Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA TÍTULO EXECUTIVO JUROS DE MORA TAXA INTERPRETAÇÃO DE SENTENÇA CAUSA DE PEDIR PEDIDO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/27/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I – A expressão “juros de mora à taxa legal” – ou equivalente – constante do dispositivo de uma sentença condenatória que serve de título executivo, em si mesma, nada esclarece sobre se ao montante da condenação acrescem juros de mora calculados à taxa anual aplicável à generalidade das obrigações civis ou juros de mora calculados à taxa anual aplicável em relação aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais; II – Nessa situação, sendo a sentença um acto jurídico a que são aplicáveis as regras reguladoras dos negócios jurídicos sobre a interpretação da declaração negocial, os limites do título executivo (artigo 10.º n.º 5 do Código de Processo Civil) devem ser encontrados com recurso às regras sobre a interpretação da declaração; III – Quando a parte decisória da sentença condenatória seja susceptível de mais do que uma interpretação, o correcto sentido e alcance da decisão deve ser encontrado à luz da análise do percurso argumentativo expresso na sentença a partir da exposição dos factos integrantes da causa de pedir que tenham resultado provados e, em especial, do pedido formulado, já que é forçoso que haja uma correspondência entre o pedido e a pronúncia da sentença condenatória. IV – Não resultando da análise da petição inicial qualquer referência concretizadora dos juros de mora e não tendo a autora formulado pedido de condenação no pagamento de juros contabilizados à taxa de juros específicos relativos aos créditos das empresas comerciais, não pode o dispositivo da sentença condenatória que aprecie tal pedido ser interpretado no sentido de lhe reconhecer o direito a receber juros de mora calculados de acordo com a taxa especificamente prevista para tais créditos. V – Nessa circunstância, a referência a juros “à taxa legal”, contida na parte dispositiva da sentença que serve de título executivo deve ser interpretada no sentido de o título executivo se limitar aos juros devidos em caso de mora no cumprimento da generalidade das obrigações civis – 4% de acordo com a Portaria 291/2003, de 8 de abril de 2003. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM, em nome do POVO PORTUGUÊS, os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: ֎ RELATÓRIO I – INTRODUÇÃO 1 – Na sequência da acção declarativa instaurada por Acuinova – Actividades Piscícolas, SA contra ACUPM – Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ... – A..., e I..., SA, e com base na sentença proferida, foi pela primeira instaurada execução contra a I..., SA, a ACUPM – Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ... – A... e também contra S..., SA, E..., SA. e S... C..., SA – Sucursal em Portugal. Foi junta ao requerimento executivo a sentença proferida na mencionada acção declarativa 295/12...., a qual foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra por acórdão de 3 de março de 2020 e que constitui o título executivo. A sua parte dispositiva é do seguinte teor: “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, devendo a Autora ser indemnizada no montante global de € 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros) e, em consequência: a) Condeno o Réu ACUPM a pagar à Autora a quantia de € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros); b) Condeno a Ré I... a pagar à Autora a quantia de € 1.080.000,00 (um milhão e oitenta mil euros); c) As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; d) Absolvo as Rés do demais peticionado; e) Absolvo as Rés do pedido de condenação como litigantes de má-fé.” 2 – No requerimento inicial da execução a exequente invocou os seguintes factos: “Instaurou uma acção declarativa contra as Executadas, a qual correu termos no Juízo Central Cível ... - Juiz ..., com o número de processo 295/12...., onde foi proferida sentença, datada de 8 de Abril de 2019, pela qual foram as Executadas condenadas a indemnizar a Exequente na quantia de € 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros), correspondendo € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros) ao Executado ACUPM e € 1.080.000,00 um milhão e oitenta mil euros) à Executada I..., quantias essas acrescidas dos respectivos juros moratórios legais, devidos desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento. A referida sentença foi confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de março de 2020 e já transitado em julgado.” 3 – No segmento do requerimento inicial destinado à liquidação da obrigação aduziu a exequente o seguinte: “Ao valor global dos montantes indemnizatórios nos quais as Executadas foram condenadas a pagar à Exequente (…) acrescem ainda os respectivos juros moratórios legais já vencidos, de natureza comercial (nos termos do disposto no artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial), contados desde a data da citação de cada um dos citados Executados, na razão de: - Quanto ao Executado ACUPM, citado para a acção declarativa em 27 de novembro de 2012, juros moratórios legais, de natureza comercial, contados às taxas legais sucessivas de 8%, 7,75%,7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, desde a referida data até à entrada do presente requerimento executivo, no valor de € 5.590.185,04 (cinco milhões quinhentos e noventa mil cento e oitenta e cinco euros e quatro cêntimos); - Quanto