Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
91/18.8JALRA.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: RAUL BORGES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
VIOLAÇÃO
AGRAVANTES
CONSUMAÇÃO
TENTATIVA
COAÇÃO
CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO
DUPLA CONFORME
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CRIME CONTINUADO
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 06/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I – Em caso de reedição da motivação e conclusões do anterior recurso interposto para o Tribunal da Relação é de entender que a repetição/renovação de motivação não deve ser equiparada à sua falta, não estando prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação. Pelo exposto, entende-se não ser de rejeitar o recurso, não sendo de colocar o óbice da inadmissibilidade do recurso por esta razão.

II – Em caso de dupla conforme condenatória parcial, assume-se como evidente que no seio de uma confirmação apenas parcial se albergará, inevitavelmente, sob pena de contradição nos termos, uma divergência, uma dissonância, qualitativa (v.g., absolvição resultante de desconsideração de factualidade assente, por força de modificação de matéria de facto, por verificado erro de julgamento, por procedência de arguição de nulidade de meio de prova, ou de mera alteração de qualificação jurídica) e/ou quantitativa (aqui traduzindo-se em “implosão” de pena aplicada, face a consequente absolvição, em resultado de modificação na matéria de facto, ou em redução de pena, por força de requalificação jurídico-criminal) – mínima que seja –, o que, em última análise, conduzirá a que se coloque a questão de saber se a identidade decisória deverá ser absoluta, plena, total, completa, concêntrica, incontornavelmente idêntica, perfeitamente coincidente, ponto por ponto, em todos os seus aspectos nucleares, contornos, circunstâncias e detalhes, ou, se antes, a figura da dupla conforme comportará em si mesma a sub-espécie da identidade parcial, se quisermos, de uma identidade menor.

III – Para além da situação de identidade total, em que a confirmação integral é alcançada de modo expresso, com conhecimento do mérito, duas são as situações que se podem acolher na noção de dupla conforme.

IV – Entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total), em situações em que o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso de rejeição (uma forma de confirmação, segundo Simas Santos e Leal-Henriques, conforme infra), e uma outra, já não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em benefício para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida, ou seja, a chamada confirmação in mellius.

V – A dupla conforme, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, não supõe, necessariamente, identidade total, absoluta convergência, concordância plena, certificação simétrica, ou consonância total, integral, completa, ponto por ponto, entre as duas decisões. A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da qualificação jurídica (desde que daí resulte efectiva diminuição de pena, de espécie ou medida de pena), não deixará de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento, de um julgamento certo e seguro.

VI – Tem sido jurisprudência constante deste STJ, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do artigo 379.° do CPP.

VII – É um dado incontornável que se a confirmação do acórdão do Juízo Central Criminal de Santarém, o fosse “in totum”, o acórdão então recorrido seria irrecorrível no que respeita às penas parcelares. (Em tal hipótese, a pena parcelar mais elevada era de 7 anos de prisão, aplicada pelo crime de violação, na forma consumada, e apenas seria apreciada a pena única reduzida pela Relação, atenta então a sua dimensão – 11 anos de prisão).

VIII – A lógica interna e global do sistema e o bom senso, porque cumprida a exigência do duplo grau de jurisdição e a concessão real e efectiva de uma melhoria de tratamento do condenado, demandam, em nome da coerência, a adopção de uma solução, que não passe por fazer da identidade de pena aplicada o vector incontornável da conformação da confirmação, conferindo a possibilidade de um outro grau de recurso, exactamente nos casos em que o arguido foi já beneficiado, o que é inapelavelmente negado quando não lhe cabe em sorte um tratamento privilegiado. Dir-se-ia que adquirida uma mais valia, poderia ainda o beneficiado candidatar-se a uma outra nova oportunidade de obtenção de eventual sucesso.

IX – No caso presente é inadmissível o recurso interposto pelo recorrente FFG, no que concerne à matéria decisória referente a pretendida alteração de qualificação jurídica, bem como relativamente à medida de todas as penas parcelares inferiores a oito anos de prisão, por se estar perante dupla conforme parcial (in mellius), nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

X – Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional.

XI – Resolvida a questão prévia da não admissibilidade do recurso quanto às questões relativas às penas parcelares, designadamente, a pretendida alteração da qualificação jurídica, no sentido da aglutinação ou não das condutas dadas por provadas na figura da continuação criminosa, há que dizer, sem embargo do decidido, que a pretensão de unificação das várias condutas através da figura da continuação criminosa jamais lograria êxito.

XII – Estando em causa bens eminentemente pessoais, como no caso de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, é de afastar a figura da continuação criminosa, como de resto a de trato sucessivo, verificando-se concurso real entre os crimes de violação agravada na forma consumada, dois crimes de violação agravada, na forma tentada, e um crime de coacção agravada.

XIII – O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas).

XIV – A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes. Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

XV – Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

XVI – Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais.

XVII – Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.

XVIII – A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.

XIX – Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

XX – Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

XXI – Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora postos em causa, a saber no crime de violação e no crime de coacção.

XXII – Para Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 466, o bem jurídico nos crimes contra a liberdade sexual “é o da autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa”. O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 164.º do Código Penal é a liberdade de determinação sexual.

XXIII – Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro 2008, pág. 449, na 2.ª edição actualizada, de Outubro de 2010, pág. 511, e na 3.ª edição actualizada, de Novembro de 2015, pág. 654: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa. Quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, a violação é um crime de dano. Quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, é um crime de mera actividade”. XXIV – Segundo o acórdão de 26-01-2017, proferido no processo n.º 276/15.9JALRA.E1.S1 – 5.ª Secção, o bem jurídico protegido pelo preceito incriminador dos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.ºs 5 e 6 do Código Penal é a liberdade sexual de outra pessoa, sendo que a agravação encontra justificação na especial vulnerabilidade do menor e consequentemente no maior desvalor do tipo de ilícito, ao mesmo tempo que traduz a ideia de uma protecção diferenciada em função de diferentes graus do desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, havendo uma agravação maior se a vítima for menor de 14 anos, por comparação com os casos em que a vítima é menor de 16 anos.

XXV – Para o acórdão deste Supremo Tribunal de 18-01-2018, proferido no processo n.º 239/11.3TALRS.L1.S1-3.ª Secção, o bem jurídico violado no crime de violação é a autodeterminação sexual associada ao livre desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual.

XXVI – O crime de violação é considerado à face da Lei de política criminal como “criminalidade violenta” [Actualmente está em vigor, desde 24 de Agosto de 2017, a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando como fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea d) do artigo 2.º.] e na definição legal constante da alínea l) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, como “criminalidade especialmente violenta”, por ser tipo de conduta prevista na alínea anterior (alínea j) com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

XXVII – O crime de coacção está inserido no Capítulo IV - Dos crimes contra a liberdade pessoal, do Título I - Dos crimes contra as pessoas, do Livro II - Parte especial e previsto no artigo 154.º do Código Penal.

XXVIII – Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 604, o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa.

XXIX – Para Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários, Almedina, 2014, nota 2, pág. 636, bem jurídico protegido é a liberdade pessoal, liberdade de decisão e realização da vontade. (Anota-se que este crime não mereceu qualquer referência no recurso). 

XXX – Nesta abordagem há que ter em atenção o período temporal de actuação do recorrente, entre 22 de Setembro de 2016 e Novembro de 2017, agindo o arguido do mesmo modo, com vista à obtenção de satisfação sexual, sendo evidente a conexão entre as condutas de violação e a instrumentalidade do crime de coacção agravada. A estreita ligação entre estes crimes consubstancia-se em prática de acto sexual e a subsequente intimidação. No que toca a antecedentes criminais nada consta.   A resposta a uma maior carga de ilicitude já encontra eco na correspectiva dimensão de definição da moldura abstracta aplicável.

XXXI – As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tipo de crime de violação, gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.

XXXII – No que toca a prevenção especial, avulta a personalidade do arguido no modo como agiu, actuando com indiferença e insensibilidade pela liberdade da ofendida, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, carecendo de socialização.

XXXIII – Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo. Tendo em conta a imagem global do facto, as condições pessoais do arguido, que à data dos factos contava 50/1 anos de idade e actualmente, 54 anos, propende-se para aplicação de factor de compressão maior, por se considerar que o caso é de mera pluriocasionalidade e não de tendência criminosa, entendendo-se como adequada e equilibrada a pena única de nove anos de prisão.

XXXIV – Atenta a medida da pena única ora fixada, fica prejudicada a apreciação da pretensão da suspensão da execução da pena, sintetizada na conclusão F, por ultrapassado o limiar previsto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

Decisão Texto Integral:

  No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 91/18.8JALRA do Juízo Central Criminal de Santarém – Juiz 2 – Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, foi submetido a julgamento o arguido

    AA, natural da freguesia de …, concelho de …, nascido em … de …. de 1966, casado, …, residente na Rua … n.º 00, …, …., preso preventivamente à ordem destes autos, desde 19-01-2018, conforme fls. 807 e 808, actualmente no Estabelecimento Prisional …, conforme consta de fls. 783 do 4.º volume.

      O arguido foi acusado pela prática de:

- Um crime de violação agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 7, do Código Penal;

- Trinta e nove crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 7 e 8, do Código Penal;

- Vinte e dois crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs. 6 e 8, do Código Penal; e,

- Um crime de coacção agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea b), todos do Código Penal.


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      Inconformado, o arguido requereu a abertura da instrução, tendo sido proferida decisão de pronúncia pela prática dos mesmos factos e crimes descritos na acusação pública.

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      Em audiência de julgamento foi comunicada uma alteração não substancial da factualidade descrita na acusação e uma alteração da qualificação jurídica, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Penal, mediante a imputação ao arguido de um crime de violação agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 7 e 8 do Código Penal; de 34 (trinta e quatro) crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º n.º 1, alínea b), e n.ºs 7 e 8 do Código Penal; e de 21 (vinte e um) crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 6 e 8, do Código Penal; a par do aludido crime de coacção agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea b), todos do Código Penal.

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      Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de …, de 15 de Março de 2019, foi deliberado:

     a) Absolver AA da prática de 5 (cinco) crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, 177.º n.º 1, alínea b), 7 e 8 do Código Penal; e 1 (um) crime violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea b), 6 e 8 do Código Penal;

    b) Condenar AA pela prática de um crime de violação agravada, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea b), e n.º 7, do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos de prisão; trinta e quatro crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, 164.º, n.º 1, 177.º n.º 1, alínea b), e n.ºs 7 e 8 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cada; 21 (vinte e um) crimes de violação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 74.º, 164.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, alínea b), e n.ºs 6 e 8 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cada; e um crime de coacção agravada, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea b), todos do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 (treze) anos de prisão.


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      O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tendo a Digna Procuradora na Comarca de … apresentado a resposta de fls. 795 a 805 verso, defendendo a improcedência do recurso e a manutenção do acórdão recorrido.

***


     Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Setembro de 2019, constante de fls. 825 a 851 do 4.º volume, foi deliberado:

«a) - rejeitar a impugnação factual do recorrente;

b) - oficiosamente determinar que a expressão “pelo menos uma vez por semana” do facto 5) deve ser substituída pela expressão “não determinadas” e a expressão “pelo menos, em 55 (cinquenta e cinco) ocasiões distintas” deve ser substituída pela expressão “em ocasiões distintas não determinadas”;

c) - conceder parcial provimento ao recurso interposto reduzindo-se a pena única para 11 (onze) anos de prisão.

No resto mantém-se a douta decisão recorrida.

Sem tributação».


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     Inconformado de novo, desta deliberação interpôs o arguido recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 857 a 862, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realce):

A. Entende defesa que nunca o arguido poderá ser condenado por 34 crime de violação agravada, ou por 21 crimes de violação agravada.

B.- Mas apenas um só crime sob a forma continuada, já que apenas existiu uma resolução criminosa, uma linha de continuidade psicológica.

C.- Por outro lado, o tribunal ao determinar a medida concreta da pena não atentou ao resultado das perícias efectuadas ao arguido, nomeadamente, que o mesmo revela um comprometimento cognitivo, que o mesmo tem dificuldades de compreensão, interpretação, conceção e mnésicas, e que o mesmo apresenta perturbação emocional, ansiedade, depressão, tensão, inquietação, verificam-se, ainda, indícios de imaturidade, impulsividade, inconformismo,

D.- Resultou, ainda, provado que o arguido não tem antecedentes criminais; Que está inserido no seio familiar, bem como na sociedade e que tem vínculo laboral há muito anos.

E.- Assim e tendo em atenção todos os factos anteriormente explanados, reputamos adequada, a pena única de 4 anos de prisão.

F.- Devendo, tal pena, ser suspensa na sua execução.

G.- Face a todo o explanado e em jeito de conclusão, deve pois ser modificado o douto acórdão da 1.ª instância.

H.- Pelo exposto, a douta decisão em crise violou o preceituado nos artigos 79º, 164º nº 1, 177º nº 1 b) e 7º do Código Penal e 32º da C.R.P..

      Decidindo de acordo com o alegado, suprindo, doutamente, o que há a suprir, VV. Excelências farão, como é hábito, a CORRECTA E SÃ JUSTIÇA!


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    O recurso foi admitido por despacho de fls. 863.

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      O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Évora, a fls. 866/7, emitiu parecer no sentido de dever a decisão recorrida ser mantida in tottum, negando-se provimento ao recurso.

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      A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, em 9-01-2020, emitiu douto parecer, de fls. 873 a 877, como segue (realces do texto):

“III – Parecer

O recorrente AA, alega que a sua conduta só poderá ser apreciada como tendo praticado um único crime de violação agravada, sob a forma continuada.

O recorrente AA, alega que o acórdão recorrido fez uma errada qualificação jurídica da sua conduta, pugnando pela sua diminuição da pena para 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução.

O recorrente AA, alega que a decisão recorrida violou os arts. 79º, 164º, nº 1, 177º, nº 1, al. b), e 7º, todos do Cod. Penal, e o art.. 32º da CRP, pretendendo a modificação do acórdão recorrido, nos termos pugnados pelo recurso por si interposto.

Consideramos que não assiste razão ao recorrente AA, subscrevendo a resposta apresentada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Évora, que considera que o acórdão recorrido deve ser integralmente mantido.

Com efeito, tem sido entendimento jurisprudencial que os crimes de abuso sexual de menores não configuram uma situação de crime continuado, uma vez que estão em causa bens eminentemente pessoais.

E, a este propósito, citamos parte do sumário do recente Ac. STJ, de 27/11/2019, in Proc. nº  784/18.0JAPRT.G1.S1, 3ª Secção Criminal, acessível em www.dgsi.pt, onde se lê que: A aplicação do trato sucessivo quando, como sucede nos crimes de abuso sexual de menores, estão em causa bens eminentemente pessoais é pelo STJ «é pelo STJ «pelas mesmas razões por que se não aceita a configuração do crime continuado» em tais situações, sendo que no caso do crime de abuso sexual de crianças, o entendimento já sedimentado é o da integração da pluralidade de condutas à figura do concurso efectivo de crimes, afastando-se a possibilidade de subsunção a outras figuras, designadamente ao crime de trato sucessivo (…)”.

No caso dos autos, temos que o recorrente AA, vivia maritalmente com BB, que padecia de uma doença nas pernas, que a obrigava a dormir sozinha, tendo o recorrente aproveitado o facto de partilhar a cama com a menor CC, sua enteada, num outro quarto, para praticar com ela actos de natureza sexual.

Ora, em todas as situações que foram dadas como provadas no acórdão recorrido, o recorrente AA renovou o seu desígnio criminoso, procurando as oportunidades em que poderia manter contactos com a menor CC, e tirando proveito da dependência física da mãe da menor, e da chantagem que fazia com esta última, ameaçando-a que se fosse contar alguma coisa à mãe faria queixa na polícia e ela iria para um colégio interno, para prosseguir com a sua conduta.

Desta forma, entende-se que o recorrente AA praticou, na pessoa da ofendida menor CC, um crime de violação agravada, na forma consumada, e cinquenta e cinco crimes de violação agravada, na forma tentada, (SIC) o que sempre fez renovando este seu propósito criminoso, não podendo tal conduta ser considerada, nem apreciada num todo, através de uma unicidade de resolução.

Entende-se, assim, que a factualidade fixada no acórdão recorrido não é enquadrável na figura do crime de trato sucessivo, sendo de manter a qualificação jurídica efectuada.

Quanto à medida da pena única aplicada de 11 (onze) anos de prisão, entende-se ser a mesma justa e adequada, face às muito elevadas exigências de prevenção geral que se fazem sentir nos crimes de abuso sexual de crianças (SIC), face ao bem jurídico violado, ao alarme social e à insegurança que estes crimes causam na comunidade, que justi[fi]cam a aplicação de uma pena constãnea [consentânea] com a gravidade dos actos praticados.

Assim, considera-se que as penas parcelares, e a pena única aplicada ao recorrente AA, obedeceram aos princípios da proporcionalidade, da adequação, e da proibição do excesso, tendo em conta a natureza dos factos por si praticados, que são reveladores de uma personalidade com uma tendência criminosa, já que não tiveram um qualquer impulso momentâneo, ou uma actuação irreflectida, muito pelo contrário, perduraram por mais de um ano.

Concluindo, entende-se que o acórdão recorrido ponderou devidamente a gravidade dos factos praticados pelo recorrente AA, as finalidades da punição, face aos imperativos da prevenção geral e especial, pelo que, não se afigura minimamente desproporcionada, a pena única de 11 anos de prisão fixada na decisão recorrida, uma vez que a mesma se revela totalmente adequada e ajustada à gravidade de toda a sua conduta, e satisfaz os interesses da prevenção.

Face ao exposto, somos de parecer que o recurso deve improceder, subscrevendo no demais, a resposta apresentada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto do Tribunal da Relação de Évora.


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      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente silenciou.

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      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. 

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      Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série – A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

 

     Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

     As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

     E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.


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      Dispensados os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir. 

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       Questões propostas a reapreciação

 

     Tendo em vista as conclusões da motivação apresentada, onde o recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, são as seguintes as questões a apreciar:

       Questão I – Crime continuado – Conclusões A., B., G. e H.;

      Questão II – Determinação da medida da pena única – Conclusões C, D, E, G e H.;

       Questão III – Suspensão da execução da pena – Conclusão F.


     Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida, traçado pelo arguido/recorrente, apreciar-se-á a questão prévia da admissibilidade do recurso face ao facto de as conclusões neste recurso coincidirem com as conclusões apresentadas no recurso para o Tribunal da Relação de Évora, bem como a questão prévia da recorribilidade, da inadmissibilidade parcial do recurso, por dupla conforme, apreciação a efectuar oficiosamente, já que nos situamos no terreno da apreciação da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência.

      (Desde logo, nos termos do artigo 434.º do Código de Processo Penal e do artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro e alterada e republicada, conforme o artigo 11.º, pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, in Diário da República, 1.ª série, n.º 244, de 22 de Dezembro, e pela segunda alteração operada pelo artigo 17.º da Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto, in Diário da República, 1.ª série, n.º 164, de 25 de Agosto – aprova e regula o procedimento especial de acesso a dados de telecomunicações e Internet pelos oficiais de informações do Serviço de Informações de Segurança e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa – alterando os artigos 47.º, n.º 4 e 54.º, n.º 3.

      Entretanto, a Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23-08-2017, que procedeu à 44.ª alteração do Código Penal, versando pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, pelo artigo 11.º deu nova redacção à alínea k) do artigo 114.º).


      Assim, abordaremos as seguintes questões prévias:

   Questão Prévia I – (In)Admissibilidade do recurso por reedição/renovação no presente recurso de parte substancial da motivação e das conclusões apresentadas no anterior recurso para o Tribunal da Relação de Évora  

      Questão Prévia II – Inadmissibilidade parcial do recurso – Irrecorribilidade quanto aos crimes punidos com penas aplicadas em medida inferior a oito anos de prisão (todas) e confirmadas pelo Tribunal da Relação – Dupla conforme in mellius


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       Apreciando. Fundamentação de facto.


     No recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora o arguido impugnou a matéria de facto fixada nos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 15 e 16, invocando violação do princípio in dubio pro reo.

      Como vimos e consta do dispositivo do acórdão ora recorrido, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou a impugnação factual, mas oficiosamente, procedeu a redução factual, retirando dos FP «as “contabilizações” que constavam da acusação por constituírem meras declarações aritméticas que nem os factos permitem que se façam», alterando a redacção dos FP 5 e 6 nos termos da alínea b) do dispositivo.

      Tais alterações serão tidas em conta, naturalmente, constando do texto que segue, colocando-se entre […] o que era do texto do acórdão da 1.ª instância e em negrito as alterações feitas pela Relação de Évora.

      Dito isto, foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.


       Factos Provados

1) CC, nascida em … de … de 2003, filha de BB, enteada de AA e com estes residente, à data dos factos, na Rua …, nº 00, …, … .

2) Por força de uma doença nas pernas da progenitora BB, CC dormia, habitualmente, num quarto distinto do da sua mãe, na mesma cama que o seu padrasto, AA.

3) Em data não concretamente determinada do Verão de 2016, AA, numa noite em que dormia com CC, à data com 13 (treze) anos de idade, agarrou-lhe os pés e as pernas contra a sua vontade, tapou-lhe a boca e apalpou-lhe os seios e a vagina, por debaixo da roupa que esta usava.

4) De seguida, AA baixou as calças de pijama de CC, afastou-lhe as pernas e introduziu-lhe o pénis erecto na vagina, sem preservativo, aí o friccionando até estar prestes a atingir o orgasmo, momento em que o retirou da vagina da menor e ejaculou para as suas próprias cuecas.

5) Desde a situação acima mencionada no Verão de 2016, até ao mês de Novembro de 2017, AA, em datas diversas, [pelo menos uma vez por semana], não determinadas quando dormia com CC no referido quarto, tentou repetir a supra descrita relação sexual de cópula vaginal com a mesma.

6) Assim, desde o final do Verão de 2016, que ocorreu a 22 de Setembro de 2016, até ao mês de Novembro de 2017, em datas não concretamente apuradas, mas, [pelo menos, em 55 (cinquenta e cinco) ocasiões distintas] em ocasiões distintas não determinadas, AA apalpou os seios e a vagina de CC, deu-lhe beijos no pescoço e nos seios contra a sua vontade e roçou-se nela com o pénis erecto, agarrando-a contra a sua vontade, com o intuito de a penetrar, o que não mais logrou fazer porque esta conseguia soltar-se e, pelo menos uma vez, fugiu para a sala, onde acabou por dormir no sofá aí existente.

7) AA, durante todo este período temporal, dizia habitualmente a CC que se contasse alguma coisa à sua mãe, sobre os factos supra descritos, este faria queixa de si à polícia e a mesma iria para um colégio interno.

8) AA referia-se ao facto de ter conhecimento que CC, quando tinha 9 (nove) anos, teria deitado fogo a um edredão, causando um incêndio na residência comum.

9) Por esse motivo, com receio de ser denunciada à polícia e ser encaminhada para um colégio interno, CC não contou os referidos factos à sua progenitora.

10) AA, naquela noite, em data não concretamente determinada do Verão de 2016, actuou de forma livre, voluntária e consciente, no propósito concretizado de manter relações sexuais de cópula vaginal com CC, menor de 14 (catorze) anos à data, o que aquele bem sabia, utilizando para o efeito de força física sobre a mesma, bem sabendo que agia contra a vontade desta, violando, como violou, a sua autodeterminação sexual e o livre desenvolvimento da sua personalidade.

11) Desde o final do Verão de 2016, até ao dia 29 de Maio de 2017, AA actuou de forma livre, voluntária e consciente, por pelo menos por 34 (trinta e quatro) vezes, no propósito de manter relações sexuais de cópula com CC, menor de 14 (catorze) anos, o que aquele bem sabia, utilizando para o efeito de força física sobre a mesma, bem sabendo que agia contra a vontade desta, violando a sua autodeterminação sexual, resultado que não conseguiu alcançar porque a mesma resistiu, soltou-se e, pelo menos numa ocasião, fugiu para a sala de sua casa.

12) Desde 29 de Maio de 2017 até Novembro de 2017, AA actuou de forma livre, voluntária e consciente, por pelo menos por 21 (vinte e uma) vezes, no propósito de manter relações sexuais de cópula com CC, menor de 16 (dezasseis) anos, o que o aquele bem sabia, utilizando para o efeito de força física sobre a mesma, bem sabendo que agia contra a vontade desta, violando a sua autodeterminação sexual, resultado que não conseguiu alcançar porque a mesma resistiu, soltou-se e, pelo menos numa ocasião, fugiu para a sala de sua casa.

13) AA sabia que CC era filha da sua esposa, que com ela residia e conhecia a situação de absoluta dependência, económica e afectiva, em que ela se encontrava em relação a si, circunstâncias de que se aproveitou, livre, voluntária e conscientemente.

14) AA sabia, em todas as circunstâncias e datas, a idade de CC, designadamente que a mesma completou 14 (catorze) anos de idade no dia …. de … de 2017.

15) AA agiu sempre, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que actuando da forma descrita, o fazia contra a vontade de CC e que não só afectava o livre desenvolvimento da sua personalidade na esfera sexual, como a limitava na sua liberdade de autodeterminação sexual.

16) Ao dizer a CC que se contasse à sua mãe os factos acimas descritos, faria queixa-crime de si à polícia e a mesma iria para um colégio interno, AA agiu, livre, voluntária e conscientemente, no intuito de limitar a liberdade da ofendida, inibindo-a, o que conseguiu.

17) Sabia AA que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei Penal.

18) AA é o mais novo de três irmãos, todos do sexo masculino, tendo-se os progenitores, já falecidos, separado quando AA tinha cerca de um ano de idade, na sequência de conflitos resultantes dos hábitos alcoólicos do pai sob o efeito dos quais protagonizava episódios de violência doméstica.

19) Posteriormente à separação, o pai de AA foi viver para a zona de …, na companhia do filho mais velho, tendo ocorrido poucos contactos entre ele e os outros filhos.

20) Nesta sequência, a situação económica do agregado familiar de AA agravou-se.

21) AA frequentou o ensino formal em idade normativa, tendo concluído o 1.º ciclo do ensino básico com cerca de 13 (treze) anos de idade, registando algumas reprovações por falta de motivação e investimento nas actividades escolares.

22) Logo a seguir à frequência escolar, AA iniciou o percurso profissional, como … e, há cerca de vinte e três anos, trabalha como …, por conta da Câmara Municipal de …, apresentando um percurso profissional estável.

23) A nível afectivo teve um primeiro relacionamento que culminou com a celebração de um casamento que teve curta duração e do qual não resultaram filhos.

24) Posteriormente, AA estabeleceu uma união de facto com a actual companheira, com quem contraiu casamento em …. de 2005.

25) Na altura, a companheira já tinha filhos de anteriores relacionamentos, tendo os mais velhos sido entregues a famílias de acolhimento residentes na zona do … e a mais nova, então com cerca de 3 (três) anos de idade, integrado o agregado familiar constituído por AA e a progenitora.

26) Ao nível da saúde, AA manteve hábitos de consumo de bebidas alcoólicas que, sobretudo em situações de lazer, por vezes ingeria em demasia, tendo desde Junho de 2017 deixado de consumir.

27) Concomitantemente, AA apresenta problemas de saúde ao nível da coluna que por vezes interferem no seu desempenho profissional, ocasionando períodos de baixa médica.

28) À data da ocorrência dos factos, AA integrava ainda o agregado familiar constituído pelo próprio, o cônjuge BB, de 51 (cinquenta e um) anos, reformada, com quem vive há cerca de treze anos e a filha desta, CC, estudante.

29) Desde a prisão preventiva de AA que CC está institucionalizada.

30) O relacionamento do casal composto por BB e AA era harmonioso e gratificante nos períodos em que o mesmo se mantinha abstinente de álcool, sendo que quando embriagado o mesmo se tornava conflituoso e verbalmente ofensivo.

31) Na sua actividade profissional de … por conta da Câmara Municipal de …, AA mostrava-se um trabalhador assíduo, pontual e com competências profissionais adequadas, auferindo o valor equivalente ao salário mínimo nacional.

32) BB recebe uma pensão de cerca de €250,00 (duzentos e cinquenta euros), o que lhes permitia ter uma situação económica equilibrada.

33) Actualmente, AA tem o contrato de trabalho com a Câmara Municipal de … suspenso e a situação só será reavaliada após a decisão do presente processo, não estando excluída a possibilidade de retomar o posto de trabalho.

34) AA com o apoio do irmão DD que se disponibiliza para o receber em sua casa e lhe dispensar todo o apoio, visitando-o com regularidade no Estabelecimento Prisional, onde se encontra desde 19 de Janeiro de 2018.

35) AA tem mantido comportamento de acordo com as normas do Estabelecimento Prisional, não apresentando registo de sanções disciplinares, mas não desenvolve qualquer actividade estruturada.

36) AA apresenta um quociente de inteligência borderline e comprometimento cognitivo, revelando dificuldades de compreensão, interpretação, concepção e mnésicas, o que não o impediu de funcionar adequadamente a um nível global, de forma independente e com continuidade ao nível profissional, social e familiar.

37) AA evidencia traços disfuncionais da personalidade, mas a sua situação não se enquadra num diagnóstico de perturbação da personalidade.

38) AA apresenta perturbação emocional, verificando-se a existência de ansiedade, depressão, tensão, inquietação e dificuldades ao nível do controlo das suas emoções e impulsos.

39) No que tange às características específicas da personalidade, AA denota indícios de impulsividade, inconformismo, desculpabilização e pouco insight sobre os motivos das suas atitudes pessoais, tendendo a responsabilizar terceiros pelas suas dificuldades e comportamentos.

40) AA não tem antecedentes criminais.


Factos não provados:

Que desde o final do Verão de 2016, que ocorreu a 22 de Setembro de 2016, até ao mês de Novembro de 2017, em datas não concretamente apuradas, mas, pelo menos, em mais 5 (cinco) ocasiões distintas das supra descritas, AA apalpou os seios e a vagina de CC, deu-lhe beijos no pescoço e nos seios contra a sua vontade e roçou-se nela com o pénis erecto, agarrando-a contra a sua vontade, com o intuito de a penetrar, o que não mais logrou fazer porque esta conseguia soltar-se e, pelo menos uma vez, fugiu para a sala, onde acabou por dormir no sofá aí existente.



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       Apreciando. Fundamentação de direito. 

   Antes de abordarmos as questões propostas, quer no que toca à alteração da qualificação jurídica, com a pretensão de subsunção dos factos na figura de continuação criminosa, quer no que tange à medida da pena conjunta, atenta a circunstância de o segmento conclusivo do presente recurso ser praticamente simétrico com o anteriormente apresentado no recurso interposto para a Relação de Évora, é de colocar, como se referiu, uma questão prévia relacionada com a possibilidade de rejeição ou não de recurso em tais condições.

  

   Questão Prévia I – (In)Admissibilidade do recurso por reedição/renovação no presente recurso de parte substancial da motivação e das conclusões apresentadas no anterior recurso para o Tribunal da Relação de Évora  


     Desde logo, há que dizer que a decisão recorrida, agora, no presente contexto, é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Setembro de 2019, e não, porque ultrapassado, o acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de ..., sobre cuja reapreciação incidiu aquele.

 

   A manutenção no presente recurso do texto do anterior recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora inculca a ideia de que o recorrente continua a dirigir-se ao acórdão da primeira instância, olvidando o acórdão da Relação de Évora que confirmou aquele e que deveria ter impugnado.

    

       No primeiro recurso a impugnação de matéria de facto constava dos artigos 1.º a 32.º da motivação, sendo a pretensão levada às conclusões A a H, pedindo o recorrente a absolvição.

     Nos artigos 34.º a 54.º da motivação constava a matéria relativa à alteração da qualificação jurídica e à medida da pena, a fls. 787 e verso, pretensões então vertidas nas conclusões I a Q.

      No presente recurso, os artigos 3.º a 9.º e 11.º a 24.º da motivação, a fls. 859 a 861, correspondem aos artigos 34.º a 40.º e 41.º a 54.º da motivação do 1.º recurso.

      A coincidência só não é total, porque o actual artigo 10.º diz “Assim, discorda-se em absoluto da classificação dada pelo tribunal «a quo» ao falar e” (SIC), sendo que as actuais conclusões A a H, a fls. 861/2, repetem as anteriores conclusões de fls. 788 e verso I, J, L, M, N, O, P, Q, incluindo o itálico da actual conclusão C, tal como constava na anterior conclusão L “comprometimento cognitivo”.

      Embora no artigo 1.º da motivação ora apresentada o recorrente refira a condenação na pena única de 11 anos de prisão, certo é que refere de seguida, no artigo 3.º, a condenação por 34 crimes de violação agravada ou por 21 crimes de violação agravada, referindo no artigo 24.º o acórdão da 1.ª instância, que deve ser modificado, o que é levado à actual conclusão G.

      A diferença substancial entre o primeiro recurso e o actual é que no presente o recorrente não pede modificação da matéria de facto.

      O recorrente no recurso ora em apreciação, ressalvado o abandono da impugnação da matéria de facto, repete ipsis verbis, em jeito de segunda edição não revista nem ampliada, o alegado no anterior recurso, incluído o texto das conclusões.

    Vindo o presente recurso interposto de acórdão da Relação de Évora, ao cotejarmos a motivação e as conclusões ora apresentadas (fls. 859 a 862) com as que foram formuladas no recurso interposto do acórdão do Juízo Central Criminal de Santarém (fls. 785 a 789) ressalta à evidência a quase total coincidência entre umas e outras, estando-se perante um mero decalque, uma cópia, uma “nova edição”, praticamente não revista do recurso anterior, uma reprodução quase integral, em que pouco de novo e sobretudo, relevante, útil e pertinente, se acrescenta.

     Retirada a impugnação da matéria de facto, subsistem nos mesmos termos as questões de subsunção no crime continuado e determinação da medida da pena.

 

      Ora, no que respeita a estas questões, o presente recurso mais não é do que a mera repetição do anterior, repetindo o recorrente o que então alegara, o que com toda a clareza se alcança da leitura da motivação anterior e da actual.

      O recorrente age como se estivesse de novo, em segundo “round”, a reagir contra o acórdão do Tribunal de Santarém, olvidando por completo a reapreciação realizada pela Relação de Évora.

      Em termos globais, o presente recurso mais não é do que a mera repetição do recurso anterior, sem qualquer inovação, melhoria ou significativo acrescento, sem o recorrente ter a mínima preocupação de introduzir, aqui e agora, neste novo palco de apresentação/representação do feito a decidir, qualquer mais-valia, outro elemento, quiçá, novo, relevante, pertinente, útil, uma diversa perspectiva de observação e análise, quase parecendo esquecer que o acórdão a impugnar é agora outro, que se debruçou sobre um acórdão do Colectivo de Santarém, ora, retomando a letra, o tom e o ritmo da primeira impugnação, nada alterando, como se tudo fosse exactamente igual, quando efectivamente o não é, justamente em função da intervenção correctiva operada pelo ora acórdão recorrido.

      Sendo os argumentos agora utilizados, exactamente os mesmos que foram dirigidos ao acórdão da primeira instância, tal significa que, em rigor, o recorrente não impugna o acórdão da Relação, esquecendo-se que a decisão agora em reexame é esta e não a da 1.ª instância.

       Reeditando agora os argumentos e as questões anteriormente postas à consideração da Relação, limita-se o recorrente a devolver ao Supremo Tribunal, exactamente as mesmas questões que colocadas foram à Relação de Évora, que sobre elas se pronunciou, agindo como se estivesse a recorrer, afinal, uma outra vez, em segunda via, da deliberação do Tribunal de Santarém.

    A discordância nesta sede só fará sentido se dirigida à solução perfilhada pela Relação, com argumentos novos, específicos, dirigidos ao novo acórdão, com outros enquadramentos, explicitando razões jurídicas novas, dirigidas à nova decisão, agora recorrida, que infirmem os fundamentos nesta apresentados, pois agora é o acórdão da Relação o objecto de recurso e não a já reapreciada decisão da 1.ª instância.


   Tendo esta sido objecto de conhecimento e decisão na Relação, o recurso com tais características só poderá ser entendido como mera repristinação do inconformismo com o deliberado pela 1.ª instância.

   No caso presente, não há um novo esforço argumentativo, limitando-se o recorrente a repetir a linha argumentativa explanada junto do Tribunal da Relação, e olimpicamente ignorando de todo a existência do acórdão da Relação de Évora; no fundo, não diz rigorosamente nada de novo, ou diverso.


   Nestes casos é de colocar a questão de saber se o recurso é de rejeitar por manifesta improcedência.


     Para uma corrente jurisprudencial o recurso nestas condições é de rejeitar.

      Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Novembro de 2002, proferido no processo n.º 3092/02-5.ª Secção “Quando o STJ é confrontado com um recurso da Relação, são os fundamentos do decidido em 2.ª instância que importa verificar e, não, os da decisão de 1.ª instância já sufragados pelo tribunal recorrido.

   Daí que quando o recorrente se limita a uma espécie de recauchutagem (…) dos fundamentos de recurso que apresentou perante a Relação, sem nada de novo trazer à discussão, verdadeiramente não apresenta motivação.

      O recurso que em tudo reedita o pretenso inconformismo do recorrente perante o deliberado em 1.ª instância não pode ser conhecido - não deveria, mesmo, ter sido admitido – por carência absoluta de motivação - arts. 411.º, n.º 3, 414.º, n.º 2 e 417.º, n.º 3, al. a), do CPP”.

      No mesmo sentido se pronunciaram os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12-02 (12?) -2002, processo n.º 3221/02-5.ª Secção; de 6-06-2002, processo n.º 1874/02-5.ª; de 17-10-2002, processo n.º 2815/02; de 12-12-2002, processo n.º 3221/02; de 21-05-2013, processo n.º 616/03-3.ª Secção; de 22-05-2003, processo n.º 1672/03-5.ª Secção; de 22-10-2003, processo n.º 2446/03-3.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 74, pág. 147; de 06-05-2004, processo n.º 1589/04-5.ª Secção; de 27-05-2004, recurso n.º 766/04, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209, onde se pode ler “é de rejeitar o conhecimento do recurso interposto para o STJ, no qual o recorrente se limita a reeditar toda a argumentação já expendida no recurso antes interposto para o Tribunal da Relação e à qual aí se deu a necessária resposta” e de 15-07-2004, processo n.º 2005/04.

     E igualmente no sentido de falta de motivação se pronunciou o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 2813/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 158, onde se sintetiza: “No recurso interposto do Tribunal da Relação para o STJ devem-se especificar as razões de discordância com o ali decidido, pelo que a renovação da argumentação da impugnação interposta inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, equivale a falta de motivação, conducente à sua rejeição liminar”.

      Ou, como se extrai do acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4812/07- 3.ª Secção: «A repetição das conclusões ante as instâncias de recurso, particularmente as da Relação perante o STJ, ignorando o teor da decisão proferida na Relação, a qual subsiste inimpugnada e não contrariada em ordem à reparação do erro, conduz à rejeição do recurso por manifesta improcedência, tudo se passando como se a motivação estivesse ausente».

      Ainda neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 12-04-2007, nos processos n.ºs 255/07 e 516/07, ambos da 5.ª Secção, e de 02-10-2008, processo n.º 4725/07 – 5.ª Secção, onde se afirma: «Quando, no recurso para o STJ, o recorrente nada acrescentou ao que já havia alegado quando se dirigiu à Relação, limitando-se a repetir a motivação, à qual, nesse anterior recurso, já fora dada cabal resposta, que o recorrente ignorou em absoluto, o recurso apresenta-se como manifestamente infundado, por isso sendo rejeitado».

     Como consta do acórdão deste Supremo e desta 3.ª Secção, de 7 de Novembro de 2007, proferido no processo n.º 3990/07: «Quando a questão objecto do recurso interposto para o Supremo seja a mesma do recurso interposto para a Relação, tem o recorrente de alegar (motivando e concluindo) como fundamento do recurso, as razões específicas que o levam a discordar do acórdão da Relação: - É que o acórdão recorrido é o acórdão do tribunal superior - o tribunal da Relação -, que decidiu o recurso interposto e, não o acórdão proferido na 1ª instância.

     Não aduzindo o recorrente discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados pela Relação, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o Supremo».

      No sentido de rejeição, mais recentemente, pode ver-se o acórdão de 30-10-2013, proferido no processo n.º 806/09.5JAPRT.S1-3.ª Secção.


     Em sentido oposto pode citar-se, v. g., o acórdão de 10-10-2007, proferido no processo n.º 3315/07-3.ª Secção (com um voto de vencido), aí se defendendo que a hipótese de rejeição em caso de reprodução da argumentação do recurso dirigida à Relação não está prevista na lei, explicitando, a propósito: “…os casos de rejeição do recurso, atenta a sua finalidade de reparação de eventual erro judiciário, de melhor decisão no plano substancial, ultrapassando o fim de mero “refinamento” teórico, levam a que se tenha presente que o recorrente pode discordar da decisão da Relação, repetindo os fundamentos antes invocados, por estar convicto de que aquela lhe não deu resposta, justificando a sua duplicação para o STJ e que, sem mais, se não lance mão daquele expediente radical”.  

      No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do mesmo dia e Secção, no processo n.º 2684/07, conhecendo-se, ainda, por obviamente admitidos, de recursos nestas condições, nos acórdãos de 17-10-2007, no processo n.º 3265/07 e de 17-04-2008, nos processos n.ºs 677/08 e 823/08, todos da 3.ª Secção, podendo ainda ver-se o acórdão de 22-10-2008, processo n.º 3274/08-3.ª Secção.

      Num quadro de um mesmo tipo de impugnação, diz-se no acórdão de 27 de Maio de 2010, processo n.º 58/08.4JAGDR.C1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2010, tomo 2, pág. 206: “Neste condicionalismo a rejeição do recurso não tem por contraste um alheamento, ou ostracização, da decisão do Tribunal da Relação, mas sim uma eventual persistência da mesma crítica que já foi dirigida à decisão de primeira instância por considerar que se mantêm as razões anteriormente deduzidas. A rejeição do recurso representaria neste condicionalismo uma insuportável desproporcionalidade perante a irregularidade praticada”.

      No acórdão de 19 de Janeiro de 2011, processo n.º 376/06.6L1.S1, desta Secção, após citar-se o acórdão de 7-11-2007, consta: «Porém, se nos afastarmos dessa perspectiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, e esgrimirmos numa vertente quiçá mais garantística da ratio do artº 32º nº1 da Constituição da República, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o Supremo, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação - e, por isso, as questões ventiladas no recurso são as mesmas, e, embora não aduza discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, não explicitando razões jurídicas novas perante o acórdão da Relação, que infirmem os fundamentos apresentados pela Relação no conhecimento e decisão das mesmas questões -, não significa, contudo, que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão recorrido, o acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objecto do recurso interposto para o Supremo, pois que o recurso enquanto remédio, é expediente legal para correcção da decisão recorrida (não seu mero aperfeiçoamento), como meio de impugnar e contrariar a mesma, embora, sem prejuízo de, se nada houver, de novo, a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, seja de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao Supremo que justifique essa fundamentação com nova argumentação».

      Acolhemos esta orientação nos acórdãos de 30-04-2008, no processo n.º 4723/07, de 25-06-2008, no processo n.º 449/08, de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07, de 21-01-2009, no processo n.º 2387/08, de 06-07-2011, no processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, de 11-12-2012, processo n.º 951/07.1GBMTJ.E1.S1, e revendo-se, a partir do primeiro citado, a posição assumida anteriormente nos acórdãos de 10-10-2007, no processo n.º 3197/07 e de 12-03-2008, no processo n.º 112/08, por a repetição/renovação de motivação não dever ser equiparada à sua falta e não estar prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação.

      Mais recentemente, neste sentido se pronunciou o acórdão de 29-05-2013, processo n.º 1264/11.0PCSTB.E1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 185; o acórdão de 10-04-2014, processo n.º 563/12.8PBEVR.E1.S1-3.ª Secção e os acórdãos de 24-09-2014, de 25-02-2015 e de 17-10-2018, por nós relatados nos processos n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1, n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1 e 138/16.2PAMTJ.L1.S1.


      Pelo exposto, entende-se não ser de rejeitar o recurso, não sendo de colocar o óbice da inadmissibilidade do recurso por esta razão.

      O que não significa que não possa ser rejeitado em parte por outras razões que não a mera reedição da motivação e conclusões.


      Questão Prévia II – Inadmissibilidade parcial do recurso – Irrecorribilidade quanto à matéria decisória relativa aos crimes punidos com penas parcelares aplicadas em medida inferior a oito anos de prisão (todas) e confirmadas integralmente pelo Tribunal da Relação, com a única excepção da pena única que foi reduzida de 13 para 11 anos de prisão – pena única situada no patamar de recorribilidade – Dupla conforme in mellius  


   É de colocar a questão prévia da recorribilidade, tratando-se de questão não abordada pelo Ministério Publico, quer no Tribunal da Relação de Évora, quer neste Supremo Tribunal, mas que é de conhecimento oficioso.

     No caso presente decisão recorrida é o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10 de Setembro de 2019, confirmatório do acórdão do Colectivo do Juízo Central Criminal de Santarém, da Comarca de Santarém, na quase totalidade, sendo de analisar se se verifica ou não dupla conforme.

     Ocorre que a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no douto parecer emitido, não suscitou a questão de dupla conforme, como impeditiva do recurso no segmento que pretende revisitação da análise do número de crimes e da determinação da medida das penas parcelares.


     As penas parcelares aplicadas e confirmadas, em número menor (3 e não 56), são todas inferiores a 8 anos de prisão, só a pena única sendo superior a tal limite (11 anos de prisão).

     

     A lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão da primeira instância.

     A solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 – de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, no domínio do anterior regime processual, nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».

     Este acórdão fixou jurisprudência no sentido de que em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais penais, é aplicável a lei vigente à data da decisão proferida em 1.ª instância.

