Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | CONTRATO DE LOCAÇÃO EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL MODIFICABILIDADE DA MATÉRIA DE FACTO PODERES DO JUIZ NULIDADE PROCESSUAL INEFICÁCIA NULIDADE DO CONTRATO VEÍCULO AUTOMÓVEL PAGAMENTO INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO INEXISTÊNCIA JURÍDICA RENOVAÇÃO AUTOMATICA ABUSO DO DIREITO PRESSUPOSTOS ÓNUS DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 10/03/2024 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Sumário : | I - O ... não pode alterar decisão anteriormente proferida, ainda que reconheça ter-se enganado, apenas lhe sendo permitido rectificar erros desta, suprir nulidades arguidas pela parte interessada ou reformar a decisão a pedido de uma das partes, conforme previsto no art.º 613.º n.º 2 do CPC. E assim sucede pois que, proferida a sentença – ou o despacho –, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do ... quanto à matéria em causa (art.º 613.º n.º 1, do mesmo código. II - A decisão proferida após esgotado o poder jurisdicional do ..., relativamente à matéria em causa, não pode subsistir, podendo e devendo o Tribunal de recurso reverter a primeira decisão contrariada pela segunda. III - Contradições, obscuridades ou incongruências da matéria de facto dada como assente que provenham não do labor do ... na apreciação da prova produzida, mas da transposição dos factos alegados pelo Autor na petição inicial, dados como provados por falta de contestação, não podem conduzir à anulação da sentença, porque tal redundaria num acto inútil. Com efeito, o ... não poderia corrigir essas contradições, obscuridades ou incongruências, sem contrariar decisão já proferida ao abrigo do disposto no art.º 567.º n.º 1. IV - Um alegado contrato em que se verifique não ter existido um acordo de vontades com vista à sua celebração, não está ferido de nulidade, mas de inexistência jurídica. Um contrato nulo pressupõe, antes de mais que seja contrato, ou seja, pressupõe que tenha tido origem num acordo de vontades, ainda que a vontade de algum dos contratantes sofra de vícios que o possam inquinar. V - Constituiria abuso de direito permitir que o Réu beneficiasse da declaração da nulidade ou até da inexistência dos contratos, posto que estivesse inequivocamente provado que o Réu tinha usufruído do gozo do veículo automóvel. Porém, no caso concreto não existe suporte fáctico que nos permita qualificar a conduta do Réu como “abuso de direito”. VI - O ónus da prova traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências, se os autos não contiverem prova bastante. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO GESFLEET – ALUGUER DE AUTOMÓVEIS E EQUIPAMENTOS MÓVEIS, LDA. instaurou acção declarativa com processo comum contra: AA, ambos melhor identificados nos autos, pedindo que fosse declarado resolvido o contrato de aluguer celebrado entre ambos e que o Réu seja condenado a proceder à entrega do automóvel objecto do referido contrato de aluguer e a pagar à Autora o valor de todas as prestações em dívida , no montante de €32 102,72, a título de capital, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Alegou, para tanto, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de aluguer tendo por objecto o veículo automóvel identificado nos autos e que o Réu deixou de cumprir com os pagamentos das prestações mensais convencionadas. O Réu apresentou contestação que não foi recebida por extemporânea, conforme despacho, proferido em, 13-04-2023, com o seguinte teor: «O réu regularmente citado para no prazo de 30 dias contestar os presentes autos, apresentou contestação extemporânea, que não foi aceite, pelo que se encontra em revelia. Assim sendo, não se verificando nenhuma das excepções previstas no artigo 568.º do CPC, consideram-se confessados os factos articulados pela autora na petição inicial, o que se declara. Dê cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2, do CPC, facultando os autos nos termos aí prescritos, para exame aos Mandatários da Autora, e, sucessivamente, ao advogado do Réu, para efeitos de alegação.» Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em consequência, condenou o Réu a entregar à Autora o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 3008, com a matrícula ..-TE-.. bem como a pagar-lhe o montante de € 2 260,85 referente aos contratos de aluguer de veículo celebrados entre a Autora e o Réu com os números ....99 e ....56, acrescido de juros de mora vencidos desde a data da propositura da acção até integral pagamento, calculados à taxa de 4%, e absolveu o Réu do demais peticionado. Inconformada com a decisão, a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão ora recorrido, julgou o recurso parcialmente procedente e consequentemente: Revogou parcialmente a sentença recorrida, passando a condenar o Réu a pagar à Autora o valor das prestações em dívida, no montante de €29 962,54, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento. Condenou e a Autora e o Réu no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo decaimento (artigo 527.º do CPC). Confirmou no mais a sentença recorrida. * É agora o Réu que, inconformado, vem interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: A) O Tribunal da Relação de Lisboa considerou parcialmente procedente o Recurso interposto pela Autora nos autos, GESFLEET – ALUGUER DE AUTOMÓVEIS E EQUIPAMENTOS MÓVEIS, LDA. B) Considerou o Tribunal a quo como provados os factos que o Tribunal de 1ª Instância tinha dado como não provados, julgando assim procedente nesta parte do recurso aditando aos factos provados da sentença recorrida os seguintes factos: «d) Ao abrigo do acordo referido em 2 dos factos provados, o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente à Autora a quantia de € 1.070,08; e) A Autora e o Réu estabeleceram que o acordo referido em 2 dos factos provados se renovaria automaticamente e sucessivamente por novos períodos de um mês; f) Com reporte ao mesmo cliente, aquando da emissão de cada factura relativa ao referido acordo, é gerado um novo número de contrato e eliminando-se da sentença recorrida o segmento “Factos Não Provados”.» C) Eliminado assim da sentença recorrida o segmento “Factos Não Provados”. D) O Réu, ora Recorrente, não se conforma nem aceita a eliminação dos factos dados como não provados nem a sua transposição para os factos dados como provados, porquanto, E) A Autora sabia e obviamente não desconhecia que não celebrou com o Réu 29 (vinte e nove) dos 30 (trinta) contratos que juntou à sua petição inicial, na realidade só celebrou (1) um, aquele que juntou como documento nº1, pelo que, habilmente, veio alegar que se trata de um contrato de aluguer duradouro, o que não corresponde á verdade. F) Com efeito, como resulta do teor do contrato junto á PI como documento nº1, o mesmo teve o seu início em 12.10.2019 e termo em 11.11.2019, não se prevendo ali qualquer tipo de renovação, nem estabelece nenhuma obrigação para o ora Réu nesse âmbito. G) A Autora tentou unilateralmente estabelecer uma obrigação para o Réu, quando essa obrigação emerge unicamente da sua própria vontade, pretendendo assim justificar a emissão das facturas e o pagamento dos respectivos valores. H)A renovação automática de contratos, como a Autora pretendeu fazer crer que se verificava no caso em concreto, não tem razão de ser, uma vez que tal não se encontra previsto ou sequer aflorado no teor do único contrato, celebrado entre a Autora e o Réu. I)A Autora bem sabia que só existia um único contrato de aluguer, mas como não tinha nem tem justificação para a emissão das restantes facturas, para além daquela que corresponde ao único contrato efectivamente celebrado, veio então ficcionar a celebração de vários contratos. J) Assim sendo, tendo em consideração o estabelecido nos nºs. 1 e 2 do Artigo 9º do Decreto-Lei 181/2012, de 06 de Agosto, a forma escrita exigida para este tipo de contratos constitui uma formalidade que não pode ser substituída por qualquer outra, sendo por isso nulo, nos termos do artigo 220.