à Executada I..., citado para a acção declarativa em 4 de dezembro de 2012, juros moratórios legais, de natureza comercial, contados às taxas legais sucessivas de 8%, 7,75%, 7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, desde a referida data até à entrada do presente requerimento executivo, no valor de € 619.474,68 (seiscentos e dezanove mil quatrocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos); sem prejuízo dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já ficam pedidos. Para lá dos juros moratórios vencidos e vincendos, são ainda devidos pelas Executadas à Exequente, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, juros compulsórios, contados à taxa legal de 5%, desde a data do trânsito em julgado do Douto Acórdão que decidiu definitivamente o litígio, 3 de julho de 2020, até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já ficam pedidos.” 4 – E em sede de “informações complementares” a exequente declarou o seguinte: “É indicada, em sede de "Caracterização do Requerimento", a comercialidade da dívida e dos juros moratórios (contados na "Liquidação da Obrigação"), porquanto a dívida ora dada à execução resulta de incumprimento de contrato de empreitada de natureza comercial, nos termos do artigo 230.º do Código Comercial, que implica a aplicação do artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial. 2. Os outros intervenientes ora indicados como Executados: S..., SA, E..., SA. e S... C..., SA são as sociedades agrupadas no Executado ACUPM, (…), as quais são solidariamente responsáveis, ainda que subsidiárias, das dívidas do Executado ACUPM, nos termos da Base II, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 4/73, de 4 de Junho. Por se tratarem de responsáveis solidários, ainda que meramente subsidiários, nos termos do disposto no artigo 745.º do Código de Processo Civil, requer-se, oportunamente, a citação dos supra referidos Executados, para os termos da presente execução.” 5 – As executadas ACUPM, A..., S..., SA e S... C..., SA – Sucursal em Portugal deduziram, ao abrigo do disposto no artigo 856.º do Código de Processo Civil, embargos de executado e oposição à penhora. Alegam, em síntese, o seguinte: Que a exequente não possui título executivo em relação às executadas S..., SA, e S... C..., SA – Sucursal em Portugal, uma vez que estas não foram parte na acção em que foi proferida a sentença dada à execução, nem foram condenadas a pagar-lhe qualquer quantia e que, apesar de serem membros do ACUPM, A... e subsidiariamente responsáveis pelas dívidas do Agrupamento, não estão abrangidas, enquanto terceiros, pelo caso julgado formado pela sentença dada à execução. Que em 3 de maio de 2021 o ACUPM, A... pagou à exequente a quantia de € 13.005.093,70, na qual se incluía o valor de € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros) que foi condenado a pagar à Exequente, e a quantia de € 3.285.093,70 (três milhões, duzentos e oitenta e cinco mil e noventa e três euros e setenta cêntimos) relativa a juros de mora calculados à taxa de juros civis (4%) que é a aplicável, uma vez que o que está em causa é o pagamento de uma indemnização por danos e não o pagamento de transações comerciais. Que não são devidos juros de mora nos termos em disposto no artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial, como consta do requerimento executivo, sendo certo que a sentença que serve de título executivo e fixa os seus limites não se refere a juros de natureza comercial. 6 – Recebidos que foram os embargos de executado viria a exequente/embargada a apresentar a sua contestação. Defende, em síntese, serem as embargantes S..., SA e S... C..., SA – Sucursal em Portugal responsáveis pela dívida exequenda, assistindo-lhe o direito a instaurar contra elas a competente execução. Quanto aos juros liquidados defende a exequente/embargada serem devidos juros de mora comerciais, isto é, calculados de acordo com a taxa prevista na Portaria a que aludem os § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial, o que resulta, além do mais, do contexto e motivação/fundamentação da decisão condenatória dada à execução. 7 – Dispensada com anuência das partes a audiência prévia, foi proferido saneador sentença que, apreciando a invocada questão de ilegitimidade das embargantes supra identificadas e considerando que o título executivo apresentado tem como limite os juros moratórios à taxa dos juros civis, decidiu: - Julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva das Executadas/Embargantes “S..., SA” e S... C..., SA – Sucursal em Portugal”; - Absolver parcialmente as Executadas/Embargantes do pedido executivo, e determinar a extinção parcial da Acção Executiva, quanto às Executadas/Embargantes, na parte em que excede a quantia de € 503.040,41 relativa aos juros compulsórios vencidos; - Ordenar o levantamento de todas as penhoras determinadas na Acção Executiva que não sejam necessárias para o pagamento da quantia de € 503.040,41 e das custas processuais. ֎ ֎ ֎ II – A REVISTA 1 – Inconformada com o assim decidido, a exequente/embargada interpôs recurso de revista directo para o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do disposto no artigo 678.º do Código de Processo Civil (recurso per saltum), tendo apresentado nas respectivas alegações as seguintes CONLUSÕES: “I. O presente recurso, que constitui revista per saltum directamente para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 678.º, n.º 1do CPC), satisfaz os requisitos pertinentes, porquanto é interposto de decisão do tribunal de 1.