      Tal orientação tem sido seguida sem discrepâncias, como se pode ver, por exemplo, dos acórdãos de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188, em caso de confirmação in mellius, em que interviemos como adjunto, onde se afirma: “É recorrível para o STJ a decisão proferida pela Relação já depois da entrada em vigor da nova lei de processo que não reconheça esse grau de recurso, se a lei que vigorava ao tempo da decisão da 1.ª instância o mandasse admitir”; de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1, do mesmo relator, em que para além do passo citado se afirma: “A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido”; de 23-09-2009, processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª, que afirma: “O momento relevante para a determinação da lei aplicável aos recursos é a decisão da 1.ª instância, doutrina esta que acabou por ser afirmada no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2009 (DR I-A, de 19-03-2009”; de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª, onde se refere: “No caso de sucessão de leis processuais, em matéria de recursos, é aplicável a lei vigente à data da decisão de 1.ª instância, entendimento a que o STJ chegou no AUJ n.º 3/2009 [4/2009], de 18-02-2009, in DR, I-Série, de 19-03-2009”; de 10-01-2013, processo n.º 507/05.3GAEPS.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, em caso de recurso interposto por assistente; de 12-09-2013, processo n.º 680/11.1GDALM.L1.S1-3.ª; de 9-10-2013, processo n.º 772/11.7JAPRT.P1.S1-3.ª; de 8-01-2014, processo n.º 109/08.2TAETR.P1.S1-3.ª; de 26-03-2014, processo n.º 21/12.0GBPTM.E1.S1-5.ª; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1-3.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª, do mesmo Relator do anterior, de 25-02-2015, processo n.º 859/12.9GESLV.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1/11.3GHLSB.L1.S1-3.ª; de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto; de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1-3.ª; de 28-04-2016, processo n.º 318/14.5JAPDL.L1.S1-3.ª, de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1-3.ª; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª, de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1-3.ª Secção, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1-3.ª, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1-3.ª, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1, de 28-11-2018, processo n.º 115/17.6JDLSB.L1.S1-3.ª Secção.

 

     Este Supremo Tribunal tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e/ou única (s), aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.


       Vejamos as disposições legais aplicáveis.


      É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.


      No que importa ao caso presente rege a alínea b) do n.º 1 do artigo 432.º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que se manteve inalterada, e que estabelece:

      1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

      Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este Supremo Tribunal, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos.

     

     Estabelecia o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto:

     1 - Não é admissível recurso: (…)

     f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

      

      A partir da alteração introduzida pela aludida Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (Diário da República, 1.ª série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, I Série, n.º 207, Suplemento, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República, I Série, n.º 216, de 9 de Novembro de 2007), que procedeu à 15.ª alteração e republicou o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro), passou a estabelecer o artigo 400.º, n.º 1, na alínea f), do Código de Processo Penal:

      «1 – Não é admissível recurso: (…)

      f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

     [A redacção desta alínea permaneceu intocada nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (Diário da República, 1.ª série, n.º 40, de 26-02-2008, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, Diário da República, 1.ª série, n.º 81, de 24-04-2008), pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima, pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração - pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro - 26.ª alteração, alterando o artigo 318.º -, pela Lei n.º 24/2017, de 24 de Maio - 27.ª alteração -, pela Lei n.º 30/2017, de 30 de Maio - Vigésima sétima (sic) alteração - que pelo artigo 15.º altera os artigos 58.º, 178.º, 186.º, 227.º, 228.º, 268.º, 335.º e 374.º e adita o artigo 347.º-A, pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprova o Orçamento do Estado para 2018 e que pelo artigo 293.º altera o artigo 185.º e pela Lei n.º 1/2018, de 29 de Janeiro – Diário da República, 1.ª série, n.º 20, de 29-01-2018 – 30.ª alteração – artigos 113.º, 287.º, 315.º e 337.º].


     A alteração legislativa de 2007, no que tange a esta alínea f), teve um sentido restritivo, impondo uma maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável, quer no recurso directo, quer no recurso de acórdãos da Relação que confirmem decisão de primeira instância, circunscrevendo a admissibilidade de recurso das decisões da Relação confirmativas de condenações proferidas na primeira instância às que apliquem pena de prisão superior a oito anos.

      Com efeito, à luz do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção actual, só é possível o recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão.


      Já anteriormente, porém, à luz da redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzida em 1998 (Lei n.º 59/98), a restrição ora referida era defendida em acórdãos do Tribunal Constitucional, como no Acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Maio de 2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume, 2006, págs. 447 a 477), que, em Plenário, com seis votos de vencido, reafirmando, por maioria, o juízo de não inconstitucionalidade constante do acórdão n.º 640/2004, de 12 de Novembro de 2004, da 3.ª Secção (com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 60.º volume, 2004, pág. 933), com o qual estava em contradição o acórdão n.º 628/2005, de 15 de Novembro de 2005, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Maio de 2006 (e com sumário em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 63.º volume, 2005, pág. 892), decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso interposto apenas pelo arguido para o Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão da Relação que, confirmando a decisão da 1.ª instância, o tenha condenado numa pena não superior a oito anos de prisão, pela prática de um crime a que seja aplicável pena superior a esse limite”.

      O acórdão em causa reiterou a jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual, a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal.


     Acerca da nova formulação legal introduzida em Setembro de 2007, que conduziu a uma restrição do recurso e entendendo daí não decorrer violação do direito de recurso, por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, tem-se pronunciado este Supremo Tribunal de Justiça, conforme se colhe dos acórdãos apontados a seguir.

      Extrai-se do acórdão de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3868/07, da 3.ª Secção, em que interviemos como 2.º adjunto:

      “Nos termos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, na versão vigente à data da interposição do recurso, não é admissível recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem a decisão da 1.ª instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos.

       A Lei 48/2007, de 29-08, alterou essa redacção em sentido restritivo, de forma a circunscrever a admissibilidade de recurso das decisões confirmativas de condenações proferidas na 1.ª instância àquelas que aplicarem pena de prisão superior a 8 anos.

      Tendo os arguidos sido condenados por crimes cuja moldura penal não ultrapassa 5 anos de prisão (crime de insolvência dolosa) e 3 anos de prisão (crime de subtracção de documento), em penas de 2 anos e 8 meses e 2 anos e 4 meses de prisão, a decisão impugnada é irrecorrível, por força da referida al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quer na versão anterior, quer na actual.

      O entendimento dos recorrentes, de que a dupla conforme não se verifica quando o acórdão proferido em sede de recurso seja nulo por omissão de pronúncia, uma vez que, nessa hipótese, não houve uma autêntica segunda pronúncia, não tem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei, que estabelece uma delimitação objectiva e clara das hipóteses de recurso para o STJ, agora baseada na pena concreta (anteriormente na pena abstracta).

      A mera alegação de omissão de pronúncia, que traduz o ponto de vista do recorrente e apenas isso, não invalida a existência de uma efectiva e objectiva dupla decisão em conformidade (decisão da 1.ª instância e confirmação da mesma pela Relação).

     A omissão de pronúncia segue o regime das demais nulidades da sentença, devendo ser arguida junto do tribunal que a proferiu, quando ela não admitir recurso ordinário (art. 668.º, n.º 3, do CPC), pelo que os recorrentes deveriam ter reagido contra a alegada nulidade arguindo-a junto da Relação, por não haver recurso ordinário do acórdão proferido por esse tribunal”.

      No acórdão de 09-01-2008, processo n.º 4457/07-3.ª Secção, pode ler-se: Após a revisão do CPP, da nova redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400º, resulta que é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação, proferido em recurso, que confirme decisão cumulatória que haja condenado o arguido em pena única superior a 8 anos de prisão, ainda que aos crimes parcelarmente considerados seja aplicável pena de prisão inferior a 8 anos, embora, no caso e no que respeita à medida concreta da pena, o recurso fique limitado à pena conjunta resultante do cúmulo.

       Como se extrai do acórdão de 03-04-2008, processo n.º 574/08 - 5.ª Secção, no domínio da actual versão do CPP, as alíneas e) e f) do n.º 1 do art. 400.º referem-se à pena aplicada e não à aplicável, sem menção da frase “mesmo em caso de concurso de infracções”. Houve, portanto, uma inversão do legislador quanto a esta questão da recorribilidade, restringindo drasticamente o recurso da Relação para o Supremo. Importa, por isso, não ir mais além do que a letra da lei. Daí que seja razoável concluir que, actualmente, ao contrário do que dantes sucedia, a questão da irrecorribilidade deve aferir-se pela pena única aplicada e já não atendendo às penas parcelares, isto é, o que importa é a pena que foi aplicada como resultado final da sentença, toda ela abrangida no âmbito do recurso, nos termos do art. 402.º, n.º 1, do CPP, salvo declaração em contrário por parte do recorrente.

      Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1624/08-3.ª Secção, a lei reguladora da admissibilidade do recurso – e por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância.

      Sendo o acórdão de 1.ª instância proferido já na vigência do regime de recursos posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, tendo a arguida sido condenada numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão e tendo o Tribunal da Relação confirmado o decidido pela 1.ª instância, não é admissível recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, que determina a irrecorribilidade de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos (na redacção anterior, o critério da recorribilidade em caso de idêntica decisão nas instâncias – “dupla conforme” – partia da pena aplicável ao crime e não da pena concretamente aplicada).

     Segundo o acórdão de 18-06-2008, processo n.º 1971/08-3.ª Secção, “a nossa jurisprudência e doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum – e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las”.

     Nos acórdãos de 15-07-2008, processo n.º 816/08 e de 14-08-2008, processo n.º 2523/08, ambos da 5.ª Secção, defende-se a obrigatoriedade de reponderação da medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.

      Explicita-se aí: “Actualmente, se é a pena aplicada que constitui a referência da recorribilidade, essa pena tanto pode ser a referida a cada um dos crimes singularmente considerados, como a que se reporta ao concurso de crimes (pena conjunta ou pena única).

      O legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o STJ pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes.

       Tal significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação”.

      No acórdão de 10-09-2008, processo n.º 1959/08-3.ª Secção, diz-se: “Por efeito da entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29-08, foi alterada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelos Tribunais de Relação, tendo-se limitado a impugnação daquelas decisões para este Tribunal, no caso de dupla conforme, às situações em que seja aplicada pena de prisão superior a 8 anos – redacção dada à al. f) do n.º 1 do art. 400º do CPP – quando no domínio da versão pré - vigente daquele diploma a limitação incidia relativamente a decisões proferidas em processo por crime punível com pena de prisão não superior a 8 anos”.

      No acórdão de 29-10-2008, processo n.º 3061/08-5.ª Secção, refere-se: “Considerando as datas dos veredictos da 1.ª e 2.ª instâncias, já em plena vigência da Lei 48/2007, será de observar a nova redacção conferida à alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, donde resulta a inviabilidade da interposição de recurso para o STJ, sendo o acórdão recorrido (da Relação) condenatório e confirmatório (em recurso) de pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, não superior, portanto, ao ali apontado limite de 8 anos”.

      Pode ler-se no acórdão de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª Secção: “No caso de concurso de infracções, tendo a Relação confirmado, em recurso, decisão de 1.ª instância que aplicou pena de prisão parcelar não superior a 8 anos, essa parte não é recorrível para o STJ, nos termos do artigo 400, n.º 1, alínea f), do CPP, na versão da Lei n.º 48/2007, de 29-08, sem prejuízo de ser recorrível qualquer outra parte da decisão, relativa a pena parcelar ou mesmo só à operação de formação da pena única que tenha excedido aquele limite”.

 

      Como se retira dos acórdãos desta Secção de 07-05-2008, processo n.º 294/08; de 10-07-2008, processo n.º 2146/08; de 03-09-2008, processo n.º 2192/08; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08; de 04-03-2009, processo n.º 160/09; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188 e de 07-04-2010, processo n.º 1655/07.0TAGMR.G1.S1, todos com o mesmo Relator “com a revisão do Código de Processo Penal deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos» para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a oito anos; daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções». Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo, se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão. E, ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a oito anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar oito anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então à pena conjunta”.

    (Quanto a este último aspecto, cfr. os acórdãos de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1 e de 21-10-2009, processo n.º 296/06.4JABRG.G1.S1, ambos da 3.ª Secção.).

      Neste sentido, podem ainda ver-se os acórdãos de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª Secção, por nós relatado, não conhecendo da pena aplicada por crime de maus tratos a cônjuge, mas apenas de homicídio qualificado atípico e de pena única; de 11-02-2009, processo n.º 113/09-3.ª Secção, no sentido de ser recorrível apenas a pena única, quando ultrapasse os 8 anos de prisão; de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª Secção; de 15-04-2009, processo n.º 583/09-3.ª Secção; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª Secção, referindo: “o recurso para o Supremo de acórdão da Relação que confirme decisão condenatória de 1.ª instância apenas tomará conhecimento das questões relativas aos crimes cujas penas parcelares ultrapassem aquele limite de 8 anos, e não as havendo, limitar-se-á à pena única, se superior a 8 anos”; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª Secção, por nós relatado, não conhecendo da questão relativa ao crime de detenção de arma, mas apenas de tráfico de estupefacientes e da pena única; de 07-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 193; de 14-05-2009, processo n.º 998/07.8PBVIS.C1.S1-5.ª Secção, onde se afirma que “são irrecorríveis os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAOFR.C1.S1, por nós relatado, em que se conheceu apenas da medida da pena única fixada em 11 anos de prisão e não das questões relacionadas com os sete crimes em equação; de 27-05-2009, no processo n.º 384/07.0GDVFR.S1-3.ª Secção; de 25-06-2009, processo n.º 145/02.2PAPBL.C1.S1 e de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª Secção, proferido pelo mesmo Rlator do anterior, onde se diz: «Tendo havido confirmação total, em recurso, pela Relação, de acórdão condenatório em penas de prisão não superiores a 8 anos – arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP – as soluções normativas sobre admissibilidade dos recursos para o STJ decorrentes da revisão de 2007 do processo penal, introduzidas pela Lei n.º 48/2007, não o permitem»; ou seja, «não é admissível recurso relativamente às penas parcelares e sobre as questões que lhe sejam conexas, e apenas a pena única, aplicada em medida superior a 8 anos de prisão, é passível de recurso»; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM-E1; do mesmo Relator, de 23-09-2009, processo n.º 27/04.3GBTMC.S1-3.ª Secção e processo n.º 463/06.0GAEPS.S1-5.ª Secção; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª Secção, onde se considera que a decisão de tribunal da Relação que confirmou as diversas penas parcelares (entre os 9 meses e os 4 anos de prisão) não é recorrível para o STJ, mas já o é a decisão que agravou a pena conjunta correspondente ao concurso de crimes por que o arguido foi condenado; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª Secção; de 04-02-2010, processo n.º 1244/06.7PBVIS.C1.S1-3.ª Secção; de 10-03-2010, processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1; de 18-03-2010, no processo n.º 175/06.5JELSB.S1-5.ª Secção e no processo n.º 538/00.0JACBR-B.C1.S1-5.ª Secção; de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª Secção; de 09-06-2010, processo n.º 862/09.6TBFAR.E1.S1-5.ª Secção; de 23-06-2010, processo n.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 30-06-2010, processo n.º 1594/01.9TALRS.S1-3.ª Secção; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1-3.ª Secção; de 29-09-2010, processo n.º 234/00.8JAAVR.C2.S1 - 3.ª Secção; de 20-10-2010, processo n.º 851/09.8PFAR.E1.S1 - 3. Secção ª.

      No acórdão de 16-12-2010, proferido no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª Secção, citando os supra referidos acórdãos de 13-11-2008, processo n.º 3381/08-5.ª Secção; de 16-04-2009, processo n.º 491/09-5.ª Secção; de 12-11-2009, processo n.º 200/06.0JA PTM.E1.S1-3.ª Secção e de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª Secção, consigna-se o seguinte: 

  “I - No regime estabelecido pelos arts. 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

    II - Nos casos de julgamento por vários crimes em concurso, em que tenha sido aplicada a cada um dos crimes pena de prisão não superior a 8 anos, confirmada pela Relação, e em que a pena única seja superior a 8 anos, o recurso da decisão da Relação só é admitido no que respeita à pena única, em virtude da conformidade (“dupla conforme”) no que respeita à determinação das penas por cada um dos crimes.

      E assim, conheceu o acórdão apenas da medida da pena única de 9 anos de prisão, num contexto em que o arguido foi condenado por três crimes de abuso sexual de criança, com as penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 5 anos de prisão e de 7 anos de prisão, e na pena única de 9 anos de prisão, tudo confirmado in totum pelo Tribunal da Relação”.

      E ainda mais recentemente, podem ver-se, no mesmo sentido, os acórdãos de 19-01-2011, proferidos no processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1 e no n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1, ambos da 3.ª Secção; de 17-02-2011, nos processos n.º 1499/08.2PBVIS.C1.S1 e n.º 227/07.4JAPRT.P2.S1, ambos da 3.ª Secção; de 10-03-2011, no processo n.º 58/08.4GBRDD- 3.ª Secção, de 23-03-2011, por nós relatado, no processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1 (restringindo-se a cognição à medida da pena aplicada pelo crime de uxoricídio e pela pena conjunta); de 24-03-2011, processo n.º 907/09.0GCVIS.C1.S1-5.ª Secção; de 31-03-2011, no processo n.º 669/09.0JAPRT.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 1, pág. 227; de 13-04-2011, igualmente por nós relatado, no processo n.º 918/09.5JAPRT.P1.S1, restringindo-se a reapreciação à elaboração da pena conjunta; de 04-05-2011, processo n.º 626/08.4GAILH.C1.S1-3.ª Secção (em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação, mas em que a pena imposta seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida esta pena unitária no STJ); de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 24-05-2011, processo n.º 17/05.9GAAVR.C1.S1-3.ª Secção (em que se defende ser recorrível apenas a pena única que ultrapasse os 8 anos de prisão, sendo o recurso rejeitado, por no caso concreto, embora de forma incorrecta, estar em causa no recurso apenas a pena de 8 anos de prisão aplicada por um dos crimes, no caso de tráfico de estupefacientes, sem se ter em conta a subsistente pena aplicada pela detenção de arma proibida); de 16-06-2011, processo n.º 1010/09.8 JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 30-06-2011, processo n.º 479/09.5JAFAR.E1.S1-5.ª Secção, donde se extrai: “Mandando a lei atender, para efeito de recurso a interpor de acórdão da Relação, à confirmação da decisão de 1.ª instância e à pena aplicada, o STJ só conhecerá do recurso interposto da decisão tomada em recurso pela Relação quanto aos crimes em que não haja confirmação da absolvição ou de condenação ou, quando, apesar de a decisão ser confirmada, a pena parcelar aplicada for superior a 8 anos de prisão. Tudo se passará quanto a cada um dos crimes como se para cada um deles tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele tivesse sido aplicada uma determinada pena. Sempre que o agente tiver praticado diversos crimes que estejam numa relação de conexão e seja instaurado um único processo, haverá que verificar, em caso de recurso da decisão da Relação, se, relativamente a cada um dos crimes, estão reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a respectiva recorribilidade, atentando em cada uma das penas parcelares, sempre que o critério de recorribilidade se aferir pela pena aplicada”; de 06-07-2011, processo n.º 774/08.0JFLSB.L1.S1, por nós relatado (não conhecimento do recurso da arguida, condenada na pena única de 5 anos de prisão, e restringindo-se a cognição, no caso do recurso do arguido, à pena única, com exclusão de vários crimes de falsificação de documento e de burla qualificada); de 26-10-2011, processo n.º 14/09.5TELSB.L1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 198; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1, por nós relatado (conhecendo do crime de tráfico de estupefacientes e pena do concurso e não dos crimes de falsificação de documento e de coacção tentada); de 11-01-2012, no processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares por roubo, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 21-03-2012, processo n.º 103/10.3PBBRR.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única aplicada) e n.º 303/09.9JDLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade de todas as penas parcelares, sendo a mais elevada de 7 anos de prisão, e mesmo das penas únicas, que num caso, a Relação reduziu de 9 anos para 7 anos e 4 meses de prisão); de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª Secção (Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a atividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação do recorrente por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou cm julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam), podendo ler-se no sumário: “No caso vertente estamos perante decisão condenatória de 1.ª instância confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo todas as penas parcelares aplicadas não superiores a 8 anos e a pena única situando-se nos 9 anos de prisão. Deste modo, a decisão impugnada é irrecorrível no que respeita às penas parcelares aplicadas, consabido que a decisão da 1.ª instância foi prolatada após a entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08, mas também se mostra irrecorrível no que se refere à pena única. Com efeito, relativamente aos crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, sob pena de violação do princípio constitucional non bis in idem (art. 29.º, n.º 5, da CRP). Por outro lado, o recorrente no recurso que interpôs da decisão da 1.ª instância não submeteu à apreciação do Tribunal da Relação a questão atinente à determinação da medida da pena conjunta, razão pela qual esta instância não se pronunciou sobre aquela pena, por estar limitada nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto ou devendo ter sido objecto da decisão recorrida, constituam objecto da impugnação. De facto, o tribunal de recurso só pode conhecer das questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas ou o devessem ter sido pela decisão recorrida, razão pela qual, não tendo o Tribunal da Relação tomado posição sobre a pena única aplicada ao recorrente, não pode o STJ conhecer dessa questão, devendo o recurso ser rejeitado nessa parte”; de 18-04-2012, processo n.º 660/10.4TDPRT.P1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, em caso em que, sendo as penas parcelares todas inferiores a 8 anos de prisão, as penas únicas aplicadas aos dois arguidos ultrapassam tal limite (8 anos e 3 meses, num caso, e 9 anos, no outro), mas que não foram reapreciadas, por do objecto do recurso delineado por cada arguido não constar a impugnação da pena conjunta; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª Secção (Sendo aplicadas aos arguidos várias penas pelos crimes em concurso e verificada a dupla conforme, só é admissível recurso para o STJ quanto às penas parcelares superiores a 8 anos e/ou quanto à pena única superior também a 8 anos. A circunstância do arguido ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão não assegura a recorribilidade de toda a decisão, portanto, de todas as condenações ainda que inferiores); de 03-05-2012, processo n.º 8/10.8PQLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 10-05-2012, processo n.º 1164/09.3JDLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 16-05-2012, processo n.º 206/10.4GDABF.E1.S1-3.ª Secção (rejeitado o recurso do M.º P.º por as penas parcelares e únicas não excederem os 8 anos de prisão, face a acórdão confirmativo da Relação a conceder tratamento mais benéfico aos arguidos, na redução do número de crimes imputados e no correspondente abaixamento das penas); de 23-05-2012, processo n.º 18/10.5GALLE.E1.S1-3.ª Secção (a decisão impugnada é irrecorrível, quanto às penas que ficam aquém do patamar de 8 anos, restringindo-se o objecto do recurso à pena conjunta aplicada de 9 anos de prisão); de 24-05-2012, processo n.º 281/09.4JAAVR.C1.S1-5.ª Secção (o recurso não é admissível quanto ao crime de violência doméstica, restringindo-se ao conhecimento do crime de homicídio e respectiva pena parcelar aplicada, bem como à pena única fixada); de 12-09-2012, processo n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares); de 26-09-2012, processo n.º 460/10.1JALRA.C1.S1-3.ª Secção (irrecorrível em relação a crime de detenção de arma, cognição restrita a penas de homicídio qualificado e pena única); de 3-10-2012, processo n.º 125/11.7PGALM.L1.S1-3.ª Secção; de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª Secção; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALR.E1.S1-3.ª Secção (o acórdão confirmatório da Relação é irrecorrível no que toca às penas aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida e de condução ilegal, conhecendo-se do recurso quanto a pena de homicídio qualificado e pena única); de 20-12-2012, processo n.º 553/10.5TBOLH.E1.S1-5.ª Secção; de 22-01-2013, processo n.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1-3.ª Secção (verificada a dupla conforme em qualquer das parcelares está assegurado um grau de acerto decisório, não justificativo de mais um grau de recurso, formando-se caso julgado sobre essas penas parcelares e versando o recurso sobre a pena única, que excede os 8 anos de prisão); de 24-01-2013, processo n.º 184/03.6TASTB.E2.S1-5.ª Secção; de 13-02-2013, processo n.º 401/07.3GBBAO.P1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares, restringindo-se o recurso ao conhecimento da pena única de 9 anos de prisão); de 14-03-2013, processo n.º 43/10.6GASTC.E1.S1-3.ª Secção (havendo dupla conforme quanto às penas parcelares e única, como apenas a pena única excede 8 anos de prisão, somente quanto a ela é admissível recurso para o STJ) e processo n.º 832/11.4JDLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 15-04-2013, processo n.º 317/13.4JACBR.C1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares, sendo apreciada apenas a pena única de 10 anos de prisão); de 2-05-2013, processo n.º 1947/11.4JAPRT.P1.S1-5.ª Secção “Como não é possível recorrer para o STJ das decisões das Relações que confirmem a decisão de 1.ª instância, relativamente a crimes singulares a que não foi aplicada pena superior a 8 anos de prisão (e isto, evidentemente, com referência a quaisquer questões de direito com eles relacionados), deve ser rejeitado o recurso interposto para o STJ na parte respeitante ao crime de ameaça do artigo 153.º do Código Penal” (no mesmo sentido e ficando definitivamente resolvidas as questões relacionadas com os crimes pelos quais o recorrente foi condenado, o acórdão de 5-06-2013, processo n.º 1667/10.7TDLSB.L1.S1-5.ª ); de 22-05-2013, processo n.º 210/09.5JBLSB.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade quanto a crime de detenção de arma proibida, punido com 2 anos de prisão, dois roubos agravados, punidos com 6 anos cada e homicídio qualificado tentado com 8 anos, sendo apreciada a medida da pena única de 13 anos); de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de tráfico de estupefacientes e pena única); de 5-06-2013, processo n.º 113/06.5JBLSB.L1.S1-5.ª Secção “Estando em causa questões relativas a cada um dos crimes e tendo o recorrente em 1.ª instância sido condenado por cada um deles a pena não superior a 8 anos de prisão, com confirmação pela Relação, o recurso não é admissível nessa parte e por isso não pode ser conhecido (consequentemente fica para apreciação somente a questão da determinação da pena única)”; de 26-06-2013, processo n.º 298/10.6PAMTJ.L1.S1-5.ª Secção; de 04-07-2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª Secção (em causa três crimes de ocultação de cadáver, um de falsificação e um de detenção de arma, todos punidos com penas inferiores a 8 anos, tendo sido considerada irrecorrível a decisão impugnada no que respeita à condenação do recorrente pela prática de tais crimes); de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade quanto a burla qualificada punida com 7 anos de prisão, a falsificação de documento, branqueamento e falsidade de declaração, punidas com penas inferiores, restringindo-se a cognição à pena conjunta); de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares e de pena conjunta inferior a 8 anos e apreciação de uma outra pena conjunta); de 30-10-2013, processo n.º 22/11.6PEFAR.E1.S1-3.ª Secção; de 08-01-2014, processo n.º 7/10.0TELSB.L1.S1-3.ª Secção e processo n.º 104/07.9JBLSB.C1.S1-3.ª Secção (no caso de haver uma pena conjunta superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o STJ a matéria referente às penas parcelares que não a ultrapassem); de 06-02-2014, processo n.º 417/11.5GBLLE.E1.S1-3.ª Secção (cognição restrita à pena única, com invocação do AFJ n.º 14/2013, in Diário da República, I Série, de 12-11-2013); de 13-02-2014, processo n.º 176/10.9GDFAR.E1.S1-5.ª Secção (Como há dupla conforme e condenação em penas inferiores a 8 anos de prisão, rejeitam-se os recursos interpostos, por inadmissibilidade, quanto à impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer no quadro dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, e quanto a todas as questões de direito com exclusiva conexão aos crimes singulares – arts. 434.º, 400.º, n.º 1, al. f), e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP); de 19-02-2014, processo n.º 9/12.1SOLSB.S2-3.ª Secção; de 6-03-2014, processo n.º 151/11.6PAVFC.L1.S1-3.ª Secção (conhecida apenas a pena única); de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1-3.ª Secção (Estando o STJ impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação); de 13-03-2014, processo n.º 6271/03.3TDLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 26-03-2014, processo n.º 1962/10.5JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 3-04-2014, processo n.º 207/09.5JBLSB. L1.S1-5.ª Secção; de 10-04-2014, processo n.º 431/10.8GAPRD.P1.S1-5.ª Secção; de 23-04-2014, processo n.º 169/12.1TEOVR.P1.S1-3.ª Secção (apreciada apenas a pena única); de 23-04-2014, processo n.º 33/12.4PJOER.L1.S1-3.ª Secção; de 7-05-2014, processo n.º 9/10.6PCLRS.L1.S1-5.ª Secção “ (A questão da aplicação do regime penal especial para jovens, com atenuação especial da pena, por efeito do disposto no art. 4.º do DL 401/82, remetendo para o art. 73.º do CP, está ultrapassada, uma vez que no âmbito dos poderes de cognição do STJ, o conhecimento das questões relativas a cada um dos crimes, incluindo a medida concreta da penas parcelares, já não se põe, sendo certo que a atenuação especial da pena não é uma operação que tenha que ser efectuada no cúmulo jurídico, mas em relação a cada uma das penas concretas)”; de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1-3.ª Secção (seguindo de perto o acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, do mesmo relator, em concurso dois crimes de roubo, sendo um agravado, e dois de sequestro, sendo a parcelar mais elevada de 8 anos e a pena única de 11 anos de prisão, sendo a sindicação apenas possível em relação à pena conjunta. Estando o Supremo Tribunal impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação por todos os crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação dos recorrentes por cada um desses crimes. A verdade é que relativamente a todos os crimes em concurso o acórdão recorrido transitou em julgado, razão pela qual no que a eles se refere, se formou caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respectiva decisão em toda a sua dimensão, estando pois a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação dos recorrentes pelos crimes em concurso, ou seja, que a montante da condenação se situam. De outra forma, estar-se-ia a violar o princípio constitucional non bis in idem, concretamente na sua dimensão objectiva, que garante a segurança e a certeza da decisão judicial, através da imutabilidade do definitivamente decidido); de 11-06-2014, processo n.º 54/12.7SVLSB.L1.S1-3.ª Secção (recorribilidade restrita à pena única); de 19-06-2014, processo n.º 1402/12.5JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 26-06-2014, processo n.º 160/11.5JAPRT:C1.S1-5.ª Secção (Toda a decisão referente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, incluindo questões conexas como a violação do princípio in dubio pro reo, invalidade das provas, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, violação do n.º 2 do art. 30.º do CP, qualificação jurídica dos factos, consumpção entre os crimes em concurso, violação do princípio da proibição da dupla valoração, reincidência e medida das penas parcelares, já conhecidas pela Relação, não são susceptíveis de recurso para o STJ, por força dos arts. 400.º, n.º 1, als. c) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP); de 10-09-2014, processo n.º 223/10.4SMPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 10-09-2014, processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas parcelares fixadas em 5 anos e em 2 anos e 6 meses de prisão, sendo que a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão foi substituída por pena relativamente indeterminada de 3 anos e 10 meses e 11 anos e 9 meses, não se tendo tomado conhecimento por não integrar o objecto do recurso); de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade de pena aplicada por crime de incêndio, conhecendo-se dos três homicídios qualificados e da pena única); de 25-09-2014, processo n.º 384/12.8TATVD.L1.S1-5.ª Secção; de 2-10-2014, processo n.º 87/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 8-10-2014, processo n.º 81/14.0YFLSB.S1-3.ª Secção (apreciação apenas da pena única superior a 8 anos, ficando prejudicada a apreciação das questões colocadas pela recorrente sobre a qualificação do crime de tráfico de estupefaciente (menor gravidade) e a não consumação (tentativa)); de 16-10-2014, processo n.º 181/11.8TELSB.E1.S1-5.ª Secção (no caso de concurso de crimes, a irrecorribilidade prevista no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, afere-se separadamente, por referência às penas singulares e à pena aplicada em cúmulo); de 23-10-2014, processo n.º 481/08.4TAOAZ.P1.S1-5.ª Secção (a pena aplicada em cúmulo foi de 8 anos e nessa medida a decisão é irrecorrível); de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade da condenação na pena de 6 anos e 6 meses de prisão por tentativa de homicídio qualificado confirmada pela Relação); de 30-10-2014, processo n.º 98/12.9P6PRT.P1.S1-5.ª Secção (Neste âmbito de inadmissibilidade dos recursos compreendem-se todas as questões de direito que respeitem, directamente, aos crimes de associação criminosa e de furto qualificado colocadas pelos recorrentes); de 13-11-2014, processo n.º 2296/11.3JAPRT.P1.S1-5.ª Secção (a inadmissibilidade impede que o STJ conheça das questões conexas com os crimes e penas singulares suscitadas pelo recorrente); de 26-11-2014, processo n.º 65/10.7PFALM.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade quanto a todos os crimes - dois roubos qualificados, extorsão tentada, detenção de arma proibida, tráfico de menor gravidade e falsificação de documento, sendo apreciada a pena conjunta); de 27-11-2014, processo n.º 33/06.3JAPTM.E2.S1-5.ª Secção; de 11-12-2014, processo n.º 646/11.1JDLSB.S1-5.ª Secção; de 17-12-2014, processo n.º 1721/11.8JAPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 17-12-2014 processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas aplicadas aos quatro recorrentes por crimes de tráfico e branqueamento de capitais, conhecendo-se apenas da pena única); de 17-12-2014, processo n.º 937/12.4JAPRT.P1.S1-5.ª Secção (Esta inadmissibilidade de recurso impede o STJ de conhecer todas as questões conexas com este crime – de abuso de confiança qualificado punido com a pena parcelar de 5 anos de prisão – tais como os vícios da decisão sobre matéria de facto, a violação dos princípios in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, a qualificação jurídica dos factos, a medida concreta da pena singular aplicada ou a violação dos arts. 32.º, n.º 1, da CRP e 428.º e 431.º, ambos do CPP.); de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª Secção; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª Secção (caso de condenação por 4 crimes de maus tratos, 3 violações, 1 de ofensas à integridade física qualificada e 1 de coação qualificada, sendo todas e penas inferiores a 8 anos e pena única de 14 anos esta não foi conhecida por não ter sido impugnada, tendo-se consignado: Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, ou finais, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá por isso o Supremo conhecer); de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade quanto a detenção de arma proibida, conhecendo-se de homicídio qualificado e pena conjunta); de 25-03-2015, processo n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1-3.ª Secção (irrecorribilidade das penas aplicadas a três arguidas e das parcelares aplicadas a um quarto, conhecendo-se apenas da pena conjunta aplicada ao último); de 29-04-2015, processo n.º 181/13.3GATVD.S1-3.ª Secção; de 14-05-2015, processo n.º 8/13.6GAPSR.E1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2015, tomo 2, pág. 191, com voto de vencido (O STJ não é competente para apreciar o recurso interposto de acórdão da Relação que tenha confirmado o sentenciado pela 1.ª instância numa pena única de 10 anos de prisão, mas que tem por objecto a qualificação jurídica das condutas que lhe estão subjacentes, designadamente se correspondem a um crime continuado, quando as condenações em penas parcelares não sejam superiores a 8 anos de prisão. Objecto do recurso era apenas a qualificação jurídica dos factos, pretendendo o recorrente a integração na forma continuada. “No caso presente, o recurso tinha um propósito específico (qualificação jurídica) e foi apresentado com um âmbito (o dos crimes parcelares) relativamente ao qual, por força do caso julgado já formado, a discussão está encerrada”, sendo, assim, de rejeitar o recurso); de 27-05-2015, processo n.º 352/13.2POER.L1.S1-3.ª Secção (condenação por crimes de roubo, de roubo agravado na forma tentada e de detenção de arma proibida em penas inferiores a 8 anos de prisão; o recorrente não impugnou a pena única, que nunca referiu, nem na motivação nem nas conclusões, não fazendo parte do objecto do recurso a discussão da sua medida); de 03-06-2015, processo n.º 293/09.8PALGS.E3.S1-3.ª Secção, citando os acórdãos de 5-12-2007, processo n.º 3868/07-3.ª e de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª, afirma: “O STJ não conhece da medida das penas parcelares aplicadas, inferiores a 8 anos, confirmadas em recurso pelo tribunal da relação, sendo inadmissível e de rejeitar o recurso quanto às questões relativas às nulidades e à reapreciação da matéria de facto, incluindo a invocação do princípio ne bis in idem, da qualificação jurídica dos factos e, implicitamente, das penas parcelares; as nulidades ficam cobertas pela irrecorribilidade”); de 11-06-2015, processo n.º 127/06.5IDBRG.P1.S1-5.ª Secção; de 25-06-2015, processo n.º 181/12.0GCFAR.E1.S1-5.ª Secção (recurso não admissível na parte relativa aos crimes e penas singulares aplicadas em medida não superior a 8 anos de prisão e outras questões com elas conexionadas e, por maioria de razão, quanto às reportadas à matéria de facto dada como assente pelas instâncias); de 1-07-2015, processo n.º 210/07.0GBNLS.C1.S1-3.ª Secção (condenação por 12 crimes de tráfico de pessoas em penas inferiores a 8 anos e pena única de 16 anos de prisão, apenas esta foi apreciada); de 24-09-2015, processo n.º 3564/09.0TDLSB.S1.L1 - 5.ª Secção; de 24-09-2015, processo n.º 627/12.8JABRG.P1.S1 - 5.ª Secção (Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme desde logo impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou, ainda, a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do artigo 379.º do CPP); de 30-09-2015, processo n.º 272/11.5TELSB.L1.S1-3.ª Secção; de 08-10-2015, processo n.º 417/10.2TAMDL.G1.S1 - 3.ª Secção (Tendo sido interposto recurso do tribunal coletivo para o tribunal da Relação, que confirmou a decisão da 1.ª Instância, do que decorreu uma “dupla conforme”, e só sendo admissível recurso para o STJ, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, o STJ está impedido de sindicar o acórdão recorrido quanto à condenação pelos crimes em concurso, por se ter formado caso julgado material, tornando definitiva e intangível a respetiva decisão em toda a sua dimensão, estando a coberto do caso julgado todas as decisões que antecederam e conduziram à condenação pelos crimes em concurso); de 15-10-2015, processo n.º 319/00.0GFLLE.E1.S1-5.ª Secção; de 21-10-2015, processo n.º 292/13.5JAAVR.C1.S1-3.ª Secção; de 22-10-2015, processo n.º 238/13.0JACBR.C1.S1-5.ª Secção (Não se verifica omissão de pronúncia, na decisão posta em causa, uma vez que o acórdão do STJ não apreciou a invocada violação do princípio do in dubio pro reo. E não tinha que se pronunciar, atenta a irrecorribilidade de tudo quanto tivesse que ver com as penas parcelares – face à existência de uma situação de dupla conforme, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP); de 29-10-2015, processo n.º 137/12.3JBLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 29-10-2015, processo n.º 1584/13.9JAPRT.C1.S1- 5.ª Secção; de 21-01-2016, processo n.º 8/12.3JALRA.C1.S1-3.ª Secção; de 3-02-2016, processo n.º 686/11.0GAPRD.P1.S1-3.ª Secção (condenação por crimes de furto de cobre em penas inferiores a 8 anos de prisão; apreciada apenas a pena única); de 18-02-2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S2-3.ª; de 24-02-2016, processo n.º 35/14.6PEFUN.L1.S1-3.ª Secção; de 30-03-2016, processo n.º 995/09.9TDLSB.L1.S1-3.ª Secção (as penas aplicadas ao recorrente pelos vinte e dois crimes por que foi condenado foram todas inferiores a 8 anos de prisão; a pena parcelar mais elevada foi a aplicada pela prática de um crime de burla qualificada, concretamente, a pena de quatro anos de prisão; por não impugnada não foi apreciada a pena única de 9 anos de prisão); de 13-04-2016, processo n.º 958/11.4PAMTJ.L1.S1-3.ª Secção; de 4-05-2016, processo n.º 1101/12.8TDPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 19-05-2016, processo n.º 3645/12.2TACSC.L1.S1-5.ª Secção; de 25-05-2016, processo n.º 108/14.5JALRA.E1.S1-5.ª Secção (apreciada apenas a parte da decisão correspondente à pena única, em concurso de um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, 80 crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida); de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª Secção (relativamente a um dos arguidos: condenação por tráfico agravado em 8 anos de prisão e por corrupção activa para acto ilícito em 2 anos e 8 meses – conhecida a pena única de 9 anos de prisão); de 26-10-2016, processo n.º 778/14.4GAPFR.P1.S1-3.ª Secção (Seguindo de muito perto o acórdão de 21-05-2014, processo n.º 200/08.5AESP.P1.S1, do mesmo Relator, com sindicação restrita à pena conjunta); de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª Secção (em causa 8 crimes de roubo e um de detenção de arma proibida - conhecida apenas a medida da pena única, sendo o recurso rejeitado quanto às questões colocadas relativas a impugnação da decisão de facto/vícios da decisão/valorações de prova/omissão de pronúncia, qualificação jurídica - concurso real de roubos ou crime continuado - e medida das penas parcelares).

    Segundo o acórdão de 21-04-2016, proferido no processo n.º 203/12.5JBLSB.E1.S1 – 5.ª Secção:

     “O elemento nuclear da norma da alínea f) do n.º 1 do art. 400.° do CPP supõe que se verifique convergência - concordância - entre o acórdão da relação e o acórdão da 1.ª instância, quanto aos seus fundamentos substanciais, isto é, que não se verifique uma alte­ração essencial nem dos factos nem da respectiva qualificação jurídica.

     Não se verifica dupla conforme, por verificação de uma divergência essencial quanto à qualificação jurídica dos factos provados, no âmbito dos crimes de roubo, se na subsunção dos factos ao direito a 1.ª instância entendeu que os crimes de se­questro constituíram crimes-meio dos crimes-fim (roubos), concluindo pela existência de um concurso aparente entre os crimes de roubo e os crimes de sequestro e a relação, por seu lado, considerou que, segundo os factos provados, a privação de liberdade, por ocorrer a posteriori da consumação do roubo, já não se encontra ao abrigo da relação de concurso aparente com este ilícito, antes sendo passível de punição autónoma enquanto crime de sequestro.

      A jurisprudência do STJ vem entendendo que o crime de roubo consome o crime de sequestro quando este serve estritamente de meio para a prática daquele, isto é, quando o sequestro se tiver esgotado como crime-meio.

     Um acto de privação da liberdade de movimentação de qualquer pessoa só poderá ser consumido por uma actividade enquadrável na figura criminal de roubo quando essa privação de liberdade se mostre absolutamente indispensável para se poder efectuar a subtracção violenta em que o roubo se concretiza, e, além do mais, unicamente enquanto essa subtracção estiver a ocorrer, pois só assim corresponde unicamente ao conceito de violência contra as pessoas que tipifica o crime de roubo. Caso contrário, a conduta em que se traduz aquela privação de liberdade, desnecessária e excessiva para a prática de actos de subtracção violenta, autonomiza-se, e passa a constituir a comissão do crime de sequestro.

      Não se verifica um concurso efectivo entre aos crimes de roubo e os crimes de sequestro dos funcionários das agências bancárias assaltadas se os factos provados não demonstram a existência de hiatos significativos entre o constrangimento à entrega do dinheiro (e, portanto, a concretização da subtracção) e o abandono das instalações bancárias por parte dos recorrentes (momento da consumação do crime), resultando, antes, da descrição dos factos que os dois momentos se sucederam, em actos seguidos e se, por outro lado, não resulta clara a existência de uma privação da liberdade dos funcionários bancários que se tivesse significativamente prolongado para além do momento da subtracção, impondo-se a absolvição dos recorrentes quanto aos crimes de sequestro, nas pessoas dos funcionários bancários”.

      Mais recentemente, podem ver-se os acórdãos de 15-02-2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1, de 29-03-2017, processo n.º 1227/14.3PASNT.L1.S1, de 27-04-2017, processo n.º 261/10.7JALRA.E2.S1, de 20-06-2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1 e de 17-10-2018, processo n.º 138/16.2PAMTJ.L1.S1, todos da 3.ª Secção, de 13-07-2017, processo n.º 686/12.3SGLSB.L1.S1-5.ª Secção, o qual, invocando o acórdão de 12-03-2014, processo n.º 1699/12.0PSLSB.L1.S1, afirma: “Está selada, digamos assim em benefício da clarificação da ideia, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação também a respeito de todas as questões conexas incluindo aquelas que são colocadas em torno de uma eventual nulidade por omissão de pronúncia – nulidade essa a respeito da qual a admissibilidade ou não do recurso é prévia – do princípio in dubio pro reo ou dos vícios mencionados no art. 410.º, n.º 2 CPP e do pedido renovação de provas”.


      A confirmação in mellius

      No sujeito caso concreto, como vimos, o Tribunal da Relação de Évora, pelo ora acórdão recorrido, de 10-09-2019, reduziu para dois o número de crimes de violação na forma tentada, (na primeira instância foi o arguido condenado pela prática de 55 crimes na forma tentada: 34+21), mantendo as penas parcelares aplicadas pelo crime de violação na forma consumada, de 7 anos de prisão, e as penas de 3 anos e de 3 anos e 4 meses de prisão para os dois crimes na forma tentada, sendo a pena única reduzida de 13 anos para 11 anos de prisão.


     O acórdão recorrido procedeu, oficiosamente, a redução factual, afastando imputações genéricas e presunções a partir do calendário, argumentando como segue, de fls. 843 a 847 (Realces do texto):

     “Como se constata não se imputaram só factos ao arguido. Também se imputaram contabilizações do calendário com base em declarações da ofendida. Ou seja, o arguido não foi apenas acusado pela prática de factos apurados pelo Ministério Público em inquérito mas sim também pela generalização que prescindiu da prova de factos. As passagens que vão sublinhadas e a bold têm que ser entendidas como não escritas já que constituem um abuso processual pois que se limitam a ser uma pós moderna generalização não assente em factos.

      E que fez o tribunal recorrido? Transformou em factos as contabilizações!

