Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
29756/21.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
ORGÃO SOCIAL
NOMEAÇÃO
ELEIÇÕES
ASSEMBLEIA GERAL
CADUCIDADE DA AÇÃO
ESTATUTOS
NULIDADE
DIREITO DE VOTO
CONSTITUCIONALIDADE
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I. A nova deliberação de eleição dos orgãos sociais de determinada associação só determinará a substituição da deliberação inválida anterior se não estiver afectada pelo vício desta, vier a absorver o seu conteúdo e a tomar o seu lugar;

II. A deliberação de eleição dos membros dos órgão sociais não tem existência jurídica sem o apuramento do resultado da votação;

III. Só a partir da data desse apuramento é que o autor pode exercer o direito de anulação da deliberação nos termos do art. 178º, nº 1 do CC;

IV. Não é admissível o voto por correspondência nas deliberações previstas no nº 2 do art. 175º do CC;

V. Como assim, é nula a norma estatutária de associação que preveja esse tipo de voto para a eleição dos órgãos sociais.”

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA intentou acção declarativa contra CLUBE PORTUGUÊS DE CANICULTURA, pedindo a anulação da deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais da Ré tomada na Assembleia Geral da Ré que teve início em 12.6.2021 e conclusão em 15.6.2021, bem como a nulidade do n.º 5 do artigo 28.º dos estatutos da Ré por violação dos n. ºs 2 e 3 do artigo 175.º do Código Civil.

A R. apresentou contestação, por excepção - invocou a caducidade do direito de acção; a ilegitimidade do A.; a cumulação ilegal de pedidos- e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.

O A. pronunciou-se quanto às excepções, pugnando pela sua improcedência.

Com dispensa de realização da audiência prévia foi proferido despacho saneador-sentença, que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e cumulação ilegal de pedidos.

Mais julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção e, consequentemente, absolveu a Ré do pedido formulado pelo Autor de anulação da deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais da Ré tomada na Assembleia Geral de 12.6.2021; e improcedente o pedido de declaração de nulidade do n º 5 do artigo 28º dos estatutos da Ré.

Inconformado com essa decisão, o autor interpôs recurso de apelação que foi admitido, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa decidido julgar a apelação procedente pelo que, em consequência, revogou a sentença recorrida, e na procedência da acção, declarou nulo o nº 5 do art. 28º dos Estatutos da ré e anulou a deliberação de nomeação dos órgãos sociais da ré tomada em 15.6.2021.

Inconformada com esse acórdão, a ré interpôs o presente recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão recorrido e a repristinação da decisão proferida pela 1.ª instância.

Para o efeito, rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1. A assembleia geral foi realizada no dia 12/06/2021 e foi nesse dia e no período fixado na convocatória que os associados exerceram o seu direito de voto.

2. As reuniões que possa ter havido posteriormente, independentemente da data, destinaram-se apenas a apurar o sentido do voto exercido pelos associados na assembleia eleitoral, que foi única e realizada em 12/06/2021.

3. A ação deu entrada em juízo em 15/06/2021, ou seja, uma vez decorrido o prazo de seis meses previstos no nº 1 do artigo 178º do Código Civil, sendo que o “dies a quo” para a contagem do referido prazo de seis meses é o dia da realização da assembleia geral eleitoral, ou seja, 12/06/2021.

4. A deliberação da Mesa da Assembleia Geral, adiante MAG, de anular o de ato eleitoral é nula e, tendo sido revogada pelos seus próprios autores, é como se nunca tivesse existido.

5. A Mesa da Assembleia Geral não tinha poderes para anular o ato eleitoral e assim, o que se lhe impunha, como ocorreu, era a continuação da contagem dos votos para apurar o sentido da deliberação dos associados na Assembleia eleitoral de 12/06/2021.

6. A assembleia geral realizada em 12/06/2021 e o apuramento de votos realizado posteriormente são partes da mesma reunião magna.

7. Se se aplicar o instituto da prescrição, o que é feito como mera hipótese de raciocínio, ainda por tal via, o prazo de seis meses previsto no nº 1 do artigo 178º do Código Civil igualmente se mostrava decorrido seja aquando da efectiva citação, seja aquando da interrupção ficcionada pelo legislador decorridos cinco dias após ter sido requerida a citação.

8. A deliberação é a expressão da vontade dos associados e o cômputo dessa vontade através do número de votos expressos não é senão uma operação matemática de contagem que vai dar conteúdo e sentido à deliberação tomada.

9. Não tendo ocorrido qualquer deliberação da assembleia geral no sentido da anulação do processo eleitoral, as posições da MAG que acabaram na concretização da contagem dos votos apenas relevam na medida dos resultados finais apurados, ou seja, na determinação do sentido de voto secreto expresso pelos associados na assembleia geral de 12/06/2021.

10. A assembleia geral de 12/06/2021 encerrou com o fecho das urnas onde os votos foram depositados, sendo a sua contagem mera concretização do sentido dos votos expressos.

11. Tal assembleia proclamada como corpo eleitoral, só tem poder e competência para votar e não para “deliberar”, pois deixou de ser uma assembleia deliberativa para ser um órgão que, unicamente, reuniu para eleger.

12. A eleição dos órgãos sociais do ora recorrente para o triénio 2021-2023 foi conforme à lei e aos estatutos.

13. O nº 5 do artigo 28º dos estatutos da recorrida não padece de qualquer nulidade.

14. A norma do nº 2 do art. 175º do Código Civil não pode ser interpretada no sentido literal, mas sim no sentido de abranger o exercício de voto em sobrescrito fechado dirigido ao Presidente de Mesa da Assembleia Geral como previsto nos estatutos da Recorrente.

15.Não se potencia qualquer menos válida, antes pelo contrário, participação no acto eleitoral em relação ao associado que vota por correspondência – porque o seu sentido de voto está assegurado - em relação ao voto por procuração, situação em que o sentido de voto pode ser alterado pelo constituído procurador.

16. A interpretação da proibição de voto por correspondência, decorrente da leitura “literal” do nº 2 do art. 175º do Código Civil, por interpretação da expressão “presentes” como se referindo a uma presença física, é inconstitucional por violação dos arts. 13º e 46º da Constituição da República Portuguesa.

17. Nos termos do nº 5 do artigo 28º dos estatutos do recorrido, o exercício do direito de voto é feito pelo próprio associado, em sobrescrito fechado, sendo associado terceiro mero portador de tal envelope, o qual representa o exercício da vontade do associado na formação da deliberação em causa.

18. Tal norma está restrita a votações eleitorais em relação aos órgãos sociais do recorrido.

19. A assembleia geral eleitoral, ao abrigo do art. 170º do Código Civil, foi una e realizou-se no dia 12/06/2021, compreendendo o acto da votação ocorrido naquele dia e o apuramento dos resultados que se prolongou para dia posterior.

20.Tal assembleia geral de 12/06/2021desdobra-se em aberturas de urnas, votação, contagem dos votos e redacção/assinatura da acta da assembleia geral.

21. As decisões da Mesa da Assembleia Geral de “anular” as eleições e a sua própria revogação de tal decisão são nulas e devem ser desconsideradas e de nenhum efeito.

22. Não houve qualquer assembleia geral em 15/06/2021 para a contagem dos votos porque esta formalidade se integra na assembleia eleitoral convocada e realizada em 12/06/2021.

23. Assim não há lugar a qualquer convocatória de assembleia geral para efeito da contagem de votos, não sendo a reunião de 15/06/2021 uma nova assembleia geral, mas o encerramento do apuramento dos votos, ato exercido pelos associados em 12/06/2021.

24. Não tendo havido qualquer irregularidade na convocação e funcionamento da assembleia eleitoral, a deliberação nela tomada para eleição dos titulares dos órgãos sociais para o triénio 2021-2023 é perfeitamente válida.

