Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ORLANDO GONÇALVES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CÚMULO JURÍDICO PENA PARCELAR PENA ÚNICA PREVENÇÃO ESPECIAL PREVENÇÃO GERAL MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 09/29/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O art. 71.º, n.º 1 do CP dispõe, quanto ao critério geral da determinação da medida concreta da pena, que esta é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. II - Podemos agrupar, nas als. a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art. 71.º, do CP, os fatores relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção. III - Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, estabelecido no art. 77.º do CP, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 202/19.6GDGMR.S1 Recurso Penal
Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
I - Relatório
1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção de Tribunal Coletivo, que correm no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., foram submetidos a julgamento, sob acusação do Ministério Público, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, todos devidamente identificados nos autos, imputando-se aos arguidos AA, BB, CC, DD e EE, a prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela Anexa I-C e, ainda, ao arguido, AA a prática de oito crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro e, aos arguidos AA, BB e DD, a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 2.º, n.º 1, p), 3.º, n.º 1 e 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/06, de 23 de fevereiro.
2. Realizada a audiência de julgamento – no decurso da qual foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, bem como, uma alteração da qualificação, nos termos do disposto no n.º 1 do art.358.º do C.P.P. -, o Tribunal Coletivo, por acórdão de 7 de abril de 2022, decidiu, no que respeita ao arguido AA: a. julgar verificada a exceção de caso julgado relativamente à imputada detenção de arma proibida e, consequentemente, em obediência ao princípio do ne bis in idem, contido no n.º 4 do artigo 29.º da CRP, julgar, nessa parte, extinto o procedimento criminal; b. condenar o arguido pela prática, em coautoria, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. nº 15/93 de 22 de janeiro, da pena de 5 anos de prisão; c. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 6 de dezembro de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão. d. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 14 de janeiro de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão; e. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 20 de janeiro de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão; f. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 16 de maio de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão; g. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 19 de maio de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 8 meses de prisão; h. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 22 de maio de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; i. condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 27 de maio de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; e j. operar o cúmulo jurídico, nos termos do disposto pelo artigo 77.º do Código Penal, e condenar o arguido na pena única de 6 anos de prisão.
3. O arguido AA, não se conformando com acórdão proferido nos autos, dele veio interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo a sua motivação do modo seguinte (transcrição): “I - O ora recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria, do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do D.L. nº 15/93 de 22 de Janeiro, da pena de 5 anos de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 6 de Dezembro de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 14 de Janeiro de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 20 de Janeiro de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 16 de Maio de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 19 de Maio de 2020) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 22 de Maio de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - condenar o arguido pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal (em 27 de Maio de 2019) p. e p. pelo artigo p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão; - em cúmulo jurídico, nos termos do disposto pelo artigo 77.º do Código Penal, condenar o arguido na pena única de 6 anos de prisão. II - O presente recurso tem a ver com a medida da pena aplicada, em conjugação com a qualificação jurídica dos factos praticado, atendendo a que o arguido confessou de modo integral e sem reservas os factos, bem como jamais ter sido condenado por tal ilícito criminal. III - Por isso, tal pena não merece a nossa concordância. IV - Com efeito, o tribunal deveria ter considerado todos os elementos relativos à culpa do arguido, à sua confissão integral e espontânea, ao seu arrependimento sincero, à sua situação económica, ao seu percurso errante e que procurava a todo o custo combater e à contextualização dos factos. V - Todos os factores supra-referidos foram totalmente ignorados pelo tribunal a quo, existindo sérias razões para crer que de uma pena suspensa na sua execução resultariam vantagens para a sua reinserção social. VI - O tribunal a quo não fundamentou, na perspectiva da defesa, a culpa do arguido e bem assim as exigências de prevenção especial, tal como é comprovado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08 de Setembro de 2015, em que foi relator António Latas, devendo ser realizado um juízo de prognose positiva sobre a sua adequação à reintegração social do arguido, particularmente impressiva e sustentada, permitem a suspensão da execução da pena, que, nesses casos hipotéticos, diremos ser imposta pela importância que a reintegração social, enquanto finalidade das penas, ainda assume no nosso Código Penal. VII - A sentença sob censura considerou que o arguido houvera praticado o crime previsto e punido pelo número 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, ao invés do previsto pelo artigo 25º- VIII - Porém, na nossa opinião, é demasiado ténue a fronteira entre o artigo 21º pelo qual o arguido foi condenado e o artigo 25º que prevê e estatui relativamente ao crime do tráfico de menor gravidade que, na nossa opinião, era o que estava em causa para o arguido AA. IX - Com efeito, da prova recolhida em audiência de julgamento, claro ficou que: o arguido vivia com dificuldades económicas; tinha a seu cargo a companheira, com quem houvera tido um bebé ainda de colo; vivia num meio onde as drogas proliferam, sem grandes esperanças de saída; tinha dificuldades em conseguir um emprego fixo e duradouro; que mantinha a adição em drogas leves, como o haxixe. X - Na nossa opinião, é demasiado ténue e de difícil percepção a linha entre o artigo 21º e o artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro. XI - Por isso, a jurisprudência, em diversos arestos, tem procurado deslindar essa distinção, como sucedeu com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 30 de Abril de 2008, em que foi relator o Venerando Conselheiro Raúl Borges, em que se defendeu que o crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito. XII - Para isso, deverá ter-se em considerado um conjunto de índices como os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01. XIII - Esse é, também, o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/10/2004, em que foi relatora a Veneranda Conselheira Helena Moniz, que concretizou o supra-referido ao dizer que “É enquadrável no art.25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, a conduta do agente que se dedica ao pequeno tráfico, com venda de estupefaciente diretamente ao consumidor final, através de contacto directo e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular.” XIV - Ora, como ensina o mesmo aresto jurisprudencial, estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. XV- O arguido confessou que dedicava-se a fornecer os seus amigos para poder manter o seu vício, com um raio de acção diminuto. “Apenas” traficou haxixe em pequenas quantidades, não usando qualquer meio sofisticado, limitando-se a trocas rápidas em determinados locais, pelo que auferia reduzidos rendimentos desta actividade (ficou provado que eram transacções de cinco e dez euros) e que, na sua maioria, destinava-se a financiá-lo no seu consumo. Além disso, era uma actividade quase familiar (bastará ver que um dos arguidos era sobrinho do recorrente, outra era sua namorada e os restantes amigos), recorrendo para isso a meios rudimentares (bastará ver que os objectos apreendidos são de uso simples). XVI - Assim, o ilícito praticado pelo Recorrente deveria ser analisado à luz do artigo 25º, que estatui uma pena entre 1 e 5 anos, ao invés do artigo 21º que estatui uma moldura penal entre 4 e 12 anos. XVII - Não se vislumbra pois, atendendo aos factos foram dados como provados, a razão da qualificação do crime, devendo ter sido julgado como um caso de tráfico de menor gravidade, onde a moldura pena a aplicar seria menor e aplicável aos factos em apreciação. XVIII - Estatui o artigo 25º da lei em apreço uma moldura pena entre um e cinco anos, pelo que sendo a primeira vez que o arguido é acusado pela prática deste tipo de crimes, a pena deveria ser inferior aos cinco anos que foram aplicados, e suspensa na sua execução, atendendo aos factos supra enunciados. XIX - Seguindo esta linha de raciocínio, seria de aplicar artigo 50º do Código Penal que se atem nos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão. Ora, a aplicação deste disposto legal conduziria à aplicação do artigo 70º que estipula que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO QUE V. EX.AS DOUTAMENTE SUPRIRÃO: Deve o presente recurso ser julgado provado por procedente e, em consequência, a medida da pena ser revogada, condenando-se o recorrente numa pena suspensa na sua execução, com o que V. Ex.as farão, como sempre, um acto de JUSTIÇA!”