º, do Código Civil, o que agora se alega para todos os efeitos legais. K) Todavia, sempre se dirá em remate, que o aparecimento de 30 contratos é a prova provada que na realidade nunca existiu nem podia existir, por ser ilegal, a renovação automática do contrato inicial, tanto mais que em nenhum deles se encontra estabelecido a sua renovação automática por igual período. L) Nem a alegada renovação consta de qualquer documento dos autos donde se possa retirar tal conclusão, o que por si só é contrariada pela emissão de 30 contratos com números todos eles diferentes. M)Na realidade, caso a eventual renovação automática correspondesse à verdade dos factos, o contrato teria de ser sempre o mesmo caso tivesse uma cláusula de renovação automática. N) Ou então existisse um outro documento assinado pelas partes onde estivesse estabelecido essa renovação, o que, como resulta dos autos não é o caso. O)No que se refere ao facto de ser uma factura a gerar um contrato como alega a Autora e o Tribunal a quo aceitou como verosímil, é de “espantar” uma vez que se está a inverter a origem das obrigações. P) Com efeito, a fonte da obrigação é um contrato e não uma factura, esta é a consequência de um contrato, a simples factura não é, só por si, fonte de direito das obrigações. Q) A mera descarga de um número de factura, desacompanhada da invocação de factos que lhe subjazem, só por si não cumpre o requisito processual de preenchimento da causa de pedir. R) Na verdade, a Autora não podia invocar os factos concretos que traduzissem a vontade das partes, uma vez que, só existiu um contrato e uma factura correspondente e que efectivamente foi paga. S) Ao pedido tem de corresponder uma causa de pedir, pelo para preencher este requisito foi necessário ficcionar a fonte da obrigação, então a Autora, veio alegar que com a emissão das facturas é gerado um novo número de contrato, nada mais falacioso. T) Para tanto basta conferir os nºs dos contratos que não correspondem aos das facturas, mas mais incrível é que os contratos têm todos datas anteriores á emissão das ditas facturas, então quem é que gera quem!!! São as facturas ou os contratos? (documentos juntos com as PI) U) No caso, entenda-se que nem os contratos geraram as facturas e muito menos as facturas geraram os contratos. V)Na realidade, o que está efectivamente em causa nos presentes autos são factos cuja prova se exige documentos escritos e também assinados pelos contratantes, como decorre do disposto no nº1 do Artigo 9º, do Decreto-Lei nº 181/2012, de 06 de Agosto. W) Neste sentido, tem que se considerar que o vício de forma tem que ser claramente imputável á Autora, pois, é a contratante que desrespeitou as regras que impunham a celebração de contratos de forma determinada, por escrito e assinadas pelas partes. X) Com efeito, não se pode deixar de considerar que é a Autora que é a responsável por todos os formalismos legais da sua actividade, e não podia desconhecer a exigência legal dos contratos serem reduzidos a escrito e assinados pelas partes. Y) Na verdade, não é imputável ao Réu, ora Recorrente, a responsabilidade da ausência de forma escrita dos alegados contratos, essa obrigação é única e exclusiva da Autora. Z)O Tribunal a quo, como acima foi referido, fundamentou a sua decisão na alegada contradição entre o teor do despacho, proferido nos autos no dia 13.04.2024, e a sentença, em consequência julgou como ineficaz a parte da sentença que considerou “factos não provados” considerando assim que o Tribunal de 1ª Instância na sentença então proferida veio corrigir o despacho de 13.04.2024. AA) Importa antes de mais referir que o despacho proferido nos autos não foi, em momento algum, posto em causa pela Autora, nem antes nem depois da sentença proferida. BB) Na realidade, o despacho em apreço poderia ter sido objecto de recurso, porém, a Autora nada fez, pelo que inequivocamente o aceitou. CC) Com efeito, a Autora em momento algum das motivações e conclusões do recurso, que obteve provimento parcial, aflorou o despacho proferido em 13.04.2024, pelo que, com o devido respeito era matéria vedada ao Tribunal a quo, pelo que a pronunciar-se como o fez, violou o disposto no Artigo 635º do C.P.C. DD) Todavia, uma vez que o Tribunal a quo considerou e chamou á colação o despacho proferido nos autos em 13.04.2023, para fundamentar a sua decisão, deveria então ter considerado que o referido despacho como ilegal, uma vez que se verifica a excepção prevista na alínea d) do Artigo 568º do C.P.C.. EE) Conclusão que não se aceita, tal decisão é fazer “tábua rasa” do disposto no nº2 do Artigo 567º do C.P.C., pois, apesar dos factos alegados pela Autora serem considerados confessados é da competência do Tribunal proceder ao respectivo enquadramento jurídico, julgar a acção materialmente procedente, abster-se do mérito da causa e absolver o Réu da instância, julgar a acção parcialmente procedente ou até mesmo improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material, o que na realidade fez e bem. FF) Neste sentido, o Tribunal de 1ª Instância na sentença que proferiu, explanou que para formar a sua convicção analisou os documentos juntos pela Autora, teve em consideração os factos articulados pela Autora, confessados pelo Réu e as regras da experiência comum. GG) Porém, o que o Tribunal a quo fez mais uma vez “tabua rasa” agora do disposto nos nºs. 4 e 5 do Artigo 607º do C.P.C. HH) Com efeito, o Tribunal de 1ª Instância na Motivação da Decisão de Facto e no Enquadramento jurídico da Sentença então proferida, explana de forma clara como decidiu e em função do que julgou. II) O douto Acórdão de que agora se recorre estriba a sua decisão em duas situações, a primeira é a dar como provados os factos que na sentença do Tribunal de 1ª Instância são dados como não provados. JJ) A segunda, consequência da primeira, é a de ter concluído e decidido que o Réu ora Recorrente caso não fosse assim decidido iria tirar proveito de usufruir do gozo do veículo durante mais de 2 (dois) anos sem pagar a correspondente retribuição, recebendo as correspondentes facturas sem manifestar qualquer oposição. KK) Sobre a primeira questão, tendo em consideração todo o acima expendido, o Réu, ora Recorrente, não pode estar mais em desacordo com a mesma, uma vez que, como sempre afirmou nunca celebrou, não assinou nem tinha conhecimento da existência dos referidos contratos. LL) Com efeito, o Réu, ora Recorrente, só teve conhecimento da