Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | AÇÃO DE DEMARCAÇÃO PRÉDIO CONFINANTE ESTREMA REGISTO PREDIAL PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE FORÇA PROBATÓRIA CAUSA DE PEDIR ÓNUS DA PROVA PRESSUPOSTOS | ||
Data do Acordão: | 10/03/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADAS AS REVISTAS | ||
Sumário : | I - São elementos constitutivos do direito de demarcação (art. 1353º do CCivil): i) a existência de um direito de propriedade sobre determinado prédio, ii) a existência de prédios confinantes (contíguos) iii) a existência de dúvidas relativamente às estremas de dois prédios; II - O facto de o autor na acção, em que além de outros pedidos, pede a demarcação do seu prédio de um outro prédio propriedade do réu, não ter logrado provar a linha divisória que alegou não determina que aquele pedido deva ser julgado improcedente; verificados os pressupostos do direito, deve o juiz determinar o prosseguimento do processo para determinação da linha divisória, observando-se o prescrito no art. 1354º; III – A presunção do art.7º do CRPredial diz apenas respeito à inscrição, não aos elementos descritivos do prédio, como a área, confrontações e/ou limite dos imóveis registados. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça “Grupo Silva & Silva, Ldª” e “Luar Silvestre, Ldª”, propuseram acção declarativa contra AA, pedindo que: a. declarasse que a Autora “Luar Silvestre, Ldª” era a legítima proprietária e possuidora do prédio misto composto na parte rústica por terra de cultura e pastagem com árvores e, na parte urbana, por um edifício térreo, em ruínas, sito em ..., freguesia de ... (União de Freguesias de ...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número novecentos e sessenta e três, daquela freguesia, e inscrito na respectiva matriz, actualmente a parte rústica sob o art.º ..27 (antes .98) e a parte urbana com o número provisório ..81. b. declarasse que a Autora “Grupo Silva & Silva, Ldª” era a proprietária e legítima possuidora do prédio urbano, composto de edifício térreo em ruínas, com logradouro, destinado a habitação, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., confrontando por norte, sul, nascente e poente com “Luar Silvestre Ldª”, inscrito na respectiva matriz sob o artigo número ..67 (hoje ..94) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ..77/.....16. c. declarasse que a demarcação do prédio da Autora “Luar Silvestre Ldª” se fizesse pela implantação de marcos nas coordenadas mencionadas na figura constante do artigo 78º e descritas nos artigos 81º a 87º da petição. d. declarasse que os limites do mesmo prédio se definiam pela linha poligonal encerrada que une os ditos marcos. e. condenasse o Réu a abster-se, por si ou por interpostas pessoas, de trespassar a linha que delimita o perímetro do prédio, ou de nele permanecer ou de nele manter qualquer objecto ou pertence ou lhe provocar qualquer destruição ou dano. f. condenasse o Réu no pagamento de justa indemnização a liquidar até ao fim da discussão da causa ou em execução de sentença. O Réu contestou por impugnação e em reconvenção pede a condenação das Autoras em indemnização a liquidar até ao fim da discussão da causa ou em execução de sentença. /// Tramitados os autos, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: i) declarar que a Autora “Luar Silvestre, Ldª” é proprietária e possuidora do prédio misto, sito em ..., freguesia de ... (União de Freguesias de ...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .63 daquela freguesia e inscrito na respectiva matriz rústica sob o art.º ..27 (antes .98) e na matriz urbana sob o n.º ..68. ii) declarar que a Autora “Grupo Silva & Silva, Ldª” é proprietária e possuidora do prédio urbano, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., confrontando por norte, sul, nascente e poente com “Luar Silvestre Ldª”, inscrito na matriz urbana sob o art.º ..67 (hoje ..94) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..67. iii) absolver o Réu do demais peticionado. iv) julgar improcedente a reconvenção e, em consequência, absolver as Autoras do pedido reconvencional. A autora “Luar Silvestre, Ldª” interpôs recurso da sentença. Foi proferido acórdão da Relação de Évora com o seguinte segmento decisório: “Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar parcialmente procedente o recurso apresentado, revogando-se a decisão recorrida na parte em que absolveu do pedido de demarcação, por se tornar necessário apurar a localização das estremas entre prédios, aplicando, se necessário, o critério residual do nº3 do artigo 1354º do Código Civil. Custas do recurso a final, a cargo da parte vencida, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.” /// O Réu AA, interpôs recurso de revista, tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. O acórdão recorrido revogou a decisão da primeira instância “na parte em que absolveu do pedido de demarcação, por se tornar necessário apurar a localização das estremas entre prédios”. 