25.A douta decisão recorrida fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 13º e 46º da Constituição da República Portuguesa, bem como dos artigos 9º, 170º nº 1, 175º nº 2, 178º nº 1 e 279º, todos do Código Civil.”

O Autor respondeu ao recurso, pugnando pela sua total improcedência.

Já neste Supremo a Ré e recorrente requereu a inutilidade superveniente da lide relativamente ao segmento do pedido do Autor respeitante ao pedido de anulação da deliberação de nomeação dos órgãos sociais da Ré tomada em 15.6.2021 para o triénio 2021-2023.

A esta pretensão se opôs o Autor e recorrido.

Cumpre decidir.

As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto (assinalando-se a itálico a alteração introduzida pela Relação):

"1. A Ré é uma associação privada sem fins lucrativos, os Estatutos cuja cópia se mostra inserta a fls. 14v a 20.

2. No passado dia 12.6.2021 teve lugar, no VIP Executive Zurique Hotel sito na Rua..., a Assembleia Geral Eleitoral dos órgãos sociais da Ré, para o triénio 2021-2023, nos termos da convocatória cuja cópia se mostra inserta a fls. 14, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

3.Apresentaram-se a sufrágio 9 listas, nos seguintes termos: (i) Lista A, Lista B e Lista E, à Mesa da Assembleia Geral; (ii) Lista G, Lista H e Lista I à Direção; (iii) Lista C e Lista F ao Conselho Fiscal; e (iv) Lista D ao Conselho Disciplinar.

4. As votações para cada órgão social foram realizadas separadamente nos termos do artigo 28º , n º 2 dos estatutos da Ré, que dispõe que "As eleições serão feitas por escrutínio secreto e por meio de listas separadas para cada um dos órgãos sociais, de que constem os nomes dos sócios indicados para o preenchimento dos lugares respectivos".

5. De acordo com o nº 5 do artigo 28º dos estatutos da Ré "É admitida a votação em sobrescrito fechado dirigido ao Presidente da Mesa da Assembleia e recebido até à data marcada para as eleições, devendo o voto ser acompanhado de fotocópia do bilhete de identidade para reconhecimento pela Mesa da assinatura na carta de acompanhamento."

6. Dispõe o artigo 17.º que "A participação nas reuniões da Assembleia Geral é presencial, não sendo permitida a representação dos sócios efectivos ou honorários."

7. O Autor integrou a lista H candidata à eleição.

8. O Autor foi portador de diversos envelopes selados provenientes de associados ausentes da assembleia, que votaram por este meio.

9. O processo eleitoral foi conduzido e gerido pela Mesa da Assembleia Geral (a quem compete, nos termos do artigo 19. 0 dos estatutos da Ré, dirigir a reuniões da Assembleia Geral e lavrar a acta de cada reunião).

10. Exerceu funções como ... da Mesa da Assembleia Geral nas referidas eleições a Senhora BB, igualmente candidata (pela lista G) ao cargo de ... da Direção da Ré no mesmo acto eleitoral.

11. E exerceu funções como ... da Mesa da Assembleia Geral o Senhor Dr. CC, também candidato (pela lista B) ao cargo de ... da Mesa da Assembleia Geral da Ré no mesmo acto eleitoral (tendo a sua lista vencido as eleições).

12. A votação decorreu entre as 14:00 e as 17:00 horas (do dia 12.6.2021), nos termos previstos na convocatória, tendo votado presencialmente 170 associados efectivos e sido recebidas 389 votações (em envelope selado, entregue por correio postal ou pela mão dos associados presentes) de associados ausentes.

13. Encerradas as umas apenas permaneceram na sala os membros da Mesa da Assembleia Geral e um representante de cada lista candidata (entre os quais o Autor, DD e EE), tendo ficado fora da sala diversos associados.

14. A MAG constatou a existência de um voto duplicado do associado FF, tendo um dos votos sido trazido em envelope fechado pelo Autor e o outro sido trazido em envelope fechado pelo associado CC.

15. 0s membros da MAG ausentaram-se da sala.

16. A Presidente da Mesa da Assembleia Geral decidiu selar as umas com todos os votos recebidos, o que foi feito com fita cola e aposição de uma folha assinada por si e por GG (representante da lista A candidata à Mesa da Assembleia Geral para o Triénio seguinte).

17.A Presidente da Mesa da Assembleia declarou que teria que ser efectuado e publicado um comunicado que esclarecesse todos os associados sobre o que estava a acontecer, o que foi feito nesse momento com o comunicado cuja cópia se mostra inserta a fls. 22.

18.Consta do teor do referido comunicado (subscrito por todos os membros da Mesa da Assembleia Geral): "A MAG detetou várias irregularidades durante o ato eleitoral de hoje, as quais colocam em causa a sua legitimidade e a validade do seu eventual resultado. Na sequência das ditas irregularidades, a MAG consultou os representantes das 9 listas candidatas expondo os factos apurados, devidamente documentados. A maioria dos presentes concordou na anulação do ato eleitoral e todos foram unânimes na necessidade de proteger os associados, o CPC e o novo ato eleitoral, que, no entender da MAG, se impõe, visto este se encontrar ferido de morte. A MAG irá envidar todos os esforços para convocar nova assembleia eleitoral com regras que respeitem a lei e assegurem a total transparência da vontade expressa dos sócios. Mais informamos que as urnas contendo os votos foram seladas com a concordância de todos os presentes."

19.A Mesa da Assembleia Geral publicou um novo comunicado, em 14.6.2021, cuja cópia se mostra inserta a fls. 22v, através do qual informou: "A MAG esteve reunida por Zoom com os representantes das nove candidaturas às eleições dos Corpos Sociais do CPC" (. . . ) Com a unanimidade de todas as candidaturas, relativamente à boa condução do processo eleitoral desde o seu início até à suspensão, ficou acordado que dia 15 de junho às 18h:30m, o mesmo processo será concluído e o apuramento dos resultados será imediatamente publicado no site oficial do CPC. Mais informamos que a ata do ato eleitoral será igualmente publicada no site oficial do CPC com a maior brevidade possível".

20.No dia 15.6.2021 foram publicados os resultados das eleições para os órgãos sociais do CPC cujas votações ocorreram no dia 12.06.2021, nos termos constantes de fls. 23, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

21 .A presente acção foi proposta no dia 15.12.2021.

22. Os artos 15 0, al. b) e 19º dos Estatutos da R. são do seguinte teor:

artigo 15 0 - A Assembleia Geral compete, em geral, velar pelo cumprimento integral dos estatutos e é da sua competência exclusiva:

b) Eleger de entre os sócios efectivos os que hão-de constituir a Mesa da Assembleia, a Direcção, o Conselho Disciplinar e o Conselho Fiscal e ratificar a cooptação de membros da Direcção.

Artigo 19 0 - À Mesa da Assembleia Geral compete:

Dirigir as reuniões da Assembleia Geral;

Lavrar uma acta de cada reunião.”

23. Na reunião do dia 15/06/2021, em que se contabilizaram os votos e se apurou o resultado da votação, estiveram presentes os elementos da Mesa da Assembleia Geral e um representante de cada uma das listas concorrentes. "

"24. O artigo 18º dos Estatutos da R. é do seguinte teor: "A cada sócio efectivo cabe um voto se a sua antiguidade não exceder três anos, dois votos se exceder três mas não seis anos, ou três votos se exceder seis anos ou se for sócio fundador.

S único — A antiguidade referida nos presentes estatutos conta-se desde 31 de dezembro de 1990 ou do ano anterior ao da ratificação da admissão ou filiação, se posterior.

"25. No dia 14/06/2021 foi feita, por iniciativa da Presidente da MAG uma videochamada com os representantes de cada uma das listas candidatas, tendo sido comunicada a decisão da MAG de revogar a decisão transmitida pelo comunicado anterior e de retomar o ato eleitoral na fase em que se encontrava.”