existência dos ditos contratos quando foi citado para contestar a douta PI. MM) Pelo que nunca se pode ter obrigado a pagar mensalmente a quantia € 1.070,08 à Autora, conforme os factos agora dados por provados, no Acórdão de que agora se recorre. NN) No que se refere ao abuso de direito em consonância com todo o acima exposto, como consta do douto acórdão de que agora se recorre, as hipóteses de venire contra factum proprium estão muitas vezes na base da recusa da alegabilidade de vício formal, pois se trata tipicamente de casos em que o sujeito pretende prevalecer-se da nulidade formal, quando foi ele a recusar a observância da forma legal, o que no caso em concreto, dando como verdadeiro a celebração dos contratos na responsabilidade da ausência da forma legal só poderia ser imputada à Autora. OO) Na realidade dando como provado a existência do contrato com renovação automática, quem os elaborou e emitiu foi a Autora, não tendo o Réu Recorrente qualquer responsabilidade que lhe possa ser imputada pela ausência da respectiva forma legal. PP) Neste sentido decidiu bem o Tribunal de 1ª Instância, ao contrário decidiu mal o Tribunal a quo no douto acórdão de que agora se recorre. QQ) Os alegados contratos foram ficcionados pela Autora, para justificar e emissão das facturas e a causa de pedir. RR) Os contratos de aluguer de veículos automóveis não comtemplam a sua renovação automática. SS)Sem conceder, ainda que se considerasse que os contratos fossem reais ou fosse possível a renovação automática dos mesmos, a ausência da forma legal não pode ser de maneira nenhuma imputável ao Réu ora Recorrente, nem acusado de abuso de direito como conclui o Acórdão de que agora se recorre. TT)Sem conceder, ainda que se considerasse que os contratos fossem reais ou que fosse possível a renovação automática dos mesmos, a ausência da forma legal não pode ser de maneira nenhuma imputável ao Réu ora Recorrente, nem acusado de abuso de direito como conclui o Acórdão de que agora se recorre. UU) Face a todo o acima exposto, com os fundamentos expostos deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos, mantendo-se na íntegra a decisão do Tribunal de 1ª Instância. VV) Tanto mais que o Tribunal a quo ao decidir como o fez violou o disposto nº2 do Artigo 567º e o ainda o disposto nos nºs. 4 e 5 do Artigo 607.º do CPC. WW) Face a todo o acima exposto, com os fundamentos expostos deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogar o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos presentes autos, mantendo-se na íntegra a decisão do Tribunal de 1ª Instância. * A Autora não apresentou contra alegações. II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Na 1.ª Instância foi dada como assente a seguinte factualidade. 1.A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração da indústria de aluguer de automóveis com ou sem condutor, aluguer de embarcações, motociclos e veículos de mercadorias e ainda ao comércio de peças e acessórios de veículos automóveis ligeiros e motociclos. 2. No dia 12/10/2019, a Autora e o Réu assinaram um acordo escrito intitulado «contrato aluguer diário», com o número ....95, mediante o qual a Autora cedeu ao Réu o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 3008 e de matrícula ..-TE-.. pelo período de 1 mês, mediante a contrapartida de €1.034,41, a pagar pelo Réu àquela. 3. Ao abrigo do referido acordo, a Autora disponibilizou o aludido veículo ao Réu para que o mesmo o utilizasse, ficando este obrigado a entregá-lo, na sede da Autora, no dia 11/11/2019, às 13h00. 4. O Réu pagou à Autora o montante de €1.034,41, devido ao abrigo do acordo intitulado «contrato aluguer diário» com o número ....95, relativamente ao período de 12/10/2019 a 11/11/2019. 5. No dia 09/05/2020, o Réu assinou um acordo escrito intitulado «contrato aluguer diário», com o número ....99, mediante o qual a Autora cedeu ao Réu o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 3008 e de matrícula ..-TE-.. pelo período de 1 mês, mediante a contrapartida de €1.070,08, a pagar pelo Réu àquela. 6. Ao abrigo do referido acordo a Autora disponibilizou o veículo ao Réu, ficando este obrigado a entregá-lo no dia 08/06/2020 às 13h000, na loja da Autora, em .... 7. No dia 27/07/2022, o Réu assinou um acordo escrito intitulado «contrato aluguer diário», com o número .....6, mediante o qual a Autora cedeu ao Réu o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 3008 e de matrícula ..-TE-.. pelo período de 1 mês, mediante a contrapartida de €1.070,10, a pagar pelo Réu àquela. 8.Ao abrigo do referido acordo a Autora disponibilizou o veículo ao Réu, ficando este obrigado a entregá-lo no dia 27/08/2022 às 13h000, na loja da Autora em .... 9. A Autora emitiu as seguintes facturas ao Réu, que as recepcionava: a. Factura n.º S-017223 no valor de 1.070,08 €, datada de 12-03-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...18, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; b. Factura n.º S-017655 no valor de 1.070,08 €, datada de 13-05-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...73, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; c. Factura n.º S-017806 no valor de 1.070,08 €, datada de 09-06-2020, a relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...99, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; d. Factura n.º S-018072 no valor de 1.070,08 €, datada de 09-07-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...12, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; e. Factura n.º S-018410 no valor de 1.070,08 €, datada de 10-08-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...60, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; f. Factura n.º S-018796 no valor de 1.070,08 €, datada de 08-09-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...13, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; g. Factura n.º S-019187 no valor de 1.070,08 €, datada de 09-10-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...18, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; h. Factura n.º S-019605 no valor de 1.070,10 €, datada de 06-11-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...92, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; i. Factura n.º S-20010 no valor de 1.070,08 €, datada de 07-12-2020, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...19, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; j. Factura n.º S-20404 no valor de 1.070,08 €, datada de 07-01-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...51, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; k. Factura n.º S-20789 no valor de 1.070,08 €, datada de 08-02-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...86, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; l. Factura n.º S-21039 no valor de 1.070,08 €, datada de 05-03-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...13, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; m. Factura n.º S-21365 no valor de 1.070,08 €, datada de 09-04-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...34, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; n. Factura n.º S-21663 no valor de 1.070,08 €, datada de 07-05-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...55, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; o. Factura n.