2. Mas o Tribunal de primeira instância considerou que “a discórdia entre as partes não é a extensão da propriedade, mas a titularidade do direito de propriedade sobre uma faixa de terreno, que as autoras não comprovaram pertencer-lhes”. 3. O Recorrente considera que sendo a ação julgada improcedente, não existe qualquer obrigatoriedade de se proceder à demarcação. 4. Por isso também não há lugar à aplicação do critério residual do nº3 do artigo 1354º do Código Civil. 5. O acórdão recorrido faz uma incorreta aplicação do artigo 1354º do Código Civil, uma vez que este artigo deve ser aplicado quando há dúvidas sobre a localização da linha divisória. 6. Na sentença de primeira instância não se vislumbra qualquer dúvida quanto à delimitação entre os prédios. 7. E a convicção do Tribunal de primeira instância não pode já ser posta em causa, porquanto o Acórdão recorrido considerou corretamente julgada a matéria de facto. 8. Não há qualquer disposição legal, nem mesmo o artigo 1354º do Código Civil, que determine a obrigatoriedade de proceder à demarcação entre prédios. 9. Isso só ocorreria se o pedido fosse julgado procedente, o que não sucedeu no caso em apreço. 10. Não pode o Recorrente concordar com o raciocínio explanado no Acórdão recorrido, segundo o qual ao julgar improcedente o pedido de demarcação, o Tribunal potencia a continuação dos dissídios de vizinhança. 11. Tal alegação não constitui fundamento para obrigar à procedência do pedido. 12. Não existe qualquer ação em que o Tribunal fique vinculado à obrigação de julgar uma ação procedente a fim de evitar mais conflitos entre as partes. 13. Perpetuar o conflito pode ocorrer havendo ou não demarcação, pois raramente se consegue obter uma decisão judicial em que ambas as partes fiquem completamente satisfeitas. 14. “1 – Não se provando os factos integrantes da causa de pedir, há que julgar improcedente o pedido deduzido e em consequência absolver os réus desse pedido.”, como se lê no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no Processo: 131552/12.5YIPRT.E1 (in www.dgsi.pt). 15. Não existe qualquer erro no julgamento do Tribunal de primeira instância quanto à matéria de Direito. /// Também a Autora Luar Silvestre Lda, interpôs recurso de revista, cuja alegação remata com a seguintes conclusões: A. A identificação e individuação do prédio objecto da relação jurídica de registo constante da descrição, constitui pressuposto da presunção derivada do registo, estabelecida no art. 7 CRP. B. Só alargando a presunção aos factos que, na descrição, permitem, sem dúvidas, identificar o prédio, e tornar eficaz a presunção relativamente à existência do direito e à pertença ao titular inscrito, “nos precisos termos em que o registo o define”, é possível estabelecer a correlação entre o direito, o titular e o concreto prédio a que respeita e assim obter a finalidade probatória da presunção. C. No conjunto de elementos que permitem identificar e individuar o prédio, sobressaem naturalmente a área e as confrontações, embora não em termos literais, uma vez que pode não corresponder a uma medição topográfica apurada e não ser exacta, mas, no mínimo, capaz de estabelecer uma ordem de grandeza plausível, embora susceptível de rectificação; D. Quanto às confrontações, elas são indispensáveis para estabelecer desde logo a localização geral do prédio, embora possam ser incertas quanto aos efectivos limites do mesmo; E. A sentença da primeira instância limitou-se a declarar que - a autora Luar Silvestre, Lda. é proprietária e possuidora do prédio misto, sito em ..., freguesia de ... (União de Freguesias de ...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .63 daquela freguesia e inscrito na respectiva matriz rústica sob o art.º ..27 (antes .98) e na matriz urbana sob o n.º ..68; - a autora Grupo Silva & Silva, Lda. é proprietária e possuidora do prédio urbano, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., confrontando por norte, sul, nascente e poente com Luar Silvestre Lda., inscrito na matriz urbana sob o art.º ..67 (hoje ..94) e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..67 (o número da descrição que consta da decisão contém um erro de digitação e deve ser corrigido para o número correcto de ..77); F. Esta sentença padece de evidente nulidade, na medida em que declara a propriedade de prédios de que não fornece quaisquer elementos identificativos nem se sabe se existem em substância, sendo que a remissão para as descrições prediais constantes da decisão, exclui a presunção do art. 7.º e a decisão não dá por provados quaisquer elementos identificativos dos mesmos; G. A sentença da primeira instância é por isso ininteligível, por obscuridade, o que implica a sua nulidade, nos termos do art. 615.1.c) CPC. H. O acórdão, ao decidir não modificar a decisão da primeira instância quanto aos elementos que, na descrição, permitiriam identificar os prédios objecto dos registos, manteve a nulidade da sentença recorrida, por tal forma que reconhecendo embora a propriedade das Autoras sobre os prédios descritos em seu nome, continua a não possível determinar a identidade desses prédios, nomeadamente através da sua localização, que não das suas estremas, nem da sua área, ainda que meramente aproximada; I. O acórdão recorrido violou o artigo 7.