      A necessidade do contraditório, contida no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, é uma exigência imperativa que tem que ser vertida no elenco de factos imputados ao arguido, enquanto factos abarcáveis pelo direito de defesa, não enquanto generalidades invocadas para suprir dificuldades probatórias da acusação e dificultar ou inviabilizar aquele direito.

      O Código de Processo Penal português perfila-se como um processo de “máxima acusatoriedade … compatível com a manutenção, na instrução e em julgamento, de um princípio de investigação judicial”. Daqui resulta, incontestavelmente, como mera assunção constitucional do princípio, a nítida separação entre entidade acusadora e juiz de julgamento (dimensão orgânico-subjectiva do princípio do acusatório) e a distinção entre fases do processo (no caso, acusação e julgamento), no que é definido como a dimensão material daquele princípio. [1]

      É assim que o Código de Processo Penal vem a estabelecer, de forma clara, o papel do Ministério Público, enquanto entidade dominus do inquérito, quanto à promoção do processo e à dedução da acusação nos artigos 48º e 53º do Código de Processo Penal.

      Ao juiz de julgamento, assim impedido de se pronunciar quanto a essa fase processual – a acusação – restaria o papel de direcção da fase de julgamento (no que ao caso concreto interessa, já que a instrução se não encontra em discussão), balizado e limitado pelo conteúdo da acusação, pelo thema decidendum (objecto do processo) e pelo thema probandum (extensão da cognição), no que seria uma manifestação de alguma disponibilidade das “partes” na definição do que se pretenda seja apreciado pelo tribunal.

      Há, pois, uma inultrapassável identidade entre os conceitos de “objecto do processo” e “factos”, assim como há outra intransponível imbricação entre os conceitos de “crime” e de “factos”. Sem factos não há crime nem objecto do processo. Os factos são a base indispensável de um processo mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes.

      Assim, para este processo é irrelevante normativamente a contabilização da agenda. Mas já seria relevante a concretização de factos ao longo da agenda. Assim, as “contabilizações” que constavam da acusação são meras conclusões aritméticas que nem os factos permitem que se façam. Não se pode somar o “nada” a “nada”!

     Esta tendência “pós-moderna” do direito penal tem que ser controlada pelas tendências mais comezinhas do processo penal e dos direitos de defesa do cidadão, algo que se impõe hoje à magistratura judicial, face à modorra investigativa e instrutória e à nefasta influência exercida pelos meios “bem pensantes”. O politicamente correcto não se pode impor ao penalmente correcto.

      Ninguém se pode defender de factos destes. E ninguém pode ser condenado por um facto destes. É matéria que, para que se considere “objecto do processo”, tem que ser concretizada, tem que permitir possibilidade de ser contraditada e não pode ser considerado apenas como “objecto” de “transferência” para a “opinião” de uma testemunha que “homologue” uma “generalidade”.

      Ou seja, os factos que devem ser/são o “objecto do processo” têm que ter a característica da “falsificabilidade” popperiana, já não como critério essencial para a caracterização das teorias científicas, sim com o sentido de que a sua concretude pode ser declarada falsa. Em breve, o que não pode ser declarado não provado por falta de concretização ou por ridículo, não pode ser declarado provado.

   As dificuldades de investigação, instrução e prova podem ser relevantes neste tipo de crime ocorrido entre paredes. Para isso deve haver compreensão. Não pode haver compreensão para uma universalizada generalização que perverte os princípios penais e processuais penais. Factos: investigue-se e prove-se e tenha-se em vista um resultado que almeje um juízo para além da dúvida razoável.

       Neste tipo de crimes onde a reiteração e intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus-tratos, crimes sexuais, violência doméstica, tráfico de droga), a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento. E é, na sequência, o cerne do direito de defesa.

      Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, com utilização de fórmulas “vagas, imprecisas, nebulosas, difusas, obscuras”, neste tipo de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal.

      Aliás, a jurisprudência do STJ neste campo é clara e insofismável, quer a propósito do crime de tráfico de droga, quer a propósito de crimes de maus-tratos e violência doméstica, sempre onde se pretende ultrapassar a dificuldade de prova de múltiplos factos pela imputação genérica e, logo, por presunção. Porque a isso se resume esta prática: acusa-se por presunção factual, pretendendo-se a condenação por presunção factual”.


      De seguida, o acórdão recorrido convoca os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, versando imputações genéricas, de que transcreve excertos:

Acórdão de 06-05-2004 - Proc. 04P908, Rel. Cons. Santos Carvalho;

Acórdão de 21-02-2007 - Proc. 06P4341, Rel. Cons. Oliveira Mendes;

Acórdão de 15-11-2007 - Proc. 07P3236, Rel. Cons. Santos Carvalho;

E os acórdãos relatados pelo ora relator de 02-04-2008, no processo n.º 4197/07 e de 02-07-2008, no processo n.º 3861/07.


       Prosseguindo, diz:

    “E o tribunal recorrido não podia transformar o “nada” aritmético em factos. Assumiu o papel do Ministério Público na decisão final substituindo a “narrativa pós moderna” do Ministério Público por factos incriminatórios assentes numa generalização e abstracção.

      Logo, as indicadas expressões têm-se como não escritos por violação irreparável do contraditório e das garantias de defesa em processo penal – artigo 32º do Constituição da República Portuguesa. Tal como estão essas expressões são alterações substanciais dos factos que não constavam da acusação enquanto facto. Dão-se, pois, como não escritas.

       Ou seja, a expressão “pelo menos uma vez por semana” do facto 5) deve ser substituída pela expressão “não determinadas” e a expressão “pelo menos, em 55 (cinquenta e cinco) ocasiões distintas” deve ser substituída pela expressão “em ocasiões distintas não determinadas”.


      Como resulta do exposto, a confirmação não foi total, na íntegra, mas apenas parcial, com nítida melhoria de tratamento da posição processual do ora recorrente – no conspecto, com redução da pena única de 13 anos de prisão aplicada na 1.ª instância para 11 anos de prisão.

     Neste caso estamos perante uma identidade parcial de decisão, uma dupla conforme parcial, pois que o Tribunal da Relação de Évora confirmou o acórdão condenatório do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Santarém, não se tratando, porém, de uma confirmação integral, completa, absoluta, irrestrita, plena, total, mas antes uma confirmação com contornos diversos, embora a alteração operada pela Relação se tenha cingido no fundo, a tratamento mais benéfico para o ora recorrente, sobressaindo a redução da pena única.

      Está-se, pois, perante dupla conforme condenatória parcial – o acórdão da Relação de Évora é confirmativo da deliberação de Santarém, então reaprecianda, mas apenas em parte.

      A questão que se colocará é, pois, a de saber se a confirmação de uma decisão de primeira instância pela Relação, quando apenas parcial, se bem que traduzindo-se, exactamente, por força da intervenção do tribunal superior, numa melhoria de posição processual do arguido, que assim “obtém ganho de causa”, ainda se deverá ter por compreendida na noção de dupla conforme.

      Como referimos nos acórdãos de 11 de Abril de 2012, de 16 de Maio de 2012, de 10 de Setembro de 2014, de 25 de Março de 2015, de 18 de Fevereiro de 2016, de 14 de Setembro de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 15 de Fevereiro de 2017 e de 20 de Junho de 2018, proferidos nos processos n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1, n.º 206/10.4GDAABF.E1.S1, n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1, n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1, n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, n.º 71/13.0JACBR.C1.S1, n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1 e n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, “assume-se como evidente que no seio de uma confirmação apenas parcial se albergará, inevitavelmente, sob pena de contradição nos termos, uma divergência, uma dissonância, qualitativa (v.g., absolvição resultante de desconsideração de factualidade assente, por força de modificação de matéria de facto, por verificado erro de julgamento, por procedência de arguição de nulidade de meio de prova, ou de mera alteração de qualificação jurídica) e/ou quantitativa (aqui traduzindo-se em “implosão” de pena aplicada, face a consequente absolvição, em resultado de modificação na matéria de facto, ou em redução de pena, por força de requalificação jurídico-criminal) – mínima que seja –, o que, em última análise, conduzirá a que se coloque a questão de saber se a identidade decisória deverá ser absoluta, plena, total, completa, concêntrica, incontornavelmente idêntica, perfeitamente coincidente, ponto por ponto, em todos os seus aspectos nucleares, contornos, circunstâncias e detalhes, ou, se antes, a figura da dupla conforme comportará em si mesma a sub-espécie da identidade parcial, se quisermos, de uma identidade menor”.


      No caso presente, a diferença ficou a dever-se a uma redução do número de crimes de violação na forma tentada, para além da redução da pena única.

      A divergência, o desvio, a diferença de solução em relação à decisão de 1.ª instância, o distanciamento, a diversa conformação dada pela Relação à questão de direito da medida da pena, tem sido entendida ainda como conformidade, sob duas perspectivas.


       Âmbito do conceito de dupla conforme.


      Para além da situação de identidade total, em que a confirmação integral é alcançada de modo expresso, com conhecimento do mérito, duas são as situações que se podem acolher na noção de dupla conforme.


      Entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total), em situações em que o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso de rejeição (uma forma de confirmação, segundo Simas Santos e Leal-Henriques, conforme infra), e uma outra, já não total, que supõe conhecimento da causa e que se traduz em benefício para o recorrente, quando o tribunal de recurso aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida, ou seja, a chamada confirmação in mellius.

      Para o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 238, publicado na CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 254, quando o Tribunal da Relação, em processo que subiu em recurso, decide sobre a sua inadmissibilidade por intempestividade, ainda que essa questão não tenha sido objecto de decisão no tribunal recorrido, não está a proferir decisão em primeira instância, não sendo admissível recurso dessa decisão para o STJ, com fundamento no artigo 432.º, alínea a), do Código de Processo Penal.

      Segundo a posição do acórdão de 24 de Abril de 2007, proferido no processo n.º 1132/07-5.ª Secção, a manutenção do decidido em razão da rejeição do recurso realiza a ideia de dupla conforme.

       Da mesma forma, no sentido de que acórdão que rejeita o recurso é confirmativo, pronunciou-se o acórdão de 21 de Setembro de 2005, proferido no processo n.º 2759/05-3.ª Secção.

      Uma decisão da Relação que não conheça (ou que rejeite) o recurso interposto de decisão de 1.ª instância, vale como confirmação desta última decisão, pois deixa intangível e firmada a decisão recorrida – acórdão de 26 de Junho de 2003, proferido no processo n.º 3719/02-5.ª Secção.

      No sentido de a rejeição ser equiparada a confirmação, veja-se o acórdão de 5 de Junho de 2008, processo n.º 1226/08-5.ª Secção.

      Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Novembro de 1999, processo n.º 122/99-3.ª Secção, in CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 239, não é admissível recurso de acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, ainda que não se tenha debruçado sobre o mérito da causa, por se ter limitado a rejeitar, por questões processuais, o recurso que para ela tinha sido interposto.

       E como se extrai do acórdão de 26 de Maio de 2004, processo n.º 1402/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 203, “o acórdão da Relação que decida, à luz do n.º 1 do art. 420.º do CPP, rejeitar o recurso interposto pelos arguidos do acórdão condenatório da 1.ª instância, equivale a confirmação do mesmo, para efeitos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP. E para esse efeito, tanto faz que tal rejeição se baseie exclusivamente em razões processuais ou/e também em razões de mérito”. 

      Contra - sem razão, opinava Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1006, nota 12, mas retirando a expressão “sem razão” na 4.ª edição actualizada, de Abril de 2011, na nota 12, pág. 1046 - pode ver-se o acórdão de 15 de Janeiro de 2004, processo n.º 3.472, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 168, onde se diz, num caso – adiante-se – notoriamente marcado por questões processuais, como a falta de concisão das conclusões: “Tendo o acórdão da Relação rejeitado o recurso de decisão condenatória da primeira instância, por não cumprimento satisfatório, após convite, do dever do recorrente sintetizar as conclusões, tal acórdão não pode considerar-se confirmativo do acórdão recorrido.

      Só há confirmação de uma decisão quando, conhecendo do seu mérito, a instância de recurso coincidir, na respectiva apreciação, com aquela que foi efectuada no tribunal “a quo”, ou seja, quando se verifique confirmação substancial”.

      Conforme anotam Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 7.ª edição, 2008, Rei dos Livros, pág. 45, a propósito da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, a redacção dada à alínea (que “confirme” e “aplique”) sugere que basta a confirmação da decisão condenatória, não sendo necessário que o acórdão da Relação aplique a mesma pena, desde que não aplique uma pena superior a 8 anos.

      E na nota 37, afirmam os Comentadores: “a confirmação pode ser obtida através da rejeição do recurso e se a Relação confirmou a condenação embora tenha diminuído a pena, verifica-se dupla conforme que obsta à recorribilidade da decisão”.

      A mesma opinião é expressa por Paulo Pinto de Albuquerque no citado Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1006, nota 12 (e a págs. 1046/7 da 4.ª edição actualizada – Abril de 2011), que a propósito do problema de saber quando há confirmação da decisão anterior, diz:

       “A decisão do tribunal recorrido é confirmada quando o TR rejeita o recurso nos termos do artigo 420.º (…) ou quando aplica pena inferior ou menos grave do que a pena da decisão recorrida (…) Em ambos os casos de confirmação por rejeição do recurso ou por aplicação de pena inferior ou menos grave, não há violação do direito ao recurso do arguido ou do assistente (artigo 32, n.º 1 e 7, e 20, n.º 1, da CRP). Sendo conforme [expressão usada na edição de 2011, ora substituída por compatível] com a CRP uma dupla conforme assente num juízo de mérito emitido pelo TR sobre a sentença recorrida (acórdão do TC n.º 20/2007), também é conforme com a CRP, por maioria de razão, a dupla conforme assente num juízo processual do TR sobre os vícios estruturais do próprio recurso, que impedem o conhecimento do mérito (artigo 420, n.º 1, als. b) e c)) e a dupla conforme assente num juízo liminar do TR sobre o demérito do recurso (artigo 420, n.º 1, al. a)”.  


      No fundo a questão que se coloca nestes casos é a de saber se uma decisão que confirme a qualificação jurídica, mas aplique pena inferior ou menos grave, deve ainda ser considerada como confirmativa (confirmativa in mellius).

      É de entender que a decisão confirmativa in mellius, a confirmação, ainda que parcial, de decisão anterior, cabe no conceito de dupla conforme.

        Pode concluir-se ser largamente maioritária neste Supremo Tribunal de Justiça a posição segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão da Relação que mantém integralmente a decisão de primeira instância, mas também aquele que mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta - “na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, a dupla condenatória integral conforme, contemplada na sua letra, abrange, por maioria de razão, a dupla condenatória parcial conforme, se desta resultar redução da pena para o arguido”.

      Para o acórdão de 13-02-2003, proferido no processo n.º 4667/02, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2003, tomo I, págs. 186/7/8, “Não é admissível o recurso de acórdãos condenatórios das Relações que confirmem decisões proferidas em 1.ª instância, relativamente a crimes cuja pena de prisão abstractamente aplicável não seja superior a 8 anos de prisão, ainda que em concreto seja aplicada uma pena única que ultrapasse os 8 anos de prisão.

      Continuam a verificar-se os pressupostos de irrecorribilidade do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, mesmo que o Tribunal da Relação, mantendo o mesmo enquadramento jurídico, reduza a pena de prisão aplicada em 1.ª instância”.

      Segundo os acórdãos de 30 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 2921/03 e de 19 de Julho de 2005, no processo n.º 2643/05 (citados no acórdão de 12 de Março de 2008, processo n.º 130/08-3.ª), a circunstância de ter havido uma redução do período da pena de substituição, sem alteração do quantum da pena de prisão, não afasta a dupla conforme, pois trata-se de uma alteração in mellius, ou seja, em benefício do arguido. 

       Para o acórdão de 29 de Março de 2007, processo n.º 662/07-5.ª Secção (citado igualmente no referido acórdão de 12-03-2008, processo n.º 130/08-3.ª), há que ter como abrangida na expressão legal “confirmem decisão de primeira instância”, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância.

      E segundo o acórdão de 11 de Julho de 2007, proferido no processo n.º 2427/07-3.ª Secção, se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão.

      No mesmo sentido pronunciaram-se os acórdãos de 17-05-2001, processo n.º 1410/01-5.ª Secção; de 18-04-2002, processo n.º 223/02-5.ª Secção (Nos termos conjugados dos arts. 400.º, n.º 1, f) e 432.º b), ambos do CPP, é inadmissível recurso para o STJ de acórdão condenatório do Tribunal da Relação, que confirme decisão de 1.ª instância, quando a medida abstracta da pena dos crimes objecto da condenação não for superior a 8 anos de prisão, mesmo que a Relação tenha reduzido a pena imposta aos recorrentes na decisão da 1.ª instância); de 16-01-2003, processo n.º 4198/02-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 162 (Qualquer que seja a pena aplicada ou aplicável em cúmulo jurídico, são as penas – cada uma delas singularmente considerada – aplicáveis a cada um dos crimes em concurso que hão-de dizer da recorribilidade ou irrecorribilidade da decisão. Se a moldura abstracta de qualquer dos crimes em apreço não ultrapassar os oito anos de prisão, a decisão, verificada a “dupla conforme”, é irrecorrível. Por maioria de razão, há que ter como abrangida na expressão legal, “confirmem decisão de primeira instância”, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido, se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância); em sentido idêntico, e do mesmo Relator, o acórdão de 13-02-2003, processo n.º 4667/02-5.ª Secção, CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 186; de 11-03-2004, processo n.º 4407/03-5.ª Secção, ainda daquele mesmo Relator, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 224; de 03-11-04, processo n.º 2823/03-3.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 221 (não há recurso nos casos em que a Relação, não confirmando “in totum” a decisão da 1.ª instância, a confirma quanto à qualificação jurídica, mas baixa a pena concreta aplicada). Argumenta que “não pode deixar de se frisar a incoerência que significaria a admissão do recurso, quando a decisão, é mais favorável na Relação, e a sua denegação, quando é confirmada, sem mais, sem alteração, a decisão de 1.ª instância. Até ao limite da coincidência de penas a “dupla conforme” funcionou; no excedente deixa de existir e precisamente no segmento punitivo benéfico, eliminado pela relação, sem fundamento lógico-racional para recurso, com o qual é inconciliável”; de 19-10-2006, processos n.ºs 2824/06-5.ª Secção e 2805/06-5.ª Secção; de 08-11-2006, processo n.º 3113/06 -3.ª Secção; de 29-03-2007, processo n.º 662/07-5.ª Secção (Há que ter como abrangida na expressão legal “confirmem decisão de primeira instância”, constante do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, as hipóteses de confirmação apenas parcial da decisão, quando a divergência da Relação com o decidido se situa apenas no quantum (em excesso) punitivo advindo da 1.ª instância); de 19-04-2007, processo n.º 801/07 - 5.ª Secção; de 02-05-2007, processos n.º s 1014/07 e 1029/07-3.ª Secção; de 11-07-2007, processo n.º 2427/07-3.ª Secção (se a dupla conforme pressupõe, além do mais, uma confirmação de penas, por maioria de razão, ela não deixa de ocorrer se a decisão posterior melhora os efeitos sancionatórios da anterior decisão); o já supra aludido acórdão de 12-03-2008, processo n.º 130/08 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 02-04-2008, processo n.º 817/08-3.ª Secção; de 23-04-2008, processo n.º 810/08-3.ª Secção (Este STJ tem entendido que não deixa de haver confirmação nos casos em que, in mellius, a Relação reduz a pena: até ao ponto em que a condenação posterior elimina o excesso resulta a confirmação da anterior); de 07-05-2008, processo n.º 294/08 - 3.ª Secção; de 10-09-2008, processo n.º 1666/08 - 3.ª Secção; de 16-09-2008, processo n.º 2383/08 - 3.ª Secção (É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução); de 29-10-2008, processo n.º 2881/08 - 3.ª Secção; de 04-02-2009, processo n.º 4134/08 - 3.ª Secção (seguindo de perto a fundamentação do citado acórdão de 16-09-2008, processo n.º 2383/08 - 3.ª); de 25-03-2009, processo n.º 486/09-3.ª Secção e no processo n.º 610/09-5.ª Secção, este publicado na CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 236 (a confirmação in mellius da decisão da 1.ª instância não prejudica a disciplina da irrecorribilidade estipulada no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal. O raciocínio é o de que, se a manutenção das penas, nas duas instâncias, é razão suficiente para negação da possibilidade de recurso, não pode vir a admitir-se o recurso interposto pelo arguido, e portanto em seu benefício, quando a 2.ª instância diminuiu a pena. Caso contrário, seria quando o arguido sai mais beneficiado com a decisão da Relação que se lhe conferiria nova possibilidade de recurso, e pelo contrário, quando o arguido se mantém numa posição igual à que já tinha, antes do recurso para a Relação, é que tal possibilidade lhe viria a ser recusada. Estar-se-ia perante uma evidente incongruência); de 02-04-2009, processo n.º 310/09 - 3.ª Secção (entende-se que a decisão proferida em recurso que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena mas pudesse impugná-la caso aquela fosse objecto de redução); de 22-04-2009, processo n.º 205/01.7PAACB.C1.S1-3.ª Secção, com voto de vencido (nestes casos em que o Tribunal da Relação aplica uma pena inferior ou menos grave do que a pena da decisão recorrida, não há violação do direito ao recurso do arguido); de 23-04-2009, processo n.º 10/08.0GALSB.S1 - 5.ª (neste acórdão afirma-se que “existindo acordo das instâncias acerca da qualificação jurídica dos factos, a circunstância de a Relação ter diminuído a pena, melhorando a situação do recorrente (condenação in mellius), não impede a situação de dupla conforme, pois, até ao limite da condenação imposta pela Relação, existe uma dupla condenação, a qual só deixa de se verificar em relação ao quantum da pena que foi eliminado pela 2.ª instância e de que o recorrente beneficiou. Porém, no concreto, considerou-se não se verificar uma situação de dupla conforme, atendendo a que a Relação qualificara os factos de forma diferente, unificando num só crime de detenção de armas, independentemente do número de armas detidas e considerando que tal crime consome o de detenção de munições, aplicar a esse único crime uma pena superior á que a 1.ª instância havia fixado para cada um deles, mas inferior à soma dessas penas); de 29-04-2009, processo n.º 391/09 - 3.ª Secção, por nós relatado em caso de pluralidade de crimes [está-se perante dupla conforme condenatória parcial se o acórdão da Relação, ao alterar a decisão recorrida, se cingiu a tratamento mais benéfico para os recorrentes, fazendo reflectir na pena unitária a nova imagem global do facto, determinada pelo abaixamento das penas parcelares respeitantes a um dos ilícitos criminais em causa (confirmação in mellius parcial)]; de 18-06-2009, processo n.º 424/09.8YFLSB-3.ª Secção (proferido em providência de habeas corpus); de 25-06-2009, processo n.º 726/00.9SPLSB.S1 – 5.ª Secção; de 17-09-2009, processo n.º 47/08.9PBPTM.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 188 (Deve considerar-se confirmatório quer o acórdão do tribunal da relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, quer aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente. Se da confirmação in mellius, pelo tribunal da relação, resulta uma pena não superior a 8 anos de prisão, essa decisão não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça); de 23-09-2009, processo n.º 168/06.2JAFUN.S1-3.ª Secção (A confirmação, que funciona como condição de recorribilidade, abstrai de qualquer alteração factual da Relação, pois como resulta da lei a confirmação respeita ao decidido em termos de pena aplicada; aliás, essa mesma interpretação, de indiferença pela factualidade, é de seguir na al. d) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, referente à absolvição nas duas instâncias, obstando ao recurso. E não pode deixar de ser referência de recorribilidade a pena concretamente imposta e não os factos, porque o STJ, enquanto tribunal de revista, conhece, por princípio-regra, nos termos do art. 433.º do CPP, exclusivamente de direito, em que se inclui a problemática da medida concreta da pena); de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª Secção, com voto de vencido (A decisão favorável ao arguido na Relação, até ao limite de 8 anos, é confirmativa da precedente da 1.ª instância; no excedente, parcialmente eliminado, de 1 ano, não o é, perdendo legitimidade e interesse em agir o arguido para o impugnar, condições de legitimidade para recorrer ao abrigo do art. 401.º, n.º 2, do CPP. Na verdade, se o arguido tivesse sido condenado em 8 anos de prisão nas duas instâncias é inegável que não subsistia qualquer dúvida sobre a inadmissibilidade legal do recurso; era plena a confirmação; se o arguido vê realizado o seu interesse em parte, na medida em que obteve parcial tutela do seu direito, em mais latitude não lho concedendo o Tribunal da Relação, situando a pena de condenação no limiar da irrecorribilidade, então falece legitimidade para ver reexaminado o processo por outro tribunal superior, atenta a confirmação que ainda se realiza, in mellius, embora parcial, mantendo-se, como se mantém, inalterado o objecto do processo, em termos de factos e sua qualificação jurídico-penal); de 29-10-2009, processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (Existe dupla conforme quando a sentença condenatória proferida pelo tribunal superior, se limita a aplicar uma pena inferior ou menos grave do que aquela que tinha sido sentenciada pelo tribunal recorrido); de 04-11-2009, processo n.º 97/06.0JRLSB.S1-3.ª Secção; de 12-11-2009, processo n.º 397/07.1TAFAR.L1.S1-3.ª Secção (proferido em providência de habeas corpus, em que se pondera: A decisão do Tribunal da Relação que confirma, de forma parcial, a decisão de 1.ª instância, eleva o prazo da prisão preventiva para metade da pena que tiver sido fixada. A questão da denominada reformatio in mellius, suscitada a propósito da admissibilidade de recurso - art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP - tem sido objecto de um tratamento maioritário por parte da jurisprudência do STJ, afirmando a existência de uma confirmação parcial em situações similares, pelo menos até ao patamar em que se situa a sua convergência); de 13-01-2010, processo n.º 213/04.6PCBRR.L1.S1-3.ª Secção; de 14-01-2010, processo n.º 135/08.1GGLSB.L1.S1-5.ª Secção (defendendo a conformidade à Constituição do entendimento sufragado e citando os acórdãos do TC n.ºs 32/2006 e 20/2007, diz que “o acórdão da Relação que não altera os factos provados, nem a sua qualificação jurídica, mantendo umas penas parcelares e reduzindo a medida de outras e da pena única, deve ser considerado, por maioria de razão, um acórdão que confirma decisão de 1.ª instância”); de 27-01-2010, processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª Secção (aqui reconhecendo-se que não existe confirmação se, embora confirmada a condenação, ocorre uma substancial alteração da qualificação jurídica dos factos, ou uma divergência no âmbito da matéria de facto com reflexo ou na qualificação jurídica dos factos ou, apenas, na operação de determinação da medida da pena); de 07-04-2010, processo n.º 295/05.3GCTND.C2.S1-3.ª Secção (no caso, mantendo-se inalterada a matéria de facto, a diminuição da(s) pena(s) resultou somente de uma diferente qualificação/subsunção jurídica da mesma, em que a Relação entendeu que os factos provados integravam a prática de um crime (menos grave) de homicídio simples na forma tentada, enquanto o tribunal de 1.ª instância considerou que a mesma factualidade integrava a prática de um crime (mais grave) de homicídio qualificado na forma tentada). Ora, nestes casos em que o Tribunal da Relação aplica uma pena inferior ou menos grave, não há violação do direito ao recurso do arguido); de 15-04-2010, processo n.º 631/03.7GDLLE.S1-5.ª Secção (versando a questão na perspectiva da falta do interesse em agir); de 27-05-2010, processo n.º 139/07.1JAFUN.L1.S1-5.ª Secção (assumindo a posição do supra citado acórdão de 25-03-2009, proferido no processo n.º 610/09-5.ª); de 07-07-2010, processo (habeas corpus) n.º 811/06.3TDLSB-C.S1-3.ª Secção (confirmação para efeitos do n.º 6 do artigo 215.º do CPP); de 20-10-2010, processo n.º 651/09.8PBFAR.E1.S1-3.ª Secção; de 21-10-2010, processo n.º 3429/07.0TDLSB.L1-5.ª Secção; de 04-11-2010, processo (habeas corpus) n.º 1575/08.1JDLSB-B.S1-5.ª Secção; de 10-11-2010, processo (habeas corpus) n.º 154/2010.8YFLSB-3.ª Secção; de 17-11-2010, processo n.º 1427/06.0TAVNF.P1.S1-3.ª Secção; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª Secção; de 09-02-2011, processo n.º 319/03.9GDALM.L1.S1-5.ª Secção; de 17-02-2011, processo n.º 460/06.6GBPNF.P1.S1-5.ª Secção; de 24-02-2011, processo n.º 23/08.1PECTB.C1.S1-5.ª Secção; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 11-05-2011, processo n.º 141/02.0PATVD.L1.S1-3.ª Secção; de 18-05-2011, processo n.º 811/06.3TDLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 08-06-2011, processo n.º 1584/09.3PBSNT.S1-3.ª Secção; de 15-06-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª Secção; de 03-07-2011, processo n.º 322/09.5JAFAR-B.S1-3.ª Secção; de 23-11-2011, processo n.º 12/10.6JAGRD.C1.S1-5.ª Secção; de 15-12-2011, processo n.º 3182/03.6TDPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 18-01-2012, processos n.º 4/10.5PATNV.C1.S1 e 306/10.0JAPRT.P1.S1, ambos da 3.ª Secção; de 09-02-2012, processo n.º 1/09.3FAHRT.L1.S1-3.ª Secção.  

      O acórdão de 8 de Março de 2012, proferido no processo n.º 625/06.0PELSB.L2.S1-3.ª Secção, após referir que «a verificação de “dupla conforme”, ou seja, a confirmação pelo tribunal superior (Relação) da decisão da 1.ª instância é sem dúvida uma “presunção” de “boa decisão”, sendo compreensível que o legislador, numa tal situação, “dispense” novo recurso» e após afirmar que a «confirmação não pode confundir-se com coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões», significando “confirmação” «uma identidade essencial, mas não necessariamente total entre as duas decisões», afirma que «No caso de decisão condenatória, o legislador foi mais comedido a acolher a “presunção de boa decisão” em que assenta a dupla conforme, pois a sua recepção plena poderia constituir um excessivo sacrifício dos direitos da defesa. Assim, a dupla conforme funciona apenas para as condenações em pena (concreta) não superior a 8 anos de prisão. Mas também aqui não é exigível a identidade completa das decisões para se afirmar a dupla conforme».


      E acrescenta que «Desde logo, também não é necessária a identidade da fundamentação da condenação, ou seja, a mesma e precisa decisão pode ser fundamentada em termos diferentes. Também não deixará de haver confirmação quando o tribunal superior desagrave, quer por absolvição de algum dos crimes imputados ao recorrente, quer por desqualificação do crime imputado (com ou sem modificação da matéria de facto), quer ainda por redução de alguma pena parcelar ou da pena única, a situação do condenado. Em qualquer destes casos, melhorando a posição do condenado, é confirmada a condenação na parte subsistente».

      No mesmo sentido o acórdão de 29 de Março de 2012, proferido no processo n.º 18/10.5GBTNV.C1.S1-3.ª Secção.

      Segundo o acórdão de 26 de Abril de 2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1 da 5.ª Secção, está-se perante dupla conforme parcial (confirmação in mellius), quando o acórdão da relação, ao alterar a decisão recorrida, se cinge a um tratamento mais benéfico para os arguidos, reduzindo uma (ou mais do que uma) das penas parcelares e fazendo reflectir na pena unitária a nova imagem global do facto, determinada pelo abaixamento das penas parcelares. A corrente maioritária do STJ entende que a dupla conforme se verifica, ainda, quando a relação aplica pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada na decisão recorrida. 

       E neste sentido podem ver-se ainda os acórdãos de 9 de Abril de 2008, processo n.º 307/08, de 15 de Abril de 2010, processo n.º 83/04.4PEPDL.L1.S1, de 16 de Junho de 2010, processo n.º 773/08.2PWLSB.L1.S1, de 24 de Março de 2011, processo n.º 408/08.3GAABF.E1.S1, de 21 de Março de 2012, processo n.º 303/09.9JOLSB.E2.S1, de 11 de Abril de 2012, processo n.º 1042/07.0PAVNG.P1.S1, de 16 de Maio de 2012, processo n.º 206/10.4GDAABF.E1.S1, de 7 de Novembro de 2012, processo n.º 1198/04.4GBAGD.C4.S1, de 15 de Novembro de 2012, processo n.º 117/04.2PATNV.C1.S1, de 28 de Novembro de 2012, processo n.º 183/10.1GATBU.C1.S1 (com rejeição total), por nós relatados, e que serviram de “guião” na apresentação que vem de se fazer. 

      Mais recentemente, pressupondo em princípio a manutenção dos factos e qualificação jurídica, podem ver-se os acórdãos de 12-09-2012, processo n.º 4/10.5FBPTM-E1.S1-3.ª Secção (A confirmação in mellius, ou seja, a que confirma, melhorando, a situação penal do condenado, é relevante para efeitos da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP. Assim tendo a Relação reduzido a pena do recorrente E de 9 para 8 anos de prisão, tal decisão não admite recurso (a decisão que o admitiu não vincula o STJ - art. 414.º, n.º 3, do CPP); de 31-10-2012, processo (habeas corpus) n.º 756/11.5GBABF-C.S1-5.ª Secção (confirmação para efeitos do n.º 6 do artigo 215.º do CPP); de 11-12-2012, processo n.º 1704/07.2TBBGC.P1.S1-3.ª Secção, com Relator vencido; de 11-12-2012, processo n.º 760/09.3PPPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 11-12-2012, processo n.º 1127/05.8TASNT.L1.S1-5.ª Secção; de 10-01-2013, processo n.º 507/05.3GAEPS.G1.S1-5.ªSecção; de 13-02-2013, processo n.º 401/07.3GBBAO.P1.S1-3.ª Secção; de 20-02-2013, por nós relatado no processo (habeas corpus) n.º 1/11.3GALLE-C.S1-3.ª Secção; de 14-03-2013, processo n.º 156/11.7PALSB.L1.S1-3.ª Secção; de 29-05-2013, processo n.º 267/07.3JELSB.L1.S1-3.ª Secção e do mesmo Relator de 10-07-2013, processo n.º 52/06.0JASTB.L1.S2-3.ª Secção (a identidade de facto não é ofendida quando a alteração é juridicamente irrelevante, ou tem apenas como consequência a desagravação da qualificação dos factos, assim beneficiando o condenado. Se a alteração conduzir à imputação de crime diferente, ainda que não seja mais grave, é evidente que, nessa hipótese, já não há confirmação); de 5-06-2013, processo n.º 1434/07.5TAAVR.C1.S1-3.ª Secção; de 09-10-2013, processo n.º 483/10.0JABRG.G1.S1-5.ª Secção; de 30-10-2013, processo n.º 148/11.6SVLSB.L1.S1-3.ª Secção (ficando o recurso sem objecto perante as penas únicas aplicadas que não foram de per se impugnadas, tornando-se, por isso, manifestamente improcedente); de 13-11-2013, processo n.º 24/11.2GASLV.E1.S1-3.ª Secção, referindo-se neste: “Vem o STJ entendendo, maioritariamente, que a decisão proferida em recurso que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta, deve ser considerada confirmatória, porquanto não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica dos factos, o arguido tivesse que conformar-se com a decisão que mantém a pena, mas já pudesse impugná-la caso a pena fosse objecto de redução. No caso vertente, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, conquanto tenha alterado a decisão proferida sobre a matéria de facto, confirmou a condenação do arguido, com redução de pena de prisão que lhe foi imposta na 1.ª instância [de 7 anos de prisão para 6 anos de prisão], situação que cai na previsão da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, a significar que o acórdão impugnado é irrecorrível”; de 12-02-2014, processo n.º 995/10.6JACBR.C1.S1-3.ª Secção (O STJ tem entendido que não deixa de haver confirmação nos casos em que, in mellius, a Relação reduz a pena aplicada em 1.ª instância. Até ao ponto em que a condenação posterior elimina o excesso resulta a confirmação da anterior. No excedente, parcialmente eliminado, o arguido perde legitimidade e interesse em agir. Não admite recurso para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, provendo em parte o recurso, reduziu a pena de 6 anos e 6 meses para 6 anos de prisão, imposta ao arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93); de 26-02-2014, processo n.º 851/08.8TAVCT.G1.S1-3.ª Secção (Como é jurisprudência uniforme do STJ, a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto. A confirmação da condenação admite, assim, a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado. Por identidade ou maioria de razão abrange qualquer benefício em sede de penas acessórias, efeitos das penas ou quanto à perda de instrumentos, produtos ou vantagens do crime. É a chamada confirmação in mellius.

Quanto à qualificação jurídica, há que precisar que a identidade de qualificação abrange não só a manutenção da mesma pelo tribunal superior, como também a desagravação da imputação penal, por meio da desqualificação do tipo agravado para o tipo simples do mesmo crime. Já não haverá confirmação se for imputado ao condenado um tipo de crime diferente.

Por último, a identidade de facto não é ofendida quando a alteração é juridicamente irrelevante, ou tem apenas como consequência a desagravação da qualificação dos factos, assim beneficiando o condenado. Se a alteração conduzir à imputação de crime diferente, ainda que não seja mais grave, é evidente que, nessa hipótese, já não há confirmação.

No caso dos autos, a Relação manteve a condenação do arguido pelos mesmos crimes, mantendo a matéria de facto, e confirmando inteiramente as penas. A única modificação refere-se à revogação da declaração de perda de valores a favor do Estado, alteração essa que beneficiou o arguido. Estamos, pois, perante uma confirmação in mellius do acórdão da 1.ª instância, não excedendo nenhuma das penas 8 anos de prisão. Sendo assim, o recurso para o STJ não é admissível, por força da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP); de 26-02-2014, processo n.º 2/12.4GELLE.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (No caso dos autos, a decisão da Relação não ampliou, mas reduziu a pena, inferior a 8 anos de prisão, pelo que houve confirmação in mellius, não sendo, por conseguinte admissível o recurso para o STJ, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f) do CPP. E o interesse em agir, quando exista, encontra-se processualmente vinculado à admissibilidade legal do recurso); de 12-03-2014, processo n.º 1788/08.6PJLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 20-03-2014, processo n.º 423/10.7JAPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 23-04-2014, processo n.º 33/12.4PJOER.L1.S1-3.ª Secção; de 25-06-2014, processo n.º 2/12.4GALLE.E1.S1-3.ª Secção; de 21-01-2015, processo n.º 747/10.3GAVNG.P1.S1, da 3.ª Secção (no caso dos autos, a 1.ª instância condenou cada um dos recorrentes em penas parcelares e conjunta, qualquer delas inferior a 8 anos de prisão, confirmados nesses precisos termos pelo Tribunal da Relação, aí se afirmando: “É verdade que o Tribunal da Relação, na procedência parcial dos recursos, revogou o acórdão da 1.ª instância na parte em que declarou perdidos a favor do Estado bens apreendidos aos arguidos. Mas esta decisão em nada altera a condenação nas concretas penas aplicadas – o pressuposto de recorribilidade”); de 29-01-2015, processo n.º 91/14.7YFLSB.S1-5.ª Secção, afirmando-se que qualquer decisão que dê mais ao recorrente demandante civil do que a decisão da 1.ª instância, é uma decisão conforme aquela, pois não existe qualquer racionalidade em não permitir o recurso numa situação de confirmação total da decisão recorrida (que para todos os efeitos equivale a uma improcedência do recurso) mas já o permitir numa confirmação mais vantajosa para o recorrente. Assim, face ao disposto no art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível o recurso da demandante, impondo-se a sua rejeição; de 11-02-2015, processo n.º 83/13.3JAPDL.L1.S1-3.ª Secção (em caso de condenação por 4 crimes de maus tratos, 3 violações, 1 de ofensas à integridade física qualificada e 1 de coacção qualificada, sendo todas em penas inferiores a 8 anos de prisão e pena única de 14 anos de prisão, a qual não foi conhecida por não impugnada, foi consignado: “É maioritária a posição jurisprudencial do STJ segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena, mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução”).    

   Segundo este acórdão e nos termos do acórdão de 25-02-2015, processo n.º 859/12.9GESLV.E1.S1, proferido pelo mesmo Relator do anterior e igualmente em caso de irrecorribilidade das penas parcelares por confirmação in mellius, “Sendo o acórdão recorrido, irrecorrível, óbvio é que as questões que lhe subjazem, sejam elas de constitucionalidade, processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, quer referentes às ilicitudes, responsabilidade criminal ou medida das penas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito da condenação em termos penais, não poderá o STJ conhecer. A admissibilidade ou não de determinado recurso é questão prévia ao conhecimento do mesmo. Só pode conhecer-se de qualquer recurso depois de ser admitido no tribunal a quo e o tribunal ad quem considerar que essa admissão é válida”.

      Segundo o acórdão de 25-03-2015, processo (habeas corpus) n.º 1257/12.0JFLSB-C.S1-3.ª Secção, o n.º 6 do artigo 215.º do CPP não se confunde nem se identifica com a conformidade ou dupla conforme determinada pela alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. Esta tem em vista o critério legal definidor e limitativo de irrecorribilidade da decisão da Relação para o STJ, quando houver confirmado, ainda que in mellius, a decisão da 1.ª instância. Aquela visa alargar o prazo de duração das medidas de coacção que restrinjam a liberdade, ao estatuir que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para ½ da pena que tiver sido fixada, no caso de um arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas.

      Para o acórdão de 25-03-2015, processo n.º 1101/09.6PGLRS.L1.S1-3.ª Secção, entende-se que se está ainda perante dupla conforme (total) quando o tribunal de recurso nem chega a conhecer do mérito, como é o caso da rejeição do recurso, ou quando o seu conhecimento se traduz em benefício para o recorrente, por o tribunal de recurso aplicar pena inferior ou menos grave do que a pena aplicada pela decisão recorrida (confirmação in mellius).

      A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da factualidade provada e da qualificação jurídica (desde que daí resulte efectiva diminuição da pena), não deixa de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento.

      No acórdão de 15-04-2015, processo (habeas corpus) n.º 118/10.1JBLSB-C.S1-3.ª Secção, em caso de confirmação in mellius por acórdão da Relação que reduziu a pena única, afirma-se: “É decisão confirmativa da condenação, a decisão proferida em recurso que agrave ou atenue a pena de prisão decretada em 1.ª instância; havendo alteração da pena, o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena de prisão fixada pelo tribunal superior, se este reduzir a pena”); de 23-04-2015, processo (habeas corpus) n.º 8/13.6MACSC-E.S1-5.ª Secção (confirmação para efeitos do n.º 6 do artigo 215.º do CPP, em caso de rejeição ou de pena inferior à fixada na sentença recorrida); de 25-06-2015, processo (habeas corpus) n.º 215/09.6PFSXL-D.S1-5.ª Secção.

      Podem ver-se ainda no mesmo sentido os acórdãos de 10-09-2014, por nós relatado no processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1-3.ª Secção; de 17-09-2014, processo n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1-3.ª Secção; de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª Secção (apreciada apenas a pena única); de 23-09-2015, processo n.º 524/13.0JDLSB.E1.S1-3.ª Secção; de 10-12-2015, processos n.º 31/12.8JACBR.C1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, e n.º 269/13.0JAFAR.E1.S1-3.ª Secção; de 11-02-2016, processo n.º 810/12.6JACBR.C1.S1-5.ª Secção; de 18-02-2016, por nós relatado no processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S2; de 24-02-2016, processo n.º 35/14.6PEFUN.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto; de 22-03-2016, processo n.º 653/14.2TDLSB-B.S1-3.ª Secção - habeas corpus -, em que interviemos como adjunto (confirmação para efeitos do n.º 6 do artigo 215.º do CPP, em caso de fixação de pena inferior à fixada na decisão recorrida); de 30-03-2016, processo n.º 2932/07.6JFSB.C1.S2-3.ª Secção, de 30-03-2016, processo n.º 1223/14.0JAPRT.P1.S1-3.ª Secção; de 18-05-2016, processo n.º 562/12.0JABRG.G1.S1-3.ª Secção e n.º 653/14.2TDLSB.E1.S1-3.ª Secção; de 5-08-2016, processo n.º 35/11.8CGFLG.P1.S1-3.ª-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1-3.ª Secção (relativamente a sete dos recorrentes, com redução de penas parcelares e únicas) e de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1-3.ª Secção. 

      Com interesse, extrai-se do acórdão de 25-06-2015, proferido no processo n.º 814/12.9JACBR.S1, da 5.ª Secção:

      “O STJ tem entendido reiterada e uniformemente que “confirmação” da decisão recorrida, não significa nem exige coincidência ou identidade absoluta entre as duas decisões. Pressupõe apenas uma identidade essencial entre elas, como tal se entendendo a manutenção da condenação do arguido no quadro da mesma qualificação jurídica e com base na mesma matéria de facto provada.

      A identidade da qualificação jurídica abrange não só a manutenção propriamente dita da decisão pelo tribunal superior, como também a desagravação da imputação penal, quer por absolvição por algum dos crimes imputados ao recorrente, quer por desqualificação do tipo agravado, quer pela redução do número de crimes ou redução das penas parcelares, ou de alguma delas, ou somente da pena única.

      A identidade de facto não é descaracterizada se a alteração for juridicamente irrelevante ou tiver como consequência a desagravação da qualificação dos factos, assim beneficiando o arguido, traduzindo-se numa confirmação para melhor (in mellius) da situação penal do condenado e que, como não pode deixar de ser, segue o regime da confirmação integral, sob pena de contraditoriamente ser atribuído direito de recurso a condenado que, por exemplo, veja a pena reduzida e ser postergado a outro que a veja confirmada.

     No presente caso, a Relação, ao requalificar em beneficio do arguido os crimes de violação, eliminando um deles, a partir da matéria de facto provada em 1.ª instância sem, contudo, nesse aspecto a alterar, ao reduzir de 4 para 3 anos de prisão a pena pelo crime de violência doméstica e ao manter as penas pelos crimes de ameaça, confirmou in mellius a decisão da 1.ª instância, pelo que, porque nenhuma das penas parcelares é superior a 8 anos de prisão, o recurso é, quanto a tais penas, inadmissível, admissível sendo apenas a questão da pena única.