º S-22248 no valor de 1.070,08 €, vencida a 21-06-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...31, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; p. Factura n.º S-22613 no valor de 1.070,10 €, datada de 13-07-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...82, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; q. Factura n.º S-22972 no valor de 1.070,10 €, datada de 31-07-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...49, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; r. Factura n.º S-23344 no valor de 1.070,10 €, datada de 09-09-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...75, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; s. Factura n.º S-23851 no valor de 1.070,10 €, datada de 11-10-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...72, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; t. Factura n.º S-24267 no valor de 1.070,10 €, datada de 31-10-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...06, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; u. Factura n.º S-24939 no valor de 1.070,10 €, vencida a 03-12-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...21, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; v. Factura n.º S-25443 no valor de 1.070,10 €, datada de 31-12-2021, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...76, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; w. Factura n.º S-25858 no valor de 1.070,10 €, datada de 31-01-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...97, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; x. Factura n.º S-26287 no valor de 1.070,10 €, datada de 28-02-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...44, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; y. Factura n.º S-26707 no valor de 1.070,10 €, datada de 31-03-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...01, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; z. Factura n.º S-27251 no valor de 1.070,10 €, datada de 29-04-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...22, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; aa. Factura n.º S-27806 no valor de 1.070,10 €, datada de 30-05-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...50, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; bb. Factura n.º S-28436 no valor de 1.070,10 €, datada de 28-06-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...23, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; cc. Factura n.º S-29116 no valor de 1.070,10 €, datada de 28-07-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...07, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-..; dd. Factura n.º S-29820 no valor de 1.070,10 €, datada de 29-08-2022, relativa ao «contrato aluguer diário» com o número ...56, referente ao veículo com a matrícula ..-TE-... 10. Em 07/09/2022, por intermédio de Mandatário, a Autora remeteu ao Réu uma carta registada, aí lhe comunicando que o Réu não cumpriu com a obrigação de pagamento assumida no contrato n.º....8 referente ao aluguer do veículo automóvel com a matrícula ..-TE-.. e que, por esse motivo considerava o acordo resolvido, ficando a aguardar o prazo de 2 dias para a entrega do veículo e proceder ao pagamento de todas as quantias em dívida. 11. Ao abrigo do acordo referido em 2 dos factos provados, o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente à Autora a quantia de €1.070,08. (Aditado pelo Tribunal da Relação) 12. A Autora e o Réu estabeleceram que o acordo referido em 2 dos factos provados se renovaria automaticamente e sucessivamente por novos períodos de um mês. (Aditado pelo Tribunal da Relação) 13. Com reporte ao mesmo cliente, aquando da emissão de cada factura relativa ao referido acordo, é gerado um novo número de contrato. (Aditado pelo Tribunal da Relação Foram considerados “não provados” os seguintes factos: a) Ao abrigo do acordo referido em 2 dos factos provados, o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente à Autora a quantia de €1.070,08. b) A Autora e o Réu estabeleceram que o acordo referido em 2 dos factos provados se renovaria automaticamente e sucessivamente por novos períodos de um mês. c) Com reporte ao mesmo cliente, aquando da emissão de cada factura relativa ao referido acordo, é gerado um novo número de contrato. Por força do acórdão recorrido, este elenco de factos “não provados” foi eliminado, tendo sido aditados aos factos considerados “provados”. Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC). III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Corridos os vistos, cumpre decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC). Assim, as questões a apreciar são as seguintes: 1-Saber se o Tribunal da Relação podia alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos em que o fez. 2-Nulidade dos contratos de locação celebrados 3- Abuso de direito por parte do Réu 4- Saber se o Réu deve à Autora a quantia peticionada 1-O Réu, devidamente citado, apresentou contestação que não foi admitida, por não ter sido efectuado o pagamento devido pela prática de acto extemporâneo. E, nessa sequência, foi proferido o despacho supra transcrito, de que se destaca o seguinte que neste momento importa: “não se verificando nenhuma das excepções previstas no artigo 568.º do CPC, consideram-se confessados os factos articulados pela autora na petição inicial, o que se declara.” Sucede que, posteriormente, na sentença de 1.ª instância, fez-se constar do elenco de factos “não provados” os seguintes: «a) Ao abrigo do acordo referido em 2 dos factos provados, o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente à Autora a quantia de €1.070,08. b) A Autora e o Réu estabeleceram que o acordo referido em 2 dos factos provados se renovaria automaticamente e sucessivamente por novos períodos de um mês. c) Com reporte ao mesmo cliente, aquando da emissão de cada factura relativa ao referido acordo, é gerado um novo número de contrato.» Do confronto com o alegado na petição inicial, verifica-se que esta matéria dada como “não provada” na sentença, consta dos artigos 4.º e 6.º daquele articulado e, por conseguinte, tinha sido considerada confessada pelo despacho a que acima se aludiu. E na fundamentação da decisão de facto, o Tribunal de 1.ª instância mencionou as razões do seu procedimento: “Quanto aos factos não provados importa realçar que não se podem considerar admitidos por confissão. Com efeito, o âmbito do contrato e o acordado entre as partes deve constar dos documentos escritos que o suportam, sendo que o contrato de aluguer em causa exige forma escrita, como infra se explicitará. Do contrato inicial não consta que este se ia renovando automaticamente (antes resultando o contrário porque tem um dia de termo e um local e hora de entrega do veículo). Também não resulta (desse documento ou de outro) que o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente uma quantia certa, sendo que dos documentos juntos (faturas e documentos com epigrafe de “contrato”) constam valores mensais diferentes.” E pode ainda ler-se na sentença da 1.