º do Código de Registo Predial ao considerar que a presunção aí estabelecida não abrange em nenhuma circunstância os elementos da descrição mesmo os que são indispensáveis à identificação do prédio, desta forma impedindo que a descrição constitua a via que permite estabelecer a relação de pertença do direito inscrito ao prédio concreto sobre que recai, bem como a relação entre o titular inscrito e o mesmo prédio; J. Aposição do acórdão recorrido, relativamente à não identificação dos prédios objecto da acção irá tornar, na prática, impossível a execução da operação material da demarcação, uma vez que da matéria provada na acção não consta qualquer elemento que permita identificar os prédios a demarcar; K. O acórdão recorrido mantém a obscuridade de que padece a decisão da primeira instância ao não ser possível determinar o objecto sobre que recai a decisão, o que, para além de não definir o direito, por indeterminação do objecto, impede a execução da demarcação. É por isso nulo, por violação do art. 615.1.c) CPC. L. Em contrapartida, reconhecendo que a presunção do art. 7.º se estende aos elementos identificativos da descrição que são essenciais, no sentido de que, sem eles, não se saber a que coisa (prédio) concreto corresponde o registo, deveria o acórdão recorrido ter incluído na decisão os elementos identificadores que permitissem a operação material de demarcação, por forma a tornar a decisão exequível. /// Fundamentação Os factos. O acórdão recorrido deu como provado: 1. A Autora “Luar Silvestre, Ldª” tem inscrita a seu favor a aquisição do prédio misto, composto por terra de cultura e pastagem com alfarrobeiras e edifício térreo-habitação, sito em ..., freguesia de ...(União de Freguesias de ...), concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º .63, daquela freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ..27 (anterior .98) e na matriz predial urbana sob o art.º ..68 (anterior ..81). 2. A descrição n.º ...63/....90 é o extrato em ficha da descrição n.º ...74, a folhas 175 v do Livro B-46. 3. Dela consta que se trata de um prédio misto, sito em ..., que consta de terra de cultura e pastagem com alfarrobeiras - 98 390m2 - e edifício térreo que se encontra em ruínas, com 4 divisões e logradouro, a confrontar a norte com BB, a nascente com estrada pública, a sul com CC Vitória e a poente com DD. 4. Pelo averbamento 01 à descrição foi desanexado o prédio nº..91/....26, com a área de 400 m2, pelo que averbamento 02 foi rectificada a área, que passou a ser de 97.990m2. 5 - Pelo averbamento 04 foi desanexado o prédio n.º ...11/......22, com 933m2, pelo que a área actual do prédio é de 9,705700 ha, conforme consta da caderneta predial. 6 - Este prédio foi adquirido pela Autora “Luar Silvestre, Ldª” por permuta realizada por escritura pública outorgada em 07 de novembro de 2012, no Cartório Notarial de ..., perante o notário Dr. EE, em que foi permutante a Autora “Grupo Silva & Silva Ldª”, anteriormente designada pela firma “Silva & Silva Ldª”. 7 - A inscrição da propriedade do prédio em nome da Autora “Luar Silvestre, Ldª” foi feita pela apresentação ..90 de 2012.11.07. 8- A Autora “Silva & Silva Ldª” havia adquirido a propriedade do mesmo prédio por compra a FF, realizada por escritura pública outorgada em 12 de Fevereiro de 1999, no Cartório Notarial de ... a cargo do notário Dr. GG. 9 - E tinha registado a aquisição em seu nome pela inscrição G-2, Ap. 02/......19. 10. A vendedora FF tinha adquirido a propriedade desse prédio por sucessão hereditária de HH, conforme inscrição G-1, Ap. 11/....83, com o número ...43, e escritura de habilitação de herdeiros de 12 de Janeiro de 1983, lavrada a fls. 4 do livro A-68 do Cartório Notarial de .... 11. Desde a aquisição quer a Autora “Luar Silvestre, Ldª” quer a antecessora “Silva & Silva, Ldª” tratam, limpam e colhem os frutos do prédio misto identificado em 1, à vista de todos e sem oposição. 12. A Autora “Silva & Silva, Ldª” tem inscrita a seu favor a aquisição do prédio urbano, composto de edifício térreo-habitação, com logradouro, sito em ... ..., União das Freguesias de ... (...), ..., a confrontar a norte, a sul, a nascente e poente com “Luar Silvestre Lda”, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº número ..77/......16 inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..94 (anterior ..67). 13 - O qual adquiriu a FF por escritura de compra e venda outorgada em 14 de Julho de 2005, no Cartório Notarial em ..., a cargo da Dra. II. 14 - A vendedora, FF, foi habilitada única herdeira da mãe, HH, falecida em ... de ... de 1982. 15- O prédio urbano descrito sob o n.º ..77/......16 tem como confrontações, por todos os lados, a Autora “Luar Silvestre, Ldª” e a inscrição da propriedade do prédio em nome da Autora “Silva & Silva” foi feita pela apresentação 18 de 2005.07.21. 