      Tem sido jurisprudência constante deste STJ, de que se comunga, que a inadmissibilidade de recurso decorrente da dupla conforme impede este tribunal de conhecer de todas as questões conexas com os respectivos crimes, tais como os vícios da decisão sobre a matéria de facto, a violação dos princípios do in dubio pro reo e da livre apreciação da prova, da qualificação jurídica dos factos, da medida concreta da pena singular aplicada ou a violação do princípio do ne bis in idem ou de quaisquer nulidades, como as do art. 379.° do CPP”.


      De modo diverso, o acórdão de 11 de Outubro de 2012, proferido no processo n.º 288/09.1GBMTJ.L2.S1-5.ª Secção, que afasta a confirmação, por a redução da pena ter resultado de atenuação especial da pena, por determinar esta uma diferente moldura penal.

      Diversa era a situação ponderada no acórdão de 18 de Junho de 2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB, por nós relatado, em que, não obstante a Relação ter mantido a qualificação e a pena aplicada, foi entendido não ocorrer dupla conforme, porque mantendo-se embora o sentido da decisão da 1.ª instância, decorreu da decisão da Relação uma efectiva redução de matéria de facto, determinativa de uma menor carga, quantidade, de ilícito. Na verdade, o acórdão condenatório do Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa foi confirmado pela Relação, que manteve a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes e as medidas das penas aplicadas, mas revogou o decidido quanto à declaração de perda a favor do Estado das quantias em dinheiro apreendidas ao recorrente e procedeu a alteração da matéria de facto dada como provada em dois segmentos, sendo de assinalar que a citada revogação nada teve a ver com a modificação da matéria de facto, isto é, não teve na sua base tal alteração.

      No caso, a uma redução de matéria de facto não se tinha feito corresponder uma reapreciação das penas, não espelhando a pena unitária mantida a diversa imagem global do facto.

      Em caso de diversa qualificação, o acórdão de 13 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, por nós relatado, em que em primeira instância o arguido fora condenado pela prática de sete crimes de abuso sexual de criança na pena única de 8 anos de prisão. O Tribunal da Relação considerou tratar-se de um único crime de trato sucessivo, condenando na mesma pena de 8 anos de prisão.

      Entendeu-se como recorrível o acórdão da Relação, podendo ler-se: “Sendo certo que a medida da pena aplicada é o critério a tomar em conta, a verdade é que tal acontece nos casos de identidade total, integral, ou in mellius, mas no caso concreto tal impedimento não se verifica, pois pese embora a imodificabilidade da matéria de facto e a manutenção da pena, a confirmação foi apenas parcial, pois houve uma outra diversa qualificação jurídica, justificativa de intervenção deste Supremo Tribunal, pois conduz a um outro arco penal”.

      Segundo o acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 10/08.0GALSB.S1-5.ª Secção, não há dupla conforme, sendo recorrível a decisão da Relação, quando qualifique a conduta de forma diferente, com unificação de vários actos até então considerados crimes autónomos, num só crime. No mesmo sentido, do mesmo Relator, se pronunciou o acórdão de 11 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 516/08.0PCAMD.L1.S1 – cfr. ainda o acórdão de 27 de Janeiro de 2010, proferido no processo n.º 401/07.3JELSB.L1.S1-5.ª Secção, que reconhece que não existe confirmação se, embora confirmada a condenação, ocorre uma substancial alteração da qualificação jurídica dos factos.

      Considerando não poder no caso concreto considerar-se que existe uma situação de dupla conforme, pronunciou-se o acórdão de 6-11-2014, processo n.º 161/05.2JAGRD.C2.S1-5.ª Secção, onde se pode ler: “a tese da confirmação in mellius seguida pela maioria da jurisprudência do STJ e caucionada pela jurisprudência do TC, pressupõe que a alteração para melhor das penas aplicadas seja apenas devida a uma diferente aplicação dos critérios de determinação da medida concreta da pena, nesses caso feita de forma mais favorável ao recorrente. Não assim, quando simultaneamente haja uma alteração da matéria de facto ou da qualificação jurídica”.  


      Para o acórdão de 25-02-2015, processo n.º 74/12.1JACBR.C1.S1-5.ª Secção, deve entender-se que o acórdão da Relação é, relativamente ao arguido, também confirmatório na parte em que, sem alteração dos factos provados e da sua qualificação jurídica, diminui as penas aplicadas em 1.ª instância. Mal se compreenderia que, à luz do fundamento do direito de recorrer, lhe fosse permitido interpor recurso numa situação que lhe é mais favorável (confirmação in mellius). Mas considera que no caso concreto não ocorre a causa de inadmissibilidade do recurso prevista no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.

      Entendendo não se verificar a causa de irrecorribilidade prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, face a alteração jurídica dos factos, pronunciou-se o acórdão de 12-11-2015, no processo n.º 823/12.8JACBR.C1.S1-5.ª Secção.

      Especificamente sobre o caso de confirmação in mellius pronunciou-se o Tribunal Constitucional, nos termos que seguem.

      Assim, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 32/2006, de 11 de Janeiro de 2006, 1.ª Secção, não julgou inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que o acórdão proferido em recurso pelas Relações confirma a decisão de primeira instância, quando mantém os factos provados e a qualificação jurídica, não obstante reduzir a medida concreta das penas parcelares e unitária, revogando parcialmente a decisão de primeira instância (Sumário a págs. 940 de Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64.º volume).

    No mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 20/2007, de 17 de Janeiro, 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Março de 2007 (e ATC, volume 67, pág. 831, sumário), ao confirmar decisão sumária que não julgou inconstitucional a norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que não é recorrível o acórdão da Relação (proferido em recurso em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos) que, mantendo a qualificação jurídico-penal dos factos, reduz a medida concreta das penas parcelares e unitária em que o arguido foi condenado em 1.ª instância.

       Remetendo para os acórdãos citados e para o acórdão n.º 424/09, supra mencionado, pronunciou-se no mesmo sentido a decisão sumária do Tribunal Constitucional n.º 600/2011, de 9 de Novembro de 2011, proferida no processo n.º 800/11, em que o recurso havia sido interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Setembro de 2011, desta 3.ª Secção. Aí fez questão de sublinhar, expressamente, ser jurisprudência uniforme sua que não é inconstitucional a interpretação da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, no sentido de não admitir recurso para o STJ da decisão da Relação, que aplicando pena de prisão não superior a 8 anos, reduz a pena aplicada em 1.ª instância, precisamente porque o direito de defesa do arguido se mostra salvaguardado.


***


       Resulta do exposto que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora é irrecorrível na parte em que fixa as penas parcelares aplicadas ao arguido pela prática dos crimes de violação na forma consumada, punida com 7 anos de prisão e de dois crimes de violação, na forma tentada, punidos com as penas de 3 anos e de 3 anos e 4 meses de prisão, sendo definitivas as penas parcelares aplicadas.

      As penas parcelares aplicadas ao recorrente, mantidas/confirmadas pela Relação, todas em medida inferior a oito anos de prisão, inviabilizam a possibilidade do recurso e a reapreciação das questões colocadas a propósito dos crimes assim punidos, como a de considerar a possibilidade de subsunção ao crime continuado e medida das penas parcelares, verificando-se dupla conforme, que veda ao arguido a possibilidade de recurso, quanto a tais matérias.

      A dupla conforme, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, não supõe, necessariamente, identidade total, absoluta convergência, concordância plena, certificação simétrica, ou consonância total, integral, completa, ponto por ponto, entre as duas decisões. 

    A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da qualificação jurídica (desde que daí resulte efectiva diminuição de pena, de espécie ou medida de pena), não deixará de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento, de um julgamento certo e seguro.

      Teremos no nosso caso mais do que uma presunção de bom julgamento, na perspectiva da defesa, pois que o recorrente AA, no concreto, até beneficiou, claramente, com o recurso interposto para a Relação de Évora, passando o limite máximo da moldura de cúmulo jurídico de 25 anos para 13 anos e 4 meses, tendo sido a pena única reduzida de 13 para 11 anos de prisão.

       Concluindo.

       É um dado incontornável que se a confirmação do acórdão do Juízo Central Criminal de Santarém, da Comarca de Santarém, o fosse “in totum”, o acórdão então recorrido seria irrecorrível no que respeita às penas parcelares. (Em tal hipótese, a pena parcelar mais elevada era de 7 anos de prisão, aplicada pelo crime de violação, na forma consumada, e apenas seria apreciada a pena única reduzida pela Relação, atenta então a sua dimensão – 11 anos de prisão).

      Como referimos nos acórdãos de 15 de Novembro de 2012, processo n.º 117/04.2PATNV.C1.S1, de 28 de Novembro de 2012, processo n.º 183/10.1GATBU.C1.S1, de 10 de Setembro de 2014, processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1, de 18 de Fevereiro de 2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1, de 14 de Setembro de 2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1, de 26 de Outubro de 2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, de 15 de Fevereiro de 2017, processo n.º 12/15.0JAAVR.P1.S1 e de 20 de Junho de 2018, processo n.º 462/04.7GAPRD.P3.S1, “a lógica interna e global do sistema e o bom senso, porque cumprida a exigência do duplo grau de jurisdição e a concessão real e efectiva de uma melhoria de tratamento do condenado, demandam, em nome da coerência, a adopção de uma solução, que não passe por fazer da identidade de pena aplicada o vector incontornável da conformação da confirmação, conferindo a possibilidade de um outro grau de recurso, exactamente nos casos em que o arguido foi já beneficiado, o que é inapelavelmente negado quando não lhe cabe em sorte um tratamento privilegiado.

      Dir-se-ia que adquirida uma mais valia, poderia ainda o beneficiado candidatar-se a uma outra nova oportunidade de obtenção de eventual sucesso…”.

      Chegados aqui, pode afirmar-se ter-se por certo que no caso presente é inadmissível o recurso interposto pelo recorrente AA, no que concerne à matéria decisória referente a pretendida alteração de qualificação jurídica, bem como relativamente à medida de todas as penas parcelares inferiores a oito anos de prisão, por se estar perante dupla conforme parcial (in mellius), nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.

      O mesmo aconteceria, de resto, como vimos, quanto a tais crimes, caso a confirmação fosse total.


***

       

Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da Constituição pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro – Diário da República, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 5 de Outubro de 1997).

      O direito ao recurso em matéria penal inscrito como integrante da garantia constitucional do direito à defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) está consagrado em um grau, possibilitando a impugnação das decisões penais através da reapreciação por uma instância superior das decisões sobre a culpabilidade e a medida da pena, sendo estranho a tal dispositivo a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um duplo grau de jurisdição, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.

      O princípio da dupla conforme é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

      As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no presente processo.

      O acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.


      O Tribunal Constitucional tem sido chamado a decidir da constitucionalidade quanto à perspectiva de violação do direito ao recurso, a propósito das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, concretamente se o direito ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição impõe um duplo recurso ou um triplo grau de jurisdição em matéria penal, sendo a resposta maioritariamente no sentido negativo - Acórdãos n.º 189/2001, de 3 de Maio, proferido no processo n.º 168/01-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC – volume 50, pág. 285), 215/2001, 336/2001, 369/2001, de 19 de Julho, 435/2001, de 11 de Outubro, 451/2003, de 14 de Outubro, processo n.º 527/03-1.ª Secção, 495/2003, de 22 de Outubro de 2003, processo n.º 525/03-3.ª Secção (citando os acórdãos n.º s 189/2001 e 369/2001), 102/2004, de 11 de Fevereiro, 390/2004, de 2 de Junho de 2004, processo n.º 651/03-2.ª Secção, versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado no Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543, 610/2004, de 19 de Outubro, 640/2004 (supra citado), 104/2005, de 25 de Fevereiro, 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, 64/2006 (supra citado), 140/2006, de 24 de Março, 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06 (ATC, volume 65, pág. 815, sumário), 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66, pág. 835, sumário), 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (ATC, volume 75, pág. 249), 551/2009, de 27 de Outubro, 3.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 566, sumário) 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/09- 2.ª Secção (ATC, volume 76, pág. 575), 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção, 175/2010, de 4 de Maio, processo n.º 187/10-1.ª Secção e 659/2011, de 21 de Dezembro, processo n.º 670/11, da 2.ª Secção.

         

     O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.


    A apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas – neste sentido, o acórdão n.º 49/2003, de 29 de Janeiro, proferido no processo n.º 81/2002, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 16-04-2003 e em ATC, volume 55, versando sobre caso de acórdão condenatório, que não confirma a decisão absolutória proferida em primeira instância e a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/98.

      Neste acórdão considera-se que o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se basta com a existência de um duplo grau de jurisdição, mesmo em situações de acórdãos condenatórios, proferidos pelas Relações, revogatórios de decisões absolutórias da 1.ª instância, neste sentido se pronunciando igualmente os supra referidos acórdãos n.º 255/2005, de 24 de Maio, processo n.º 159/05-1.ª Secção, n.º 487/2006, de 20 de Setembro, processo n.º 622/06, n.º 682/2006, de 13 de Dezembro, processo n.º 844/06-2.ª Secção (ATC, volume 66.º, pág. 835), n.º 424/2009, infra referenciado.

   

      Como se afirmava no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 44/2005, de 26 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 950/04-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Fevereiro de 2006, pronunciando-se sobre a alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º, e seguindo o citado acórdão n.º 49/2003 “…estando cumprido o duplo grau de jurisdição, há fundamentos razoáveis para limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, mediante a atribuição de um direito de recorrer de decisões condenatórias. Tais fundamentos são a intenção de limitar em termos razoáveis o acesso ao STJ, evitando a sua eventual paralisação (…). Não se pode, assim, considerar infringido o n.º 1 do artigo 32.º da Constituição (…) já que a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas”.

       No mesmo sentido se pronunciaram, entre vários outros, o acórdão n.º 390/2004, de 2 de Junho de 2004, proferido no processo n.º 651/03-2.ª Secção, citado pelo anterior – versando sobre a alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, publicado in Diário da República, II Série, de 07-07-2004 e ATC, volume 59, pág. 543; acórdão n.º 2/2006, de 3 de Janeiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13-02-2006 e ATC, volume 64, pág. 937, em sumário (Não é constitucionalmente imposto, mesmo em processo penal, um 3.º grau de jurisdição); o supra citado acórdão n.º 64/2006, de 24 de Janeiro de 2006, tirado em Plenário (face à contradição das soluções dos acórdãos n.º 628/2005 e n.º 640/2004), no processo n.º 707/2005, publicado no Diário da República, II Série, de 19-05-2006 e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, 2006, págs. 447 e seguintes (a Constituição não impõe um triplo grau de jurisdição ou um duplo grau de recurso, mesmo em Processo Penal); e acórdão n.º 140/2006, de 21 de Fevereiro de 2006, da 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 22-05-2006 (e com sumário em ATC, volume 64, pág. 950).

   

      No mesmo sentido se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, nos arestos supra referidos e ainda nos acórdãos de 06-02-2008, processo n.º 111/08-3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 4827/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 903/08-3.ª; de 30-04-2008, processo n.º 110/08-5.ª; de 05-06-2008, processo n.º 1226/08-5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2510/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3061/08 -5.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07-5.ª; de 27-11-2008, processo n.º 2854/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 22-04-2009, processo n.º 480/09-3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05-3.ª Secção (o direito ao recurso, enquanto manifestação do direito de defesa, isto é, o direito que os recorrentes têm a ver reapreciada a causa por um tribunal superior, mostra-se assegurado com a interposição de recurso para o Tribunal da Relação, sendo que a tutela constitucional não exige um duplo grau de recurso mas apenas um duplo grau de jurisdição – artigo 32.º, n.º 1, da CRP); de 07-10-2009, processo n.º 35/01.6AFIG.C2.S1-3.ª; de 21-10-2009, processo n.º 306/07.8GEVFX.L1.S1-3.ª Secção, onde se pode ler: “o nosso sistema de recursos não abdica de um duplo grau de jurisdição em matéria penal, de acordo com o artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12-06, que não impõe um triplo grau de jurisdição. Em consonância o artigo 5.º, n.º 4, da CEDH, limita-se, e só, a assegurar o direito ao recurso de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção. E nem se diga que a solução preconizada, atenta contra o direito fundamental do acesso ao direito e à justiça consagrado no artigo 20.º da CRP, porque o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso”.


     E ainda no citado acórdão de 29-10-2009, proferido no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224; de 13-10-2010, processo n.º 1252/07.0TABCL.G1.S1-3.ª; de 02-12-2010, processo n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1-5.ª; de 19-01-2011, processo n.º 421/07.8PCAMD.L1.S1-3.ª; de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 13-07-2011, processo n.º 352/01.5TACBR.C1.S1-3.ª; de 09-11-2011, processo n.º 43/09.9PAAMD.L1.S1-3.ª, de 21-12-2011, processos n.º 130/10.0GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 37/06.6GBMFR.S1-3.ª (o direito ao recurso como direito de defesa, inscrito como garantia constitucional no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, satisfaz-se com o duplo grau de jurisdição ou um grau de recurso, não exigindo, no plano constitucional, a previsão e a admissibilidade de um triplo grau de jurisdição e segundo grau de recurso, sendo esta a jurisprudência firmada e constante do Tribunal Constitucional - cf. acórdão n.º 187/10, aliás, 175/10, de 4 de Maio); de 28-12-2011, processo (habeas corpus) n.º 150/11.8YFLSB.S1-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 334/04.5IDPRT.P1.S1 – 3.ª (o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso); de 11-04-2012, processo n.º 1042/07.0PAVHG.P1.S1-3.ª; de 26-04-2012, processo n.º 438/07.2PBVCT.G1.S1-5.ª; de 14-03-2013, processo n.º 156/11.7PALSB.L1.S1-3.ª (o direito de defesa do arguido não exige, sempre e em todas as condições, mais do que um grau de recurso); de 15-05-2013, processo n.º 175/10.0TAABT.E1.S1-3.ª, sendo recorrente o assistente; de 25-06-2014, processo n.º 2/12.4GALLE.E1.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª (o direito ao recurso está consagrado em apenas um grau, não impondo o n.º 1 do artigo 32.º da CRP a obrigatoriedade de um terceiro grau de jurisdição); de 1-10-2014, processo n.º 130/12.6PEALM.L1.S1-3.ª; de 2-10-2014, processo n.º 882/10.8PBLRA.C1.S1-5.ª; de 29-10-2014, processo n.º 418/07.8GFOER.L1.S1-3.ª (as legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2.ª instância, o Tribunal da Relação, com o contraditório inerente); de 17-12-2014, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 8/13.6JAFAR.E1.S1-5.ª (Este entendimento não constitui violação do direito ao recurso, já que o art. 32.º, n.º 1, da CRP, só assegura ao arguido o direito de ver a sua situação criminal ou processual reapreciada por um outro tribunal, o que se mostra garantido quando a decisão de 1.ª instância é confirmada, em sede de recurso, por um tribunal hierarquicamente superior).

     

      Relativamente à questão da constitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, pronunciaram-se no mesmo sentido de não inconstitucionalidade os acórdãos n.º 20/2007, de 17 de Janeiro-3.ª Secção (Diário da República, II Série, de 20-03-2007 e Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 67, pág. 831, sumário), 36/2007, de 23 de Janeiro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 67, pág. 832), 346/2007, de 6 de Junho de 2007, 1.ª Secção, (ATC, volume 69, pág. 852), 530/2007, de 29 de Outubro de 2007, 3.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 766, em sumário), 599/2007, de 11 de Dezembro de 2007, 2.ª Secção (ATC, volume 70, pág. 772, em sumário).

       A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal ConstitucionalATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

      Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.

      No acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.

     Na fundamentação deste acórdão, tendo-se por adquirido que no caso a Relação mantivera a decisão condenatória da 1.ª instância, “apesar de ter ampliado os pressupostos factuais da mesma”, pode ler-se:

     “Ora, com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional.

     O facto de nessa reapreciação se ter ampliado a matéria de facto considerada relevante para a decisão a proferir, traduz precisamente as virtualidades desse meio de controle das decisões judiciais, não sendo motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

      Na verdade, a ampliação da matéria de facto julgada provada não modifica o objecto do processo. Tal como na decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime de que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa”.

      Referimos já o acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro de 2009, proferido no processo n.º 846/09, 3.ª Secção, do Tribunal Constitucional, o qual decidiu:

    «a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

      Não julgar inconstitucional a norma resultante da conjugação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto, e artigo 5.º, n.º 2, do mesmo Código, interpretada no sentido de que, em processos iniciados anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância, proferida após a entrada em vigor da referida lei, e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos».

      De igual modo, no acórdão n.º 643/2011, de 21 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 624/11, da 3.ª Secção e na decisão sumária n.º 366/12, proferida no processo n.º 552/12, da 2.ª Secção, o Tribunal Constitucional pronunciou-se sobre a interpretação normativa em causa, não a tendo julgado inconstitucional.

      Do acórdão deste Supremo Tribunal proferido no processo n.º 1324/08.4PPPRT.P1.S1, desta Secção, datado de 9 de Maio de 2012, aclarado em acórdão de 20 de Junho seguinte, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, que em 5 de Dezembro de 2012, pelo acórdão n.º 590/2012, proferido pela 1.ª Secção, decidiu, com um voto de vencido:

      «Julgar inconstitucional o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (CPP), na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa».

      Pelo Ministério Público foi interposto recurso obrigatório deste acórdão para o Plenário, nos termos do artigo 79.º-D, n.º 1, da LTC, por as soluções dos acórdãos n.º 590/2012 e n.º 649/2009 divergirem em absoluto sobre a questão de saber se é constitucionalmente conforme “interpretar o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), no sentido de que havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal.»

       O acórdão recorrido, ou seja, o referido acórdão n.º 590/2012, de 5 de Dezembro de 2012, veio a ser revogado pelo Acórdão n.º 186/2013, de 4 de Abril de 2013, tirado em Plenário, proferido no processo n.º 543/12, da 1.ª Secção, com cinco votos a favor, três declarações de voto e cinco votos de vencido, onde se inclui a relatora do acórdão n.º 590/2012, tendo sido decidido:

      «Não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».

       Como se referiu neste Acórdão do Tribunal Constitucional:

      “O acórdão recorrido considerou que do processo hermenêutico empreendido pelo tribunal a quo resultou uma norma que não é reconduzível “à moldura semântica do texto”, isto é, um sentido que, porque não tendo na letra da lei “um mínimo de correspondência verbal”, extravasava o domínio da mera interpretação jurídica, reconduzindo-se ao domínio da analogia e – in casu – da analogia (constitucionalmente) proibida nos domínios penal e processual penal.

      No entanto, apesar das limitações impostas pelo princípio constitucional da legalidade criminal, nem o direito penal nem o direito processual penal se encontram subtraídos aos cânones da hermenêutica jurídica, à luz dos quais há que proceder ao apuramento do sentido vertido nas suas normas. Assim sendo, cumpre esclarecer que a transição da interpretação para a analogia, ao abrigo dos cânones tradicionais, é determinada pela letra da lei (elemento gramatical ou literal). É, com efeito, a partir desta que se determinam os significados do preceito a que ainda é possível aceder através da interpretação, e quais aqueles que resvalam para a analogia. Obtidos os significados ainda compatíveis com o teor verbal da norma, a conclusão do processo hermenêutico faz-se com o auxílio dos outros elementos da interpretação – os elementos histórico, sistemático e racional (ou teleológico).

       Sucede que o sentido vertido na interpretação normativa extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP – nos termos da qual “havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão” – ainda se afigura cabível na letra daquele preceito. Não é de excluir, na verdade, que a referência à “pena de prisão” que nele se encontra possa ser entendida tanto como “pena devida pela prática de um único crime”, quanto como “pena parcelar em caso de concurso de crimes”. Na realidade, este sentido revela-se – ainda assim – tolerável à luz do teor verbal do preceito, resultando a solução hermenêutica encontrada da conjugação dessa tolerância ou cabimento com outros elementos da interpretação, designadamente com o elemento sistemático. Este elemento baseia-se “no postulado da coerência intrínseca do ordenamento, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem por princípio a um pensamento unitário” (João Batista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, 13.ª reimpressão, Almedina, 2002, p. 183). Tal postulado sustenta a interpretação normativa contestada, vedando a incoerência ou irracionalidade que resultaria da circunstância de se admitir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente a crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, quando a pena conjunta seja superior a 8 anos de prisão, e não se admitir tal recurso quando esteja em causa pena de prisão não superior a 8 anos devida pela prática de um único crime.

      Finalmente, talqualmente sublinhado pelo acórdão fundamento, o facto de este entendimento radicar num processo de “cisão em parcelas das diversas penas que compõem o cúmulo jurídico” - permitindo que, para efeitos de admissibilidade ou não admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, se distinga entre as penas parcelares integrantes da pena conjunta e a operação de determinação da pena conjunta obtida através de cúmulo jurídico, não é suscetível de colocar em crise a sua formulação. Tal cisão, com efeito, tem respaldo no direito penal positivo - artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal - (cfr. ainda, artigo 403.º, do Código de Processo Penal), circunstância que reforça cabalmente a possibilidade de a recorribilidade que a contrario se infere da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º valer quer para penas superiores a 8 anos devidas pela prática de um único crime, quer para penas conjuntas superiores a 8 anos obtidas através de cúmulo jurídico, mas apenas no que às operações do cúmulo respeite.

       Daí que cumpra concluir pela não inconstitucionalidade da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, impondo-se, consequentemente, a revogação do acórdão recorrido.”

 

      Na mesma linha, o acórdão n.º 659/2011, de 21 de Dezembro, proferido no processo n.º 670/11, da 2.ª Secção, decidiu:

      «Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirma a decisão de 1.ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão».


      Através deste Acórdão n.º 659/2011, esclareceu-se o seguinte:

     «Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. (…) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379º nº 2, e 414°, n.º 4, do Código de Processo Penal).

       Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.

      Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.

      Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.

       O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.

      Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).

       Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos..

       Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição». (Sublinhados nossos).


      A fundamentação deste acórdão n.º 659/2011 foi corroborada pelo acórdão n.º 194/2012 da 3.ª Secção e pelo já referido acórdão n.º 399/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 171/13, da 2.ª Secção, este respeitante à alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, mas seguindo de perto o acórdão n.º 659/2011. (Os dois acórdãos estão disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt.).


      No acórdão n.º 228/2014, de 6 de Março de 2014, proferido no processo n.º 920/13, da 3.ª Secção, foi mantida a decisão sumária que concluíra pela inadmissibilidade do recurso e consequente não conhecimento do respectivo objecto, não deixando de referir o decidido quanto a não inconstitucionalidade da interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, no Acórdão n.º 194/2012, que remete para a fundamentação do Acórdão n.º 659/2011.


      A decisão sumária n.º 114/2014, proferida no processo n.º 139/14-2.ª Secção, de 12 de Fevereiro de 2014 (no âmbito do processo n.º 1027/11.2PCOER.L1.S1 desta 3.ª Secção, podendo ver-se a sua evolução no acórdão de 10-09-2014, por nós relatado, a fls. 7, tendo surgido na sequência de indeferimento da reclamação do despacho que não admitira recurso de um dos arguidos), transpondo as razões expostas no acórdão n.º 659/2011, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de determinar a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação ao qual seja imputada uma nulidade”.

      O recorrente reclamou para a conferência, tendo o acórdão n.º 290/2014, de 26 de Março de 2014, indeferido a reclamação.   

       O arguido deduziu ainda incidente de aclaração, e por acórdão de 7 de Maio de 2014 (acórdão n.º 391/2014) foi indeferida a aclaração.


       A Decisão Sumária n.º 668/2016, proferida no processo n.º 774/16, da 2.ª Secção, de 21de Outubro de 2016 (sendo decisão recorrida o acórdão de 14 de Setembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1, versando tráfico de estupefacientes por funcionário de Estabelecimento Prisional), aderindo à jurisprudência constante dos Acórdãos n.º 186/2013 e 649/2009, decidiu:

      Julgar improcedente o recurso interposto por Márcio Pires, não julgando inconstitucional a interpretação, extraída da alínea f), do n.º 1 do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, conducente ao sentido de que a admissibilidade de recurso de acórdãos condenatórios, proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena única de prisão superior a oito anos não abrange a matéria decisória referente aos crimes punidos com penas parcelares não superiores a oito anos de prisão.

      A decisão sumária foi alvo de reclamação e pelo Acórdão n.º 687/2016, de 14 de Dezembro de 2016, foi decidido confirmar a decisão sumária reclamada, indeferindo a reclamação. 

       Notificado do acórdão, o recorrente invocou a nulidade do mesmo, requerendo a sua aclaração, o que foi decidido pelo Acórdão n.º 22/2017, de 18 de Janeiro de 2017, concluindo pela manifesta falta de fundamento da pretensão apresentada, fazendo uso da faculdade prevista no artigo 84.º, n.º 8, da LTC, e determinando a imediata remessa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de aí prosseguirem os seus termos.

      Em suma, tendo-se alterado o paradigma de «pena aplicável» para «pena aplicada», o regime resultante da actual redacção da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal tornou inadmissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos condenatórios proferidos pelas Relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão.

 

      O princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, que não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP, é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.

      Como se refere no acórdão de 16 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 2383/08-3.ª Secção, subjaz a tal instituto a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito.


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      Assente que a decisão em crise é insusceptível de recurso nos dois mencionados segmentos, relativos à matéria decisória referente a requalificação jurídica, bem como à determinação da medida das penas parcelares, todas inferiores a oito anos de prisão, impõe-se a rejeição do recurso interposto pelo arguido AA, no que tange a tais questões.

      A tanto não obsta a circunstância do recurso ter sido admitido, por não vincular o Tribunal Superior – artigos 399.º, 400.º, n.º 1, alínea f), 432.º, n.º 1, alínea b), 414.º, n.º 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal.

      Assim sendo, é de rejeitar o recurso, no que toca às pretensões sintetizadas pelo recorrente nas conclusões A a G.


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      Resolvida a questão prévia da não admissibilidade do recurso quanto às questões relativas às penas parcelares, designadamente, a pretendida alteração da qualificação jurídica, no sentido da aglutinação ou não das condutas dadas por provadas na figura da continuação criminosa, há que dizer, sem embargo do decidido, que a pretensão de unificação das várias condutas através da figura da continuação criminosa jamais lograria êxito.

      Pelas simples e múltiplas razões que de seguida se enunciarão quanto à unificação na figura do crime continuado, como igualmente, na figura do crime de trato sucessivo, exercício que se fará em registo meramente supletivo, ou se se quiser, em registo ex –adundanti.


       Questão I – Do Crime Continuado 

       Como vimos, o recorrente pugna pela redução do número de crimes por que foi condenado e sua integração na figura da continuação criminosa, o que faz nas conclusões A. e B., alegando que nunca poderá ser condenado por 34 crimes de violação agravada, ou por 21 crimes de violação agravada, mas apenas um só crime sob a forma continuada, já que apenas existiu uma resolução criminosa, uma linha de continuidade psicológica.

     Na conclusão G. pretende modificação do decidido, abrangendo este segmento, e na conclusão H. refere o artigo 79.º do Código Penal.

      Antes do mais, há que dizer que o recorrente labora em equívoco manifesto quando refere 34 crimes de violação agravada, ou 21 crimes de violação agravada, olvidando por completo o que decidiu a Relação de Évora.

       Na verdade, o recorrente foi condenado na 1.ª instância pela prática de 34 crimes de violação agravada (tendo a menor 13 anos de idade) e 21 crimes de violação agravada (tendo a menor 14 anos de idade), na forma tentada, tendo a Relação procedido a redução factual, reduzindo os crimes tentados a apenas dois, sendo um por referência ao n.º 7 e outro ao n.º 6 do artigo 177.º do Código Penal, respectivamente, quando a menor tinha 13 anos (menor de 14 anos) e 14 anos (menor de 16 anos), mantendo-se a condenação pelo crime de violação, na forma consumada.

       Sendo esta a situação processual actual, resultante do que decidiu o acórdão recorrido, a ela há que atender, pelo que haverá de indagar se são de unificar as condutas integradoras de um crime de violação agravada, na forma consumada e dois crimes de violação agravada, na forma tentada, num crime continuado.


      A questão colocada reconduz-nos à determinação do número de crimes e à problemática da verificação de concurso real ou efectivo de crimes, ou antes de crime continuado.

      Objecto de análise será a questão de saber se a matéria de facto dada por definitivamente assente, com os contornos definidos pela reapreciação efectuada pela Relação de Évora, comporta ou não a integração das condutas dadas por provadas na figura do crime continuado, como pretende o recorrente, ou antes na pluralidade de crimes, em concurso real/efectivo, como considerou o acórdão recorrido (três crimes de violação agravada, sendo um na forma consumada, e dois na forma tentada).


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      Como referimos nos acórdãos de 13 de Julho de 2011, processo n.º 451/05.4J ABRG.G1.S1 (abuso sexual de crianças), de 15 de Dezembro de 2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1 (furto), de 31 de Janeiro de 2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1 (roubo), de 12 de Setembro de 2012, processo n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1 (abuso sexual de autista), de 30 de Setembro de 2015, processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1 (abuso sexual de criança), de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 27/14.5JAPTM.S1 (abuso sexual de criança), de 25 de Maio de 2016, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1 (roubo a casal), de 5 de Abril de 2017, processo n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1 (burla qualificada) e no voto de vencido aposto no acórdão de 13 de Julho de 2011, no processo n.º 1659/07.3GTABF.S1, relativo a acidente rodoviário com resultados múltiplos (morte e ofensas corporais), publicado in CJSTJ 2011, tomo 2, págs. 210 a 241, maxime, págs. 224 a 241, e ainda no despacho de pronúncia de 17 de Março de 2015, proferido no processo n.º 1/13.9YGLSB.S1 (em que se procedeu à unificação de condutas da arguida J, considerando preenchido um único crime de peculato – pág. 344) e por último no acórdão de 9 de Maio de 2019, processo n.º 10/16.6PGPDL.S1 (afastando a continuação criminosa de cinco furtos para que foram convolados cinco crimes de burla):

    «A distinção entre unidade e pluralidade de crimes é decisiva na determinação das consequências jurídicas do facto, para efeito de punição do agente, sabido que no caso de concurso de crimes cabe a aplicação do critério especial de determinação da pena constante do artigo 77.º, extensível, nos termos do artigo 78.º, ao caso de superveniência de conhecimento da existência de relação concursal, cabendo ainda em caso de unificação do concurso, como crime continuado, tratado como uma situação ou caso de unidade de infracção, ou seja, como um só crime, um outro critério especial, este de privilegiamento punitivo, do artigo 79.º, sendo o crime punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação, podendo em certos casos, considerar-se ainda, num diverso plano, a existência de um único crime, a punir nos termos do critério geral do artigo 71.º, como os demais do Código Penal.

      Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Junho de 1986, proferido no processo n.º 38.292, publicado no BMJ n.º 358, pág. 267 (citado no acórdão de 5-06-1991, processo n.º 41 644, BMJ n.º 408, págs. 404-420), a realização plúrima do mesmo tipo legal pode constituir:

     a) Um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;

   b) Um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração das condutas;

   c) Um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.


      A regra é a de que, sendo vários os preceitos violados, ou sendo o mesmo preceito objecto de plúrimas violações, haja uma pluralidade de crimes; esta pluralidade só fica afastada no caso de concurso aparente, ou nas formas de unificação de condutas, seja como crime continuado, ou ainda fora dos quadros do artigo 30.º, como único crime (acórdão de 02-04-2008, por nós relatado no processo n.º 4197/07, configurando em caso específico de tráfico de estupefacientes, actividade contemplada por caso julgado anterior), ou como crime de trato sucessivo, como é ponderado a nível de situações de tráfico de estupefacientes (v. g., acórdão de 17-12-2009, processo n.º 11/02.1PECTB-5.ª Secção, de 14-04-2011, processo n.º 136/08.0JELSB.S1-5.ª Secção), ou de infracções fiscais ou contra a Segurança Social, que se protraem por períodos mais ou menos longos (neste tipo foi já considerada a figura denominada de “infracções contínuas sucessivas” no acórdão de 18-12-2008, proferido no processo n.º 20/07-5.ª Secção), ou mesmo em caso de burla qualificada e falsificação de documento (acórdão de 21-02-2008, processo n.º 2035/07-5.ª Secção), tendo sido assim qualificados alguns casos de abusos sexuais de crianças, solução que, segundo Paulo Pinto de Albuquerque, em Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição, 2010, pág. 162, será de afastar, a partir da Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, por estarem em causa bens eminentemente pessoais, afirmando que no caso da sucessão de vários crimes contra bens eminentemente pessoais, deve punir-se as condutas do agente em concurso efectivo».

       Prosseguindo.

     «A matéria de concurso de crimes não é tratada no artigo 30.º do Código Penal de forma abrangente e esgotante, na medida em que as soluções indicadas no preceito se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de crimes, tratando-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência, caberá em última análise, encontrar soluções adequadas, tendo em vista a multiplicidade de casos e situações que se prefiguram e que ocorrem na vida real (assim acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Janeiro de 2006, processo n.º 3671/03-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 159, que aborda a temática da distinção entre crime continuado e crime único, num caso de falsificação de três cheques para aquisição de produtos alimentares em hipermercado).

     Aliás, note-se que de acordo com a epígrafe do artigo 30.º, inserto no capítulo relativo a “Formas do crime” – cfr. Capítulo II do Título II - “Do facto” – na perspectiva de unidade/pluralidade de infracções, só haveria lugar ao concurso de crimes e ao crime continuado, não albergando o preceito, por exemplo, as hipóteses de crime único, que o Código Penal de 1886 previa no § único do artigo 421.º para o crime de furto.


   Relembrando o preceito, após no corpo escalonar as penalidades cabíveis de acordo com os valores da coisa furtada (mais tarde actualizados pela Lei n.º 27/81, de 22 de Agosto), dispunha:

     “§ único - Considera-se como um só furto o total das diversas parcelas subtraídas pelo mesmo indivíduo à mesma pessoa, embora em épocas distintas”.


      Há outras figuras de lesividade múltipla ou repetida de bens jurídicos com tutela jurídico-criminal, que se não contêm na dicotomia prevista no artigo 30.º - “Concurso de crimes e crime continuado”.


      Isto é, para além do concurso de crimes, a punir nos termos dos artigos 77.º e 78.º, e do crime continuado, a punir de acordo com o artigo 79.º do Código Penal, há toda uma gama de situações da vida real a demandar uma específica regulamentação.

   

     Estabelecendo um critério, assumidamente distintivo, o artigo 30.º contém a indicação de um princípio geral de solução da problemática do concurso de crimes, sendo também uma base de trabalho, a partir da qual há que olhar outras dimensões de violações de bens jurídicos, que ficam de fora, não estando abrangidos outros casos e situações que ocorrem no dia a dia, apresentando dificuldades de integração por exemplo as hipóteses de crimes culposos emergentes de acidentes de viação, sabido que o critério vale fundamentalmente para os crimes dolosos (cfr. o já mencionado acórdão de 13 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 1659/07.3GTABF.S1, relativo a acidente rodoviário com resultados múltiplos - morte e ofensas corporais -, com voto de vencido nosso, publicado in CJSTJ 2011, tomo 2, págs. 210 a 241) e mesmo nestes o critério não esgota todas as formas, todos os modos de execução do tipo legal».



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       Vejamos se a situação concreta dos aludidos três crimes de violação agravada – um, na forma consumada, e dois, na forma tentada – cabe na figura do crime continuado, começando pela abordagem da sua configuração. 


     Na versão originária do Código Penal de 1982, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro (neste segmento intocada pela Reforma de 1995, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março), estabelecia o

 


Artigo 30.º

(Concurso de crimes e crime continuado)



1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo for preenchido pela conduta do agente.

2 – Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.


Com a 23.ª alteração do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 170, de 4 de Setembro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 102/2007, de 25 de Outubro, publicada no Diário da República, 1.ª série – n.º 210, de 31 de Outubro), foi introduzido o n.º 3, que passou a estabelecer:


3 – O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.


Posto isto, a norma em sua completude, em 2007, passou a reger:

 


Artigo 30.º

(Concurso de crimes e crime continuado)



1 – O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. 

2 – Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 – O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima.



Em anotação ao artigo 30.º, na redacção então em vigor, relata Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, Almedina, 11.ª edição, 1997, pág. 152 (e mesmo lugar na 12.ª edição de 1998), que o preceito teve por fonte principal o artigo 33.º do Projecto de Parte Geral de Código Penal de 1963 e que na sua discussão na 13.ª sessão da Comissão Revisora, em 8 de Fevereiro de 1964, foi aprovado um último período para o n.º 2, que seria o seguinte: “A continuação não se verifica, porém, quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma vítima”.

   Adianta que a supressão/não aceitação do período “não significa que outra solução deva ser adoptada, mas tão só que o legislador considerou a afirmação desnecessária, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado”.

                                                     


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     O que a versão de 2007 fez foi consagrar a solução preconizada pelo Projecto de 1963, recuperando o conteúdo da proposta feita exactamente por Maia Gonçalves, mais de 43 anos antes, como dito foi, em 8 de Fevereiro de 1964.


       A este propósito, pode ver-se:

     Maria da Conceição Valdágua, As Alterações ao Código Penal de 1995, relativas ao crime continuado, propostas no Anteprojecto de Revisão do Código Penal, em palestra proferida em Maio de 2006, no âmbito de Colóquio sobre a revisão do Código Penal de 1995 (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16, N.º 4, Outubro-Dezembro 2006, págs. 531-533)

     Maria do Carmo Silva Dias, Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 04-09, nos crimes contra a liberdade sexual (Revista do Centro de Estudos Judiciários, 1.º trimestre de 2008, n.º 8 (especial), pág. 225),

     Maria da Conceição Ferreira da Cunha, Questões actuais em torno de uma “vexata quaestio”; O crime continuado, inserto em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem – 5, Coimbra Editora, volume II, 2009, págs. 321 a 370, referindo a fls. 362, as duas razões fundamentais que conduziram à “invenção” do crime continuado: o propósito de suavizar a responsabilização do agente quando entre os crimes praticados intercedesse uma determinada relação, evitando penas excessivas, desproporcionadas e o objectivo de promover a economia processual.

      A págs. 323, afirmara a propósito da ratio do crime continuado: “Ora, essa ratio reside claramente no propósito de evitar penas demasiado severas, desproporcionadas; ao lado desta razão material, há ainda uma importante razão processual – evitar dificuldades de prova e promover a economia processual”.

      Cristina Líbano Monteiro, Crime continuado e bens pessoalíssimos A concepção de Eduardo Correia e a revisão de 2007 do Código Penal, inserto na referida colectânea Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem – 5, Coimbra Editora, volume II, 2009, págs. 733 a 755, concluindo:

      “O legislador de 2007 fez mal em impor ao intérprete uma concreta leitura de Eduardo Correia e da sua continuação criminosa. Leitura que talvez não seja a que melhor traduz o seu pensamento. E, sobretudo, solução que não serve, em todos os casos, a finalidade de justiça sancionatória que lhe é própria”.

      Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de leis penais, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 37-8.

      Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, págs. 137/8 e pág. 221 da 3.ª edição de Novembro de 2015.


        Com a Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 172, de 3-09-2010), que operou a 26.ª alteração ao Código Penal, entrada em vigor em 3 de Outubro de 2010, foi alterada a redacção do n.º 3, que passou a estabelecer:

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.


      Com a alteração foi suprimida a expressão final “salvo tratando-se da mesma vítima”, do que resultou o fim da figura do crime continuado que atinja bens essencialmente pessoais, mesmo quando a vítima dos diversos actos seja a mesma pessoa. O crime continuado fica assim restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas. Assim, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada de Outubro de 2010, pág.160, nota 22.


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      Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.

      A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.

      Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções, Livraria Atlântida, Coimbra, 1945, págs. 338 a 344, como voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta, a perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta, a circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.

      O mesmo Autor, em Teoria do Concurso em Direito Criminal, 1967 (e 1996), págs. 246 e ss., refere quatro exemplos de situações exteriores, que preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, seriam susceptíveis de diminuir consideravelmente o grau de culpa do agente (reeditadas de forma sintetizada em Direito Criminal, volume II, com a colaboração de Figueiredo Dias, Almedina, 1965, pág. 210, e Reimpressão, Almedina, 1968 – 1971, pág. 210), e que poderão estar na base de uma continuação criminosa, a saber:

a) «A circunstância de se ter criado, a partir da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os sujeitos» - situação que exemplificava com o caso dos delitos sexuais e nomeadamente o adultério;

b) «Voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do criado que furta vários cigarros ao patrão, deixados ao seu fácil alcance, e do caixa que vai igualmente descaminhando em proveito próprio o dinheiro que lhe foi entregue;

c) «A perduração do meio apto para a realização de um crime, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa» - situação que exemplificava com os casos, entre outros, do moedeiro falso que, tendo adquirido ou construído a aparelhagem destinada a fabricar notas, se vê sempre de novo solicitado a utilizá-la e do burlão que, tendo alcançado ou falsificado um documento, com que praticou uma primeira burla, é de novo solicitado a cometer com ele uma outra;

d) A circunstância «de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa», situação que exemplificava com o caso do indivíduo que penetra num quarto para furtar jóias e, depois de as subtrair, verifica que no quarto também se encontra dinheiro, de que igualmente se apropria.

      Na fórmula mais sintetizada, as situações que por assim dizer preparam, de fora, a repetição da conduta do agente, assegurando que este seja menos culpado e assim autor de crime continuado, são as seguintes:

     a) Criação, através da primeira actividade, duma certa relação ou acordo entre os sujeitos (v.g. no caso de adultério);

     b) Renovação da oportunidade favorável à prática do crime, oportunidade que já antes fora aproveitada pelo agente ou o arrastara para a primeira actuação criminosa (v.g. quando se descobriu porta falsa de acesso a uma habitação, através da qual se vai furtar objectos ali depositados);

    c) Perduração do meio apto para realizar um delito, meio que se criara ou adquirira com vista a executar a primeira conduta criminosa (v.g. a aparelhagem construída ou obtida para fabricação de notas falsas);

     d) Ampliação possível do âmbito da actividade criminosa verificada depois de resolução efectivamente assumida (v.g. se se quer furtar uma jóia e, no lugar onde ela está, se encontra também dinheiro).