ª instância prevista no artigo 644.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, o valor da presente causa é superior à alçada da Relação, o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação, nele são apenas suscitadas questões de Direito e não estão em causa decisões interlocutórias. II. Pelo douto saneador-sentença ora recorrido, nos segmentos decisórios 2) e 3) aqui impugnados, foi decidido “Absolver parcialmente as Executadas/Embargantes do pedido executivo, e determinar a extinção parcial da Acção Executiva” na parte em que excede € 503.040,41 de juros compulsórios vencidos, com base em que o “título executivo apresentado, quanto a juros, tem como limite os juros moratórios à taxa civil, inexistindo título para a cobrança coactiva de juros moratórios à taxa comercial”, juros moratórios comerciais esses no montante de € 2.557.280,40, cuja execução foi, assim, julgada improcedente. III. Padece, porém, de erro de julgamento de Direito essa determinação de que a liquidação sobre o capital devido dos juros legais de mora tem como limite os “juros moratórios à taxa civil”, porquanto as “taxas legais de juros de mora aplicáveis” ao caso (n.º 2 do artigo 716.º do Código de Processo Civil), tal como indicado no requerimento executivo, são as taxas comerciais que resultam do disposto no artigo 102.º §§ 3 e 4 do Código Comercial, pelo que assiste à ora Recorrente o direito à execução do montante ainda em dívida de € 2.557.280,40. IV. A fundamentação jurídica e fáctica da sentença exequenda, bem como a causa de pedir da acção declarativa de que resultou a decisão condenatória, evidencia que se trata na obrigação constante do título executivo de um crédito indemnizatório de uma empresa comercial por responsabilidade contratual incorrida por outra empresa comercial, pelo que, quando a sentença da 1.ª Instância dada à execução refere que “As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento”, essa referência à taxa legal tem que ser interpretada, tendo presente que para “se determinar, reconstituir e fixar o verdadeiro conteúdo e alcance dum título executivo constituído por uma sentença, há que considerar também o contexto em que o mesmo se insere, não sendo, por isso, de excluir o recurso à própria fundamentação (motivação) da sentença” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.09.2011, proc. n.º 695-C/1999.C1.S1), como envolvendo a aplicação da taxa de juros comerciais nos termos dos §§ 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial. V. O artigo 102.º §§ 3 e 4 do Código Comercial determina que o âmbito de aplicação dos juros comerciais e da taxa de juro correspondente respeita aos “créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas”, pelo que tal âmbito de aplicação é fixado em razão da natureza do titular do crédito (justamente, empresas comerciais, singulares ou colectivas). VI. Dívidas por responsabilidade civil contratual de empresas comerciais a uma empresa comercial, como são aquelas que se encontram em causa na presente execução na sequência da condenação produzida na acção declarativa que constitui o título executivo, sujeitam-se, assim, às taxas de juros comerciais previstas nos §§ 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial. VII. Quando se atenta na sentença proferida na acção declarativa n.º 295/12.7TBMIR, bem como no acórdão da Relação que a confirmou (que são dados como integralmente reproduzidos nos pontos n.ºs 3 e 4 do probatório constante do douto saneador-sentença recorrido), verifica-se que: i) a Autora invocou e demonstrou expressamente a sua qualificação como empresa comercial; ii) o crédito a título de capital de € 9.720.000,00 determinado pela decisão condenatória resulta da responsabilidade civil contratual em que foi condenada a empresa comercial Executada/Embargante. VIII. Mostra-se, pois, incorrecto, em face da configuração do pedido e da causa de pedir da acção declarativa instaurada pela Recorrente e do decidido pelo Tribunal de 1.ª Instância e pelo acórdão da Relação de Coimbra, interpretar, como faz o saneador-sentença, o título executivo no sentido de que a intenção da Autora, que é uma sociedade comercial, ao peticionar a condenação dos Réus nos montantes dos prejuízos causados “acrescidos dos respectivos juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento”, pretendia apenas os juros moratórios civis mais baixos e não os juros moratórios comerciais mais elevados. IX. Dado que, nos termos da legislação aplicável, os juros comerciais, com base nas taxas resultantes do disposto nos § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial, são os juros legalmente correspondentes à condenação judicial dada à execução, mostra-se correcta e devida a liquidação e contagem de juros realizada no requerimento executivo, pela qual, sobre o montante de capital devido, incidiram juros moratórios, de natureza comercial, desde a data da citação, às taxas legais sucessivas de 8%, 7,75%, 7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, que não foram ainda integralmente pagos. X. Inexiste, e nem seria conforme ao disposto no artigo 3.º, n.º 1 do Código Civil, que só admite como juridicamente atendíveis os usos (conformes à boa fé), mesmo que judiciários, quando a lei o determine, uma “prática judiciária” ou “forense” pela qual a expressão «juros legais» ou «juros à taxa legal» pretende significar os juros calculados à taxa civil por oposição aos «juros comerciais». XI. Como se consignou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.9.2016, proc. n.