Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA INCÊNDIO PENA PARCELAR IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO DUPLA CONFORME SUCUMBÊNCIA PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL INADMISSIBILIDADE HOMICÍDIO QUALIFICADO HOMICÍDIO A PEDIDO DA VÍTIMA INCITAMENTO AO SUICÍDIO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA MEDIDA DA PENA FUNDAMENTAÇÃO CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/24/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO QUANTO À PENA PARCELAR DO HOMICIDIO E DA PENA ÚNICA, E REJEITADO QUANTO AO DEMAIS | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
§1. – RELATÓRIO. Após julgamento, foi decidido, no processo supra epigrafado, condenar a arguida, AA, (sic): “(…) pela prática de factos consubstanciadores da autoria material de: - Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo art.º 132º, n.ºs 1 e 2, als. b) e j) na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; - Um crime de incêndio, p. e p. pelo art.º 272º, n.º 1 do C.P. na pena de quatro anos e seis meses de prisão. - Em cúmulo jurídico de penas na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão – art.º 77º do C.P. (…) - Julgar totalmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado pelo Estado Português, Ministério da Administração interna Comando Metropolitano da P.S.P. de Lisboa e, em consequência, condenar a demandada AA no pagamento de € 240,00 (duzentos e quarenta Euros), acrescidos de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento; - Julgar parcialmente procedente, por provado o pedido dos Assistentes BB e CC e em consequência condenar a demandada arguida no pagamento da quantia de €56.500,00 (cinquenta e seis mil e quinhentos Euros) a titulo de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros á taxa legal desde a data da prolação do acórdão até integral pagamento; - Condenar a demandada arguida no pagamento aos mesmos Assistentes da quantia de € 2.400,00 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a notificação da arguida até efectivo e integral pagamento. - Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por DD e EE e condenada a demandada arguida a pagar-lhes a quantia de €9.333,29 (nove mil trezentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24 de Dezembro de 2016 até afectivo e integral pagamento.” Em decisão de recurso interposto para o Tribunal da Relação de ....., foi mantida a decisão. Por decisão prolatada por este Supremo Tribunal de Justiça, veio o julgamento a ser anulado e, após julgamento efectuado, no Tribunal da Relação de ....., foi proferida a decisão que a seguir queda transcrita (sic): “1. Rejeitar, por inadmissível, o recurso interposto pela arguida AA quanto ao pedido cível formulado pelo M.º P.º em representação do Estado Português; 2. Apesar das apontadas inserções factuais referidas no ponto 1.4. supra, negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA; 2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos assistentes/demandantes BB e CC, alterando os montantes indemnizatórios fixados relativos aos danos não patrimoniais fixando, respectivamente: 2.1. A favor de cada um dos demandantes o montante de €25.000 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais sofridos pelos próprios demandantes; 2.2. A favor de ambos o montante de €20.000 (vinte mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima; 3. Confirmar no demais o acórdão recorrido.” Mantém a recorrida/arguida dissensão com o julgado, e na pretensão de alteração/revogação do decidido, alça recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, para o que condensa o epítome conclusivo que a seguir queda transcrito. §1.(a). – QUADRO CONCLUSIVO. §1.(a).i). – DA RECORRENTE. “1º O acórdão recorrido deveria ter reconhecido as insuficiências da sentença proferida em primeira instância, que foi lida sem a presença de todos os membros do tribunal, para além de não proceder à identificação da arguida, dos assistentes e das partes civis. 2º Contrariamente ao que se declara no acórdão recorrido, a sentença proferida em primeira instância enferma realmente de omissão de pronúncia, pois nada decide quanto à invocada proibição de prova que atingiria a avaliação psicológica, que sendo considerada como prova lícita, implicaria adesão às respectivas conclusões ou divergência fundamentada, por se tratar de prova pericial. 3º O apreendido constitui prova proibida, por não se ter elaborado auto mencionando a impossibilidade de o juntar ao processo e a identidade do responsável pelo mesmo. 4º A matéria de facto provada não permite a integração no tipo de homicídio qualificado, sendo subsumível ao homicídio a pedido da vítima ou na ajuda ao suicídio. 5º O tribunal deveria ter ordenado oficiosamente a perícia de reconhecimento do ritmo de digitação do teclado, por forma a determinar quem fez as pesquisas na Internet, sempre com submissão à contraditoriedade e ao exame em audiência. 6º Da matéria de facto provada nada se conclui quanto à autoria do crime de incêndio. 7º O Tribunal recorrido deveria ter declarado a nulidade da sentença por falta de fundamentação, já que não explica cabalmente a fixação das penas. 8º A arguida deveria ter sido absolvida do crime de incêndio e condenada a pena suspensa de um mês de prisão, por homicídio a pedido da vítima ou, caso assim não se entendesse, a doze anos de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelares de três e doze anos. 9º Os pedidos de indemnização devem improceder, visto que a demandada não cometeu o crime de incêndio e o ofendido concorreu para o trágico resultado. 10º A contradição insanável da fundamentação deveria ter sido reconhecida pelo acórdão recorrido, uma vez que se deu como provado que o imóvel tem uma dona e simultaneamente que há proprietários do mesmo. 11º Há contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que a demandada é condenada a pagar uma indemnização a EE apenas mencionado no dispositivo e, portanto, ausente do relatório e da matéria de facto provada. 12º Há omissão de pronúncia na decisão recorrida, por nada se decidir quanto às arguidas inconstitucionalidades. 13º Quando interpretadas no sentido de que é aplicável a pena de homicídio qualificado nos casos em que o ofendido concorda num projeto de suicídio coletivo, são inconstitucionais as normas contidas no artigo 131º, no nº 1 e nas alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º do código penal, por ofensa aos nºs 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 29º e ao nº 1 do artigo 30º da lei fundamental. 14º Por contrárias ao nº 1 do artigo 32º da constituição, são dela violadoras as normas ínsitas no artigo 127º e nos nºs 1 e 2 do artigo 163º do CPP, se interpretadas no sentido de que o tribunal pode não dar relevo a uma avaliação psicológica sem a declarar como prova proibida. 15º Por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 27º, do nº 1 do artigo 32º e do nº 1 do artigo 205º da lei fundamental, é inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 71º do código penal, se interpretada no sentido de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no nº 2 do artigo 71º do código penal. 16º Normas jurídicas violadas: Do código penal: - artigo 43º; - artigo 50º; - artigo 58º, - nºs 1, 2 e 3 do artigo 71º; - artigo 131º; - nº 1 e alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º; - artigo 134º; - artigo 135º, - nº 1 do artigo 272º Do código de processo penal: - nº 2 do artigo 14º; - nº 5 do artigo 97º, - alínea e) do artigo 119º; - nº 1 do artigo 124º; - artigo 125º; - artigo 126º; - artigo 127º; - artigo 151º; - artigo 157º; - artigo 163º; - artigo 327º; - nºs 1 e 4 do artigo 339º; -nº 1 do artigo 340º; - artigo 355º; -artigo 368º; - artigo 369º; - nº 3 do artigo 372º; - alíneas a) e b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do artigo 374º; - alínea c) do nº 1 do artigo 379º Da constituição; - nºs 1 e 2 do artigo 27º; - nº 1 do artigo 29º; - nº 1 do artigo 30º; - nº 1 do artigo 32º; - nº 1 do artigo 205º. 20º Normas jurídicas que devem ser aplicadas: - artigo 43º; artigo 50º; artigo 58º; nº 3 do artigo 71º; artigo 134º e artigo 135º do código penal; - nº 5 do artigo 97º; artigo 126º; artigo 163º; nº 3 do artigo 372º; alíneas a) e b) do nº 1, nº 2 e nº 4 do artigo 374º do código de processo penal. (…) deve ser dado provimento o recurso e ser arguida condenada por homicídio pedido da vítima ou por ajuda ao suicídio e absolvida ao crime de incêndio, absolvendo-se ainda a arguida dos pedidos de indemnização.” §1.