Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5008/21.0T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: MANDATO FORENSE
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
INDEMNIZAÇÃO
PERDA DE CHANCE
ATO PROCESSUAL
CONTESTAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ADVOGADO
SUCUMBÊNCIA
SEGURADORA
SEGURO DE RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário : (artigo 663º nº 7, ex vi, 679º do CPC)

I. A perda de chance (a perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo) poder-se-á qualificar como um dano suscetível de ser indemnizado, seja como dano autónomo e emergente, distinto do dano final, seja como uma antecipação do dano final, com a veste de lucro cessante;

II. O sucesso suficiente da chance ressarcível no âmbito de uma ação comprometida terá, no mínimo, de ser considerado como superior ao seu insucesso provável, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência;

III.Estando em causa estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil atinentes ao dano e nexo causal, cabe ao lesado, nos termos do n.º 1 do art. 342.º do CC, o ónus da prova daqueles factos constitutivos do direito indemnizatório, por si invocado, demonstrando a facticidade que permitirá concluir por uma probabilidade (hipotética) de sucesso da ação comprometida superior à sua probabilidade de insucesso, apta a firmar um juízo positivo acerca da seriedade e consistência da chance perdida.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra 1. BB, 2. CC, 3. MAPFRE SEGUROS GERAIS, S.A., e 4. XL INSURANCE COMPANY SE, SUCURSAL EN ESPAÑA, pedindo a condenação dos Réus a pagar:

O montante de € 32.057,89 acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento - quantia que veio a ser reduzida, por requerimento datado de 25-10-2022, correspondentes ao valor da condenação definitiva proferida no processo 4280/17.4T8MTS, € 26.019,12 acrescida de juros de mora; e de € 2.162,78 a título de despesas e honorários da agente de execução e à soma das taxas de justiça pagas, no valor de € 1.938,00.1

b) a quantia decorrente das despesas e honorários de advogado suportadas pela Autora, a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto no art. 609.º/2 do C.P.C.;

c) a quantia decorrente de despesas com taxas de justiça e custas de parte, suportadas pela Autora, a liquidar posteriormente, ao abrigo do disposto no artigo 609º, nº 2 do C.P.C.;

d) a quantia de € 60.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

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Foi proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência:

- Condenou os RR. BB e “XL Insurance Company SE, Sucursal en Espanã” a pagar à A. AA a quantia global de € 21.590,95 (€ 14.090,95+7.500,00) como indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais por aquela sofridos em função da situação descrita nos autos;

- Determinou que as referidas quantias fossem acrescidas de juros de mora à taxa anual de 4% incidentes:

1) Sobre a quantia de € 14.090,95, fixada a título de indemnização por danos patrimoniais, desde a data de citação (15-04-2021) e até integral pagamento;

2) Sobre a importância de € 7.500,00, atribuída a título de indemnização dos danos não patrimoniais, contados desde a data da prolação desta sentença, até efetivo e integral pagamento;

- Absolveu os ditos Réus do demais peticionado.

- Absolveu os RR. CC e “Mapfre Seguros Gerais, S.A.” da totalidade do pedido contra eles formulado no âmbito dos presentes autos pela Autora.

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Inconformados com a sentença, a Autora e os Réus BB e XL Insurance Company SE, Sucursal en España interpuseram recursos de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 12-05-2025, decidiu:

- julgar totalmente improcedente o recurso interposto por AA;

- julgar parcialmente procedentes os recursos de apelação interpostos por BB e pela XL Insurance Company SE, Sucursal en España e, em consequência da procedência do recurso de BB, revogar a condenação destes recorrentes ao pagamento da quantia de 14.090,95€ a título de dano de perda de chance, acrescida de juros de mora, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida proferida em 26 de março de 2024, nos segmentos impugnados.

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Novamente irresignada, vem a Autora interpor recurso de revista, no qual peticiona a revogação do acórdão recorrido, na parte relativa ao valor da indemnização por danos patrimoniais relacionados com o dano da perda de chance, bem como com as quantias a título de taxa de justiça e despesas e honorários com mandatário judicial, valor já liquidado de- € 1.938,00 (taxas de justiça) + € 28.181,89 e em parte a liquidar posteriormente).

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A ré XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España apresentou contra-alegações, nas quais suscitou a questão da inadmissibilidade do recurso de revista interposto pela Autora e, a título subsidiário, pugnou pela sua improcedência.

Também a título subsidiário, para o caso de procedência do recurso interposto pela Autora, a seguradora ré XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España deduziu pedido de ampliação do âmbito do recurso, nos termos do n.º 1 do art. 636.º do CPC.

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QUESTÃO PRÉVIA: ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

A ré seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España, vem suscitar, a título prévio, a questão da inadmissibilidade do recurso de revista interposto pela Autora com base em duas ordens de razão: i) o valor da sucumbência ser inferior a metade da alçada do Tribunal da Relação; ii) ter-se formado dupla conforme relativamente ao segmento decisório impugnado relativo ao montante peticionado a título de taxas de justiça e honorários do advogado, uma vez que a decisão da Primeira Instância foi confirmada pela Relação, sem qualquer voto vencido e sem alteração significativa da matéria de facto ou dos fundamentos.

Apreciemos.

A Autora deduz, nos presentes autos, pedidos de condenação dos Réus no pagamento de indemnizações por danos, patrimoniais e não patrimoniais, com fundamento no cumprimento defeituoso do contrato de mandato judicial celebrado com o 1.º Réu e 2.ª ré, advogados de profissão, adveniente da omissão de apresentação tempestiva de contestação no âmbito do processo n.º 4280/17.4T8MTS, que correu termos no Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz 2, e no qual a mesma foi demandada por DD.

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As instâncias convergiram quanto ao juízo de improcedência do pedido de condenação dos Réus no pagamento dos danos patrimoniais no valor de 1.938.00€ consistentes no pagamento das taxas de justiça , encargos, liquidadas e a liquidar, no âmbito de providência cautelar de arresto, do processo executivo e da ação de impugnação pauliana instaurados contra a ora Autora na sequência da parcial procedência da ação laboral declarativa, assim como de despesas destinadas a obter assessoria jurídica no âmbito da representação nos diversos processos judiciais referidos.

O recurso de revista interposto pela Autora não foi admitido pelo Exmo. Juiz Desembargador relator, por despacho de 12-09-2025, precisamente neste segmento, com fundamento na verificação de dupla conforme na parte respeitante ao montante de 1.938.00€.

Desta decisão de rejeição da revista não foi apresentada reclamação, nos termos do art. 643.º/1 do CPC - o que significa que a mesma se consolidou na ordem jurídica.

Com efeito, como fez notar o acórdão do STJ de 13-03-2018 -Proc. 430/12.5TCFUN.L1.S3 ,2 “(…) não vincula o tribunal superior, neste caso, este Supremo Tribunal de Justiça, a admissão da revista pela Relação, que a pode não receber, nos termos do preceituado pelos artigos 652.º, n.º 1, b), 655.º e 679.º, todos do CPC, sendo certo, ao contrário, que já não pode censurar uma decisão singular do relator da Relação que a não admita, e, relativamente à qual a parte se haja conformado, não deduzindo, oportunamente, a reclamação, a que se reporta o artigo 643.º, do CPC.”

A circunstância de a recorrente Autora, devidamente notificada, não ter reagido contra o despacho da Relação de não admissão do seu recurso de revista neste particular teve, pois, como consequência o trânsito em julgado de tal decisão e, consequentemente, da parte do acórdão recorrido visado por tal impugnação rejeitada, à qual não foi deduzida oportuna reclamação.

É, pois, inadmissível, neste segmento, o recurso de revista interposto pela Autora o que obsta ao seu conhecimento.

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Resta averiguar da admissibilidade do recurso da Autora dirigido à decisão proferida pelo acórdão recorrido incidente sobre o pedido de indemnização pelos danos patrimoniais advenientes do dano da perda de chance processual, que a recorrente invoca ter sofrido no âmbito de ação declarativa laboral, na qual ocupou a posição de ré.

Nesta parte, a Relação (julgando procedente a apelação interposta pelo Réu) revogou a sentença, no segmento em que a mesma, julgando parcialmente procedente o pedido, atribuiu à Autora a quantia de €14.090,95 e bem assim confirmou a sentença no restante julgando improcedente a apelação da Autora.

Vejamos.

Como é consabido, a recorribilidade de uma decisão depende da verificação cumulativa dos requisitos do valor da causa e da sucumbência mínima.

Estipula o número 1, do artigo 629.º, do Código de Processo Civil que: “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.”

Uma vez que o valor da sucumbência mínima é aferido em relação à parte dispositiva do acórdão que integra segmentos decisórios autónomos e distintos de apreciação recursiva que foram objeto de impugnação (art. 635.º/2/4, do CPC) – irrelevando, por isso, a sucumbência ocorrida nos restantes segmentos decisórios não impugnados (e, por isso, transitados) ou abrangidos pela dupla conforme (cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 12/01/2021 e de 22-06-2021 ) -, importa determinar o valor de sucumbência mínima tendo por referência o segmento decisório em análise.