ª instância, na fundamentação jurídica: “apesar de a contestação do Réu ter sido declarada sem efeito, o cominatório não se produz sempre que os factos careçam de ser provados por documento escrito, o que corresponde ao caso sub judice, uma vez que, no domínio dos contratos de aluguer de veículos, a redução a escrito constitui uma formalidade ad substantiam (cf. artigo 574.º, n.º 2, do CPC).” Foi, pois, claramente assumido na sentença da 1.ª instância que apesar de no despacho proferido a 13-04-2023 terem sido dados como confessados os factos articulados pela Autora, na sentença, corrigiu-se essa decisão por se entender que afinal esses factos “não se podem considerar admitidos por confissão”. Ora, como muito bem diz o acórdão recorrido, o juiz não pode alterar decisão anteriormente proferida, ainda que reconheça ter-se enganado, apenas lhe sendo permitido rectificar erros desta , suprir nulidades arguidas pela parte interessada ou reformar a decisão a pedido de uma das partes, conforme previsto no art.º 613.º n.º2 do CPC.1 E assim sucede pois que, proferida a sentença – ou o despacho –, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa ( art.º 613.º n.º1). Como escreve Amâncio Ferreira,2 «editada a sentença (ou o despacho ou o acórdão) fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa (artº 666º, nº 1)3. Não pode consequentemente o Juiz, por sua iniciativa, alterar a sentença depois de proferida, quer na parte da decisão, quer na parte dos fundamentos que a suportam. Mesmo que após a sua prolação, no imediato ou algum tempo depois, adquira a convicção de que errou ou se torne para ele evidente que a decisão desrespeitou o quadro legal vigente, não a pode já emendar. A decisão torna-se intangível para o seu autor» Também a propósito deste princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz, escreveu José Alberto dos Reis 4 que se mantém totalmente actualizado5: “(…) o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela, um todo incindível. Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.” E acrescenta aquele Mestre, na sua clarividência, que este princípio da extinção do poder jurisdicional do juiz, após proferida uma decisão, justifica-se por duas razões: uma de ordem doutrinal e outra de ordem prática: “Razão doutrinal: o juiz quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se. A razão pragmática consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.”6 Por outro lado, como refere igualmente o acórdão recorrido, o esgotamento do poder jurisdicional do juiz não se confunde com o caso julgado formal, regulado no art.º 620.º. Ou seja, independentemente do trânsito em julgado da decisão que envolva pronúncia sobre determinada questão jurídica esta torna-se irreversível, por parte do Tribunal que a proferiu, em virtude do esgotamento do poder jurisdicional desse tribunal , no sentido de que só poderá ser alterada por via de recurso, e nunca através de decisão de sentido contrário, pelo mesmo tribunal. E este é um princípio de grande relevância no nosso ordenamento jurídico, como acentua o Tribunal Constitucional: “na arquitectura básica do due process of law, este princípio de extinção do poder jurisdicional não ocupa um lugar qualquer. Se a lei do processo o não consagrasse, e se se permitisse portanto que o juiz da causa pudesse, sem limites e de motu proprio, rever as decisões ou os fundamentos das sentenças que ele próprio proferisse, não se garantiria por certo a existência de um processo justo. Um poder jurisdicional que se mantivesse para além da emissão da sentença comprometeria o próprio direito a uma solução jurídica dos conflitos.”7 Assim sendo, coloca-se a questão de saber qual o vício de que padece a segunda decisão proferida após esgotamento do poder jurisdicional do juiz, corrigindo ou modificando a primeira decisão. Não é unânime o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre esta questão. Lebre de Freitas8 defende que estamos perante uma nulidade processual. Castro Mendes entende que se trata de um caso de ineficácia jurídica da sentença9, por aplicação do art.º 675.º n.º2, actual art.º 625º, nº 2. Discorda, assim, de Paulo Cunha para quem a figura da inexistência jurídica se adequava à sentença proferida por quem não tem poder jurisdicional para o fazer e ao caso em que, depois de lavrada a sentença, o juiz lavrar segunda sentença10. Acompanhamos o acórdão recorrido, no sentido de entender mais adequado classificar a situação como um caso de ineficácia processual11 . Porém, quer a ineficácia processual, quer a inexistência jurídica traduzem-se na insusceptibilidade de produzir efeitos jurídicos, enquanto a nulidade, de acordo com o respectivo regime, pode vir a produzir alguns efeitos, pelo menos enquanto não for declarada. Por outro lado, as nulidades podem vir a considerar-se sanadas e o acto nulo persistir, por isso, na ordem jurídica. Por essa razão, entendemos que tanto a inexistência jurídica como a ineficácia processual são as figuras que em contraposição à nulidade, melhor garantem os valores da segurança jurídica e melhor previnem a arbitrariedade das decisões judiciais. Tal como bem observa a Relação “fulcral é que o despacho proferido depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal, contrariando o anteriormente decidido, não subsista.” E, assim, em conformidade com este raciocínio, a decisão proferida após esgotado o poder jurisdicional do juiz, relativamente à matéria em causa, não pode subsistir, podendo e devendo o Tribunal de recurso reverter a primeira decisão contrariada pela segunda. No caso concreto, em que o Tribunal de 1.ª instância tinha dado como confessados todos os factos articulados pela Autora e, posteriormente, na sentença, dando o dito por não dito, veio a considerar alguns factos como “não provados”, necessariamente tal decisão teria de ser revertida, tal como a Relação decidiu e bem, voltando a colocar tais factos no elenco dos factos provados, por confissão. Não merece, pois, qualquer censura o acórdão da Relação quanto a esta matéria. Improcedendo, ao invés, as conclusões de recurso a este propósito. 2-Fixada, assim, a matéria de facto, pelo Tribunal da Relação, como legalmente se impunha e procedendo a uma leitura atenta dessa mesma factualidade, saltam à vista algumas incongruências e obscuridades nessa mesma matéria de facto12. Por isso, previamente a entrarmos na análise da alegada nulidade dos contratos não podemos escamotear esta realidade. Vejamos: No ponto 11.º da matéria de facto diz-se que o Réu ficou obrigado a pagar mensalmente à Autora a quantia de €1.070,08, “ao abrigo do acordo referido em 2”, ou seja, no contrato celebrado em 12/10/2019, com o n.º ....95. Mas tal contradiz o que o próprio ponto 2.º da matéria de facto refere. Ali se diz que a contrapartida acordada é de €1.034,41. Por outro lado, dá-se como provado no ponto 12.º dos factos provados que a Autora e o Réu estabeleceram que o acordo referido em 2 dos factos provados se renovaria automática e sucessivamente por novos períodos de um mês. Contudo, se assim foi, não se compreende a necessidade da assinatura dos novos contratos referidos nos pontos 5.º e 7.º e a emissão sucessiva dos contratos identificados no ponto 9.º dos factos provados. Estas incongruências, mesmo contradições, evidenciadas na matéria de facto poderiam ser fundamento para anular a decisão da 1.ª instância, nos termos do disposto no art.