(a).ii). – DO RECORRIDO. Inane a rigor e formalidade processual, notadamente por ausência absoluta, de epítome conclusivo, o Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de ........., advoga que (sic): “Examinada a motivação e as conclusões do recorrente, fácil se mostra concluir que o arguido se limita a retomar e a repetir, no essencial, toda a argumentação que expendeu ingloriamente na 1a instância — diga-se, aliás, que nem sequer se dignou apresentar novos argumentos rebatendo, desta feita, os argumentos e fundamentação do acórdão de que ora recorre. Assim e ao reeditar esses argumentos sem ter em conta o que de novo consta no acórdão ora recorrido, -designadamente na fundamentação da matéria de facto- apenas nos resta dizer que no acórdão recorrido contém-se, ponto por ponto, resposta às teses do recorrente, bem como foi dado integral cumprimento ao que havia sido determinado por esse STJ. Ainda neste segmento, - nulidade do acórdão desta Relação, por omissão de pronúncia- , na vertente da extensão da aplicação da norma do art° 374° n°2, aplicada aos tribunais de recurso, importa referir aquilo que a propósito se escreveu no Ac. do STJ de 13.11.2002, proc. N° 3214/02.33, SASTJ, n°65, p.60 " Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido" Com efeito — e seria fastidioso proceder à transcrição da fundamentação que consta do texto da decisão - o acórdão analisa, em todos os seus aspectos, a natureza, sentido e extensão de cada uma das questões suscitadas pelo recorrente, o que faz de forma detalhada, pelo que nada mais nos resta do que para ela remeter. Com efeito, o tribunal analisou a prova documental e pericial junto aos autos e procedeu á reapreciação da prova testemunhal. Assim sendo, afigura-se-nos que o acórdão recorrido não padece de nulidade por omissão de pronúncia ou qualquer outra como alega o recorrente. Por último vem o recorrente insurgir-se quanto á medida das penas parcelar e única, o que faz de forma vaga e genérica e sem correspondência com os factos provados. Para o efeito invoca as normas constantes dos artigos 71°e 77°, alegadamente violadas ou incorrectamente interpretadas. Porém, em momento algum indica o porquê de as normas referidas terem sido violadas, nem a forma pela qual deviam ter sido interpretadas com o concreto reflexo nas penas encontradas. No fundo, limita-se a pedir a redução das penas, e consequentemente a redução da pena única que quer ver suspensa na sua execução. Não aponta, assim, ao acórdão recorrido qualquer errada ponderação dos factos e circunstâncias em jogo para a determinação das medidas das penas. Na verdade, e ao que ora importa, o Tribunal a quo ponderou adequadamente o grau de culpa que a arguida pode suportar e apreciou correctamente as necessidades de prevenção reclamadas no caso, nomeadamente as de prevenção geral e as de prevenção especial — razões pelas quais, o concreto quantum das penas não deve ser tocado, antes se mantendo o decidido. Como é sabido, na fixação da pena única é determinante a consideração e ponderação, em conjunto, dos factos e personalidade do agente, ou seja, um exame e uma avaliação dos factos em concurso à luz da personalidade do delinquente neles manifestada e reflectida, isto é, no momento, dinâmica e contexto em que ocorreram, tendo sempre presente que o que está em causa é a punição do concurso de crimes (ilícito global), dúvidas não restam de que a pena única em que a arguida foi condenada ( 17 anos de prisão), se mostra adequada nada havendo a censurar á decisão recorrida. Assim e não se vendo que o acórdão deste Tribunal padeça de qualquer vício que importe a alteração da decisão, entendemos que o mesmo deve ser integralmente mantido, com a consequente improcedência do recurso. Termos em que, mantendo a decisão recorrida - e, obviamente, com o devido respeito por melhor e superior apreciação — será feita a Justiça do caso agora submetido à apreciação desse Supremo Tribunal.” §1.(a).iii). – RESPOSTA DO ASSISTENTE. Padecente da mesma informalidade – absoluta ausência de epítome conclusivo – responderam os assistentes/demandantes, DD e EE, havendo que destacar (i) previamente a inadmissibilidade do recurso, por (sic) “Estipula o artigo 400.º do CPP, de epígrafe “Decisões que não admitem recurso”, em concreto o seu n.º 2, o seguinte: «(…) o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada» (destaques nossos). Assim, admite este n.º 2 do artigo 400.º do CPP a recorribilidade da parte da sentença relativa ao pedido cível quando verificadas duas condições: i) o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido; ii) a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. In casu, o Tribunal Recorrido é o Tribunal da Relação de ......... que, nos termos do artigo 44.º da LOSJ, tem uma alçada de 30.000,00€. Ademais, nos presentes autos, o valor do pedido de indemnização civil deduzido pelos aqui Recorridos - julgado procedente tanto pela 1.ª Instância, como pelo Tribunal da Relação de ......... - cifra-se em 9.333,29€, valor este inferior à alçada do Tribunal a quo (30.000,00€) e, também assim, a decisão impugnada desfavorável para a Recorrente em valor inferior a metade da mesma alçada (15.000,00€). Em face do que vem de se expor, forçoso é concluir que deve o presente recurso, na parte que diz respeito à matéria cível, em concreto, ao pedido de indemnização civil deduzido pelos Demandantes DD e EE, ser rejeitado, por inadmissível, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 403.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 400.º, n.º 2 do CPP e 44.º da LOSJ, ao abrigo dos artigos 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, alínea b) do CPP.” [Neste sentido, veja-se, desde logo, a Decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.03.2013: «2. Nos termos do art. 721.º, n.º 3, do CPC (versão do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08) [atual artigo 671.º do CPC] «não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância...». 3. Esta norma é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados no processo penal, por força dos arts. 4.º e 400.º, n.º 2, do CPP, quando o acórdão da Relação confirme integralmente a decisão da 1.ª instância quanto á matéria civil. 4. Face á aplicação da norma do art. 721.º, n.º 3, do CPC, mesmo que o valor do pedido seja superior ao valor da alçada do Tribunal da Relação e o valor da condenação superior a metade desse valor o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível quando haja confirmação.» [Disponível em www.stj.pt.] No mesmo sentido e a título meramente exemplificativo, veja-se o acórdão proferido por este Venerando Tribunal em 20.06.2012, no qual se esclarece que: «A dupla conforme prevista no regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP, e como que o reverso em termos cíveis da al. f) do mesmo artigo em termos penais. A autonomia dos recursos em processo penal, face aos recursos em processo civil, apenas significa que a sua tramitação unitária obedece imediatamente às disposições processuais penais, mas não exclui, por força do art. 4.º do CPP, em casos omissos, a aplicação subsidiária das regras do processo civil que se harmonizem com o processo penal, nomeadamente quando em processo penal o objecto do recurso é de natureza cível.» [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.06.2012, processo n.