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Na situação em análise, o conhecimento do objeto do recurso de apelação estendeu-se à totalidade do pedido atenta a apelação da Autora da decisão de Primeira Instância quanto à parte do pedido que não lhe foi reconhecido e a apelação do Réu da parte da sentença que reconheceu o direito à Autora de ser ressarcida pelo montante de 14.090,95€.

A parte decisória do Acórdão abrangeu assim a totalidade do pedido quanto aos danos patrimoniais no valor de 28 181,89€ em que a mesma decaiu.

A alçada da Relação está fixada em 30.000,00€, nº 1 do artigo 44º, da Lei 62/2013 de 26.08.

Encontrando-se reunidos os demais pressupostos gerais de recorribilidade (629.º/1, 631.º/1, 671.º/1 e 674.º/1/a) do CPC), e tendo-se apurado um decaimento, por referência ao segmento decisório autónomo impugnado, superior ao valor da sucumbência mínima prevista no artigo 629.º/1 do CPC, a Revista é admissível nesta parte, ficando o objeto da impugnação circunscrito à apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil por dano da perda de chance processual.

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A INADMISSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO DA REVISTA.

A Ré seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España Requereu a ampliação do objeto do recurso tendo formulado as seguintes conclusões em síntese:

Nos termos da nos termos da alínea a) do artigo 3.º das Condições Especiais das apólices ES00013615EO21A e ES00013960EO21A-4403, ficam expressamente excluídas da cobertura das apólices as Reclamações “(…) por qualquer facto ou circunstância já anteriormente conhecido(a) do segurado, à data de início do período de seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar, reclamação.”

Ora, não sendo aplicável à “exclusão”/delimitação de cobertura temporal prevista na alínea a) do artigo 3.º das Condições Particulares das apólices, o disposto no n.º 4 do artigo 101.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, bem como atendendo à inoponibilidade do incumprimento das obrigações assumidas pelas partes, ao terceiro, sempre será irrelevante (salvo o devido respeito por melhor e douto entendimento em contrário), para a sua aplicação, a natureza obrigatória (e/ou facultativa) dos contratos de seguro em apreço.

Deste modo, resultado provado nos autos que à data de início do período de seguro dos contratos celebrados com ora contestante (01.01.2018), o R. Advogado, já tinha conhecimento dos factos que, potencialmente, poderiam vir a gerar a sua responsabilização civil no âmbito do (presumível) patrocínio forense posto em crise nos autos pela aqui Autora.

Sendo certo que, ainda que assim não se entendesse relativamente à apólice base (o que não se admite, mas agora se equaciona por mero dever de patrocínio), sempre estará o sinistro em apreço nos autos inequivocamente excluído do âmbito de cobertura do seguro de reforço contratado pelo 1.º Réu junto da Recorrente XL em 01.01.2019 (cf. ponto 102 dos factos provados), por manifesta e evidente violação do disposto no artigo 24.º, n.ºs 1 e 2 do RJCS;

Devendo, nesse caso, ser a franquia contratual de € 5000,00 prevista na apólice de seguro base ES00013615EO21A celebrada com a Ordem dos Advogados, considerada devida e suportada pelo 1.º Réu/Recorrido, na qualidade de parte nos presentes autos, com evidente celeridade e economia processual.

Apreciando.

Não oferece duvida que a ampliação da revista admitida pelo artigo 636º do CPC é a solução legal que a lei prevê “para situações em que a sucumbência é circunscrita aos fundamentos da ação ou da defesa proporcionando à parte vencedora suscitar perante o tribunal ad quem a reapreciação d questões cuja resposta tenha sido desfavorável” Abrantes Geraldes Recursos em Processo Civil 7ªed pp 146.

Sucede que a ora Recorrida, XL INSURANCE COMPANY, SE – Sucursal em Espanha na ação invocou a oponibilidade da cláusula de pré-conhecimento prevista no art. 3º al. a) das condições particulares da apólice tendo a sentença negado a sua pretensão.

Desta decisão a mesma Recorrida apelou para o Tribunal da Relação (conclusão 6 (vi)) tendo sido o recurso apresentado julgado improcedente no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.

Quanto a este segmento recursório ocorre dupla conforme impeditiva da ampliação da revista (artigo 671ºnº 3 do CPC) que não prescinde dos requisitos gerais de admissibilidade de recurso.

Repare-se que como se refere no Acórdão deste STJ de 10-05-2012 -645/08.0TBALB.C1. S1 “(…) na verdade, o referido conceito de dupla conformidade tem de ser interpretado, não em termos empíricos de coincidência puramente numérica ou matemática dos valores pecuniários das condenações constantes das decisões já proferidas pelas instâncias, mas com apelo a um elemento normativo, funcionalmente adequado à atual fisionomia dos recursos e do acesso ao STJ

Efetivamente, “quando a parte conclusiva da decisão é integrada por diversos segmentos decisórios, a admissibilidade do recurso de revista deve fazer-se mediante o confronto de cada um deles, pelo que a mera divergência num segmento decisório não pode despoletar a revista normal relativamente a toda a decisão (face à existência de dupla conforme), devendo antes circunscrever-se ao segmento revelador de uma dissensão entre a 1.ª instância e a Relação ou uma declaração de discordância de um dos três juízes do coletivo. VI - Não havendo quanto a um determinado segmento decisório qualquer voto de vencido e sendo a fundamentação essencialmente idêntica, fica eliminada, nessa parte, a admissibilidade do recurso de revista normal. Acórdão do STJ de 11-02-2016 - 255/10.2TBFAL.E1.S1.

Por tais razões não sendo a ampliação da revista admissível, não se conhece da mesma.

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A Recorrente no recurso apresentado (segmento, ora, admitido) formula as seguintes conclusões em síntese:

O presente recurso de revista é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou improcedente a apelação da Autora, ora Recorrente, e julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos Réus BB e “XL Insurance Company SE, Sucursal en España”, tendo revogado a sentença da 1ª Instância na parte em que tinha condenado estes Réus a pagar à Autora a quantia de € 14.090,95, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, desde a data de citação (15-04-2021) e até integral pagamento.

Na parte relativa à questão colocada pelos Réus, que o Tribunal da Relação do Porto identificou como sendo “a questão de não comprovação da consistência e seriedade da perda de chance de que a autora se queixa e de que pretende ser ressarcida”, decidiu pela total improcedência da pretensão indemnizatória deduzida nestes autos e fundada em perda de chance (4.1. do Acórdão recorrido).

i)QUANTO AO DANO DA PERDA DE CHANCE

4. O Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento ao não reconhecer a existência de um dano indemnizável autónomo decorrente da perda de chance, em violação do disposto nos artigos 562.º, 564.º e 798.º do Código Civil.

5. (…) presumindo-se culposa a violação dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito, tendo a Autora/Recorrente direito a ser indemnizada (…) pelos danos sofridos, incluindo o dano da perda de chance, que constitui, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, um dano autónomo e indemnizável quando esteja demonstrada a probabilidade séria e real de obtenção de um benefício ou de evitar um prejuízo — cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., págs. 576-577.

6. Ficou demonstrada a violação dos deveres do mandatário, por não ter apresentado a contestação tempestivamente, (i) por ter omitido à Autora esse facto, (ii) por não ter junto aos autos os documentos que lhe foram entregues pela Cliente para a sua defesa, e, ainda, (iii)por ter instruído os recursos e reclamações das decisões atinentes ao justo impedimento invocado com pedidos de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça sem o conhecimento e sem autorização da Autora, a fim de não pagar a taxa de justiça devida por esses impulsos processuais.

7. O Réu EE tinha o ónus de demonstrar que à decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho proposta contra a então sua cliente – aqui Autora/Recorrente –fora absolutamente indiferente o facto de não ter apresentado contestação e a realidade é que o Réu nem sequer alegou esse facto e, portanto, também não o demonstrou.

8. Nos casos de “perdas de chance processuais”, o dano não estará no resultado final desfavorável do processo (no não ganhar ou no perder o processo), mas na própria perda da possibilidade/oportunidade de obter um resultado favorável (de ganhar ou de não perder o processo), decorrente do evento lesivo do mandatário e, por conseguinte, o que está sob indemnização é um dano autónomo e emergente da perda de oportunidade de sucesso e não o dano final do resultado desfavorável do processo, sendo este o entendimento da doutrina e jurisprudência maioritárias, como resulta, entre tantos outros, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.02.2013 (Proc. 488/09.09.4TBESP.P1.S1 – Relator Hélder Roque) disponível em www.dgsi.pt.

9. Foi feita prova nestes autos de (…) a apresentação da contestação poderia, pelo menos, ter minorado a chance de ter tido um resultado tão danoso como o que ocorreu, tendo ficado demonstrado que o sucesso da chance da Autora era superior ao seu insucesso, sendo a chance perdida consistente e séria.