º 1665/06.5TBOVR.P2.S1, “não é a circunstância das Autoras terem utilizado na formulação do pedido as expressões “acrescida de juros legais de mora” ou “acrescida de juros legais”, em relação a cada um dos pedidos que foram objecto de condenação, que leva a considerar, por via das regras de interpretação, que apenas visaram os juros civis” pois “nos termos do artigo 559.º do Código Civil e do artigo 102º § 3 do Código Comercial, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo”, pelo que ao decidir diferentemente a douta sentença recorrida incorreu em errónea aplicação do artigo 559.º do Código Civil e do artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial. XII. A formulação constante do título executivo dado à execução de que “As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” envolve que os juros devem ser contados às taxas de juro comerciais, ocorrendo, assim, perfeita suficiência do título executivo a esse respeito, o qual foi integralmente respeitado no requerimento executivo, em perfeita obediência à autoridade do caso julgado da decisão condenatória. XIII. A discussão sobre o tipo de juros que complementam o crédito de capital da exequente inclui-se nos limites próprios da acção executiva por força do disposto no artigo 703.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (numa solução que foi introduzida originariamente pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8.3), bem como em atenção ao determinado pelo artigo 716.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. XIV. A aplicação no caso do artigo 102.º, § 3 e 4 do Código Comercial é o resultado de uma relação de especialidade, pois é sabido que tal previsão normativa, no seu âmbito de aplicação próprio, afasta sempre a norma geral que é representada pelo artigo 559.º do Código Civil, conforme prescrito pelo artigo 3.º do Código Comercial. XV. Impondo-se juridicamente concluir que a decisão condenatória proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e confirmada pela Relação de Coimbra de que as quantias em que os Réus foram condenados são “acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” envolve a aplicação das taxas legais de juros comerciais estabelecidas pelos § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial, segue-se que a douta sentença recorrida ao decidir diversamente não se mostra em conformidade com o título executivo e com o disposto nos § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial.” ֎ 2 – As executadas/embargantes apresentaram articulado de resposta às alegações da revista, pugnando pela sua improcedência, formulando as seguintes CONCLUSÕES: “A. No despacho saneador-sentença proferido pelo Tribunal a quo em 20.04.2022, o douto Tribunal absolveu parcialmente os ora Recorridos do pedido executivo, considerando que o “título apresentado, quanto a juros, tem como limite os juros moratórios à taxa civil, inexistindo título para a cobrança coactiva de juros moratórios à taxa comercial”. B. Opondo-se a tal entendimento, a Recorrente interpôs o presente recurso que constitui Revista per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. artigo 678º nº 1 do Código de Processo Civil), visando colocar em crise a decisão do Tribunal a quo. C. Pretende a Recorrente sustentar que tem direito à cobrança executiva de juros moratórios às taxas comerciais sucessivas de 8%, 7,75%, 7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de Direito. D. Para tal, alega, sumariamente, que: a – Não há nenhum dever ou ónus processual que estabeleça a necessidade de menção expressa a juros comerciais no pedido; tratando-se de meros “ritualismos” / “expressões sacramentais ou tabelares”; b – O âmbito de aplicação dos § 3 e 4 do artigo 102º do Código Comercial se define em função da natureza do titular do crédito (justamente, empresas comerciais, singulares ou colectivas); c – Estando em causa um crédito indemnizatório de uma empresa comercial por responsabilidade contratual incorrida por outras empresas comerciais, a “taxa legal” de juro só poderia ser a aplicável aos juros comerciais nos termos dos § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial; d – Não existe qualquer prática forense corrente segundo a qual a expressão “juros à taxa legal” deva ser interpretada como aludindo aos juros calculados segundo a taxa comercial; e, ainda que, e – A aplicação dos §3 e4 doartigo102.º do Código Comercial é o resultado de uma relação de especialidade; pelo que, f – Pode concluir-se que a “decisão condenatória proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância e confirmada pela Relação de Coimbra de que as quantias em que os Réus foram condenados são “acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” envolve a aplicação das taxas legais de juros comerciais estabelecidas pelos § 3 e 4 do artigo 102.º do Código Comercial”. E. Porém, não poderão V. Exas., Veneráveis Desembargadores, deixar de julgar a presente Revista totalmente improcedente. F. Com efeito, a prática judiciária largamente sedimentada – conforme demonstrado – adverte para a interpretação das expressões “juros à taxa legal” ou “juros legais” como alusivas à taxa de juro civil, quando inexistam outros elementos que possam indicar estar em causa a taxa de juro comercial. G. Aliás, a existência desta prática já foi comprovada pela jurisprudência deste Supremo, que se pronunciou no sentido de que: “Não tendo as autoras pedido a condenação da ré no pagamento de juros comerciais sobre a quantia indemnizatória que pretendiam receber, mas apenas a condenação da ré no pagamento de juros à taxa legal em vigor, deve este pedido ser entendido como referente aos juros civis por ser esta a taxa geral.” [1]. H. Por outro lado, a taxa de juro comercial é especial em relação à taxa de juro civil, mas não é imperativa. I. O princípio do dispositivo (ou do pedido) – com expressão nos artigos 3.