º 889/08.5GFSTB.E1.S1, relator Pires da Graça, disponível em www.dgsi.pt.] Na mesma esteira e mais recentemente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.01.2017: «I - Com a alteração introduzida pelo DL 48/2007, de 29-08, com o aditamento do n.º 3 ao art. 400.º do CPP, o legislador penal, quis, a bem da "igualdade" entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal, que a admissibilidade dos recursos para o STJ das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal, deixasse de estar dependente da recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia. II - Se é certo não ter o legislador definido normas próprias de admissibilidade de recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, dúvidas não restam impor-se ao julgador, por força do estatuído pelo art. 4.º do CPP, socorrer-se do regime previsto para os processos de natureza exclusivamente civil. III - Quer tudo isto dizer que a admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos ou dos seus segmentos decisórios que versem matéria cível passou, desde então, a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico do recurso de revista previsto no CPC, (…) conforme vem sendo entendimento largamente maioritário da jurisprudência deste STJ.» [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.01.2017, processo n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1, relator Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt.]; (ii) existência de um vício da decisão decorrente de uma contradição insanável da fundamentação, que, em seu juízo, não existe, porquanto (sic): “Nesta matéria - acerca da qual teve o Tribunal da Relação oportunidade de se pronunciar, por (como se disse) ser o presente recurso, na parte que aos Recorridos toca, mera repetição do recurso interposto da decisão de 1.ª instância -, avançou a Decisão Recorrida de forma simples, mas clara que: «nenhuma contradição insanável se evidencia (…) na medida em que a afirmação feita no facto 78 não atribui a propriedade do imóvel em questão em exclusividade à assistente/demandante DD, pretendendo a recorrente vingar uma leitura restritiva que os termos escritos e linguísticos na decisão não suportam. De resto uma leitura atenta do requerimento em que se mostra interposto o pedido de indemnização civil demonstra à evidência que são dois os demandantes e os meios de prova acerca dessa matéria invocados no acórdão recorrido demonstram, à evidência, essa compropriedade. De resto, em tal requerimento claramente é apontado, após a menção de quem são os demandantes, que «Doravante conjugadamente designados por “Demandantes”» (cfr. p. 93 da Decisão Recorrida). Ademais, há ainda que destacar que a decisão proferida em 1.ª instância, transcrita para o texto da Decisão Recorrida, já dava como facto provado que: “8. No dia 30 de junho de 2014, a arguida na qualidade de inquilina celebrou um contrato de arrendamento habitacional da fração AF do ...º andar, do prédio sito no n.º ..., na Rua ........ ex Avª .........., lote ..,.., na freguesia do ..........., em ......., com o senhorio EE” [Ponto 8. da matéria de facto provada, p. 21 da Decisão Recorrida.]”.” §1,(b). – PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. “1. Do acórdão do TR... proferido em 22.09.2020, após cumprimento do determinado no acórdão do STJ de 09.05.2019, interpõe de novo recurso para este Tribunal a arguida AA, em 26.10.2020, cujas conclusões do recurso se dão por reproduzidas. 2. A tal recurso respondeu fundadamente a Magistrada do MºPº junto do TR..., pugnando pela sua improcedência. Responderam ainda os assistentes/demandantes civis DD e EE quanto ao pedido de indemnização civil, pugnando pela improcedência do recurso. 3. Nada obstando ao conhecimento do recurso deverá o mesmo ser apreciado em sede de conferência. 4. Do parecer Por acórdão do tribunal coletivo de 1ª Instância foi a recorrente condenada, na forma de autoria material: - pela prática de um crime de homicídio qualificado p. p. pelos art° 132° n° 1 e 2 als.- b) e j) do Código Penal, na pena parcelar de 16 anos de prisão. - pela prática de um crime de incêndio p. p. pelo art°. 272° n° l do CP, na pena parcelar de 4 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena de 17 anos de prisão. No aludido acórdão do TR..., proferido após cumprimento do determinado pelo STJ, procedeu-se a alteração dos factos provados 22, 23, 24 e 32 do acórdão de 1ª instância, alusivos ao crime de homicídio, tendo sido negado provimento ao recurso interposto pela arguida. 4.1 No recurso que interpõe para o STJ a recorrente impugna além do mais, e tal como já o fizera no recurso que interpôs para o TR..., sem cuidar de cingir o mesmo a impugnação de matéria de direito, nos termos do art. 434º do CPP: - matéria de facto, alegando existir contradição insanável da fundamentação, uma vez que se deu como provado que o imóvel tem uma dona e simultaneamente que há proprietários do mesmo; e existir contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que a demandada é condenada a pagar uma indemnização a EE apenas mencionado no dispositivo e, portanto, ausente do relatório e da matéria de facto provada.; -nulidade da sentença por falta de fundamentação, “já que não explica cabalmente a fixação das penas e por nada se decidir quanto às inconstitucionalidades”; - alega que deveria ter sido “absolvida do crime de incêndio e condenada a pena suspensa de um mês de prisão, por homicídio a pedido da vítima ou, caso assim não se entendesse, a doze anos de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelares de três e doze anos”. Termina o recurso alegando dever ser condenada por homicídio a pedido da vítima ou por ajuda ao suicídio e absolvida do crime de incêndio, bem como dos pedidos de indemnização. 4.2. As nulidades e vícios de decisão alegados pela recorrente foram já objeto de análise e decisão por parte do TR..., pelo não são já as mesmas suscetíveis de recurso para o STJ, sendo certo que não se alcança que o acórdão sob recurso- o proferido pelo TR...- padeça de qualquer dos vícios elencados no nº 2 do art. 410º do CPP. No que tange ao crime de incêndio, tendo ocorrido situação de dupla conforme [1] e condenação em pena não superior a 5 anos de prisão – a pena parcelar aplicada foi de 4 anos e 6 meses de prisão, é igualmente insuscetível de recurso para o STJ tal segmento do recurso- art.400º nº1 als. e) e f) do CPP. Assim, deverá o recurso, em tais segmentos ser rejeitado, por legalmente inadmissível. 4.3.No que tange à subsunção dos factos dados como provados pelas instâncias, encontram-se os mesmos corretamente subsumidos ao crime de homicídio qualificado p. p. pelo art° 132° n° 1 e 2 als.- b) e -j) do Código Penal, pelo qual a recorrente foi condenada, sendo adequado ao grau de culpa com que a recorrente agiu a aplicação da pena parcelar de 16 anos de prisão , assim como a medida da pena única fixada em 17 anos de prisão, perante a imagem da culpa “global “ com que atuou, pelos fundamentos aduzidos no acórdão do TR..., evidenciados na resposta da Magistrada do MºPº, cujos fundamentos se acompanham. Pelo exposto, pronunciamo-nos pela rejeição do recurso, nos termos do ponto 4.2. deste parecer, e pela improcedência do recurso quanto às demais questões suscitadas.” §1.(c). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO. A pretensão recursiva, afigura-se-nos, colherá cabal cognoscibilidade com a apreciação as sequentes questões: 1). – Admissibilidade do recurso quanto aos sequentes segmentos (da pretensão recursiva): a) – pedido de indemnização cível formulado pelos assistentes/demandantes, DD e EE; b). – quanto à cognoscibilidade da materialidade relativa ao crime de incêndio; 2). – Subsunção da facticidade adquirida ao Tipo-de-Ilícito contido no artigo 131º do Código Penal. 2).i). - Existência de vicio de falta de fundamentação quanto às penas impostas; 3). – Determinação da pena única; 4). – Indemnização por danos não patrimoniais aos demandantes cíveis, BB e CC – item 9º do epítome conclusivo. 