Inutilidade superveniente da lide

Como acima se reportou, a Ré e recorrente requereu, já depois de admitido o recurso de revista, a inutilidade superveniente da lide relativamente ao segmento do pedido do Autor respeitante ao pedido de anulação da deliberação de nomeação dos órgãos sociais da Ré tomada em 15.6.2021 para o triénio 2021-2023. por ter já decorrido o mandato na sua totalidade, tendo sido eleitos, entretanto, os novos órgãos sociais da R. para o triénio 2024-2026.

A esta pretensão se opôs o Autor e recorrido, com diversos fundamentos: o acto sindicado repercute-se noutros actos ilegitimamente praticados pelos órgão sociais ilegalmente eleitos; a não pronúncia conduzirá à reincidência do vício; a deliberação da recente deliberação de eleição de 23.3.2024 produz efeitos apenas a partir da decisão, não destrói os efeitos da anterior nem sana os vícios dela decorrentes; a arguição da inutilidade superveniente configura abuso de direito uma vez que foi a Ré que recorreu da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que declarou a anulação da deliberação anterior, pretendendo ver agora declarada a sua inutilidade.

Cremos que a razão está do lado do recorrido, não havendo motivo para a declaração da inutilidade superveniente da lide, ainda que parcial.

Só assim seria se a deliberação de 23.3.2024 renovasse a anterior de 15.6.2021, o que não é o caso.

Com efeito, a propósito da renovação da deliberação, o artigo 62º do CSC dispõe nos seguintes termos:

“1 - Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroactiva, ressalvados os direitos de terceiros.

2 - A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente. O sócio, porém, que nisso tiver um interesse atendível pode obter anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória.

3 - O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação”.

Escreveu-se em acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo nº 1234/18.7..., relatado por Catarina Gonçalves (em que o ora relator interveio como 1º adjunto):

“ A renovação corresponde, portanto, a um mecanismo legal que se destina a suprir vícios de uma determinada deliberação, sempre que tais vícios possam ser supridos por essa via, correspondendo, em linhas gerais e utilizando as palavras de António Pereira de Almeida , à “…substituição de uma deliberação inválida por uma nova deliberação, que não esteja afectada pelo vício da anterior, e que venha a absorver o seu conteúdo e a tomar o seu lugar” (Sociedades Comerciais, Valores Mobiliários e Mercados, 6ª ed., pág. 248).

Segundo as palavras de Pinto Furtado, a renovação corresponde a “…uma nova deliberação, decalcada sobre a primeira, sem o vício que a inquinava (daí, talvez, o chamar-se-lhe renovação, pois a segunda deliberação é uma cópia corrigida da anterior e, obviamente, por paridade de razão, sem enfermar de qualquer outro), para substituí-la e ocupar o lugar dela, a partir de agora, ou mesmo retroactivamente” (Deliberações dos Sócios, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Almedina, 1993, pág. 594). Como refere o citado Autor, a renovação consiste “…na reedição da disciplina de interesses anteriores, de modo que a sua eficácia própria repita e substitua a da deliberação primitiva, ocupando o seu lugar” (ob. cit., pág. 595)

Para que se possa falar em renovação de deliberação será necessário, portanto, que o seu conteúdo coincida no essencial com o conteúdo da deliberação que se pretende renovar; se a nova deliberação alterar o conteúdo da anterior, estará em causa uma revogação da anterior deliberação e a sua substituição por outra e não a respectiva renovação. Isso mesmo refere Pinto Furtado quando diz que é essencial à renovação “…a reprodução fundamental da disciplina de interesses firmada na primitiva deliberação, aliada ao propósito de preservação ou recuperação prática dos seus efeitos, ameaçados ou inquinados…”, acrescentando que “A adopção de nova deliberação destinada a ocupar retroactivamente o lugar da anterior, para introduzir uma regulamentação diferente da que tinha sido editada, integrará, portanto, uma substituição que não envolve renovação da deliberação”. (ob. cit., pág. 588 e 589).

Isso mesmo também se retira das palavras de Vasco da Gama Lobo Xavier quando afirma: “…de uma renovação regular só podemos falar, com plena segurança, quando o vício em causa diga respeito ao processo formativo do acto. Tratando-se de um vício do conteúdo, é evidente que, para a nova deliberação se apresentar imune de tal vício, necessário se torna que o mesmo conteúdo apareça modificado (…) e, nessa hipótese – especialmente quando a alteração ultrapasse certos limites –, cabe a dúvida de que, em bom rigor, de verdadeira renovação possa falar-se…” (Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, nota 106, pág. 447)”

Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se, assim, que a nova deliberação de eleição, para o triénio 2024-2026, não tendo eficácia renovatória, não veio substituir a anterior, pretensamente inválida, de eleição dos órgãos sociais para o triénio 2021-2023, a qual continua a subsistir, com os vícios que lhe são imputados (Ac. R.E. de 17.1.2019, proc. nº 3275/17.2T8STR.E1, em www.dgsi.pt)

Tanto basta para que se decida que não ocorre qualquer inutilidade superveniente da lide relativamente ao segmento do pedido do Autor respeitante ao pedido de anulação da deliberação de nomeação dos órgãos sociais da Ré tomada em 15.6.2021.

Da caducidade do direito a invocar a anulabilidade da deliberação de nomeação dos órgãos sociais da Ré

A recorrente Ré alega que a presente acção, que deu entrada em juízo (em 15.2.2021), foi depois de decorrido o prazo de seis meses previsto no nº 1 do artigo 178º do Código Civil, sendo que o “dies a quo” para a contagem desse prazo é o dia da realização da assembleia geral eleitoral, ou seja, 12.6.2021.

Mais sustenta que as reuniões que possam ter existido posteriormente, independentemente da respectiva data, se destinaram apenas a apurar o sentido do voto exercido pelos associados na assembleia eleitoral, que foi única e realizada em 12.6.2021, razão por que, argumenta, a deliberação da Mesa da Assembleia Geral (MAG) de anular o acto eleitoral é nula, por falta de poderes para o efeito e, tendo sido revogada pelos seus próprios autores, é como se nunca tivesse existido. Pelo que a assembleia geral realizada em 12.6.2021 encerrou com o fecho das urnas onde os votos foram depositados, tendo o apuramento de votos realizado posteriormente sido parte da mesma reunião magna. Sustenta, ainda, a recorrente que a deliberação é a expressão da vontade dos associados e o cômputo dessa vontade através do número de votos expressos não é senão uma operação matemática de contagem que vai dar conteúdo e sentido à deliberação tomada.

Subsidiariamente, invoca, ainda, que, caso se considere o prazo de seis meses um prazo de prescrição, o mesmo já havia decorrido tanto na data em que foi realizada a sua citação, como na data em que o legislador ficciona a interrupção da prescrição, ou seja, decorridos cinco dias após ter sido requerida a citação.

No acórdão recorrido entendeu-se que a deliberação relativa à eleição dos órgãos sociais, cuja anulabilidade é peticionada pelo Autor, compreende não apenas a votação dos associados mas também o apuramento do respectivo resultado. Assim, concluiu que “no dia 12/06/2021 ocorreu a votação nas listas candidatas por parte dos associados. A contagem dos votos e o apuramento do resultado apenas sucedeu no dia 15/06/2021. Impõe-se, pois, concluir que no dia 12/06/2021 nenhuma deliberação relativamente à eleição dos órgãos sociais foi tomada pela assembleia geral. Assim, o prazo de seis meses para instauração da ação de anulabilidade não havia transcorrido no dia 15/12/2021 (cfr. art. 279º do CC), pelo que improcede a exceção de caducidade.”

E cremos que com acerto decidiu.

De acordo com o disposto no art. 177º do CC “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.”