16 - A Câmara Municipal de ... certificou, em 03 de Outubro de 2003, que “por despacho datado de um de Outubro do corrente ano, face ao pedido constante do requerimento registado nesta Secretaria sob o número trinta e quatro mil novecentos e sessenta e sete, no dia vinte e nove de Agosto de dois mil e três, apresentado por FF, contribuinte fiscal número .........22, residente na Avenida ... número quarenta e seis, freguesia de ..., neste Município, na qualidade de proprietária. Que o prédio urbano sito no ... -Asseca, freguesia de ..., destinado a habitação, omisso na matriz respetiva, que confronta de Norte, Sul, Poente e Nascente com a própria, foi construído antes de mil novecentos e cinquenta e um, em data que não é possível precisar. Que para o prédio em causa, não foi passada qualquer licença de habitabilidade, uma vez que à data tal documento não era exigível”. 17 - No dia 30 de Abril de 1987, no Cartório Notarial de ..., JJ, representada por Dr. KK, LL e MM e mulher, NN, declararam vender a OO, representada por PP, que declarou comprar, pelo preço de sete milhões de escudos já recebidos, o prédio misto, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., que consta de terra de cultura, pastagem e diverso arvoredo e casas com diversos compartimentos, inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 299, com o valor matricial de dezanove mil e cem escudos e na matriz urbana sob o art.º 2892, com o valor matricial de sessenta e três mil escudos, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º.15, da freguesia de .... 18. Da matriz predial rústica referente ao artigo 299.º resulta que corresponde ao atual artigo matricial n.º ..29 ARV, com a área total de 3,030000 ha, sendo titular inscrito OO, contribuinte n.º .......15. 19. As confrontações constantes da matriz são norte HH, sul QQ, nascente Estrada e poente DD. 20. A descrição n.º .15/......17, correspondente à descrição em livro 2127, livro n.º 5, tem por objeto um prédio misto situado em ..., composto de terra de cultura e pastagem, com oliveiras e alfarrobeiras e edifício térreo, com a área total de 30300 m2, a confrontar do norte com HH, sul com QQ, nascente com Estrada e poente com DD. 21. A aquisição da propriedade encontra-se inscrita a favor de OO e de AA, por compra a MM, JJ e LL, através da ap. 02 de 21.05.1987. 22. - O prédio misto descrito sob o n.º .15/......17 e o prédio misto descrito sob o n.º .63/....90 são contíguos, com confrontação sul deste e confrontação norte daquele. 23. - A legal representante da Autora “Luar Silvestre, Ldª” enviou cartas ao Réu e a OO concedendo um prazo de trinta dias para que fossem removidas as pedras colocadas no prédio misto identificado em 1, bem como eliminados quaisquer vestígios de tinta nas pedras que existissem na sua propriedade, as quais não foram reclamadas. 24. - Por escritura pública de justificação, outorgada em 09 de outubro de 2017, exarada a folhas 43 e seguintes do competente livro n.º 109-A do Cartório Notarial de ..., do Notário EE, sito na Rua ...- A foi declarado que “AA, divorciado, natural do ..., de nacionalidade britânica, residente em ... ..., ..., ... declarou ser dono e legítimo possuidor e com exclusão de outrem, do prédio rústico composto por terras de cultura, pastagem, oliveiras e alfarrobeiras, sito na ..., na freguesia da União das Freguesias de ... ...) com a área de 29.106,37 m2, confrontando a Norte com o próprio justificante, Sul com QQ, Nascente com a Estrada e Poente com DD, pertencendo à área territorial da antiga freguesia de ...), com o valor patrimonial tributário de 6.400,00 €, não descrito na Conservatória do Registo Predial de .... Tendo para o efeito alegado que este prédio, com a indicada composição e área, chegou à sua posse em trinta de abril do ano de mil novecentos e oitenta e sete, por compra meramente verbal, feita a JJ, solteira, maior, residente que foi na ..., LL, viúva, residente que foi em ..., e MM e mulher, NN, residentes que foram em .... Que, porém, desde aquele ano, portanto, há mais de vinte anos, de forma pública, pacífica, contínua e de boa fé, ou seja, com o conhecimento de toda a gente, sem violência nem oposição de ninguém, reiterada e ininterruptamente, na convicção de não lesar quaisquer direitos de outrem e ainda convencido de ser o único titular do direito de propriedade, sobre o identificado prédio, e assim o julgando as demais pessoas, tem possuído aquele prédio - cultivando a terra, tratando das culturas, colhendo os respetivos frutos, amanhando e limpando a terra, tratando das árvores e dela retirando os respetivos rendimentos - pelo que, tendo em consideração as referidas características de tal posse, o seu representado adquiriu o referido prédio por usucapião”. 25 - Em 18 de Junho de 2018 o Réu, em seu próprio nome e no de OO, escreveu uma carta à Autora “Luar Silvestre, Ldª” notificando-a, “na qualidade de proprietários e legítimos possuidores do prédio misto sito em ..., na União de Freguesias de ... (...), concelho de ..., inscrito na matriz predial urbana da respetiva freguesia sob o número ..75 e na matriz rústica sob o número ..29, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº .15/......17” de que era sua pretensão celebrar, sobre este imóvel, um contrato de compra e venda e de que, “ao abrigo do disposto no artigo 1380º nº l do Código Civil, (conferiam à autora) a faculdade de exercer o direito de preferência no contrato acima referido, “devendo, no prazo de 8 (oito) dias, conforme estipulado no n° 2 do artigo 416° do mesmo diploma legal, dizer se pretende exercer o seu direito de preferência no contrato supra mencionado...”