º 662.º n.º 2 alínea c), na parte em que “repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”. Nestas circunstâncias, não o tendo feito a Relação, poderia agora o Supremo revogar o acórdão recorrido e substituindo-o por decisão a anular a sentença proferida na 1.ª instância, a fim de nesta, serem ultrapassadas as contradições na matéria de facto. Contudo, não poderá ser esse o caminho a seguir, pela razão que a seguir se explicita: O disposto no art.º 662.º n.º 2 pressupõe que a deficiência, obscuridade ou contradição da matéria de facto resulta do labor do juiz ao apreciar a prova que, assim, poderá corrigir ou explicar essas deficiências, obscuridades ou contradições. Não é o que sucede no caso que nos ocupa. Como resulta dos autos, as obscuridades e contradições não resultam da elaboração da factualidade assente, na sequência do labor do juiz na apreciação da prova produzida; antes resultam daquilo que foi alegado pela Autora na petição inicial e que foi, assim mesmo, transposto para a factualidade assente, por força do disposto no art.º 567.º n.º 1. Isto quer dizer que seria absolutamente inútil revogar o acórdão e anular a sentença da 1.ª instância, com este fundamento, pois, como é evidente, o tribunal de 1.ª instância não poderia alterar os factos que já tinham sido julgados confessados, como ficou supra exposto no ponto 1. Este Supremo Tribunal de Justiça, obviamente, também não poderá alterar a factualidade que consta como assente, como resulta do disposto no art.º 674.º do CPC. “Como princípio regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista. O STJ limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido, o regime jurídico adequado. São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. Em suma, o STJ só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova. Nestas circunstâncias, não podendo a matéria de facto ser alterada nem pelas instâncias nem por este Supremo Tribunal de Justiça, não resta a este Tribunal outra hipótese senão aplicar aos factos, definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido, o regime jurídico adequado, conforme estipula o art.º 682.º n.º 1 e 2, não obstante as indicadas obscuridades e mesmo contradições que terão de ser ultrapassadas através da interpretação da mesma factualidade ou, não sendo possível, e dado que essas obscuridades e contradições resultam da própria alegação da Autora, em última análise, e face ao que dispõe o art.º 342.º n.º1 do Código Civil, tal só poderá reverter em desfavor da pretensão da Autora. Com efeito, confessados os factos, a causa é julgada “conforme for de direito” (nº 2, in fine, do art.º 567º do CPC) e esse julgamento pode conduzir ou não à procedência da acção, já que há confissão dos factos, mas não do direito, estando-se perante o chamado efeito cominatório semi-pleno associado à revelia operante14 . Conforme exarado no acórdão deste STJ de 26-11-201515: «2. O efeito cominatório semi-pleno, decorrente da situação de revelia operante da R./demandada, apenas determina que se devam ter por confessados os factos efectivamente alegados pelo demandante – cabendo ao juiz sindicar da suficiência e concludência jurídica da factualidade assente por confissão ficta, em termos do preenchimento ou não da fattispecie subjacente ao pedido deduzido.» Vejamos, então, a factualidade a destacar: A relação contratual entre as partes iniciou-se com a celebração do «contrato de aluguer diário», referido no ponto 2 da matéria provada. Assinado em 12/10/2019, com o número ....95, mediante o qual a Autora cedeu ao Réu o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 30008, com a matrícula ..-TE-.., pelo período de um mês. E efectivamente, ao abrigo deste contrato, a Autora disponibilizou o mencionado veículo ao Réu, para que o utilizasse e o Réu pagou à Autora a quantia acordada de €1.034,41, relativa ao período de 12-10-2019 a 11-11-2019 (vide pontos 3.º e 4.º da matéria provada). Porém, não se esclarece, porque a Autora também nunca o alegou, se o Réu entregou ou não o veículo na data acordada. O que diz é que “ficou estabelecido que o contrato se renovaria automaticamente, no silêncio das partes, por novos períodos de igual duração ao primeiro contrato, isto é, um mês”, facto que foi dado como provado, por confissão. Porém, o facto de ter sido acordada essa renovação automática do contrato não impede de questionar a validade desse acordo que não foi reduzido a escrito, já que do contrato n.º ....95 não resulta qualquer cláusula de renovação automática do contrato. Na verdade, o contrato em apreço está sujeito à regulação prevista no D.L. n.º 181/2012, de 6 de agosto, que no seu art.º 9.º n.º 1 estabelece: “o contrato de aluguer de veículos de passageiros sem condutor é reduzido a escrito e assinado pelas partes contratantes, (…)”. E o n.º 6 do mesmo preceito legal preceitua: “Em caso de alteração das condições inicialmente acordadas, nomeadamente pela contratação de serviços adicionais, a mesma deve constar de documento autónomo, assinado pelo locatário.” A lei exige, assim, forma escrita quer para o contrato, quer para as alterações que eventualmente venham a ser acordadas, das condições iniciais. Ora, quando assim é, estipula o art.º 220.º do Código Civil que “a declaração negocial que careça de forma legalmente prevista é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei”. No caso, essa outra sanção não existe, pelo que forçoso é concluir pela nulidade do acordo verbal sobre a renovação automática e sucessiva do contrato, mencionado no ponto 12.º dos factos provados. Outra questão é a de saber qual a consequência jurídica da nulidade desse acordo verbal. Contudo, prossigamos na análise dos factos: Apesar desse acordo verbal sobre a renovação automática do contrato celebrado em 12-10-2019, foi celebrado novo contrato no dia 09-05-2020, pelo período de um mês, conforme ponto 5.º da matéria provada. E, conforme ponto 6.º, “ao abrigo desse acordo a Autora disponibilizou o veículo ao Réu, ficando este obrigado a entregá-lo no dia 08/06/2020”. Que sucedeu entre 11 de novembro de 2019, data em que contratualmente deveria ter sido restituído o veículo locado, à Autora, e a data de 08 de junho de 2020, data em que o Réu deveria restituir o veículo, por força do contrato celebrado em 09 de maio de 2020? Na verdade, ter sido acordada a renovação automática do contrato (independentemente da validade desse acordo) não é suficiente para se concluir que efectivamente o veículo esteve na posse do Réu. Aparentemente tal acordo não foi executado, pois se assim fosse, não haveria necessidade de celebrar novo contrato em 09 de maio de 2020. A Autora nada alega sobre tal matéria. A Autora centra-se apenas na emissão das facturas que diz “estarem vencidas e em dívida”, mas não alega factos dos quais se possa concluir que o Réu, efectivamente, deve os montantes correspondentes. Para que surja na esfera jurídica de alguém uma obrigação de pagamento, não basta comprovar-se a emissão de uma factura, importa comprovar o facto jurídico que fundamenta essa obrigação. Prossigamos na análise da factualidade provada: Não alega a Autora e, por isso, também não consta da factualidade assente, se o Réu cumpriu ou não a obrigação de entrega do veículo em 8 de junho de 2020. Presumivelmente tal terá ocorrido; caso contrário não teria sido celebrado novo contrato em 27 de julho de 2022, pelo período de um mês, com obrigação de devolução do veículo em 27 de agosto de 2022. Contudo, a Autora nada alega sobre um facto essencial para a procedência da sua pretensão: o incumprimento da obrigação de devolução do veículo e o período em que efectivamente, sem pagamento, o Réu esteve na posse do veículo. Ao invés, a Autora limitou-se a alegar, de forma conclusiva, diga-se, que “até à presente data encontram-se vencidas e em dívida as seguintes faturas. Todas emitidas e comunicadas ao Réu (…)”. Tendo sido considerado confessado, e bem, apenas o facto que consta do ponto 9.