4). – Inconstitucionalidade dos artigos 127º e 163º do Código de Processo Penal e do artigo 131º do Código Penal. §1.(d).1. – Rejeição do segmento recursivo na parte concernente à determinação concreta da pena parcelar irrogada pelo crime de incêndio. Na insurgência projectiva com que a recorrente acoima a decisão sob escrutínio – “deveria o acórdão recorrido ter reconhecido (…) – item 1º; “deveria ter reconhecido (…) – item 5º; “deveria ter declarado (…) – item 7º”; “deveria ter sido absolvida (…) – item 8”; “deveria ter sido reconhecida (a contradição insanável) – item 10º - procede-se à indicação do sentido de como o recurso interposto da decisão de primeira (1ª) instância “deveria” ter obtido julgamento. “Deveria”, na pretensão o tribunal de recurso dado razão às petições formuladas no recurso de primeira (1ª) instância, mas não deu. Isto é, o tribunal de recurso, em escandida glosa das questões enunciadas no recurso interposto da decisão de 1ª (primeira) instância, conferiu resposta a todas as pretensões da recorrente, desmantelando, uma por uma, todos os veios de oposição com que a recorrente pretendia derruir a decisão prolatada no tribunal de comarca. Com este exercício – de desbaste das questões opostas á decisão de primeira (1º), o tribunal de recurso reduziu o âmbito de questões que poderão ser objecto de cognoscibilidade pelo Supremo Tribunal de Justiça. Pugnava a recorrente, no recurso interposto da decisão de primeira (1ª), pela absolvição do crime de incêndio, por que foi condenada na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses. O tribunal da Relação manteve a condenação. Reitera a sua pretensão de absolvição, no recurso que interpõe para este Supremo Tribunal de Justiça, por (i) “[da] matéria de facto provada nada se conclui quanto à autoria do crime de incêndio; (ii) [a] arguida deveria ter sido absolvida do crime de incêndio e condenada a pena suspensa de um mês de prisão, por homicídio a pedido da vítima ou, caso assim não se entendesse, a doze anos de prisão, resultante do cúmulo das penas parcelares de três e doze anos.” Tendo o tribunal de recurso mantido e confirmado o juízo de culpabilidade e a necessidade de punição pela prática do crime de incêndio assacado à recorrente/arguida no libelo acusatório, este segmento da decisão fica subtraído ao poder de cognoscibilidade do Supremo Tribunal de justiça, por imperativo do estatuído na alínea e) do nº 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Na verdade, a lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância. Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências quando o caso obteve reapreciação por uma segunda instância (de recurso). A lei adrede (Código de Processo Penal), consagrou o instituto da dupla conforme, tendo ficado consignado no artigo 400º a sequente redacção, na parte interessante: “1- Não é admissível recurso: (….) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; Com o comando contido na alínea e) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico. A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal. [Para um desenvolvimento doutrinário da figura da dupla conforme vejam-se, na jurisprudência, os acórdãos deste Supremo Tribunal Justiça, relatados pelo Conselheiro Abrantes Geraldes de 20 de Novembro de 2014 (in www-dgsi.pt) e de 9 de Julho de 2015, igualmente deste Tribunal de Justiça, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, onde se escreveu (sic): “[p]or outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias.”] “(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão. No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme. Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2018, proferido no processo nº 3343/15.5JAPRT.G1.S1). [Vide ainda os arestos citados no mencionado acórdão, de que respigam os sequentes: - Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.”; - Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges: “I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão.”: - Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro: “I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva.”; - Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte: “XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares, e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ.)”: Tendo como horizonte este quadro jurisprudencial estendido, haver-se-á de concordar que a questão que a recorrente pretende ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceu reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente nem ocorreu qualquer modificabilidade ou alteração da qualificação jurídico-penal ou factual. A pena imposta situa-se toda em quantitativo inferior a 5 (cinco) anos, pelo que a norma inscrita na alínea e) do artigo 400º do Código de Processo Penal ilaqueia a possibilidade de nova sindicância do juízo determinador da escolha e aferição da medida dessas penas. A pretensão formulada pelo arguido é legalmente inadmissível pelo que deve ser rejeitada – cfr. artigo 420º do Código de Processo Penal. §1.(e). – REJEIÇÃO DO SEGMENTO DE RECURSO RELATIVO À APRECIAÇÃO DE QUESTÕES ATINENTES COM A ACTIVIDADE PROBATÓRIA. Conclamando a sua veia projectiva – insinuada pela imposição do tempo verbal “deveria” – pretende a recorrente que o tribunal aprecie as questões relativas ao que apodou de prova proibida (“avaliação psicológica” [da recorrente]); “o apreendido” [“por não ter sido elaborado auto mencionando a impossibilidade de o juntar ao processo e a identidade do responsável pelo mesmo”]; e “deveria” ter o tribunal “ordenado oficiosamente a perícia de reconhecimento do ritmo de digitalização do teclado”. O tribunal recorrido enunciou – cfr. fls. 2334 – a cognoscibilidade de todas as questões que a recorrente pretende ver reapreciadas no recurso que interpõe para este Supremo Tribunal de Justiça. Para conferência do asserido – conhecimento pelo tribunal recorrido das questões que repristina na pretensão recursiva – deixamos transcrito tramo do aresto em que esse conhecimento é operado. “1.2. Ultrapassadas as questões formais suscitadas pela recorrente, imputa esta à decisão condenatória o vicio de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º n.º 1 al. c) CPP, fundando essa nulidade em dois aspectos, alternativos, resultantes da opção do Colectivo em não ter valorado o relatório de avaliação psicológica da arguida constante dos autos. O primeiro aspecto relativo a tal relatório diz respeito à sua natureza de meio de prova proibido, invocado pela arguida, e sem que o tribunal se tenha pronunciado nessa sequência. A consulta dos autos permite-nos referir que: 1. A questão relativa à nulidade desse meio de prova foi objecto de apreciação e decisão por parte do Mmo. JIC em sede de decisão instrutória na qual foi decidido que não constituía prova proibida – cfr. fls. 1291 a 1294. 2. Desse segmento decisório e na sequência da notificação da decisão instrutória, a arguida veio, a fls. 1343, interpor recurso para o Tribunal da Relação de ......... em que pedia que o relatório em questão fosse declarado prova proibida e determinado o respectivo desentranhamento dos autos. 3. Tal recurso não foi admitido por despacho de fls. 1366. 4. Dessa não admissão veio a arguida, a fls. 1405, reclamar para o Presidente do TR..., reclamação que foi objecto de indeferimento por decisão de 18.01.208 proferida pela Exma. Vice Presidente deste tribunal. 5. Em sede de contestação, veio a arguido suscitar novamente a questão da validade desse meio de prova, considerando-o proibido, com os mesmos fundamentos que já havia utilizado na fase de instrução. 