O Autor, em Direito Criminal, volume II, págs. 208/9, versando o problema do crime continuado, o qual está intimamente ligado a uma problemática especificamente processual, relacionada nomeadamente com a extensão do caso julgado e a determinação dos poderes cognitivos do juiz, afirma que “O núcleo do problema reside em que (…) se está por vezes perante uma série de actividades que, devendo em regra ser tratada nos quadros da pluralidade de infracções, tudo parece aconselhar – nomeadamente a justiça e a economia processual – que se tomem, unitariamente, como um crime só. Ora, para resolver o problema, duas vias fundamentais de solução podem ser trilhadas: ou, a partir dos princípios gerais da teoria do crime, procurar deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime continuado – e teremos então uma construção lógico-jurídica do conceito; ou atender antes à gravidade diminuída que uma tal situação revela em face do concurso real de infracções e procurar, assim, encontrar no menor grau de culpa do agente a chave do problema – intentando, desta forma, uma construção teleológica do conceito”. 

       O Autor considera ser este último o caminho mais legítimo, do ponto de vista metodológico, para resolução do problema, o que justifica assim:

      “Pois, quando bem se atente, ver-se-á que certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime – ou mesmo diversos tipos legais de crime, mas que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico –, e às quais presidiu uma pluralidade de resoluções (que, portanto, em princípio atiraria a situação para o campo da pluralidade de infracções), todavia devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam uma considerável diminuição da culpa do agente.

      E quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”. (Realces do texto).

      É a diminuição considerável do grau de culpa do agente que constitui a ideia fundamental que legitima, em última instância, o funcionamento do instituto do crime continuado – Eduardo Correia, Direito Criminal, volume II, págs. 210 e ss., e Figueiredo Dias, Direito Penal, Coimbra, 1976, págs. 122 e ss.  


      A propósito de unificação de conduta, pode ler-se em Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4.ª edição, pág. 648: “Deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”.

      E na 5.ª edição, aponta como pressupostos do crime continuado: “homogeneidade da forma de comissão (unidade do injusto objectivo da acção); unidade do bem jurídico ofendido (unidade do injusto de resultado); carácter unitário do dolo (unidade do injusto pessoal da acção), devendo este dolo assumir a forma de um dolo continuado, compreendido criminologicamente como um fracasso psíquico do agente, sempre homogéneo, perante a mesma situação de facto”.

      Na tradução da 5.ª edição, 2002, aqui em colaboração com Thomas Weigend, págs. 771/2, (apud acórdão de 19-04-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 169), pode ler-se: “Para que se possa considerar a existência de um crime continuado, há, assim, que apurar se a actuação do agente se traduz numa pluralidade de actos de execução de um mesmo tipo legal, em que se verifique uma homogeneidade do modo de comissão, que conforma como que um “dolo continuado”; apresenta-se como um “fracasso psíquico”, sempre homogéneo, do agente perante a mesma situação de facto, suposto, porém, que o agente não revele uma personalidade que se deixe facilmente sucumbir perante situações externas favoráveis, e que por essa fragilidade facilmente não supere o grau de inibição relativamente a comportamentos que preenchem um tipo legal de crime”.

     

      Manuel Cavaleiro de Ferreira em Lições de Direito Penal, I - A Lei Penal e a Teoria do Crime no Código Penal de 1982, Editorial Verbo, 1987, versa o crime continuado, a unidade do crime na execução sucessiva ou reiterada de um crime e a unificação da continuação de crimes cometidos em concurso e o crime continuado no Código Penal de 1982, no Título III, Capítulo III, 2.º, a págs. 388 a 400, dizendo a págs. 396: A lei versa a matéria do crime continuado conjuntamente com o concurso de crimes. É no concurso de crimes que se situa a matéria do crime continuado, e a sua especificação resulta fundamentalmente da muito menor gravidade da pluralidade de crimes nos casos de continuação, relativamente aos demais, É essa, aliás, a justificação que Eduardo Correia dá do instituto e da sua génese («Unidade e Pluralidade de Infracções», passim). Cada um dos factos em continuação mantém a sua autonomia: a cada um cabe o seu próprio elemento subjectivo, dolo ou negligência, as circunstâncias que o agravam ou atenuam, que excluem a ilicitude ou a culpa. Os efeitos da unificação referem-se a consequências ou efeitos jurídicos, mormente à sanção”.

     O mesmo Autor, em Lições de Direito Penal, II – Penas e Medidas de Segurança – Editorial Verbo, 1989, pág. 162, refere que o crime continuado é, em princípio, uma continuação de crimes. Constitui como que uma excepção ao concurso de crimes, “uma forma de concurso de crimes que revela uma muito menor gravidade da culpa”.


     Para Figueiredo Dias, Direito Penal - As Consequências jurídicas do crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 296, são a menor exigibilidade e a consequente diminuição da culpa que caracterizam o crime continuado e justificam subtracção às regras da pena conjunta do concurso.

     Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte geral, Tomo I, Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2007, na pág. 1027, § 37, afirma que no artigo 30.º, n.º 2 se revela o propósito da lei de tratar, sob um ponto de vista particular um concurso de crimes efectivo no quadro da unidade criminosa, de uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída. E, coerentemente, o propósito de subtrair a punição às regras da punição do concurso de crimes e submetê-la a um regime adequado à consideração do caso como de unidade de crime (art. 79.º).

      No § 40, pág. 1028, afirma: “O referido art. 30.º-2 reconduz o crime continuado a uma pluralidade de actos susceptíveis, cada um, de integrar várias vezes o mesmo tipo legal de crime ou tipos diferentes, se bem que análogos (em princípio, por isso, hipóteses de concurso efectivo) mas que, apesar disso, apresentem entre si, uma conexão objectiva e subjectiva de certa ordem que convide a tratar uma tal pluralidade ainda como um facto uno”.

      Abordando a conexão objectiva, a fls. 1029, § 41, afirma: “A realização continuada deve violar de forma plúrima o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, sendo de exigir que entre os bens jurídicos lesados exista uma relação de estreita afinidade, parenteso ou proximidade, podendo caber na previsão não apenas casos como o da relação entre realizações típicas fundamentais e qualificadas ou privilegiadas, mas também como o da conexão entre realizações típicas diferentes, v. g., contra o património, contra a liberdade, contra a liberdade sexual”.

      E adianta: “De bens jurídicos diferentes se tratará, porém, sempre que eles assumam natureza eminentemente pessoal e se verifique uma pluralidade de vítimas. Neste contexto nos parece todavia dever acentuar-se que o carácter “eminentemente pessoal” do bem jurídico deverá ser tomado, ao menos por via de princípio, na sua acepção estrita e mais comum, segundo a qual assumem esse carácter unicamente os bens protegidos pelos tipos legais de crime contidos no Título I da PE do CP”.

      No § 42, pág. 1030: A realização continuada deve ser executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior.

     Face à questão de saber se entre as violações plúrimas se deve verificar ou não uma proximidade ou afinidade espácio-temporal, responde que decisivo para a continuação não é o lugar e o dia das violações, mas a unidade de contexto situacional em que ocorram, isto é, que elas se relacionem contextualmente umas com as outras.

      No que toca à conexão subjectiva §§ 44 e 45, págs. 1030/1, refere que compatível com a figura do crime continuado é a hipótese de à série de comportamentos presidir um dolo conjunto ou um dolo continuado, como de se estar perante uma pluralidade de resoluções.

       Concluindo no § 48, pág. 1033, refere que o crime continuado constitui um tertium genus relativamente às figuras do concurso efectivo e do concurso aparente. (Os negritos são do texto).


      Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, II, Verbo, pág. 347, analisando o disposto no n.º 2 do artigo 30.º, considera que “na base do crime continuado se encontra um concurso de crimes – a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime – unificados pela lei para efeitos punitivos, em atenção à identidade do bem jurídico protegido, à homogeneidade da execução e à diminuição considerável da culpa no caso concreto”.

      Refere ainda que no crime continuado “não há apenas uma resolução criminosa, há tantas resoluções quantas as condutas que o integram, de tal modo que cada conduta parcelar constitui materialmente um crime autónomo, apenas unificado para efeitos punitivos e de sorte que a não verificação de um dos pressupostos que determinam a unificação se verificará uma pluralidade de crimes em concurso real”.


     Segundo Simas Santos e Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, I volume (art.ºs 1.º a 69.º), 4.ª edição, Outubro de 2014, pág. 441, são pressupostos do crime continuado:

realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fu ndamentalmente o mesmo bem jurídico);

homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);

lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto do resultado)   

unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de «uma linha psicológica continuada»;

persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente.

       Afirmam de seguida: “Impõe-se salientar que a base da previsão do crime continuado com a consequente atenuação da punição se situa na considerável diminuição da culpa do agente, em termos de se dever dizer que sem esse requisito nunca se pode afirmar a existência de crime continuado.” (Realces do texto).


      Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris, 2008, pág. 138, nota 21, afirmam: “Por via do n.º 2 do artigo sujeito se coloca o crime continuado na teoria do concurso e atende-se, assim, à sua reconhecida menor gravidade, a partir duma diminuição considerável da culpa, no confronto com o concurso real. Aglutina-se, a propósito, a pluralidade de realizações típicas na síntese duma só infracção, em nome de predominante actuação dos factores exógenos, que se encontra na base daquela diminuição.”  

 

      Para Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 137, nota 20 (na edição de Outubro de 2010, pág. 159 e na 3.ª edição de Novembro de 2015, pág. 221), “O crime continuado consiste numa unificação jurídica de um concurso efectivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída, sendo seus pressupostos a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro de solicitação do agente que diminui consideravelmente a sua culpa.

       A propósito da identidade do bem jurídico, afirma na nota 21, pág. 221, na edição de 2015 (nota 21, pág. 160, na edição de 2010): “A lei exige a identidade do bem jurídico “fundamentalmente” protegido por todos os crimes em concurso. Em princípio, só há um crime continuado, havendo violações do mesmo bem jurídico. O advérbio “fundamentalmente” visa resolver o problema da continuação criminosa de crimes complexos. Nestes casos, os crimes em concurso devem proteger primordialmente o mesmo bem jurídico, embora alguns dos crimes em concurso possam proteger outros bens jurídicos. É o que sucede com a generalidade dos crimes tributários, como nota Germano Marques da Silva (2009 b:73), podendo por isso verificar-se crime continuado no âmbito tributário ainda que o agente tenha cometido tipos de crimes diferentes”.   

      A fls. 139, nota 28, na edição de 2008, a propósito da diminuição sensível da culpa que supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente, adverte que o abuso sexual de uma mesma criança, dado (por Figueiredo Dias) como exemplo daquela diminuição face a existência de “relação ou acordo entre os sujeitos” não é de aceitar, pois a ciência médica e a experiência da vida mostram que o abuso sexual repetido de uma criança provoca uma tortura psicológica na criança que vive no pavor constante de vir a ser mais uma vez abusada pelo seu abusador.

      E acrescenta “A consciência, o aproveitamento e até o gozo do abusador com esta tortura psicológica são incompatíveis com a informação de uma culpa diminuída do agente abusador. Quando for esse o caso, não há diminuição sensível da culpa, ao contrário há uma culpa agravada do agente do crime”.

      A diminuição sensível da culpa supõe a menor exigibilidade de conduta diversa do agente e só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa - se ele procura de novo a vítima - não há diminuição sensível da culpa. Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso. (ibidem, notas 28 e 29, pág. 162, na edição de Outubro de 2010, e notas 28 e 29, pág. 223, na edição de Novembro de 2015).

     M. Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Almedina 2014, afirmam no ponto 5, pág. 226: “Numa visão material das coisas, o crime continuado é uma unidade jurídica construída sobre uma pluralidade efectiva de crimes”. E ponto 5, bb), pág. 227, afirmam: “Tratando-se de bens eminentemente pessoais (vida, integridade física, liberdade, honra), exclui-se a forma continuada. A lei é agora decisiva. Com a redacção dada ao art. 30.º/3 pela Lei n.º 40/2010, de 12-10, “O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

“A homogeneidade das diversas formas de comissão acontece em regra quando se preenche o mesmo tipo de ilícito, incluindo-se porém as correspondentes formas qualificadas, por ex., nos casos múltiplos de furto. Por outro lado, deve poder reconhecer-se uma certa conexão temporal e espacial entre as diversas atividades criminosas. Exige-se certamente uma proximidade temporal entre as diferentes condutas, mas também uma mais ou menos estreita proximidade espacial para que a realização criminosa se mostre essencialmente homogénea”.

       “Não constitui crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime se não forem as circunstâncias exteriores que levaram o agente a um repetido sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de, através de atos sucessivos, defraudar o ofendido”.


       Jurisprudência


      Vejamos algumas abordagens à figura do crime continuado em acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça.              

 Para o acórdão de 26 de Janeiro de 1983, publicado no BMJ n.º 323, pág. 208, à continuação criminosa é essencial, além de outros requisitos, a verificação, na execução dos diversos actos (crimes) que vão ser unificados, de um certo condicionalismo ou situação exterior que facilita ao agente a prática de tais actos, de modo a contribuir para uma diminuição considerável da culpa.

Para o acórdão de 27 de Fevereiro de 1983, publicado no BMJ n.º 324, pág. 447, para a unificação de vários actos num só crime continuado é necessário, além do mais, uma certa conexão temporal. Sem esta não se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, por não ser de presumir uma menor reflexão sobre a acção criminosa anterior, facilitadora do repetido sucumbir.

Como decidiu o acórdão de 27 de Abril de 1983, proferido no processo n.º 36.933, verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir a sua menor censurabilidade.

  No acórdão de 2 de Outubro de 1991, proferido no processo n.º 41.641, publicado no BMJ n.º 410, págs. 268/285, em tema de concurso de infracções, crime continuado e consunção, quanto a burla agravada e falsificação, para além de aplicação da pena acessória de expulsão de estrangeiros a apátridas, arrancando da ideia de que se tiver havido um só desígnio criminoso, o crime há-de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal e aqui convocando o acórdão de 25-06-1986, in BMJ n.º 356, pág. 267 e de 30-01-1986, BMJ n.º 353, pág. 240 e de 16-01-1989, processo n.º 40.296, conclui: Não foram, pois, circunstâncias exteriores que hajam pressionado o recorrente que o levaram a um repetido sucumbir e a reiterar a sua acção delituosa mas, sim, os desígnios inicialmente assumidos e executados concordemente ao plano gizado de, através de actos sucessivos, defraudar os ofendidos. Assim, não se pode falar de crime continuado, logrando acolhimento a solução acolhida pelo Colectivo por conforme aos factos e ao direito.

   Consta do sumário: A realização plúrima do mesmo tipo de crime constitui um concurso de infracções, e não um crime continuado, quando os vários crimes foram praticados na execução de planos distintos em que o arguido interveio, e não por pressão de circunstâncias exteriores que o levassem a um repetido sucumbir e a reiterar a sua acção delituosa, o que constituía jurisprudência pacífica e uniforme.

 

     No acórdão de 23 de Outubro de 1991, proferido no processo n.º 41.882, publicado no mesmo BMJ n.º 410, págs. 382 a 390, versa-se a configuração dos tipos de falsificação, de burla e de emissão de cheque sem cobertura e a previsão do artigo 30.º do Código Penal.

     Em causa a conduta de uma arguida que, na mesma ocasião, emite e entrega dois cheques para pagamento de mercadorias adquiridas ao mesmo comerciante e depois fornece ao banco sacado uma falsa indicação de extravio daqueles títulos, para obstar ao respectivo pagamento, a qual é considerada como não enquadrável em qualquer das previsões do tipo legal da falsificação previstas no artigo 228.º do Código Penal, como tal conduta também não é subsumível à figura do crime de burla, sendo-o apenas à do crime de emissão de cheque sem provisão. A multiplicidade de condutas violadoras do mesmo tipo legal, adoptadas na mesma ocasião ou em ocasiões imediatamente sucessivas, em execução do mesmo propósito criminoso, corresponde à prática de um único crime, salvo quando essas condutas consistam na violação de bens jurídicos eminentemente pessoais e pertencentes a sujeitos ofendidos distintos. A figura do crime único com pluralidade de condutas violadoras do mesmo tipo legal, estruturadas em função de uma só resolução criminosa, não está abrangida pela previsão do artigo 30.º do Código Penal.

      No caso, a arguida foi absolvida da comissão de um dos crimes de falsificação e de outro de burla, e foi condenada pela de um crime de falsificação e do outro de burla.

      O acórdão propende, com algumas dúvidas, para considerar que a actuação descrita corresponde à prática de emissão de cheque sem provisão, porque tal tipo criminal é uma figura jurídica especial, complexa, que compreende características da burla (nos aspectos do artifício enganoso e da defraudação) e características próprias (o ataque à confiança no cheque como meio de pagamento, isto é, como papel-moeda autorizado a ser emitido para circulação pelos particulares, em vez de o ser pelo Estado), e, como figura criminal especial, a sua previsão prevalecerá sobre a do crime de burla, por se verificar, no caso, um concurso aparente de normas incriminadoras (burla e emissão de cheque sem provisão), em que a punição do facto é feita apenas pela disposição de natureza especial, nos termos gerais.

      Por outo lado, não se prova, normalmente, tal como se não provou no caso dos autos, qualquer atitude enganatória do agente que possa ser estruturada como determinante da entrega da mercadoria por parte do ofendido, sendo certo que, em regra, essa actuação enganosa se não verifica, pelo menos com um mínimo de aceitabilidade, uma vez que, para o nosso sistema jurídico, a obrigatoriedade de aceitação dos cheques de montante superior a 5000,00, sob pena de comissão de um crime, por parte do tomador desse título de crédito, afasta a viabilidade de o consentimento do negociante para a entrega das mercadorias ter sido determinado pela astúcia ou engano do agente do ilícito.

      Considera que há que proceder à alteração do enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida, sendo necessário determinar se a actuação da arguida corresponde à prática de um só ou à de dois crimes de emissão de cheque sem provisão, e, no primeiro caso, se se traduz na comissão de um crime continuado ou na de um crime único, embora com pluralidade de condutas ilícitas. Afastado o crime continuado, coloca a questão de determinar se o preenchimento dos dois cheques na mesma ocasião é constitutivo da comissão de um só ou de dois crimes de emissão de cheque sem fundos.

     Considera o acórdão que em tais situações, como é entendimento uniforme, a multiplicidade de condutas violadoras do mesmo tipo legal, tomadas na mesma ocasião ou em ocasiões imediatamente sucessivas, em execução de um mesmo e único propósito criminoso, correspondem à comissão de um só crime, salvo quando essas condutas se traduzam na violação de bens jurídicos eminentemente pessoais e pertencentes a sujeitos ofendidos distintos.

  

Para o acórdão de 28 de Janeiro de 1993, proferido no processo n.º 43 139, publicado na CJSTJ 1993, tomo 1, págs. 176/7/8, que aborda o tema do crime continuado e a problemática da extensão do caso julgado em matéria penal, no caso de reiteração de conduta delituosa, não se verifica crime continuado, mas concurso de crimes, quando os agentes estabelecem um plano para cometer uma infinidade de burlas, criando dolosamente, se não todos, pelo menos alguns, as condições objectivas que possibilitaram a realização desses crimes e, segundo as regras da experiência comum, se tiver de concluir que se foi renovando a resolução criminosa e não se verificaram situações de diminuição da culpa.

       O acórdão apreciou a seguinte situação: no acórdão de 1.ª instância, vindo os arguidos pronunciados como co-autores de um crime de burla agravada, à data p. e p. pelos artigos 313.º, n.º 1 e 314.º, alíneas a) e c), ambos do Código Penal, foi considerado que os factos provados ocorridos em Julho de 1989 eram integradores da continuação criminosa por que os arguidos haviam sido julgados e condenados noutro processo (n.º 24/92 de Oliveira de Azeméis), e sendo os referidos factos anteriores à sua condenação, em obediência ao princípio “ne bis in idem”, foram aqueles absolvidos, embora condenados no pagamento ao ofendido de indemnização.

      Recorreu o Ministério Público, defendendo não haver identidade entre os factos constantes da acusação formulada nos autos e os dados como provados no outro processo, não se verificando a excepção do caso julgado, pelo que o tribunal, em face dos factos apurados, não podia deixar de condenar os arguidos, não se mostrando preenchidos os pressupostos do crime continuado, devendo ser condenados pelo crime imputado.  

Sobre o ponto – continuação criminosa e caso julgado –, pode ver-se o acórdão de 5 de Junho de 1991, proferido no processo n.º 41.644, publicado no BMJ n.º 408, págs. 404-420, que ponderou: “A continuação criminosa já decidida não é impeditiva do julgamento de novas actividades do arguido, inseríveis ou não naquela condenação, sem obstáculo resultante do efeito consumptivo do caso julgado anterior”.


      Para o acórdão de 25 de Março de 1993, publicado no BMJ n.º 425, pág. 325, o artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, vai buscar o seu fundamento à diminuição da culpa do agente, em virtude da facilidade criada por determinadas circunstâncias para a prática de novos actos da mesma natureza.

      De acordo com o acórdão de 5 de Maio de 1993, recurso n.º 42.2290, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 220, é matéria de direito a qualificação e tratamento de várias resoluções parcelares como distintas ou como enquadráveis numa mesma resolução mais ampla, como meio de se determinar se a conduta do agente é enquadrável nas figuras jurídicas de crime único, de crime continuado ou de acumulação de infracções, dado que este enquadramento traduz e implica a formulação de conceitos de direito.

      A existência de um propósito inicial de fabrico de notas falsas, conjugada com posteriores renovações desse intuito, por forma que se fizessem novas emissões de notas, com aproveitamento do material instalado, corresponde, não a um crime continuado, mas à prática de um crime, com uma natureza próxima do crime de execução permanente.

      O acórdão de 16 de Junho de 1993, recurso n.º 43.173, publicado na CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 242, decidiu que as condutas do agente que tiveram lugar por 3 vezes, ao longo de um mês, constituem a prática de um crime de violação em forma continuada.

      Segundo o acórdão de 24 de Novembro de 1993, proferido no processo n.º 45.474, publicado no BMJ n.º 431, pág. 255, são pressupostos do crime continuado:

   - A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

  - Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea;

 - Que haja proximidade temporal das respectivas condutas;

  - A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente;

 - Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido.

       (Sobre este ponto podem ver-se os acórdãos do STJ de 05-11-1997, processo n.º 608/97 e de 04-12-1997, processo n.º 720/97, ambos da 3.ª Secção, in SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, págs. 154 e 155; de 12-04-2007, processo n.º 814/06; de 17-05-2007, processo n.º 1133/07; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07 e de 13-09-2007, processo n.º 2170/07, todos da 5.ª Secção).


      Segundo o acórdão de 21 de Setembro de 1994, proferido no processo n.º 46.182-3.ª Secção, no crime continuado está ínsita a realidade do sucumbir no repetir.

      São seus pressupostos: a) Realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico; b) Homogeneidade na forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção); c) Lesão do mesmo bem jurídico; d) Unidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção, isto é, as diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma linha psicológica continuada; e e) Persistência de uma situação exterior que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente.


     Retira-se do acórdão de 10 de Outubro de 1996, processo n.º 851/96, da 3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 4, Outubro de 1996, pág. 76: “Só há continuação criminosa quando ocorra uma pluralidade de resoluções levadas a cabo por forma essencialmente homogénea, decorrente de uma situação que facilite a reiteração. No caso de bens eminentemente pessoais, a continuação só pode aceitar-se se os diversos actos se dirigirem contra o mesmo bem jurídico (identidade da vítima) e não se forem diversas pessoas ofendidas”.

      Extrai-se do acórdão de 5 de Fevereiro de 1997, processo n.º 1143, da 3.ª Secção, sumariado em SASTJ, n.º 8 - Fevereiro de 1997, pág. 80: “É pressuposto da continuação criminosa que a culpa do agente se mostre consideravelmente diminuída no quadro de uma mesma situação exterior, que facilita a execução dos actos (crimes) e impele à sua reiteração. A toxicodependência não é solicitação exógena facilitadora da execução e diminuidora do grau de culpa, para efeito de verificação de uma continuação criminosa.

    Segundo o acórdão de 13 de Fevereiro de 1997, processo n.º 551/96-3.ª Secção, ibidem, pág. 90 – Para se configurar um só crime na forma continuada, para além de uma certa conexão temporal, é necessário que toda a actuação do arguido não obedeça ao mesmo dolo e esteja interligado por factores exógenos ou externos que arrastam o agente para a reiteração de condutas. 

       Consta do sumário do acórdão de 10 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 1459/96-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 10, Abril de 1997, pág. 95:

I – Sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incida sobre parte destas não produz efeitos de caso julgado sobre as demais, e, assim, não obsta ao procedimento pelas que foram descobertas depois. O princípio ne bis in idem produz efeitos só em relação aos factos julgados e o crime continuado tem tantos factos com autonomia própria quantos os delitos parcelares unificados pelo nexo da continuação.

II – Tratando-se de actividades integradas na continuação criminosa, anteriores à condenação, mas descobertas posteriormente a esta, parece evidente que essa factualidade não foi apreciada na sentença condenatória.

III – Estando a apreciar-se no processo conduta integrada numa continuação criminosa já julgada em outro processo, apenas haverá que apurar da gravidade dessa conduta em relação à já apreciada. Se se concluir que é de igual ou menor gravidade, deve manter-se a pena aplicada anteriormente; se se concluir que é de maior gravidade, haverá que fixar uma nova pena, que será a que terá de ser cumprida por toda a conduta continuada.

      Segundo o acórdão de 16 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 154/97-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 10, Abril de 1997, pág. 100 – A toxicodependência, porque inerente ao próprio agente, não constitui situação susceptível de diminuir consideravelmente a culpa, para os efeitos de considerar um conjunto de condutas criminosas como integrando um crime continuado.

      Refere o acórdão de 17 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 1532/96-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 10, Abril de 1997, pág. 103 - No crime continuado não existe uma única resolução criminosa, mas várias resoluções que, após a primeira, são facilitadas pela tal situação exterior que solicita o agente, em termos de lhe diminuir consideravelmente a culpa.

     Segundo o acórdão de 17 de Abril de 1997, proferido no processo n.º 1073/96-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 10, Abril de 1997, pág. 105 – O crime continuado caracteriza-se por duas ideias: a primeira é a de quer no crime continuado há pluralidades de desígnios de tal forma que cada crime que o integra caracteriza-se por ter todos os elementos inerentes do facto típico e que são essenciais para a sua definição como crime autónomo e a segunda é a de que a punição do crime continuado, por se verificar uma diminuição da culpa, envolve em si uma atenuação correspondente, pelo menos relativamente à situação derivada do concurso real.

     Lê-se no acórdão de 23 de Abril de 1997, processo n.º 62/97 - 3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 10, pág. 106 - São requisitos ou pressupostos do crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; uma forma de execução essencialmente homogénea; e um quadro de solicitação de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

Não integra o crime continuado quando se prova que a conduta do arguido revela que em cada acto houve uma renovação ou reintegração dos seus propósitos.

Não integra o crime continuado quando se prova que de cada vez que o arguido queria manter relações sexuais com a sua filha, encontrava da parte desta, sempre, a mesma relutância em as praticar, por não existir nenhuma situação exterior, nomeadamente uma predisposição para o acto por parte da ofendida.


     Extrai-se do acórdão de 18 de Setembro de 1997, processo n.º 261/97-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 13, Julho/Setembro de 1997, pág. 135: “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crimes ou de vários tipos de crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, quando a execução destes é essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior. Resulta da própria natureza das coisas, embora não esteja expressamente regulado na lei penal, que, sendo vários os ofendidos no crime de roubo, fica liminarmente excluída a possibilidade de unificação, em forma de crime continuado, das condutas dos arguidos”.

   Consta do sumário do acórdão de 24 de Setembro de 1997, processo n.º 552/97-3.ª Secção, in SASTJ, n.º 13, Julho/Setembro de 1997, pág. 140: “O crime de roubo é um crime complexo, protegendo simultaneamente bens jurídicos eminentemente pessoais – a vida, integridade física e liberdade individual – e o direito de propriedade ou a detenção das coisas susceptíveis de subtracção. O crime de roubo não preenche a figura do crime continuado quando duas são as vítimas e a ambas são subtraídos bens. O número de crimes corresponde ao número de ofendidos”.

       Consta do sumário do acórdão de 1 de Outubro de 1997, processo n.º 627/97-3.ª Secção, in SASTJ, n.º 14, Outubro de 1997, págs. 121/2: “O crime continuado caracteriza-se pela realização plúrima do mesmo tipo de crime, com pluralidade de desígnios – cada crime que o integra reveste-se de todos os elementos, inclusive o subjectivo próprio, inerentes ao facto típico - mostrando-se, porém, a culpa consideravelmente diminuída pela concorrência de factores exógenos propiciadores das repetidas sucumbências. Nos casos de realização plúrima do mesmo tipo de crime em que haja uma única resolução criminosa, que persista durante toda a realização, o crime é um único e não continuado”.

    Segundo o acórdão de 2 de Outubro de 1997, processo n.º 607/97-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 14, Outubro de 1997, pág. 126, Sendo violados bens jurídicos inerentes às pessoas, a continuação criminosa não se verifica, salvo se se tratar da mesma vítima.

Para o acórdão de 15 de Outubro de 1997, processo n.º 589/97-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 14, Outubro de 1997, págs. 145/6, o crime continuado é uma unidade jurídica criminosa resultante da construção estritamente jurídica de uma situação que, na sua materialidade, se configura como pluralidade de infracções.


Lê-se no sumário do acórdão de 22 de Outubro de 1997-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 14, Outubro de 1997, pág. 153: “Para a verificação do crime continuado, é necessário, para além dos outros pressupostos enunciados no art. º 30.º, n.º 2, do CP, que as condutas do agente tenham ocorrido sob pressão de uma mesma situação exterior com influência, por forma considerável, na diminuição do juízo de censura ético-jurídico”.

De acordo com o acórdão de 5 de Novembro de 1997, processo n.º 608/97 da 3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 154 – A continuação criminosa, para além dos pressupostos gerais do art. 30.º, n.º 2, do Código Penal, não dispensa uma certa proximidade temporal entre os crimes que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico. Sem essa proximidade temporal é impossível conceber o «quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente». (Caso de abuso sexual de crianças).

      Extrai-se do acórdão de 6 de Novembro de 1997, processo n.º 1310/96-3.ª Secção, ibidem, pág. 155 – A figura do crime continuado pressupõe uma multiplicidade de condutas, com multiplicidade de propósitos criminosos, em que a culpa do agente se encontra fortemente diminuída por força da acção de factores estranhos ao agente, e por ele não provocados nem procurados.

      Sintetiza o acórdão de 4 de Dezembro de 1997, processo n.º 720/97-3.ª Secção, in SASTJ, n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 200 - O crime continuado dá-se quando existe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Pode verificar-se a continuação criminosa mesmo que sejam diversos os ofendidos. Mesmo sendo diferentes os vários crimes cometidos, podem estar numa relação de continuação, desde que tais crimes visem a protecção do mesmo bem jurídico. O acórdão considera a comissão de um crime de burla agravada, na forma continuada.

      Extrai-se do acórdão de 10 de Dezembro de 1997, processo n.º 1192/97-3.ª Secção, ibidem, pág. 204: No crime de homossexualidade com menores ou de actos homossexuais com menores na terminologia respectivamente do CP de 1982 (art.º 207) e na do CP de 1995 (art.º 175) o interesse protegido não é a moralidade sexual mas sim o das vítimas potenciais à preservação da sua liberdade em se determinarem sexualmente.

      Tendo o crime dos arts. 207.º do CP de 1982 e 175.º, do CP de 1995, natureza eminentemente pessoal, os actos homossexuais praticados nunca podem consubstanciar um único crime, ainda que sob a forma continuada, quando são violados bens jurídicos inerentes a duas ou mais pessoas.

       É de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.

      Para o acórdão de 18 de Março de 1998, processo n.º 15.544/97-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 230 – Vindo os arguidos condenados pela co-autoria material de 6 crimes de violação, foi entendido que: “Quando, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, em comunhão de esforços e intenções, três arguidos, usando de violência física e contra a vontade da ofendida, mantêm com ela, por duas vezes, relações sexuais deve, cada um deles, ser condenado como autor de três crimes de violação na forma continuada” – um que executou materialmente e outros dois em que tomou parte directa - em co-autoria.

      Segundo o acórdão de 23 de Setembro de 1999, processo n.º 477/99-5.ª Secção, são pressupostos do crime continuado: 

      A realização plúrima do mesmo tipo de crime, ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;

      Homogeneidade na forma de execução (unidade no injusto objectivo da acção);

       Lesão do mesmo bem jurídico;

      Unidade do dolo (unidade do injusto objectivo e agora pessoal da acção), no sentido de que as diversas resoluções devem manter-se dentro de um alinha psicológica continuada;

      Persistência de uma situação exterior que facilite a execução e diminua consideravelmente a culpa do agente.

      Consta do sumário do acórdão de 16 de Fevereiro de 2000, processo n.º 1166/99-3.ª Secção, sumariado in SASTJ, n.º 38, Fevereiro de 2000, págs. 73/4:

Da norma do art. 30.º, n.º 2, do CP, flui que a figura do crime continuado pressupõe uma reiteração de propósitos.

      Ao contrário, se tiver havido um só desígnio criminoso o crime há-de ser necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal ou seja ofensivo de idêntico bem jurídico.

      Por outro lado, para que haja uma continuação criminosa, é necessário um circunstancialismo exógeno condicionante e desculpante da conduta do agente que lhe tenha facilitado as subsequentes repetições. E essa circunstância exógena deve ser tal que diminua consideravelmente a culpa do agente. Quando a situação exterior é normal ou geral não pode ser considerada como diminuidora da culpa, arredando desde logo a figura do crime continuado.

     Concluiu o acórdão (com um voto de vencido quanto à qualificação jurídica, no sentido de que se verificava continuação criminosa) que a arguida teve um único desígnio criminoso, cometendo um crime de falsificação de documento e um crime de burla.

      Afastando a continuação criminosa e optando pela punição pelo cometimento de pluralidade de crimes, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal:

      Acórdão de 22 de Janeiro de 2004, processo n.º 4430/03-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179, em caso de furtos qualificados e falsificação de documento (as circunstâncias exteriores invocadas não surgiram por acaso em termos de facilitarem o objectivo tido em vista de modo a arrastarem o arguido para a repetição de condutas, antes foram conscientemente procuradas por ele, o que revela, ao invés, uma inequívoca persistência delituosa, revelando uma manifesta intensidade dolosa que afasta a diminuição da correspondente culpa, reconduzindo-se a actuação do arguido não a um crime continuado, mas antes a um concurso real de crimes); “As circunstâncias exteriores conscientemente procuradas e criadas pelo agente não podem ser vistas como facilitadoras da sua reiteração criminosa, mas antes como uma inequívoca persistência delituosa, que afastam a diminuição da correspondente culpa”.

Acórdão de 22 de Abril de 2004, processo n.º 902/04-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 165, estando em causa conduta concretizada do arguido com entrada em matas e ateando o fogo, considera-se que a actuação do arguido resultou de uma pluralidade de planos autónomos por si arquitectados, sendo afastado o crime continuado.

       Acórdão de 19 de Abril de 2006, processo n.º 807/06-3.ª Secção – O crime continuado pressupõe, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento da diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para os factos. Não se verificam os pressupostos do crime continuado se dos factos apurados resulta que em cada actuação integrada por um conjunto encadeado de factos, a recorrente não se limitou a aproveitar uma situação exterior que se lhe apresentasse e perante a qual revelasse imediatamente um “fracasso psíquico”, mas, bem diversamente, renovou exponencialmente a intenção, e construiu, pensada e complexamente, por meio de vários actos, as plúrimas componentes de diversas situações, todas ex novo e diferentes (nas pessoas, nos procedimentos concretos, nos estabelecimentos bancários visados), de modo a revelar, não uma diminuição de culpa, mas o recentramento e um adensar da posição subjectiva.

      Acórdão de 19 de Abril de 2006, proferido no processo n.º 474/06-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 168/170 (Relator Henriques Gaspar) – Versando crime de sequestro, após citar o n.º 2 do artigo 30.º do Código Penal, afirma:

      No crime continuado – cujo conceito está, assim, normativamente densificado – o elemento verdadeiramente caracterizador, que justifica a unidade como “unidade jurídica de acção”, apesar da pluralidade de factos materiais ou naturalísticos (a “realização plúrima”), é a existência de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente e que o condiciona no quadro da solicitação externa.

      A consideração como um só crime das condutas que realizem, de modo plural, um tipo de crime, e que, por isso, seriam naturalisticamente tratadas como pluralidade de infracções, procura responder a exigências de justiça e de economia processual, mas supõe, no plano das valorações, uma gravidade diminuída da actuação e um menor – consideravelmente menor – grau de culpa do agente. A definição de crime continuado, que condensa o resultado de elaborado trabalho dogmático, revela uma construção teleológica do conceito.  

      O crime continuado pressupõe, pois, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para o facto.

      (…) Para permitir a construção de uma unidade jurídica, alguns elementos estão, pois, pressupostos, desde a homogeneidade da forma de comissão, até à ofensa do mesmo bem jurídico – unidade de injusto ou de resultado.

      A identidade do bem jurídico não é, porém, no plano dos pressupostos do crime continuado, uma identidade categorial, referida abstractamente a determinada espécie de bem jurídico. A identidade é referida em concreto, na especificidade do bem jurídico que for afectado nas circunstâncias de cada caso, e na referência essencial aos respectivos portadores ou titulares. 

        O acórdão afasta a figura do crime continuado e a existência de um único crime de execução continuada, fundamentando assim:   

      “No caso de bens jurídicos eminentemente pessoais (bens jurídicos “pessoalíssimos” - cfr. Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, trad. da 5.ª edição, 2002, pág. 771), está excluído o crime continuado, por falta de identidade do bem jurídico, se as diferentes acções se dirigem contra diversos titulares do bem jurídico. Em caso de bens jurídicos eminentemente pessoais, a ofensa (o injusto de acção, de resultado e a culpa) dirige-se a cada acto concreto que afecte o bem jurídico individualizado na pessoa de cada titular.

      No crime de sequestro previsto no artigo 158.º do Código Penal, os bens jurídicos afectados estão individualmente ligados a cada titular, isto é, a cada um dos sujeitos que viu afectada a liberdade física e a integridade pessoal, existindo, consequentemente, plúrimas violações do bem jurídico; está assim afastada a unidade ou identidade de bens. Por este motivo, não se verificam os pressupostos da figura do crime continuado. E do mesmo modo, os factos provados não permitem a existência de um único crime de execução continuada.

Pela pluralidade de afectação dos bens jurídicos inerentes a cada vítima, como pela diversidade de actuação – sequencial, com renovação e autonomia do dolo – os factos provados integram, tal como vem decidido, uma pluralidade de acções completas, a qualificar como concurso real: número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente – artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal. (Já antes da Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, era entendido ser inadmissível a figura do trato sucessivo ou do crime continuado, estando em causa bens eminentemente pessoais).

      Acórdão de 6 de Julho de 2006, 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 233 – É pressuposto essencial da continuação criminosa a existência de uma relação que, de fora, e de modo considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito, o que se não verifica quando o que facilitou a repetição da sua actividade foi o seu próprio entendimento que esteve subjacente àquela repetição.

      Como se pode ler no acórdão de 24 de Janeiro de 2007, processo n.º 4066/06-3.ª Secção, pressuposto da continuação criminosa é, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de maneira considerável facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.

      Este Supremo Tribunal tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar a vítima, como se elucida no acórdão de 24-01-2007, processo n.º 4347/06-3.ª, onde se afirma: «A noção de crime continuado contida no art. 30.º, n.º 2, do CP é tributária do pensamento do Prof. Eduardo Correia, expressa em Direito Criminal, II, 1992, pág. 209, e pressupõe a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime (logo de resoluções criminosas), homogeneidade na sua forma de execução, uma certa conexão temporal entre os actos individuais, na forma de proximidade temporal entre as sucessivas condutas, lesão do mesmo bem jurídico, uma unidade de dolo continuado (que se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor na mesma situação de facto, na lição de Jescheck, in Derecho Penal, Parte General, pág. 216) e a persistência, a manutenção de uma situação externa, de uma mesma situação exterior ao agente, que reduza, de forma substancial, a culpa, o juízo de censura do agente, apta “a gerar um repetido sucumbir” e a fundar um menor juízo de censura”. (cfr. citados acórdãos de 6-11-1997 processo n.º 1310/96-3.ª, SASTJ n.º 15-16, pág. 155, e de 10-12-1997, processo n.º 1192/97-3.ª, SASTJ n.º 15-16, pág. 204).

Segundo o acórdão de 14 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 4100/06 - 3.ª Secção - “O crime continuado ocorre quando o agente, com unidade de propósito e violando o mesmo bem jurídico – pertencente a uma pessoa ou a várias sempre que o bem ou bens violados não sejam de natureza eminentemente pessoal –, executa em momentos distintos acções diversas, cada uma das quais conquanto integre um comportamento delituoso, não constitui mais do que a execução parcial de um só e único facto típico, sendo que o seu fundamento reside no menor grau de culpa do agente”.

    “Para haver crime continuado é necessário, pois, que se tenha verificado um circunstancialismo exógeno condicionante da conduta do agente, que lhe tenha facilitado (como que tentando-o) a repetição, em termos tais que lhe diminua consideravelmente a culpa.

     Como expendeu Eduardo Correia, quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve encontrar-se no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto, pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. A situação exterior deve ser tal que objectivamente facilite a execução do facto criminoso ou prepare as coisas para a repetição do facto”.

  Consta do acórdão de 17 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção: “A estruturação do crime continuado encontra o seu fundamento numa diminuição da culpa do agente, decorrente da facilidade criada, por certas circunstâncias externas, para a prática de novos actos da mesma ou idêntica natureza”.

Apresenta como pressupostos, cumulativos, do crime continuado, os seguintes:

“- realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico);

- homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção);

- unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma “linha psicológica continuada”;

- lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado);

- persistência de uma “situação exterior” que facilite a execução e que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

O crime continuado funciona como excepção à regra da acumulação de infracções; a pluralidade de crimes subsiste no crime continuado e este considera-se ficticiamente unificado para excluir um cúmulo material de penas ou de efeitos gravosos no tratamento daquela continuação – assim, acórdão do STJ de 24-01-2007, processo n.º 4347/06 - 3.ª (in www.stj.pt – Jurisprudência/Sumários de Acórdãos). – cfr. ainda, v. g.,  os acórdãos do STJ, de 04-01-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 157; de 24-01-2007, no processo 4061/06-3.ª; de 13-09-2007, nos processos 2170/07-5.ª e 2795/07-5.ª; de 24-10-2007, no processo 3193/07-3.ª.  

     “No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem.

     Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, fica, no entanto, o reparo”.

     Acórdão de 5 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 2273/07-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 189/193 – Versando crime de violação de vítima com idade inferior a 14 anos – Na 1.ª instância o arguido foi condenado como autor de um crime de violação de menor na forma continuada. Interposto recurso pelo Ministério Público, o acórdão, convocando Eduardo Correia, A teoria do concurso, pág. 255 e Jeschek, Tratado, págs. 652 e ss., refere que a integração no conceito de crime continuado será sempre inaceitável relativamente a disposições que visem proteger bens jurídicos eminentemente pessoais. Aí, e qualquer que seja a concepção de que se parta, não pode deixar de reconhecer-se que corresponde um valor autónomo a cada pessoa a quem a lei quer estender a sua protecção. Radicando-se tais bens na própria personalidade eles não podem nunca ser tomados abstractamente”.

     Consta do sumário: “A presença constante da menor no âmbito familiar do arguido não constitui qualquer lastro de afirmação de uma menor inibição de comportamentos delituosos com reflexos a nível da culpa, e por isso, é de afastar a continuação criminosa e de optar pela sua punição pelo cometimento de três crimes de violação agravados”.

       (No mesmo sentido e do mesmo Relator, o acórdão de 16-01-2008, proferido no processo n.º 4735/07-3.ª Secção). 

        Acórdão de 3 de Outubro de 2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07, publicado na CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 198/204 – Em caso de roubo, foi confirmada a condenação por três crimes de roubo qualificados, constando do sumário: Não se verifica a continuação criminosa quando os arguidos violam bens jurídicos eminentemente pessoais e há pluralidade de ofendidos, tendo sido ponderado:

      “Defende o recorrente não ser correcto computar os crimes de roubo como sendo individuais e sem ligação causal entre os mesmos.

      Resulta da facticidade assente que o assalto foi infligido às três senhoras, tendo todas sido vítimas do constrangimento, coacção e intimidação exercida pelos arguidos e pelo terceiro elemento, que apontaram e encostaram às suas cabeças pistolas de que eram portadores e sendo as três despojadas de objectos e valores próprios.

      Colocando a conduta criminosa em causa não apenas valores patrimoniais mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos, haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência de forma uniforme – acórdãos do STJ, de 14-04-1983, BMJ, 326, 422, de 30-11-1983, BMJ, 331, 345, de 30-07-1986, BMJ, 359, 411, de 15-11-1989, BMJ, 391, 239, de 20-01-1994, proc. 45265-3ª, de 03-02-1994, proc. 45927-3ª, de 26-10-1995, proc. 48237, de 01-02-1996, CJSTJ1996, T1, 198, de 04-06-1996, CJSTJ1996, T2, 188, de 24-07-1998, proc. 734/98, de 17-10-1998, proc. 131/98, de 01-03-2000, proc. 17/00-3ª, Sumários Assessores, 39, p. 53, de 19-04-2006, CJSTJ2006, T2, 168, de 02-05-2007, proc. 1027/07-3ª.