Por sua vez, o art. 178º, nº 2, do CC dispõe que “a anulabilidade das deliberações pode ser arguida dentro do prazo de seis meses”.

Assim, uma vez que, por força do referido art. 178º, nº 2, do mesmo Código, o direito de invocar a anulabilidade da deliberação da assembleia geral da Ré deve ser exercido dentro de certo prazo, o referido prazo de seis meses é de caducidade, conforme decorre do disposto no art. 298º, nº 2, do CC, não existindo qualquer referência da lei ao regime da prescrição.

Carece, assim, de sentido a alusão da recorrente às causas de interrupção da prescrição, nomeadamente a prevista no art. 323º do CC que não tem qualquer aplicação ao caso.

De acordo com o preceituado no art. 329º do CC, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

Ora, verifica-se que, no caso sub judice, o Autor pede a anulação da deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais da Ré tomada na Assembleia Geral que teve início em 12.6.2021 e conclusão em 15.6.2021.

E, de facto, ficou provado: que a votação decorreu entre as 14:00 e as 17:00 horas do dia 12.6.2021, nos termos previstos na convocatória, tendo votado presencialmente 170 associados efectivos e sido recebidas 389 votações (em envelope selado, entregue por correio postal ou pela mão dos associados presentes) de associados ausentes; que, depois de encerradas as urnas, a Mesa da Assembleia Geral (MAG) constatou a existência de um voto duplicado de um associado, tendo a Presidente da MAG decidido selar as urnas com todos os votos recebidos, o que foi feito com fita cola e aposição de uma folha assinada por si e por GG (representante da lista A candidata à Mesa da Assembleia Geral para o triénio seguinte): que por comunicado datado de 13.6.2021, foi anunciado que “A MAG detetou várias irregularidades durante o ato eleitoral de hoje, as quais colocam em causa a sua legitimidade e a validade do seu eventual resultado. Na sequência das ditas irregularidades, a MAG consultou os representantes das 9 listas candidatas expondo os factos apurados, devidamente documentados. A maioria dos presentes concordou na anulação do ato eleitoral e todos foram unânimes na necessidade de proteger os associados, o CPC e o novo ato eleitoral, que, no entender da MAG, se impõe, visto este se encontrar ferido de morte. A MAG irá envidar todos os esforços para convocar nova assembleia eleitoral com regras que respeitem a lei e assegurem a total transparência da vontade expressa dos sócios. Mais informamos que as urnas contendo os votos foram seladas com a concordância de todos os presentes.”; que no dia seguinte, em 14.6.2021, a MAG publicou um novo comunicado, através do qual informou: “A MAG esteve reunida por Zoom com os representantes das nove candidaturas às eleições dos Corpos Sociais do CPC” (…) Com a unanimidade de todas as candidaturas, relativamente à boa condução do processo eleitoral desde o seu início até à suspensão, ficou acordado que dia 15 de junho às 18h:30m, o mesmo processo será concluído e o apuramento dos resultados será imediatamente publicado no site oficial do CPC. Mais informamos que a ata do ato eleitoral será igualmente publicada no site oficial do CPC com a maior brevidade possível”; e que os resultados das eleições para os órgãos sociais da Ré apenas foram publicados no dia 15.6.2021, tendo a presente acção sido proposta no dia 15.12.2021.

Como se refere no acórdão do STJ de 8.10.2002, revista n.º 2454/02, disponível em www.stj.pt, o resultado da assembleia geral é apurado em função de uma votação, mas isso é o que sucede em qualquer outra deliberação. Com a votação é expressa uma pluralidade de vontades individuais. Com o apuramento do respectivo resultado apura-se o sentido da deliberação, seja ela, ou não, uma eleição.”

A propósito da verificação do resultado da votação em assembleias gerais de sociedades comerciais, Pinto Furtado, no Comentário ao Código das Sociedades Comerciais: deliberações dos sócios, Coimbra, Almedina, 1993, págs. 140 e 141, escreve que “realizada a votação, impõe-se contar os votos emitidos e o a seu sentido, para se apurar que deliberação foi afinal emitida em relação à proposta (…) O escrutínio ou verificação do resultado da votação é, pois, um processo instrutório da deliberação emitida, com vista a determiná-la e a tornar certa a sua existência. Ele culmina, por isso, antes de mais, numa declaração de ciência, ou seja, na afirmação de um saber, não de um querer. Não se limitando a revelar dados factuais do mundo material, mas ainda a ordená-los pela possibilidade de se atribuir uma qualidade jurídica, não terá apenas a natureza de um apura­mento, mas a de um acertamento, quando não mesmo a de uma acertação, visto emitir, no mundo do direito, uma categoria antes inexistente, e não apenas incerta: a deliberação”.

Conclui o mesmo autor que o escrutínio ou verificação do resultado da votação “é uma aceitação ou acertamento constitutivo, pois culmina por uma declaração de ciência que faz surgir no mundo jurídico uma categoria até aí inexistente. Sem ele, não pode materialmente saber-se em que sentido se pronunciou o colégio e, assim, se a proposta de deliberado fez ou não vencimento. O Código exige, por isso, que o seu resultado conste expressamente da acta (al. g) do art. 63-2), não podendo consubstanciar-se e ter existência jurídica a deliberação sem o seu concurso. O seu valor é necessariamente constitutivo.” (ob. cit, pág. 146).

A deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais da Ré cuja anulabilidade é peticionada pelo Autor não tem, pois, existência jurídica sem o apuramento do resultado da votação. Assim, se é certo que a eleição decorreu integralmente em 12.6.2021, é igualmente verdadeiro que a verificação do resultado da votação apenas ocorreu em 15.6.2021, pelo que só nesta última data, a referida deliberação se completou.

Deste modo, pretendendo a anulação da deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais, o Autor só podia legalmente exercer esse direito a partir do dia em que essa deliberação obteve existência jurídica, ou seja, em 15.6.2021. Só a partir dessa data começou a correr, pois, o prazo de seis meses previsto no art. 178º, nº 1 do CC, nos termos previstos no art. 329º do mesmo Código. Prazo que, iniciando-se em 16.6.2021, terminou às 24 horas do dia 16.12.2021 (art. 279º, alíneas b) e c) do CC).

Em suma, tendo a acção sido proposta no dia 15.12.2021, é manifesto que, à data da sua propositura, o prazo de caducidade ainda não tinha decorrido.

Da nulidade do nº 5 do artigo 28º dos estatutos da Associação Ré

O art. 28º, nº 5, dos Estatutos da Ré, inserido no Capítulo “Eleições para os Órgãos Sociais”, é do seguinte teor: É admitida a votação em sobrescrito fechado dirigido ao Presidente da Mesa da Assembleia e recebido até à data marcada para as eleições, devendo o voto ser acompanhado de fotocópia do bilhete de identidade para reconhecimento pela Mesa da assinatura na carta de acompanhamento.”

No acórdão recorrido, citando-se jurisprudência do STJ e doutrina, concluiu-se que estava vedado à Ré consignar nos seus estatutos a possibilidade de voto escrito/por correspondência, pelo que o referido art. 28º, nº 5, dos Estatutos enferma, por essa razão, de nulidade por violação de norma legal de natureza imperativa – o art. 175º, n.º 2, do CC – nos termos do disposto nos arts. 280º e 292º a 295º do CC.

Argumenta-se que, prevendo “o n.º 2 do art. 175.º do CC que salvo o disposto nos n.ºs seguintes (que não têm aplicação ao caso dos autos) as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes, tem-se retirado dele que os votos devem ser expressos nas AG, depois de discussão, e por isso não podem ser feitos por correspondência.”