6. Finalmente, na decisão final ora recorrida e na respectiva motivação da decisão quanto à matéria de facto, o Colectivo menciona expressamente que: “Não se deu relevo à avaliação psicológica realizada uma vez que a maioria dos testes não foi concretizada e na medida em que foi questionada sobre os factos que viriam a ser julgados posteriormente que não podem ser tidos em consideração em audiência de julgamento.” O texto acabado de citar conduz-nos a duas considerações/consequências: a primeira, é que esse relatório de avaliação psicológica, apesar de indicado como meio de prova pelo M.º P.º na sua acusação e referido na pronúncia proferida a final da fase de instrução, não foi valorado [“relevado”] pelo Colectivo na formação da sua convicção e, segunda, esvazia de utilidade as questões que a propósito da mesma avaliação a arguida vinha suscitando e que acima fizemos referência (ponto 5). Assim, tornava-se inútil apreciar as deficiências e respectivas consequências que a recorrente apontava a esse relatório de avaliação psicológica na sua contestação. E nesta perspectiva nenhuma nulidade por omissão de pronúncia se mostra como afectando a decisão recorrida. Retomando o início das referências a este relatório de avaliação, o segundo dos aspectos alternativos que a recorrente aponta pela opção do Colectivo que anteriormente citámos diz respeito à, em resultado dessa não valoração, fundamentação ali vertida para a mesma com reflexos na defesa da arguida que, em contradição com o que acabava de desenvolver na categorização como prova proibida que pretendia ver feita, manifesta dever haver apreciação critica de toda a prova produzida. Contrariamente ao que argumenta a recorrente, a postura do Colectivo não representa a ultrapassagem do disposto no art.º 163º CPP, dissentindo das conclusões periciais que ali foram vertidas pelos Exmo.s Peritos, mas, antes e em momento anterior a essa apreciação das conclusões periciais, pura e simplesmente não o valoraram como meio de prova. Mas essa não valoração mostra-se fundamentada em duas ordens de razões; i) a maioria dos testes não foram realizados e ii) a arguida foi questionada sobre factos que viriam a ser julgados posteriormente (por aferição ao momento da realização da perícia) e que acabavam por ser, nada mais, nada menos, os factos objecto da pronúncia e que deveriam ser objecto de confirmação, ou não, na audiência e trazidos à decisão final. Com o devido respeito pela leitura que a recorrente faz desta argumentação/fundamentação, percebemos as reticências do Colectivo quanto às perguntas e respostas quanto aos factos objecto dos autos e a consequências que das mesmas adviriam em termos de limitação/espartilho na formação da respectiva convicção caso as respostas da arguida ali vertidas mostrassem discrepâncias com as prestadas em audiência pela mesma arguida ou, no limite, em confronto total com a globalidade da demais prova nesta audiência. Ainda quanto a esta concreta fundamentação, o relatório aponta a necessidade de efectivação de outros testes (vide os dois últimos parágrafos da respectiva pág. 27, último de pág. 28 e primeiro de pág. 29 bem como a sugestão feita a final de pág. 32). Em suma conclusiva, a opção do Colectivo ao não valorar tal relatório de avaliação não representa qualquer omissão de pronúncia (art.º 379º n.º 1 al. c) CPP) sobre as questões que a arguida tinha suscitado, na contestação, quanto à validade do mesmo, classificando-o como prova proibida, e, consequentemente não se verifica a nulidade invocada. 1.3. Ainda em matéria de meios de prova, suscita a recorrente a questão da validade, considerando-os prova proibida nos termos do art.º 125º CPP, dos meios de obtenção de prova consistentes nas apreensões de fls. 44, 111-112, 182-183, 250, 435-436, 490-491, 532 e 535-536 porquanto, alega, os correspondentes autos não demonstram ter sido dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do art.º 178º CPP. Com o devido respeito pela consequência que a recorrente pretende trazer à validade desses meios de obtenção de prova, o preceito invocado – art.º 178º n.º 2 CPP – não comina de nulidade a não observância das invocadas junção e/ou depósito dos bens apreendidos, nem a mesma consequência se retira dos art.ºs 119º e 120º CPP pelo que essa eventual omissão só pode ser reconduzida a mera irregularidade por força do disposto no art.º 118º n.º 2 CPP. Tal irregularidade há muito se mostra sanada por força do disposto no art.º 123º CPP dado que a mesma não se mostra suscitada pela arguida no momento ou prazo ali estabelecidos, isto num limite processual posterior e decorrente da notificação da acusação em que tais apreensões são indicadas como meio de prova. Não assiste razão à recorrente. (…) 1.5. Ainda em sede de meios de prova e respectiva produção em audiência, manifesta a recorrente que o tribunal deveria ter ordenado que se realizasse perícia de reconhecimento de digitação do teclado, por forma a determinar que as pesquisas foram efectuadas pelo ofendido na medida em que os dados biométricos comportamentais, em que a rigorosa identificação se processa mediante apreciação dos actos-reflexos idiossincráticos únicos em cada indivíduo entendendo que é facílimo determinar quem, em dado momento, foi a pessoa que utilizou o teclado de um computador ainda que tenha recebido formação de dactilografia, bastando fazer o confronto com documentos arquivados anteriormente, elaborados pelo ofendido e pela arguida. A omissão dessa perícia representa violação do art.º 340º n.º 1 CPP. Nos autos mostra-se feito um exame pericial que o Colectivo pôs em destaque na motivação que desenvolveu acerca dos factos provados e que por si foi valorado: “…prova pericial referente aos computadores da arguida e do FF as pesquisas ocorreram apenas no computador da arguida e da seguinte forma sic… Computador apreendido a AA e que na perícia foi designado como EQ01 – nº 5......425 Apenas duas contas de utilizador se encontram configuradas e ativas, uma conta de utilizador com o nome de início de sessão utilizador e descrição de utilizador AA com privilégios de administração do sistema operativo sem palavra passe associada. A outra conta sem acessos. O último acesso data de 28/12/2016: Em 16/12/2016 às 17h e 46 m verificou-se a seguinte pesquisa: como matar alguém com gelo seco. Em 17/12/2016, pelas 11 horas e 34 m qual a quantidade de gelo seco necessária para matar alguém Em 16/12/2016 pelas 17h e 46m como matar uma pessoa sem deixar pistas. Em 20/12/2016 armazém de gelo seco. Em 17/12/2016 pelas 11h e 56m curiosidades sobre gelo seco. Em 24/12/2016 pelas 13h e 13m e 40 s. a pesquisa quanto tempo é necessário estar alguém exposto ao Dióxido de Carbono para morrer, Cumpre aqui realçar que esta última pesquisa foi feita depois dos factos, já o FF estaria morto e foi realizada quando regressou a .......” Note-se que esta perícia incidiu sobre os computadores da vítima e da arguida, sendo que as evidências das buscas postas em destaque foram obtidas apenas no computador da arguida. Dispõe o art.º 340º CPP: “1 - O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. 2 - Se o tribunal considerar necessária a produção de meios de prova não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação, dá disso conhecimento, com a antecedência possível, aos sujeitos processuais e fá-lo constar da acta. 3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 328.º, os requerimentos de prova são indeferidos por despacho quando a prova ou o respectivo meio forem legalmente inadmissíveis. 