. 26. A Autora “Luar Silvestre, Lda" intentou acção declarativa contra o a. se considerem impugnados, para todos os efeitos legais, os factos constantes da escritura pública de justificação lavrada em 9 de Outubro de 2017 por RR como gestor de negócios do Réu AA, com a gestão ratificada em 14 de Janeiro de 2019, com o conteúdo referido no art. 1.º desta petição inicial; b. se declare nula e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que o réu não possa, através dela, adquirir nem registar quaisquer direitos de propriedade sobre o prédio nela identificado e objecto da (presente) impugnação. 27. Nesta acção foi proferida sentença, datada de 18/12/2019, que considerou procedente a excepção de ilegitimidade processual e substantiva da Autora para impugnar a escritura de justificação e absolveu o Réu da instância, a qual foi objecto de recurso pendente. 28. No procedimento cautelar apenso ao P. nº 583/19.1..., a A. “Luar Silvestre Lda” e o Réu celebraram um acordo mediante o qual a A. se obrigou a retirar uma máquina industrial o terreno em litígio e o Réu obrigou-se a retirar uma autocaravana e toda a maquinaria do terreno em litígio, comprometendo-se a não realizar qualquer ação e atividade ou ato de posse, por si ou interposta pessoa, no terreno em litígio até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na ação principal. O acórdão julgou não provado: a. FF adquiriu a propriedade do prédio urbano identificado em 12 por sucessão hereditária da mãe, HH. b. HH habitou o prédio urbano identificado em 12, aí vivendo diariamente, dormindo, comendo e fazendo do prédio abrigo e centro da sua vida pessoal, sem oposição e à vista de todos. c. desde 1982 até Julho de 2005 FF limpou e tratou quer a parte coberta, quer o logradouro, do prédio urbano identificado em 12. d. FF vivia noutro prédio de sua propriedade em ..., não longe do prédio urbano identificado em 12, pelo que o vigiava com frequência. e) Em 2003, FF, apresentou o requerimento constante de fls. 85 porque tinha o projeto de recuperar o prédio urbano identificado em 12. f) Desde a aquisição que FF tratou, limpou e colheu os frutos do prédio misto identificado em 1, à vista de todos e sem oposição. g) No final do ano de 2015 o Réu mandou colocar uns pilaretes em forma de marcos, pintadas a vermelho as letras RGC, dentro do prédio misto identificado em 1. h) O Réu arrancou os marcos de delimitação do prédio misto identificado em 1 existentes desde tempos imemoriais. i) O Réu cortou e destruiu árvores existentes no prédio misto identificado em 1 e descarregou materiais de construção no terreno. j) Em 2015 foi colocado no prédio misto identificado em 1 um cartaz com a palavra “vende-se” e o número de telefone de contacto .......76, atendendo o senhor RR, que dizia ser representante do Réu AA. k) O qual apontava como limites as pedras e os pilaretes pintados de branco com a iniciais a vermelho RGC que o réu havia colocado no prédio misto identificado em 1 e a casa pertencente à Autora “Grupo Silva & Silva, Ldª”. l) O Réu e outras pessoas a seu mando entram e percorrem o prédio misto identificado em 1, mantendo no terreno roulottes ou caravanas. m) O Réu exerceu oposição junto da Câmara Municipal de ....ra que impediu a aprovação de um projeto de construção de um hotel rural nos prédios identificados em 1 e 12. n) A linha divisória entre os prédios identificados em 1 e 17 está desde tempos imemoriais estabelecida através de marcos implantados no terreno arrancados pelo Réu. o) Esses marcos foram colocados pela antepossuidora HH e têm pintado a vermelho as iniciais ISR. p) O marco designado pela letra A estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42311,92 P - 280270,87. q) O marco designado pela letra B estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42297,01 P -280272,83, à distância de 17,51 metros lineares do anterior. r) O marco designado pela letra C estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 41999,61 P -280420,72, à distância de 328,60 metros lineares do anterior. s) O marco designado pela letra D estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42013,68 P -280478,43, à distância de 60,48 metros lineares do anterior. t) O marco designado pela letra E estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42029,19 P -280537,05, à distância de 60,60 metros lineares do anterior. u) O marco designado pela letra F estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42218,75 P -280491,92, à distância de 194,90 metros lineares do anterior. v) O marco designado pela letra G estava e sempre esteve colocado no ponto com as coordenadas M 42233,43 P -280417,68, à distância de 166,00 metros lineares do marco designado pela letra A. w) Os marcos colocados pelo Réu em 2015 no limite norte do prédio misto identificado em 17 foram arrancados por máquina a mando das Autoras. x) A Autora “Luar Silvestre” retirou água da nora pertencente ao Réu durante os últimos 10 anos. y) No dia 29 de março de 2019 uma máquina escavadora entrou e permaneceu estacionada durante dias no prédio misto identificado em 17. z) Quando o processo n.