º da matéria provada: “A Autora emitiu as seguintes facturas ao Réu, que a recepcionava: (…)”. Ora, como já ficou referido, emitir facturas não é suficiente para fundamentar uma obrigação do destinatário da factura. Tanto mais quanto é certo que a própria Autora alegou e por isso está dado como provado, por confissão que “com reporte ao mesmo cliente (o Réu), aquando da emissão de cada factura relativa ao referido acordo, é gerado um novo número de contrato.” Ou seja, afinal os números de contrato a que corresponde cada factura elencada no ponto 9.º dos factos provados, corresponde às minutas juntas aos autos e não assinadas pelo Réu, são uma criação meramente contabilística, “gerada” automaticamente pela “emissão de cada factura”. Ora, uma factura não pode gerar um contrato. Um contrato é que é a fonte da obrigação de pagamento que por sua vez fundamenta a emissão da factura, como suporte contabilístico dessa obrigação.16 No caso em apreço, nem sequer se pode falar de contratos nulos por falta de forma – no caso a assinatura de um dos contratantes – mas de inexistência de contrato. Com efeito, essencial para a existência de um contrato é um encontro de vontades entre as partes contratantes. Com efeito, a Doutrina moderna é unânime em considerar o contrato como um acordo de vontades.17 Ora, no caso em análise, está demonstrado que as minutas juntas aos autos mencionadas no ponto 9 .º dos factos provados, com excepção dos contratos números 016199 e 026856, não correspondem a um acordo de vontades entre as partes, mas foram simplesmente “gerados”, aquando da emissão das facturas. Esses contratos estão, pois, feridos de inexistência jurídica e não de nulidade. Um contrato nulo pressupõe, antes de mais que seja contrato, ou seja, pressupõe que tenha tido origem num acordo de vontades ou tenha havido a intervenção das duas ou mais partes contratantes.18 Claramente, tal não existiu no caso em análise. Procedem, pois, as conclusões do Réu, ora Recorrente, quanto a esta questão, ou seja, não existe obrigação de pagamento das facturas referentes a contratos feridos de inexistência jurídica, insusceptíveis de gerar quaisquer deveres contratuais. 3-Entendeu o Tribunal da Relação, apesar de ter reconhecido a nulidade quer dos contratos gerados “aquando da emissão de cada factura”, quer do acordo de renovação automática do contrato inicialmente celebrado, que “todavia resultaram apurados factos que apontam para a verificação "in casu" do instituto do abuso de direito, o qual muito embora não tenha sido expressamente invocado é igualmente de conhecimento oficioso(…). E mais se refere no acórdão recorrido que “ resultou apurado que o Recorrido desde 12.10.2019 tem o gozo do veículo automóvel veículo automóvel de matrícula ..-TE-.., que então lhe foi disponibilizado pela Recorrente , e desde Março de 2020 até Setembro de 2022 quando esta resolveu esse contrato recebeu as 30 facturas relativas à retribuição mensal acordada, sem efectuar qualquer oposição ou reparo às mesmas , e sem proceder ao pagamento de qualquer valor”. Ora, lida e relida a matéria de facto, não vislumbramos na factualidade dada como assente, como, de resto, já ficou mencionado, qual o período em que o Réu teve o gozo do veículo automóvel. E não está provado tal facto, dado que não foi alegado na petição inicial. Pois se tivesse sido alegado, haveria de ter-se como provado, por confissão, como os demais. O facto de, em 7 de setembro de 2022, a Autora ter enviado ao Réu, uma carta registada em que lhe comunica a intenção de resolver o contrato e solicita a entrega da viatura, no prazo de dois dias, não esclarece, nem muito menos prova, qual o período durante o qual o Réu teve o veículo em seu poder. E assim é porque o teor do documento mencionado no ponto 10.º dos factos provados ao invés de esclarecer, suscita algumas dúvidas. Vejamos: O assunto atribuído à missiva é o seguinte: “comunicação de resolução contratual – contrato de aluguer n.º ...18”. E no corpo da comunicação lê-se: “Em consequência do contrato de aluguer celebrado com V.Exas em 09/02/2020 e com o número ...18, o veículo com a matrícula ..-TE-.. (…) encontra-se na posse de V.Exa. Contudo, V.Exa não cumpriu com a obrigação de pagamento assumida no contrato celebrado, conferindo à nossa constituinte do direito de resolver, por esse motivo, o referido contrato, o que se declara e comunica expressamente pela presente missiva. Com efeito, aguardaremos o prazo de 2 dias para entrega da referida viatura nas instalações da nossa constituinte, bem como no mesmo prazo procedam ao pagamento de todas as quantias em dívida por V.Exa(…)”. Este documento diz-nos, pois, que a Autora envia, em 7 de setembro de 2022, uma carta registada para resolver um contrato, datado de 09 de fevereiro de 2020 e que teria estado, desde essa data, na posse do Réu. Ou seja, durante dois anos e meio, o veículo teria estado na posse do Réu sem que a Autora, alguma vez tivesse diligenciado pela sua devolução, o que é inverosímil, considerando o procedimento normal e expectável de uma sociedade comercial de aluguer de automóveis sem condutor, sobretudo tratando-se de “contrato de aluguer diário”. Mas não ficam por aqui as dúvidas suscitadas pelo documento em apreço. Cabe ainda sublinhar que, na perspectiva da Autora, tendo sido acordada a renovação do contrato n.º ....95 automática e sucessivamente, então, na hipótese de incumprimento da obrigação de pagamento e consequente declaração de resolução, deveria reportar-se ao contrato n.º ....95 e não ao contrato n.º ...18. Por ouro lado, se após 09-02-2020, foram “gerados” mais 28 contratos, com os números mencionados nas diversas alíneas do ponto 9.