4. O Ministério Público, não se conformando também com o acórdão proferido, na parte em que condenou o arguido AA, dele vem interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. Por acórdão proferido nos presentes autos foi o arguido AA condenado pela prática, em coautoria material, do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL. nº 15/93, de 22.01, na pena de 5 anos de prisão, e pela prática, em autora material e concurso efetivo, de 7 (sete) crimes de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do DL. n.º 2/98 de 03.01, na pena de 8 meses de prisão, cada. Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão. 2. A nossa discordância relativamente ao decidido nos autos é apenas relativa às penas parcelares e com isso também à pena única a que foi condenado o aludido arguido. 3. Na nossa perspetiva, e com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, a elevada danosidade social associada ao crime de tráfico de estupefacientes e o passado criminal do arguido exigem uma punição mais severa da parte do Tribunal. 4. Tanto no crime de tráfico de estupefacientes, como no de condução sem habilitação legal, são prementes as necessidades de prevenção geral, de reposição contrafática das normas violadas. 5. Também o passado criminal do arguido, patente no seu vasto e variado CRC, revela elevada carência de ressocialização social, sendo também muito elevadas as exigências de prevenção especial. 6. Considerando toda a factualidade dada como provada, inclusive os fatores referidos pelo próprio Tribunal a quo, é possível verificar que todos eles determinam, necessariamente, a fixação de penas parcelares superiores às aplicadas e que devem ser situadas, pelo menos, no limite médio correspondente à moldura aplicável a cada um dos crimes em apreço. 7. O arguido, pelo crime de tráfico de estupefacientes deve ser condenado numa pena de nunca inferior a 6 (seis) anos de prisão e, pelo crime (por cada um dos crimes) de condução sem habilitação legal deve ser condenado a uma pena de prisão não inferior a 1 (um) ano. 8. Em cúmulo jurídico, deverá o arguido AA ser condenado numa pena única próxima dos 8 (oito) anos e 8 (oito) meses de prisão. 9. Ao ter aplicado penas parcelares abaixo do limite médio correspondente às molduras penais aplicáveis e, com isso, ter aplicado aquela pena única de 6 prisão o douto acórdão violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º, 72.º e 77º todos do Código Penal. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se o douto acórdão proferido nos autos e substituí-lo por outro que condene aquele arguido nas penas acima pugnadas.
5. Os recursos foram admitidos e remetidos pela 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 427.º, 432.º, nº1, al. c), e nº2, 406.º, nº1, 407.º, nº2, al. a), e 408.º, nº1, al. a), do Código de Processo Penal.
6. O Ministério Público, na Procuradoria da República do Tribunal da Comarca de Braga, Juízo Central ..., respondeu ao recurso interposto pelo arguido AA, pugnando pela sua total improcedência.
7. O Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça emitiu parecer, nos termos do art.416.º do Código de Processo Penal, concluindo no sentido da procedência do recurso interposto pelo Ministério Público e pela improcedência do recurso interposto pelo arguido.
8. Cumprido o disposto no art.417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, não houve resposta ao douto parecer.
9. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à Conferência.
II Fundamentação
10. Com relevo para a decisão do recurso, consigna-se no acórdão recorrido (transcrição: Factos provados “1. Desde data não concretamente apurada do ano de 2016 e até 16 de Novembro de 2020, o arguido, AA, dedicou-se, por si e/ou através de terceiros, à venda a consumidores de porções individuais de haxixe, mediante contrapartida monetária, ou outra, desenvolvendo essa actividade, entre outros locais, a partir da sua residência, sita na Urbanização ...., ..., .... 2. Nas deslocações que fazia no âmbito da actividade descrita em 1., o arguido fez uso do veículo automóvel, de marca Volkswagen, modelo golf, de matrícula ..-..-MS, e do motociclo, de marca Suzuki R600, de matrícula ..-..-RZ. 3. No período referido em 1., o arguido, AA, vendeu doses/porções individuais de haxixe, a troco de contrapartida pecuniária de € 1,00/€ 2,00 (um/dois euros), € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros) cada porção, concretamente a: a. DD, pelo menos, uma barra de cannabis resina, nos dias 1 de Outubro de 2020, 4 de Outubro de 2020 e 20 de Outubro de 2020; b. FF, conhecido por “GG”, entre o ano de 2018 e 16 de Novembro de 2020, todas as semanas, uma barra de cannabis, pelo montante de € 5,00 (cinco euros); c. HH, conhecido por “II”, entre o ano de 2016 até Maio de 2020, entre duas a três vezes por semana, a uma barra de cannabis resina, pelo valor de € 5,00 (cinco euros); d. JJ, conhecido por “KK”, entre o ano de 2018 e 16 de Novembro de 2020, diariamente, uma barra de cannabis resina, por montante de € 5,00 (cinco euros); e concretamente nos dias 7 de Agosto de 2020, 11 de Agosto de 2020, 14 de Agosto de 2020, 15 de Agosto de 2020, 2 de Outubro de 2020; e 15 de Novembro de 2020; e. a LL, entre o ano de 2018 e Outubro de 2020, diariamente, pelo menos, uma barra de cannabis, pelo montante de € 10,00 (dez euros); e concretamente nos dias 19 de Maio de 2020, 11 de Outubro de 2020, 30 de Outubro de 2020 e 7 de Novembro de 2020; f. a MM, conhecido por “NN”, entre o ano de 2018 e o ano de 2019, uma vez por mês, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); g. a OO, conhecido por “OO”, entre o ano de 2016 e o mês de Novembro de 2020, pelo menos, duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); h. a PP, conhecido por “QQ”, pelo menos, uma barra de cannabis, pelos montantes de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); concretamente, nos dias 19 de Agosto de 2020, 19 de Setembro de 2020, 29 de Setembro de 2020 e 2 de Novembro de 2020; i. a RR, conhecido por “SS”, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros), concretamente, nos dias 3 de Outubro de 2020, 18 de Outubro de 2020, 19 de Outubro de 2020, 25 de Outubro de 2020 e 6 de Novembro de 2020; j. a TT, conhecido por “UU”, entre o ano de 2016 e até Novembro de 2020, uma a três vezes por mês, uma a três barras de cannabis resina, por montantes de € 1,00, € 2,00 € 5,00 ou € 10,00; concretamente, nos dias 30 de Julho de 2020, 3 de Setembro de 2020, 28 de Setembro de 2020 e 23 de Outubro de 2020; k. a VV, entre o ano de 2016 e o ano de 2020, uma vez por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); l. a WW, conhecido por “XX”, entre o ano de 2017 até o ano de 2018, uma vez por mês, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 e, concretamente, no dia 16 de Maio de 2020; m. a YY, conhecido por “ZZ”, entre o ano de 2016 até Novembro de 2020, uma vez por semana, uma barra de cannabis resina, por montantes de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros), e concretamente, nos dias 16 de Maio de 2020 e 26 de setembro de 2020; n. a AAA, conhecido por BBB, entre o ano de 2017 até Novembro de 2020, entre uma a duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); o. a CCC, conhecido por “DDD”, entre o ano de 2017 até Novembro de 2020, uma ou duas vezes, uma barra de cannabis resina, por montantes entre 5,00 (cinco euros) e € 20,00 (vinte euros), e concretamente, nos dias 29 de Setembro de 2020 e 10 de Novembro de 2020; p. a EEE, entre o ano de 2018 até Novembro de 2020, duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); q. a FFF, namorado de EEE, pelo menos, uma barra de cannabis resina, a troco do montante de € 5,00 (cinco euros), no dia 6 de Dezembro de 2019, na Urbanização ..., ..., ...; r. a GGG, conhecido por “HHH”, entre Setembro de 2019 até Novembro de 2020, duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10 (dez euros); s. a III, entre o ano de 2017 e o ano de 2019, uma vez por semana, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros), t. a JJJ, entre Outubro e Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de haxixe, pelo montante de € 5,00 (cinco euros); u. a KKK, em Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); v. a LLL, em Outubro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, por montante não apurado; w. a MMM, entre Setembro e Outubro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros); x. a NNN, em Setembro de 2020, pelo valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), pelo menos uma barra de cannabis resina. 4. No decurso do ano de 2019, os arguidos AA e BB iniciaram uma relação afectiva, passando a viver como casal na morada indicada em 1. 5. Nesse contexto, aderindo à actividade do companheiro e/ou por si, a arguida BB entregou, nas ocasiões infra descritas, porções individuais de haxixe, mediante contrapartida monetária ou outra, desenvolvendo essa actividade, sobretudo, a partir da dita residência, sita na Urbanização ...., ..., .... 6. No período e moldes referidos em 5., a arguida BB entregou: a. a DD, pelo menos, uma barra de cannabis resina, a troco de uma quantia monetária não apurada, no dia 27 de Maio de 2020, na Urbanização ..., ..., ...; b. a VV; no máximo três vezes, uma barra de cannabis, pelo montante de € € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); e c. a GGG, no ano de 2020, pelo menos, em três ocasiões, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros). 