10. (…) o Tribunal da Relação entendeu, (…), que não se demonstrou a consistência e seriedade da chance processual perdida em consequência da conduta do réu EE e que a autora indicou, em termos genéricos, as linhas da sua defesa no processo nº 4280/17.4T8MTS que correu termos no Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz 2, que era, a título principal, a negação de qualquer relação laboral com a autora nessa ação e, a título subsidiário, a afirmação da existência de um contrato de trabalho doméstico que é um contrato de trabalho especial (aludindo a “défice de factualidade”, necessária à realização do “julgamento dentro do julgamento”).

11. Sucede que, ao contrário do que foi referido no acórdão recorrido, foram discutidos na audiência de julgamento os factos caracterizadores da relação de prestação de serviços entre a autora da ação do Tribunal do Trabalho e a autora nesta ação, ou seja, “os factos concretos tendentes a descaracterizar a relação laboral afirmada pela contraparte” e foi produzida prova documental e testemunhal sobre essa factualidade, tendo a discussão na audiência de julgamento incidido sobre a matéria da contestação elaborada pelo 1º Réu para ser apresentada no Tribunal do Trabalho,

12. Prova esta foi feita ao abrigo do tema da prova 4, indicado no despacho proferido em 7 de Outubro de 2022: ““Chance” de vencimento (elevada probabilidade de procedência da ação, se não fosse a referida inexecução dos Réus, indo os factos fundamento da mesma resultar provados)”.

13. O Acórdão recorrido omite que a Autora, ao invocar a fundamentação constante da contestação que tinha sido elaborada pelo mandatário 1º Réu, juntou aos autos com a Petição Inicial desta ação, a Petição Inicial da ação intentada no Tribunal do Trabalho, acompanhada de documentos, como documento nº 2, e a contestação (apresentada extemporaneamente pelo mandatário, ora 1º Réu), como documento nº 10 (e novamente nos documentos seguintes relativos ao seu envio por fax e pelo Citius), tendo sido com base nesta contestação que foi feita a prova da factualidade aí alegada, designadamente, da celebração de um contrato de prestação de serviços: as testemunhas foram inquiridas e prestaram depoimento sobre essa matéria, alegada na contestação da ação do Tribunal do Trabalho e enunciada no artº 62º da Petição Inicial, o que levou o Tribunal da 1ª Instância a julgar a ação procedente e a fixar o dano de perda de chance em 50% do valor pago pela Autora em consequência da condenação na ação do Tribunal de Trabalho.

14. Precisamente por a discussão na audiência de julgamento ter incidido sobre a matéria da contestação elaborada pelo 1º Réu, é que o Tribunal da 1ª Instância admitiu a junção aos autos – no decurso da audiência de julgamento - do email enviado pela Autora da ação do Tribunal do Trabalho no qual esta se propõe trabalhar como prestadora de serviços.

15. A matéria dada como provada pelo Tribunal de 1ª Instância nos números 47, 48 e 49, conjugada com a demais factualidade assente, vg. a que consta dos números 91 a 98 e 105 e 106 (estando provado que o 1º Réu assumiu, na ocasião, a responsabilidade), é suficiente para o dano da perda de chance, que deu origem à condenação pelo Tribunal de 1ª Instância. Acresce que,

16. A Recorrente considera que, apesar de os documentos terem de ser oferecidos com os articulados, nos termos do artº 63º do Código de Processo do Trabalho, o 1º Réu podia ter juntado aos autos da ação do Tribunal de Trabalho os documentos que lhe foram entregues pela Autora para a sua defesa, ao abrigo do disposto no artº 423º, nºs 2 e 3 do C.P.C., que se aplica subsidiariamente ao processo do trabalho, até porque não se verifica, no caso de o réu ver a sua contestação desentranhada por ato (culposo) do mandatário, o pressuposto em que assenta (e para que foi pensada) a confissão ficta ou tácita: o de que o réu, ao não reagir contra os factos articulados pelo autor, é porque os aceita como exatos.

17. Tendo em conta toda a atuação do Réu, o entendimento (excessivamente formalista) do Acórdão recorrido acaba por beneficiar o infrator: o mandatário que, culposamente, incumpriu o mandato e prejudicou a parte.

18. Foi feita prova suficiente da descaracterização do contrato de trabalho, pois demonstrou-se que a dita DD foi contratada para prestar serviços a terceiro, e que não existia subordinação jurídica, nem ela obedecia a ordens ou instruções da Autora, nem usava instrumentos de trabalho da Autora, nem estava sujeita a poder de direção ou poder disciplinar, tendo querido ser admitida – como foi - como “independente”.

19. Ficou demonstrado que a probabilidade de sucesso da ação de foro laboral era superior a 50% (i) por o Réu, não ter apresentado a contestação dentro do prazo legal, (ii) não ter, também, juntado ao processo (imediatamente após o despacho que não admitiu a contestação) os documentos que a Autora lhe forneceu (cfr. factos provados nºs 48 e 49), entre os quais, os emails que demonstravam a proposta da DD (autora na ação do Tribunal do Trabalho) de celebrar um contrato de prestação de serviços nos mesmos termos do anterior contrato com a empresa para a qual ela prestava anteriormente serviços.

20. Sem esses meios de prova (já não admissíveis em sede de recurso), a Autora perdeu a oportunidade de demonstrar que o contrato celebrado com a DD era um contrato de prestação de serviços (sendo certo que, no âmbito deste contrato, a Autora não seria – como foi – condenada a pagar “créditos salariais”).

22. Considerando a argumentação para defesa da Ré aduzida na Contestação (junta aos autos com a P.I. como doc. nº 10), nomeadamente:

i) a contratação da DD como prestadora de serviços, na sequência da cessação do anterior contrato, também de prestação de serviços, celebrado com a sociedade “Care Kuidados - Serviços Domiciliários, Lda.”;

ii) preliminares e motivação da celebração do contrato entre a Autora e a Ré;

iii) os termos acordados entre as partes para a prestação de serviços (sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da Ré);

iv) a cessação do contrato de prestação se serviços em virtude do internamento da Mãe da Ré num lar;

v) a atuação da prestadora de serviços em abuso de direito;

vi) a invocação da litigância de má-fé;

vii) subsidiariamente, a caracterização do contrato celebrado entre Autora e Ré como contrato de serviço doméstico [facto provado nº 47]

e, bem assim, a argumentação do recurso interposto pela Autora e que foi parcialmente julgado procedente, designadamente

(i) a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto,

(ii) a indevida qualificação do contrato celebrado entre as partes como contrato de trabalho sujeito ao regime do Código do Trabalho,

(iii) a adequada qualificação do contrato celebrado como contrato de prestação de serviços

(iv) a não verificação de trabalho suplementar,

(v) a ausência do direito de crédito de formação profissional não proporcionada (atendendo à natureza do contrato), o resultado da ação proposta contra a Autora ser-lhe-ia, necessariamente, mais favorável, atendendo à forma como foi configurada a petição inicial dessa ação e ao elevado grau de probabilidade de sucesso de uma contestação com os referidos fundamentos.

(…)

24. Na perspetiva da Recorrente não se verifica o défice factual mencionado no Acórdão recorrido, e a Autora tinha elevado grau de probabilidade de obter total ganho de causa, caso tivesse tido oportunidade de contestar a ação judicial e fazer prova dos factos aí alegados, e daí que seja adequada a condenação dos Réus no pagamento do valor total da condenação e juros – reclamado e pago por ela na execução da sentença - de € 28.181,89 ou, quando assim não se entenda, pelo menos, 90% daquela quantia por ser essa, no mínimo, a probabilidade de ganho de causa, caso tivesse sido contestada a ação ou, caso assim não se entenda, quando muito em 50% como foi decidido pelo Tribunal de 1ª Instância, perante o qual foi feita a prova dos factos que permitiram fazer o julgamento dentro do julgamento.

Conclui pela revogação do acórdão recorrido na parte relativa ao valor da indemnização por danos patrimoniais, designadamente do dano da perda de chance.

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A Ré na resposta defendeu a improcedência do recurso.

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OBJETO DO RECURSO:

Em face das conclusões de recurso que delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, (cfr. arts. do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do CPC), a única questão a decidir é a de saber :

Saber se estão verificados o dano da perda de chance processual e o nexo de causalidade entre este e o facto ilícito consistente no não oferecimento tempestivo da contestação no âmbito da ação declarativa laboral.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

Dos factos considerados provados pelo Tribunal recorrido transcrevem-se aqueles que são pertinentes à decisão.

Factos provados.

1 A Autora é médica, com a especialidade de imunohemoterapia e foi demandada numa ação judicial intentada por DD, empregada da sua mãe, distribuída ao Juízo do Trabalho de Matosinhos – Juiz 2, sob o nº 4280/17.4T8MTS.

2 Para contestar essa ação mandatou o 1º Réu, Advogado, que usa o nome profissional de EE, inscrito na Ordem dos Advogados, titular da Cédula Profissional nº..., com escritório na Rua 1, no Porto, e a 2ª ré, Advogada Estagiária, que usa o nome profissional de FF, inscrita na Ordem dos Advogados, titular da Cédula Profissional nº ..., com escritório na Rua 2, no Porto.

3 Por ofício expedido no dia 20 de setembro de 2017, a Autora foi citada, por carta registada, para comparecer pessoalmente no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Trabalho de Matosinhos- Juiz 2, no dia 16 de outubro de 2017, pelas 14h45m, a fim de se proceder à audiência de partes no âmbito do processo nº 4289/17.4T0MTS.

