Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1085/22.4YLPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
INEFICÁCIA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PRAZO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela L. n.º 13/2019, de 12.02, é de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria, concluindo-se, assim, no caso dos autos, pela validade e eficácia da declaração da locadora de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de cinco anos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Parcelas – Empreendimentos Imobiliários, Lda. apresentou requerimento de despejo contra Star Souvenir, Lda., alegando que, na qualidade de senhoria, comunicou à ré, na qualidade de inquilina, a oposição à renovação automática do contrato de arrendamento não habitacional entre ambas celebrado em 02.05.2017. Pretendendo, em consequência, que seja declarada a cessação do contrato e que a ré seja condenada a restituir-lhe o locado.

A ré veio deduzir oposição. Admitindo a celebração do contrato de arrendamento em causa, alegou, porém, ser aplicável ao caso o disposto no artigo 1110.º, n.º 4, do Código Civil, na versão introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro. Defendeu que, nos termos deste preceito, a requerente senhoria não podia opor-se à renovação do contrato, só o podendo fazer para a próxima renovação, a qual apenas ocorrerá em 2027, uma vez que o contrato aqui em causa começou a vigorar em 01.06.2017.

A autora respondeu, pugnando pela não aplicação daquela norma, dado que o contrato foi celebrado em data anterior à entrada em vigor da mencionada Lei n.º 13/2019, sendo que a aplicação desse regime ao caso dos autos não decorre das disposições transitórias previstas no citado diploma. Mais defende que já havia celebrado, em 2009, um outro contrato de arrendamento com o legal representante da ré, tendo por objecto o mesmo locado e aí, no locado, manteve-se ininterruptamente a prática da mesma actividade comercial. Assim, a invocação, pela ré, da protecção conferida pelo artigo 1110.º, n.º 4, do Código Civil, sempre constituiria abuso do direito, havendo lugar à aplicação do instituto da desconsideração da pessoa colectiva da ora ré.

Por sentença de 27.10.2022 foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julgo improcedente a presente ação e absolvo a ré “Star Souvenir, Lda.” do pedido de despejo formulado pela autora “Parcelas – Empreendimentos Imobiliários, Lda.”.».

Inconformada com o decidido, interpôs a A. recurso para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 08.05.2023, proferiu a seguinte decisão:

«Pelo exposto, acorda-se na....ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o presente recurso e, em conformidade, revoga-se a sentença recorrida e, em substituição da mesma, julgando-se válida a oposição à renovação automática do contrato celebrado entre as partes a 2.05.2017, determina-se a imediata desocupação do locado.».

2. Desta decisão veio a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. A Apelante impugnou a douta sentença recorrida, alegadamente, «por dois motivos, sendo um o da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.Civil, e outro, subsidiário, o do abuso de direito face á desconsideração da pessoa colectiva e inclusive, de a transmissão do estabelecimento configurar um trespasse.», sem submeter à apreciação do tribunal a interpretação do n.º 4 do artigo 1110.º do CC, que já tinha admitido na conclusão 11 por si formulada, onde expressamente reconheceu que «a alteração legislativa consignada no n.º 4 do actual artigo 1110.º do CC pretende proteger os inquilinos através da imposição da permanência no mesmo, no caso presente, durante 10 anos.»

2. Pelo exposto e nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 4 do artigo 634 e n.º 1 do artigo 639.º, todos do CPC, o douto acórdão recorrido deve ser anulado por se ter pronunciado sobre questão de que não podia tomar conhecimento na medida em que a Autora/Apelante, ao não colocar nos objectivos do recurso, que claramente delimitou, a interpretação desta norma, admitiu que a que foi feita pela douta sentença recorrida, era a mais correcta,

Ainda que assim não fosse e sem prescindir,

3. O n.º 4 do artigo 1110.º do C.C. dispõe que «nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação», pelo que o acórdão recorrido revogou a douta sentença proferida em primeira instância, por entender que a oposição à renovação automática do contrato celebrado em 02.05.2017 foi válida, ainda que tenha sido comunicada em 05.11.2021, ou seja, antes de decorridos os primeiros cinco anos do contrato.

4. Como argumento subjacente ao referido entendimento, o douto acórdão recorrido invoca o n.º 3 do artigo 1097.º aplicável aos arrendamentos habitacionais, criado precisamente pela mesma Lei 13/2019, que também criou o supra transcrito nº 4 do artigo 1110.º do C.C..

5. Embora o acórdão recorrido desde logo tenha referido o douto acórdão proferido, sobre a questão, em 29.09.2022, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, aí transcrevendo o sumário do mesmo, aproveita apenas uma das citações feitas naquele acórdão que poderiam aproveitar á interpretação que, nos presentes autos, acabou por ser acolhida como fundamento para revogar a sentença proferida em primeira instância, mas acontece que à posição aí mencionada, defendida por Elsa Sequeira Santos, se baseia num princípio que não demonstra, ou seja, que o n.º 3 do artigo 1997.º e o n.º 4 do artigo 1110.º têm o mesmo objectivo, o que não se verifica, na medida em que, se as normas têm redacção distinta e conduzem a resultados diferentes, «não podem ser lidas do mesmo modo, como se não houvesse diferença entre elas».