7. Em 16 de Novembro de 2020, os arguidos, AA e BB, tinham na sua residência identificada em 1: a. uma placa de haxixe (canabis resina), com a inscrição "...", e com o peso de 85,269 g., correspondente a 332 doses individuais diárias; b. uma balança digital, cinzenta, sem marca, com vestígios de haxixe; c. uma caixa em papel, contendo vinte e nove munições, calibre ponto 22, com a inscrição “super x; d. um pedaço de haxixe (canabis resina), com o peso de 1,945 gramas, correspondente a 9 doses individuais diárias; e. um grinder/ralador, com vestígios de produto estupefaciente; f. um canivete suíço, de marca “Vítor inox”, de cor vermelha, com vestígios de produto estupefaciente; g. um telemóvel de marca Samsung, modelo A80, de cor preta, com o IMEI: ...05/50, IMEI2: ...03/50, com o cartão sim inserido, da operadora V...; h. um telemóvel de marca Iphone, modelo 6 Plus, de cor branca, com o IMEI: ...32, com o cartão sim inserido, da operadora V...; i. a quantia de vinte e três euros e setenta e um cêntimo, em notas e moedas do banco central europeu; j. uma caixa plástica, de cor azul, contendo vários pedaços de “cannabis resina”, com o peso de 0,439 gramas; k. um cigarro manufaturado, composto por tabaco e produto estupefaciente, conhecido por charro, com o peso de 0,663 gramas. 8. Pelo menos, desde Janeiro do ano de 2018 e até 16 de Novembro de 2020, o arguido, CC, aderiu à actividade descrita em 1. vendendo o produto estupefaciente que lhe era entregue por AA para o efeito, mediante a correspectiva contrapartida pecuniária, aos consumidores que lho solicitassem, entre outros, junto a locais como o parque de lazer e/ou o campo de jogos no interior da dita Urbanização .... 9. Em contrapartida das vendas que concretizava, o arguido CC recebia do arguido AA, além do mais, produto estupefaciente (cannabis resina) para o seu consumo. 10. No período e moldes referidos em 8., o arguido, CC, vendeu: a. a OOO, conhecido por “PPP”, desde data não apurada do ano de 2018 até 15 de Julho de 2020, quatro vezes por semana, uma a duas barras de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 ou € 10,00, cada barra; concretamente, nos dias de 22 de Maio de 2020 e 15 de Julho de 2020; b. a FF, conhecido por “GG”, desde data não concretamente apurada do ano de 2019 até 16 de Novembro de 2020, entre uma a três vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros), concretamente nos dias 14 de Janeiro de 2020 e 20 de Janeiro de 2020; c. a HH, conhecido por “II”, desde data não apurada do ano de 2018 a Agosto de 2019, entre duas a três vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros); d. a MM, conhecido por “NN”, durante o ano de 2019, em cinco ocasiões, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros), cada uma; e. a OO, conhecido por “OO”, entre o ano de 2018 e Agosto de 2019, três ou quatro vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); f. a RR, conhecido por “SS”, entre o ano de 2018 e Agosto de 2019, duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); g. a TT, conhecido por “UU”, entre Janeiro e Agosto de 2019, duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de €10,00 (dez euros); h. a YY, conhecido por “ZZ”, desde Janeiro de 2018 até Agosto de 2019, duas vezes por mês, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00; i. a AAA, conhecido por BBB, desde Janeiro a Agosto de 2019, em duas a três ocasiões, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00, cada uma; j. a III, entre o ano de 2018 e Agosto de 2019, pelo menos, três a quatro vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros). 11. No dia 16 de Novembro de 2020, o arguido, CC, tinha no interior da sua residência, sita em Urbanização ..., ..., ..., ..., os seguintes objectos: a. uma placa de haxixe, com o peso de 97,586 gramas, embrulhada em plástico, contendo os dizeres “...”, correspondente a 509 doses individuais diárias; b. uma pequena barra de haxixe, com o peso de 1,993 gramas, correspondente a 8 doses individuais diárias. 12. Pelo menos, entre meados de 2018 e até ao Verão de 2020, o arguido, DD, aderiu à actividade descrita em 1. vendendo o produto estupefaciente que lhe era entregue por AA para o efeito, mediante a correspectiva contrapartida pecuniária, aos consumidores que lho solicitassem, entre outros, junto a locais como o parque de lazer e/ou o campo de jogos no interior da dita Urbanização .... 13. No período e moldes referidos em 12., o arguido, DD, entregou: a. a FF, conhecido por “GG”, entre Janeiro e Fevereiro de 2020, uma vez por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); concretamente no dia 20 de Janeiro de 2020; b. a HH, conhecido por “II”, durante, pelo menos, o mês de Janeiro de 2020, duas a três vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros), concretamente, no dia 20 de Janeiro de 2020; c. a JJ, conhecido por “KK”, em Janeiro de 2020, um ou dois “charros” de cannabis resina, sem contrapartida pecuniária; d. a RR, conhecido por “SS”, entre finais de 2019 e Maio de 2020, uma a duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, por montante de € 5,00 ou € 10,00, concretamente no dia 20 de Janeiro de 2020; e. a VV, entre os anos de 2019 e 2020, uma vez por semana, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00 (dez euros); f. a EEE, durante, pelo menos, o início do ano de 2020, uma a duas vezes por semana, uma barra de cannabis resina, pelos montantes de € 5,00 (cinco euros) ou €10,00 (dez euros); g. a GGG, durante o verão do ano de 2020, por uma ocasião, uma barra de cannabis resina, pelo montante de €10,00 (dez euros); h. III, entre meados de 2018 e data não apurada de 2019, uma ou duas vezes, uma barra de haxixe de € 5,00 ou € 10,00. 14. No dia 16 de Novembro de 2020, o arguido DD tinha no interior da sua residência, sita na Urbanização ...., ..., ..., ...: a. um telemóvel de marca “ALCATEL”, modelo “5033 D”, de cor preto, com os IMEI’s n.º ...19 e ...27, onde operava o cartão da operadora “V...”, com o n.º ...41; b. três munições de calibre 6.35mm. 15. Pelo menos entre Janeiro do ano 2018 e até Novembro de 2020, o arguido EE aderiu à actividade descrita em 1. vendendo o produto estupefaciente que lhe era entregue por AA para o efeito, mediante a correspectiva contrapartida pecuniária, aos consumidores que lho solicitassem, entre outros, junto a locais como o parque de lazer e/ou o campo de jogos no interior da dita Urbanização ..., fazendo uso, nos contactos relacionados com a sobredita actividade, do telemóvel com o cartão n.º ...71. 16. No período e moldes referidos em 15., o arguido, EE, vendeu a: a. OOO, conhecido por “PPP”, duas vezes por semana, entre meados do ano de 2019 até Novembro de 2020, concretamente, nos dias 22 de Maio de 2020 (fls. 142), e 15 de Julho de 2020 (fls. 178), uma a duas barras de cannabis resina, pelo valor de 10€, cada; b. FF, conhecido por “GG”, diariamente, entre meados de 2020 e 16 de Novembro desse mesmo ano, uma barra de cannabis resina, pelo montante entre € 5,00 (cinco euros) e € 10,00 (dez euros), cada barra; c. HH, conhecido por “II”, entre Fevereiro e 16 de Novembro ambos do ano de 2020, duas a três vezes por semana, um pedaço de cannabis resina, pelo montante de € 5,00; d. LL, uma vez por semana, um pedaço de haxixe, por montante de € 10,00, no período compreendido entre Junho e Outubro de 2020; e. OO, conhecido por “OO”, uma ou duas vezes por semana, entre Março e Novembro de 2020, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 ou € 10,00; f. RR, conhecido por “SS”, duas vezes por semana, entre Agosto e Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis, no montante de € 10,00; g. TT, conhecido por “UU”, três vezes por semana, entre Julho e Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, no montante de € 10,00 (dez euros); h. VV, uma vez por semana, entre o mês de Março e o mês de Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo valor de € 10,00; i. YY, conhecido por “ZZ”, entre duas a três vezes por semana, desde Janeiro de 2018 até Novembro de 2020, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros); j. a AAA, conhecido por BBB, duas a três vezes por semana, desde Junho a Novembro de 2020, designadamente, pelo menos, uma barra de cannabis resina, pelo valor de € 10,00; k. CCC, conhecido por “DDD”, duas a três vezes por mês, entre o Verão e o mês de Novembro, ambos do ano de 2020, uma barra ou mais barras de cannabis resina, por montantes entre € 5,00 e € 20,00. l. GGG, duas vezes por mês, entre Junho e Novembro de 2020, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00, cada; m. III, uma vez por semana, pelo menos, entre Junho e Setembro do ano de 2020, uma barra de cannabis resina, pelo montante de € 10,00. 17. No dia 16 de Novembro de 2020, no decurso da busca realizada na residência dos arguidos AA e BB, sita em Urbanização ..., ..., ..., ..., foi encontrado e apreendido na posse do arguido EE: a. um telemóvel de marca Xiaomi, modelo MEA3, de cor dourada, com o IMEI ...51/01 e IMEI2: ...69/01, com o cartão sim inserido n.º ...71, da operadora V...; b. um pedaço de haxixe, com o peso 0,70 gramas; c. um grinder/ralador, com vestígios de produto estupefaciente; d. um computador portátil, de marca Toshiba, modelo Satellite l850-1pc, série n.º ...4R, com o respetivo carregador; e. a quantia de € 95,00 (noventa e cinco euros), em notas e moedas do Banco Central Europeu. 18. Os arguidos actuaram conforme supra descrito, por si, ou aderindo à actividade do co-arguido AA, destinando a terceiros, e sem autorização, o produto estupefaciente cannabis resina, mediante contrapartida monetária ou outra; mau grado conhecessem a natureza e as características da substância em questão e soubessem que o seu transporte, detenção, compra e venda, troca ou cedência lhes estavam legalmente vedadas. 19. Os telemóveis eram pelos arguidos utilizados nos contactos que estabeleciam na sua actividade de tráfico. 20. A quantia monetária em referência foi obtida como contrapartida da venda, pelos arguidos, a terceiros de substâncias estupefacientes. 