º, n.º 1 e 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil – impõe ao Autor o ónus de requerer o que pretende em sede de condenação. J. Esse ónus impor-se-á com maior premência nas situações em que, conforme se lê na jurisprudência, “não for evidente, inequívoco, que a norma atributiva especial (comercial) concede essa (acrescida) taxa de juros” [2], o que sucede precisamente in casu. K. De facto, cremos que a interpretação do artigo 102.º do Código Comercial deve não só atender ao elemento literal, mas também aos elementos histórico e teleológico, que apontam para que os juros devidos pelos pagamentos de indemnizações fiquem excluídos do seu âmbito de aplicação. L. A atual redação do preceito teve origem no DL n.º 32/2003 – o qual transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, na qual se estabeleciam medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais – e, posteriormente, o DL n.º 62/2013 – que revogou e substituiu aquele diploma e que, por sua vez, transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, que relativa às medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais. M. Ambos os diplomas (assim como nas respetivas Diretivas) excluíam do seu âmbito de aplicação os pagamentos efectuados a título de indemnização por responsabilidade civil. N. Razão pela qual não cremos que a Recorrente tenha direito a beneficiar da taxa de juro comercial. O. Acresce que, conforme demonstrado, esse tem também sido o posicionamento da jurisprudência. P. Se a Recorrente propugna interpretação diversa, então devê-la-ia ter exposto em sede de processo declarativo, facultando aos Recorridos a possibilidade de exercer, com plenitude, o seu direito ao contraditório. Q. Pelo contrário, nunca foi a questão da natureza (civil ou comercial) da obrigação dos Recorridos abordada na ação declarativa, tendo somente surgido no requerimento executivo – fase em que “já devem ter-se por excluídos da discussão os assuntos que podiam (e deviam) ter feito parte de tema no processo de declaração onde o título se produziu, estando agora, pela natureza das coisas, comprimido aquele tema de discussão, restringido ao escrutínio do alcance que emana do título” [3]. R. Como ilustremente afirma o Tribunal da Relação de Coimbra: “Questionando-se a tipologia dos juros moratórios (devidos à exequente), a temática sobre a respetiva constituição, (…) há-de ter sido escrutinada na própria ação declaratória – o momento certo vocacionado para essa tarefa - e com efeito preclusivo de caso julgado sobre o assunto. Ademais, se essa discussão não houve, o que aconteceu foi que se perdeu a oportunidade. O tempo a ela destinado passou.”. S. Resta-nos, assim, a interpretar a sentença condenatória levada à execução. E nela nada permite concluir que a condenação no pagamento de juros “à taxa legal” diga respeito à taxa especial prevista no artigo 102.º do Código Comercial. T. Pelo exposto, não existem razões que fundamentem o recurso da Exequente, ora Recorrente, devendo manter-se na íntegra a sentença recorrida.” ֎ 3 – Admitido o recurso de revista e colhidos que foram os Vistos dos Senhores Juízes Conselheiros que intervêm como adjuntos no julgamento, cumpre apreciar e decidir, ao que nada obsta. Atendendo às conclusões das alegações do recurso de revista a questão central a decidir é a de saber se os juros à “taxa legal” mencionados na sentença que serve de título executivo nos autos de que estes embargos de executado são apenso devem ser contabilizados como juros civis (artigo 559.º do Código Civil) ou como juros comerciais (artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial), ambos com referência às taxas fixadas nas Portarias para onde remetem os preceitos indicados. ֎ ֎ ֎ FUNDAMENTAÇÃO I – OS FACTOS A) Na sentença impugnada foram considerados provados os seguintes factos com relevo para a decisão: “1. A 21-12-2020, a Exequente/Embargada “Acuinova – Actividades Piscícolas, SA.” intentou a Acção Executiva n.º 11/21.2T8SRE de que os presentes autos (de oposição à execução) constituem incidente declarativo processado por apenso, contra os Executados/Embargantes: “ACUPM – Agrupamento Construtor de uma Unidade Piscícola em ..., A...”; “S..., SA”; “S... C..., SA – Sucursal em Portugal”; e contra as Executadas “E..., SA”; e “I..., SA”. 