6. Acontece que, perante a inexistência, à época, de jurisprudência publicada sobre a questão em análise, o citado acórdão da Relação de Lisboa, teve o cuidado de analisar detidamente variada doutrina contra e a favor da aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do C.C.. à questão sub judice, após o que conclui, e bem que, «A norma do art.º 1110/4 do CC, na redacção da Lei 13/2019, norma imperativa que se aplica às relações contratuais existentes à data da sua entrada em vigor (art.º 12/2, 2.ª parte, do CC), “proíbe a oposição à renovação no primeiro lustro contratual” do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais. É diferente da norma do art.º 1097/3 do CC, tendo um sentido incompatível com ela.»

7. Pelo exposto se constata que, o aí decidido, para além de, com o respaldo do Ac. deste Venerando Supremo Tribunal de 30.11.2011, responder à questão da aplicação das alterações introduzidas pela Lei 13/2019 aos contratos anteriormente celebrados, colocada pela Autora desde o início do presente processo, demonstrando que tal questão não é, sequer, controversa, conclui que atendendo à ratio das normas em questão, o disposto no n.º 3 do artigo 1097.º do CC tem um sentido incompatível com o disposto no n.º 4 do artigo 1110.º do CC.

8. Por um lado porque se estas duas alterações legislativas foram criadas pelo mesmo diploma se o que se pretendesse fosse o mesmo efeito, não se entenderia que, quanto ao arrendamento habitacional, se dispusesse que os efeitos se produzissem passados 3 anos e o mesmo não fosse dito no n.º 4 do artigo 1110.º, por outro lado há que ter presente que, perante a especulação imobiliária então galopante, o diploma de 2019 pretendeu conferir maior protecção aos arrendatários, de algum modo repondo o regime que entrou em vigor em 2006 e que também previa prazos mínimos distintos para os dois tipos de arrendamento, concretamente prevendo, para o arrendamento habitacional o prazo mínimo de 5 anos e da renovação de 3, enquanto para o arrendamento não habitacional previa o mínimo de 10 anos de duração.

9. No sentido supra refere, ainda, o citado Ac. do T.R.L que refere «Ora, se as normas têm diferente redacção e conduzem a resultados bem diferentes, elas não podem ser lidas do mesmo modo, como se não houvesse diferença entre elas. E elas não têm o mesmo objectivo, entendido este, a priori, nessa tese, como o de garantir que o contrato dure apenas o tempo que consta dessas normas. Sendo que os períodos de 8 e 10 anos apenas serão atingidos nas hipóteses configuradas e nada têm de especial: na redacção original, de 2006, do NRAU, o prazo supletivo dos contratos de arrendamento para fim não habitacional era de 10 anos (art.º 1110/2 do CC na redacção de 2006), enquanto nos contratos para fins habitacionais o limite mínimo imposto nos contratos com prazo era de 5 anos (art.º 1095/2 do CC), sendo que a reforma de 2019 procurou aproximar-se das soluções da redacção original do NRAU e o real objectivo da lei, de “reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano”, pode passar, legitimamente (isto é, sem qualquer inconstitucionalidade material), pela adopção de soluções diferentes para diferentes tipos de contrato de arrendamento.

10. No mencionado Ac. do T.R.L. que, distintamente do referido no acórdão recorrido não apreciou questão muito diferente da que é objecto dos presentes autos, na medida em que a diferença do prazo entre os dois contratos é de apenas 15 dias, o que na análise da questão controversa, não tem relevância jurídica, para além do comentário de Elsa Sequeira Santos, transcrito no acórdão recorrido, foram exaustivamente transcritas outras posições relativas à interpretação do n.º 4 do artigo 1110.º do CC, tais como a de David Magalhães que, apesar da crítica cáustica ao novo regime – com ou sem razão não interessa -, faz uma interpretação conforme à lei, sem equiparações forçadas entre normas com redacções praticamente opostas, também não aceita a similitude das duas normas jurídicas em questão, e a de Amadeu Colaço, que chega a preconizar, para maior «agilização do prazo contratual» o prazo de um ano, pois só assim se admite que o senhorio possa denunciar o contrato nos primeiros seis anos da sua duração, respeitando o prazo mínimo necessário para a comunicação de oposição à renovação que ocorreria no fim do 6.º ano..

11. De acordo com o considerado no citado Ac. do T.R.L «O art.º 1110/4 do CC dispõe: «Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.” Esta disposição é clara: nos 5 primeiros anos o senhorio não se pode opor à renovação. Pelo que, se o contrato tiver um prazo de duração igual ou inferior a 5 anos, até ao fim dele não é possível uma oposição à renovação e, por isso, o contrato, até ao fim desses 5 anos, renovou-se. Pelo que, antes desta renovação não é possível a oposição à mesma. Esta disposição é muito diferente da do art.º 1097/3 do CC: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Aqui permite-se a oposição à renovação, mas ela só produz efeitos ao fim do prazo de 3 anos. Por isso, aquela norma não pode ser lida, simplesmente, como se quisesse dizer o mesmo que esta.»