4 - Os requerimentos de prova são ainda indeferidos se for notório que: a) As provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa; b) As provas requeridas são irrelevantes ou supérfluas; c) O meio de prova é inadequado, de obtenção impossível ou muito duvidosa; ou d) O requerimento tem finalidade meramente dilatória.” Não demonstram os autos que tal tipo de perícia tenha sido solicitado ao tribunal recorrido por parte da defesa e, por outro lado, apesar da explicação técnica que a recorrente pretendeu trazer ao recurso sobre o modo de realização dessa perícia - pelo confronto com documentos arquivados anteriormente, elaborados pelo ofendido e pela arguida - não encontrámos literatura cientifica que demonstre qualquer fiabilidade nessa metodologia de molde a aferir se as buscas em questão poderiam ter sido feitas também ou exclusivamente pela vítima. De qualquer modo, pela consistência da temática de todas as buscas, o facto de terem sido feitas no mesmo computador (da arguida) e de uma delas ter sido efectuada já bem depois do evento fatídico que determinou a morte e após esta habilita-nos, tal como ao Colectivo, afirmar que essas buscas foram todas efectuadas pela arguida. Nessa perspectiva, não só essa perícia não se apresenta como necessária para a descoberta da verdade como tal meio de prova se nos apresenta de obtenção muito duvidosa. Ainda a propósito da prova pericial e por referência à perícia que na sua perspectiva importaria que o tribunal desenvolvesse, alega a recorrente que a perícia 122/2017 constante do apenso aos presentes autos – exame pericial ao computador da arguida – não foi sujeita sujeito à contraditoriedade nem ao exame em audiência, conforme impõem os artigos 327º e 355º do CPP. Acerca da necessidade de produção e exame de provas em audiência para que as mesmas possam ser valoradas pelo tribunal, face à regra geral contida no art.º 355º n.º 1 CPP, vem a jurisprudência manifestando o entendimento de que o disposto naquele preceito é inaplicável aos elementos probatórios de natureza documental e aos meios de obtenção de prova que já constem dos autos (in casu, foi junto aos autos após a acusação, mas antes do pedido de abertura de instrução feito pela arguida) pois os mesmos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de aí terem sido lidos, porque estando eles no processo todos os intervenientes têm acesso aos mesmos e têm, portanto, oportunidade de os analisar, por um lado, e contraditar, nomeadamente em julgamento, por outro. Tal é que se constata dos acórdãos do STJ de 19.11.97, TRP de 18.06.2007, TRG 4.03.2013, TRE de 5.5.2015 e TRG de 25.09.2017, dentre outros, cujos sumários se mostram disponíveis em http://www.pgdlisboa.pt em anotação ao art.º 355 CPP. Termos em que nenhuma violação do citado preceito processual existe.” Operada a confirmação do conhecimento, por parte do Tribunal da Relação das questões enunciadas e repostas no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não será despiciendo advertir que, o Supremo Tribunal de Justiça se insere na orgânica do sistema judiciário como um tribunal de revista. – cfr. artigos 46º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto: “Fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito.”; e artigo 434º do Código de Processo Penal: “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito”. Ainda que anuncie e conclame pelo recurso de matéria de direito – cfr. conclusões 1 e 2 – o recorrente infirma o expresso propósito nas conclusões sequentes, ao expressar a discordância do julgamento da matéria de facto a que o tribunal – de primeira (1ª) instância e, por adesão de fundamentos e razões, o tribunal recorrido – se alcandorou. Com a pretensão aduzida, a recorrente pretende uma revisão da decisão de facto confirmada pelo Tribunal da Relação. O tribunal recorrido, não se limitou a aderir, coonestando, à decisão de facto asseverada pela decisão de primeira (1ª) instância, antes num louvável esforço glosou cada um dos temas de oposição com que a recorrente pretendeu delapidar a actividade de produção probatória praticada e desenvolvida pelo tribunal de primeira (1ª). A actividade probatória conformada pelo tribunal constitui o embase fundante do juízo conviccional a que o tribunal se venha a alcandorar. Da actividade probatória – v. g. meios de prova oferecidos pelos sujeitos processuais; perícias propostas ou oficiosamente promovidas; exames pessoais e de outra natureza que hajam sido requestados, buscas e tudo o que, legalmente, for admissível no repositório probatório admitido na lei adrede – emergirá o processo de formação lógico-racional em que assentará o juízo de responsabilização, ou não, do sujeito involucrado no procedimento de ajuizamento. Será dessa actividade (probatória), avaliada na globalidade e cuja glosa sumária a lei exige e reclama com o processo de exame critico das provas, na parte da fundamentação da sentença, que decorrerá a validade do acto procedimental prévio à assumpção do feixe de provas materialmente possíveis e legalmente admissíveis com que o tribunal ceva a sua convicção. Da validação, vale dizer da legalidade, verificada e confirmada dos meios de prova utilizados na mencionada actividade probatória decorre a validade do juízo de responsabilização (criminal), ou não, do imputado e, se for o caso, a punição pela prática do ilícito-típico que lhe sido assacado no libelo acusatório. O que fica dito, em resumida parla, serve para asseverar que a pretensão recursiva da recorrente assenta, neste segmento do recurso, numa tentativa de invalidação da actividade probatória que orientou e embasou o tribunal – tanto de primeira (1ª) como da Relação – a firmar um quadro factual esquadrinhado, coeso e inconsútil em que assentou a respectiva convicção e acrisolou o seu sentido de responsabilização que ditou a condenação da imputada. Na busca de invalidação dos meios probatórios que orientaram a actividade probatória das instâncias, o fim último pretendido cifra-se, de forma enviesada e reflexa, em derruir a decisão de facto (confirmada) e pôr em crise o processo de obtenção do juízo valorativo subjacente á convicção das instâncias. A convalidação do modo como as provas foram obtidas e a ausência de inquinamentos na sua obtenção, bem como na completude global dos meios de prova que deveriam ter sido promovidos e realizados para esclarecimento cabal e histórico-material da actividade delitiva indiciada e comprovada em julgamento, atestam e coonestam a legalidade formal-material de toda a actividade probatória desenvolvida pela primeira (1ª) e confirmada pelo Tribunal de recurso. Esta confirmação, porque inextricavelmente conectada com a actividade probatória que induz a produção/formação da decisão de facto, escapa à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça, como vem sendo decidido, pensamos que una voce, pela jurisprudência deste supremo Tribunal de Justiça. A questão da sindicância da decisão de facto obteve, de forma diserta e munificente, adequado tratamento no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, de que, pela clareza e lúcida exposição, nos permitimos respigar o troço sequente (sic): “Porém, o Supremo Tribunal de Justiça, quanto a impugnação de matéria de facto, apenas exerce um controlo de legalidade – não de valoração - das provas, sindicando se houve lugar a provas proibidas ou preterição do direito de defesa, por omissão de provas permitidas, apresentadas e não produzidas, que acarretariam nulidade da decisão da Relação que conheceu de recurso em matéria de facto. (…) Mas se “a decisão da matéria de facto está em desconformidade com a prova produzida”, deve ter-se em atenção que: O duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento na 2ª instância, mas dirige-se somente ao exame dos erros de procedimento ou de julgamento que lhe tenham sido referidos em recurso, e às provas que impõem decisão diversa, e não indiscriminadamente todas as provas produzidas em audiência. (…) Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía. Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas. Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230) Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova- (Ac. do STJ de 17-05-2007, Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção). Com efeito, por força do artº 205º nº 1 da Constituição da República: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” E, determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se assim, com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão, sendo que tal exame exige não só a indicação dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência -v. Ac. do STJ de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 - 5.