2. No requerimento executivo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a Exequente/Embargada alega, entre o mais, que: “Factos: A Exequente instaurou acção declarativa contra as Executadas, a qual correu termos no Juízo Central Cível ... - Juiz ..., com o número de processo 295/12...., onde foi proferida sentença, datada de 8 de Abril de 2019, pela qual foram as Executadas condenadas a indemnizar a Exequente na quantia de € 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros), correspondendo € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros) ao Executado ACUPM e € 1.080.000,00 (um milhão e oitenta mil euros) à Executada I..., quantias essas acrescidas dos respectivos juros moratórios legais, devidos desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento. A supra referida sentença foi, posteriormente, confirmada por Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, prolatado em 3 de Março de 2020 e já transitado em julgado, Acórdão esse que se dá à execução. Ao valor global dos montantes indemnizatórios nos quais as Executadas foram condenadas a pagar à Exequente, na circunstância, € 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros), correspondendo, respectivamente, € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros) ao Executado ACUPM e € 1.080.000,00 (um milhão e oitenta mil euros) à Executada I..., acrescem ainda os respectivos juros moratórios legais já vencidos, de natureza comercial (nos termos do disposto no artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial), contados desde a data da citação de cada um dos citados Executados, na razão de: - Quanto ao Executado ACUPM, citado para a acção declarativa em 27 de Novembro de 2012, juros moratórios legais, de natureza comercial, contados às taxas legais sucessivas de 8%, 7,75%, 7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, desde a referida data até à entrada do presente requerimento executivo, no valor de € 5.590.185,04 (cinco milhões quinhentos e noventa mil cento e oitenta e cinco euros e quatro cêntimos); - Quanto à Executada I..., citado para a acção declarativa em 4 de Dezembro de 2012, juros moratórios legais, de natureza comercial, contados às taxas legais sucessivas de 8%, 7,75%, 7,5%, 7,25%, 7,15%, 7,05% e 7%, desde a referida data até à entrada do presente requerimento executivo, no valor de € 619.474,68 (seiscentos e dezanove mil quatrocentos e setenta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos); Sem prejuízo dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já ficam pedidos. Para lá dos juros moratórios vencidos e vincendos, são ainda devidos pelas Executadas à Exequente, nos termos do disposto no art.º 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, juros compulsórios, contados à taxa legal de 5%, desde a data do trânsito em julgado do Douto Acórdão que decidiu definitivamente o litígio, 3 de Julho de 2020, até efectivo e integral pagamento, os quais, desde já ficam pedidos. ... 1. É indicada, em sede de "Caracterização do Requerimento", a comercialidade da dívida e dos juros moratórios (contados na "Liquidação da Obrigação"), porquanto a dívida ora dada à execução resulta de incumprimento de contrato de empreitada de natureza comercial, nos termos do artigo 230.º do Código Comercial, que implica a aplicação do artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial. 2. Os outros intervenientes ora indicados como Executados: S..., SA, E..., SA. e S... C..., SA são as sociedades agrupadas no Executado ACUPM, conforme certidão comercial permanente acessível no sítio: ..., mediante a introdução do código ...20, cuja cópia se junta, as quais são solidariamente responsáveis, ainda que subsidiárias, das dívidas do Executado ACUPM, nos termos da Base II, n.ºs 2 e 3 da Lei n.º 4/73, de 4 de Junho. Por se tratarem de responsáveis solidários, ainda que meramente subsidiários, nos termos do disposto no art.º 745.º do Código de Processo Civil, requer-se, oportunamente, a citação dos supra referidos Executados, para os termos da presente execução. 3. Relativamente à Executada S... C..., SA, Sucursal em Portugal, a referida sociedade tem sede em ... 83-85, 28046 ..., Reino de Espanha.” 3. A Exequente/Embargada apresentou como título executivo um acórdão condenatório proferido na acção declarativa n.º 295/12.... pelo Tribunal da Relação ..., a 03-03-2020, já transitado em julgado a 17-04-2020, pelo qual se julgou improcedentes todos os recursos deduzidos e se manteve a sentença recorrida nos seus precisos termos. 4. A acção declarativa n.º 295/12.... foi intentada pela Exequente/Embargada contra a “I..., SA” e contra o Executado/Embargante “ACUPM - Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ..., A...” e nela foi proferida, a 08-04-2019, a sentença recorrida, a qual decidiu o seguinte: Julgar parcialmente procedente a acção, devendo a Exequente/Embargada ser indemnizada no montante global de € 10.800.000,00 (dez milhões e oitocentos mil euros) e, em consequência: a) Condenar o Executado/Embargante “ACUPM - Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ...” a pagar à Exequente/Embargada a quantia de € 9.720.000,00 (nove milhões setecentos e vinte mil euros); b) Condenar a “I..., SA” a pagar à Exequente/Embargada a quantia de € 1.080.000,00 (um milhão e oitenta mil euros); c) As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; d) Absolver as Rés do demais peticionado; e) Absolver as Rés do pedido de condenação como litigantes de má fé. 5. O “ACUPM - Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ..., A...” tem a natureza jurídica de um Agrupamento Complementar de Empresas; foi constituído pelo agrupamento das Executadas / Embargantes: “S..., SA”; “S... C..., SA - Sucursal em Portugal”; e da Executada “E..., SA.” e foi comercialmente registado a 19-10-2007 (…). 6. O Executado/Embargante “ACUPM - Agrupamento Construtor de uma Unidade de Piscicultura em ..., A...” foi citado para a acção declarativa n.º 295/12.... a 27-11-2012. 7. A 03-05-2021, a Exequente/Embargada recebeu da Executada/Embargante “S..., SA”, extrajudicialmente, a quantia de € 13.005.093,70, para cumprimento da condenação e para pagamento do capital (€ 9.720.000,00) e de juros moratórios (€ 3.285.093,70), sobre o capital, à taxa legal civil, vencidos desde 27-11-2012 até 03-05-2021. 