      Dirigindo-se as diferentes acções contra diversos titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da liberdade de acção e de decisão, como aconteceu neste caso, está excluído o crime continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado”.

     Acórdão de 8-11-2007, processo n.º 3296/07-5.ª Secção.

      No acórdão de 5 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3989/07-3.ª Secção, refere-se: “O elemento nuclear e substancial do instituto do crime continuado é a mitigação da culpa resultante de uma situação exógena à vontade do agente que induza ou facilite a repetição da conduta ilícita por parte daquele.

      Quando os factos revelam que a reiteração criminosa resulta antes de uma predisposição do agente para a prática de sucessivos crimes, ou que estes resultam de oportunidades que ele próprio cria, está evidentemente afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado – ainda que demonstrada a repetição do mesmo crime e a utilização de um procedimento idêntico, num quadro temporal bastante circunscrito – porque se trata então de uma situação de culpa agravada, e não atenuada”.   

(citado no acórdão de 7-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABF.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2010, tomo I, pág. 176, em caso de crime de abuso sexual de criança, tentado, e outro consumado, afastando a continuação criminosa, mas considerando verificar-se um único crime).

Como se extrai do acórdão 13 de Dezembro de 2007, proferido no processo n.º 3749/07-3.ª Secção, não há razões para subsumir o caso a crime continuado “ (…) se, decomposta a actividade do arguido reconhecida na materialidade considerada provada, se verifica que o mesmo utilizou, em termos gerais, o mesmo tipo de artifício fraudulento em relação a ofendidos distintos e em momentos distintos, não tendo a actuação alicerçada nos três vectores distintos qualquer outra ligação que não o facto de ter sido o arguido o seu autor e de ter utilizado o mesmo processo para induzir em erro, e não ocorrendo, pois, a acentuada diminuição de culpa motivada por factor exógeno transversal à actuação ilícita cometida, mas, antes pelo contrário, uma pluralidade de resoluções autónomas entre si com vista à prática de acto ilícito”. (Sublinhado nosso).

     Acórdão de 16 de Janeiro de 2008, processo n.º 4735/07, da 3.ª Secção, proferido pelo mesmo Relator do acórdão de 5-09-2007, no processo n.º 2273/07, publicado na CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 189/193, concluindo que o arguido cometeu, na pessoa de uma sua familiar próxima, com 77 anos, em concurso real de infracções, dois crimes de violação, p. e p. pelo artigo 164.º, n.º 1, do CP, e não um desses crimes, na forma continuada, sendo o arguido condenado na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na execução por um período de 4 anos, sendo com um voto de vencido quanto à suspensão.

Como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de Janeiro de 2008, no processo n.º 4830/07 - 3.ª Secção, versando caso de abuso sexual de crianças agravado: «O fundamento da unificação criminosa consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado».

      No acórdão de 2 de Abril de 2008, por nós relatado no processo n.º 4197/07-3.ª Secção, em caso de tráfico de estupefacientes foi o novo facto considerado abrangido em conduta já apreciada em anterior julgamento, com verificação de caso julgado, conduzindo a absolvição e subsistência da condenação anterior.

     Acórdão de 1 de Outubro de 2008, processo n.º 2872/08-3.ª Secção, referindo que sempre que se comprove que a reiteração fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa.

       Versando abusos sexuais de pai para com filhas, refere: “A tese da continuação criminosa, em caso de menores que convivem com os pais, que deles abusam, de punição do arguido por um só crime – ou seja, pelo crime de maior gravidade, nos termos do artigo 79.º do CP – choca profundamente o sentimento jurídico, e carece de qualquer apoio legal e jurisprudencial, sendo pura e simplesmente rejeitada de há anos a esta parte – cf., designadamente, os Acs. deste STJ de 1-04-1998, CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 175; de 12-03-2002, processo n.º 4454/01-3.ª; de 22-01-2004, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 179; de 24-11-2004, processo n.º 3227/04; de 15-06-2005, processo n.º 1558/3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 4100/06-3.ª; de 5-09-2007, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 189 e de 16-01-2008, processo n.º 4735/07-3.ª”.

Acórdão de 29 de Outubro de 2008, processo n.º 2874/08-3.ª Secção, após referir o pressuposto da continuação criminosa, as situações exteriores típicas que, preparando as coisas para a repetição da actividade criminosa, diminuem consideravelmente o grau de culpa do agente, definindo as circunstâncias, define o denominador comum: a diminuição considerável da culpa do agente. Conclui que o arguido cometeu, no que respeita ao menor JP, um crime agravado de violação, na forma consumada, em concurso real com um crime de abuso sexual de crianças e com um crime agravado de violação, na forma tentada

Acórdão de 29 de Outubro de 2008, processo n.º 1612/08-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 202, versando prática de furtos, burlas qualificadas e falsificação de documentos, como modo de vida e afastando a continuação quando a actuação corresponde a uma escolha deliberada do arguido, a uma sua predisposição interna para a prática dos factos ilícitos, que inscreve no seu quotidiano como forma de ganhar a vida e de obter rendimentos para custear todas as suas necessidades, não se podendo falar num condicionalismo exterior que, de fora, e com persistência levasse o arguido a cometer os factos; a repetição, sendo hábito ou modo de vida, não atenua, mas agrava a culpa do agente e torna-o mais perigoso do ponto de vista jurídico-criminal.

Acórdão de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 2869/08-5.ª Secção - Não estando provada a verificação de circunstancialismo exterior ao agente que diminua a sua culpa na repetição dos comportamentos ilícitos em relação a sua filha (abuso sexual), não se pode falar de crime continuado, não havendo, no entanto, que extrair consequências punitivas num recurso só interposto pela defesa, dada a proibição da reformatio in pejus.

    Acórdão de 5 de Novembro de 2008, processo n.º 2861/08-3.ª Secção, citando Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, pág. 1226: “A exigência legal de que o agente aja na mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa significa que aquela tem, além disso, de ser tal que, objectivamente, facilite a execução do facto criminoso ou “prepare as coisas para a repetição” do facto, de modo a afastar do âmbito do instituto do crime continuado aquelas situações em que sejam total ou predominantemente razões endógenas do agente a conduzir ou a “aconselhar” a repetição do facto”.

      Acórdão de 13 de Novembro de 2008, processo n.º 451/07-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 224, afastando continuação criminosa em caso de crime de abuso de confiança fiscal e dando por verificada a existência de quatro crimes (em sentido oposto, o acórdão de 04-12-2008, processo n.º 4079/06-3.ª, na mesma CJSTJ, pág. 236).

      No acórdão de 19 de Março de 2009, proferido no processo n.º 392/09-3.ª Secção, pronunciando-se em caso de burla, refere-se que se o agente concorre para a existência do quadro ou condicionalismo exterior que lhe facilita a acção está a criar condições de que não pode aproveitar-se para que possa dizer-se verificada a figura legal da continuação criminosa, citando os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-1997 (processo n.º 1192/97-3.ª), de 07-03-2001 e de 12-06-2002, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (SASTJ), n.ºs 49 e 62.

      Consta do acórdão de 19 de Março de 2009, proferido no processo n.º 483/09-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto: “O art. 30.º do CP fundamentou-se no art. 33.º do Projecto da Parte Geral do CP de 1963, tendo sido aprovado na 13.ª sessão da comissão revisora, em 08-02-1964, um último período para o n.º 2 donde constava: «A continuação não se verifica, porém, quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma vítima».

      Diz Maia Gonçalves, em anotação ao art. 30.º no seu Código Penal Português, anotado comentado (18.ª ed., pág. 154, nota 1), que: «A supressão deste período não significou que outra solução devesse ser adoptada, mas tão só que o legislador considerou a afirmação desnecessária, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado. A revisão do Código levada a efeito pelo Dec-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, manteve intacto o texto deste artigo, mas a que foi levada a efeito pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduzindo o n.º 3 reproduziu o referido dispositivo que foi rejeitado na versão originária».

      O aditamento constante deste n.º 3 não exclui, antes continua a pressupor, a verificação dos requisitos do crime continuado.     

      Como se considerou no Ac. deste STJ de 01-10-2008, Proc. n.º 2872/08 - 3.ª, a alteração legislativa em causa é, pois, pura tautologia, de alcance limitado ou mesmo nulo, desnecessária, na medida em que é reafirmação do que do antecedente se entendia ao nível deste STJ, ou seja, de que existe crime continuado quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa e cometida num quadro em que, por circunstâncias exteriores ao agente, a sua culpa se mostre consideravelmente diminuída, não podendo prescindir-se da indagação casuística dos respectivos requisitos.

      Esse aditamento não permite, pois, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito.

      Interpretação em contrário seria, até, manifestamente atentatória da CRP, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no seu art. 1.º, comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais, em ofensa ao disposto no art. 18.º da CRP. Uma interpretação assim concebida da norma do n.º 3 aditado levaria a que se houvesse de entender que o legislador não soube exprimir-se convenientemente, havendo que atalhar-lhe o pensamento”.

      Acórdão de 25 de Março de 2009, processo n.º 490/09, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 237, do mesmo Relator do acórdão de 1-10-2008, versando abuso sexual de menores, afirma-se que sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado.

Consta do sumário: “O n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, aditado pelo artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não permite a interpretação segundo a qual a violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa reconduz-se necessariamente ao crime continuado, afastando o concurso real de crimes”.

No caso, afasta a figura de crime continuado, fixado pela Relação e repõe os 7 crimes de abuso sexual de crianças em que havia siso condenado o arguido em 1.ª instância.

No acórdão de 14 de Maio de 2009, proferido no processo n.º 36/07-5.ª Secção, pode ler-se: “há que distinguir entre a reiteração criminosa que resulta de uma situação externa que subsiste ou se repete sem que o agente para tal contribua e aquela que resulta de uma situação procurada, provocada ou organizada pelo próprio agente. Neste segundo caso, são obviamente razões endógenas que levam à reiteração criminosa e portanto não existe atenuação da culpa, antes uma culpa agravada, estando pois excluído o crime continuado”.

No acórdão de 25 de Novembro de 2009, por nós relatado no processo n.º 490/07.0TAVVD.S1, versando abuso sexual de crianças, foi ponderado: “Este STJ tem considerado que não integra a figura do crime continuado a realização plúrima do mesmo crime se não forem as circunstâncias exteriores ao agente que o levaram a sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de através de actos sucessivos lesar o queixoso”.

O acórdão de 18 de Março de 2010, proferido no processo n.º 175/06.5JELSB-5.ª Secção, afasta a figura do crime continuado, ainda que estejam presentes os requisitos da realização plúrima do mesmo tipo de crime e da sua execução de forma essencialmente homogénea, já que a circunstância que favoreceu a repetição das condutas criminosas foi a grande determinação do recorrente em colocar no território nacional cocaína vinda do Brasil, patenteada na longa e cuidadosa preparação das duas operações, circunstância essa ligada a ele próprio e não exterior.

Para o acórdão de 14 de Abril de 2011, processo n.º 136/08, publicado na CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 179: “Caracteriza o crime continuado, do ponto de vista objectivo, uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, bem como a execução por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma situação exterior”. 

No acórdão de 22 de Junho de 2011, por nós relatado no processo n.º 3776/05.5TALRA.S1, estando em causa burlas qualificadas cometidas por agente de execução, foi afastada a figura da continuação criminosa, sendo ponderado:

      “Da facticidade assente não resulta que a arguida tenha actuado ao abrigo de um condicionalismo exterior, que lhe tenha facilitado a acção, a repetição da actividade criminosa por si levada a cabo e que por isso tenha diminuído a culpa.

      Diferentemente, o que resulta é que foi sempre a arguida que abordou, directamente, ou através de colaboradores, os potenciais clientes, sugeriu negócios, convencendo-os de que os mesmos se teriam de fechar muito rapidamente, no máximo em 2 ou 3 dias (v. g., pontos de factos provados n.º s 209, 220, 300, 306, 346, 438, 504), preferindo entregas em numerário, fazendo crer que propiciava bons investimentos, oferecendo preços convidativos, e projectando possibilidade de lucros significativos.

      Perante cada novo cliente, a arguida tinha de fazê-lo acreditar nas suas explicações, na sua condição de proprietária de uma imobiliária e de solicitadora de execução, e que por esse motivo, tinha contacto com processos de execução, onde estavam penhorados os bens oferecidos a negócio.

       De cada vez que actuava, tinha de fazer crer que os bens oferecidos a negócio estavam penhorados e que poderiam ser adquiridos antes da venda judicial, pagando o interlocutor apenas o valor da dívida exequenda; tinha de o convencer de que tinha bons contactos nos tribunais, junto de bancos e empresas de leasing, e que graças a esses privilegiados contactos, conseguia transaccionar os bens a valor inferior ao do mercado.

       A cada nova oportunidade de encaixe financeiro, a arguida renovava a resolução criminosa, tinha de engendrar um esquema que conduzisse o potencial cliente ao logro, de modo a arrecadar as várias quantias monetárias, sem qualquer elemento exógeno ou exterior que diminua ou mitigue a sua culpa.

      Pelo contrário, a própria arguida contribuiu para a repetição, provocou a emergência de situações novas, que foram desejadas, procuradas, queridas.

      A cada novo momento propício, renascia o propósito criminoso, desencadeando a arguida uma nova acção, dirigida a uma nova perspectiva de negócio, a uma nova oportunidade de negócio, mostrando-se insaciável na demanda de novos clientes, de captação de novos investidores.

      As razões que conduziram à repetição criminosa foram, pois, sempre endógenas e não exteriores”.

      É de afastar a possibilidade de redução à unidade, considerado o ilícito global, isto é, a redução a um único crime de burla qualificada, mantendo-se a qualificação do acórdão recorrido, enquanto considera a existência de um concurso efectivo de trinta e seis crimes de burla qualificada.

      Por outro lado, é de afastar a qualificação como continuação criminosa.

      Desde logo, a solução é evidente, relativamente aos supra apontados dezasseis casos, por estar em causa, em cada um deles, uma única acção, um único comportamento, uma única abordagem negocial, e a continuação criminosa pressupor uma pluralidade/multiplicidade de infracções.

       E no que concerne aos restantes vinte casos, é igualmente de afastar a figura, considerando-se que na repetição da conduta face a cada um dos lesados, ou grupos de lesados, esteve na sua base uma resolução que teve uma execução sucessiva, desencadeada, propiciada, “justificada”, não só pelo suposto sucesso do anterior negócio, mas também devido ao “afinco” posto nos contactos pela arguida, ou seja, estamos perante vinte crimes de burla qualificada.

       De cada vez que surgia um novo cliente, renovava-se a resolução criminosa, colocando-se a questão de modo diferente nas situações em que alcançado o primeiro negócio com êxito para os seus interesses, de pronto a arguida, face ao mesmo cliente, arrancava para novas propostas, outros negócios, que eram aceites pelos “caçadores de pechinchas”, sendo a este nível ilustrativo o que se passou, por exemplo, com M V e H S, entre 31-01-2005 e 06-05-2005 - factos provados n.º s 522 a 571.

      Da facticidade assente não resulta que a arguida tenha actuado ao abrigo de um condicionalismo exterior, que lhe tenha facilitado a acção, a repetição da actividade criminosa por si levada a cabo e que por isso tenha diminuído a culpa”.

       No acórdão de 15 de Dezembro de 2011, por nós relatado no processo n.º 41/10. 0GOAZ.P2.S1, o arguido fora condenado para além do mais, pela prática de dois furtos na forma consumada (um simples e um qualificado) e dois furtos na forma tentada, pretendendo a unificação na figura do crime continuado. Tendo os factos ocorrido em Fevereiro de 2010, 29-04-2010 e 9-07-2010, em locais diferentes, foi ponderado: “Em cada um dos casos o arguido renovava a resolução criminosa, sem qualquer elemento exógeno ou exterior que diminua ou mitigue a sua culpa; as novas acções foram desejadas, procuradas, queridas. As razões que conduziram à repetição criminosa foram, pois, sempre endógenas e não exteriores. Concluindo. É de afastar a qualificação como continuação criminosa, a possibilidade de redução à unidade, considerado o ilícito global, isto é, a redução a um único crime de furto qualificado, mantendo-se a qualificação do acórdão recorrido, enquanto considera a existência de um concurso efectivo de quatro crimes de furto, sendo dois qualificados na forma tentada e dois consumados (sendo um deles simples).

      Como se extrai do acórdão de 14 de Março de 2013, proferido no processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S2-3.ª Secção – Sempre que se prove que a reiteração do crime é devida a uma tendência da personalidade criminosa, menos que a uma disposição exterior das coisas, não pode falar-se em atenuação da culpa, pelo que fica excluída a continuação criminosa.

      Acórdão de 17 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1, da 3.ª Secção, versando crime de burla qualificada – O crime continuado (cf. art. 30.º, n.º 2, do CP) pressupõe, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para o facto.

       No caso sob apreciação, os elementos de facto que o tribunal fixou permitem caracterizar uma situação que revela, distintamente, uma pluralidade de resoluções, que exprimem uma vontade sucessivamente renovada, perante situações distintas que o recorrente directa e deliberadamente procurou; embora decorrendo numa composição e num ambiente preparados pelo recorrente, as expressões de comportamentos sucessivamente renovados em relação a cada um dos ofendidos afastam a natureza exógena (situação externa favorável) das circunstâncias; bem diversamente, as condições em que o recorrente agiu não foram construídas nem se lhe apresentaram externamente, mas cada uma foi directamente criada pelo recorrente com a finalidade e intenção de praticar cada um do conjunto de actos em que se traduziu o «engano» dos ofendidos e as consequentes atribuições patrimoniais. Não concorrem, assim, os elementos essências da construção do crime continuado.

      Acórdão de 18 de Abril de 2013, proferido no processo n.º 180/05.9JACBR.C1.S1, da 5.ª Secção, versando crime continuado de corrupção – De acordo com os requisitos do n.º 2 do art. 30.º do CP, no plano da conexão objectiva dos vários actos, exige-se que a realização continuada viole de forma plural o mesmo ou fundamentalmente o mesmo bem jurídico, de maneira a que se possa afirmar uma relação de estreita afinidade entre os bens jurídicos violados, e que seja executada por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, dando-se, aqui, relevo a uma “unidade de contexto situacional” em que ocorram as várias violações, isto é, “que elas se relacionem contextualmente umas com as outras”.

      Toda a construção do crime continuado se apoia na diminuição considerável da intensidade da culpa que resulta de uma conformação especial do momento exterior da conduta que concorre para determinar o agente à resolução de renovar a prática do mesmo crime. A reiteração é devida mais a uma disposição das coisas do que a uma tendência da personalidade do agente.

      Ora, no caso, as ocasiões favoráveis à prática do crime foram-se repetindo, sem que o arguido tenha activamente contribuído para essa repetição, isto é, não foi o arguido quem provocou as ocasiões, ao arguido proporcionaram-se as ocasiões. Por outro lado, a motivação do agente permanece a mesma ao longo da prática criminosa repetida, conferindo uma certa unidade de sentido ao comportamento global. Afirmando-se nos factos dados por provados a identidade dos bens jurídicos violados (o que confere ao comportamento global a unidade do desvalor de resultado), a homogeneidade das formas de execução (assegurando a unidade do desvalor objectivo da acção) e a presença do mesmo condicionalismo exógeno, susceptível de exercer a continuada solicitação para a repetição da infracção, conforma-se uma situação em que se mostra fundado um juízo de diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída.

      Acórdão de 12 de Setembro de 2013, proferido no processo n.º 14/06.8GBCBR.S1-3.ª Secção – Segundo o princípio non bis in idem, promovido a princípio constitucional através do art. 29.º, n.º 5, da CRP, “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Este princípio tem natureza processual impedindo a simples instauração de novo processo pelo mesmo crime, para garantia da paz jurídica do arguido.

     O regime jurídico constante do art. 79.º, n.º 2, do CP, só é compatível com a proibição constitucional de duplo julgamento pelo mesmo crime caso se entenda que o crime continuado não corresponde a um objecto processual uno e indivisível. Na verdade, se assim não for, o conhecimento, em novo processo, de condutas que integram a continuação criminosa traduz uma clara repetição de objectos processuais para conhecimento do mesmo crime, em flagrante violação do aludido princípio.

     A situação retratada não se pode reconduzir, em rigor, à configuração do crime continuado, convoca por alguma forma a coincidência de, em ambas as situações, nos encontrarmos perante um mesmo objecto processual nos dois processos com a diferença de, no segundo, ser mais amplo e serem convocados outros factos para a cognição do julgador. O acto de deter uma determinada quantidade de droga é englobado pela actividade mais global de tráfico durante o período de tempo a que se reporta aquele acto em concreto.

      Acórdão de 22 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 848/12.3PAPVZ.S1, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2014, tomo 2, págs. 194 a 199 – O arguido foi condenado pela prática de 6 crimes de furto simples, na forma tentada, 5 furtos simples, 1 furto qualificado, na forma tentada, 10 crimes de furto qualificado, 1 furto qualificado, na forma tentada. No recurso interposto, o arguido defende que as condutas praticadas em determinados dias integram uma única infracção. Abordando a questão colocada, o acórdão afasta a figura do crime único, do crime continuado e confirma a solução de concurso efectivo de crimes assumida pelo tribunal recorrido, podendo ler-se: “Daí que, à luz de um critério de normalidade, se conclua, que, tendo, por força, mediado novos processos resolutivos entre a execução de uma e de outras das acções ilícitas projectadas pelo arguido, inexistem motivos para proceder à sua unificação jurídica, como de um só crime se tratasse”. 

       Como consta do sumário publicado:

I - Se ao longo do desenvolvimento da actividade ilícita tiverem sido tomadas várias resoluções pelo agente e, por isso, foram várias vezes alcançados e realizados certo (s) tipo (s) legal (is) de crime (s), serão igualmente vários os correspondentes juízos de censura a formular.

II - O crime continuado tem subjacente a existência de circunstâncias exteriores – e não de carácter endógeno – conducentes à diminuição considerável da culpa.

       No acórdão de 17 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1, da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, versando crime de abuso sexual de criança, foi afastada a figura do crime de trato sucessivo e considerado inexistirem os pressupostos do crime continuado.

No acórdão de 17 de Junho de 2015, proferido no processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, foi afastada a figura do crime continuado, por ter sido o arguido o próprio a criar as condições em que actuou.

 No acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, versando abuso sexual de filha, foi afirmado: “O acórdão de Vila Real optou pela consideração do crime de trato sucessivo, qualificação não questionada pelo recorrente, o que bem se compreende por mais benévola por contraposição à pluralidade de crimes, mas que está longe de ser consensual na jurisprudência, como se pode ver no acórdão de 30-09-2015, por nós proferido no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1”.

  No acórdão de 25 de Novembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 27/14.5JAPTM.S1, versando abuso sexual de criança, foi abordada a determinação do número de crimes.

       “Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas.

      A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais.

      Entre os diversos comportamentos existe um fio sequencial, sendo a reiteração, repetição, sequência dos actos, após a primeira actividade criminosa, ilustrada no quadro exemplificativo de situações exteriores típicas, que arrastam para o crime, apresentado pelo Prof. Eduardo Correia em A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Unidade e Pluralidade de Infracções, Livraria Atlântida, Coimbra, 1945, pág. 338”.  


    Foi decidido afastar a figura do crime continuado e do crime de trato sucessivo, mantendo-se os nove crimes em concurso real, sendo oito de abuso sexual de criança e um de pornografia.

      No acórdão de 25 de Maio de 2016, por nós relatado no processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, versando roubo a duas vítimas – casal em residência – pretendia o recorrente a redução à figura do crime único, embora invocando o artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal, tendo-se afirmado não ter cabimento face à simultaneidade da prática das duas condutas. No mais foi mantida a qualificação com dois roubos qualificados, ponderando-se: “Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que estar-se perante vários actos entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas”.

      “Resulta da facticidade assente que o assalto foi infligido ao casal, tendo os ofendidos sido vítimas do constrangimento, coacção e intimidação exercida pelos arguidos, que apontaram as armas de que eram portadores, agressões descritas nos FP 1.7 e 1.12 e causando as lesões físicas com sequelas, sendo as descritas no FP 1.15, no que toca ao ofendido e ofendida, em ambos os casos determinantes de um período de doença de 20 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral por igual período de tempo. 

      “Colocando a conduta criminosa em causa não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos, haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência de forma uniforme – acórdãos do STJ, de 14-04-1983, BMJ n.º 326, pág. 422, de 30-11-1983, BMJ n.º 331, pág. 345, de 30-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 411, de 15-11-1989, BMJ n.º 391, pág. 239, de 20-01-1994, processo 45265-3.ª, de 03-02-1994, processo n.º 45927-3.ª, de 26-10-1995, processo n.º 48237, de 01-02-1996, CJSTJ1996, tomo 1, pág. 198, de 04-06-1996, CJSTJ1996, tomo 2, pág. 188, de 24-07-1998, processo n.º 734/98, de 17-10-1998, processo n.º 131/98, de 01-03-2000, processo n.º 17/00-3., Sumários Assessores, 39, pág. 53, de 19-04-2006, CJSTJ2006, tomo 2, pág. 168, de 02-05-2007, processo n.º 1027/07-3.ª e de 3-10-2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07, CJSTJ 2007, tomo 3, pág.198.

      Dirigindo-se as diferentes acções contra diversos titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da integridade física e da liberdade de acção e de decisão, como aconteceu neste caso, está excluído o crime único ou continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado, não se podendo reconduzir à unidade as condutas provadas.

      Concluindo.

      Improcede esta pretensão do recorrente, mantendo-se a qualificação da primeira instância, ou seja, a verificação da prática de dois crimes de roubo qualificado”.


      O acórdão de 1 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 522/14.6PVLSB.L1.S1-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2016, tomo 2, págs. 178 a 186, segue o precedente acórdão de 25 de Maio de 2016, citando-o a págs. 181 (2.ª coluna), 182 (1.ª coluna), pág. 183 (1.ª coluna) e pág. 185 (1.ª coluna), e o acórdão de 25 de Novembro de 2015, igualmente por nós relatado no processo n.º 27/14.5JAPTM.S1- pág. 182 (2.ª coluna).

       Consta do sumário:

I – O fundamento de diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para o facto, ou seja, essa solicitação para o crime deve ser estranha ao agente e não criada por este.

II – A toxicodependência não é solicitação exógena facilitadora da execução e diminuidora do grau de culpa para a verificação da continuidade criminosa.

III – O crime continuado está restringido à violação plúrima de bens não eminentemente pessoais, independentemente de haver uma ou mais vítimas, estando, por isso, excluída essa continuação em relação aos crimes de roubo, atenta a sua natureza complexa, onde sobressai, par além da patrimonial, a sua vertente eminentemente pessoal.

    

      O acórdão de 14 de Julho de 2016, proferido no processo n.º 86/03.1TAOER.L1,S1-5.ª Secção, publicado na mesma CJSTJ 2016, tomo 2, págs. 220 a 229, abordou o tema do crime continuado em crimes de burla e de falsificação de documento, fazendo menções ao ilícito dominante e ilícito dominado. Consta do sumário:

   O crime continuado não é mais do que um concurso de crimes efectivo no quadro da unidade criminosa normativamente (legalmente) construída, abrangendo situações em que há uma diminuição da culpa em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída

    No caso concreto, são perfeitamente autónomos os diversos sentidos de ilícitos subjacentes a cada acto do arguido, de modo que não pode afirmar-se a existência de um ilícito dominante e um ilícito dominado, mas apenas concluir por uma pluralidade de ilícitos a justificar uma punição autónoma de cada um deles”

 

Extrai-se do acórdão de 4 de Janeiro de 2017, proferido no processo n.º 35/10.5PJVFX.S1 - 3.ª Secção – Na base do instituto do crime continuado, como revela a primeira parte do n.º 2 do artigo 30.º do CP, sob a epígrafe de concurso de crimes e crime continuado, encontra-se um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico. Por outro lado, de acordo com a segunda parte daquele dispositivo, elementos essenciais da continuação criminosa são a execução dos factos por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

     São fundamentalmente razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime continuado. É a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam o agente para o crime, e não em razões de carácter endógeno.

     A execução no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior supõe a proximidade espácio-temporal dos diversos actos delituosos, porquanto a interposição de um período de tempo dilatado entre os factos permite ao agente mobilizar os factores críticos da sua personalidade para avaliar a sua anterior conduta de acordo com o Direito e distanciar-se da mesma, razão pela qual a mediação de um período de tempo dilatado entre os factos afasta a possibilidade de formulação de um juízo mitigado ou diminuído da culpa do respectivo agente, conduzindo à exclusão da continuação criminosa.

      Não ocorre continuação criminosa se do exame da decisão proferida sobre a matéria de facto decorre que os factos delituosos pelos quais o arguido foi condenado tiveram lugar entre 2009 e 2014, datas do primeiro e do último, tendo a grande maioria sido cometida entre Janeiro e Julho de 2010.

    Analisando os factos verificamos estarmos perante um complexo delituoso constituído por 21 crimes, sendo 11 de burla qualificada e 10 de falsificação de documento, praticados pelo arguido ao longo de cerca de quatro anos, conquanto tenha 27 anos de idade o arguido considerado portador de tendência criminosa, sendo por demais evidente que a pena conjunta de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi imposta não pode ser objecto de qualquer redução.


***



      Colocando a conduta criminosa em causa não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos, haverá tantos crimes, quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência de forma uniforme – acórdãos do STJ, de 14-04-1983, BMJ n.º 326, pág. 422; de 30-11-1983, BMJ n.º 331, pág. 345; de 30-07-1986, BMJ n.º 359, pág. 411; de 15-11-1989, BMJ n.º 391, pág. 239; de 20-01-1994, processo 45265-3.ª; de 03-02-1994, processo n.º 45927-3.ª; de 26-10-1995, processo n.º 48237; de 01-02-1996, CJSTJ1996, Tomo 1, pág. 198; de 04-06-1996, processo n.º 473/96-3.ª, CJSTJ 1996, Tomo 2, pág. 188; de 10-10-1996, processo n.º 851/96-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 4 -Outubro de 1996, pág. 76; de 18-09-1997, processo n.º 261/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 13 – Julho/Setembro de 1997, pág. 135 (Resulta da própria natureza das coisas, embora não esteja expressamente regulado na lei penal, que, sendo vários os ofendidos no crime de roubo, fica liminarmente excluída a possibilidade de unificação, em forma de crime continuado, das condutas dos arguidos); de 24-09-1997, processo n.º 552/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, Gabinete de Assessoria (SASTJ), n.º 13 - Julho/Setembro de 1997, pág. 140 (O crime de roubo não preenche a figura do crime continuado quando duas são as vítimas e a ambas são subtraídos bens. O número de crimes corresponde ao número de ofendidos); de 24-07-1998, processo n.º 734/98; de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª, versando abuso sexual de crianças agravado (Como regra, o número de crimes afere-se pelo número de vezes que a conduta do agente realiza o tipo legal (concurso real) ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (concurso ideal) – art. 30.º, n.º 1, do CP –, havendo para tanto que recorrer às noções de dolo e de culpa, ou seja, tantas vezes quantas as que a eficácia da norma típica for posta em crise, em que a norma não for eficaz para dissuadir a conduta antijurídica do agente.

Nos termos do disposto no art. 30.º, n.º 2, do CP, são pressupostos cumulativos da continuação criminosa a realização plúrima do mesmo tipo legal, a homogeneidade na forma de execução, e a lesão do mesmo bem jurídico, no quadro de uma situação exterior ao agente do crime que diminua de forma considerável a sua culpa.

A recente reforma do CP pela Lei 59/2007, de 04-09, introduziu no art. 30.º o n.º 3, segundo o qual o disposto no n.º 2 não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma pessoa.

Esta alteração, correspondente ao n.º 2 do art. 33.º no Projecto de Revisão do CP de 1963, da autoria do Prof. Eduardo Correia, primeiramente exposta in Unidade e Pluralidade de Infracções, foi discutida na 13.ª Sessão da Comissão de Revisão, em 08-02-1964, no sentido de que só com referência a bens jurídicos eminentemente pessoais, inerentes à mesma pessoa, se poderia falar de continuação criminosa, excluída em caso de diversidade de pessoas, atenta a forma individualizada e diferenciada que a violação pode revestir, impeditiva de um tratamento penal na base daquela unidade ficcionada.

Essa discussão não mereceu conversão na lei por se entender que o legislador reputou tal desnecessário, por resultar da doutrina, e até inconveniente, por a lei não dever entrar demasiadamente no domínio que à doutrina deve ser reservado. Essa não unificação resulta da natureza eminentemente pessoal dos bens atingidos, que se radicam em cada uma das vítimas, da natureza das coisas, assim comenta Maia Gonçalves, in CP anotado, ao preceito citado.

Diferente não é o pensamento de Jescheck, para quem são condições de primeiro plano para aplicação do conceito a existência de uma actividade homogénea e que os actos sejam referidos à mesma pessoa, afectando o mesmo bem jurídico. Sendo bens eminentemente pessoais o conceito está arredado, por tanto a ilicitude da acção e do resultado como o conteúdo da culpa serem distintos em relação a cada acto individual, sem se verificar a renúncia a valorações separadas, atenta a não identidade de bens jurídicos – cf. Tratado de Derecho Penal, I, Parte Generale, ed. Bosh, pág. 652 e ss, e Acs. deste STJ de 10-09-2007, CJSTJ, Ano XV, tomo 3, pág. 193, e de 19-04-2006, CJSTJ, Ano XIV, tomo 2, pág. 169.

A alteração legislativa em causa é, pois, pura tautologia, de alcance limitado ou mesmo nulo, desnecessária, na medida em que é reafirmação do que do antecedente se entendia ao nível deste STJ, ou seja, de que existe crime continuado quando a violação plúrima do mesmo bem jurídico eminentemente pessoal é referida à mesma pessoa e cometida num quadro em que, por circunstâncias exteriores ao agente, a sua culpa se mostre consideravelmente diminuída, não podendo prescindir-se da indagação casuística dos respectivos requisitos.

Esse aditamento não permite, pois, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real (cf. Ac. do STJ de 08-11-2007, Proc. n.º 3296/07 - 5.ª, acessível in www.dgsi.pt); só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito.

Interpretação em contrário seria até, manifestamente, atentatória da CRP, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no seu art. 1.º, comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais, em ofensa ao disposto no art. 18.º da CRP. Uma interpretação assim concebida da norma do n.º 3 aditado levaria a que se houvesse de entender que o legislador não soube exprimir-se convenientemente, havendo que atalhar-lhe o pensamento); de 17-10-1998, processo n.º 131/98; de 01-03-2000, processo n.º 17/00-3.ª, in Sumários de Acórdãos do STJ, n.º 39, pág. 53; de 19-04-2006, CJSTJ2006, Tomo 2, pág. 168, de 02-05-2007, processo n.º 1027/07-3.ª; de 10-09-2007, CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 193; de 3-10-2007, por nós relatado no processo n.º 2576/07, CJSTJ 2007, Tomo 3, pág. 198, estando em causa crimes de roubo (Não se verifica a continuação criminosa quando os arguidos violam bens jurídicos eminentemente pessoais e há pluralidade de ofendidos); de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3.ª Secção, CJSTJ 2009, Tomo 1, pág. 237 (O n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, aditado pelo artigo 1.º da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, não permite a interpretação segundo a qual a violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa reconduz-se necessariamente ao crime continuado, afastando o concurso real de crimes. Uma interpretação nesse sentido seria manifestamente atentatória da Constituição da República Portuguesa, restringindo a um limite inaceitável o respeito pela dignidade humana, violando o preceituado no art. 1.º e comprimindo de forma intolerável direitos fundamentais em ofensa ao disposto no art. 18.º, da CRP); de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª Secção, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 221, com relator por vencimento (o que o n.º 3 do art. 30.º do CP, aditado pela Lei n.º 59/2007, veio estabelecer, aliás, de forma redundante, não é que nos crimes contra bens pessoais, tratando-se da mesma vítima, se deve sempre unificar as condutas, mas sim que nesses crimes a pluralidade de vítimas é obstáculo a essa unificação; ou seja, nesse tipo de crimes, a continuação criminosa só pode estabelecer-se em torno de cada vítima, e desde que estejam reunidos os demais requisitos do crime continuado, nomeadamente a mitigação substancial da culpa do agente); de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.L1.S1-3.ª Secção, CJSTJ 2009. Tomo 2, pág. 247 (Haverá um concurso de crimes (de abuso sexual de criança), ainda que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior).


     E já depois da alteração de 2010 (Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro), podem ver-se:

    Acórdão de 12 de Maio de 2011, processo n.º 14.125/08.0TDPRT.P1.S1- 5.ª Secção, versando os crimes de violação e de coacção sexual:

     “O art. 30.º, n.º 2, reconduz o crime continuado a uma pluralidade de actos susceptíveis de integrar várias vezes o mesmo tipo legal de crime ou tipos diferentes se bem que análogos, mas que, apesar disso, apresentam entre si uma conexão objectiva e subjectiva que justifica a não consideração da pluralidade de actos como conformadores de um concurso efectivo de crimes e, coerentemente, subtrai a punição às regras da punição do concurso de crimes para a submeter a um regime adequado à consideração do caso como de unidade de crime (art. 79.º do CP).

Trata-se, afinal, de tratar um concurso efectivo de crimes no quadro de uma unidade criminosa normativamente construída.

À qualificação jurídica dos factos operada na 1.ª instância – um crime continuado de violação e um crime continuado de coacção sexual – não terão deixado de presidir as razões que, de um ponto de vista pragmático, estão subjacentes à construção normativa da figura do crime continuado.

Os factos provados demonstram numerosas violações do mesmo bem jurídico (a liberdade sexual), realizadas de forma essencialmente homogénea, relacionando-se contextualmente umas com as outras.

A figura do crime continuado, com acolhimento em diversas ordens jurídicas, ou por opção expressa do legislador ou por via de criação jurisprudencial, tem sido sujeita a uma crítica intensa: contra a figura esgrimem-se argumentos de justiça material que põem em relevo o benefício injustificado e injusto que, particularmente, resulta do seu regime de punição e afirmam-se, ainda, teses de princípio que partem da afirmação de que, no caso de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais nunca poderá haver unificação normativa por falhar – falhar sempre – a culpa diminuída que constitui o seu verdadeiro pressuposto”.

 Acórdão de 10 de Outubro de 2012, processo n.º 617/08.5PALGS.E2.S1 - 3.ª Secção:

   “De repudiar a prática de crime continuado (art. 30.º, n. 2, do CP), que repousa numa pluralidade de acções criminosas, em obediência a um plano criminoso executado, de forma substancialmente homogénea, sendo o mesmo o crime, praticado no âmbito de uma solicitação exterior, diminuindo de forma considerável a culpa do agente, que, por isso, a lei unifica sob a égide de uma única infracção.

     A solicitação criminosa partiu do arguido, foi ele que, sendo vizinho e tendo ascendente sobre as crianças, a criou, atraindo e encaminhando as suas vítimas para a prática de reiterados actos libidinosos, num quadro de elevada censura penal, sem diminuição considerável da sua culpa, incompatível, aliás, num quadro de ofensividade de bens de cunho eminentemente pessoal, como fez questão de realçar o n.º 3 do art. 30.º do CP, na redacção conferida pela Lei 40/2010, de 03-09.

      Sendo bens eminentemente pessoais, o conceito de crime continuado está afastado.

      O crime continuado é de excluir, igualmente, sempre que a reiteração criminosa, menos que a uma disposição exterior, se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso, pois que não pode falar-se aí de atenuação de culpa”.

     Acórdão de 14 de Março de 2013, processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S2-3.ª Secção:

     “A Lei 40/2010, de 3-09, pondo fim à rejeição comunitária de tão criticado segmento, ao amputar o aditamento “salvo tratando-se da mesma vítima” reconstituiu a pluralidade de infracções, em função do número de crimes ou de vítimas, restringindo o crime continuado a bens não eminentemente  pessoais, sejam uma ou mais vítimas.”.

      No mesmo sentido, o acórdão de 24 de Setembro de 2014, processo n.º 53/12.9JBLSB.L1.S1 - 3.ª Secção, de cujo sumário se extrai:

“Face ao disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, a continuação criminosa só pode estabelecer-se respeitando à mesma vítima e desde que estejam reunidos os demais requisitos do crime continuado, designadamente, uma diminuição acentuada da culpa do agente.

A negação da possibilidade da continuação criminosa em função da existência de uma pluralidade de vítimas resulta da circunstância de cada bem jurídico eminentemente pessoal ter de ser entendido em concreto numa união incindível com o seu portador individual. A vida, a autodeterminação sexual ou a integridade física consubstanciam-se nas pessoas concretas que se vêm diminuídas na sua dignidade ou integridade próprias que é totalmente distinta dos restantes”.

     Acórdão de 21 de Agosto de 2015, processo n.º 1727/13.2JAPRT.P1.S1-5.ª Secção – Afasta roubo continuado, constando do sumário: “Não constitui crime continuado de roubo, a actuação ilícita dos arguidos, que não se confinando a uma única data, ocorreu espaçadamente, ao longo de mais de um mês, e em ocasiões distintas, nunca ocorrendo no mesmo lugar a subtracção dos veículos utilizados nos assaltos e a perpetração destes, e se quer os veículos quer os estabelecimentos assaltados não se apresentavam em condições adequadas a proporcionar aos agentes um acesso e apropriação particularmente facilitados, e assim, não se mostravam uns e outros aptos a incentivar o repetir da actividade criminosa, exigindo aos arguidos, em cada caso, a avaliação da respectiva situação dos estabelecimentos e a sinalização dos mesmos, e, depois, a actuação de acordo com as condições inerentes a cada qual.

     É inviável à figura do crime continuado subsumir-se a realização plúrima de crimes de roubo, tendo em conta a natureza dúplice dos bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora [a par da protecção de bens patrimoniais, a protecção de bens eminentemente pessoais (a segurança, a saúde e até a vida das vítimas)”.

O acórdão de 4 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 792/13.7TAOAZ.P1.S1-5.ª Secção, versando crimes de pornografia de menores e peculato, considera: “O disposto no n.º 3 do art. 30.º do CP - com a redacção dada pela Lei 40/2010, de 03-09 e vigente desde 3 de Outubro de 2010 - não permite hoje a figura do crime continuado estando em causa crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, como é o caso do crime de pornografia de menores. Daí que em tais situações o número de crimes seja determinado pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (n.º 1 do art. 30.º).

     No acórdão de 6 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 19/15.7JAPDL.S1-3.ª Secção, versando crime de abuso sexual de crianças, foi ponderado o seguinte:

“Mesmo existindo uma unidade de resolução, a mesma não concede automaticamente a configuração de crime de trato sucessivo, pressupondo a afinidade desta figura com a do crime habitual, pois que somente a estrutura do respectivo tipo incriminador há-de supor a reiteração.

     Em face de tipos de crime como os imputados no caso vertente - crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 e 2 e 177.º, n.º 4, do CP - não nos encontramos perante uma «multiplicidade de actos semelhantes» realizados duma forma reiterada sob o denominador duma unidade resolutiva pois que cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo numa policromia de contextos separados por um hiato temporal e comandadas por uma diversas resoluções, traduzindo-se cada uma numa autónoma lesão do bem jurídico protegido.

       Cada um destes actos não constituiu um segmento ou parcela duma globalidade factual desdobrando-se como parte duma única actividade, mas constitui por si mesmo facto autónomo. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos existe, pluralidade de crimes.

      Se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime «de trato sucessivo», ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador.

      É evidente que o apelo à figura de trato sucessivo permite ultrapassar uma outra questão que é o da determinação concreta do número de actos ilícitos que devem ser imputados. Porém, esse é um tema que convoca a forma como se faz a investigação criminal e a diligência acusatória e não uma questão de dogmática penal”.

      No acórdão de 21 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 657/13.2JAPRT.P1.S1-5.ª Secção, versando crime de violação e concurso de crimes, foi ponderado o seguinte quadro argumentativo:

     “O crime continuado, previsto no art. 30.º, n.º 2, do CP, é caracterizado por uma “realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”; porém, esta figura criada pelo legislador não deve, nos termos do n.º 3 do mesmo dispositivo, abarcar “os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

      O crime continuado não é mais do que “um concurso de crimes efectivo no quadro da unidade criminosa, de uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída” (Figueiredo Dias), considerando-se que estamos perante situações em que há uma “diminuição da culpa, em nome de uma exigibilidade sensivelmente diminuída” (Figueiredo Dias). Trata‑se, pois, de situações em que ocorre ou um dolo conjunto ou continuado, ou onde se verifica uma pluralidade de resoluções criminosas, todavia legalmente unificadas de modo a construir uma unidade criminosa.

      Tem sido considerado que a figura do crime continuado privilegia injustamente os agentes de um crime continuado, relativamente aos que praticam um concurso efetivo de crimes, e desde logo tendo em conta o efeito de caso jugado que abarca todos os atos integrados na continuação ainda que não tenham feito parte do objeto do processo. Mas produz igualmente prejuízos para o condenado não só porque pode conduzir a um exame superficial dos factos praticados, como prolonga no tempo o início do prazo de prescrição do procedimento criminal, dado que esta apenas inicia com o último facto praticado (cf. art. 119.º, n.º 2, al. b), do CP).

      Tratando-se no presente caso de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da liberdade sexual protegido pelo crime de violação, logo por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, não podemos concluir estarmos perante um caso subsumível à figura do crime continuado. Trata-se sim de uma sucessão de crimes.

      É com base nesta ideia de sucessão de crimes idênticos contra a mesma vítima, e num certo e delimitado período temporal, que o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que estamos perante o que vem designando de “crime de trato sucessivo”.

      A jurisprudência, seguindo as pisadas da jurisprudência alemã que construiu o crime continuado por dificuldade de prova, acaba por unificar, à margem da lei, várias condutas numa única, considerando que há uma unidade de resolução (que abarca todas as resoluções parcelares que ocorrem aquando da prática de cada sucessivo ato integrador de um tipo legal de crime), mas em que, à medida que se prolonga no tempo, produz uma agravação da culpa do agente.