4 A Autora contactou o 1º Réu para a representar neste processo em 09 de outubro de 2017 e reuniu com o mesmo no seu escritório, no dia 14 de outubro de 2017, no período da manhã.

5 O 1º Réu aceitou patrociná-la, tendo-lhe solicitado procuração forense a seu favor e da 2ª ré, Advogada Estagiária, cuja minuta redigiu e apresentou à Autora para assinatura, procuração essa que a Autora assinou e entregou nessa data ao mandatário.

6 Por requerimento apresentado em juízo no dia 16 de outubro de 2017, o 1º Réu juntou ao processo a procuração forense.

7 No dia 16 de outubro de 2017 teve lugar a audiência de partes, na qual a Autora se fez representar pelo 1º Réu e pela 2ª ré, como pode verificar-se da ata que se junta como doc. nº 9.

8 Não tendo sido possível a conciliação das partes, a Autora foi notificada, na pessoa dos seus mandatários, para contestar a ação no prazo de 10 dias, “sob pena de se considerarem confessados os factos alegados pela Autora”

9 E foi logo designado o dia 24 de janeiro de 2018, pelas 09h30, para a audiência de julgamento.

10 O prazo para apresentar a contestação terminava no dia 26 de outubro de 2017, podendo esse articulado ser apresentado num dos três dias úteis subsequentes, até 31 de outubro de 2017, ficando a sua validade dependente do pagamento de uma multa fixada nos termos do nº 5 do artigo 139º do Código de Processo Civil.

11 O 1º Réu elaborou a contestação que devia ser apresentada até à referida data, cujo conteúdo consta do documento nº 10 que se dá aqui por reproduzido.

12 No dia 31 de outubro de 2017, às 11h29m (pm), o 1º Réu enviou por telecópia para o Tribunal as 3 primeiras páginas da contestação (artigos 1º a 15º).

13 Nesse mesmo dia, às 11h39m (pm), o 1º Réu enviou, também por telecópia, para o Tribunal, 13 páginas da contestação (artigos 16º a 95º dessa peça processual).

14 No dia 1 de novembro de 2017, à 01h03m, o 1º Réu remeteu um email ao Tribunal de Matosinhos, pelo qual deu conta da ocorrência de um denominado “erro certificado” que impediu o envio da contestação, documentos e taxa de justiça pelo Citius.

15 Tendo alegado que procedera ao envio da contestação por fax pela impossibilidade de resolver o problema informático da plataforma Citius e que o aparelho de fax havia encravado, o que só permitiu o envio de 3 folhas e em nova tentativa ocorrera um erro na transmissão, invocando justo impedimento, “nos termos do artº 140º, nº1 do C.P.C.”.

16 Por email de 02.11.2017, o 1º Réu enviou à Autora a contestação, sem qualquer menção às vicissitudes da sua apresentação em juízo.

17 Em 06.11.2017 foi apresentada, via Citius, a contestação acompanhada do DUC relativa ao pagamento da primeira prestação da taxa de justiça, emitido no dia 31.10.2017, e do comprovativo do pagamento naquele dia, às 14h20m, bem como o DUC relativo a multa, emitido no dia 31.10.2017, e do documento do comprovativo do pagamento naquele dia às 14h25m.

18 No mesmo dia, o 1º Réu apresentou um requerimento para que fosse verificada a existência de justo impedimento e requereu diligências probatórias.

(…)

31 O Tribunal decidiu pela não verificação da situação de justo impedimento, por despacho proferido em 24.05.2018 (…)

32. Desse despacho interpôs o 1º Réu recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto em 25.06.2018.

33. Juntou às alegações de recurso um requerimento de proteção jurídica na modalidade de apoio judiciário para dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (para não proceder ao pagamento da taxa de justiça devida).

34 O qual foi por si preenchido e assinado, sem o conhecimento da Autora.

35. Esse recurso não foi admitido por o Tribunal ter decidido, (..) que o mesmo era extemporâneo (…).

36. Desse despacho que não admitiu o recurso, o 1º Réu ainda reclamou, contra o indeferimento, para o Tribunal da Relação do Porto, por requerimento apresentado nos autos em 07.11.2018.

40. Por decisão singular de 25.03.2019, o Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a reclamação, não admitindo o recurso de apelação por ter sido intempestivo.

41. Por requerimento apresentado no dia 11.04.2019, o 1º Réu arguiu a nulidade da decisão singular por omissão de pronúncia e “inconstitucionalidades”.

43 Por decisão do Relator de 27.06.2019 não se conheceu da nulidade arguida, em virtude da apresentação da reclamação de nulidade fora de prazo e do não pagamento da multa pelo 1º Réu.

44 Por despacho proferido no dia 09.09.2019 foi ordenado o desentranhamento da contestação apresentada pelo 1º Réu, na sequência do trânsito em julgado da decisão que julgou improcedente o justo impedimento invocado.

45 Este despacho foi notificado aos 1º e 2º Réus no dia 10.09.2019 e transitou em julgado no dia 23 de setembro de 2019 (artigo 80º, nº 2 do Código de Processo do Trabalho, na redação em vigor à data).

46 O 1º Réu e a 2ª ré não deram conhecimento à Autora de que a contestação não fora admitida, de que tinha invocado justo impedimento e de que, na sequência da decisão de o julgar não verificado, fora ordenado o desentranhamento da contestação, factos que a Autora só veio a saber, mais tarde, quando foi notificada da sentença que foi proferida nessa ação no dia 08.10.2019 (notificação expedida em 09.10.2019).

47 A contestação continha a argumentação para defesa da ré nesses autos, aqui Autora, nomeadamente: i) a contratação da DD como prestadora de serviços, na sequência da cessação do anterior contrato, também de prestação de serviços, celebrado com a sociedade “Care Kuidados - Serviços Domicilários, Lda.”; ii) preliminares e motivação da celebração do contrato entre a Autora e a ré; iii) os termos acordados entre as partes para a prestação de serviços (sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da Ré); iv) a cessação do contrato de prestação de serviços em virtude do internamento da Mãe da Ré num lar; v) a atuação da prestadora de serviços em abuso do direito; vi) a invocação da litigância de má-fé; vii) subsidiariamente, a caraterização do contrato celebrado entre Autora e ré como contrato de serviço doméstico.

48 A ora Autora havia fornecido aos 1º Réus documentos para instruir a contestação, e que constituíam meios de prova para sua defesa naquela Ação de Trabalho, os quais não foram juntos pelos Réus, com a contestação apresentada e, posteriormente, mandada desentranhar.

49 Os Réus também não juntaram posteriormente esses nem quaisquer outros documentos (fornecidos pela aqui Autora).

50 Os diversos pedidos de apoio judiciário que foram apresentados pelo 1º Réu, em nome da Autora foram indeferidos pela Segurança Social, como resulta da informação junta aos autos em 23.09.2019

52 No dia 08.10.2019 foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e em consequência decidiu:

“I – condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a Autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;

II - condenar a ré a pagar à Autora diversos montantes reclamados na causa a titulo de remunerações devidas:

53 E condenou Autora e ré nas custas, “na proporção dos respetivos decaimentos sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a Autora”.

55 Na data em que foi notificada da sentença condenatória, a Autora tomou conhecimento não apenas da condenação (sem realização de audiência de julgamento), mas também de que não tinha sido apresentada tempestivamente a contestação (porquanto nem o 1º Réu, nem a 2ª ré a tinham informado de toda a tramitação do processo acima descrita e, designadamente, da possibilidade de a contestação apresentada não ser admitida), nem tinham sido juntos ao processo os documentos que havia facultado ao 1º Réu e à 2ª ré.

56. Na verdade, durante todo o todo o período que decorreu entre a data em que o 1º Réu comunicou à Autora que a audiência de julgamento designada para janeiro de 2018 tinha sido dada sem efeito e a data da notificação da sentença, a Autora esteve a aguardar a marcação da audiência de julgamento, tendo, por isso, sido surpreendida com a decisão final.

60 O 1º Réu interpôs recurso da sentença condenatória em 07.11.2019, a pedido da Autora.

61. Na sequência do que veio a ser proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, em 14.07.2020, que decidiu “anular a sentença, nos termos previstos no art.º 662.º n.º 2 al. c), do CPC, para se determinar que a 1.ª instância profira nova sentença, fixando os factos que considera provados, para depois determinar e interpretar o direito aplicável, julgando a causa conforme for de direito.”

62. Entretanto, em 05.05.2020, o 1º Réu substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe foram conferidos pela Autora, por procuração junta aos autos, a favor das suas atuais mandatárias, o qual foi junto aos autos em 22.05.2020.

63. Em 22.11.2020 foi proferida nova sentença, que julgou, igualmente, a ação parcialmente procedente e condenou a aqui Autora a reconhecer o vínculo laboral e a pagar várias quantias a título de créditos salariais, como se transcreve:

“Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e em consequência decido:

I – Condenar a ré a reconhecer o vínculo laboral que manteve com a Autora no período de 1 de Setembro de 2014 a 19 de Junho de 2017;

II - Condenar a ré a pagar à Autora diversas quantias a titulo de remunerações devidas.