º dos factos provados, por que motivo apenas se comunica a resolução de um deles? Por outro lado, ainda, se a carta se refere apenas a um contrato de aluguer e relativamente a cada contrato, era apenas emitida uma factura, a que se refere a carta, ao pedir o “pagamento de todas as quantias em dívida”? Quais quantias? Tendo em conta que a carta em análise é subscrita por um ilustre advogado em representação da Autora, é também incompreensível que não se concretize o montante cujo pagamento se pede. Todas estas obscuridades que este documento contém adensam a dúvida sobre a exactidão do segmento da missiva em que se refere que “em consequência do contrato de aluguer celebrado (…) em 09/02/2020 e com o número 15618, o veículo (…) encontra-se na posse de V. Exa.”, de molde a não permitir que só com este elemento se possa dar como assente que o veículo esteve na posse do Réu “desde Março de 2020 até Setembro de 2022”, como considerou a Relação. Ora, na falta deste facto fundamental – saber com exactidão o período em que o Réu teve na sua posse o veículo – não podemos concluir pelo abuso de direito. Constituiria abuso de direito permitir que o Réu beneficiasse da declaração da nulidade ou até da inexistência dos contratos a que se aludiu, posto que estivesse inequivocamente provado que o Réu tinha usufruído do gozo do veículo automóvel. Sucede que sobre esta questão nada foi sequer alegado, muito menos provado. Logo, sufragando as afirmações doutrinárias e jurisprudenciais constantes do acórdão recorrido referentes à figura jurídica do abuso de direito, cremos que a mesma não tem aplicação no caso concreto, pela razão acabada de expor. * Cabe ainda referir que também não tem qualquer suporte fáctico o segmento do acórdão recorrido, segundo o qual “desde Março de 2020 até Setembro de 2022 quando esta resolveu esse contrato recebeu as 30 facturas relativas à retribuição mensal acordada, sem efectuar qualquer oposição ou reparo às mesmas (…)”. Tal facto não resulta do elenco dos factos provados. Desconhecemos se foi ou não feito algum reparo ou oposição às facturas, pelo que não é lícito retirar qualquer consequência jurídica de um facto que não está provado. Assim sendo, conclui-se pela inexistência de suporte fáctico que nos permita qualificar a conduta do Réu como “abuso de direito”. 4-Aqui chegados, importa por fim focar-nos na questão de saber se a factualidade assente sustenta o pedido formulado pela Autora. Do supra exposto, resulta evidente que face à inexistência jurídica dos alegados contratos, não produzem os mesmos quaisquer efeitos, pelo que não são devidos os montantes constantes das facturas mencionadas no ponto 9.º dos factos, à excepção das referidas nas alíneas c) e dd) que se reportam aos contratos constantes dos pontos 5.º e 7.º, respectivamente, dos factos assentes. Com efeito, como referido supra, não obstante se ter acordado uma renovação automática do contrato, não ficou demonstrado que as partes tenham , na realidade procedido a essa renovação e independentemente de esse acordo ser nulo, por falta de forma, face ao disposto no art.º 9.º do D.L.181/2012 de 6 de Agosto. Da celebração dos contratos referidos nos pontos 5.º e 7.º da factualidade assente, depreende-se que não foi concretizada essa renovação automática. Ao invés, foram celebrados novos contratos. Porém, com datas distanciadas entre si, nada se tendo provado sobre o que terá ocorrido nesse espaço de tempo. Assim, da matéria de facto provada resulta que Autora e o Réu celebraram, entre si, não um, mas três contratos de aluguer de veículo (melhor identificados nos factos provados Error: Reference source not found a 8) mediante os quais a Autora cedeu ao Réu o veículo automóvel da marca Peugeot, modelo 3008, com a matrícula ..-TE-.., mediante uma contrapartida pecuniária mensal no montante de € 1.034,41 (quanto ao contrato com o n.º ...95); de €1.070,08 (quanto ao contrato n.º....99) e de €1.070,10 (quanto ao contrato n.º....56 ). Do contrato de aluguer resultam diversas obrigações para o locatário, de que constitui exemplo a obrigação de pagar o aluguer (cf. artigo 1038.º, alínea a), do Código Civil), sendo, em contrapartida, obrigações do locador entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a coisa se destina (cf. artigo 1031.º do Código Civil). Findo o prazo do contrato de aluguer, o contrato cessa definitivamente19. Na verdade, atendendo à factualidade assente, considerando o prazo estabelecido nos contratos de aluguer, de um mês, findo este, verificou-se a sua caducidade pelo decurso do respectivo tempo de vigência. Consta do ponto 4.º dos factos provados que o Réu pagou à Autora o montante de €1.034,41, devido ao abrigo do contrato com o n.º ....95, relativamente ao período 12/10/2019 a 11/11/2019. O Réu não provou ter pago o valor acordado relativamente aos contratos de aluguer n.º....99 e ...56, sendo que o ónus da prova lhe incumbia nos termos do disposto no art.º 342.º n.º 2 do Código Civil, pelo que é devida à Autora a quantia global de €2.140,18, tal como foi decidido na 1.ª instância. Por sua, vez, quanto ao mais e como resulta de tudo o que ficou exposto, não pode o Réu ser condenado no pagamento das quantias peticionadas porque tal obrigação depende da prova de factos cujo ónus da prova incumbia à Autora, nos termos do disposto no art.º 342.º n.º1 do Código Civil, prova que não foi feita. Tais factos eram, recorde-se, fundamentalmente, o tempo em que o Réu teve o veículo na sua posse .Ora, “o ónus da prova traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências (…) se os autos não contiverem prova bastante (…)”20. Assim, terá de improceder o demais peticionado pela Autora, face à ausência de factos suficientes para suportar a sua pretensão, de acordo com a supra referida regra do ónus da prova. IV-DECISÃO Face ao exposto, acordamos neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, revogando o acórdão da Relação e repristinando a decisão da 1.ª instância. Custas pela Recorrida/Autora. Lisboa, 3 de outubro de 2024 Maria de Deus Correia (relatora) José Ferreira Lopes Nuno Ataíde das Neves ______
1. Serão do Código de Processo Civil todos os artigos que doravante vierem a ser mencionados sem indicação de origem. 2. Manual dos Recursos em Processo Civil. 9.ª edição. Almedina, 2009, p.47. 4. Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1984, p.126. 5. Dado que o artigo 666.º do anterior Código corresponde ao actual 613.º. 7. Acórdão do Tribunal Constitucional de 09-11-2010 (Maria Lúcia Amaral), disponível em www.dgsi.pt 8. A Acção Declarativa Comum, à luz do CPC de 2013, 3ª Ed., nota (38) pág. 329/330. 9. Direito Processual Civil, III, Ed. AAFDL, 1980, p.299. 10. Paulo Cunha, Da Marcha do Processo: Processo Comum De Declaração, Tomo II, 2ª edição, pg. 360. 11. Embora no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-05-2010, Processo 4670/2000.S1, disponível em www.dgsi.pt, se ter optado pela “inexistência jurídica”, por contraposição à nulidade. 12. Talvez por isso, confrontada com essas contradições, o Tribunal de primeira instância, na tentativa de as ultrapassar, deu como “não provados” os factos já dados por confessados. 13. Acórdão do STJ de 07-02-2017, Processo 3071/13.6TJVNF.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt 14. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, p. 630. 15. Proc. 7256/10.9TBCSC.L1.S4, disponível em www.dgsi.pt. 16. O que o Réu, ora recorrente, acentua e bem nas suas alegações. 17. Vide, por todos, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição reelaborada, Almedina, p.219-221. 18. É certo que a vontade de uma das partes pode estar viciada, pelas razões e nos termos previstos na subsecção V (artigos 240.º a 257.º) do Código Civil, sob a epígrafe “falta e vícios da vontade”,o que gera a nulidade ou anulabilidade do contrato, sanções que pressupõem a intervenção das partes contratantes na celebração do mesmo. 19. Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, Ana Prata (Coord.), Volume I 2ª Edição Revista e Atualizada, pág. 1319. 20. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada,1979,p.197. |