º 583/19.1... chegou a julgamento a autora “Luar Silvestre” mandou a máquina avançar para o prédio misto identificado em 17. aa) No dia 24 de setembro de 2019 a máquina foi estacionada a mando da Autora “Luar Silvestre” no prédio misto identificado em 1. bb) No dia 28 de setembro de 2019 a máquina pôs-se em movimento no prédio misto identificado em 17, revolveu o terreno e arrancou árvores. O direito. A acção mostra-se definitivamente decidida na parte relativa aos pedidos de reconhecimento da propriedade, de indemnização formulados e à matéria das inibições de actuação impostas a terceiros. A única questão que subsiste cinge-se à possibilidade de demarcação dos prédios – um dos pedidos formulado pela Autora - estando assente que o seu prédio, o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob nº .63/...90, confronta pelo seu lado sul com o prédio do Autor/recorrente descrito na mesma Conservatória sob o nº .15/......17. Como decorre das conclusões da sua alegação, o Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido que, na parcial procedência da apelação, revogou a sentença que “absolveu do pedido de demarcação, por se tornar necessário apurar a localização das estremas entre prédios, aplicando, se necessário, o critério residual do nº3 do artigo 1354º do Código Civil.” Em síntese, diz o Recorrente que “sendo a acção julgada improcedente, não existe qualquer obrigatoriedade de se proceder à demarcação. Por isso também não há lugar à aplicação do critério residual do nº3 do artigo 1354º do Código Civil.” E acrescenta que este “artigo apenas deve ser aplicado quando há dúvidas sobre a localização da linha divisória”, e da sentença não se vislumbrar qualquer dúvida quanto à delimitação entre os prédios. Vejamos. Estatui o art. 1353º do CCivil: O proprietário pode obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. A acção de demarcação, conforme entendimento pacífico, não tem por objecto o reconhecimento do domínio ou propriedade, embora o pressuponha; o seu fim específico é o de fazer funcionar o direito reconhecido ao proprietário pelo art. 1353º de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas respectivas (acórdãos do STJ de 26.09.2000, BMJ 499, p. 294, e de 21.09.2010, P. 2/03.5TBMNC.G1, www.dgsi.pt). São elementos constitutivos do direito de demarcação: i) a existência de um direito de propriedade sobre determinado prédio, ii) a existência de prédios confinantes(contíguos) iii) a existência de dúvidas relativamente às estremas de dois prédios. Como referido no acórdão do STJ de 10.05.2012, P.725/04.1TBSSB.L1.S1, www.dgsi.pt, “a demarcação tanto almeja a definição e fixação das estremas cujos limites são conhecidos – ou pelo menos discutíveis – como simplesmente a aposição de marcos, quando os limites não são disputados, e apenas se pretende torná-los mais visíveis. Assim, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque ela, embora indiscutida, não está marcada, seja porque é objecto de controvérsia ou até porque desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação.” A respectiva causa de pedir reside no facto complexo da existência de prédios confinantes, de proprietários distintos e de estremas incertas ou duvidosas, que não no facto que originou o invocado direito de propriedade. Logo, o autor só tem que alegar e provar os factos constitutivos do direito à demarcação, a saber: a confinância dos prédios, a titularidade do respectivo direito de propriedade na pessoa deles e do demandado e a inexistência, incerteza, controvérsia ou tão só desconhecimento sobre a (localização da ) respectiva linha divisória, como refere o supra citado acórdão do STJ de 10.05.2012. Todos estes requisitos se verificam no caso: o prédio misto sob o nº .63/...90, propriedade da Autora, confina pelo seu lado sul com o prédio do Réu/recorrente que tem o nº 215/9860317, ambos descritos na Conservatória do Registo Predial de ... e, é incontroverso, as partes não se entendem no que respeita à linha divisória dos prédios. O acórdão recorrido em nada contrariou a matéria de facto provada ao contrário do que diz o Recorrente na conclusão 7ª. Da matéria de facto apenas resulta a contiguidade dos prédios, mas não que seja certa a linha divisória. Quanto ao teor da conclusão 8ª, dir-se-á, citando o acórdão do STJ de 10.05.2012, que o art. 1353º do CC significa que “os proprietários de prédios confinantes e contíguos estão reciprocamente obrigados a concorrer – isto é, a colaborarem – para a demarcação dos respectivos prédios, entendendo-se por esta a delimitação da extensão horizontal da área sobre a qual exercem o domínio. O que bem se compreende, pois a determinação dos limites de um prédio tem implicações sobre os dos prédios vizinhos que com ele confinam. A linha divisória entre os prédios confinantes pode ser, entre os respectivos