21. As balanças digitais, ralador e demais objectos apreendidos eram usados pelos arguidos na preparação e corte, para posterior venda, de produto estupefaciente. 22. O arguido DD conhecia a natureza e características das munições, supra, referidas, bem sabendo que a posse das mesmas lhe estava vedada por lei. 23. No dia 6 de Dezembro de 2019, pelas 10h50m e pelas 13h48m, o arguido AA conduziu o veículo ..-..-RJ, na Urbanização ..., em ..., .... 24. No dia 14 de Janeiro de 2020, pelas 10h30m, o arguido AA conduziu o veículo ..-..-MS, na Urbanização ..., em ..., .... 25. No dia 20 de Janeiro de 2020, pelas 12h, o arguido AA conduziu o veículo ..-..-MS, na Urbanização ..., em ..., .... 26. No dia 16 de Maio de 2020, pelas 15h20m, o arguido AA conduziu o veículo ..-..-MS, na Urbanização ..., em ..., .... 27. No dia 19 de Maio de 2020, pelas 10h30m, o arguido AA conduziu o motociclo ..-..-RZ, na Urbanização ..., em ..., .... 28. No dia 22 de Maio de 2020, pelas 13h33m, o arguido AA conduziu o motociclo ..-..-RZ, na Urbanização ..., em ..., .... 29. No dia 27 de Maio de 2020, pelas 22h15m, o arguido AA conduziu o motociclo ..-..-RZ, na Urbanização ..., em ..., .... 30. O arguido não era titular de carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse para a condução de veículos a motor. 31. O arguido conhecia as características dos mencionados veículos e não ignorava que, pelo facto de não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, os não podia dirigir na via pública. 32. Agiram os arguidos concertada, deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido e criminalmente punível das suas condutas. Provou-se ainda que: 33. O arguido AA confessou, na sua quase totalidade, os factos imputados. 34. O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo sido condenado: a. em 14 de Junho de 2000, pela prática, em 4 de Março de 1998, do crime de ofensa à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º, nº 1, do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 500$00; b. em 13 de Julho de 2000, pela prática, em 17 de Outubro de 1998, do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 250$00; c. em 31 de Janeiro de 2002, pela prática, em 23 de Março de 2000, do crime do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 1,50; d. em 31 de Outubro de 2003, pela prática em, 24 de Junho de 2002, do crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360.º do Código Penal, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 3,00; e. em 7 de Outubro de 2004, pela prática em, 30 de Setembro de 2002, do crime de tráfico para consumo de estupefacientes p. e p. pelo artigo 26.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, sob regime de prova; f. em 7 de Dezembro de 2010, pela prática em, 13 de Outubro de 2004, do crime de falsidade de testemunho p. e p. pelo artigo 360.º do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de € 4,00; posteriormente substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade; g. em 28 de Setembro de 2011, pela prática, em 15 de Setembro de 2011, do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, convertida em 67 dias de prisão subsidiária, suspensa na sua execução sob condição do cumprimento de condições e do cumprimento de 100 horas de tarefas a favor da comunidade; h. em 6 de Janeiro de 2012, pela prática, em 28 de Julho de 2010, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) com referência ao artigo 21.º, ambos do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de um crime condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período; i. em 5 de Dezembro de 2012, pela prática, em 28 de Março de 2010, do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d) do DL 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob regime de prova; j. 22 de Janeiro de 2014, pela prática, em 8 de Outubro de 2010, do crime do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; k. 24 de Fevereiro de 2015, pela prática, em 12 de Março de 2012, de dois crimes de roubo, um na forma tentada, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, com referência aos artigos 22.º e 23.º do mesmo diploma legal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período; l. 11 de Fevereiro de 2016, pela prática, em 12 de Setembro de 2015, de três crimes de ameaça agravada p. e p. pelo artigo 153.º e 155.º, do Código Penal, na pena única de 15 meses de prisão, substituída por 450 horas de trabalho a favor da comunidade; m. 22 de Junho de 2018, pela prática, em 10 de Junho de 2018, do crime do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sob condição de cumprimento de injunções e obrigações; n. 4 de Julho de 2018, pela prática, em 26 de Junho de 2018, do crime do crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 10 meses de prisão, substituída por 300 horas de trabalho a favor da comunidade; o. em 28 de Outubro de 2021, pela prática, respectivamente, em 1 de Abril de 2020 e em 16 de Novembro de 2020, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artigo 3.º, nº 1, do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. e), e 2.º, n.º 3, al. ab), e 3.º, n.º 1, do DL n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão. (…) Mais se provou que: 40. AA nasceu e cresceu no agregado familiar de origem, numeroso, e de modesta condição socioeconómica 41. A dinâmica familiar foi condicionada pelos comportamentos aditivos e dos irmãos do arguido. 42. Aos dezassete anos, registou os primeiros consumos de estupefaciente (haxixe). 43. O arguido frequentou o 5º ano de escolaridade e abandonou o ensino regular. 44. Mais tarde fez um curso de formação na área da informática. 45. Iniciou o seu percurso laboral no sector da construção civil, e, decorrido algum tempo, na estamparia, onde trabalhou de forma regular durante três anos. 46. Entre 2009 e 2012, altura em que acentuou os consumos de estupefacientes, manteve-se laboralmente inativo. 47. Após tal período, procurou abandonar as referidas adições, e por condição judicialmente imposta no âmbito de uma suspensão de execução da pena, submeteu-se a consultas de psicologia no CRI ... até meados de 2014. 48. Trabalhou, ocasionalmente, na apanha da fruta, em Portugal e .... 49. Em 2019, iniciou uma união de facto com BB, na constância da qual nasceu um filho. 50. No âmbito de processo de promoção e proteção, a criança foi entregue a uma tia paterna, com oito dias, no momento da alta clínica da maternidade. 51. Os arguidos visitavam regularmente o filho. 52. À data da prática dos factos, AA e BB integravam o agregado familiar de origem do arguido, composto, além deles, pela mãe e dois irmãos; todos com comportamentos aditivos. 53. O arguido estava desempregado, executando, pontualmente, tarefas indiferenciadas e ocasionais, de que resultavam rendimentos não apurados. 54. A mãe do arguido é pensionista, recebendo uma pensão mensal de cerca de € 900,00 (novecentos euros). É o relatório e o depoimento da mãe do AA com que satisfaz todas as despesas de sustento do agregado familiar. 55. Tem a ajuda monetária de um filho. 56. O arguido desvaloriza a necessidade de tratamento da adição a substâncias estupefacientes. 57. Tem capacidade crítica para os factos, sem evidenciar preocupações quanto a vítimas ou danos. 58. Em meio de reclusão, tem evidenciado uma postura calma e cumpridora das regras institucionais.”
11. Âmbito do recurso O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art.412.º, n.º1 do Código de Processo Penal). São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.[1] Face às conclusões da motivação do recorrente AA são as seguintes as questões objeto de recurso: - Se os factos provados integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, pelo que a pena a aplicar-lhe deveria ser inferior a 5 anos de prisão; e - Consubstanciando a conduta do arguido um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, se deve ser-lhe aplicada uma pena inferior a 5 anos de prisão, suspensa na execução. Já do teor das conclusões que o recorrente Ministério Público extraiu da motivação do seu recurso, o objeto deste cinge-se à apreciação da medida das penas parcelares e da pena única que foi aplicada ao arguido, que tem como desadequada e desproporcional, face aos critérios consagrados nos artigos 40.º, 71.º, 72.º e 77.º do Código Penal, devendo o Tribunal a quo ter optado por penas mais severas.
12. Apreciando.
Previamente ao conhecimento do objeto dos recursos, impõe-se fazer uma breve consideração sobre a competência do Supremo Tribunal de Justiça para o conhecimento dos recursos, na medida em que o arguido AA dirigiu o seu recurso ao Tribunal da Relação de Guimarães, mas a Ex.ma Juíza do processo, determinou a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça. Em função do estabelecido no n.º 2 do artigo 432.º do CPP, existe a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a 5 anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º do mesmo Código. No caso em apreciação, o objeto do recurso do arguido - bem como do recurso do Ministério Público - é um acórdão condenatório, proferido por um tribunal coletivo, em que foi aplicada ao recorrente uma pena única de 6 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material –, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal coletivo, visando os recursos apenas o reexame de matéria de direito, cabe efetivamente ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos recursos. Conclui-se assim que, neste caso, o recurso interposto pelo arguido - bem como pelo Ministério Público - é direto, per saltum, sendo o Supremo Tribunal de Justiça o competente para os conhecer, nos termos do art.432.º, n.ºs 1, alínea c) e 2, do Código de Processo Penal. Seguindo a ordem de apresentação e lógica na apreciação dos recursos, o primeiro a conhecer é o interposto pelo arguido AA.