       Porém, a caracterização do crime como prolongado depende de a conduta legal e tipicamente descrita se poder considerar como sendo uma conduta prolongada - ora, a conduta, por exemplo, do crime de violação, ainda que este seja repetidos inúmeras vezes, está limitada temporalmente; os atos consubstanciadores da violação ocorrem num certo período e quando sucessivamente repetidos constituem sucessivamente atos diferentes e autónomos crimes de violação.

      Ainda que as condutas criminosas estejam próximas temporalmente, ou sejam sucessivas, não podemos considerar estarmos perante um único crime. A punição de uma certa conduta a partir da reiteração ou da sua prática habitual, sem possibilidade de análise individual de cada ato, apenas decorre da lei, ou dito de outro modo, do tipo legal de crime. Unificar diversos comportamentos individuais que têm subjacente uma resolução distinta, sem que a lei tenha procedido a essa unificação, constitui uma clara violação do princípio constitucional da legalidade, e, portanto, uma interpretação inconstitucional do disposto no art. 164.º, do CP.

      Estaremos perante um crime de violação sempre que se ofenda o bem jurídico da liberdade sexual, sempre que o novo ato constitua um novo constrangimento da vítima, sempre que se a vítima tenha sido novamente obrigada, novamente ameaçada, constrangida, violentada.

       Enquanto se mantiver a legislação que temos cabe fazer a prova do maior número possível de atos individuais, devendo ser excluídos, em nome do princípio in dubio pro reo, aqueles cuja prova se não consegue obter de forma segura.

       Estando provados os diversos atos individuais que integram o crime de violação agravada, deverá o arguido ser punido segundo as regras do concurso de crimes, e em matéria de determinação da pena segundo o estabelecido no art. 77.º, do CP”.

      No acórdão de 9 de Novembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1, em causa estava a pretensão de unificação dos oito crimes de roubo qualificado na figura da continuação criminosa. 

      Foi ponderado: “A figura do crime continuado supõe actuações diversas, reiteração de condutas, situações que se repetem em função da verificação de determinados quadros factuais, proximidade temporal das condutas parcelares. A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, deve ser executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

      No caso presente em todas e cada uma das condutas houve o renovar da resolução criminosa, o que afasta a unificação.

       No caso concreto, dirigindo-se as oito condutas contra diversos oito titulares dos bens jurídicos pessoalíssimos da liberdade individual de acção e de segurança, como efectivamente aconteceu neste caso, está excluído o crime continuado por falta de identidade do bem jurídico afectado, não se podendo reconduzir a pluralidade à unidade”.

      No acórdão de 5 de Abril de 2017, por nós relatado no processo n.º 25/16.4PEPRT.P1.S1, versando burla qualificada, consta a págs. 108, 112 e 130-140:

       “Ressalta do acervo de condutas narradas que foi o próprio arguido que criou as condições para a prática dos vários actos, procurou e renovou a prática das condutas.

O recorrente utilizou o mesmo tipo de artifício em momentos distintos, actuando perante ofendidos distintos, como na situação apreciada no acórdão de 13-12-2007, processo n.º 3749/07-3.ª, supra referenciado a págs. 120.

O recorrente, activamente, procurou, provocou as ocasiões; persistiu, manifestando predisposição para a sucessão de crimes.

Concluindo: não há lugar a unificação das condutas na figura da continuação criminosa, mantendo-se o concurso real afirmado na primeira instância.

       Improcede, pois, a pretensão do recorrente sintetizada na conclusão 2.ª”.


       Passando a outra forma de unificação.


     A figura do crime único, de trato sucessivo.


     Na Doutrina, a propósito de unificação de conduta, pode ler-se em Hans Heinrich Jescheck, Tratado, Parte General, 4.ª edição, pág. 648: “Deve ter-se por verificada uma acção unitária quando os diversos actos parcelares correspondem a uma única resolução de vontade e se encontrem tão vinculados no tempo e no espaço que para um observador não interveniente são tidos como uma unidade”.


      Para Eduardo Correia, Unidade e pluralidade de infracções, pág. 96: “É decisiva a conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente e que funda o critério de definição da unidade ou pluralidade de infracções”.


      Uma das primeiras abordagens em favor da tese da verificação de um único crime foi efectuada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1993, publicado na CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 220, o qual, proferido no recurso n.º 42290, versou sobre caso de crime de falsificação e contrafacção de moeda, e caracterizando-os como crime exaurido, a propósito da distinção entre crime único, crime continuado e acumulação de infracções, refere-se: “No domínio da matéria das resoluções criminosas, há que distinguir entre o propósito de cometer um acto criminoso concreto e o de cometer um determinado tipo de crime, que se possa consubstanciar em múltiplos actos de execução, relativamente aos quais possa existir a formulação de propósitos parcelares de conduta regidos por considerações especiais de oportunidade, ou de necessidade, ou conveniência (…). Condutas desse tipo, que correspondem psicologicamente ao desenvolvimento de diferentes intenções, são consideradas como manifestações prolongadas no tempo de um dado e único processo volitivo dinâmico, formado pelo somatório das diferentes resoluções parcelares”.

      E conclui que “nesta medida, as actuações dos arguidos, respeitantes à contrafacção das notas de 5000 pesetas, têm de ser consideradas como correspondentes à prática de actos de execução do mesmo e único crime, o qual terá, assim, uma natureza próxima da do crime de execução permanente”.

      Esta qualificação surge com alguma frequência em casos de tráfico de estupefacientes por constituir um crime de mera actividade, em que está contida uma certa ideia de actividade, que se prolonga necessariamente no tempo, como ocorre com os acórdãos de 27-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 315; de 22-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 114, definindo o crime de tráfico de estupefacientes como de trato sucessivo; de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 283, do mesmo relator do anterior, afastando igualmente a figura do crime continuado; de 18-04-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 170, onde se refere que o crime exaurido é “uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única”, isto é, “aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a continuação da mesma, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal. Relativamente a tais crimes, os diversos actos constitutivos de infracções independentes e potencialmente autónomas podem, em diversas circunstâncias, ser tratados como se constituíssem um só crime, por forma que aqueles actos individuais fiquem consumidos e absorvidos por uma só realidade criminal. Cada actuação do agente no crime exaurido traduz-se na comissão do tipo criminal, mas o conjunto das múltiplas actuações reconduz-se à comissão do mesmo tipo de crime e é normalmente tratada unificadamente pela lei e pela jurisprudência como correspondente a um só crime”. (O conceito foi retomado pelo mesmo Relator do anterior no acórdão de 18-06-1998, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 167, se bem que aqui olhado mais na perspectiva da unificação da conduta plural, abarcando a extensão do período temporal de conexão entre comportamentos protraídos em determinado lapso de tempo. Aí se diz: “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido no sentido de que a condenação de alguém pela prática de tal crime, referida a um determinado período, corresponde a uma apreciação global da sua actividade delituosa durante esse período, independentemente da falta de consideração de algum ou alguns factos parcelares praticados durante essa época. Outros factos desse crime, praticados durante esse período, apesar de não conhecidos ou considerados na condenação anterior estão abrangidos pelo caso julgado que ela formou”; de 29-09-1999, BMJ n.º 489, pág. 109 - apontava como dominante a corrente jurisprudencial do STJ que considerava o tráfico de estupefacientes, não como uma situação de crime continuado (ou de concurso real), mas como um crime de trato sucessivo, citando os referidos acórdãos de 1995 e ainda os de 18-09-1997, processo n.º 466/97; de 20-01-1998, processo n.º 1172/97 e de 26-02-1998, processo n.º 687/97; de 08-02-2007, processo n.º 4460/06-5.ª Secção: “O crime de tráfico de estupefacientes vem sendo considerado pela jurisprudência como um crime de trato sucessivo, desse modo se unificando o conjunto das múltiplas acções praticadas pelo agente”; de 17-12-2009, processo n.º 11/02.1PECTB-5.ª.

     A conduta plúrima é ainda considerada como crime único nos acórdãos de 19-04-2006, processo n.º 773/06-3.ª; de 12-07-2006, processo n.º 1709/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 239 (crime de tráfico de estupefacientes concebido na sua natureza como crime de trato sucessivo, de execução permanente, crime exaurido ou delito de empreendimento – “o conjunto das múltiplas acções unifica-se e é tratado como tal pela lei e pela jurisprudência”); de 31-01-2008, processo n.º 1411/07-5.ª Secção. 

     A conduta múltipla é ainda considerada como crime único, sendo a reiteração de conduta analisada à luz do caso julgado, nos acórdãos de 22-05-2002, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 209; de 14-01-2004, processo n.º 3677/03-3.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 164 e de 2-04-2008, processo n.º 4197/07, por nós relatado.


      O crime único, de trato sucessivo, nos crimes sexuais

     Em alguns casos, as condutas de abuso sexual de criança têm sido enquadradas na figura do crime único, ou de crime único de trato sucessivo, entendendo-se haver lugar a uma unificação de condutas ilícitas sucessivas, desde que essencialmente homogéneas e temporalmente próximas, quando existe uma mesma, uma só resolução criminosa, desde o início assumida pelo agente.

      É essa unidade de resolução, a par da homogeneidade de actuação, e da proximidade temporal, que constitui a razão de ser da unificação dos vários actos sucessivos num só crime. O dolo do agente abarca ab initio uma pluralidade de actos sucessivos que ele se dispõe logo a praticar, para tanto preparando, se necessário, as condições de realização, estando-se no plano da unidade criminosa; a reiteração, revelando uma resolução determinada e persistente do agente, traduz uma culpa agravada.

     Há um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal, configura o trato sucessivo.

    

      Assim foi entendido nos seguintes acórdãos: 


     Acórdão de 02-10-2003, processo n.º 2606/03-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 194 - Num quadro factual em que se entende haver uma conexão temporal unificadora, susceptível de integrar um único crime, se o arguido ganha a confiança dos pais de um menor de 9 anos de idade, carenciados economicamente, convence-os a deixarem o menor viver consigo e depois, ficando com o menor em sua casa e à sua guarda, obriga-o a dormir na cama com ele, todas as noites e, depois, reiteradamente, força-o a manter relações sexuais durante cerca de um ano.

     Na primeira instância o arguido fora condenado pela prática de um crime continuado de coacção sexual agravado, em concurso real com um crime de violação agravado, e em cúmulo na pena única de 12 anos de prisão.

     No STJ entendeu-se que o arguido cometeu um único crime, de trato sucessivo, e não um crime continuado, de violação agravada, ou seja, um dos crimes por que estava condenado, e manteve a condenação na pena de 12 anos de prisão, dizendo o acórdão:

     “Não houve crime continuado, pois que, embora se tenha dado a realização plúrima de dois tipos de crime que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico, executados por forma essencialmente homogénea e no quadro da mesma solicitação, a solicitação não foi “exterior”, mas cuidadosamente “providenciada “ pelo arguido. Por isso, não há qualquer diminuição da culpa que está na base do crime continuado. Antes pelo contrário!”.

     No que respeita ao novo enquadramento, explicita o acórdão: “Não há nesta requalificação jurídica dos factos qualquer atentado aos direitos de defesa do arguido ou ao princípio da reformatio in pejus, pois o recorrente foi condenado por dois crimes continuados de coacção sexual agravada e de violação agravada e este Supremo Tribunal entende que há um único crime de violação agravada, ou seja, um desses crimes por que estava condenado, com a única diferença que este abarca toda a situação factual em causa”;

     No acórdão de 29-03-2007, processo n.º 1031/07 - 5.ª Secção - O tribunal recorrido integrou os factos num crime de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º e 172.º, n.º 2, do Código Penal, enquadramento jurídico não questionado pelo recorrente, mas entendeu o STJ que mais correcto teria sido considerar os vários actos criminosos apurados como constituindo um único crime de trato sucessivo e não como um crime continuado.

     Acentua que “No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem”.

     Conclui: “Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, deve ficar, no entanto, o reparo”.

     No acórdão de 17-05-2007, processo n.º 1133/07 - 5.ª Secção – em caso em que ficou apurado que o arguido por várias vezes abusou sexualmente de uma criança de 13 anos de idade, o tribunal recorrido integrou os factos num crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º e 172.º, n.º 2, do CP, mas, embora não tenha sido questionado o enquadramento jurídico, entendeu o STJ configurar-se mais correcta a qualificação dos vários actos criminosos apurados como constituindo um único crime de trato sucessivo e não como um crime continuado.

     Respiga-se do acórdão: “Apurando-se que o arguido por várias vezes abusou sexualmente de uma criança de 13 anos de idade, embora não tenha sido questionado o enquadramento jurídico dos factos, que o tribunal recorrido integrou num crime de abuso sexual de criança, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º e 172.º, n.º 2, do CP, configura-se mais correcta a qualificação dos vários actos criminosos apurados como constituindo um único crime de trato sucessivo e não como um crime continuado

     No crime continuado há uma diminuição de culpa à medida que se reitera a conduta, mas não se vê que tal diminuição exista no caso do abuso sexual de criança por actos que se sucedem no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da culpa parece aumentar à medida que os actos se repetem.

     Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, fica, no entanto, o reparo”.

     Segundo o acórdão de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220 - Comete um crime único, de trato sucessivo, aquele que, desde data não concretamente apurada, mas ao longo de três anos, decidiu manter e manteve com a menor, ao longo desse período, condutas de natureza sexual. 

     No caso do acórdão de 23-01-2008, processo n.º 4830/07-3.ª Secção, trata-se de um exemplo híbrido, de concurso real de dois crimes, abrangendo várias condutas com a mesma menor, sendo um mais grave, autónomo, e depois, três condutas diferentes daquela são unificadas na figura de trato sucessivo.

     Referindo que o aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia, exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado, afasta esta qualificação e considera a verificação de dois crimes de abuso sexual de criança (filha) agravados, em concurso real, sendo o primeiro constituído por uma conduta isolada e o segundo consistente nas diversas três acções sucessivamente praticadas pelo arguido em dias diferentes, mas não podendo estas três condutas ser unificadas em termos de continuação criminosa, entende-se poderem sê-lo como crime de trato sucessivo, que se caracteriza “pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime”. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respectiva ilicitude.

    O relator defende a qualificação como crime de trato sucessivo no voto de vencido aposto no acórdão de 14-05-2009, processo n.º 36/07-5.ª Secção, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 221, em que fez vencimento, pelas suas “especiais circunstâncias” o enquadramento como crime continuado por cada uma das vítimas, afirmando então “Sem dúvida que há um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas e essa unidade de resolução, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal, configura o trato sucessivo”.

     No texto do acórdão, após frisar que se tratava de uma situação peculiar, afirma-se que “a maioria dos abusos sexuais de menores são praticados sobre vítimas «indefesas», que são violentadas física ou psicologicamente, pelo que o STJ tem muitas vezes entendido que, em regra, existe um agravamento de culpa por cada um dos crimes cometidos, incompatível com o crime continuado. Por isso, nesses casos, tem-se considerado que há um único crime de trato sucessivo (que a moldura penal permite graduar de forma mais intensa) e não um crime por cada contacto sexual”, acrescentando “Mas não neste caso particular, pelas suas especiais circunstâncias”.

     No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1-3.ª Secção, com o mesmo Relator do acórdão de 23-01-2008, em caso de concurso real de três crimes do artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal, em quadro factual em que três menores foram abusados por diversas vezes, e por diversos modos, foi considerada a verificação de um crime por cada um dos três menores abusados, com pena única reduzida para 6 anos de prisão.

     No acórdão de 07-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABF-5.ª Secção, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 176, na primeira instância o arguido fora condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, tentado e um outro na forma consumada, com penas de 2 e 6 anos, e em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão.

     O Tribunal da Relação de Évora considerou verificar-se um único crime consumado e condenou o arguido em 6 anos e 6 meses de prisão.

      O STJ afasta a qualificação de crime continuado e pela prática de um só crime de abuso sexual de criança, fixa a pena em 6 anos de prisão.

      Afasta a continuação, citando o acórdão de 5-12-2007, processo n.º 3989/07-3.ª, dizendo: “Quando a repetição do mesmo crime e a utilização de procedimento idêntico num quadro temporal circunscrito resulta de uma predisposição do agente, de uma persistência de propósitos de modo a levar a conduta até ao fim, ou de oportunidades, condições para a prática de vários actos, que ele próprio cria, está afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, por que se trata de culpa agravada, não atenuada”. 

    No acórdão de 20-01-2010, processo n.º 19/04.2JALRA.C2.S1-3.ª Secção, afirma-se que não é de excluir nos crimes sexuais a continuação criminosa, mas sempre que mais do que a um momento exterior ao agente, condicionante da prática do crime, se prove que a reiteração, menos que a tal disposição, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do agente não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica excluída a figura da continuação, sendo o crime único punido com 8 anos de prisão.

    Do acórdão de 29-11-2012, processo n.º 862/11.6TDLSB.P1.S1 - 5.ª Secção, que entendeu, com um voto de vencido, verificar-se crimes de trato sucessivo, também chamados crimes prolongados, protelados, protraídos, ou exauridos, respiga-se o seguinte (o negrito é nosso):

“I - Quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem.

II - O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “atividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de “atividade criminosa”, o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante 1 ano, recebendo do «fornecedor» pequenas doses de cada vez, praticou, «pelo menos», 200, 300 ou 365 crimes de tráfico [o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, “imaginativa”] ou se praticou um único crime de tráfico, objetiva e subjetivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a atividade.

III - A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime – tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido.

IV - Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, da dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem.

V - O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

VI - Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.

VII - Tendo em atenção que os factos se devem agrupar em 3 crimes de trato sucessivo, como se explicou, vejamos como agrupá-los: - factos de 1999 a 2000: (…) - factos de 2003 a 2004 (entre os 13 e 14 anos da menor B), (...) - factos de 2009 (…).

VIII - Considera-se, em suma, que o arguido cometeu 3 crimes de violação agravada, de trato sucessivo, p. p. nos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 6, do CP (cujas redações atuais foram conferidas pela Lei 65/98, de 02-09, anterior, portanto, aos factos em apreço)”.

       Este acórdão foi invocado no acórdão recorrido, a fls. 848/9.

      Do voto de vencido retira-se este passo: “(…) Quanto ao número desses crimes, manteria a decisão recorrida, que considerou haver o recorrente praticado: 20 crimes de abuso sexual de crianças agravados p. e p. pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP (…) 2 crimes de abuso sexual de menor dependente agravados p. e p. pelos arts. 172.º, n.º 1, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP (…) 6 crimes de abuso sexual de crianças agravados p. e p. pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, e 177.º, n.º 1, alínea a), do CP (…). Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constitui um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um «todo», em si mesmo, um autónomo facto punível. (…) E, em cúmulo jurídico, fixaria a pena única de 13 anos de prisão.”.     


     A solução do concurso efectivo de crimes

     

     Em nota introdutória, dir-se-á que muitas das vezes, neste campo, o Supremo Tribunal de Justiça é confrontado com concretas situações processuais, definidas em determinados sentidos, por, pura e simplesmente, não terem merecido a impugnação do Ministério Público e/ou do (a) assistente(s).

     Trata-se do exercício ou não exercício de uma faculdade de intervenção oficiosa, não vedada ao STJ para exercer o supremo poder de dizer o direito, procedendo a alteração da qualificação jurídica, até em função de jurisprudência fixada pelo Assento n.º 4/95, de 7 de Junho de 1995, Diário da República, 1.ª Série, de 6 de Julho de 1995 (O tribunal superior pode em recurso alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus), muito embora sem consequências punitivas em obediência ao princípio da proibição da reformatio in pejus. Como aconteceu nos acórdãos de 29-10-2008, processo n.º 2869/08-5.ª Secção, de 13-03-2019, processo n.º 3910/16.0T9PRT.P1,S1-3.ª Secção e de 27-03-2019, processo n.º 134/15.7T9VPV.L1.S1-3.ª Secção.

     Noutros casos, entendeu não poder corrigir in pejus a qualificação jurídica, sem deixar de fazer o reparo, como nos acórdãos de 29-03-2007, processo n.º 1031/07 e de 17-05-2007, processo n.º 1133/07, ambos da 5.ª Secção, onde se consigna: “Não podendo este Supremo corrigir in pejus a qualificação jurídica do colectivo relativa à existência de um crime continuado, pois o recurso é do arguido e em seu benefício, deve ficar, no entanto, o reparo”.

   De forma semelhante, o acórdão de 12-06-2013, processo n.º 1291/10.4JDLSB.S1-5.ª Secção, manteve a subsunção das condutas a crimes de trato sucessivo, pois a questão não integrava o objecto do recurso. A primeira instância, com base no entendimento de que, no caso, não se verificava uma diminuição sensível da culpa do arguido, rejeitou a subsunção dos comportamentos à figura do crime continuado, sustentando a tese do crime de trato sucessivo – um crime de abuso sexual de criança de trato sucessivo, um crime de gravações e de fotografias ilícitas de trato sucessivo e um crime de pornografia de menores de trato sucessivo.

      O acórdão de forma crítica não deixou de anotar que a questão “era passível de gerar controvérsia”, citando Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2010, nota 32, pág. 162 e afirmando: “A Lei n.º 40/2010, de 3-09, ao alterar a redacção do n.º 3 do artigo 30.º do CP que foi introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4-09, ditou a sentença de morte do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”.

       Como se escreveu no acórdão de 30-09-2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.S1: “Antes de avançarmos, dir-se-á que neste plano do tratamento subsuntivo há que ter em atenção que muitas das vezes, a qualificação jurídica não é questionada pelo recorrente, o que bem se compreende nos casos em que beneficia da opção tomada na condenação, como acontece com o crime continuado.

     Nesses casos o objecto do recurso cinge-se à medida da pena.

      Acresce que raramente o Ministério Público questiona a qualificação jurídica.

      Por outro lado, as soluções jurisprudenciais têm muitas vezes a ver com a circunstância de o Supremo Tribunal de Justiça entender ser de intervir oficiosamente ou não em sede de qualificação jurídica.

     Não intervindo, analisando apenas as questões que integram o âmbito do recurso, subsistem as figuras do crime de trato sucessivo ou de crime continuado assumidas na primeira instância.

      Intervindo de modo oficioso e operando a alteração, fica o registo da intervenção, mas necessariamente sem reflexos na aplicação da pena, face ao disposto no artigo 409.º do Código de Processo Penal.”.


     Este Supremo Tribunal tem optado pela subsunção da pluralidade de condutas, no plano dos crimes contra a autodeterminação sexual, na figura do concurso efectivo de crimes, em vários acórdãos, afastando a configuração de tais situações nos restantes quadros reguladores possíveis, como no crime continuado, no crime único, ou ainda no registo de crime de trato sucessivo, de que se apontam como exemplos os seguintes acórdãos:

de 12-01-1994, processo n.º 45725- 3.ª Secção, in CJSTJ 1994, tomo 1, págs. 190/2 -  Em caso de violação, por parte de um homem casado, com cinco filhos a seu cargo, que se aproveita da inocência de uma criança de 7 anos incompletos, que estava confiada aos seus cuidados, considera-se que “se a conduta do agente nos revela que em cada actuação houve um renovar da sua resolução criminosa, estamos perante a prática de vários crimes, excepto se esse renovar do propósito criminoso for devido a uma situação exterior ao agente que facilite a renovação da resolução dentro de uma certa conexão temporal, tudo a revelar diminuição da culpa, caso em que se perfila a figura do crime continuado.

     Tendo sido provado que após ter esfregado o seu pénis erecto na vagina da ofendida até ejacular, o arguido voltou, nas mesmas circunstâncias, a esfregar o pénis na vulva da menor, até mais uma vez, ejacular, fica assente uma pluralidade de resoluções criminosas, tendo sido condenado por dois crimes de violação, com 3 anos de prisão por cada um deles, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, sendo então, afastada, ope legis, a possibilidade de suspensão da execução da pena.

de 9-11-1994, processo n.º 47.275- 3.ª Secção, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 248 – Em caso em que a primeira instância considerou a presença de crime continuado, diz o acórdão: “Sendo a matéria de facto omissa de qualquer circunstancialismo externo que se possa considerar como redutor de culpa, haveria tantos crimes de atentado ao pudor quantos os actos de impudícia por ele praticados sobre as duas crianças”.

     Prossegue, afirmando: “Mas não vale a pena prosseguir neste discretear, uma vez que a questão levantada excede o âmbito do recurso no qual a mesma não se contém”.

de 17-10-1996, processo n.º 568/96, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 170 - Afasta a figura do crime continuado em caso de dois episódios de atentado ao pudor à mesma menor, afirmando a existência de concurso real entre o crime de violação e os dois crimes de atentado ao pudor de que foi vítima uma menor, por estarem em causa crimes autónomos, por serem diversos os interesses jurídico-penais neles protegidos, concluindo: “ (…) dos factos provados não resulta que a reiteração criminosa tenha sido fruto mais de uma facilitada situação exterior (circunstâncias exógenas) do que de motivos endógenos, relativos à personalidade do arguido. (Cita os acórdãos de 12-01-1994 e de 9-11-1994, supra referidos e de 09-05-1996, proferido no recurso n.º 40/96).

      Aí se pode ler que a continuação criminosa só poderá existir desde que ocorra uma pluralidade de resoluções levadas a cabo por forma essencialmente homogénea, em condições que diminuam consideravelmente a culpa, decorrente de uma situação exterior que facilitou a reiteração.

de 10-12-1997, processo n.º 1192/97 -3.ª Secção, SASTJ n.ºs 15 e 16, volume II, pág. 204 - Em caso de crime de homossexualidade com menores, pronunciava-se no sentido de ser de concluir pela existência de concurso real de crimes quando as circunstâncias exógenas ou exteriores não surgem por acaso, em termos de facilitarem e arrastarem o agente para a reiteração da sua conduta criminosa, mas, pelo contrário, são conscientemente procuradas e criadas pelo agente para concretizar a sua intenção criminosa.     

de 19-05-2005, processo n.º 890/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 202 - Afasta a continuação criminosa em caso de crime de coacção sexual agravado, por se verificar, efectivamente, uma pluralidade de crimes, pois o agente teve que renovar de cada uma das vezes o processo de motivação e, em consequência teve que tomar resoluções distintas, presididas por intenções diferenciadas quanto à decisão de, através da violência forçar o menor a ter de suportar os actos de carácter sexual descritos na matéria de facto,  justificando: “No caso, a repetição das condutas proibidas pelo recorrente teve a ver apenas com circunstâncias próprias da sua personalidade e, por conseguinte, dignas de maior censura”.

de 15-06-2005, processo n.º  1558/05-3.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 2, pág.  216 - Considera que tendo o arguido praticado actos de natureza sexual com a menor sua filha, por três vezes, sempre num quadro que não favorece qualquer ideia de diminuição acentuada da culpa, antes renovando a intenção criminosa, não se verifica qualquer situação de crime continuado, mas sim a prática de tantos crimes quantas as vezes que reiterou na violação do tipo legal de ilícito – três crimes de abuso sexual de crianças agravado, p. p. pelos artigos 172.º, n.º 2 e 177.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

de 17-11-2005, processo n.º 2760/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 217 – Em causa dois crimes de abuso sexual em que o abusador é pai da ofendida, vítima por duas vezes de abusos sexuais – duas penas de 3 anos de prisão cada, sendo em cúmulo jurídico fixada a pena conjunta de 4 anos de prisão. 

de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242 - Em caso de crime de abuso sexual de crianças considera-se não merecer censura o afastamento da figura de crime continuado, corrigindo apenas o número de crimes cometidos, que é reduzido de 11 para 7 crimes (um deles agravado); só há crime continuado quando se verifica uma diminuição considerável da culpa do agente, que deriva de um condicionalismo exterior e como tal não produzido pelo agente, que propicia a repetição das várias acções criminosas, mediante um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade. 

de 05-09-2007, processo n.º 2273/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 189 - Afasta a continuação criminosa e opta pela punição pelo cometimento de 3 crimes de violação agravada, ponderando que a presença constante da menor no âmbito familiar do arguido não constitui qualquer lastro de afirmação de uma menor inibição de comportamentos delituosos com reflexos a nível da culpa e, por isso, é de afastar a continuação criminosa e de optar pela sua punição pelo cometimento de três crimes de violação (em hipótese de consunção com abuso sexual de criança) agravados.

de 16-01-2008, processo n.º 4735/07-3.ª Secção, com o Relator do anterior - Afasta a continuação, decidindo por concurso de dois crimes de violação – ponderando-se que não pode considerar-se que o facto de o arguido entrar com frequência na casa da ofendida ou de esta se encontrar isolada consubstancia o lastro de justificação de uma menor inibição de comportamentos com reflexo a nível de culpa. (No caso, com contornos especiais, com um voto de vencido, foi suspensa a execução da pena de 4 anos condicionada a pagamento de montante em que o arguido foi condenado por danos não patrimoniais).

de 3-09-2008, processo n.º 3982/07- 3.ª Secção – Caso de arguido condenado como autor de um crime de violação agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de violação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 2, alíneas b) e c), 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; de um crime de coacção sexual agravado, p. e p. pelos artigos 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão; e de três crimes de coacção grave, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes; e, em cúmulo, na pena única de 8 anos de prisão. Interposto recurso pretendia o arguido a unificação como crime continuado dos dois crimes de violação, não obtendo provimento.

de 01-10-2008, processo n.º 2872/08-3.ª Secção - Em caso de abuso de filhos pelo pai, afirma-se: sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado. (Acórdão seguido no acórdão de 19-03-2009, processo n.º 483/09-3.ª e no de 25-03-2009, proferido pelo mesmo relator do primeiro, no processo n.º 490/09-3.ª).

de 29-10-2008, processo n.º 2874/08-3.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 207 – Afasta a existência de situação de continuação criminosa em caso de violação e de abuso sexual de criança.

de 05-11-2008, processo n.º 2812/08-3.ª Secção, do mesmo Relator do acórdão de 1-10-2008, no mesmo sentido e afastando o n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal, dizendo que o preceito não possui um alcance inovador, que conduziria a um chocante e absurdo resultado de ter de ver-se o agente do crime, sobretudo no caso de as vítimas serem crianças ou mentalmente incapazes, justamente os mais indefesos da sociedade, punido, apenas, por um único crime quando sobre a vítima praticou vários, ofendendo o sentimento jurídico reinante no seio da comunidade, efeito ainda mais visível no caso de crianças vivendo sob o mesmo tecto do abusador, em que, em lugar de manter contenção e respeito sobre o seu  instinto sexual, aquele exerce acção infrene e, assim, mais censurável. A ser outra a interpretação, conducente a um efeito perverso, ter-se-ia que, em nome da justiça, da lógica e do mais elementar bom senso, atalhar o alcance de quem fez a lei, lançando-se mão de uma imperiosa interpretação restritiva.

de 19-03-2009, processo n.º 483/09-3.ª Secção; versando abuso sexual de crianças, afasta a figura do crime continuado, dizendo que o aditamento do n.º 3 ao artigo 30.º não permite uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito; ou seja, o aditamento não exclui, antes continua a pressupor, a verificação dos requisitos do crime continuado (segue de perto o acórdão de 1-10-2008).  

de 25-03-2009, processo n.º 490/09-3.ª Secção, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 237, ainda do mesmo Relator dos dois anteriores - Versando abuso sexual de menores, afirma que sempre que se comprove que a reiteração, menos que a disposição das coisas, fique a dever-se a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se numa atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado. No caso, na primeira instância o arguido fora condenado por sete crimes de abuso sexual de criança na pena de 6 anos cada e em cúmulo em 12 anos; a Relação condenou pela prática de um crime continuado em 9 anos de prisão; o STJ não subscreve tal entendimento e alterando a qualificação, considera repercutirem os factos descritos a prática de sete crimes de abuso sexual de criança, e não um único crime, na forma continuada, com pena de 5 anos por cada e fixando a pena única de oito anos de prisão (segue de perto o acórdão de 1-10-2008 do mesmo Relator).

Debita ainda no mesmo sentido do anterior sobre o alcance do n.º 3 do artigo 30.º do C. Penal, aditado pelo art. 1.º da Lei n.º 59/2007, dizendo que a alteração introduzida é pura tautologia, de alcance inovador limitado ou mesmo nulo, desnecessária, em nada prejudicando a jurisprudência sedimentada ao nível deste STJ; o aditamento não permite uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos, enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar uma interpretação sistemática e global do preceito (cita o acórdão de 8.11.2007, processo n.º 3296/07-5.ª Secção).

de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.C1.S1-3.ª Secção, CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 247 (do mesmo Colectivo do acórdão de 29-10-2008, processo n.º 2874/08-3.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 207) – Afastando a qualificação de crime continuado, confirma a verificação de concurso real de três crimes de abuso sexual de criança, reduzindo a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão para 8 anos de prisão.  

Pode ler-se no sumário: “Haverá um único crime, sempre que exista uma única resolução criminosa que domine uma acção unitária, ainda que seja reconduzível numa pluralidade de factos externamente separáveis, desde que estes se apresentem intimamente ligados no tempo e no espaço e dominados por aquela única resolução volitiva, tal sucedendo quando os actos sexuais adicionados surgirem na sequência da mesma resolução criminosa.

Mas já haverá um concurso de crimes, ainda que esteja em causa o mesmo ilícito e a mesma vítima sexualmente abusada, quando haja a reformulação do desígnio criminoso, surgindo este de modo autónomo em relação ao propósito criminoso anterior”.

de 07-01-2010, processo n.º 922/09.1GAABF.E1.S1-5.ª Secção, CJSTJ 2010, tomo 1, pág.176 - Na comarca o arguido fora condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças tentado e um outro na forma consumada, com penas de 2 e 6 anos, e em cúmulo, na pena única de 7 anos de prisão. O Tribunal da Relação de Évora considerou um único crime consumado e condenou em 6 anos e 6 meses de prisão. O STJ afasta a qualificação de crime continuado, entendendo que a conduta do arguido seria punida pela prática de um só crime de abuso sexual de criança consumado e não também, como na 1.ª instância, de um outro na forma tentada, fixando a pena em 6 anos de prisão.

    Afasta a continuação criminosa, dizendo: Quando a repetição do mesmo crime e a utilização de procedimento idêntico num quadro temporal circunscrito resulta de uma predisposição do agente, de uma persistência de propósitos de modo a levar a conduta até ao fim, ou de oportunidades, condições para a prática de vários actos, que ele próprio cria, está afastada a possibilidade de subsumir os factos ao crime continuado, por que se trata de culpa agravada, não atenuada.


     No acórdão de 13-07-2011, processo n.º 451/05.4JABRG.G1.S1, por nós relatado, na primeira instância, o Colectivo de Braga entendeu estar perante um concurso real de crimes e assim o arguido fora condenado por sete crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, do Código Penal, na pena única de oito anos de prisão.

     O Tribunal da Relação de Guimarães considerou estar-se perante um único crime de trato sucessivo de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo mesmo preceito, mas mantendo a pena de oito anos de prisão.

     No STJ foi reposta a qualificação da primeira instância, afastando-se a configuração das condutas provadas, quer como crime de trato sucessivo, quer a qualificação como crime continuado, por que pugnara o arguido no recurso.

    No acórdão de 12-07-2012, processo n.º 1718/02.9JDLSB.L1.S1, desta Secção, afastando o crime continuado, afirma-se: “A negação da possibilidade da continuação criminosa em função da existência de uma pluralidade de vítimas resulta da circunstância de cada bem jurídico eminentemente pessoal ter de ser entendido em concreto numa união incindível com o seu portador individual. O bem da vida, tal como o da autodeterminação sexual ou o próprio direito à integridade física, consubstamciam-.se nas pessoas concretas que se vêem diminuídas na sua dignidade ou integridade próprias que é totalmente distinta dos restantes. (Este acórdão é invocado no acórdão de 17-09-2014, relatado pelo mesmo Relator no processo n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1).

       No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, por nós relatado, na 1.ª instância o arguido acusado de 13 crimes de abuso sexual de criança, na sequência de alteração efectuada pelo Colectivo, foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. p. pelo artigo 171.º, n.º 2, do Código Penal.

      Na Relação, concedendo parcial provimento a recursos do Ministério Público e assistentes foi entendido verificar-se concurso real de 13 crimes de abuso sexual de criança, p. p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal.

       No STJ foi afastada a figura do crime continuado e de crime de trato sucessivo, rectificando-se para concurso efectivo de 12 (e não 13) crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 171.º, n.º 1, do Código Penal.

      No acórdão de 10-10-2012, processo n.º 617/08.5PALGS.E2.S1-3.ª Secção, é afastada a figura do crime continuado por estarem em causa bens eminentemente pessoais, considerando ainda que o crime continuado é de excluir, igualmente, sempre que a reiteração criminosa, menos que a uma disposição exterior, se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso, pois não pode falar-se aí de atenuação de culpa. Confirma a presença de 6 crimes de abuso sexual de criança na pessoa da menor J e de 5 crimes na pessoa da menor D.

      O acórdão de 22-01-2013, processo n.º 182/10.3TAVPV.L1.S1-3.ª Secção, afastando a figura do crime de trato sucessivo, afirma: “Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas, a existência de uma mesma resolução criminosa desde o início assumida pelo agente, a par da homogeneidade das condutas e da sua proximidade temporal. No caso, nenhum elemento da materialidade provada permite a redução do processo volitivo do arguido a uma linha uniforme sem qualquer fractura temporal”. 

      No acórdão de 14-03-2013, processo n.º 294/10.3JAPRT.P1.S1-3.ª Secção, foi confirmada a prática de 3 crimes de abuso sexual de crianças do artigo 171.º, n.º 2, do CP e 3 crimes de recurso à prostituição de menores do artigo 174.º, n.º 2, do CP, podendo ler-se no sumário: “Sempre que se prove que a reiteração do crime é devida a uma tendência da personalidade criminosa, menos que a uma disposição exterior das coisas, não pode falar-se em atenuação da culpa, pelo que fica excluída a continuação criminosa”.

     No acórdão de 8-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1-3.ª Secção é afastada a figura do crime continuado, estando em causa a prática ao longo de quatro anos, de 5 crimes de violação agravada, 8 crimes de coacção sexual agravada e 2 crimes de coacção gravada. Apesar da redução de penas cominadas relativamente a 4 dos 5 crimes de violação agravada, foi entendido manter intocada a pena conjunta de 13 anos de prisão.

     No acórdão de 17-09-2014, processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, o arguido a quem fora imputada a prática de um só crime de abuso sexual de criança agravado, após comunicação de alteração de qualificação jurídica foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos nos 1 e 2 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º, de 20 crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos nos 1 e 2 do artigo 171.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º, do Código Penal e de 20 crimes de abuso sexual com adolescente agravados, p. p. pelo artigo 173.º e alínea b) do n.º 1 do art.º 177.º, na pena única de 9 anos de prisão.

     O arguido interpôs recurso pedindo a integração da conduta num crime de trato sucessivo.

     O acórdão afastou a figura bem como do crime continuado, confirmando totalmente o decidido. “Inexiste o crime de trato sucessivo quando, embora haja homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que se desencadeia e autonomiza como tal”.

     No acórdão de 17-09-2014, processo n.º 67/12.9JAPDL.L1.S1-3.ª Secção – Convocado acórdão de 12-07-2012, proferido no processo n.º 1718/12.9JDLSB.L1.S1, do mesmo Relator, é afastada a existência de unidade resolutiva e consequentemente dum único crime, estando-se perante duas resoluções criminosas autónomas, dois crimes de abuso sexual de criança. Aí se lê: “A experiência e as leis da psicologia referem que, se entre diversos actos medeia um largo espaço de tempo, a resolução que inicialmente os abrangia a todos se esgota no intervalo da execução, de tal sorte que os últimos não são a sua mera descarga, mas supõem um novo processo deliberativo. Deve considerar-se existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique, entre as actividades efectuadas pelo agente, uma conexão de tempo tal que, de harmonia com a experiência e as leis psicológicas, se deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação”. Confirmada pena única de 9 anos de prisão.

      No acórdão de 22-04-2015, processo n.º 45/13.0JASTB.L1.S1-3.ª Secção, em caso em que a Relação, nas situações em que os ofendidos foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes, por ter entendido que a solução do trato sucessivo era a mais ajustada a situações como a presente, afirmou a sua discordância da qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo, aderindo à argumentação do acórdão de 17-09-2014, processo n.º 595/12.6TASLV.E1.S1-3.ª Secção supra referido. Conclui pela presença em concurso real dos crimes especificados no dispositivo da decisão da 1.ª instância, mas atendendo apenas às penas aplicadas no acórdão recorrido, por força da proibição estabelecida no artigo 409.º, n.º 1, do CPP.

     No acórdão de 17-06-2015, processo n.º 28/11.5TACVD.E1.S1- 3.ª Secção, é versado caso de arguido condenado pela prática de dois crimes de abuso de pessoa incapaz de resistência do artigo 165.°, n.º 2, do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão por cada um dos delitos; de um crime de coacção agravada dos artigos 154.°, n.º l, e 155.°, n.º l, alíneas a) e b), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

     O recorrente pede a subsunção na figura do crime continuado, sendo decidido inexistirem os pressupostos do crime continuado e confirmando o decidido.

      No acórdão de 30-09-2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.S1, entendeu-se estarmos perante um concurso real de crimes de abuso sexual de criança.

      No acórdão de 28-10-2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, foi considerado:

     “O arguido foi condenado, por acórdão do tribunal colectivo, pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, de trato sucessivo, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 171.º, n.º 1, 177.º, n.º 1, al. a) e 179.º, als. a) e b), do CP, na pena de 3 anos e 6 meses, pela prática de um crime de abuso sexual de criança agravado, de trato sucessivo, na forma consumada, p. e p. nos termos dos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2, 177.º, n.º 1, al. a) e 179.º, als. a) e b), do CP, na pena de 6 anos, um crime de violação agravada, na forma tentada, p. e p. nos termos do disposto nos arts. 22.º, n.ºs 1, 2, als. b) e c), 23.º, n.º 1, 164.º, n.º 1, al. a), 171.º, n.º 1, al. a), 6 e 7, 179.º, al. a) e b), do CP, na pena de 3 anos de prisão, um crime de coacção, na forma agravada, p. e p. nos termos dos arts. 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, als. a) e b), do CP, na pena de 1 ano e, em cúmulo jurídico, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão.

     O STJ pode intervir ex officio na fixação da matéria de facto, podendo inclusive, alterá-la, se dispuser dos elementos imprescindíveis para a modificação, porque disponíveis, por exemplo, em sede de prova vinculada, ou na hipótese contrária, determinar o reenvio para remediar os vícios de confecção do texto, de forma a evitar decisões falhas ou insuficientes de fundamentação, ou incongruentes, em contradição e em desarmonia com o texto e contexto global, mal pareceria, mas mais do que isso, mal seria, que não pudesse intrometer-se no decisivo campo da matéria de direito, que, reconhecidamente, é o seu.

     A não ser assim, colocar-se-ia a questão de saber como reconhecer ao STJ uma possibilidade de intervenção no campo temático da matéria de facto e não reconhecê-la, depois a jusante, exactamente no campo de intervenção própria. Assim, mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode, nem deve, o STJ dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, como tem sido decidido.

     A facticidade dada por provada alberga uma sucessão de condutas que se prolongam ao longo de cerca de 8 anos, iniciando-se a partir dos 7 anos da vítima, nascida em 11-12-1998, concretamente tendo início a partir de 11-12-2005 e prolongando-se até 31-12-2013, com um hiato na parte final dos 8 anos de idade da vítima e durante os seus 9 anos de idade, em virtude da acção interventiva do tribunal, actuando no plano da jurisdição de menores. Assim, a actividade do arguido (pai da vítima) subsequente à intervenção do tribunal constitui uma resolução criminosa diversa da inicial, pelo que, o mesmo praticou dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP.

     Acresce que, na passagem para actos de sexo oral e depois anal a mudança é real e significativa, não se podendo defender que o procedimento é o mesmo mas adequado ou adaptado ao processo de crescimento e de desenvolvimento físico, corporal e sexual da menor, pelo que improcede a pretensão de redução a um único crime de abuso sexual de criança, agravado, de trato sucessivo, mantendo-se a condenação do recorrente pela prática dos dois crimes de abuso sexual por que foi condenado, incluindo as penas aplicadas, questionadas apenas no pressuposto da unificação criminosa pretendida.

     Face ao contexto do caso, encarado na sua globalidade, não se estando face a uma conduta isolada a um único crime, não será de optar, no que diz respeito ao crime de acto sexual com adolescente agravado, na forma tentada, pela aplicação de uma pena de multa. No caso estamos perante uma relação de concurso com outros 3 crimes em que estão fixadas, de forma definitiva, 3 penas de prisão, não fazendo sentido a imposição de pena de espécie diferente.

      No acórdão recorrido a moldura do concurso era de 6 anos a 13 anos e 6 meses de prisão, tendo sido fixada a pena conjunta de 9 anos e 6 meses de prisão. Atenta a implosão da pena de 3 anos de prisão aplicada pelo crime de violação agravada na forma tentada e sua substituição pela de 1 ano de prisão agora aplicada, há que reformular o cúmulo, sendo a moldura a ter em conta de 6 anos a 11 anos e 6 meses de prisão.

No acórdão de 4-01-2017, proferido no processo n.º 713/11.1GASXL.S1, em que interviemos como adjunto, o arguido foi condenado por quatro crimes de abuso sexual de crianças, tendo os menores 9, 10, 10 e 12 anos, sendo mantidas as penas parcelares de 2 anos, 4 anos, 4 anos e 4 anos de prisão e a pena única de 8 anos de prisão.

De acordo com o acórdão de 26-01-2017, processo n.º 276/15.9JALRA.E1.S1 – 5.ª Secção “A tese que admite a figura do trato sucessivo no crime de violação de menor, tem um cunho pragmático, visa dar resposta a situações de violação ou abuso sexual de crianças ou de menores dependentes caracterizadas pela sua repetição, muitas das vezes temporalmente indefinidas e unificadas por uma mesma resolução criminosa e proximidade temporal e cuja reiteração encerra uma culpa agravada.