proprietários, pacífica e indiscutida ou controvertida. Num caso e noutro, assiste a qualquer deles o direito de exigir do outro que concorra, isto é, que colabore na demarcação das estremas (…). (…) O concurso recíproco dos proprietários visa fazer que cada uma exiba os títulos ou as provas que legitimam a extensão do respectivo domínio. É por isso que o direito de demarcação é tido como um direito de natureza pessoal, pois que se trata, tão só, de obrigar o proprietário confinante a participar na investigação e marcação dos limites do seu prédio; logo, a uma prestação de natureza pessoal e não real porque não está em causa a propriedade nem o seu desmembramento.” O direito de demarcação – a cujo exercício, até à reforma processual de 1965/66 correspondiam um processo especial de arbitramento cuja regulamentação processual foi revogada (acção de arbitramento) – é actualmente exercido judicialmente através de uma acção de processo comum. O modo de proceder à demarcação consta do art. 1354º, que estatui: 1. A demarcação é feita de conformidade com os títulos de cada um e, na falta de títulos suficientes, de harmonia com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova. 2. Se os títulos não determinarem os limites dos prédios ou a área pertencente a cada proprietário, e a questão não puder ser resolvida pela posse ou por qualquer outro meio de prova, a demarcação faz-se distribuindo o terreno em litígio por partes iguais. 3. Se os títulos indicarem um espaço maior ou menor do que o abrangido pela totalidade do terreno, atribuir-se-á a falta ou o acréscimo proporcionalmente à parte de cada um. Entendeu-se no acórdão recorrido que: “ (…) a dúvida resultante sobre a falta de marcos - in casu, a não demonstração de que os marcos implantados correspondiam à efectiva linha divisória entre terrenos - ou de outros sinais exteriores que indiquem as estremas de cada prédio impõe-se o recurso ao critério residual equitativo plasmado na lei, sob pena de se sucederem acções sobre o mesmo tema. E tudo isto deve demandar a busca das linhas de confrontação com prédios adjacentes de forma a reconstituir de forma mais exacta a real dimensão dos direitos de propriedade em conflito a partir do recurso aos elementos objectivos existentes nos autos, designadamente através da conciliação entre as áreas reais dos prédios e os demais elementos presuntivos inscritos nas escrituras e nos registos incidentes sobre os prédios. Na verdade, se a presunção gerada pela inscrição da aquisição do direito no registo predial, ao abrigo do artigo 7º do Código Registo Predial, abrange apenas os factos jurídicos inscritos e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, as informações que fazem parte do núcleo essencial da descrição não podem deixar de ser atendidos ou valorados, sob pena de, assim não sendo, «se presumir o direito sobre coisa nenhuma». Na situação concreta existem valores mínimos coincidentes entre os prédios que são susceptíveis de permitir a reconstituição dos direitos reais relativamente à extensão, configuração e subsequente delineamento dos terrenos contíguos. Assim, nesta parte, assiste razão ao recorrente quando afirma que desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles (seja porque, indiscutida entre os proprietários confinantes, não está marcada, sinalizada, no terreno, seja porque ela (isto é a sua localização) seja objecto de controvérsia entre eles, seja porque eles pura e simplesmente desconhecem a sua localização) está aberta a porta para a actuação do direito de demarcação73. Em síntese, (…) sempre que for controvertida a localização da linha de demarcação, não pode deixar de ser delimitada uma área de terreno que pertence a um prédio ou ao outro, consoante a localização que vier a prevalecer, de acordo com os títulos, na falta ou insuficiência destes, de acordo com a posse que tiver sido exercida sobre essa área ou daquilo que resultar de outros meios de prova. É assim viável e necessário estabelecer os limites de confrontação do prédio misto propriedade da Autora “Luar Silvestre, Ldª” a sul com o prédio misto propriedade do Réu, importando, por isso, apurar a localização das reais estremas entre prédios, ainda que tal implique a observação dos demais prédios sitos nas redondezas e que já constituíram uma unidade comum. Para tanto, impõe-se fazer novos levantamentos periciais topográficos com a finalidade de alcançar a correspondência entre a situação real dos prédios e o retratado nos artigos prediais em concurso, a fim de realizar a demarcação entre prédios, aplicando, se necessário, o critério residual do artigo 1354º do Código Civil.” Concorda-se com este entendimento. Não assiste razão ao Recorrente quando defende que a acção deveria pura e simplesmente ser julgada improcedente quanto ao pedido de demarcação. Os termos em que está regulado o modo de proceder à demarcação no art.1354º, no limite pela distribuição em partes iguais do terreno em contenda, ou até nos termos previstos no nº3, se for o caso, justifica a afirmação recorrente que “num processo de demarcação -estabelecido que entre os prédios contíguos de