Ao invés, a recorrente sustenta que a norma do nº 2 do art. 175º do CC não pode ser interpretada no sentido literal, mas sim no sentido de abranger o exercício de voto em sobrescrito fechado dirigido ao Presidente de Mesa da Assembleia Geral como previsto nos estatutos da recorrente pois “não se potencia qualquer menos válida, antes pelo contrário, participação no acto eleitoral em relação ao associado que vota por correspondência – porque o seu sentido de voto está assegurado - em relação ao voto por procuração, situação em que o sentido de voto pode ser alterado pelo constituído procurador. A interpretação da proibição de voto por correspondência, decorrente da leitura “literal” do nº 2 do art. 175º do Código Civil, por interpretação da expressão “presentes” como se referindo a uma presença física, é inconstitucional por violação dos arts. 13º e 46º da Constituição da República Portuguesa.”

Vejamos.

Dispõe o art. 175º do CC o seguinte:

“1. A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.

2. Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes.

3. As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.

4. As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados.

5. Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.”

No acórdão recorrido, em abono da posição seguida, é citado o acórdão do STJ de 16.11.2006, revista n.º 2647/06, disponível em www.dgsi.pt, no qual, estando em causa os estatutos de uma associação, se sustentou que “ o sentido útil a atribuir às sucessivas exigências de votos dos associados presentes é, antes, o de impedir o voto por correspondência, em que, aqui sim, se potencia o risco de o associado votar de forma pouco esclarecida, já que não assiste nem intervém na discussão no decurso da assembleia. Logo, o que acaba por avultar no resultado da tarefa interpretativa exercida sobre os n.º 2 e 3 do art.º 175.º do CC é que nas deliberações referidas em tais preceitos é admissível a votação por representação (o voto por procuração)”. Quanto a esta matéria, o acórdão recorrido seguiu a fundamentação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 2.11.2010, processo n.º 613/09.5TBTNV.C1, publicado em www.dgsi.pt), no qual se defendeu que “dizendo o n.º 2 do art. 175 que salvo o disposto nos n.ºs seguintes (que não têm aplicação ao caso dos autos) as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes, tem-se retirado dele que os votos devem ser expressos nas AG, depois de discussão, e por isso não podem ser feitos por correspondência.”

Tanto o acórdão recorrido como o referido acórdão da Relação de Coimbra de 2.11.2010 se basearam no entendimento doutrinário de vários autores que se pronunciaram sobre o voto por correspondência no âmbito das sociedades comerciais, defendendo que tal entendimento “tem plena aplicação ao caso das associações, já que, como se verá, a justificação tem a ver com a escolha do método de formação da deliberação: em AG com os associados presentes.” São, a propósito, citados os seguintes autores: Raúl Ventura, Sociedades por Quotas (Comentário ao CSC), Almedina, 1989, vol. II, pág. 176; Pinto Furtado, Deliberações dos sócios -Comentário ao CSC, Almedina, 1993, págs. 109/110 e 138/139; e Brito Correia, Direito Comercial, vol. III, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1990, págs. 175/176.

Todavia, deve atentar-se que estes autores se pronunciaram sobre o regime constante do Código das Sociedades Comerciais antes da alteração introduzida pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março (com início de vigência no dia 30.6.2006).

Com efeito, a propósito das deliberações dos accionistas em assembleias gerais de sociedades anónimas, o DL nº 76-A/2006, de 29 de Março, aditou ao artigo 384º, o novo nº 9, do seguinte teor:

9- Se os estatutos não proibirem o voto por correspondência, devem regular o seu exercício, estabelecendo, nomeadamente, a forma de verificar a autenticidade do voto e de assegurar, até ao momento da votação, a sua confidencialidade, e escolher entre uma das seguintes opções para o seu tratamento:

a) Determinar que os votos assim emitidos valham como votos negativos em relação a propostas de deliberação apresentadas ulteriormente à emissão do voto;

b) Autorizar a emissão de votos até ao máximo de cinco dias seguintes ao da realização da assembleia, caso em que o cômputo definitivo dos votos é feito até ao 8.º dia posterior ao da realização da assembleia e se assegura a divulgação imediata do resultado da votação.”

Além disso, o DL nº 49/2010, de 19 de Maio aditou ao mesmo preceito o nº 10 segundo o qual “ Na falta de previsão dos estatutos aplica-se a alínea a) do número anterior”, tendo sido este diploma que, ao determinar a aplicação supletiva da al. a) do nº 9 do referido art. 384º veio dissipar as dúvidas existentes na doutrina a propósito da possibilidade do voto por correspondência dos accionistas quando os estatutos da sociedade fossem omissos a esse respeito.

E como, de acordo com o disposto no art. 248º, nº 1, do CSC, às assembleias gerais das sociedades por quotas se aplica o disposto sobre assembleias gerais das sociedades anónimas, em tudo o que não estiver especificamente regulado para aquelas, também o regime relativo ao voto por correspondência tem aplicação nas deliberações de Assembleias Gerais de sociedades por quotas. Sendo que, nas sociedades em nome colectivo, às deliberações dos sócios e à convocação e funcionamento das assembleias gerais, se aplica o disposto para as sociedades por quotas em tudo quanto a lei ou o contrato de sociedade não dispuserem diferentemente ( art. 189º, nº 1 do CSC).

Aliás, a possibilidade do voto por correspondência estava já expressamente prevista quanto às sociedades abertas nos termos do art. 22º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) aprovado pelo DL n.º 486/99, de 13 de Novembro, no qual se previa que “nas assembleias gerais das sociedades abertas, o direito de voto sobre matérias que constem da convocatória pode ser exercido por correspondência”, sendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, o voto por correspondência pode ser afastado pelos estatutos da sociedade, salvo quanto à alteração destes e à eleição de titulares dos órgãos sociais, caso em que a possibilidade daquela forma de voto é legalmente imperativa; actualmente, o mesmo preceito continua a prever o exercício do direito de voto por correspondência nos mesmos moldes nas assembleias gerais das sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado (depois da alteração introduzida pela Lei n.º 99-A/2021, de 31 de Dezembro).

Assim, e em resumo, não se pode afirmar que existe no regime das sociedades comerciais uma proibição genérica do exercício do direito de voto dos sócios, em assembleias gerais, por correspondência. Pelo contrário: nele se prevê expressamente a existência dessa forma de votação a não ser que os estatutos da sociedade a proíbam.

Assinale-se, ainda, que no antigo Código Cooperativo aprovado pela Lei n.º 51/96, de 7.9, se admitia também o voto por correspondência, sob a condição de o seu sentido ser expressamente indicado em relação ao ponto ou pontos da ordem de trabalhos e de a assinatura do cooperador ser reconhecida nos termos legais (art. 52º), sendo que no actual Código Cooperativo (Lei nº 119/2015, de 31.8, alterado pela Lei n.º 66/2017, de 9.8) ) se continua a admitir no art. 42º, o voto por correspondência, agora “sob a condição de o seu sentido ser expressamente indicado em relação ao ponto ou pontos da ordem de trabalhos e de os estatutos regularem o seu exercício, a forma de verificar a sua autenticidade e de assegurar a sua confidencialidade, prevendo, ainda, o n.º 2 do mesmo preceito legal que “os votos emitidos por correspondência valem como votos nulos em relação a propostas de deliberação apresentadas ulteriormente à emissão do voto.”

Portanto, e como refere Menezes Cordeiro no seu Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2.ª ed., Almedina, 2014, a pág. 1035, já antes da reforma introduzida pelo DL n º 76-A/2006, de 29.3, ao CSC, era praticado o voto por correspondência nas associações, nas cooperativas (52º do CCoop), nas sociedades abertas (2º do CVM), de que atrás se falou, e nas sociedades em geral por via dos respectivos estatutos ou por decisão do presidente da mesa da Assembleia Geral.

Porém, o panorama acabado de traçar não permite, em todo o caso, contornar e afastar a aplicação da regra imperativa do art. 175º, nº 2 do CC, prevista para as associações: “ Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes” (itálico nosso). E isto por força do argumento literal.