ª Secção. O exame crítico das provas, é a ponderação de forma crítica e congruente que traduz os motivos de facto que justificam que os factos probandos resultaram provados ou não provados. Somente os factos enumerados – provados e não provados - implicam a exposição da motivação de facto e de direito, e balizam o objecto do processo, constituído em audiência, pela acusação ou despacho de pronúncia se o houver, pela contestação ou defesa e pelos factos que o tribunal considerar relevantes para a discussão e decisão da causa. (v.art. 340º do CPP). Isto significa, por outro lado, que devem ser submetidos ao crivo do contraditório, em audiência, todos os factos relevantes, necessários a definir uma decisão de direito segura para um juízo absolutório ou condenatório, sem prejuízo do juízo de dúvida pro reo se de toda a factualidade relevante, não for possível chegar a um juízo seguro de absolvição ou de condenação e que tal dúvida persista sem ser possível supri-la. Na verdade, determina o artº 355.º do CPP, sobre proibição de valoração de provas: “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.” O exame crítico das provas imposto pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto tem como finalidade impor que o julgador esclareça "quais foram os elementos probatórios que, em maior ou menor grau, o elucidaram e porque o elucidaram, de forma a que se possibilite a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra. (v. já remotamente o Ac. do S.T.J. de 01.03.00, BMJ 495, 209) Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. (v. vg. Ac do STJ de 12 de Abril de 2000, proc. nº 141/2000-3ª; SASTJ, nº 40. 48.) Desde que a motivação explique o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão. Como decidiu este Supremo e Secção, no Ac. de 3-10-07, proc. 07P1779, a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. (…) Como a motivação da decisão não é um acto de fé, nem um puro exercício de íntima convicção, ela tem que ser exposta com absoluto respeito pelas regras e princípios legais de prova e de acordo com as regras da experiência e da lógica, tem que indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado ou não provado. O tribunal tem que indicar os factos que se provam, os que não se provam e a forma como alcançou essa conclusão, explicando porque deu relevo a umas provas e o negou a outras. Ao fim e ao cabo a fundamentação é uma questão de transparência.” A integração das noções de exame crítico e de fundamentação de facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos. Aplicada aos tribunais de recurso, a norma do artº 374º nº 2 do CPP, não tem aplicação em toda a sua extensão, nomeadamente não faz sentido a aplicação da parte final de tal preceito (exame crítico das provas que serviram para formar a livre convicção do tribunal) quando referida a acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação, ou quando referida a acórdão do STJ funcionando como tribunal de revista. Se a Relação, reexaminando a matéria de facto, mantém a decisão da primeira instância, é suficiente que do respectivo acórdão passe a constar esse reexame e a conclusão de que, analisada a prova respectiva, não se descortinaram razões para exercer censura sobre o decidido (Ac. do STJ de 13 de Novembro de 2002, SASTJ, nº 65, 60) Na verdade, como se elucida no Ac. deste Supremo, de 14-06-2007, Proc. n.º 1387/07 – 5ª Secção, se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, justificando-o na parte respectiva, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como detalhada, então as instâncias cumpriram suficientemente o encargo de fundamentar, sendo que a discordância quanto aos factos apurados não permite afirmar que não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias. Mas se a Relação altera a decisão em matéria de facto, encontra-se vinculada aos termos do recurso em matéria de facto, sobre pontos determinados e precisos, de harmonia com o disposto no artigo 412º nº3 do CPP.: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas Aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº. 312/2012, in DR, II série, de 7-1-2013).”Não julga inconstitucionais as normas dos artigos 410º, nº1, 412º, nº3, e 428º, conjugados com os artigos 339º, nº4, 368º, nº2, e 374º, nº2, todos do Código de Processo Penal, na interpretação de que não pode ser objecto da impugnação da matéria de facto, num recurso para a Relação, a factualidade objecto de prova produzida na 1.ª instância, que o recorrente sustente como relevante para a decisão da causa, quando tal matéria não conste do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida.” Sendo certo que, conforme artº 431º do CPP, referente à modificabilidade da decisão recorrida: “Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º; ou c) Se tiver havido renovação da prova. Em síntese e, parafraseando o Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. O facto de a Relação conhecer de facto não significa que tenha de proceder a um novo julgamento em matéria de facto, em toda a sua extensão, tal como ocorrera em 1.ª instância. No recurso de matéria de facto, haverá que ter por objectivo o passo que se deu, da prova produzida aos factos dados por assentes, e/ou o passo que se deu, destes à decisão. O recorrente poderá insurgir-se contra o modo como teve lugar um ou ambos os momentos deste trânsito, desde logo, impugnando a matéria de facto devido ao confronto entre a prova que se fez e o que se considerou provado, lançando mão do disposto no n.º 3 do art. 412.º do CPP, e podendo mesmo ser pedida a renovação de prova, ou, então, invocando um dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP. Neste caso, o vício há-de resultar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e tanto pode incidir sobre a relação entre a prova efectivamente produzida e o que se considerou provado (al. c) do n.º 2 do art. 410.º), como sobre a relação entre o que se considerou provado e o que se decidiu (als. a) e b) do n.º 2 do art. 410.º). Em qualquer das hipóteses, haverá que ter em conta que, uma coisa é considerar objecto do recurso ordinário a questão sobre que incidiu a decisão recorrida, e outra, ter por objecto do recurso essa decisão ela mesma. No primeiro caso, haverá que decidir de novo a questão que foi levada a julgamento, podendo inclusive atender-se a factos novos e produzir prova nunca antes produzida. No segundo caso, haverá que apreciar da bondade da decisão recorrida só a partir dos dados de que o(s) julgador(es) recorrido(s) dispôs(useram). Acresce que a avaliação da decisão é a resposta, enquanto remédio jurídico, para incorrecções e ilegalidades concretamente assinaladas. Não um novo julgamento global de todo o objecto do processo. Um novo julgamento – total, ou parcial - do objecto do processo implicará sempre o reenvio, quando houver vícios nos termos do artº 410º nº 2 do CPP, que não seja possível suprir Ainda que em caso de renovação da prova o tribunal da relação possa modificar a matéria de facto, pois que “Quando deve conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do artigo 410º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo”- nº 1 do artº 430º do CPP -, a renovação da prova deve obedecer ao disposto no nº 2 deste mesmo preceito, que determina: - “A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em primeira instância pode ser renovada” (negrito nosso) Como referia Maia Gonçalves, Código de Processo Penal – Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, 2009, p.1012): “De salientar que a renovação da prova é um reexame da matéria de facto pelas relações e não corresponde a um total segundo julgamento como se não tivesse havido um julgamento anterior. Este reexame visa antes a correcção de eventuais erros da 1ª instância. Por isso se impõe que o(s) recorrentes(s) especifiquem os pontos de facto que entendem incorrectamente julgados e indiquem as provas que em relação a cada facto conduzam a um veredito diferente.” Importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se, que, como se referiu, que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras da experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir. O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art. 127.