diferentes proprietários, não há linha de divisória – não é possível uma decisão de improcedência” (acórdão da Relação de Coimbra de 17.12.2014, CJ 2014, V, pag.34 e ss). Por conseguinte, o acórdão recorrido ao determinar o prosseguimento dos autos para que se proceda à demarcação, nos termos prescritos no art. 1354º do CCivil, não merece censura. Com o que improcedem na totalidade as conclusões do Recorrente. /// Vejamos agora a revista da autora Luar Silvestre Lda. Essencialmente, a Recorrente insurge-se contra o acórdão na medida em que não “alargou” a presunção do artigo 7º do CRP aos elementos da descrição, dizendo que com a decisão recorrida não é possível identificar o prédio, “determinar a identidade desses prédios, nomeadamente através da sua localização, que não das suas estremas, nem da sua área, ainda que meramente aproximada”, tornando “impossível a execução da operação material da demarcação, uma vez que da matéria provada na acção não consta qualquer elemento que permita identificar os prédios a demarcar (conclusão J). Com o devido respeito, não lhe assiste razão. A Recorrente tem inscrito a seu favor o prédio misto que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 963, constando da descrição, a localização do imóvel, a sua natureza, confrontações e área, (pontos 1 a 5 da matéria de facto). Nos termos do art. 7º do CRP, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define.” A jurisprudência há muito que vem entendendo que a força probatória do registo não se estende aos elementos descritivos, designadamente, à área e confrontações, (cf. acórdãos do STJ de 11.05.1995, de 17.06.1997, de 23.09.2004, respectivamente nas CJ/STJ, anos 1995, 1997, e 2004, tomo II, p. 75, tomo I, p. 126, tomo III, pag. 23, e acórdão de 11.02.016, P. 6500/07, www.dgsi.pt). As razões para tal foram sintetizadas no acórdão de 23.09.2004, onde se entendeu: “A presunção decorrente do art. 7º do CRP84, sem embargo de a expressão “precisos termos em que o registo o define”, não abrange a área, confrontações e/ou limite dos imóveis registados. E isto sobretudo face à frequente falta de rigor/fidedignidade dos dados descritivos registrais no que concerne à sua materialidade, correntemente devido à respectiva desatualização, não se olvidando que a função do registo é essencialmente declarativa e não constitutiva, encontrando-se assim os mesmos – na prática – na disponibilidade dos particulares interessados (arts. 29º, nº2, e 30º do CRP84). (…) Com efeito, face ao disposto nos arts. 2º e 3º do CRP, apenas factos jurídicos e acções e decisões, que não propriamente direitos, podem/devem ser objecto de registo predial, sendo ainda que tais factos registando “a se” terão que constarem de documentos legalmente comprovativos (art. 43º do CRP) O que não sucede com as áreas e confrontações dos imóveis descritos, cuja exactidão não passa pelo controlo do conservador – art. 68º do CRP – o qual se limita a assegurar (e exigir) nos concelhos em que vigora o cadastro geométrico obrigatório, que a descrição do prédio venha a corresponder à inscrição matricial – art. 28º do CRP – no mais aceitando/confiando nas declarações dos respectivos interessados – arts. 43º a 46º e 90º do CRP. As áreas e confrontações dos prédios encontram-se assim – e na prática – na disponibilidade dos interessados, enquanto susceptíveis de modificação pelas simples declarações complementares dos mesmos (art. 29º, nº2, e 30º do CRP84), tal como a Relação observa.” No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra supra citado no qual se escreveu o seguinte: “A presunção (de titularidade constante do preceito) diz respeito apenas e só à inscrição predial, uma vez que a inscrição é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo); daí consequentemente, que os elementos da descrição registal (que não fazem parte do que se regista) não estejam abarcados pela presunção (de titularidade constante do art. 7º do CRP).” No caso vertente, o prédio da Autora está devidamente identificado, com áreas e estremas, na descrição predial. O que a Relação fez, e bem, foi não atribuir a esses elementos descritivos a presunção de verdade material que o art. 7º consigna à inscrição. Resta dizer que não se vê, nem a Recorrente concretiza, em que medida a não atribuição de presunção de verdade aos elementos da descrição do prédio nº 963 impossibilita a demarcação deste prédio do prédio do Réu. Os prédios estão identificadas e localizados, as partes conhecem perfeitamente a faixa de terreno em litígio na zona de contiguidade dos prédios, cabendo-lhe apenas mobilizar os elementos probatórios de que disponham para a demarcação a efectuar nos termos previstos no art. 1354º do CCivil. Conclui-se do exposto que não assiste razão à Recorrente, com o consequente naufrágio da revista que interpôs. Decisão. Pelo exposto, nega-se provimento às revistas interpostas pela autora “Luar Silvestre Lda” e pelo Réu AA, e confirma-se o acórdão recorrido. Cada um dos Recorrentes suporta as custas do respectivo recurso. Lisboa, 03.10.2024 Ferreira Lopes (relator) Nuno Pinto Oliveira Maria de Deus Correia. |