12. E tanto assim é que, não se conhecendo nenhuma decisão judicial que sufrague o entendimento do acórdão recorrido, no mesmo sentido do sentenciado no acórdão supra referido do Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu também, posteriormente, o acórdão de 27.10.2022 do mesmo Tribunal da Relação (Relator Eduardo Peterson Silva) (...) ao considerar que:

«I –A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil não autoriza a interpretação de que, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais livremente celebrado por cinco anos, o senhorio pode comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato para ter efeitos findo o prazo inicial do mesmo. II – Tal norma deve ser interpretada no sentido que dela consta (com respeito aliás pela correspondência mínima com o texto) qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação. III – Tal norma não representa qualquer excesso de protecção do legislador em relação ao inquilino, nem representa, na sua interpretação literal, uma protecção excessiva à que seria o desígnio do legislador, na medida em que as partes, segundo o nº 1 do mesmo preceito, são livres de estipularem o que bem quiserem e lhes interessar relativamente à duração do contrato e à oposição à renovação, incluído naturalmente que se opõem à (primeira) renovação, ou seja, são livres de excluir a renovação do contrato. IV – Por esta mesma razão, a interpretação que permite a comunicação da oposição à renovação no prazo de cinco anos contados do início da vinculação contratual de arrendamento para fins não habitacionais por cinco anos, para produzir efeitos no primeiro dia seguinte ao do fim do prazo do contrato, quando essa previsão não foi querida inicialmente pelas partes, representa uma atribuição posterior de um poder unilateral ao senhorio. V – Em consequência dessa interpretação, o resultado prático permitido seria a exclusão da possibilidade de renovação para um contrato celebrado por cinco anos, o que se apresenta contraditório com a regra do nº 3 do mesmo preceito.».

13- Por tudo o exposto e porque, contrariamente ao disposto no n.º 4 do artigo 1110.º do C.C., a comunicação para oposição à renovação do contrato celebrado em 02.05.2017, com a ora Recorrente, lhe foi enviada em 05.11.2021, constata-se que esta se opôs à renovação do contrato durante os primeiros cinco anos de duração do mesmo, pelo que tal comunicação não pode produzir qualquer efeito, impondo-se alterar o decidido no douto acórdão recorrido que não pode proceder, sob pena de violar o disposto numa norma imperativa e, como tal, inderrogável.

O acórdão recorrido violou o disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 615.º, n.º 4 do artigo 634.º e n.º 1 do artigo 639.º do CPC e ainda no n.º 4 do artigo 1110.º do Código Civil com a redacção que lhe foi dada pela Lei 13/2019.».

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, com a repristinação da decisão da 1.ª instância.

A Recorrida contra-alegou, nos termos seguintes:

«1. Ao contrário do que defende a recorrente, o douto Acórdão recorrido não enferma de qualquer nulidade.

2. Com efeito, foi cumprido o disposto nos arts. 607º a 612º, ao abrigo do nº 1 do art. 663º, todos os C. P. Civil.

3. E isto porque não houve condenação em quantidade superior ou objeto diverso do pedido, tendo a decisão sido fundamentada nos factos dados como provados.

4. Como se constata dos autos, o pedido sempre foi o de ser considerada válida a oposição à renovação do contrato de arrendamento, estando essencialmente em causa a interpretação sobre os efeitos da aplicação do nº 4 do art. 1110º do C. Civil.

5. É certo que a recorrida na presente revista pretendeu no recurso de apelação que não se aplicasse o nº 4 do art. 1110º do C. Civil, embora apresentando razões diversas das que vieram a ser validadas no douto Acórdão recorrido.

6. Razões essas que fundamentaram a arguição de nulidade que veio a decair no referido douto Acórdão recorrido.

7. Assim, embora por razões diferentes o certo é que no douto Acórdão recorrido se entendeu o que, com a devida vénia, se transcreve:

“(…) Assim, e segundo entendemos, o que se pretendeu com as alterações decorrente da Lei nº 13/2019 foi que “ao contrato não poderá pôr-se termo, pelo senhorio, antes dos primeiros cinco anos”, mas não mais que isso. Diga-se, aliás, que a imposição legal de um período mínimo de cinco anos em que deve vigorar o contrato resulta vincada quando o preceito acrescenta “independentemente do prazo estipulado”: é o período em que vigora o contrato, a sua duração, o que está em causa, e que a lei pretende garantir como tempo mínimo. O que está em causa é, pois, a produção de efeitos da oposição à renovação e não a ocasião da comunicação dessa não oposição.

Seja no caso dos contratos para habitação, seja nos contratos para fins não habitacionais, a Lei nº 13/2019 pretendeu fixar um tempo mínimo de vigência do arrendamento, mas, não alterou os prazos de comunicação da oposição à renovação que, aliás, sempre foram prazo mínimos.

Chegados a esta conclusão, o que devemos dizer é que o disposto no artigo 1110, n.º 4 do CC, embora tenha aplicação ao caso presente, é irrelevante na sua aplicação à solução da causa, como sempre o seria em todos os casos em que o prazo do contrato, estipulado pelas partes, já é de cinco anos, pois esse período temporal irá corresponder ao período mínimo (de duração do arrendamento) legalmente exigido naquele preceito. Em conformidade, a oposição à renovação mostra-se eficaz, implicando a condenação da recorrida na desocupação imediata do locado. (…)”

8. Daí que, em primeiro lugar, deve ser indeferida a nulidade invocada pela recorrente na presente revista, uma vez que no Acórdão recorrido não houve pronúncia sobre qualquer questão de que não pudesse tomar conhecimento e, como tal, não seja de aplicar o disposto na alínea d) do art. 615º do C. P. Civil.

9. E, em segundo lugar, que deve ser dada como correta a interpretação sobre o nº 4 do art. 1110º do C. Civil que consta do douto Acórdão recorrido.

