido não pode aproveitar à executada esposa, que não deduziu qualquer oposição”.

Não vale, assim, contra o acórdão recorrido, a alegação do recorrente de que a prescrição declarada no acórdão proferido nos embargos deduzidos por BB também aproveitava a ele, recorrente, por força do artigo 301.º do Código Civil, segundo o qual a prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar benefício, sem excepção dos incapazes. Na verdade, conforme se explicou de forma clara e fundamentada no acórdão – explicação que o recorrente ignorou, fazendo dela tábua rasa -, “… a regra precipitada no citado art. 301º não prevê uma situação de comunicabilidade da prescrição, dado que a alocução «aproveita a todos» veio, como se referiu, solucionar uma dúvida quanto à possibilidade de aproveitamento da prescrição por parte de incapazes e de outros sujeitos que gozam da extensão da personalidade judiciária nos termos do disposto no art. 12º do Código de Processo Civil”.

Diga-se, ainda, contra a pretensão do executado, ora recorrente, de ver declarado extinto o processo de execução com fundamento em prescrição da obrigação exequenda que está provado que o mesmo deduziu embargos à execução (apenso F), nos quais suscitou a questão da prescrição, tendo sido proferida decisão que os julgou improcedentes, que foi confirmada por acórdão da Relação do Porto de 15.09.2022, já transitado em julgado.

Também não depõe a favor da oposição ao exequente do acórdão proferido nos embargos, o n.º 4 do artigo 732.º do CPC. Este preceito limita-se a dispor sobre os efeitos da procedência dos embargos sobre o processo de execução. Não responde à questão de saber se a procedência dos embargos aproveita a quem não foi parte no processo de embargos, nem à de saber se, tendo o crédito exequendo sido declarado prescrito em relação ao embargante (cônjuge do executado, citado nos termos da 1.ª parte da alínea a) do artigo 786.º do CPC), tal julgamento sobre a prescrição aproveita ao executado, que não foi parte no processo de embargos.

Por último, não é exacta a alegação do recorrente de que o tribunal a quo fez letra morta do disposto nos artigos 33.º, 34.º e 35.º do CPC. Na verdade, pronunciou-se de forma clara e fundamentada sobre o argumento de que havia uma situação de litisconsórcio entre o executado, ora recorrente, e o seu cônjuge como o atesta o seguinte trecho do acórdão: “Acresce igualmente que, contrariamente ao que argumenta o apelante, o seu cônjuge não está na ação executiva numa situação litisconsorcial, porquanto a sua intervenção dos autos, como anteriormente referido, não emerge de ser sujeito passivo da obrigação exequenda (nem figurando como tal no título executivo), resultando antes de ter sido citada para os efeitos do disposto no art. 786º, nº 1, al. a), por estarem penhorados nos autos bens imóveis àquele pertencentes e que o mesmo não pode alienar livremente. Daí que, como escreve MARIA JOSÉ CAPELO, «o cônjuge citado não assume o estatuto de executado, embora goze de alguns poderes inerentes à categoria de parte principal. A sua “legitimidade” para a causa não emerge do facto de ele constar do título executivo como devedor, nem de ocorrer alguma das exceções a este princípio legitimador. Isto é, não é devedor, nem responsável para efeitos de execução». Também LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE11 sublinham que «fora o caso em que a execução passe a correr também contra ele, por aceitação da comunicabilidade da dívida ou decisão de procedência do incidente de comunicabilidade, ao cônjuge não é consentido fazer valer, em oposição, fundamento já invocado pelo executado em oposição própria: o cônjuge do executado atua, na oposição à execução, como um substituto processual deste».

A verdade é que mesmo que se entenda que, com a citação do cônjuge do executado nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 786.º do Código de Processo Civil, se verifica uma situação de litisconsórcio necessário sucessivo passivo [entendimento de Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª edição, página 240], ou uma situação de litisconsórcio unitário [entendimento de Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, página 843, Coimbra Editora], daqui não se segue que a decisão de declarar extinta a execução em relação à embargante aproveita ao executado, ora recorrente, e seja de declarar extinta a execução também em relação a si. Vejamos.

No caso de litisconsórcio necessário, o recurso interposto por uma das partes aproveita aos seus compartes (n.º 1 do artigo 634.º do CPC) porque, socorrendo-nos das palavras de Abrantes Geraldes, “em tal situação, o facto de se discutirem interesses incindíveis impede que se alcancem resultados diversos para cada um dos litisconsortes” [Recursos em Processo Civil, página 127, 6.ª Edição Atualizada, Almedina].

Logo, a decisão proferida no apenso E de declarar extinta a execução em relação à embargante aproveitaria ao executado, ora recorrente, se o fundamento de tal declaração fosse comum ao executado e à embargante, se tal fundamento fosse incindível, o que não acontece. O fundamento foi a prescrição do crédito em relação à embargante e a prescrição, como se escreveu acima, é um meio de defesa pessoal.

Diga-se, como se observou com pertinência no acórdão recorrido (nota 12), que era “… discutível que a mesma [embargante] pudesse invocar a prescrição, porquanto essa exceção perentória de direito material, no seu desenho legal, apenas pode ser triunfantemente invocada pelo devedor (ou seu representante), qualidade que a referida embargante não detém por não ser sujeito passivo da ajuizada relação creditícia. Trata-se, contudo, de questão irrelevante nos presentes autos, posto que existe decisão que reconheceu a prescrição invocada pela referida embargante”.

Por todo o exposto, é de concluir que, ao julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão proferida na 1.ª instância que indeferiu a arguição de nulidade da decisão que fixou o valor base dos bens a vender, o acórdão recorrido não ofendeu o caso julgado constituído pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido 4 de Maio de 2022, no apenso E.


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Decisão:

Julga-se improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito, e a circunstância de o recorrente ter ficado vencido no recurso, caberia ao mesmo suportar as custas do recurso. Considerando, no entanto, que beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo não se condena o mesmo em custas.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2023

Emídio Francisco Santos (relator)

Afonso Henrique

Fernando Baptista de Oliveira