É verdade que as razões acima indicadas, na doutrina (sobretudo antes da reforma do CSC) e na jurisprudência, para conferir prevalência ao voto presencial dos associados nas deliberações tomadas em assembleias gerais de associações- o esclarecimento do debate- não colhem no caso sub judice, que diz respeito a um acto eleitoral.

Com efeito, para o acórdão do STJ de 16.11.2006, acima citado, o sentido da proibição do voto por correspondência nas deliberações de assembleias gerais era o de impedir que o associado votasse de forma pouco esclarecida, já que não assistia nem intervinha na discussão no decurso da assembleia. Nesse sentido se tinha pronunciado também Pinto Furtado, citado no acórdão recorrido, que, a propósito do voto em assembleias gerais de sociedades comerciais, antes da reforma do CSC, tinha defendido que o voto deve ser formado durante a própria reunião, em face do esclarecimento obtido com as informações prestadas e o debate, não podendo, pois, admitir-se o voto por correspondência, como temos vindo a referir” (Deliberações dos sócios - Comentário ao CSC, Almedina, 1993, pág. 139). E Menezes Cordeiro (loc. cit.) assinalou, já depois da reforma do CSC, em anotação ao art. 384º, quanto ao factor teleológico, que se, por um lado, “o voto por correspondência visa associar mais accionistas às decisões sociais”, por outro, “impede o acesso directo à informação e tira alcance ao debate dos problemas, potencialmente esclarecedor”.

Ora, estando em causa os estatutos da aqui Ré, importa distinguir entre a votação para deliberações precedidas de prévia discussão entre os associados presentes na assembleia geral (o que pressupõe necessariamente a presença física dos associados) e a votação para deliberações de eleição dos membros de órgãos sociais em assembleias gerais que tenham como única finalidade a realização dessa votação e apuramento do respectivo resultado, sem qualquer discussão prévia.

Com efeito, se atento o disposto no artigo 17º dos estatutos da Ré - “A participação nas reuniões da Assembleia Geral é presencial, não sendo permitida a representação dos sócios efectivos ou honorários”; § único “O sócio que seja pessoa colectiva far-se-á todavia representar por delegado credenciado, que não poderá representar mais do que uma pessoa colectiva”- resulta que a regra geral é a da presença física dos associados nas assembleias gerais para que possam exercer o direito de voto em deliberações tomadas nessas reuniões, não sendo admissível o voto por correspondência, nem por procuração a terceira pessoa que esteja presente, já a norma dos estatutos cuja validade é questionada – nº 5 do art. 28º - se reporta a uma realidade distinta daquela que é objecto do artigo 17º, dizendo respeito à votação por correspondência para a eleição dos membros dos órgãos sociais. Se, segundo os estatutos da Ré, essa eleição ocorre em assembleia geral [artigo 15º, alínea b)], o que constitui o regime supletivo previsto no art. 170º, n.º 1, do CC, a respectiva votação em assembleia geral não é precedida de qualquer discussão entre os associados presentes nessa mesma Assembleia, destinando-se apenas à realização da votação e apuramento do respectivo resultado, decorrendo toda a campanha para os órgãos sociais e toda a discussão inerente a essa eleição em momento anterior à data marcada para essa assembleia electiva. Na verdade, o n.º 1 do art. 28º dos Estatutos da Ré dispõe que “trinta dias antes da data marcada para as eleições dos Órgãos Sociais, serão afixadas nas instalações da sede social e dos serviços administrativos, por iniciativa do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, listas onde constem os nomes de todos os sócios efectivos que na altura possam ser eleitos”, dispondo o nº 2 que “as eleições serão feitas por escrutínio secreto e por meio de listas separadas para cada um dos órgãos sociais, de que constem os nomes dos sócios indicados para o preenchimento dos lugares respectivos”. Segue-se que as listas de candidatos deverão ser entregues na secretaria pelo menos 20 dias antes da data marcada para as eleições, competindo ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral providenciar pela respectiva afixação nas instalações da sede social e dos serviços administrativos durante os quinze que precedem aquela data (art. 28º, nº 3, dos Estatutos da Ré). Sendo que juntamente com as listas de candidatos, deverão os seus proponentes entregar, em sobrescrito fechado dirigido ao Presidente da Mesa da Assembleia, o programa de acção da Direcção, o qual será igualmente afixado até à data das eleições (art. 28º, nº 4, dos mesmos Estatutos).

E, suma: os associados da Ré têm prévio conhecimento da composição das listas de candidatos aos órgãos sociais, bem como do programa de acção daqueles que se propõem integrar a Direcção, antes da data designada para as eleições, de modo que possam, de forma consciente e ponderada, decidir o sentido do seu voto em data anterior à realização das eleições.

Parece-nos, assim, que nunca o interesse, presumivelmente subjacente à previsão nos n.ºs 2 e 3 do art. 175º do CC de salvaguardar que cada associado vote de forma esclarecida, depois de assistir e intervir na discussão que precede a votação no decurso da assembleia, sairia aqui beliscado no caso regulado no art. 28º dos Estatutos da Ré, pois o processo de escolha dos membros dos órgãos sociais da Ré previsto nesse artigo salvaguardaria inteiramente o exercício esclarecido e consciente do voto ao prever um procedimento que tem lugar em data anterior à realização das eleições. De facto, compulsada a matéria provada nos autos, constatamos que a Assembleia Geral eleitoral dos órgãos sociais da Ré para o triénio 2021-2023, que teve lugar no dia 12.6.2021, no VIP Executive Zurique Hotel, em ..., para a qual concorreram várias listas separadas de candidatos para cada um dos órgãos sociais, se destinou unicamente ao exercício da votação que decorreu entre as 14:00 e as 17:00 horas do referido dia 12.6.2021, tendo votado presencialmente 170 associados efectivos e sido recebidas 389 votações (em envelope selado, entregue por correio postal ou pela mão dos associados presentes) de associados ausentes, sendo que, por um lado, estaria garantida a confirmação da identidade do associado que exerceu o direito de voto através da assinatura de carta de acompanhamento, com cópia do bilhete de identidade do mesmo, e, por outro lado, a confidencialidade do sentido do voto que é introduzido em sobrescrito fechado. Não havendo qualquer discussão entre os associados presentes na Assembleia Geral eleitoral, antes do exercício do direito de voto, a exigência da presença física do associado nessa assembleia geral para exercer presencialmente o direito de voto não representaria, assim, qualquer benefício para a associação, dificultando, pelo contrário, ou impedindo mesmo, o exercício daquele direito de voto a associados que residissem em local distante daquele em que se realizou a assembleia eleitoral ou que, por qualquer razão pessoal, familiar ou profissional, não pudessem deslocar-se presencialmente na data agendada para as eleições.

De tudo resulta que não se verifica, assim, a necessidade da presença do associado para o exercício esclarecido do seu direito de voto, pelo que, nessa medida, a deliberação da eleição não exigiria a sua presença para o acto eleitoral. Não se mostrando necessária a sua presença para se informar, não haveria, assim, óbice ao voto por correspondência que, desse modo, “associa(ria) mais associados às decisões”.

Sucede, no entanto, que a letra da lei (art. 175º, nº 2 do CC) surge, aqui, como um obstáculo inultrapassável, impeditivo da admissibilidade do voto por correspondência. Como do texto da lei consta, a deliberação (da eleição) é tomada por maioria absoluta dos associados presentes (itálico nosso). Ora, cabendo ao texto a função negativa de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou ressonância das palavras da lei (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Março 2023, a pág. 182) a deliberação não pode ser tomada por associados, que não estejam presentes, através do voto por correspondência.

Por outro lado, também não é possível a interpretação extensiva proposta pela recorrente do termo “presentes” que consta do nº 2 do art. 175º do CC por forma a incluir os votantes por correspondência. Não existem elementos seguros para afirmar que o legislador disse menos do que pretendia dizer, e que quisesse dizer que só em caso de deliberações precedidas de debate é que se exigia a presença dos associados e que relativamente às outras, não precedidas de discussão, já se admitia o voto por correspondência.