13. Recurso do arguido AA
13.1. Da qualificação jurídica dos factos A primeira questão a decidir é se os factos provados integram a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro e, não o crime do art.21.º, n.º1 do mesmo Diploma, pelo qual o ora recorrente foi condenado. No entender do recorrente o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica porquanto, e em síntese, ficou provado que: vivia com dificuldades económicas, tendo a seu cargo a companheira, com quem houvera tido um bebé ainda de colo; vivia num meio onde as drogas proliferam, sem grandes esperanças de saída; tinha dificuldades em conseguir um emprego fixo e duradouro; mantinha a adição em drogas leves, como o haxixe; exercia uma atividade quase familiar, fornecendo um sobrinho, a sua namorada e restantes amigos; apenas traficou haxixe, para manter o seu vício, em pequenas quantidades e num raio de ação diminuto, sem usar meios sofisticados, com trocas rápidas em determinados locais, auferindo reduzidos rendimentos desta atividade, que na sua maioria destinava a financiar o seu consumo. Examinemos a questão. O art.21º, n.º 1, do DL nº15/93, estatui «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art.40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.». Por sua vez, o art.25.º do DL. n.º 15/93, sobre a epígrafe “tráfico de menor gravidade”, dispõe o seguinte: «Se nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até dois anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.». O art.21.º, n.º 1, do DL 15/93, é o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefacientes, pressupondo, desde logo pelos elevados limites da moldura penal aplicável, a prática de atos de significativo relevo, ou seja, uma ilicitude de assinalável dimensão. Já o regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na “diminuição considerável da ilicitude do facto”, revelada pela valoração conjunta dos diversos fatores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal. Na Nota Justificativa da Proposta de Lei enviada à Assembleia da República , que deu lugar ao atual regime jurídico aplicável ao tráfico de estupefacientes reconheceu-se que o « tráfico de quantidades diminutas» do DL n.º 430/83, não oferecia a maleabilidade necessária, justificando-se por isso a sua revisão « em termos que permitam ao julgador distinguir os casos de tráfico importante ou significativo do tráfico menor (…), havendo, portanto, que deixar uma válvula de segurança para que situações efetivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que , ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.». Logo após a entrada em vigor do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, e durante algum tempo, a jurisprudência fez uma interpretação algo restritiva do seu art.25.º, quase o esvaziando, ao remeter para o art.21.º a generalidade das situações de tráfico de estupefacientes. Posteriormente, a jurisprudência dos Tribunais Superiores, nomeadamente do STJ, convergiu no sentido de que « a integração do tráfico de menor gravidade do art.25.º não pressupõe necessariamente uma ilicitude diminuta», pois que resulta, designadamente da moldura prevista na sua al. a) , a ilicitude pode ser considerável; deve é situar-se em nível acentuadamente inferior à pressuposta pela incriminação do tipo geral do art.21.º, já que « a medida justa da punição não tem resposta adequada dentro da moldura penal geral.».[2] Por outras palavras, «os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de considerável diminuição de ilicitude”.». [3] Neste espírito, a jurisprudência vem alargando o campo de aplicação do art.25.º, do DL n.º 15/93, aos “retalhistas de rua” e pequenos detentores, sem ligações a quaisquer redes e que desprovidos de quaisquer organizações ou de meios logísticos, e sem acesso a grandes ou avultadas quantidades de estupefacientes.[4] Tanto a quantidade do estupefaciente traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influenciam decisivamente na aferição da gravidade do tráfico permitindo diferenciar entre os grandes (artigos 21.º, 22.º e 24.º do DL n.º 15/93) e os pequenos traficantes (art.25.º do DL n.º 15/93). Considerando que é relativamente fácil o enquadramento do crime de tráfico agravado, pois a lei enumera taxativamente as diversas circunstâncias que considera qualificativas, mas que é matéria pouco elaborada pela jurisprudência a exemplificação do que deverá ser o tráfico de menor gravidade, cujo tipo criminal é sempre apresentado de um modo teórico e, depois, casuisticamente determinado, com as inevitáveis discrepâncias de tribunal para tribunal, o STJ, no seu acórdão de 23 de Novembro de 2011, enumera as seguintes circunstâncias, tendencialmente cumulativas, para que o agente possa ser condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro: - a atividade de tráfico é exercida por contacto direto do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); - as quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto; - o período de duração da atividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado; - as operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas; - os meios de transporte empregues na dita atividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos; - os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes; - a atividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita; - ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.24.º do DL 15/93.[5] Critérios, como este, ajudam a guiar a jurisprudência para alguma objetividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas, mas não devem ser entendidos como critérios normativos. Importante é que na avaliação global da situação de facto não poderá deixar de se considerar a regra da proporcionalidade na apreciação dos fatores relevantes, como a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o modo de vida, a afetação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo próprio de estupefacientes, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e o posicionamento do agente na rede de distribuição dos estupefacientes. Assente que o juízo a emitir sobre a menor gravidade do tráfico deve ser um juízo global e abrangente sobre a conduta delitiva do agente, em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes previsto no art.21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, vejamos se, no caso concreto, o tráfico levado a cabo pelo arguido pode ser considerado como de menor gravidade. O Tribunal a quo, após analisar o bem jurídico protegido no tráfico de estupefacientes e especificar os critérios de distinção entre a atividade de tráfico tipificada no art.21.º e a do art.25.º do DL n.º 15/93, que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vem elaborando, decidiu que, no caso concreto, a atividade descrita relativamente ao arguido AA, “… enquadra-se claramente no âmbito do artigo 21º. do DL 15/93, embora pouco acima do seu limite mínimo”, aduzindo a seguinte fundamentação: “….verifica-se ter-se demonstrado que, desde data não concretamente apurada do ano de 2016 e até 16 de Novembro de 2020; ou seja, durante, pelo menos, quatro anos (considerado, pelo menos, o período compreendido entre o final de 2016 e o final de 2020), o arguido, AA, dedicou-se, por si e/ou através de terceiros, à venda de porções individuais de haxixe, mediante contrapartida pecuniária de € 1,00/€ 2,00 (um/dois euros), € 5,00 (cinco euros) ou € 10,00 (dez euros) cada porção, a, pelo menos, 24 consumidores; a saber: DD, FF, conhecido por “GG”, HH, conhecido por “II”, JJ, conhecido por “KK”, LL, MM, OO, PP, RR, TT, conhecido por “UU”, VV, WW, YY, conhecido por “ZZ”, AAA, conhecido por BBB, CCC, conhecido por “DDD”, EEE, FFF, GGG, III, JJJ, KKK, LLL, MMM e NNN. Os factos também revelam que, ao longo daquele período de quatro anos, em alguns casos, diariamente, na maioria dos casos, semanalmente, e, em casos mais contados, mensalmente, o arguido entregava aos sobreditos consumidores a cannabis resina do seu consumo, em locais, essencialmente, circunscritos à Urbanização ..., em ..., ..., onde residia. Mais se revela que, ao longo do período de actuação do arguido juntaram-se-lhe, aderindo