64 A Autora interpôs recurso em 18.12.2020, o que deu lugar ao Acórdão da Relação do Porto de 15-11-2021, nos termos do qual a) foi revogada parcialmente a sentença condenando-se a ré a pagar à Autora, a título de trabalho suplementar prestado para além do período normal semanal, os valores seguintes:

i) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2014 e 31 de agosto de 2015, perfazendo € 468,42;

ii) 52 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2015 e 31 de agosto de 2016, perfazendo € 468,42;

iii) 46 x 9,01 € entre 1 de setembro de 2016 e 19 de junho de 2017, perfazendo € 414,46;

No montante global de € 5 406,00, acrescido de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos sobre aqueles valores parcelares indicados em i), ii) e iii), respetivamente, desde 1 de setembro de 2015, 1 de setembro de 2016 e 20 de junho de 2017 e b) foi revogada a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à Autora “q) a quantia de € 537,15 (quinhentos e trinta e sete euros e quinze cêntimos) a título de formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 19/06/2017 até integral pagamento”, confirmando, no mais, a sentença recorrida.

65 A sentença referida em 63 proferida na ação pendente no Tribunal do Trabalho condenou a ré a pagar à Autora a quantia de € 150 191,52.

66. Em virtude da sentença condenatória, a Autora nessa ação instaurou, ainda na pendência do recurso, e utilizando esse título executivo, execução (provisória), nos próprios autos (Processo nº 4280/17.4T8MTS.1), na qual reclamou o valor de € 171 435,84, com juros de mora calculados até 10.01.2020 (data da apresentação do requerimento executivo).

67. Nessa execução foi efetuada a penhora de 1/3 (um terço) do vencimento auferido pela executada (aqui Autora) no Instituto Português de Sangue, até perfazer o montante de € 185 000,00, como pode ver-se do auto de penhora de 03.02.2020.

68. Após a penhora, a executada, aqui Autora, foi citada para os termos da execução, tendo o prazo de 20 dias para pagar a quantia em dívida, juros e custas ou deduzir oposição à execução, através de embargos de executado e/ou oposição à penhora.

70. No dia 03.07.2020, foi efetuada a penhora do crédito de IRS do ano de 2019, a reembolsar à executada, no valor € 2 062,17, sendo que neste momento, encontra-se penhorada à ordem desse processo a quantia global de € 18 699,27 correspondente à soma do valor da penhora de remunerações (€ 16 637,10) e do crédito/reembolso de IRS de 2019 (€ 2 062,17).

71. Em face do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 14.07.2020 que anulou a sentença condenatória que constituía o título executivo, a Autora deduziu, em 15.09.2020, embargos de executado (Processo nº 4280/17.4T8MTS-B), invocando a inexistência de título executivo, no prazo de 20 dias a contar do conhecimento deste facto superveniente.

72. Pela dedução de embargos, a embargante e ora Autora pagou a taxa de justiça de € 612,00.

73. Esses embargos foram liminarmente indeferidos por sentença de 28.09.2020, que condenou a embargante em custas.

74 Entretanto, a Autora na ação pendente no Tribunal do Trabalho (DD) requereu uma providência cautelar de arresto contra a aqui Autora, GG e Quimeralider - Unipessoal, Lda., e que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Central Cível de Penafiel – Juiz 2, sob o nº 77/20.2T8BAO, sobre 14 imóveis, o qual veio a ser decretado, sem audiência prévia dos requeridos, tendo a aqui Autora sido citada no dia 09.06.2020.

75 A requerida, aqui Autora, deduziu oposição ao arresto, tendo pagado a respetiva taxa de justiça no valor de € 306,00.

76 Os outros requeridos deduziram também oposição.

77. Em 10.07.2020, foi proferida sentença que julgou improcedentes as oposições deduzidas, mantendo o arresto decretado nos seus precisos termos e condenou os opoentes nas custas.

78. Dessa sentença, a requerida e ora Autora interpôs recurso de apelação, tendo pago a taxa de justiça no valor de € 306,00.

79 O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 24.09.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a decisão recorrida, condenando as Recorrentes (dado que as outras Requeridas interpuseram também recurso) nas custas.

80 O arresto foi instaurado como preliminar à ação de impugnação pauliana, que veio a ser instaurada no dia 05.01.2021.

81. Ação essa para a qual a ré, aqui Autora, foi citada por ofício de 13.01.2021, estando a decorrer o prazo para apresentar a contestação.

82. Para apresentar a contestação, a Autora terá de proceder ao pagamento da taxa de justiça no valor de € 714,00, conforme documentos que protesta juntar, sendo que o valor das taxas de justiça pagas pela Autora até esta data (com exclusão das taxas de justiça da presente ação) ascende, assim, a € 1 938,00.

83. Para além das taxas de justiça já pagas até esta data, acima referidas, a Autora terá ainda de pagar as taxas de justiça e custas de parte que vierem a ser devidas nos diversos processos judiciais acima referidos, e que neste momento não é possível quantificar.

84 A Autora recorreu aos serviços de advogado para obter assessoria jurídica no âmbito da representação nos diversos processos judiciais acima referidos,

85 E, por conseguinte, suportar encargos com despesas e honorários.

86. Desde o momento em que recebeu a sentença de condenação no pagamento de quantia de € 150 191,52 a Autora viu-se confrontada com inúmeros processos (ação executiva, providência cautelar de arresto, ação pauliana), aos quais teve de fazer face organizando a sua defesa, estando presente em reuniões, recolhendo documentos e outros meios de prova, procedendo ao pagamento de taxas de justiça e despendendo de muito tempo para todo este contencioso.

87 A Autora viu o seu património arrestado, o seu salário e crédito de IRS penhorados, tendo sido solicitada a penhora dos saldos das suas contas bancárias no Banco Santander Totta, S.A., na Caixa Geral de Depósitos, S.A., na Caixa Económica Montepio Geral, no Banco Santander Consumer Portugal, S.A. e no Banco BNP Paribas Personal Finance, S.A.

88 O exposto tem causado à Autora sofrimento, ansiedade, transtorno, inquietude e angústia pelas consequências da condenação.

89 O facto de ter o salário penhorado provocou na Autora um sentimento de vergonha e humilhação.

90 O seu estado de saúde agravou-se, porquanto a ansiedade constitui fator perturbador da estabilidade da doença neurológica de que padece: esclerose múltipla.

91 Quando a Autora foi notificada da sentença condenatória na ação pendente no Tribunal do Trabalho (proc. nº 4280/17.4T8MTS) escreveu ao 1º Réu uma carta registada, que foi por este recebida em 29.10.2019, pela qual o informou que a condenação se tinha ficado a dever à não apresentação da contestação em devido tempo e, como tal, era da exclusiva responsabilidade do 1º Réu e solicitou a indicação da seguradora para a qual teria transferido a responsabilidade civil e profissional e, ainda, cópia da participação/reclamação à seguradora.

92. Em face da falta de resposta do 1º Réu a essa carta, a Autora reiterou o seu pedido de envio de cópia da participação do sinistro junto da seguradora por email de 05.12.2019.

93. Não tendo o Réu respondido também a este email.

94 O estudo do assunto e a elaboração da contestação foi trabalho integralmente, e em exclusivo, realizado pelo 1.º Réu.

95 A Autora foi informada pelo 1.º Réu do desfecho do processo já depois da notificação da sentença à mesma.

96 O 1.º Réu assumiu logo todas a responsabilidades, informando a Autora que o exercício da sua atividade estava a coberto de um seguro de responsabilidade civil.

97 Não obstante as consequências decorrentes pelo desentranhamento da contestação, o 1.º Réu deu nota que aquela decisão não era definitiva, e que os factos dados como assentes ainda poderiam ser revertidos por impossibilidade objetiva de prestação de contrato de trabalho de 24 horas diárias, e que os documentos juntos com a petição inicial, nomeadamente os e-mail enviados pela DD, revelavam a assunção dum vínculo distinto daquele que se fazia constar na sentença, e que se encontrava a correr prazo para o efeito, tendo-se disponibilizado a substabelecer imediatamente no colega a indicar pela Autora.

98. Em nova reunião, a 24/10/2019, a Autora, acompanhada novamente pela filha e por uma outra irmã, questionou sobre a viabilidade de procedência de recurso, mantendo o 1.º Réu a opinião já transmitida.

99. No decurso dessa reunião, e após contacto telefónico entre o genro e a filha da Autora, esta delegou no 1.º Réu a interposição do recurso de apelação.

100 O 1.º Réu não teve nenhuma iniciativa nem interveio em nenhum negócio jurídico que tenha dado causa a arresto de bens ou a subsequente anulação dos mesmos, e de que só agora tomou conhecimento.

101 Associado a seguro Base da Ordem dos Advogados, a que corresponde um valor de € 150 000,00 por sinistro, o 1.º Réu subscreveu com a 3.ª ré, para o período compreendido entre 23/08/2017 e 23/08/2018, um seguro de reforço, na Opção I, com acréscimo de indemnização de € 100 000,00, com um prémio total de € 78,30, sem obrigação de franquia.