Pela mesma razão, também não é possível a interpretação restritiva no sentido de que o nº 2 do art. 175º abrange apenas as deliberações que devam ser precedidas de discussão. Também não se pode afirmar que o legislador disse mais do que pretendia dizer, ou seja, que quando se referiu às votações dos associados presentes para as deliberações do nº 2 se tenha querido referir apenas às deliberações precedidas de discussão. Aliás, a evolução legislativa não permite sustentar esta ideia, pois o legislador que introduziu o voto por correspondência nos nºs 9 e 10 do art. 384º do CSC, respectivamente através do DL nº 76-A/2006 e do DL nº 49/2010, não alterou a redacção do nº 2 do art. 175º do CC, mantendo a exigência dos associados presentes nas deliberações aí previstas.

Por último, não se pode configurar qualquer lacuna (caso omisso) que se deva preencher através da analogia a partir dos casos atrás referidos no CSC ou no Código Cooperativo em que se permite o voto por correspondência. Para tal, teria de se concluir que se estava perante uma situação que não constituía objecto de nenhuma disposição legal (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, volume I, 3ª edição, pág. 59), o que não é o caso. Não se denota omissão, antes o propósito deliberado de não admitir o voto por correspondência.

Resta a invocada inconstitucionalidade da norma do art. 175º, nº 2 do CC, obtida por interpretação, no sentido de que os associados não podem votar por correspondência.

Considera a recorrente que a interpretação da proibição de voto por correspondência, decorrente da leitura “literal” do nº 2 do art. 175º do CC, por interpretação da expressão “presentes” como se referindo a uma presença física, é inconstitucional por violação dos arts. 13º e 46º da CRP.

O recorrente não é, porém, claro em relação ao art. 13º da CRP.

Se o objectivo é contestar a diferença de tratamento entre os presentes e os ausentes que não podem votar por correspondência, não se divisa ofensa do princípio da igualdade.

Este princípio pressupõe, naturalmente, que as situações de facto são iguais. E elas não são: os associados que podem votar estão presentes, os outros, que não o podem fazer, estão ausentes. Nessa medida, não se pode dizer que, dada a natureza da participação associativa, eminentemente pessoal (Paulo Olavo Cunha, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 382) o legislador tenha actuado arbitrariamente, consagrando diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes (Acórdão nº 96/2005, publicado no Diário da República n.º 63/2005, Série II de 31/03/2005).

Invoca a recorrente, por outro lado, a violação do 46º da CRP, que consagra a liberdade de associação.

Porém, não se antolha como possível tal violação.

É verdade que o nº 2 do art. 46º da CRP abrange, ainda, explícita ou implicitamente outras dimensões da liberdade de associação, como a liberdade de auto-organização, o autogoverno e a autogestão ( Gomes Canotilho e Vital Moreira na CRP anotada, Volume I, 4ª edição, pág. 646).

Porém , mais adiante escrevem os mesmos autores ( loc. cit.): “ a liberdade de auto-organização e de autogestão não prejudica, naturalmente, a fixação normativa de regras gerais de organização e gestão que não afectem substancialmente a liberdade de associação, nomeadamente os requisitos mínimos de uma organização democrática interna (aprovação dos estatutos pelos associados ou por assembleia representativa, eleição periódica dos órgãos dirigentes pelos associados, o direito de participação na vida da associação, responsabilidade dos dirigentes perante os associados, etc).

Assim, tendo em conta os parâmetros atrás citados não se nos afigura que o voto por correspondência consititua um aspecto procedimental essencial do direito fundamental da liberdade de associação. Pode facilitar a associação de mais sócios à decisão mas não impede, de todo, a sua participação.

Não se mostra aqui violado, também, o art. 46 da CRP.

Ainda a propósito da inconstitucionalidade do art. 175º, nº 2, com a interpretação que lhe estamos a dar, poderá questionar-se, também, se o mesmo envolve a violação do art. 18º, nº 2 da CRP,

Cremos que aqui a resposta deverá ser igualmente negativa.

Nos termos do art. 18º, nº 2 da CRP, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Como é jurisprudência pacifica, no nº 2 está inscrito o princípio da proporcionalidade (que se desdobra em três subprincípios: princípio da adequação, princípio da exigibilidade e princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito).

A este propósito, não se ignora a passagem do artigo de Paulo Videira Henriques que escreveu, a propósito do voto por procuração, nas deliberações de assembleias gerais de associações: a liberdade de organização e regulamentação interna deve ser concretizada, desde logo, numa ampla liberdade de modelação do conteúdo dos estatutos. Com isto não estamos a insinuar a inadmissibilidade da consagração de limites legais. Pelo contrário, julgamos que o ponto é pacífico: a lei ordinária pode estabelecer limites e restrições àquela liberdade. Contudo, não é menos pacífico, com certeza, que a interferência legislativa que consagre limites e restrições tem de respeitar os ditames constitucionais, mormente a ideia de proporcionalidade nas três dimensões conhecidas: adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu. É desta pré-compreensão que o intérprete deve munir-se antes de ler os preceitos do Código Civil, especialmente o artigo 162.°, parte final, e o artigo 175.°, n.ºs 1 a 4.” (“O Regime Geral das Associações”, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, vol. II, Coimbra, 2006, pág. 297).

Cremos, porém, que a proibição do voto por correspondência não envolve qualquer restrição desproporcional ( em qualquer das suas dimensões) à liberdade de associação prevista no art. 46 da CRP nem a qualquer direito ou liberdade consagrados na CRP. A norma em causa- art. 175º, nº 2 do CC- contém-se dentro da “regulação de aspectos meramente procedimentais do direito fundamental da liberdade da associação” ( Ac. do TC n.º 18/06 de 6.1.2006), não afecta, arbitrariamente, dimensão relevante da liberdade de associação, que justifique o afastamento da norma.

Em conclusão, entendemos que, neste caso, improcede também a revista, devendo manter-se a decisão recorrida na parte em que declarou nulo o nº 5 do art. 28º dos Estatutos da Ré.

Da anulabilidade da deliberação de eleição dos membros dos órgãos sociais da Ré

No acórdão recorrido foi anulada a deliberação de nomeação dos órgãos sociais da Ré tomada em 15.6.2021.

Para o efeito, considerou-se na respectiva fundamentação:

“A reunião ocorrida em 15/06/2021 não foi precedida da convocatória aos associados nos termos dos art°s 174° e 175° do CC (os Estatutos da R. são omissos nesta matéria). Nela apenas estiveram presentes os membros da MAG e os representantes das listas candidatas. Verifica-se, assim, que essa reunião padece de irregularidades havidas na convocação dos associados e no funcionamento da assembleia, sendo anulável a deliberação nela tomada de nomeação dos titulares dos órgãos sociais.

O vício não corresponde ao da inexistência jurídica nem à nulidade, estando expressamente previsto no art° 177° do CC.

Também se verifica o fundamento de anulabilidade da dita deliberação (art° 177° do CC), por terem sido contabilizados votos escritos de associados remetidos pelo correio ou entregues por terceiro, contrariando o disposto no art° 175°, n° 2 do CC. Acresce que não seria viável determinar o resultado da votação, excluindo os votos escritos, nulos, por impossibilidade da destrinça com os votos dos associados presentes (o denominado teste de resistência).

As irregularidades já apontadas quanto à convocação e funcionamento da assembleia sempre afetariam qualquer deliberação que tivesse sido tomada quanto à eleição (independentemente de terem sido contabilizados votos de associados ausentes).”