     A posição que rejeita a figura do trato sucessivo considera que a estrutura típica desses tipos de ilícito não pressupõe tal reiteração, com eles se não pretendendo punir uma actividade, pelo que, no caso de violação plúrima do mesmo tipo legal de crime, a condenação reporta-se à pluralidade de crimes, a punir com referência às regras do concurso, em ordem ao disposto no n.º 1 do art. 30.º do CP.

   Independentemente da pureza do carácter extremado dessas posições, no caso que nos ocupa, o arguido não levou a cabo o seu propósito criminoso no quadro de uma mesma resolução criminosa ou de um dolo inicial, na medida em que o primeiro episódio de violação da menor ocorreu a 26-07-2013 e, não obstante a matéria de facto provada ter referido que a partir de então se sucederam outras vezes, "com frequência quase diária", logo se concretizaram as demais, como uma segunda vez, a 29 desse mês e ano, tinha então ela, uma e noutra situação, 12 anos de idade e uma terceira e quarta a 07-07-2015 e uma quinta vez a 08-07- 2015, então já com 14 anos de idade, daqui resultando que o arguido, em vez de 2 crimes de violação agravada, ainda que de trato sucessivo, cometeu 5 desses crimes, por tantas terem sido as vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela sua conduta (art. 30.º, n.º 1, do CP). Dois desses crimes são os previstos nos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 6, do CP, na redacção da Lei 59/2007, de 4-09 e puníveis com a pena de 4 anos e 6 meses a 15 anos, de prisão, e os outros três são os previstos nos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 5, do CP, na mesma redacção, puníveis com a pena de 4 anos a 13 anos e 4 meses de prisão.

     A qualificação por estes crimes pressuporia uma alteração da qualificação jurídica, o que demandaria, contudo, penas parcelares em maior número que as duas condenações impostas em trato sucessivo e, assim, por via do maior agravamento do respectivo somatório, uma pena conjunta necessariamente mais elevada do que a que foi cominada no acórdão recorrido, o mesmo é dizer que tal se traduziria numa reformatio in pejus que o n.º 1 do art. 409.º do CPP proíbe em absoluto.

      A pena única de 8 anos de prisão imposta (com 1 ano situado acima do limite mínimo dessa moldura) afigura-se adequada e proporcional à gravidade dos factos e à culpa do seu agente, sendo que é a proibição da violação do princípio da reformatio in pejus que impede que a diversa qualificação jurídica possa alterar, para mais, a medida dessa pena única”.

     No acórdão de 04-05-2017, processo n.º 110/14.7JASTB.E1.S1 – 5.ª Secção, consta do sumário:

      “Pronunciando-se sobre se “o STJ poderá ou não alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta erigiu a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior”, entendendo que o que “está em debate é a admissibilidade ou não da qualificação jurídica dos factos feita na instância em caso de recurso, quando a mesma qualificação não esteja em debate, ou seja, não constitua objecto de impugnação”, concluiu o STJ, e fixou jurisprudência, no acórdão 4/95, no sentido de poder conhecer oficiosamente da qualificação jurídico-penal dos factos. Por isto, entendemos que este STJ pode analisar, e eventualmente alterar, a qualificação jurídica dada aos factos provados, ainda que sempre com respeito pelo princípio da reformatio in pejus.

     No acórdão recorrido, considerou-se expressamente que terá havido uma pluralidade de resoluções criminosas, concluindo-se, no entanto, pela punição de apenas um crime de abuso sexual de criança e um crime de abuso sexual de menor dependente, com o argumento de que não foi possível proceder à quantificação do número de vezes que ocorreram os atos de abuso, ou seja, considerou-se que não havendo prova do número exato de atos realizados, apenas se condena por um, isto apesar de ter sido dado como provado que o “arguido manteve as descritas práticas sexuais com o ofendido RC, reiteradamente, ao longo dos anos, várias vezes por semana, mesmo depois do mesmo ter atingido a maioridade, mais concretamente, até ao dia ...05/2014” (facto provado 7).

    Tratando-se no presente caso de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da autodeterminação sexual da criança e do menor dependente logo por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, bem andou o acórdão recorrido que considerou não ser o caso dos autos subsumível à figura do crime continuado, ainda que o argumento utlizado para chegar a esta conclusão tenha sido tão-só o da existência de uma pluralidade de resoluções criminosas.

Devemos concluir que houve uma pluralidade sucessiva de crimes contra a autodeterminação sexual do ofendido praticados ao longo de um período excessivamente longo de tempo, cerca de mais de 10 anos — entre 2002/2003 (cf. facto provado 3) e até ....05.2014 (cf. facto provado 7).

Porém, é com base nesta ideia de sucessão de crimes idênticos contra a mesma vítima, e num certo e delimitado período temporal, que o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que estamos perante o que vem designando de “crime de trato sucessivo”, e por isso o acórdão recorrido acabou por condenar o arguido em apenas um crime de abuso sexual de criança e um crime de abuso sexual de menor dependente. Ou seja, a jurisprudência portuguesa, acaba por unificar, à margem da lei, várias condutas numa única, considerando que há uma unidade de resolução (que abarca todas as resoluções parcelares que ocorrem aquando da prática de cada sucessivo ato integrador de um tipo legal de crime), mas em que, à medida que se prolonga no tempo, produz uma agravação da culpa do agente.

O “crime de trato sucessivo” tal como tem sido caracterizado pela jurisprudência corresponde ao crime habitual, ou seja, “aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada, até ao ponto de ela poder dizer-se habitual” (Figueiredo Dias). No entanto, o entendimento de um crime como sendo crime habitual tem necessariamente que decorrer, atento o princípio constitucional da legalidade criminal (art. 29.º, n.º 1, da CRP), do tipo legal de crime previsto na lei.

Casos há em que não é possível apurar o número exato de condutas praticadas pelo arguido. Ou seja, sobra a pergunta: tendo conseguido a prova dos atos de abuso sexual, mas sem prova precisa do número de vezes e do momento temporal, o arguido deve ser absolvido dos crimes que praticou? Ou quantos crimes devem ser-lhe imputados? Enquanto se mantiver a legislação que temos, cabe fazer a prova do maior número possível de atos individuais, devendo ser excluídos, em nome do princípio in dubio pro reo, aqueles cuja prova se não consegue obter de forma segura.

     Considerando a inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade, subjacente ao entendimento de redução da prática de vários atos integradores de per si de vários crimes contra a autodeterminação sexual em um só crime, concluímos não ter matéria de facto provada suficiente para a decisão. Dado que do texto da decisão recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento.

     Lê-se no acórdão de 18-01-2018, processo n.º 239/11.3TALRS.L1.S1 – 3.ª Secção:

     “Alguma jurisprudência, nomeadamente o acórdão deste STJ de 29-11-2012, proferido no proc. 862/11.6TAPFR.S1, seguido no acórdão recorrido, tem vindo a considerar que, nos casos em que os crimes sexuais envolvem uma repetitiva actividade prolongada no tempo, tornando difícil e quase arbitrária qualquer contagem, se deve recorrer às figuras dos crimes “prolongados”, “protelados”, “protraídos”, “exauridos” ou “de trato sucessivo”, em que se convenciona que há só um crime, apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime, tanto mais grave, no quadro da sua moldura penal, quanto mais repetido.

      Seguindo outra jurisprudência do STJ, nomeadamente o acórdão de 06-04-2016, proferido no proc.19/15.7JAPDL.S1, não é possível concluir, perante a matéria de facto provada, que a conduta do recorrente se reconduz ao preenchimento, por uma única vez, do tipo de crime da previsão do art. 171.º, n.º 2, do CP.

     Os factos praticados, repetidos com regularidade, integram reiteradamente os elementos do tipo de ilícito consistentes em cópula, coito anal e coito oral, introdução vaginal e anal de partes de corpo, conferindo, assim, por si só, na sua enumeração cumulativa, concreta expressão ao elevadíssimo grau de ilicitude da conduta do recorrente.

     Por virtude da limitação imposta pelo princípio da proibição de reformatio in pejus, nos termos do disposto no artigo 409.º do CPP, uma vez que o recurso foi interposto somente pelo arguido, não pode este tribunal, modificar, na sua espécie ou medida, a sanção constante da decisão recorrida, o que significa que, no caso concreto, não poderá ser agravada a pena de 7 anos de prisão aplicada pelo tribunal da Relação, que assim se mantém”.

      No acórdão de 21-02-2018, processo n.º 1548/16.0JAPRT.P1.S1, da 3.ª Secção, foi ponderado:

   “Tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não contemplam aquela multiplicidade de actos semelhantes que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado.

    Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível.

   A actividade delituosa do arguido perdurou ao longo de mais de um ano, observando-se homogeneidade na execução dos crimes, com repetição do mesmo modo de actuação. Estão em causa crimes praticados contra 4 menores. A ilicitude global do comportamento do arguido é muito elevada. Pelo que, tudo ponderado não nos merece qualquer reparo a pena única de 10 anos de prisão fixada ao arguido.


     No sumário do acórdão de 22-02-2018, proferido no processo n.º 111/15.8T9PSR.S1 - 5.ª Secção, consta:

      “Estando em causa a realização de diversos actos lesivos de um bem jurídico pessoal – a autodeterminação sexual da menor – os mesmos não podem ser unificados sob a figura do crime continuado (desde logo por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP). Assim, o que existe é uma pluralidade sucessiva de crimes contra a autodeterminação sexual da ofendida praticados ao longo de um período de tempo longo – entre Dezembro de 2014 e até 17-03-2017.

     Do mesmo modo, também não podem todos aqueles actos que autonomamente integram um crime de abuso sexual de criança ser unificados sob aquela outra designação de crime de trato sucessivo. É com base na ideia de sucessão de crimes idênticos contra a mesma vítima, e num certo e delimitado período temporal, que o STJ, em alguma jurisprudência, considerou estarmos perante o que designou de “crime de trato sucessivo”, o que levaria à condenação do recorrente em apenas um crime de abuso sexual de crianças (agravado).

     A jurisprudência portuguesa, seguindo as pisadas da jurisprudência alemã que construiu o crime continuado por dificuldade de prova, acabou por unificar, à margem da lei, várias condutas numa única, considerando existir uma unidade resolutiva, sem que, todavia, haja uma diminuição da culpa, mas antes uma agravação da culpa do agente à medida (e na medida em) que a conduta se prolonga no tempo.

     É esta conduta prolongada, protraída, no tempo que levou à sua designação como crime prolongado, embora a caracterização do crime como prolongado dependa de a conduta legal e tipicamente descrita se poder considerar como sendo uma conduta prolongada – ora, a conduta do crime de abuso sexual de criança, ainda que este seja repetido inúmeras vezes, está limitada temporalmente; os actos consubstanciadores daquele abuso ocorrem num certo período e quando sucessivamente repetidos não constituem um mesmo crime de abuso sexual.

      Aquela ideia de sucessão de condutas que parece querer-se atingir com a designação de “trato sucessivo” implica necessariamente que haja uma sucessão de tipos legais de crime preenchidos e, portanto, segundo a lei, uma punição em sede de concurso de crimes. A unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada acto sexual de relevo, e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo, por não aplicação do regime do concurso de crimes. Unificar jurisprudencialmente várias condutas integradoras de tipos legais de crimes sexuais num único crime constitui uma clara violação do princípio da legalidade.

    Casos há em que não é possível apurar o número exacto de condutas praticadas pelo arguido. Ou seja, sobra a pergunta: tendo conseguido a prova dos actos de abuso sexual, mas sem prova precisa do número de vezes e do momento temporal, o arguido deve ser absolvido dos crimes que praticou? Ou quantos crimes devem ser-lhe imputados? Tantos quantos se consigam averiguar. De outra forma estaremos também aqui a dispensar a investigação de determinar o número exacto de actos singulares que foram praticados pelo arguido. Enquanto se mantiver a legislação que temos, cabe fazer a prova do maior número possível de actos individuais, devendo ser excluídos, em nome do princípio in dubio pro reo, aqueles cuja prova se não consegue obter de forma segura.

    Ficou provado que o arguido praticou diversos actos sexuais de relevo com a menor, entre Dezembro de 2014 e Março de 2017. Ainda que se diga que não é possível apurar o número de vezes que em cada semana tais práticas foram realizadas, no mínimo caberia fazer prova se teriam sido realizadas todas as semanas. Dado que do texto da decisão recorrida resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos do art. 410º, n.º 2, al. a), do CPP, determina-se o reenvio do processo para novo julgamento quanto ao referido.

     Não se mostra compreensível a decisão quando condenou o arguido pelo crime de violação, nos termos dos arts. 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b), ambos do CP, uma vez que, quer da matéria de facto provada, quer da matéria de facto não provada, nada resulta que nos permita concluir se o arguido actuou ou não “por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a [vítima] ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir”. Pelo que se conclui também aqui existir insuficiência da matéria de facto que nos permita concluir pelo preenchimento ou não do tipo legal de crime de violação. Pelo que se determina o reenvio dos autos para cabal esclarecimento”.


     No acórdão de 28-02-2018, processo n.º 128/17.8JAODL.S1 - 5.ª Secção, estando em causa a prática de 4 crimes de abuso sexual agravado, nos termos dos arts. 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, al. a), de 2 crimes de abuso sexual agravado, nos termos dos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. a), e de 4 crimes de abuso sexual de criança agravado, nos termos dos arts. 171.º e 177.º, n.º 1, al. a), todos do  Código Penal, sendo fixada a pena única de 11 anos de prisão, foi ponderado:

     “Tratando-se no presente caso de crimes contra bem jurídico eminentemente pessoal, como é o bem jurídico da autodeterminação sexual da criança logo por força do disposto no art. 30.º, n.º 3, do CP, bem andou o acórdão recorrido que considerou não ser o caso dos autos subsumível à figura do crime continuado. Devemos, assim, concluir que houve uma pluralidade sucessiva de crimes contra a autodeterminação sexual da ofendida, praticados nos anos de 2014, 2015 e 2016.

      É com base na ideia de sucessão de crimes idênticos contra a mesma vítima, e num certo e delimitado período temporal, que o STJ, em alguma jurisprudência, considerou estarmos perante o que designou de “crime de trato sucessivo”, o que levaria à condenação do recorrente em apenas um crime de abuso sexual de crianças (agravado).

     A jurisprudência portuguesa, seguindo as pisadas da jurisprudência alemã que construiu o crime continuado por dificuldade de prova, acabou por unificar, à margem da lei, várias condutas numa única, considerando existir uma unidade resolutiva, sem que, todavia, haja uma diminuição da culpa, mas antes uma agravação da culpa do agente à medida (e na medida em) que a conduta se prolonga no tempo.

     É esta conduta prolongada, protraída, no tempo que levou à sua designação como crime prolongado, embora a caracterização do crime como prolongado dependa de a conduta legal e tipicamente descrita se poder considerar como sendo uma conduta prolongada – ora, a conduta do crime de abuso sexual de criança, ainda que este seja repetido inúmeras vezes, está limitada temporalmente; os actos consubstanciadores daquele abuso ocorrem num certo período e quando sucessivamente repetidos não constituem um mesmo crime de abuso sexual.

     Aquela ideia de sucessão de condutas que parece querer-se atingir com a designação de “trato sucessivo” implica necessariamente que haja uma sucessão de tipos legais de crime preenchidos e, portanto, segundo a lei, uma punição em sede de concurso de crimes. A unificação de todos os crimes praticados em apenas um crime, quando o tipo legal de crime impõe a punição pela prática de cada acto sexual de relevo, e sem que legalmente esteja prevista qualquer figura legal que permita agregar todos estes crimes, constitui uma punição contra a lei, desde logo, por não aplicação do regime do concurso de crimes. Unificar jurisprudencialmente várias condutas integradoras de tipos legais de crimes sexuais num único crime constitui uma clara violação do princípio da legalidade.

      Consta do sumário do acórdão de 22-03-2018, proferido no processo n.º 467/16.5PALSB.L1-S1 - 5.ª Secção:

     “A jurisprudência do STJ, já antes maioritária, é presentemente praticamente unânime, ao afastar a figura de «trato sucessivo» dos casos de crimes contra a autodeterminação sexual do art. 171.º e 172.º, ambos do CPP.

      O crime de «trato sucessivo» trata-se de uma criação da doutrina e também da jurisprudência, fundamentalmente para abarcar as situações de reiteração de crimes iguais ou próximos, em que se não pode falar de uma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (art. 30.º, n.º 2, do CP). No art. 119.º, n.º 2, al. b), do CP alude-se aos “crimes habituais” e, ao nível processual, o art. 19.º, n.º 3, do CPP, ao falar de crime que se consuma por actos reiterados, pode estar a referir-se não só ao crime continuado como ao crime habitual. Assim a designação de «crime habitual» será preferível a «crime de unidade de valoração», «de trato sucessivo» ou de «actividade» ou «exaurido».

    A redacção dos arts. 171.º e 172.º, ambos do CP, não revela nada de que se possa retirar que se está perante um crime habitual. Caracterizar o comportamento delituoso como uma unidade criminosa, contraria a configuração que o tipo assumiu entre nós. Este não engloba, logo à partida, tanto a prática de um, como de mais actos criminosos. Mas além disso, essa seria uma postura que iria contra a vontade do legislador, claramente patente na nova redacção do art. 30.º, n.º 3, do CP”.

     Acórdão de 13-02-2019, processo n.º 3922/17.6JAPRT.S1-3.ª Secção, invocando a Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, incluindo as situações frequentes em que as crianças vivem em “família alargada”, por não se identificar uma tendência que deva conferir um efeito agravante à pluralidade de crimes, considera que a pena única é de fixar em 9 anos de prisão.

      Acórdão de 20-02-2019, processo n.º 234/15.3JAAVR.S1-5.ª Secção – O acórdão afasta a figura de trato sucessivo em caso de 1 abuso sexual de criança e 9 crimes de pornografia de menores agravado. Foi mantida a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

       Versando o trato sucessivo, disse o acórdão:

      “O chamado crime de trato sucessivo mais não é do que uma tentativa de ampliar a nossa construção jurídica do crime continuado, despojando-o da marca essencial que assume no nosso ordenamento jurídico-penal, que é a realização plúrima da acção típica no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (art. 30.º, n.º 2 do CP).

     A categoria de crime de trato sucessivo, não vem, com essa designação, contemplada na lei, que prevê o crime permanente [art. 119.º, n.º 2, al. a), do CP], o crime continuado [arts. 119.º, n.º 2, al. b), 30.º, n.ºs 2 e 3, e 79.º] e o crime habitual [art. 119.º, n.º 2, al. b)], bem como o crime que se consuma por actos sucessivos ou reiterados [art° 19°, n° 2, do CPP]”.

      Acórdão de 27-02-2019, processo n.º 2165/15.8JAPRT.P1.S1-3.ª Secção – Arguido condenado por prática de 4 crimes de abuso sexual de crianças, 2 crimes de actos sexuais com adolescentes e 1 crime de actos sexuais com adolescentes agravado, resultando da conduta do arguido a gravidez da vítima. O acórdão afasta a unificação, dizendo: “A jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos”. Foi mantida a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão.

     Acórdão de 7-03-2019, processo n.º 1970/16.2PAVNG.S1-5.ª Secção – Afasta o crime continuado e de trato sucessivo em caso de crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, versando caso de roubo.

      Consta do sumário:

     “A figura do crime de trato sucessivo teve origem em alguma jurisprudência, designadamente do STJ com base na ideia de que quando ocorre uma execução repetida ao longo de um período considerável de tempo se torna «arbitrária qualquer contagem» considerando-se então que se estará perante «crimes prolongados, protelados, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há um só crime - apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas constituiriam um crime tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido».

      Recorreu-se a esta figura, embora questionavelmente - para contornar as dificuldades de prova no tocante à «contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel» em particular no tráfico de droga e nos crimes sexuais”.

      Acórdão de 13-03-2019, processo n.º 3910/16.0T9PRT.P1.S1-3.ª Secção – Arguido condenado pela prática de 7 crimes de pornografia de menores, 15 crimes de pornografia de menores, 1 crime de pornografia de menores e 2 crimes de coacção agravada, na forma tentada, condenado na pena única de 6 anos de prisão, tendo a Relação lançado mão do trato sucessivo.

     Disse o acórdão: “Embora as decisões das Relações ainda se mostrem divididas quanto à qualificação do trato sucessivo, a jurisprudência do STJ tem perfilhado, esmagadoramente, o entendimento que afasta, quer a continuação criminosa, quer a figura do crime exaurido, de trato sucessivo, dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, como os dos presentes autos.

     A qualificação jurídica resultante da acusação, e abraçada pelo aresto em crise, no sentido de imputar um único crime de abuso sexual ou de pornografia de menores, relativamente a cada uma das menores envolvida, lançando mão da figura do crime de trato sucessivo, não se nos afigura correcta.

       A indeterminação relativamente ao número de crimes cometidos em determinado período de tempo não deve ser colmatada com o recurso à figura do trato sucessivo.

     A fase investigatória deve procurar determinar o número, ainda que elevado, de crimes cometidos.

      Todavia, como essa questão não foi colocada no recurso do MP, que subscreve integralmente o acórdão quanto à matéria de facto e à qualificação jurídica, nem no recurso do arguido (neste, obviamente, não se pediria o agravamento da pena), não pode este STJ, em obediência ao princípio da reformatio in pejus (art. 409.º, n.º 1, do CPP), enquadrar e agravar a pena com base no afastamento do trato sucessivo. 

Foi fixada a pena única de 7 anos de prisão.

       Acórdão de 27-03-2019, processo n.º 134/15.7T9VPV.L1.S1-3.ª Secção, com Relator por vencimento, afasta as figuras de trato sucessivo e continuação criminosa, constando do sumário:

      “O crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime.

      In casu, a renovação de acção criminosa reiterada desenvolvida, produz o consequente e adequado resultado. Embora haja homogeneidade na violação do mesmo bem jurídico, há uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal.

      Cada acto sexual cometido com menor representou (a mais que uma relevância típica autónoma) para ela (e para a comunidade), inexoravelmente, um novo e diverso atentado à sua sexualidade, uma nova lesão no seu estado somático-psíquica-emocional, que inelutavelmente colocou mais longe de poder vir a gozar, na idade certa, de uma sexualidade sem complexos, sem traumas e de satisfação plena.

     Reversamente, cada acto de sexo cometido pelo arguido com o menor, deu àquele a oportunidade de, repetida, resoluta e pensadamente, ir satisfazendo os seus instintos lascivos mais ímpios e obscenos, em vez de lhe servir como alerta para a sua consciência ética mal - formada, em vez de lhe despertar os factores de inibição que desde o início conseguiu reprimir, inexistindo pois, in casu, o crime de trato sucessivo.

     O aditamento ao art. 30.º, n.º 3, do CP, levado a cabo pela Lei 59/2007, de 04-09, não exclui, antes continua a pressupor a verificação dos requisitos do crime continuado.

     Esse aditamento não permite, pois, uma interpretação perversa em termos de uma violação plúrima de bens eminentemente pessoais em que a ofendida é a mesma pessoa se reconduzir ao crime continuado, afastando-se um concurso real; só significa que este deve firmar-se se esgotantemente se mostrarem preenchidos os seus pressupostos enunciados no n.º 2, de que se não pode desligar numa interpretação sistemática e global do preceito.

     Forçoso é considerar que inexistem os pressupostos de crime continuado; os singulares e repetidos atos sexuais de relevo que o arguido praticou na menor M L ao longo de 7 anos, de finais de 2009/início de 2010 a 2017, constituem, no seu conjunto, uma situação de pluralidade de crimes, por preencherem, várias vezes, o mesmo ou mais que um tipo de crime, de modo a poder ser considerada como um caso de concurso de crimes, a que corresponderiam mais penas parcelares (não apenas os 4 crimes pelos quais o arguido foi condenado em 1.ª instância, mas sim 7 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelos arts. 171.º, n.º 1 do CP, dois deles agravados nos termos dos arts. 171.º, n.º 3, al. a) e 177.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 al. b), do CP) e, necessariamente, uma pena única a determinar nos termos do disposto no art. 77.º do CP, que, de acordo com os critérios e factores de individualização da pena relevantes, seria sempre superior à aplicada no acórdão recorrido.

     Porém, a imposição do limite à condenação imposto pela proibição da “reformatio in pejus”, obsta a que da alteração da qualificação jurídica operada e do diferente concurso de crimes daí resultante se possam extrair as consequências punitivas que lhe corresponderiam ou quaisquer outras que intercedam com a espécie a medida da sanção, pelo que o exame e apreciação das questões a decidir no vertente recurso se cingirão sempre às penas parcelares e, para o que aqui releva, à pena única aplicada no acórdão condenatório”.

      A pena de 5 anos de prisão foi suspensa na execução, razão do voto de vencido.

      Acórdão de 23-05-2019, processo n.º 134/17.2JAAVR.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2019, tomo 2, págs. 166/173, constando do sumário interno:

     “Quanto à problemática atinente à unificação num só crime de trato sucessivo (também denominado de prolongado, protelado, protraído, exaurido), no essencial correspondente ao crime habitual, de uma pluralidade de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, cometidos durante determinado lapso de tempo contra a mesma vítima, depois de breve hesitação, a alguma jurisprudência do STJ que havia acolhido tal solução tem vindo a pronunciar-se em sentido negativo.

     In casu, em cada uma das situações fácticas dadas como provadas houve da parte do arguido e ora recorrente renovação do desígnio criminoso de sorte que, sem em relação aos desígnios anteriores os que lhes sucederam se representam autónomos, inexistindo razões para se falar em unidade de resolução”.

       Consta do sumário da CJSTJ:

I – O denominado crime de trato sucessivo pressupõe, para além da reiteração de uma actividade ilícita desenvolvida de forma essencialmente homogénea durante um certo lapso de tempo, a unidade de resolução, que não única resolução.

II – O STJ vem entendendo que no crime de abuso sexual de crianças não se verifica a unidade de resolução. E não se verifica porque, para tanto, seria indispensável a ocorrência, entre o mais, de uma conexão temporal que permitisse admitir que o agente executou toda a actividade criminosa no quadro de um dolo inicial que, por não ter sido renovado, é comum a todos os ilícitos.

III – A prática reiterada de actos integradores dos crimes de abuso sexual de crianças, não derivando de uma situação exógena ao agente facilitadora do seu sucumbir criminoso, só pode ter sido provocada, buscada e delineada pelo seu agente, pelo que não poderá ter como efeito a diminuição da sua culpa, mas antes a sua agravação.

IV – Se a alteração introduzida no art. 30.º pela Lei 40/2010 – aditou o n.º 3 – teve em vista afastar a possibilidade de a pluralidade de crimes contra bens eminentemente pessoais ser punida como um só crime continuado, mal se compreenderia que, por via de uma ficção do julgador se viabilizasse a sua punição por apenas um crime de trato sucessivo, defraudando o propósito do legislador.

      Acórdão de 20-05-2020, processo n.º 1203/19.0JAPRT.S1, em que interviemos como adjunto, é afastada a figura do trato sucessivo, mantendo-se a condenação pela prática de oito crimes de abuso sexual de crianças e dois crimes de abuso sexual de crianças agravados, bem como a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.


    Versando pluralidade de crimes sexuais em concurso real, mas estando em causa apenas a determinação da medida da pena única, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22-05-2013, processo n.º 93/09.5TAABT.E1.S1-3.ª Secção; de 5-11-2013, processo n.º 400/12.3JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 20-11-2013, processo n.º 1181/12.6JAPRT.P1.S1-3.ª Secção (arguido com 85 anos de idade condenado por seis crimes de abuso sexual de criança - pena única de 9 anos de prisão); de 13-02-2014, processo n.º 789/11.1JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 27-02-2014, processo n.º 1702/12.4TATVD.S1-5.ª Secção; de 23-04-2014, processo n.º 68/08.1GABNV.L1.S1-3.ª Secção; de 30-04 2014, processo n.º 415/12.1T3STC.E1.S1-5.ª Secção; de 23-10-2014, processo n.º 1524/13.5JAPRT.S1-5.ª Secção; de 12-01-2017, processo n.º 311/15.0T9BCL.G1.S1 – 5.ª Secção (arguido condenado, pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança do artigo 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, em duas penas, ambas de 4 anos e 1 mês de prisão, foi tida por proporcionada às necessidades de prevenção e à culpa a aplicação da pena única de 5 anos e 6 meses de prisão); de 16-02-2017, processo n.º 480/12.1PATVD.S1-5.ª Secção (por crimes de abuso sexual de menor, pornografia e devassa da vida privada, foi mantida a pena única de 6 anos e 6 meses de prisão aplicada pela Relação).

    Em registo diverso, de conhecimento superveniente do concurso, pode ver-se o acórdão de 2-12-2013, processo n.º 742/11.5TACTX.E1.S1-3.ª Secção (ilícito global de 234 crimes de violação agravada, 10 crimes de abuso sexual de criança agravado, 3 crimes de violência doméstica e detenção de arma proibida - desagravada a pena única de 25 para 23 anos de prisão).


        Concluindo.

    Estando em causa bens eminentemente pessoais, como no caso de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual, é de afastar a figura da continuação criminosa, como de resto a de trato sucessivo, verificando-se concurso real entre os crimes de violação agravada na forma consumada, dois crimes de violação agravada, na forma tentada, e um crime de coacção agravada.


    Vista a questão da determinação do número de crimes, há que abordar a questão relativa à pena única.


       Questão II – Determinação da medida da pena única

     Na conclusão E, repetindo o que constava da conclusão N no anterior recurso, o recorrente reputa adequada a pena única de 4 anos de prisão.

      Como é evidente, não tem qualquer viabilidade a pretensão, pois que o limite mínimo da moldura penal do concurso é de 7 anos, pena aplicada pela prática do crime de violação agravada na forma consumada, tendo por limite máximo 14 anos e 2 meses de prisão (7 anos + 3 anos e 4 meses + 3 anos + 10 meses).


***


     Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas, operadas, nomeadamente, e mais recentemente, pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de Setembro; n.º 61/2008, de 31 de Outubro; n.º 32/2010, de 2 de Setembro; n.º 40/2010, de 3 de Setembro; n.º 4/2011, de 16 de Fevereiro; n.º 19/2013, de 21 de Fevereiro; n.º 60/2013, de 23 de Agosto; Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto; Leis n.º 59/2014, de 26 de Agosto; n.º 69/2014, de 29 de Agosto; n.º 82/2014, de 30 de Dezembro; Lei Orgânica n.º 1/2015, de 8 de Janeiro; Leis n.º 30/2015, de 22 de Abril, rectificada na Declaração de Rectificação n.º 22/2015, in Diário da República, 1.ª série, n.º 100, de 25 de Maio de 2015; n.º 81/2015, de 3 de Agosto; n.º 83/2015, de 5 de Agosto; n.º 103/2015, de 24 de Agosto; n.º 110/2015, de 26 de Agosto (40.ª alteração); n.º 39/2016, de 19 de Dezembro; n.º 8/2017, de 3 de Março; n.º 30/2017, de 30 de Maio (43.ª alteração) - altera artigos 109.º a 112.º,127.º e 130.º; n.º 83/2017, de 18 de Agosto, alterando pelo artigo 186.º a redacção do artigo 368.º - A, sem menção de n.º de alteração, n.º 94/2017, de 23 de Agosto (44.ª alteração), n.º 16/2018, de 27 de Março (45.ª alteração) e n.º 44/2018, de 9-08-2018, Diário da República, 1.ª série, n.º 153, (44.ª alteração, altera artigos 152.º, n.º 2 e 197.º]:

    “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

      E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

     Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

     Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

      

    Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, como já dito, a moldura penal do concurso se situa entre o mínimo de 7 anos e o máximo de 14 anos e 2 meses de prisão.

     O sistema jurídico-penal português consagrou o sistema de pena conjunta para o concurso de crimes, verificados que sejam os pressupostos do artigo 77.º (conhecimento imediato, directo, em simultâneo, em sede de julgamento, emergente de concurso real e efectivo de factos coevos, obviamente, não objecto de julgamento anterior, constantes de uma acusação que definiu e engloba o acervo fáctico proposto a julgamento), ou do artigo 78.º do Código Penal (conhecimento superveniente de factos coevos daqueles, já objecto de julgamento, com decisão transitada em julgado e com penas definitivas).


       Conforme refere José de Faria Costa, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3945, a págs. 326/327: “Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respectivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se reflectirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é susceptível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efectuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em factores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa”.



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     A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

     Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

     Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

     Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

      Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

      Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

       A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

      Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.


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     No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

      Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

    E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

     Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. 

     Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª Secção.

      Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.


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      Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07.6TAACB.C1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251, citando Eduardo Correia, Direito Criminal, Colecção Stadium, 1953, (A decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo Relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª; de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1-3.ª; de 18-09-2018, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1-3.ª; de 12-12-2018, processo n.º 734/14.2PCLRS.S1-3.ª; de 9-01-2019, processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S1-3.ª.

      Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

      A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.


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       Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 (dois), de 13 de Julho de 2016, de 26 de Outubro de 2016, de 9 de Novembro de 2016, de 22 de Novembro de 2017, de 18 de Setembro de 2018, de 12 de Dezembro de 2018, de 9 de Janeiro de 2019, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processos n.º 23/14. 2GBLSB.L2.S1 e n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1, processo n.º 101/12.2SVLSB.S1, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1, processo n.º 731/15.0JABRG.G1.S1, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1-3.ª, processo n.º 734/14.2PCLRS.S1-3.ª e processo n.º 142/12.0GCSCD-A.S1-3.ª Secção:

     “Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

      Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.


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     Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.

      Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

       Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.

      Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª Secção, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

      Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

      No mesmo sentido, e do mesmo Relator, o acórdão de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª Secção.

     Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª Secção).

      A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.


      É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

      Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 17-10-2012, processo n.º 39/10.8PFBRG.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, de 15-10-2014, processo n.º 735/10.0GARMR.S1, de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1; de 17-06-2015, processo n.º 161/12.6PBFAR.S1; de 09-07-2015, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1; de 09-09-2015, processo n.º 284/11.9GBPSR.E1.S1; de 2-03-2016, processo n.º 8/08.8GALHH.L1.S1; de 16-06-2016, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1; de 23-06-2016, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2; de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1; de 7-09-2016, processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1; de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1; de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1; de 9-11-2016, processo n.º 587/14.0JAPRT.P1.S1; de 16-11-2016, processo n.º 747/10.3GAVNG-B.P1.S1; de 30-11-2016, processo n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1; de 7-12-2016, processo n.º 137/08.8SNLSB-H.L1.S1; de 14-12-2016, processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1; de 4-01-2017, processo n.º 6547/06.8SWLSB-H.P1.S1, de 9-05-2018, processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1, de 18-09-2018, processo n.º 964/15.0PPPRT-A.S1 e de 27-11-2029, processo n.º 160/12.8GCSAT.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

     Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

      Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

 Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª Secção e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª Secção, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

     Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.

     Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª Secção, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

     Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

      Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª Secção, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

       Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.


       Analisando.

       Como se referiu supra, a moldura penal do concurso situa-se entre 7 anos de prisão e 14 anos e 2 meses de prisão.

      A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

       Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.

       Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

      Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

      Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014, proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

      E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

      No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.

      No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).

      E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.


       Revertendo ao caso concreto.

      Sobre a questão da determinação da medida concreta da pena única, o acórdão recorrido aborda a questão a fls. 850/1, no ponto B.7 do modo seguinte (realces do texto):

      “Ora, ma[n]tendo-se todas as penas parcelares impostas por ser inviável agravar as penas pelos crimes tentados de violação, resta apurar da pena única a aplicar.

       Aqui impõe-se tornar claro que os argumentos esgrimidos pelo recorrente para o abaixamento da pena para os quatro anos de prisão são inviáveis. Desde logo jurídicamente pela pluralidade de crimes praticados (quatro) – a tese de um crime único de violação é de construção impossível - e a pena mínima do crime consumado de violação agravada ter precisamente esse mínimo. Tanto assim que a moldura penal abstracta do concurso dos 4 crimes apresenta um mínimo de 7 anos e um máximo de 14 anos e dois meses. E será nesta moldura que se deverão encontrar os fundamentos da medida da punição.

      Os argumentos trazidos à colação pelo recorrente são de considerar na sua maioria mas com fraco pendor atenuativo. Aceita-se que o arguido apresente “comprometimento cognitivo, que tem dificuldades de compreensão, interpretação, conceção e mnésicas, perturbação emocional, ansiedade, depressão, tensão, inquietação, indícios de imaturidade, impulsividade, inconformismo, que seja primário e tenha vinculo laboral.”

     Afirmar, no entanto, que está inserido no seio familiar já apresenta características de irrealidade quando se violou tão gravemente os deveres familiares de cuidado e protecção.

      Contra o arguido, o sentimento de desresponsabilização e a diminuta capacidade de ver gravidade na ilicitude no seu acto e de não dar relevo às consequências para a vítima.

      Aqui e no mais resta-nos concordar com a fundamentação do tribunal recorrido – não posta em causa pelo recorrente – que a fls. 34 a 38 (745 a 749 dos autos) explana de forma correcta os parâmetros de apreciação no caso concreto.

     O único desacordo com o ali exposto centra-se na moldura penal abstracta que ali é indicada com o máximo de 25 anos de prisão, devida à opção pela pluralidade criminosa e aqui se situa num máximo de 14 anos e dois meses de prisão.

      Apesar do que se disse supra quanto à melhor adequação de um agravamento das penas parcelares nos crimes tentados, certo é que a inviabilidade jurídica do seu agravamento terá que ditar um abaixamento da pena única que se deverá situar nos 11 anos de prisão em função da moldura penal abstracta”.

     

      Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora postos em causa, a saber no crime de violação e no crime de coacção.

       Começando pelo primeiro.

      À data da prática dos factos, entre 22 de Setembro de 2006 e até ao mês de Novembro de 2017, estava em vigor a versão dada ao artigo 164.º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, sendo que apenas o n.º 2 foi alterado pela Lei n.º 83/2015, de 5 de Agosto.

      O crime de violação, p. e p. pelo artigo 164.º do Código Penal, enquadra-se na categoria “Dos crimes contra as pessoas” – Título I, do Livro II – (Parte especial), e mais especificamente, no Capítulo V, “Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” – artigos  163.º a 179.º – mais concretamente ainda na Secção I (Crimes contra a liberdade sexual) – artigos 163.º a 171.º – e com a agravação constante da disposição comum do artigo  177.º (Secção III), para além das igualmente comuns normas dos artigos 178.º (queixa)  e 179.º (inibição do poder paternal), este actualmente revogado.

     Os referidos artigos 163.º a 179.º, introduzidos na reforma de 1995, “substituiram” os artigos 201.º a 218.º da versão originária do Código Penal de 1982, que tratavam “Dos crimes sexuais” - Secção II -, então inserta no Capítulo I, com a epígrafe “Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida social”, por novos artigos, que passaram a integrar o Capítulo V, «Dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual» com os n.ºs  163.º a 179.º, repartidos por três secções, respectivamente, dos crimes contra a liberdade sexual (artigos 163.º a 170.º), dos crimes contra a autodeterminação sexual (artigos 171.º a 176.º) e das disposições comuns (artigos 177.º a 179.º), conferindo-lhes nova redacção (cfr. solução n.º 115, constante do artigo 3.º- A - Relativamente à parte geral - da Lei de autorização legislativa n.º 35/94, de 15-09-1994, rectificada no Diário da República, I Série-A, de 13-12-1994, donde emergiu o Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que procedeu à terceira alteração do Código Penal, entrado em vigor em 1 de Outubro de 1995).

        Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 12.ª edição, 1998, Almedina Coimbra, em comentário ao artigo 164.º, pág. 540, referia que o crime de violação é o mais grave dos crimes contra a liberdade sexual por ser o que mais intensamente lesa a liberdade e a autenticidade da expressão da vida sexual das pessoas.

      Do mesmo modo se expressa na 18.ª edição, 2007, pág. 629, acrescentando: “Trata-se de um crime que revela elevado grau de ilicitude e de culpa, indiciadores de instintos primários mal dominados, insensibilidade moral e baixeza de carácter”.

      Para Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 466, o bem jurídico nos crimes contra a liberdade sexual “é o da autoconformação da vida e da prática sexuais da pessoa”. O bem jurídico protegido pela incriminação do artigo 164.º do Código Penal é a liberdade de determinação sexual.

      Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Dezembro 2008, pág. 449, na 2.ª edição actualizada, de Outubro de 2010, pág. 511, e na 3.ª edição actualizada, de Novembro de 2015, pág. 654: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade sexual de outra pessoa. Quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido, a violação é um crime de dano. Quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção, é um crime de mera actividade”.

     Segundo o acórdão de 26-01-2017, proferido no processo n.º 276/15.9JALRA.E1.S1 – 5.ª Secção, o bem jurídico protegido pelo preceito incriminador dos artigos 164.º, n.º 1, al. a) e 177.º, n.ºs 5 e 6 do Código Penal é a liberdade sexual de outra pessoa, sendo que a agravação encontra justificação na especial vulnerabilidade do menor e consequentemente no maior desvalor do tipo de ilícito, ao mesmo tempo que traduz a ideia de uma protecção diferenciada em função de diferentes graus do desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, havendo uma agravação maior se a vítima for menor de 14 anos, por comparação com os casos em que a vítima é menor de 16 anos.

     Para o acórdão deste Supremo Tribunal de 18-01-2018, proferido no processo n.º 239/11.3TALRS.L1.S1 – 3.ª Secção, o bem jurídico violado no crime de violação é a autodeterminação sexual associada ao livre desenvolvimento da personalidade da menor na esfera sexual.

      O crime de violação é considerado à face da Lei de política criminal como “criminalidade violenta” [Actualmente está em vigor, desde 24 de Agosto de 2017, a Lei n.º 96/2017, de 23 de Agosto de 2017 (Diário da República, 1.ª série, n.º 162, de 23 de Agosto), a qual define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2017-2019, considerando como fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual – alínea d) do artigo 2.º.] e na definição legal constante da alínea l) do artigo 1.º do Código de Processo Penal, como “criminalidade especialmente violenta”, por ser tipo de conduta prevista na alínea anterior (alínea j) com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto), com pena de prisão de máximo superior a 8 anos.

     O crime de coacção está inserido no Capítulo IV - Dos crimes contra a liberdade pessoal, do Título I - Dos crimes contra as pessoas, do Livro II - Parte especial e previsto no artigo 154.º do Código Penal.

     Segundo Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 3.ª edição actualizada, Novembro de 2015, pág. 604, o bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e acção de outra pessoa.

      Para Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, com notas e comentários, Almedina, 2014, nota 2, pág. 636, bem jurídico protegido é a liberdade pessoal, liberdade de decisão e realização da vontade. (Anota-se que este crime não mereceu qualquer referência no recurso).  

      Como refere Denis Sala, Le délinquant sexuel, in “La Justice e le mal”, ed. Odile Jacob, 1997, pág. 53 e segs., referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2005: «Nos tempos actuais de fragmentação de valores e de referências, os crimes sexuais emergem como verdadeiro mal democrático numa sociedade onde a igualdade de condições conduz à redução da alteridade.

     A proximidade emocional própria do universo comunicacional das efervescentes democracias contemporâneas anula a distanciação, transportando fenómenos sociais de exigência intensa na resposta a crimes sexuais; o legislador, interpretando os sinais de sociedade, teve de sublimar e reordenar as imposições sociais na grelha de intervenção do direito e das reacções do sistema penal que tutela os valores mais essenciais da comunidade.

     Os crimes sexuais contêm, na imagem das democracias de comunicação, uma dimensão de negação alucinatória da ordem natural das coisas, uma desordem da natureza, um desequilíbrio cósmico que a cidade quer eliminar sem o referir».


        Analisando. 

     Nesta abordagem há que ter em atenção o período temporal de actuação do recorrente, entre 22 de Setembro de 2016 e Novembro de 2017, agindo o arguido do mesmo modo, com vista à obtenção de satisfação sexual, sendo evidente a conexão entre as condutas de violação e a instrumentalidade do crime de coacção agravada. A estreita ligação entre estes crimes consubstancia-se em prática de acto sexual e a subsequente intimidação.

       No que toca a antecedentes criminais nada consta.  

       No caso em apreciação, há que atender ao elevado grau de ilicitude dos factos e também ao intenso dolo, na modalidade de directo.

      A resposta a uma maior carga de ilicitude já encontra eco na correspectiva dimensão de definição da moldura abstracta aplicável.

       As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tipo de crime de violação, gerador de grande e forte sentimento de repúdio pela comunidade, justificando resposta punitiva firme, impondo-se assegurar a confiança da comunidade na validade das normas jurídicas.

      Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

     Como expende Figueiredo Dias, em O sistema sancionatório do Direito Penal Português, inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.

      Como se expressou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.  

      No que toca a prevenção especial, avulta a personalidade do arguido no modo como agiu, actuando com indiferença e insensibilidade pela liberdade da ofendida, não se esgotando na mera prevenção da reincidência, carecendo de socialização.

     Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

     E no caso de infractores ocasionais, a ter de ser aplicada uma pena, é esta mensagem punitiva dissuasora o único sentido da prevenção especial.

      Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.

      Tendo em conta a imagem global do facto, as condições pessoais do arguido, que à data dos factos contava 50/1 anos de idade e actualmente, 54 anos, propende-se para aplicação de factor de compressão maior, por se considerar que o caso é de mera pluriocasionalidade e não de tendência criminosa, entendendo-se como adequada e equilibrada a pena única de nove anos de prisão.


      Atenta a medida da pena única ora fixada, fica prejudicada a apreciação da pretensão da suspensão da execução da pena, sintetizada na conclusão F, por ultrapassado o limiar previsto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.


    Decisão

   Pelo exposto, acordam nesta 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, quanto a requalificação jurídica e medidas das penas parcelares, julgando parcialmente procedente o recurso, no que tange à determinação da medida da pena única, que se fixa em nove anos de prisão.

       Sem custas.

      Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Tem voto de conformidade do Exmo. Conselheiro Manuel Augusto de Matos.


Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 17 de Junho de 2020


Raul Borges (Relator)

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[1] - “Constituição da República Portuguesa Anotada – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, 1993, pag. 206.