102 A 01/01/2019 o 1.º Réu subscreveu novo reforço de seguro, agora com a 4.ª ré, com igual acréscimo de indemnização de € 100 000,00.

103 Foi celebrado entre a ré XL, a Ordem dos Advogados, e os Réus Advogado e Advogada-estagiária, a saber:

a. Contrato de seguro de grupo de responsabilidade civil profissional, celebrado com a Ordem dos Advogados, com início em 01.01.2019 até 31.12.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes até 01.01.2023, prevendo um capital de € 150 000,00 e uma franquia de € 5 000,00 a cargo dos segurados, ambos por sinistro – atualmente em vigor enquanto Apólice: .............1A.

b. Contrato complementar de seguro de reforço, celebrado com o Réu Advogado, Dr. EE, com início em 01.01.2019 até 31.12.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes correspondentes aos anos civis de 2020 e 2021, prevendo um capital de € 100 000,00 por sinistro, excesso da Apólice ..............A titulada pela Ordem dos Advogados (suprarreferida) e eliminação da franquia ali prevista – atualmente em vigor enquanto Apólice ..................03.

c. Contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de estagiário, celebrado com a ré, Advogada-estagiária, FF, com início em 10.12.2018 até 09.06.2020, tendo sido renovado para os períodos de seguro seguintes (10.06.2020 até 09.12.2020 e 10.12.2020 até 10.12.2021), prevendo um capital de € 50 000,00 por sinistro e anuidade e uma franquia de € 500,00 por sinistro – atualmente em vigor enquanto Apólice .................41.

104 O Dr. EE e Dra. FF foram notificados do requerimento apresentado pela ali demandante que pugnava pela inadmissibilidade da contestação em 11.2017.

105 O Dr. EE e a Dra. FF sabiam, pelo menos desde a sua notificação, que a pretensa contestação submetida em nome e representação da Autora podia não ser admitida.

106 O 1º Réu não desconhecia/desconsiderava, pelo menos desde 2017 a existência de risco de imputação de responsabilidade.

107 A ré Mapfre celebrou com a ORDEM DOS ADVOGADOS um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, titulado pela apólice de seguro ...........58/6, com início em 01.01.2014, tendo sido renovado em janeiro de 2015, 2016 e 2017, sendo que este contrato de seguro cessou a sua vigência com o fim do período de seguro de 2017, isto é, em 31.12.2017, face à não renovação do contrato.

108 A ré Mapfre foi citada para a presente ação em 06-04-2021.

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FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A Autora pretende, através da interposição desta Revista, responsabilizar civilmente o 1.º Réu - e a ré seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal en España, com base no contrato de seguro de responsabilidade civil profissional outorgado – pelo chamado dano de perda de chance ou de oportunidade processual, decorrente do não oferecimento tempestivo da contestação no âmbito do processo que correu termos sob o n.º 4280/17.4T8MTS, no Juízo do Trabalho de Matosinhos, e que foi intentado contra a ora Autora por DD. A perda aqui em causa é a perda da oportunidade de evitar o prejuízo consistente na procedência parcial daquela ação.

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As instâncias divergiram no juízo de verificação dos pressupostos relativos ao dano e nexo de causalidade entre facto e dano inerentes a esta responsabilidade civil por perda de chance processual.

O Tribunal de Primeira Instância considerou que num cenário em que a recorrente, ré no processo laboral, ficou impedida, em decorrência da não apresentação tempestiva da contestação, de tomar posição quanto aos factos alegados pela Autora e de produzir qualquer prova quanto à matéria em apreciação, não se afigurava possível “prefigurar ou prever, com o rigor e certeza exigíveis, a sorte da contestação falhada - atenta a sobredita impossibilidade de prever qual o julgamento de facto e, por inerência deste, o próprio julgamento de direito”.

Optou, assim, o primeiro grau de jurisdição por distribuir os riscos quanto à sorte da ação em igual medida por ambas as partes, computando a indemnização a atribuir à Autora em 50% do valor no qual esta foi condenada no âmbito do processo de trabalho, a título de capital e juros derivados da sentença.

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O Tribunal da Relação, por sua vez, centrou o tratamento do caso na análise da seriedade e consistência da perda de chance decorrente do oferecimento intempestivo da contestação por parte do Réu EE, que obstou a que a defesa da aqui Autora pudesse ser apreciada no processo de natureza laboral.

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O acórdão recorrido, fazendo alusão às presunções de laboralidade decorrentes do art. 12.º do Código do Trabalho (doravante CT), e de que a defesa da recorrente, ré no processo laboral, passava, a título principal, pela negação de qualquer relação laboral com a Autora nessa ação e, a título subsidiário, pela afirmação da existência de um contrato de trabalho doméstico ressaltou que “carecia a Autora de alegar nestes autos os factos concretos tendentes a descaraterizar a relação laboral afirmada pela contraparte e de indicar as provas que serviam de base a essa factualidade, provas que teriam de ser produzidas nestes autos” – um ónus que a Relação concluiu não ter sido cumprido pela ora recorrente.

A Autora disputa este entendimento, objetando que ficou demonstrada a violação, presumidamente culposa, dos deveres do mandatário, e que competia ao Réu EE “o ónus de demonstrar que à decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho proposta contra a então sua cliente – aqui Autora/Recorrente – fora absolutamente indiferente o facto de não ter apresentado contestação”.

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Vejamos.

É indiscutido nos autos que contrato forense, definido nos artigos 62.º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA) então vigente [6] (Lei n.º 15/2005, de 26-01, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12/2010, de 25.06) e 1157.º do Código Civil (CC), tendo por objeto a prática de atos jurídicos por parte do mandatário, encontrava-se submetido ao regime especial do referido Estatuto e ao regime geral constante dos artigos 1157º a 1184º, do CC.

Conforme o disposto no EOA aplicável, no cumprimento do mandato forense e para além de outras obrigações, o advogado encontra-se adstrito aos deveres prescritos nos artigos 92.º, 93.º, 95.º e 103.º, impondo-se-lhe, para além do mais, o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas (…) estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade (…) atuar com diligência e lealdade na condução do processo».

Também é consabido que o dever de defender diligentemente os interesses e objetivos visados pelo mandante não incluiu a obrigação de obter o ganho da causa, caracterizando-se a sua prestação como obrigação de meios e não de resultado.

O incumprimento dos deveres adstritos ao advogado pela celebração do contrato de mandato pode determinar a sua responsabilidade civil contratual pelos danos daí decorrentes para o mandante. Como sucede na responsabilidade aquiliana o dever de reparação no âmbito da responsabilidade contratual depende da verificação dos pressupostos: ocorrência de um facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

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Objeto de profusa reflexão doutrinária e jurisprudencial, a problemática da ressarcibilidade do dano da perda de chance, enquanto categoria autónoma, veio a ser analisada, como não passou despercebido às Instâncias, pelo AUJ n.º 2/2022 - 34545/15.3T8LSB.L1. S2-A que fixou a seguinte jurisprudência: “o dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade.”

Este AUJ afastou, de modo expresso, a tese propugnada pela recorrente e subjacente à sentença, no sentido de que, numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual, além da prova da violação, presumidamente culposa, dos deveres contratuais a que o mandatário forense está adstrito, qualquer grau de probabilidade de sucesso da ação patrocinada pelo dito mandatário atribui ao autor o direito a ser equitativamente indemnizado, cabendo ao Réu a prova da inexistência de probabilidade de sucesso do pleito comprometido.

Da resposta uniformizadora do STJ e dos acórdãos que, na sua sequência, vêm sendo proferidos por este Tribunal (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 11-01-2024 - Proc.1118/18.9T8VRL.L1. S1; de 04/07/2024 – Proc. 302/20.0T8ALQ.E1. S1 e de 19-09-2024- Proc.12771/17.0T8LSB.L1. S1, é pertinente extrair algumas proposições que revelarão utilidade para a análise que se empreende:

- a perda de chance (a perda de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo) poder-se-á qualificar como um dano suscetível de ser indemnizado, seja como dano autónomo e emergente, distinto do dano final, seja como uma antecipação do dano final, com a veste de lucro cessante;

- a aferição de tal dano exigirá sempre a comparação entre uma situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo o juízo de prognose sobre a evolução hipotética (não real) do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano de acordo com a teoria da causalidade adequada (art. 563.º do CPC), na sua vertente negativa;

- para tal imputação objetiva do dano à conduta do lesante mostra-se necessário estabelecer que, a partir de todos os elementos e circunstâncias disponíveis, um concreto processo judicial (caso tivesse decorrido ou tivesse decorrido normalmente) teria consistentes chances de vir a obter vencimento;

- o sucesso suficiente da chance ressarcível no âmbito de uma ação comprometida terá, no mínimo, de ser considerado como superior ao seu insucesso provável, uma vez que só a partir de tal limiar mínimo se poderá dizer que a não ocorrência do dano, sem o ato lesivo, seria mais provável que a sua ocorrência;

- o apuramento do grau provável de sucesso da ação comprometida dever-se-á fazer de acordo com uma metodologia usualmente qualificada de “julgamento dentro do julgamento”, em que o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo, e não exatamente o seu prisma de decisão;

- estando em causa estabelecer o preenchimento de requisitos da responsabilidade civil atinentes ao dano e nexo causal, cabe ao lesado, nos termos do n.º 1 do art. 342.º do CC, o ónus da prova daqueles factos constitutivos do direito indemnizatório por si invocado, demonstrando a facticidade que permitirá concluir por uma probabilidade (hipotética) de sucesso da ação comprometida superior à sua probabilidade de insucesso, apta a firmar um juízo positivo acerca da seriedade e consistência da chance perdida;

- caso não se não consiga estabelecer o grau de probabilidade da amplitude do êxito da ação comprometida, a consequência a retirar será a da não prova da consistência e seriedade da perda de chance e, por conseguinte, da não prova de um dano de perda de chance suscetível de indemnização.