ao seu propósito, os demais co-arguidos, que também passaram a vender cannabis na Urbanização ... aos consumidores que os procurassem para o efeito. (…) os arguidos AA, CC e EE venderam produto estupefaciente com uma cadência sucessiva; potenciando os efeitos da sua actuação, e constante; essencialmente, diária ou semanal. Atingiram, desse modo, um lastro de consumidores localizado, é certo, no Bairro da sua residência, mas significativo; igual ou superior a 10 (no caso do arguido AA mais de vinte). E fizeram-no durante períodos iguais ou superiores a dois anos; no caso do arguido AA cerca de quatro anos, sem que se lhes conhecesse outra actividade, regular, senão essa. Embora a dimensão da descrita empresa seja pequena e localizada, não se tendo detectado proventos relevantes, e embora se trate de um produto estupefaciente classificado como “droga leve”, o certo é que a actividade era constante, estável, organizada, prolongada no tempo. Destarte, pode dizer-se que os co-arguidos, AA, CC e EE, actuavam como abastecedores do Bairro ...; com AA a encabeçar a “fonte” do produto e os outros dois arguidos, CC e EE, como os “distribuidores de rua”. E essa actuação, constante, organizada e duradoura, só cessou porque foi interrompida pela detenção dos arguidos.”. Acompanhamos, no geral, a lógica argumentativa da decisão. Está em causa um tipo de estupefaciente, canábis, que integra a Tabela I-C anexa ao DL n.º 15/93, de 22 de janeiro. O tráfico de canábis não tem o carácter menosprezável do ponto de vista criminal que frequentemente se pretende atribuir-lhe. A ideia que atualmente se quer generalizada de que o consumo de cannabis não tem efeitos perniciosos nem gera dependência, não tem fundamento científico. Neste sentido, consigna-se no «Relatório Europeu sobre Drogas – 2020», do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA)», que “a canábis tem hoje um peso significativo nas admissões a tratamento de toxicodependência”. Efetivamente, a canábis gera apetências gradativamente mais exigentes, sendo frequentemente referida por consumidores de estupefacientes, como uma fase de acesso ou de iniciação a estupefacientes mais perniciosos para a saúde. Realçamos, na reapreciação do enquadramento jurídico-penal levado a cabo na decisão recorrida, que o arguido AA se dedicou à venda de haxixe num lapso temporal dilatado, que vai do ano de 2016 ao dia 16 de novembro de 2020, ou seja, cerca de 4 anos, e não o fez numa ou outra ocasião e a um ou outro consumidor. Nesse período foram identificados mais de 20 consumidores a quem o arguido AA em inúmeras ocasiões, vendeu haxixe, sendo que a alguns o fez mesmo diariamente e a outros semanalmente. E se, primeiramente, exercia esta atividade só por si, posteriormente passou a organizar esta atividade com os coarguidos BB, CC, QQQ e EE, que atuavam como distribuidores de haxixe por conta do ora recorrente. Esta atuação, embora organizada e duradoura, não era complexa na medida em que era desenvolvida essencialmente a partir da residência do ora recorrente, servindo-se de veículos motorizados e de outros meios normais de contacto com os consumidores. Esta atividade não cessou voluntariamente, mas com a detenção dos arguidos. Embora não se tenha apurado concretamente a quantidade de haxixe transacionado durante o período em causa, por si e através dos intermediários coarguidos, indicia-se através do número de consumidores identificado e que abasteceu durante cerca de 4 anos, bem como do número de ocasiões em que o fez, que transacionou quantidade não despicienda daquele produto estupefaciente. Os factos de no período em causa o agregado familiar do ora recorrente AA, composto pela sua companheira e coarguida BB, a mãe e dois irmãos, terem todos comportamentos aditivos (ponto n.º 52 dos factos provados), e do recorrente se encontrar desempregado, limitando-se a executar pontualmente tarefas indiferenciadas e ocasionais de que obtinha rendimentos não apuradas, não diminuem, e menos ainda de forma acentuada, a ilicitude do tráfico de estupefacientes. Para efeitos de integração da conduta do arguido no tipo privilegiado do art.25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, é irrelevante que alguns dos destinatários do produto sejam das relações do arguido, por serem familiares ou amigos – o que não resulta dos factos provados, mas apenas da leitura da fundamentação da matéria de facto do acórdão. No concreto quadro descrito, que se desenha dos factos dados como provados, não vislumbramos na conduta do ora recorrente qualquer diminuição sensível da ilicitude do tráfico dos produtos estupefacientes em causa, tendo por referência os pressupostos que enquadram o tipo fundamental, como bem resulta da fundamentação do acórdão recorrido. Não sendo a avaliação global da conduta em que o AA operou, claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental do tráfico de estupefacientes previsto no art.21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, não merece censura a interpretação do Tribunal a quo a respeito do enquadramento jurídico que fez da conduta do ora recorrente. Assim, improcede a pretensão de integração da conduta do recorrente AA no tipo privilegiado do artigo 25.º, do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro. 13.1. Da medida da pena de prisão e sua suspensão O recorrente AA entende que sendo a moldura penal do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.25.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, de 1 a 5 anos de prisão, deveria ser-lhe aplicada uma pena inferior aos 5 anos de prisão que lhe foram aplicados, pelo crime de tráfico de estupefacientes do art.21.º do mesmo diploma (que tem uma moldura penal abstrata de 4 a 12 anos de prisão). Ao sustentar que lhe seja aplicada uma pena suspensa na execução ao abrigo do disposto nos artigos 50.º e 70.º do Código Penal, defende - ainda que implicitamente -, a redução da pena única resultante do cúmulo jurídico, resultante da pena que lhe vier a ser aplicada pelo crime de tráfico de menor gravidade, com as penas aplicadas pelos 7 crimes de condução sem habilitação legal, para o que invoca a sua confissão integral e sem reservas dos factos, o arrependimento sincero, a sua situação económica, o percurso errante que procurava a todo o custo combater e à contextualização dos factos, que o Tribunal a quo ignorou totalmente, existindo sérias razões para crer que da suspensão da execução da pena resultariam vantagens para a sua inserção social. Vejamos. A redução da medida da pena pela prática do crime de tráfico de estupefacientes pressupõe, na questão objeto de recurso, a alteração da qualificação jurídica do tipo previsto no art.21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, para o art.25.º do mesmo diploma. No caso não se verificou essa alteração da qualificação jurídica, pelo que fica prejudicada a redução da pena de 5 anos de prisão aplicada ao recorrente com este argumento. Ainda assim não deixamos de anotar a título de obiter dictum que a fundamentação de direito do acórdão recorrido teve em conta todas as circunstâncias dadas como provadas – e não foi dado como provada a invocada confissão integral e sem reserva dos factos, nem o arrependimento sincero – que depõem favor do ora recorrente, não se vislumbrando razões para face ao critério estabelecido no art.71.º do Código Penal se fixar ao arguido, numa moldura abstrata de 4 a 12 anos de prisão, uma pena inferior aos 5 anos de prisão que lhe foi aplicada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º1 do DL 15/93, de 22 de janeiro. Sendo a moldura abstrata das penas aplicáveis em cúmulo jurídico de 5 anos a 9 anos e 8 meses de prisão, resultante da prática de um crime de tráfico de estupefacientes e de sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal, entendemos que a fixação, ao abrigo do art.77.º do Código Penal, de uma pena única de 6 anos de prisão, não é, manifestamente, uma pena excessiva perante os factos e a defeituosa personalidade do ora recorrente descrita no acórdão recorrido, como melhor se esclarecerá ao conhecer do recurso do Ministério Público. Assim, improcede também esta questão e o recurso do arguido AA.