8. Os Executados/Embargantes foram notificados para a presente Acção Executiva, após penhora, a 02-07-2021. 9. Os Executados/Embargantes deduziram os presentes Embargos de Executado a 07-09-2021. ֎ ֎ ֎ II – O DIREITO 1) Face aos factos apurados pelas instâncias importa decidir a questão supra enunciada e que se resume a saber se a taxa de juros de mora referida na sentença que constitui o título executivo sob a designação “juros à taxa legal”, é a taxa de juros civis, estabelecida no artigo 559.º n.º 1 do Código Civil por remissão para Portaria dos Ministros da Justiça e das Finanças [4] (4% ao ano desde 1 de maio de 2003, de acordo com a Portaria 291/2003, de 8 de abril de 2003) ou a taxa de juros comerciais decorrente do disposto no artigo 102.º § 3 e 4 do Código Comercial [5]. Como sintetiza a sentença recorrida “a questão resume-se a saber se o título executivo apresentado permite, ou não, à Exequente/Embargada a cobrança coactiva da diferença entre aquilo que (…) já recebeu extrajudicialmente após a instauração da Acção Executiva (€ 13.005.093,70: € 9.720.000,00 de capital e € 3.285.093,70 de juros moratórios, sobre o capital, à taxa anual de 4%, vencidos desde 27-11-2012 até 03-05-2021) e o pedido executivo formulado (…) no Requerimento Executivo no montante (actualizado até à data do pagamento 03-05-2021) de (€ 9.720.000,00 de capital e € 5.838.110,40 de juros moratórios, sobre o capital, à taxa legal comercial, vencidos desde 27-11-2012 até 03-05-2021 bem como € 507.304,11 de juros compulsórios desde 17-04-2020 até 03-05-2021, num total de € 16.065.414,51.” O fundamento dos embargos deduzidos é o de que, contrariamente ao entendimento que esteve na origem da liquidação da obrigação pela exequente, os juros legais a que a sentença que serve de título executivo se reporta são os juros relativos às obrigações civis e não os juros comerciais, expressão abreviada dos juros relativos aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais. 2) Para melhor delimitar a questão decidenda importa ter em conta que, nos termos do artigo 10.º n.º 5 do Código de Processo Civil, a “execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”. Como logo se depreende numa primeira abordagem é decisiva para a decisão a proferir a importância dos limites da obrigação incorporada no título executivo. Vejamos então como interpretar a parte dispositiva da sentença que serve de título executivo na parte em que refere que “c) As quantias referidas em a) e b) são acrescidas de juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento” que, em si mesma, legitima a dúvida suscitada. 3) Em anotação ao artigo 559.º do Código Civil no “Código Civil Anotado” os Professores Pires de Lima e Antunes Varela esclarecem que “os juros são frutos civis constituídos por coisas fungíveis que o credor aufere como rendimento de uma obrigação de capital e que variam em proporção do valor deste capital, do tempo durante o qual se mantem a privação deste e da taxa de remuneração”. a) No que se refere a este específico vector do cálculo do rendimento o artigo 559.º n.º 1 do Código Civil estabelece que os juros legais e todos os que sejam estipulados sem determinação de taxa são os que forem fixados em Portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças. Está aqui contemplada a generalidade das obrigações, incluindo as resultantes de condenação em indemnização por responsabilidade civil que tenham tradução pecuniária. A taxa dos chamados “juros civis” a que se reporta o mencionado preceito foi fixada na Portaria 291/2003, de 8 de abril, em 4% (quatro por cento) ao ano. b) Dado que os juros se destinam, no essencial, a compensar a privação do capital as taxas de remuneração relativamente a algumas obrigações foram pelo legislador objecto de regulamentação específica, assim sucedendo, por exemplo, em função de a interesses económicos relativos ao exercício da actividade comercial. A ponderação de tais interesses levou a que o artigo 102.º do Código Comercial, na redacção dada pelo Decreto Lei 62/2003, de 17 de fevereiro, tivesse passado a prever no seu § 3 que “os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”. São os chamados “juros comerciais”, cuja taxa de referência anual tem sido sucessivamente fixada em valores mais elevados. 4) Tal como refere o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8 de setembro de 2016, de que foi relator o Sr. Juiz Conselheiro Dr. Orlando Afonso (disponível em www.dgsi.pt), “nos termos do artigo 559.º do Código Civil e do artigo 102.º § 3 do Código Comercial, tanto são juros de mora “legais” os juros civis como os juros comerciais, sendo ambos aprovados por Portaria conjunta do Governo”. Significa isso que de tal expressão, em si mesma, e desinserida ou não do contexto da sentença que condene no pagamento de juros à taxa legal sem especificar se de uns ou outros se trata, nenhum esclarecimento útil se pode extrair. Daí que, a resposta à questão colocada na presente Revista e o estabelecimento dos limites do título executivo quanto aos juros que as executadas foram condenadas a pagar tenham de ser encontrados através de adequada interpretação da referência aos juros de mora que ao caso sejam aplicáveis. 5) A sentença constitui um verdadeiro acto jurídico ao qual são aplicáveis (artigo 295.