10. Interpretação essa a que, com o devido respeito, a ora recorrida adere integralmente, pedindo vénia para transcrever os seguintes trechos desse douto aresto que contrariam a que fundamentou a decisão da primeira instância:

“(…) Salvo o devido respeito, não a acompanhamos e se é certo que o artigo 1110, n.º 4 do CC nada nos diz sobre a dicotomia comunicação/produção de efeitos, o artigo 1097, n.º 3 do mesmo diploma – igualmente com a redação decorrente da Lei n.º 13/2009 – não deixa de dispor que a oposição “apenas produz efeitos”, no caso de “decorridos três anos”. E, ressalvando melhor saber, também a interpretação do disposto no n.º 4 do artigo 1110 do CC não pode ser diferente. Não desconhecemos, no entanto, o que ficou dito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 [Relator, Desembargador Pedro Martins, Processo n.º 1006/21.1T8CSC.L1-2,dgsi], no qual, apreciando-se situação não de todo idêntica (o prazo do contrato, naqueles autos, era inferior a 5 anos, concretamente 4 anos, 11 meses e 15 dias) se referiu: “Esta disposição [artigo 1110, n.º 4 do CC] é clara: nos 5 primeiros anos o senhorio não se pode opor à renovação. Pelo que, se o contrato tiver um prazo de duração igual ou inferior a 5 anos, até ao fim dele não é possível uma oposição à renovação e, por isso, o contrato, até ao fim desses 5 anos, renovou-se. Pelo que, antes desta renovação não é possível a oposição à mesma”. E, do mesmo acórdão, consta o seguinte sumário: “A norma do art.º 1110/4 do CC, na redação da Lei 13/2009, norma imperativa que se aplica às relações contratuais existentes à data da sua entrada em vigor (art.º 12/2, 2-ª parte, do CC), “proíbe a oposição à renovação no primeiro lustro contratual” do contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais. É diferente da norma do art.º 1097/3 do CC, tendo um sentido incompatível com ela”.

Ora, comentando o preceito aqui em causa, Elsa Sequeira Santos remete precisamente para a anotação que faz ao n.º 3 do artigo 1097, na qual refere, além do mais, que “A ratio desta alteração é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação”.

Parece-nos, assim, e com todo o respeito por diferente saber, que a diferença entre os preceitos é o período mínimo de duração do contrato, três ou (no caso do disposto no n.º 4 do artigo 1110 do CC) cinco anos, mas não uma diferente razão de ser. (…)”

11. Isto posto, na hipótese de não ser sufragada a referida interpretação do douto Acórdão recorrido relativa à aplicação do nº 4 do art. 1110º do C. Civil, a ora recorrida, sem prescindir, pretende que seja conhecida na presente revista a questão da desconsideração da pessoa coletiva (Ré) ou do alegado trespasse do estabelecimento, enquanto integradora de um eventual abuso de direito, uma vez que, perante a citada interpretação, no referido douto Acórdão recorrido não foi conhecida essa questão, tendo a parte vencedora (a ora recorrida) decaído quanto a ela.

12. Pretensão que se apoia no disposto no art. 636º-1 do C. P. Civil, ex vi art. 679º, do mesmo diploma legal.

13. Para esse efeito, em primeiro lugar, transcrevem-se os factos dados como assentes no douto Acórdão recorrido:

(...)

14. E, em segundo lugar, reproduz-se o que se expressou nas conclusões 8ª a 26ª das alegações apresentadas no recurso de apelação:

“(…)

8. Quanto à desconsideração da pessoa coletiva a recorrente entende que a renovação do contrato de arrendamento até 30 de junho de 2027 constitui um abuso de direito. Para o efeito, louva-se na síntese expressa na douta sentença recorrida na qual “(…) existirá abuso de direito quanto alguém, embora detentor de um determinado direito, em princípio, válido, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos manifestamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante. (…)”

9. Abuso do direito que decorre da recorrida fazer-se valer do entendimento que esse instituto apenas se aplicava no momento da celebração do contrato, onde, na realidade não se vislumbra dos autos ter havido qualquer má-fé ou intenção de prejudicar a recorrente.

10. Ao fazer-se valer desse entendimento, a conduta da recorrida constitui fundamento para desconsiderar a sua personalidade jurídica. Com efeito,

11. A alteração legislativa consignada no nº 4 do atual art. 1110º do C. Civil, pretende proteger os inquilinos através da imposição de permanência no mesmo, no caso presente, durante 10 anos.

12. Aproveitando-se dessa alteração legislativa, o gerente da recorrida pretende fazer valer o direito da sua representada, quando bem sabe que o estabelecimento instalado no locado é o mesmo que esse gerente, a título individual, explorou a partir de 8 de setembro de 2009, contra o pagamento da mesma renda de € 2.000,00 mensais.

13. A razão justificativa da existência do contrato de arrendamento a favor da recorrida advém exclusivamente do local ter sido arrendado ao gerente desta, como pessoa singular, e de ela, através dessa pessoa singular, ter pedido à recorrente a celebração do contrato em modo idêntico ao anterior, por esse gerente titulado.

14. Consequentemente, não poderá deixar de se considerar que o local está arrendado com AA, seja como pessoa singular, seja como sócio e gerente da recorrida, desde 8 de setembro de 2009.

15. E, ainda consequentemente, que o referido prazo de proteção do inquilino, na circunstância, de 10 anos, já se encontra ultrapassado atualmente e à data da interposição da ação de despejo.