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No caso presente, é incontroverso que o Réu violou ilicitamente os deveres primários de prestação que para si decorriam da celebração do contrato de mandato judicial, ao ter omitido, no âmbito da ação declarativa laboral, a apresentação, no prazo legal, da contestação que continha a defesa da mandante, ora Autora (cfr. art. 67.º e 97.º/2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro, e 798.º do CC) - mas já não, como se explicitará, ao ter omitido a apresentação de prova documental após a decisão de desentranhamento da contestação. É também exato, como sublinha a recorrente, que tal incumprimento ilícito de presume culposo, não tendo o Réu logrado afastar a presunção de culpa que para si decorre do art. 799.º/1 do CC.

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No entanto, a verificação do ilícito não contém, já em si, o dano a indemnizar: segundo os princípios gerais da responsabilidade civil, que entre nós desempenha uma função essencialmente reparatória, e de acordo com a regra que veda o enriquecimento sem causa do lesado, não se poderá prescindir da determinação, com um mínimo de certeza, da existência do dano e do nexo causal entre o dano este e o facto lesivo – exercício que, no caso que nos ocupa, implicará que se apure se a chance processual comprometida se mostra consistente e séria.

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Como salientou o AUJ n.º 2/2022 de 26/01/2022, publicado no DR nº 18/2022, Série I, que se mostra incontornável na apreciação da matéria vertente, “a violação de deveres específicos – voluntária e contratualmente assumidos – dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir (…) da imposição ao lesado do ónus de provar – seja fácil ou difícil – a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense.”

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Em causa está, pois, determinar a consistência concreta da oportunidade ou chance processual que foi comprometida na ação laboral em virtude do não oferecimento de contestação pela ora Autora, reconstituindo, através de um juízo de prognose póstuma, nas palavras do referido AUJ n.º 2/2022 “o desenrolar e a decisão que o processo (onde foi cometida a falta do mandatário) teria tido – na perspetiva do tribunal que o teria que decidir – sem tal falta do mandatário”. Caso se conclua que o processo teria tido uma probabilidade de sucesso de grau superior à probabilidade de insucesso, haverá que qualificar o evento lesivo como conditio sine qua non do dano e afirmar o preenchimento do requisito mínimo da causalidade jurídica.

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A operação de “julgamento dentro do julgamento”, na situação em apreço, implica que se coloque a fundamentação da decisão condenatória da Autora em confronto com o âmbito e o alcance da defesa que seria apresentada nessa ação comprometida. Para o efeito, debrucemo-nos sobre os factos que nos revelam as vicissitudes ocorridas no âmbito da ação laboral que correu termos no Juízo de Trabalho de Matosinhos, sob o n.º 4280/17.4T8MTS.

Nessa ação, DD peticionou o reconhecimento do vínculo laboral que alegou ter mantido com a ora recorrente, assim como a condenação desta no pagamento de várias quantias devidas a título de remuneração de trabalho suplementar, de remuneração de trabalho prestado em férias não gozadas, de subsídios de Natal e de férias, bem como a título de formação não ministrada.

Na sequência da frustração da conciliação em audiência de partes (pontos 17 e 1.8), e uma vez transitado em julgado o despacho que, por ter julgado improcedente o justo impedimento invocado pelo Réu advogado, ordenou o desentranhamento da contestação intempestiva, foi proferida sentença condenatória sem ter havido lugar a audiência de julgamento.

Na sequência de várias intercorrências processuais, foi proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, a 22-11-2020, uma sentença que condenou a ora recorrente a reconhecer o vínculo laboral que manteve com DD, no período de 1 de setembro de 2014 a 19 de junho de 2017, condenando-a no pagamento de créditos laborais cujo montante foi reduzido pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15-11-2021, que revogou parcialmente aquela sentença.

Ora, se analisarmos o teor da contestação (dada por reproduzida no ponto 11) que veio a ser tardiamente apresentada pelo Réu EE (ponto 47) – e cujo mérito não é colocado em causa pela Autora -, verificamos que a defesa da ré nesses autos assentava, a título principal, na impugnação da existência de uma relação laboral, caracterizada pela subordinação jurídica, estruturando-se nos seguintes eixos argumentativo: i) a contratação de DD como prestadora de serviços, na sequência da cessação do anterior contrato, também de prestação de serviços, celebrado com a sociedade “Care Kuidados - Serviços Domiciliários, Lda.”; ii) preliminares e motivação da celebração do contrato entre a Autora e a ré; iii) os termos acordados entre as partes para a prestação de serviços (sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da Ré); iv) a cessação do contrato de prestação de serviços em virtude do internamento da Mãe da Ré num lar; v) a atuação da prestadora de serviços em abuso do direito; vi) a invocação da litigância de má-fé; vii) subsidiariamente, a caraterização do contrato celebrado entre Autora e ré como contrato de serviço doméstico (ponto 47 da factualidade assente).

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A revelia da Recorrente na ação laboral foi operante, sendo indiferente, para este efeito, que a mesma tivesse provindo de uma omissão, pura e simples, do ónus de contestar ou, como sucedeu no caso, da desconsideração pelo tribunal de uma contestação considerada extemporânea. Ainda que não tivesse, sem mais, conduzido à procedência da ação, tal revelia não deixou de potenciar tal desfecho, por ter redundando na confissão tácita ou ficta dos factos articulados pela Autora no foro laboral, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 57.º do Código de Processo do Trabalho (doravante CPT). Tal confissão tornou inútil o desenvolvimento da fase de instrução e a consideração da prova documental não autêntica eventualmente apresentada com a contestação (art. 63.º/1 do CPT) ou, posteriormente, nos vinte dias antes da audiência de julgamento (art. 423.º/2 do CPC, aplicável subsidiariamente por via do art. 1.º/2/a) do CPT).

Caso a contestação da recorrente tivesse sido admitida, os factos articulados por DD, atinentes à prestação de cuidados de geriatria à mãe da ora Autora, segundo um regime de subordinação, teriam adquirido a natureza de factos controvertidos. No entanto, como realçou o acórdão recorrido, “no direito laboral existem presunções de existência de contrato de trabalho que aliviam a carga probatória do dador da força de trabalho e, consequentemente, oneram a entidade beneficiária dessa força de trabalho com um ónus probatório mais pesado (veja-se o artigo 12º do Código do Trabalho).”

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É de admitir que os factos alegados pela recorrente na contestação que veio a ser desentranhada – desde logo, os atinentes aos termos acordados entre as partes para a prestação de serviços, sem subordinação jurídica nem sujeição ao poder de direção e disciplinar da mãe da aí ré - seriam idóneos a se provados, ilidir a presunção de laboralidade decorrente do art. 12.º do Código de Trabalho de 2009 (na versão conferida pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro).

Resta averiguar, segundo um juízo de prognose, se os meios de prova que, não fora a dedução intempestiva da contestação, teriam sido apresentados pela recorrente, se mostram aptos a demonstrar a realidade de tais factos alegados.

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Importa, preliminarmente, realçar que, ao contrário do pressuposto pela recorrente nos pontos 13 e 14 das suas conclusões de recurso, o tribunal da ação de indemnização deve adotar a perspetiva do tribunal que teria de decidir o processo (no caso, o Tribunal de Trabalho), e não o seu prisma decisório. Daqui decorre que o que releva é a prova que seria produzida no foro laboral acerca da existência de um contrato de prestação de serviços, de natureza não subordinada, celebrado entre as partes – e que, claro está, fique demonstrada nestes autos. Em suma, o que releva é a prova que nestes autos se demonstre que poderia ter sido produzida no processo de trabalho, e não a prova sobre o objeto do processo de trabalho que apenas nesta ação de indemnização tenha sido produzida.

Tão pouco as declarações ou quaisquer outros meios de prova prestados em audiência se confundem com factos daí a irrelevância ainda das conclusões 11, 12 e 14.