º do Código Civil) as regras reguladoras dos negócios jurídicos (assim o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de novembro de 2009), nomeadamente, as normas que regulam a interpretação da declaração negocial. E como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2021 (revista 726/15.4T8PTM.E1.S1) de que foi relatora a Sr.ª Juíza Conselheira Dr.ª Rosa Tching, a sentença “tem de ser interpretada com o sentido que um declaratário normal, colocado na situação do real declaratário, possa deduzir do conteúdo nela expresso, não podendo valer com um sentido que não tenha no documento que a corporiza um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” A correcta interpretação do sentido da parte decisória da sentença, quando susceptível de mais do que uma interpretação pressupõe, por isso, a análise dos seus antecedentes lógicos, ou seja, do percurso argumentativo nela expresso, a partir da explanação dos factos integrantes da causa de pedir que na sentença tenham sido considerados provados e do pedido formulado. No citado acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 1 de julho de 2021 invoca-se, aliás, o ensinamento de Castro Mendes e Remédio Marques, para salientar a sua convergência doutrinal na afirmação de que, em caso de dúvida, um dos elementos que mais relevam para a identificação do juízo objetivado na decisão judicial, é o “determinado pelo princípio do pedido (espécie do princípio do dispositivo), no sentido em que deve existir uma necessária correspondência entre o pedido do autor (ou do réu reconvinte) e a pronúncia ínsita na decisão judicial. O tribunal não pode decidir sobre objeto diferente do pedido ou omitir a resolução de questões que lhe foram pedidas pelo autor”. 6) Significa isso que a interpretação do dispositivo da sentença que serve de título executivo não pode, em qualquer caso, prescindir da análise da petição inicial, em especial da causa de pedir e do pedido. E analisando a petição inicial da acção em que foi proferida a sentença dada à execução facilmente se constata que o autor não especificou, em parte alguma, qual a taxa de juros que entendia ser aplicável ao caso nem pediu expressamente a condenação das rés, ora embargantes, no pagamento de juros contabilizados à taxa de juros comerciais. O pedido formulado nesse aspecto foi o de condenação das rés no pagamento da quantia que entendia adequada a título de indemnização, “… acrescida de juros legais a contar da citação, custas de parte e condigna procuradoria.”. Analisada a sentença que constitui o título executivo também se constata que a única menção feita na fundamentação da decisão é a de que às quantias atribuídas a título de indemnização “acrescem juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento”, fórmula que se repete no dispositivo. 7) Não basta que na acção declarativa a autora tenha alegado como causa de pedir que é uma sociedade comercial e invocado factos tendentes a demonstrar que é titular de um crédito sobre as rés para que se possa considerar que a sentença condenatória que constitui o título executivo lhe atribui juros de natureza comercial, de maior montante e por isso mais penalizantes para as rés, quando o pedido formulado na petição inicial não contiver a expressa menção de que pretendia a condenação no pagamento de juros de mora contabilizados como comerciais. Isto porque, ainda que nessas circunstâncias tivesse direito a receber juros de mora calculados nos termos da Portaria a que se refere o § 3 do artigo 102.º do Código Comercial, a natureza disponível do direito à indemnização e ao seu montante, sempre tornariam legítima a expectativa das rés em exercer o contraditório, face à relativa indefinição da fórmula utilizada no pedido, apenas em relação à condenação no pagamento de taxas de juros aplicáveis à mora no cumprimento da generalidade das obrigações. 8) Não tendo sido pedido na acção o pagamento de juros de mora calculados de acordo com a taxa específica aplicável em caso de mora na satisfação de “créditos de que sejam titulares empresas comerciais”, a sentença condenatória que reconheceu o direito da autora à indemnização com base em responsabilidade civil contratual das rés não pode ser interpretada como abrangendo o direito a juros de mora calculados segundo as taxas especificamente previstas na Portaria a que alude o § 3 do artigo 102.º do Código Comercial. Ao invés, a referência a juros “à taxa legal”, contida na parte dispositiva da sentença que serve de título executivo na acção de que estes embargos são apenso, deve ser interpretada no sentido de tais juros serem os que são devidos em caso de mora no cumprimento da generalidade das obrigações civis e estão fixados em 4% na Portaria 291/2003, de 8 de abril de 2003. 9) Concluindo, em linha com a sentença impugnada, que nenhuma censura merece, o título executivo apresentado tem como limite, no que se refere aos juros de mora em que as ora executadas foram condenadas, os decorrentes da aplicação da taxa de mora da generalidade das obrigações – os chamados “juros civis” – “inexistindo título para a cobrança coactiva de juros moratórios à taxa comercial”. ֎ ֎ ֎ DECISÃO Termos em que decidem julgar improcedente a revista e confirmar integralmente a sentença recorrida. As custas da revista ficam a cargo da exequente/embargada, ora recorrente. Notifique. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de setembro de 2022 Manuel José Aguiar Pereira (relator) Maria Clara Pereira de Sousa de Santiago Sottomayor António Pedro de Lima Gonçalves ______ [1] Cfr. o Acórdão proferido em 10.11.2018, no âmbito do processo n.º 24554/15...., disponível em www.dgsi.pt. (…) |