16. Ora, é ao valer-se de uma eventual não desconsideração da pessoa coletiva que o comportamento da recorrida se integra na supra referida síntese/noção do instituto do abuso de direito.

17. Face a esse comportamento a recorrida abusou do direito à proteção estabelecida na Lei 13/2019, pelo que deve ser-lhe negada essa proteção, uma vez que, por si e interposta pessoa, se encontra no locado há mais de 10 anos consecutivamente.

18. Ao negar a existência da desconsideração da pessoa coletiva, na douta sentença recorrida violou-se o disposto no art. 334º do C. Civil.

19. Isto posto, na referida subsidiariedade, deve entender-se salvaguardada a proteção da recorrida prevista na Lei 13/2019 e que já não há lugar à aplicação do nº 4 do art. 1110º do C. Civil, por ter decorrido mais de 5 anos após o início da exploração do estabelecimento instalado no locado.

20. Acresce que este entendimento também se sufraga pela transmissão da posição do arrendatário, mercê do trespasse do estabelecimento que resulta dos factos dados como provados.

21. Com efeito, os factos dados como provados permitem concluir que a transmissão do estabelecimento instalado no locado dos autos, a favor da recorrida, foi acompanhada da transferência, em conjunto, das instalações, utensílios, mercadorias e demais elementos que o integravam, pelo que nada impede a qualificação de trespasse, face ao disposto na alínea a) do nº 1 e alínea a) do nº 2, do art. 1112º do C. Civil.

22. Essa transmissão de estabelecimento a favor da recorrida teve por conteúdo a totalidade dos direitos e obrigações do inquilino inicial (AA) face ao disposto no art. 424º do C. Civil.

23. A recorrida assumiu a vigência do contrato de arrendamento dos autos a partir de 8 de setembro de 2009.

24. O que deve ser reconhecido no âmbito dos poderes consignados, designadamente, no nº 3 do art. 5º e no nº 1 do art. 662º, ambos do C. P. Civil.

25. Também por esta via da qualificação de trespasse se deve entender como preenchido o prazo de proteção da recorrida e que não há lugar à aplicação do nº 4 do art. 1110º do C. Civil, como se alegou no final dos considerandos sobre o abuso de direito.

26. Tanto pela via do abuso de direito e desconsideração da pessoa coletiva como pela via do trespasse e assunção dos direitos e obrigações do primitivo arrendatário, deve proceder o pedido de despejo, sendo revogada a douta sentença recorrida por aplicação incorreta do nº 4 do art. 1110º do C. Civil e por não ter aplicado o nº 1, alínea a) e nº 2, alínea a) do art. 1112º, bem como o art. 424º, ambos do C. Civil, os quais violou.».

3. Por acórdão de 26.06.2023, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da invocada nulidade.

4. Vem provado o seguinte:

1 - Em 2 de maio de 2017, a requerente, na qualidade de senhoria, e a requerida, na qualidade de arrendatária, celebraram o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, junto como doc. n.º 1 ao requerimento de despejo, pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início em 1.06.2017, renovável por iguais períodos de tempo, tendo sido estipulada a renda mensal de 2000€, relativo à loja comercial sita no rés do chão, com entrada pelo n.º 319 da rua ... e pelo n.º 310 da rua das..., do imóvel em propriedade total sito na rua ... n.ºs 317 e 319, e rua das ... n.º 310, ...

2 - Ficou acordado entre as partes que a requerente poderia impedir a renovação do contrato mediante comunicação escrita à requerida com antecedência não inferior a 120 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou da renovação.

3 - Em 5.11.2021, a requente enviou à requerida, que a recebeu, a carta junta com doc. n.º 3 ao requerimento de despejo, comunicando-lhe a sua oposição à renovação do contrato, mais solicitando a entrega do locado “até ao dia 31-5-2022, data em que o mesmo cessará os seus efeitos”.

4 – Em 8.09.2009, a requerente “Parcelas, Lda.”, na qualidade de Senhoria, celebrou com AA, na qualidade de arrendatário, um contrato de arrendamento, junto como doc. n.º 4 ao requerimento de “clarificação” apresentado pelo autora no “BNA”, com fins não habitacionais, referente ao locado acima mencionado, pelo prazo certo de 5 anos, com início em 1.12.2009, renovável por iguais períodos de tempo, tendo sido estipulada a renda mensal de 2 000€.

5 - Este contrato de arrendamento renovou-se, por novo período de 5 anos, em 30.11.2014, tendo término previsível em 30.11.2019.

6 - Contudo, ainda na vigência do referido contrato, foi solicitado à requerente pelo, à data, arrendatário AA, que se celebrasse novo contrato de arrendamento, desta feita com a sociedade requerida, o que veio a acontecer através da celebração do contrato referido em 1).

7 - A requerida foi constituída em 10.3.2017, sendo seus sócios AA e a sua cônjuge BB.

8 - Aquando da celebração do contrato referido em 1), manteve-se no locado a atividade de venda de artigos ao público que já vinha sendo exercida por AA no âmbito do contrato referido em 4).

Facto dado como não provado:

1 – O casamento entre AA e BB foi celebrado sob o regime da comunhão geral.

5. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade por excesso de pronúncia;

• Ineficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento, existindo erro na interpretação da norma do n.º 4 do art. 1110.º do Código Civil.