14. Recurso do Ministério Público 14.1. O Ministério Público sustenta que o Tribunal a quo devia ter aplicado ao arguido AA penas parcelares mais severas, quer pelo crime de tráfico de estupefacientes, quer pelos crimes de condução sem habilitação legal e, consequentemente, deveria ser mais elevada a pena única fixada em cúmulo jurídico. Ao ter aplicado penas parcelares abaixo do limite médio correspondente às molduras penais dos crimes de tráfico de estupefacientes e de condução sem habilitação legal, e ao fixar em 6 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 40.º, 71.º, 72.º e 77.º do Código Penal. Argumenta o Ministério Público para o efeito, no essencial: (i) a danosidade social associada ao crime de tráfico de estupefacientes é elevada, sendo provavelmente um dos maiores flagelos das sociedades modernas, não só pelo mal que causa à saúde e à vida dos consumidores e das próprias famílias, mas também por toda a criminalidade que lhe está associada e que tem na sustentação do vício a sua causa, pelo que são fortíssimas as exigências de prevenção geral; (ii) também as exigências de prevenção geral são prementes no que respeita aos crimes de condução sem habilitação legal, dada a frequência com que ocorrem estes crimes atentatórios da segurança rodoviária, da integridade física e da própria vida, provocando sempre na comunidade um enorme sentimento de insegurança devido aos insuportáveis níveis de sinistralidade rodoviária que atingem o nosso País; (iii) são ainda mais exigentes as exigências de prevenção especial, considerando o passado criminal do arguido, com variadíssimas condenações de um também vasto leque de crimes, com particular incidência nos crimes de condução sem habilitação legal pelo qual foi já condenado oito vezes, mas também pelos crimes de tráfico de estupefacientes pelo quais foi já condenado duas vezes, revelador de uma personalidade particularmente desrespeitosa dos valores jurídico-criminais, quando nada aponta para que o arguido tenha interiorizado a gravidade da sua conduta, em particular no que se refere à condução sem habilitação legal, que sequer admitiu em audiência de julgamento; (iv) considerando toda a factualidade dada como provada sobre as circunstâncias em que os crimes foram cometidos, incluídos todos os fatores referidos pelo Tribunal a quo, deveria o arguido ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes numa pena de nunca inferior a 6 anos de prisão e, por cada um dos crimes de condução sem habilitação legal, numa pena de prisão não inferior a 1 ano e, em cúmulo jurídico, deveria ter sido condenado numa pena única próxima dos 8 anos e 8 meses de prisão. 14.2. Vejamos, em primeiro lugar, sucintamente, o regime legal de determinação da medida das penas parcelares que o Ministério Público entende ter sido violado na decisão recorrida. O art.71.º, n.º1 do Código Penal dispõe, quanto ao critério geral da determinação da medida concreta da pena, que esta é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. A culpa do agente consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter atuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter atuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobre a conduta do agente. Como bem refere Figueiredo Dias, o facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[6] A culpa, enquanto juízo de censura ou desaprovação, é suscetível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela atuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. As exigências de prevenção remetem-nos para o objetivo último das penas, que é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais (art.40.º do Código Penal). Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito. A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida. É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção geral positiva dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial. Entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida de tutela dos bens jurídicos, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo estes que vão determinar, em último termo a medida da pena. Nesta tarefa, importa atender aos fatores de medida da pena, que na linguagem do art.71.º, n.º2 do Código Penal «…depuserem a favor do agente ou contra ele», considerando, designadamente, as suas várias alíneas. As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente neste n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento de Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, fatores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”. Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.[7] Podemos agrupar, nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores supramencionados relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção. A culpa tem aqui uma função limitadora do intervencionismo estatal. Retomando o caso concreto. Estão em causa as penas aplicadas ao arguido AA pelo crime de tráfico de estupefacientes do art.21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, que é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão e pelos sete crimes de condução sem habilitação legal, previstos no art.3.º n.ºs 1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de janeiro, puníveis, cada um deles com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias. O Tribunal a quo começou por proceder à escolha da pena, relativamente ao crime de condução sem habilitação legal, optando pela aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa prevista em alternativa no tipo penal, com a fundamentação de que “são muito elevadas as exigências de prevenção geral, quer especial”, tendo em conta que as condenações anteriores do arguido, inclusive em pena de prisão, não tiveram a virtualidade de o afastar da prática de novos crimes, promovendo a sua reintegração, e que sete dessas condenações anteriores foram pela prática do crime de condução sem habilitação legal, tendo-lhe sido aplicadas penas de multa, de prisão substituída por trabalho e de suspensão de execução da prisão, cumprindo atualmente pena de 1 ano e 8 meses de prisão pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal e de detenção de arma proibida, “…pelo que a aplicação, agora, de uma pena de multa jamais transmitiria à comunidade a imprescindível confiança na validade contrafática da norma violada, nem seria suficiente para punir o facto.”. No que respeita às concretas penas parcelares aplicadas ao arguido, na parte que aqui releva, o Tribunal a quo considerou adequadas as penas de pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21º. do DL n.º 15/93, e uma pena de 8 meses de prisão pela prática de cada um dos sete crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, fundamentando a sua decisão do modo seguinte: «No que respeita ao arguido AA, elevando, na mesma medida, as exigências de prevenção geral e especial, regista-se a actuação com dolo direto, que é o grau mais grave de censura jurídico-penal. Trata-se; aliás, de um dolo persistente e reiterado, ao longo de cerca de quatro anos; no caso do tráfico, e, no caso da condução inabilitada; face às sucessivas condenações anteriores, revelando, mau grado as advertências sofridas, uma vontade contínua e intensa de violar o bem jurídico em causa. No caso do tráfico, o grau de ilicitude começa por ser moderado, atenta a localização e simplicidade das transacções efectuadas, sem recurso a meios sofisticados. Mas eleva-se, indubitavelmente, na medida da expansão da operação através do recurso à colaboração dos co-arguidos, incluída a companheira; todos encarregues, em maior ou menor medida, de aumentar o lastro da disseminação do produto. Os prejuízos na saúde dos consumidores, mesmo tratando-se de uma droga, dita, leve, não são de desvalorizar. No caso da condução inabilitada, o grau de ilicitude é baixo, atenta a simplicidade da conduta. Posto o que, nesta parte, são médio-altas as exigências de prevenção geral. Os antecedentes criminais do arguido, inclusive, pela prática dos crimes de tráfico-consumo e tráfico de menor gravidade, revelando uma tendencial impermeabilidade ao sentido normativo apontado, aumentam as exigências de prevenção geral e, bem assim, a culpa do arguido. Todavia, a sua confissão relativamente ao crime de tráfico, sem dúvida, relevante e revelando vontade de colaboração com a acção da Justiça, assim como, a capacidade crítica, em abstracto, para os factos, diminuem essas exigências e atenuam a sua culpa. O mesmo se dirá quanto ao facto de ser também consumidor desde há muitos anos; o que “amolece” a vontade, e quanto ao comportamento actual positivo em meio de reclusão, que favorece a futura reintegração em sociedade. No entanto, a falta de reconhecimento da existência de vítimas (incluído o próprio) e danos impõe um reforço a nível da prevenção especial. Neste tocante, as exigências estão acima do limite inferior ante a desestruturação pessoal, familiar e a falta de hábitos de trabalho. Vejamos. No que respeita aos “Fatores relativos à execução do facto”, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, consideramos, tal como o Tribunal a quo, que o grau de ilicitude é elevado. O arguido colocou em perigo valores fundamentais como a vida e a saúde dos consumidores, mas também a tranquilidade e a coesão da sociedade, executando esta atividade ilícita durante um largo período temporal, não só por si, mas também através de colaboradores. Já relativamente à prática dos sete crimes de condução sem habilitação legal não sufragamos o entendimento expresso no acórdão recorrido, de que o grau de ilicitude é baixo, atenta a “simplicidade da conduta”. O modo de execução usual de praticar este crime é a condução de veículo com motor, na via pública, sem o agente para tal se encontrar habilitado pelo Estado. A condução pelo arguido de um veículo automóvel (por quatro vezes) e de um motociclo (por três vezes), na via pública, não apresenta qualquer simplicidade em relação ao modo usual de execução previsto no tipo penal, pelo que este fator não permite “baixar” o grau de ilicitude das condutas do arguido nos sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal que praticou. Considerando que a condução de veículos pelo arguido sem habilitação legal ocorreu por sete vezes, entre 19 de dezembro de 2019 e 27 de maio de 2020, sempre em contexto urbano e durante o dia, salvo na situação referida no ponto n.º 29 em que conduziu pelas 22h15m, entendemos que o grau de ilicitude é razoavelmente elevado, pois com estas suas condutas colocou em causa, como bem anota a decisão recorrida, a “segurança da circulação rodoviária e, indiretamente, a tutela de bens jurídicos que se prendem com essa segurança, como a vida, a integridade física de outrem e os bens patrimoniais”. A motivação que levou o arguido a traficar ao longo do tempo foi a obtenção de rendimentos de forma fácil e rápida, e a motivação que o levou a conduzir veículos com motor na via pública, sem habilitação legal, foi a evidente satisfação da necessidade de deslocação de um lugar para o outro, através destes meios de transporte. O grau de violação dos deveres impostos ao arguido, é intenso relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, tendo em conta que conhece perfeitamente os efeitos nefastos que os produtos estupefacientes causam aos consumidores e à sociedade, pois desde há muito que consome estupefacientes e, o grau é mediano quanto à prática dos crimes de condução de veículo sem habilitação legal. As consequências da conduta do arguido, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, são as inerentes à distribuição de haxixe; relativamente aos crimes de condução de veículo sem habilitação legal, não são conhecidos danos concretos. Por fim, importa anotar agiu com dolo direto e intenso na pluralidade dos atos ora em causa. No que respeita aos “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”, são de realçar, negativamente, o longo passado criminal do arguido, objeto de condenações por um crime de ofensa à integridade física, crimes falsidade de testemunho, crimes de detenção de arma proibida, crimes de roubo na forma tentada e, particularmente relevante para o caso, por um crime de tráfico para consumo de estupefacientes, um crime de tráfico de menor gravidade e por oito crimes de condução de veículo sem habilitação legal, o que deixa claro que os episódios ora em apreciação estão longe de um episódio ocasional e isolado no contexto da sua vida. A seu favor, o Tribunal a quo relevou, na decisão, a confissão, na quase totalidade, dos factos imputados (ponto n.