A recorrente, no seu recurso de revista, alega: que a assembleia geral eleitoral foi una e que se realizou no dia 12.6.2021, compreendendo o acto da votação ocorrido naquele dia e o apuramento dos resultados que se prolongou para dia posterior; que as decisões da Mesa da Assembleia Geral de “anular” as eleições e a própria revogação de tal decisão são nulas e devem ser desconsideradas e de nenhum efeito, pelo que não houve qualquer assembleia geral em 15.6.2021 para a contagem dos votos porque esta formalidade se integra na assembleia eleitoral convocada e realizada em 12.6.2021: que “não há lugar a qualquer convocatória de assembleia geral para efeito da contagem de votos, não sendo a reunião de 15/06/2021 uma nova assembleia geral, mas o encerramento do apuramento dos votos, ato exercido pelos associados em 12/06/2021. Não tendo havido qualquer irregularidade na convocação e funcionamento da assembleia eleitoral, a deliberação nela tomada para eleição dos titulares dos órgãos sociais para o triénio 2021-2023 é perfeitamente válida.”

Porém, com relevância para a apreciação desta questão, resultaram provados os factos 2, 12, 18 a 20, 23 e 25.

Ora, como tivemos oportunidade de referir, citando Pinto Furtado (op. cit., pág. 146), o escrutínio ou verificação do resultado da votação “é uma aceitação ou acertamento constitutivo, pois culmina por uma declaração de ciência que faz surgir no mundo jurídico uma categoria até aí inexistente. Sem ele, não pode materialmente saber-se em que sentido se pronunciou o colégio e, assim, se a proposta de deliberado fez ou não vencimento. O Código exige, por isso, que o seu resultado conste expressamente da acta (al. g) do art. 63-2), não podendo consubstanciar-se e ter existência jurídica a deliberação sem o seu concurso. O seu valor é necessariamente constitutivo.”

Assim, a deliberação de eleição dos membros dos corpos sociais da Ré cuja anulabilidade é peticionada pelo Autor não tem existência jurídica sem o apuramento do resultado da votação. Se é verdade que a eleição decorreu integralmente em 12.6.2021, é verdade também que a verificação do resultado da votação só ocorreu em 15.6.2021, pelo que só nesta última data, a referida deliberação se completou.

Alega a recorrente que não tinha de existir qualquer convocatória de assembleia geral para efeito da contagem de votos, não sendo a reunião de 15.6.2021 uma nova assembleia geral, mas o encerramento do apuramento dos votos, acto exercido pelos associados em 12.6.2021.

No entanto, a factualidade provada revela o contrário.

Com efeito, após a irregularidade detectada pela Mesa de Assembleia-Geral no acto de contagem dos votos no dia 12.6.2021, com existência de um voto duplicado, a Presidente da Mesa decidiu selar as urnas com todos os votos recebidos, o que foi feito com fita cola e aposição de uma folha assinada por si e por GG (representante da lista A candidata à Mesa da Assembleia Geral para o triénio seguinte).

Após, ainda na mesma data, foi emitido um comunicado dirigido a todos os associados, subscrito por todos os membros da Mesa da Assembleia Geral no qual se afirma que “A MAG detetou várias irregularidades durante o ato eleitoral de hoje, as quais colocam em causa a sua legitimidade e a validade do seu eventual resultado. Na sequência das ditas irregularidades, a MAG consultou os representantes das 9 listas candidatas expondo os factos apurados, devidamente documentados. A maioria dos presentes concordou na anulação do ato eleitoral e todos foram unânimes na necessidade de proteger os associados, o CPC e o novo ato eleitoral, que, no entender da MAG, se impõe, visto este se encontrar ferido de morte. A MAG irá envidar todos os esforços para convocar nova assembleia eleitoral com regras que respeitem a lei e assegurem a total transparência da vontade expressa dos sócios. Mais informamos que as urnas contendo os votos foram seladas com a concordância de todos os presentes.”

Não está aqui em causa a validade dos comunicados emitidos pela MAG ou a validade do suposto acto de anulação da assembleia eleitoral.

O que releva dos factos provados é que qualquer declaratário normal colocado na posição de cada um dos associados da Ré, deduziria do texto do referido comunicado da MAG emitido em 12.6.2021 que a assembleia geral eleitoral realizada nessa data tinha sido anulada, ou seja, que não produzia quaisquer efeitos, nomeadamente o da eleição dos membros dos corpos sociais da Ré e que seria convocada no futuro uma nova assembleia eleitoral para o mesmo efeito.

Perante esse comunicado, qualquer nova assembleia geral eleitoral ou qualquer reatamento da assembleia geral iniciada em 12.6.2021 teria necessariamente de respeitar as normas previstas no art. 174º do CC, nomeadamente, a antecedência mínima de oito dias para a realização da convocatória nos termos do n.º 1 dessa disposição legal.

Porém, tal não sucedeu, tendo a Mesa da Assembleia Geral publicado um novo comunicado, em 14.6.2021, através do qual informou: “A MAG esteve reunida por Zoom com os representantes das nove candidaturas às eleições dos Corpos Sociais do CPC” (…) Com a unanimidade de todas as candidaturas, relativamente à boa condução do processo eleitoral desde o seu início até à suspensão, ficou acordado que dia 15 de junho às 18h:30m, o mesmo processo será concluído e o apuramento dos resultados será imediatamente publicado no site oficial do CPC. Mais informamos que a ata do ato eleitoral será igualmente publicada no site oficial do CPC com a maior brevidade possível”.

Uma vez que, de acordo com os estatutos da Ré, a eleição dos membros dos corpos sociais é da competência exclusiva da assembleia geral [artigo 15.º, alínea b], e tendo o apuramento dos resultados eleitorais natureza constitutiva da deliberação daquela eleição, é evidente que o apuramento dos resultados apenas podia ser realizado em assembleia geral para a qual fossem convocados todos os associados da Ré com a antecedência mínima prevista na lei. Independentemente de se tratar de uma nova assembleia geral, ou do reatamento da assembleia iniciada anteriormente, o certo é que houve um hiato temporal entre os dois momentos relevantes (12.6.2021 e 15.6.2021), sendo os associados informados em 12.6.2021 que seria convocada uma nova assembleia geral eleitoral em data a definir.

No entanto, tendo a mesa da assembleia geral da Ré convocado em 14.6.2021 a assembleia geral para apuramento dos resultados eleitorais para o dia seguinte, é evidente que não foi respeitado o período de antecedência mínima previsto no n.º 1 do art. 174.º do CC. Essa antecedência mínima visa naturalmente permitir a participação dos associados na assembleia geral, sendo natural que uma reunião marcada para o dia seguinte não possa contar com a maioria dos associados, os quais, num período tão curto de tempo não conseguem organizar as suas vidas, tanto mais que podem residir em qualquer ponto do território nacional. E o que é certo é que na reunião do dia 15. 6. 2021, em que se contabilizaram os votos e se apurou o resultado da votação, estiveram apenas presentes os elementos da Mesa da Assembleia Geral e um representante de cada uma das listas concorrentes.

Da mesma forma, também não foi respeitada a forma de convocatória prevista no n.º 1 do art. 174.º (aviso postal expedido para cada um dos associados com indicação do dia, hora e local da reunião e respectiva indicação da finalidade da reunião).

Nos termos do art. 177º do CC, “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objecto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis.”

Ou seja: além do fundamento da anulabilidade já referido, decorrente do facto de terem sido contabilizados votos escritos de associados remetidos pelo correio ou entregues por terceiro,, existiram, ainda, irregularidades na convocação dos associados, o que implica, também, a anulação da deliberação de nomeação dos titulares dos órgãos sociais da Ré tomada em 15.6.2021.

Pelo exposto, acorda-se em:

a) indeferir o requerimento de inutilidade superveniente da lide

b) negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Lisboa, 7 de Maio de 2024

António Magalhães (Relator)

Jorge Leal

Pedro de Lima Gonçalves