A recorrida requereu a ampliação do objecto do recurso para conhecimento dos seguintes fundamentos subsidiários do recurso de apelação por si interposto:

• Actuação da ré em abuso de direito e desconsideração da personalidade colectiva da ré;

• Assumpção pela locatária dos direitos e obrigações do primitivo arrendatário por via de trespasse do estabelecimento.

Com tais fundamentos invoca a recorrida que o pedido sempre deverá ser julgado procedente.

6. Invoca a recorrente a nulidade do acórdão recorrido por ter conhecido de questão da interpretação da norma do art. 1110.º, n.º 4, do Código Civil, da qual não podia tomar conhecimento (art. 615.º, n.º 1, alínea d), segunda parte, do CPC), alegando que a apelante não a suscitou.

Compulsadas as conclusões do recurso de apelação, considera-se que, ainda que expressa com pouca clareza e rigor, a questão recursória nuclear aí suscitada é a questão da validade e eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento dos autos, pelo que não podia o tribunal a quo deixar de se pronunciar sobre a interpretação do regime do n.º 4 do art. 1110.º do CC. Ao fazê-lo, e não se encontrando o tribunal sujeito às alegações das partes no que respeita à interpretação e aplicação do direito (cfr. art. 5.º, n.º 3, do CPC), mostra-se irrelevante a opinião da apelante enunciada nas conclusões da apelante.

Conclui-se, assim, pela não verificação da invocada nulidade.

7. Passa-se a apreciar da questão da validade e eficácia da declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento dos autos, o que implica determinar o sentido conjugado dos diversos números do art. 1110.º do Código Civil após a alteração introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro que «Estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade».

Sob a epígrafe «Duração, denúncia ou oposição à renovação», dispõe actualmente o art. 1110.º do Código Civil:

«1. As regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no presente artigo e no seguinte.

2. Na falta de estipulação, o contrato considera-se celebrado com prazo certo, pelo período de cinco anos, não podendo o arrendatário denunciá-lo com antecedência inferior a um ano.

3. Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado por prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de cinco anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1096.º.

4. Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação.».

Os dois últimos números deste artigo foram introduzidos pela Lei n.º 13/2019 e não estavam previstos na Proposta de Lei n.º 129/XIII apresentada pelo Governo à Assembleia da República, resultando antes da alteração proposta pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista no decurso do processo legislativo (e não acompanhada de motivos explicativos).

Importa ter presente que, da mesma alteração à Proposta de Lei n.º 129/XIII resultou a modificação dos arts. 1095.º a 1097.º do Código Civil, relativos ao arrendamento para fins habitacionais, os quais passaram a ter a seguinte redacção:

Artigo 1095.º (Estipulação de prazo certo)

«1 - O prazo deve constar de cláusula inserida no contrato.

2 - O prazo referido no número anterior não pode, contudo, ser inferior a um nem superior a 30 anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites mínimo e máximo quando, respetivamente, fique aquém do primeiro ou ultrapasse o segundo.

(...)».

Artigo 1096.º (Renovação automática)

1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

(...).».

Artigo 1097.º (Oposição à renovação deduzida pelo senhorio)

«1. O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:

(...)

2. A antecedência a que se refere o número anterior reporta-se ao termo do prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação.

3. A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

4. Excetua-se do número anterior a necessidade de habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em 1.º grau, aplicando-se, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 1102.º e nos n.ºs 1, 5 e 9 do artigo 1103.º».

Na verdade, e ainda que, nos presentes autos, esteja em causa a aplicação do regime do arrendamento para fim não habitacional, a doutrina especializada e a jurisprudência vêm chamando a atenção para o paralelismo entre as alterações introduzidas num e noutro regime.

7.1. Para o que ora importa, as modificações legais referidas no ponto anterior suscitam essencialmente as seguintes dúvidas interpretativas (comuns ao regime do arrendamento para fins habitacionais e ao regime do arrendamento para fins não habitacionais): (i) qual o prazo mínimo de vigência e de renovação do contrato de arrendamento; (ii) como opera a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento.

No que respeita ao arrendamento para fins habitacionais, há quem entenda que, da conjugação da previsão da duração mínima do contrato por um ano (art. 1095.º, n.º 2, do CC) com a determinação da renovação automática do contrato pelo período de três anos (art. 1096.º, n.º 1, do CC), resultaria que, se as partes não afastarem a renovação, o arrendatário tem direito a um período mínimo de duração contratual de quatro anos (ver, neste sentido, Rui Mascarenhas Ataíde/António Barroso Ramalho, «Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano», in Revista de Direito Civil, n.º 2, 2019, págs. 303-304; Maria Olinda Garcia, «Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019», in Julgar on line, n.º 25, Março 2019, pág. 12; Edgar Valente, Arrendamento Urbano. Comentário às alterações introduzidas no regime vigente, Almedina, Coimbra, 2019, pág. 34).

Diversamente, há quem considere que, «quando a renovação não tiver sido afastada ao abrigo do n.º 1 do artigo 1096.º, o artigo 1097.º/3 cc concede ao arrendatário uma duração contratual mínima de três anos, ainda que as partes tenham estabelecido um prazo inicial inferior. Cristalino é que o art. 1097.º/3 não terá relevância prática quando o prazo inicial do contrato for igual ou superior a três anos» (David Magalhães, «Algumas alterações ao regime jurídico do Arrendamento Urbano», in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XCV, Tomo I, 2019, pág. 569). Ver também André Mena Hüsgen, «As novas regras sobre a duração, denúncia e oposição à renovação do arrendamento urbano», in Estudos de Arrendamento Urbano, Vol. I, Universidade Católica Editora, Porto, 2020, pág. 85 e págs. 87-88; e Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 11ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, págs. 179-180.