º 33), mas também esta não pode deixar de ser relativizada na medida em que o arguido não pode deixar de saber da existência nos autos de abundante prova de que procedeu, por si e por terceiros, à venda e distribuição de haxixe e que não tem habilitação legal para conduzir. Dos factos provados do acórdão resulta que o arguido desvaloriza a necessidade de tratamento da adição a produtos estupefacientes (ponto n.º 56), que de algum modo contribui para a desestruturação da sua vida em sociedade. Em termos ainda de conduta posterior aos factos, não consta da factualidade provada que procedeu ou envidou esforços no sentido de se submeter a exame de condução para obtenção de título que o habilite a conduzir veículos com motor, de modo a não voltar a praticar crimes de condução de veículo com motor sem habilitação legal, nem que beneficia de arrependimento. Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” anotamos alguma falta de sensibilidade às penas em que foi condenado pelos mais variados crimes, particularmente às penas de prisão suspensas na execução, revelando, o arguido, como realça a decisão recorrida “…uma tendencial impermeabilidade ao sentido normativo apontado”. A adição a produtos estupefacientes, registando consumos de haxixe desde os 17 anos de idade e a falta de vontade atual de tratamento a essa adição, bem como a ausência de hábitos regulares de trabalho, e a pouca formação a nível de habilitações literárias e laboral, são circunstâncias que não abonam a seu favor. A sua integração familiar está longe de contribuir para sair do seu percurso de vida desestruturado. Conjugando a sua personalidade, com o quadro das circunstâncias em que atuou, entendemos que a prognose sobre o seu comportamento à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, é negativa. Deste modo, face ao grau de perigosidade que resulta dos factos provados, o Supremo Tribunal de Justiça tem como elevadas as exigências de prevenção especial do arguido, quer relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, quer aos crimes de condução de veículo com motor sem habilitação legal. Elevadas são ainda as exigências de prevenção geral, quer no respeitante ao crime de tráfico de estupefacientes (haxixe), pela forte ressonância negativa na consciência social das atividades que os consubstanciam, quer quanto aos crimes contra a segurança rodoviária, dada a frequência com que são praticados em todo o País, pelo que se justifica reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes às normas violadas. A culpa do arguido, dada pela censurabilidade da ação ilícita-típica em função da atitude interna juridicamente desaprovada que nela se expressa e fundamenta, é muito elevada particularmente pela intensidade do dolo no tráfico de haxixe, que se manteve por um longo período de 4 anos, quando o próprio vivencia as nefastas consequências do consumo de estupefacientes e, quanto aos crimes contra a segurança rodoviária pela sua prática reiterada durante vários meses. Tendo em consideração as finalidades prosseguidas pelas penas, os princípios que lhe presidem, as concretas circunstâncias apuradas para a sua determinação, e as molduras penais correspondentes a cada um dos crimes praticados, mencionadas no acórdão recorrido, entendemos, como o recorrente, que a pena 5 anos de prisão aplicada ao arguido AA pelo crime de tráfico de estupefacientes - apenas um ano acima do limite mínimo legal - e as penas de 8 meses de prisão, por cada um dos sete crimes de condução de veículo com motor sem habilitação legal - bem abaixo do limite médio da moldura penal -, não refletem de modo adequado as exigências de prevenção e de culpa assinaladas, pelo que se impõe a sua alteração. Por mais adequadas e proporcionais às finalidades das penas, entende o Supremo Tribunal de Justiça fixar em 6 anos a pena de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º1, do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, e em 10 meses de prisão a pena por cada um dos crimes de condução de veículo sem habilitação legal, praticado pelo arguido AA. 14.3. Vejamos, agora, se a pena conjunta de 6 anos de prisão aplicada ao recorrente deve manter-se ou se deve também alterada. Nos termos do art.77.º Código Penal, «1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.». Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida concreta da pena da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente. O agente é sancionado, não apenas pelos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas especialmente pelo conjunto dos factos, enquanto reveladores da gravidade da ilicitude global da conduta do agente e da sua personalidade. A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.[8] Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas, porém, de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.[9] Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos citando, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).” Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[10] As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos. É evidente que condutas muito gravosas para a comunidade, como as integradas no terrorismo, criminalidade violenta, criminalidade especialmente violenta ou criminalidade altamente organizada, [definidas no art.1.º, alíneas f) a m)] exigem, por respeito do princípio da proporcionalidade e exigências de prevenção, uma menor compressão das penas parcelares, na formação da pena única, do que condutas de agentes inseridas na chamada média ou pequena criminalidade. No caso, a conduta de tráfico de estupefaciente integra a 'Criminalidade altamente organizada' criminalidade violenta (art.1.º, alínea m), do C.P.P.). Ínsita nos factos ilícitos unificados no âmbito da pena de concurso, a personalidade do agente, é um fator essencial à formação da pena única. A revelação da personalidade global do agente, o seu modo de ser e atuar em sociedade, emerge essencialmente dos factos ilícitos praticados, mas também das suas condições pessoais e económicas e da sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado. Sendo as necessidades de prevenção mais exigentes quando o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, do que quando esse ilícito se reconduz a uma situação de pluriocasionalidade, a pena conjunta deverá refletir esta singularidade da personalidade do agente. No caso concreto, a moldura de punição situa-se entre 6 anos de prisão (limite mínimo) e os 11 anos e 10 meses de prisão (máximo legal). Observando a ilicitude global da conduta do arguido, que emerge da análise unificada dos factos entendemos que a mesma não é apenas “mediana”, como se consignou na decisão recorrida, mas razoavelmente elevada. Assim: - Estão em causa no concurso, oito crimes, sendo um deles um crime de tráfico de estupefacientes praticado pelo arguido, que integra o conceito de “criminalidade altamente organizada”. Este é dos crimes que mais preocupa e alarma a sociedade pelos seus nefastos efeitos, o que faz salientar necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral, sem descurar as finalidades de reintegração. Os crimes de condução sem habilitação legal, que visam preservar a segurança rodoviária, encontram alguma conexão com o crime de tráfico de estupefacientes na medida em que o arguido conduz os veículos automóveis sem habilitação durante o período em que também trafica estupefacientes. - A distância temporal entre os atos de todos os crimes em concurso revela uma intensa e prolongada vontade de praticar os factos em concurso, mais acentuada quanto ao crime de tráfico de estupefacientes. Quanto à personalidade unitária do recorrente, conclui-se do conjunto dos factos em concurso e do seu passado criminal, com várias condenações anteriores, designadamente, por crimes de condução sem habilitação legal e dois crimes de tráfico de estupefacientes (um do art.25.º e outro do art.26.º do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro), que o mesmo tem um percurso de vida desviante no que concerne ao cumprimento de normas jurídico-penais. Acresce a esta conduta reiterada no tempo, uma fraca sensibilidade e suscetibilidade em ser influenciado pelas penas criminais. O arguido mostra-se familiarmente inserido, mas esta circunstância não se mostra de particular relevância, pois a mesma acontecia já à data dos factos em concurso e, por outro lado, os elementos do seu agregado familiar têm todos comportamentos aditivos. Apresenta, ainda, fracas condições socioeconómicas e laborais, o que não facilita a saída do seu meio ambiente que contribui para a manutenção da desestruturação da sua vida. O ilícito global agora julgado tende a inserir-se numa tendência criminosa, a carecer de forte ressocialização. A personalidade do arguido manifestada nos factos, postula a aplicação de uma pena única que possa por ele ser interiorizada como dissuasora da prática de novos crimes, designadamente de crimes de condução sem habilitação legal que vem praticando sucessivamente ao longo de muitos anos, e de crimes de tráfico de estupefacientes, para que lhe sirva de aviso e adapte o seu comportamento às normas socialmente vigentes. Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do recorrente, entendemos que mais adequada às finalidades de prevenção, proporcional á culpa e à personalidade do arguido/recorrente, a pena conjunta fixada em 8 anos e 3 meses de prisão - mais perto do limite mínimo da moldura abstrata do concurso (6 anos) do que do seu limite máximo (11 anos e 10 meses de prisão). Procede, nestes termos, a questão e o recurso interposto pelo Ministério Público.
III - Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, altera-se o acórdão recorrido na parte em que determinou a medida das penas parcelares e única, e condena-se o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21.º, n.º 1, do D.L. nº 15/93 de 22 de janeiro, da pena de 6 (seis) anos de prisão; por cada um dos sete crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.3.º n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98 de 3 de janeiro, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão. Custas pelo recorrente AA, fixando em 6 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa) * (Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.).
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Lisboa, 29 de setembro de 2022
Orlando Gonçalves (Relator) Maria do Carmo Silva Dias (Adjunta) Cid Geraldo (Adjunto) ____________________________________________
[2] Cf. acórdão do S.T.J., de 15 de Fevereiro de 1999, proc. n.º 912/99. [3] Cf. acórdão do S.T.J., de 13 de Abril de 2005, in C.J. n.º 184.º, pág. 173. [4] Cf. entre outros, os acórdãos do S.T.J. de 13 de Fevereiro de 2003 ( C.J., n.º 166, pág. 191), de 29 de Novembro de 2005 ( C.J., n.º 187, pág. 219), de 30 de Março de 2006 ( proc. n.º 06P771, in www.dgsi.pt), de 15 de Fevereiro de 2007 ( C.J., n.º 198, pág. 191) e de 30 de Abril de 2008 ( proc. n.º 08P1416, in www.dgsi.pt). [6] Cf. “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230. [8] Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2. [9] Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292. [10] Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.
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