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Como tem sublinhado a jurisprudência do STJ, a presunção de laboralidade pressupõe a verificação de, pelo menos, duas das características tipificadas nas cinco alíneas integrantes do n.º 1 do sobredito art. 12.º do CT, emergindo desta presunção legal “a inversão do ónus da prova, ficando o trabalhador dispensado de fazer a prova dos elementos constitutivos da relação laboral (art. 350º, nº 1, do C. Civil), embora seja admitida prova em contrário para a ilidir (nº 2 do mesmo artigo), mediante a prova pela contraparte de “factos positivos excludentes da subordinação”, ou seja, da existência de trabalho autónomo ou da falta de qualquer elemento essencial do contrato de trabalho. [elementos que, à luz do art. 11º, do CT, são: i) obrigação de prestar uma atividade a outrem; ii) retribuição: e iii) subordinação jurídica” (cfr., entre outros, os acórdãos de 08-10-2015- Proc.292/13.5TTCLD.C1. S1; de 15-01-2025- Proc.751/21.6T8CSC.L1. S1e de 30-04-2025- . Proc.751/21.6T8CSC.L1. S1).

A prova em contrário apta a ilidir a presunção sob escrutínio corresponderá, «numa formulação feliz de um Acórdão do TRL de ........2015, citado por Milena da Silva Rouxinol e Teresa Coelho Moreira [à] ocorrência de (contra)indícios que, “pela quantidade e impressividade, imponham a conclusão de se estar perante outro tipo de relação jurídica”» (acórdão do STJ de 15-01-2025 -Proc. 751/21.6T8CSC.L1. S1)

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Isto posto,

Admitindo que esta contra-argumentação utilizada na contestação desentranhada se mostrava idónea, em abstrato, a infirmar os factos confessados subjacentes à decisão condenatória laboral, a verdade é que, como já se salientou, para que a ação fosse benéfica à ora recorrente não bastava alegar factos que afastassem a verificação de uma relação de trabalho subordinado: seria igualmente necessário prová-los.

Daí que, como se deixou já antever, a aferição de uma probabilidade qualificada (séria e consistente) de a ação ter sido favorável à recorrente não poderá prescindir da análise do acervo probatório que a mesma apresentaria no pleito laboral, sendo esta análise que permitirá firmar - também aqui - um juízo probabilístico quanto à prova dos factos impeditivos por si alegados no processo de trabalho.

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Neste ponto de importância nodal a recorrente, na presente ação, não identificou (e, por isso, não provou) quais os documentos aludidos nos arts. 63.º e 64.º da petição inicial que forneceu ao Réu advogado como meios de prova para sustentar a sua defesa no âmbito da ação laboral) – documentos esses que serviriam para aferir da probabilidade de a recorrente provar “factos positivos excludentes da subordinação”.

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Sucede, porém, que como resulta da leitura do teor da contestação no & 43 da mesma é transcrito o email junto pela Autora na audiência de 30.01.2023, aos autos sendo aí referido como documento nº 2. Deste email consta (i) a data do seu envio à aqui Recorrente de 08/setembro/2014 (ii) o seu reencaminhamento para o mandatário aqui Réu em 6/outubro/ 2017, (iii) a seguinte declaração da, ali, Autora DD. “quero fazer o meu trabalho independente, ou seja, sem qualquer compromisso relativamente a contrato de trabalho, passando a emitir recibos verdes tal como tenho feito (…) o mais acertado a fazer é por fim ao contrato de prestação de serviços que tenho e seguira minha vida independente “.

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A nosso ver trata-se de documento que apresenta uma virtualidade probatória que não é desprezível para a tese da autora, na ação, já que a referida DD dá conta da sua intenção de “romper” o contrato com a Confortkeepers e de desempenhar as suas funções de forma independente, “sem qualquer compromisso relativamente a contrato de trabalho” a qual em abstrato é incompatível com a sua tese de que a relação é laboral

Do potencial valor probatório que tal declaração atribuída à Autora da ação laboral contante daquele documento seria passível de beneficiar na ação laboral decorre como adequado um juízo de prognose de ser mais provável o êxito daquela ação, do que o insucesso o que implica que tenha de se admitir a probabilidade do seu êxito em percentagem superior 50%, dir-se-ia de, pelo menos, 55%; e consequentemente se tenha por provado o nexo causal, pois como se afirmou no AUJ 2/2022 “não pode afirmar-se, por um lado, com certeza absoluta, qual seria o resultado dum concreto processo judicial que não se chegou a desenrolar ou que se desenrolou de modo “anormal” (com o argumento de que todo o processo judicial tem um ineliminável e irredutível elemento de incerteza sobre o seu resultado), mas, por outro lado, demonstrando o lesado que se encontrava em situação fáctico-jurídica idónea a um resultado favorável do processo, fica-se com a certeza de que, caso se não tivesse verificado o evento lesivo, o lesado não teria perdido a esperança de vir a obter um ganho (ou evitar uma perda)”.

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Pelas razões expostas, concluímos estar demonstrada a existência de uma perda de chance processual consistente e séria e consequentemente estarem adquiridos os pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada).

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Resta, pois, avaliar o cálculo de tal dano.

A quantificação do dano nas situações de perda de chance deve fazer-se segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo” (cfr., Ac. STJ de 10.09.2019-proc.1052/16.7T8PVZ.P1. S1 e Ac. STJ de 30.05.2019-proc. 6720/14.5T8LRS.L2. S2.

Portanto, só não sendo possível fixar a probabilidade da chance, o tribunal julgará com recurso à equidade em conformidade com o disposto no art. 566º, nº 3 do CC.

Para o seu cálculo, tem-se proposto uma dupla avaliação: em primeiro lugar, a avaliação do dano do final para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se deverá aplicar o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, sendo que o resultado de tal operação constituiria a indemnização a atribuir pela perda de chance (Patrícia Leal Cordeiro da Costa, “Dano da perda de chance e a sua perspetiva no Direito Português”, pág. 104; Ac. STJ de 5 de Fevereiro de 2013, Hélder Roque, em www.dgsi.pt; Paulo Mota Pinto, ob. cit., pág. 792).

Por se reportar à vantagem esperada, a quantificação do dano da perda de chance ficará dependente, pois, do grau de probabilidade que havia de aquele poder realmente acontecer (Nuno Santos Rocha, “A «Perda de Chance» Como Um Nova Espécie de Dano”, p.66, citado pelo Ac. STJ de 15.11.2018 296/16.6T8GRD.C1. S2.

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Neste segmento está em discussão a quantia de € 28.181,89, que corresponde à soma das seguintes quantias:

a) € 26.019,12 da quantia exequenda acrescida de juros de mora;

b) € 2.162,78 a título de despesas e honorários da agente de execução.

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O valor do dano final corresponde ao montante em que ficou condenada na ação, ou seja, o capital de € 26.019,12. Não inclui as despesas que a mesma veio a ter com o processo executivo, pois dada a sua natureza está ausente quanto às mesmas a causalidade adequada com a conduta ilícita do 1º Réu.

Será em tais termos de aplicar a este montante o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, ou seja 55% sendo que o resultado desta operação corresponde ao valor a atribuir pela perda de chance: € 26.019,12 X 55% =€14.310,52

Este montante vence juros de mora à taxa legal desde a citação e até efetivo pagamento (artigo 804º nº 1 e 2, 805º nº 1, 806º nº 1 e 559º do CC).

SEGUE DECISÃO:

CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. CONDENA-SE A RÉ SEGURADORA A PAGAR À AUTORA A QUANTIA DE €14.310,52, ACRESCIDOS DE JUROS DE MORA À TAXA LEGAL DESDE A CITAÇÃO E ATÉ EFETIVO PAGAMENTO

Custas pela Recorrente e Recorrida em partes iguais.

Lisboa, 11 de novembro de 2025

Isoleta de Almeida Costa

Maria Clara Sottomayor

Maria João Vaz Tomé.

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1. Tal requerimento é do seguinte teor ao que releva:

  Já foi proferida decisão definitiva no âmbito da ação emergente de contrato de trabalho, nº 4280/17.4T8MTS. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça foi confirmada a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgara o Recurso de Apelação interposto pela aqui Autora parcialmente procedente.

  Considerando o que consta da sentença do Tribunal de 1ª Instância e do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, confirmado pelo STJ, o valor da condenação da Ré passou a ser de € 21.995,33, acrescido de juros de mora até integral e efetivo pagamento, a que acrescem as despesas de execução.

  Como consta da nota da agente de execução, elaborada em .../.../2022, que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido, o valor pago pela Autora à aí Exequente na execução de sentença pendente foi de € 28.181,89, que corresponde à soma das seguintes quantias:

  a) € 26.019,12 da quantia exequenda acrescida de juros de mora;

  b) € 2.162,78 a título de despesas e honorários da agente de execução.

  O valor do prejuízo da Autora foi, assim, em consequência da decisão proferida no âmbito do recurso interposto da sentença condenatória a que se aludiu no artº 79º da P.I., de € 28.181,89.

  Assim, o pedido constante da al. a) deve passar, em resultado da decisão transitada em julgado e da liquidação feita pela agente de execução, a ser de € € 32.057,89 (que corresponde à soma das taxas de justiça pagas, no valor de € 1.938,00, com o valor pago na execução de sentença de € 28.181,89).

2. Todos os Acórdãos citados são consultáveis em www.dgsi.pt