Quanto à forma de operar a não renovação do contrato de arrendamento para fins habitacionais, existe consenso no entendimento de que o regime do n.º 3 do art. 1097.º determina que a declaração ou comunicação de oposição à renovação do contrato terá de ser feita antes da data da renovação do contrato (com a antecedência mínima prevista no n.º 1 do mesmo artigo) para produzir efeitos na data em que a renovação ocorreria. De acordo com Elsa Sequeira Santos (anotação ao artigo 1097.º, in Código Civil Anotado, coord.: Ana Prata, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 1392), «[a] ‘ratio’ desta alteração é a de garantir ao arrendatário a duração efetiva do contrato pelo prazo mínimo de três anos, ao não permitir ao senhorio provocar a caducidade do contrato nesse período, por via da oposição à renovação. O senhorio, nos primeiros três anos do contrato, pode opor-se à renovação do mesmo, mas a [oposição à] renovação só produz efeitos decorridos que sejam os três anos iniciais.».

7.2. No que se refere ao arrendamento para fins não habitacionais, há quem defenda (Rui Mascarenhas Ataíde/António Barroso Ramalho, ob. cit., pág. 304; Menezes Leitão, ob. cit., págs. 181-182; José António de França Pitão/Gustavo França Pitão, Arrendamento Urbano Anotado, 2ª ed., Quid iuris?, Lisboa, 2019, pág. 434) que, devido à remissão genérica para o regime do arrendamento para fins habitacionais (art. 1110.º, n.º 1, do CC), se aplicaria também aqui o prazo mínimo de vigência do contrato de um ano previsto no art. 1095.º, n.º 2, do CC.

Esta posição, quando conjugada com o novo regime do n.º 4 do art. 1110.º, introduzido pela Lei n.º 13/2019 («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação»), teria como consequência, para alguns autores (cfr. J.A. França Pitão / G. França Pitão, ob. cit., pág. 434), que o prazo mínimo de vigência do contrato seria de seis anos.

Diversamente, afigura-se de acompanhar a posição que advoga que «a norma do artigo 1110.º(1), que diz respeito aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais, é clara no sentido de consagrar a mera supletividade do regime habitacional em matéria de duração do arrendamento. Logo, o regime habitacional só será aplicável na falta de estipulação das partes, não sendo as normas imperativas daquele regime, em princípio, aplicáveis ao regime não habitacional» (André Mena Hüsgen, ob. cit., págs. 93-94).

Consequentemente, da aplicação da norma do n.º 4 do art. 1110.º decorrerá que «[e]stes contratos passam agora a ter uma duração mínima de 5 anos» (Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 14). No mesmo sentido, ver David Magalhães (ob. cit., pág. 573) e Menezes Leitão (ob. cit., pág. 182, sendo que este autor, porém, considera que esta regra não reveste carácter imperativo, o que contradiz aquele que parece ser o entendimento maioritário).

Aqui chegados, importa enfrentar o problema interpretativo cuja resposta se mostra essencial para a resolução da questão objecto do presente recurso e que consiste em apurar de que forma opera a declaração de oposição à renovação do contrato de arrendamento para fins não habitacionais.

A dúvida pode assim ser enunciada:

«[N]ão se compreende se o direito de oposição só “nasce” findos os cinco anos, como parece resultar da letra do n.º 4 do art.º 1110.º, ou se, pelo contrário, o legislador se limitou a deferir a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato, quando deduzida pelo senhorio, para o fim do quinto ano de duração do contrato (...)» (Jéssica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», in Revista Electrónica de Direito, Fevereiro 2020, n.º 1, vol. 21, pág. 84).

A primeira orientação foi a adoptada pelos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 (proc. n.º 1006/21.1T8CSC.L1-2) e de 27.10.2022 (proc. n.º 12613/21.2T8LSB.L1-6), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Nas palavras do sumário deste último acórdão:

«I - A norma contida no nº 4 do artigo 1110º do Código Civil não autoriza a interpretação de que, num contrato de arrendamento para fins não habitacionais livremente celebrado por cinco anos, o senhorio pode comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato para ter efeitos findo o prazo inicial do mesmo.

II – Tal norma deve ser interpretada no sentido que dela consta (com respeito aliás pela correspondência mínima com o texto) qual seja o de que qualquer que seja a duração do contrato, nos primeiros cinco anos contados do início da vinculação entre as partes, o senhorio não pode opor-se à renovação.

(...)».

Tal orientação, conforme expressamente afirmado no acórdão de 29.09.2022, assenta na posição defendida por David Magalhães (ob. cit., pág. 575) segundo o qual «durante cinco anos em nenhum caso pode o arrendatário ser despejado por mera vontade do senhorio; se nada se convencionar sobre a renovação, a extinção ‘ad nutum’ só será alcançada mediante oposição à segunda renovação que pudesse ocorrer após o primeiro lustro contratual, garantindo-se ao arrendatário o mínimo de dez anos de duração contratual».

A posição alternativa – considerar que o n.º 4 do art. 1110.º do CC deve ser interpretado no sentido de que a produção dos efeitos do exercício do direito de oposição à renovação do contrato se difere para o fim do quinto ano de duração do contrato – foi seguida pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, em termos assim sumariados:

«I - Nos termos do disposto no artigo 1110, n.º 4 do CC, na redação que lhe foi dada pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, o senhorio não pode opor-se à renovação do contrato nos primeiros cinco anos de vigência do mesmo.

II - Porém, essa imposição não altera os prazos mínimos de comunicação da intenção de oposição que, num contrato com a duração de cinco anos, são necessariamente anteriores ao seu termo.

III – O que o citado preceito veio consagrar é, apenas, que o senhorio não pode pôr termo ao contrato, opondo-se à renovação, com efeitos a data anterior à correspondente ao decurso dos primeiros cinco anos.».

Em última análise, nesta linha de pensamento, advoga-se que o regime do n.º 4 do art. 1110.º do CC deve ser interpretado em sentido equivalente ao disposto no n.º 3 do art. 1097.º do mesmo Código a respeito do arrendamento para fins habitacionais; isto é, no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento não habitacional para produzir efeitos na data em que, sem a declaração de oposição, o contrato se renovaria.

A diferença de redacção entre uma e outra norma tem, contudo, servido de base à defesa da posição oposta (cfr. David Magalhães, ob. cit., pág. 568, nota 10), seguida, como se referiu, pelos referidos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.2022 e de 27.10.2022.

Quid iuris?

7.3. Tal como vem sendo assinalado (cfr., por todos, Maria Olinda Garcia, ob. cit., pág. 25), a reforma do regime do arrendamento urbano realizada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro, não prima pela clareza, suscitando múltiplas dúvidas interpretativas, das quais nos limitámos a salientar aquelas que se afiguram relevantes para a melhor compreensão da questão em discussão no presente recurso.

Assim, se, em tese geral, seria de atribuir relevância à diferença entre a redacção do n.º 4 do art. 1110.º («Nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação») e a do n.º 3 do art. 1097.º («A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data (...)»), o resultado, a nosso ver ilógico, resultante da atribuição de relevância a tal diferença de redacção – transformando um prazo de vigência contratual de cinco anos, acordado entre as partes e correspondente ao prazo de renovação supletivo mínimo previsto no n.º 3 do art. 1110.º, num prazo mínimo de vigência (para o senhorio) de dez anos –, leva-nos a ser favoráveis a que ambas as normas sejam interpretadas em sentido equivalente.

Com efeito, «ainda que o intérprete deva, na fixação do sentido da lei, presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, cremos que o objetivo do legislador terá sido tão-só o de garantir um prazo de duração efetiva de cinco anos. Por isso, atendendo à ‘ratio’ da norma, admitimos que ao senhorio deve ser permitido opor-se à renovação de um contrato celebrado pelo prazo inicial de cinco anos. De outro modo, dar-se-ia o resultado absurdo de o senhorio só poder terminar o contrato no seu décimo ano de duração» (André Mena Hüsgen, ob. cit., pág. 97).

Por outras palavas, entende-se que «o que se pretende é deferir a produção de efeitos da primeira oposição à renovação deduzida pelo senhorio, de forma a garantir que o contrato de arrendamento habitacional dure pelo menos três/cinco anos, consoante seja habitacional ou não habitacional (salvo se o arrendatário pretender antes disso opor-se à sua renovação ou denunciá-lo) e não impedir que, durante esses três/cinco anos, o senhorio possa exercer o seu direito de oposição à renovação, coartação essa da qual poderia, na prática, resultar uma duração mínima do contrato de arrendamento bastante superior àquela que o legislador quis acautelar e que se reflete, também, nos novos prazos supletivos [de três e cinco anos, respectivamente] de duração dos períodos de renovação dos contratos» (Jéssica Rodrigues Ferreira (ob. cit., pág. 85).

7.4. Retornando ao caso dos autos, considera-se que:

i. Estando provado que «[e]m 2 de maio de 2017, a requerente, na qualidade de senhoria, e a requerida, na qualidade de arrendatária, celebraram o contrato de arrendamento para fins não habitacionais, junto como doc. n.º 1 ao requerimento de despejo, pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início em 1.06.2017, renovável por iguais períodos de tempo (...)», que «[f]icou acordado entre as partes que a requerente poderia impedir a renovação do contrato mediante comunicação escrita à requerida com antecedência não inferior a 120 dias relativamente ao termo do prazo inicial ou da renovação» e que, «[e]m 5.11.2021, a requerente enviou à requerida, que a recebeu, a carta junta com doc. n.º 3 ao requerimento de despejo, comunicando-lhe a sua oposição à renovação do contrato, mais solicitando a entrega do locado “até ao dia 31-5-2022, data em que o mesmo cessará os seus efeitos”»;

ii. Tendo a declaração de oposição à renovação do contrato sido realizada em conformidade com o acordado entre as partes;

iii. E sendo a norma do n.º 4 do art. 1110.º do Código Civil de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a declaração de oposição, o contrato se renovaria;

iv. É de concluir, conforme entendeu o acórdão recorrido, pela validade e eficácia da declaração da autora de oposição à renovação do contrato.

8. Perante a improcedência da pretensão da recorrente, fica prejudicada a apreciação dos fundamentos subsidiários da apelação requerida pela recorrida em sede de ampliação do objecto do recurso de revista.

9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Fernando Baptista

Catarina Serra