° do CPP. O processo penal fundamenta-se e, é conduzido, de harmonia com as exigências legais da produção e exame de provas legalmente válidas, com vista à determinação da existência de infracção, identificação do seu agente e definição da sua responsabilidade criminal. A actividade probatória consiste na produção, exame e ponderação dos elementos legalmente possíveis a habilitarem o julgador a formar a sua convicção sobre a existência ou não de concreta e determinada situação de facto. No nosso sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova.” [no mesmo sentido, e do mesmo Relator, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Junho de 2015, em que, a posto se escreveu “Como se sabe, no sistema processual penal, vigora a regra da livre apreciação da prova, em que conforme artº 127º o CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. São admissíveis as provas que não forem admitidas por lei. - artº 125º do CPP. E, o citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova. Por outro lado, importa ainda ter em consideração, quanto ao julgamento de facto pela Relação, que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção do julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório - Acórdão deste Supremo de 03-04-2008, Proc. n.º 2811/06 - 5.ª Secção. Os recursos são remédios jurídicos que se destinam a despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo, reexaminando decisões proferidas por jurisdição inferior. Ao tribunal superior pede-se que aprecie a decisão à luz dos dados que o juiz recorrido possuía. Para tanto, aproveita-se a exigência dos códigos modernos, inspirados nos valores democráticos, no sentido de que as decisões judiciais, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, sejam fundamentadas. Desse modo, com tal exigência, consegue-se que as decisões judiciais se imponham não em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz. (Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 230) Ao mesmo tempo, permite-se, através da fundamentação, a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo, desse modo, o tribunal superior verificar se, na sentença, se seguiu um processo lógico e racional de apreciação da prova, ou seja, se a decisão recorrida não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, pág. 294), sem olvidar que, face aos princípios da oralidade e da imediação, é o tribunal de 1.ª instância aquele que está em condições melhores para fazer um adequado usado do princípio de livre apreciação da prova - ( Ac. do STJ de 17-05-2007 Proc. n.º 1608/07 - 5.ª Secção).” Pretendendo com a oposição que reitera à decisão recorrida, colocar em crise e invalidar a actividade probatória que conduziu à formação e composição da convicção do tribunal e, consequentemente, da decisão de facto comprovada, a recorrente coloca-se na posição de pretender reverter a mencionada decisão de facto, com o que impeliria este Supremo Tribunal de Justiça a derrogar a sua função de tribunal de revista e colocá-lo na posição de tribunal de instância, por reapreciação de matéria que escapa ao seu âmbito de cognoscibilidade. No eito da argumentação produzido, este segmento da pretensão recursiva não deverá ser conhecido por este Supremo Tribunal de Justiça, pelo que obterá veredicto de rejeição. §1.(f). – ADMISSIBILIDADE DO RECURSO QUANTO AO PEDIDO CÍVEL FORMULADO PELOS ASSISTENTES/DEMANDANTES, DD e EE. Discrepa a recorrente da condenação (confirmada) pela decisão recorrida quanto ao pedido cível que havia sido formulado pelos demandantes, DD e EE, por (i) se verificar uma “contradição insanável da fundamentação deveria ter sido reconhecida pelo acórdão recorrido, uma vez que se deu como provado que o imóvel tem uma dona e simultaneamente que há proprietários do mesmo”; e (ii) ocorre uma “contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, uma vez que a demandada é condenada a pagar uma indemnização a EE apenas mencionado no dispositivo e, portanto, ausente do relatório e da matéria de facto provada.” Os demandantes haviam formulado pedido de indemnização cível em virtude de danos patrimoniais que terão que ter suportado em virtude do incêndio que ocorreu, por acção da conduta da arguida, em montante de 70.620,79 (setenta mil seiscentos e vinte euros e setenta e nove cêntimos) tendo o tribunal de primeira instância – no atinente a este pedido – decidido julgar “parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil formulado por DD e EE, termos em que condena a demandada a pagar-lhe a quantia de 9.333,29 (nove mil trezentos e trinta e três euros e vinte e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos desde 24 de Dezembro de 2016, até efectivo e integral pagamento.” A decisão recorrida, confirmou o julgado, tendo mantida inalterada a indemnização fixada no tribunal de primeira instância. A lei processual adjectiva – cfr. nº 2 do artigo 400º do Código Processo Penal – prescreve que “sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.” [O regime de apreciação do pedido cível segue os termos da lei (adjectiva) civil, pelo que que a admissibilidade dos recursos (da parte civil) deverá ser apreciada segundo o regime vigente à data da propositura da acção cível. [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Setembro de 2010, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes, de cujo sumário consta expressamente: “I - O legislador penal, em 2007, entendeu alterar o regime recursório em matéria de decisões proferidas sobre o pedido de indemnização civil, pondo em causa o princípio da adesão consagrado no art. 71.º do CPP, e estabelecendo posição contrária à assumida pelo STJ no Ac. n.º 1/2002, publicado no DR., I Série-A, de 02-05-2002. Com a introdução do n.º 3 daquele preceito o legislador subtraiu ao regime de recursos da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez conforme afirmação consignada na motivação da Proposta de Lei 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal. II - Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do art. 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no CPC. III - De acordo com o n.º 3 do art. 721.º do CPC, não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida em 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. No caso vertente, verificamos que o acórdão recorrido, no segmento que apreciou o pedido de indemnização civil deduzido, confirmou a decisão sobre ele proferida em 1.ª instância, sem voto de vencido. Por outro lado, não se verifica qualquer das situações de excepção previstas no art. 721.º-A do CPC. Assim sendo, não é admissível o recurso interposto pelos demandados. IV - Estabelece o art. 33.º da LOFTJ (Lei 52/08, de 28-08), que o STJ, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito, sendo certo que a lei adjectiva penal, em matéria de recursos, circunscreve os poderes de cognição do STJ ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 (art. 434.º). Daqui resulta estar vedado ao STJ o reexame da matéria de facto, ou seja, a sindicação da decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação, decisão que, aliás, já transitou em julgado.”] A pretensão recursiva concernente a este segmento do recurso – absolvição do pedido pelos danos causados pelo incêndio ocasionada no apartamento dos demandantes, só seria possível se a demandada/arguida viesse a ser absolvida pelo crime de incêndio, o que, como se tornou estabelecido supra, não acontecerá, dado que se formou uma dupla conformidade quanto á condenação pelo crime de incêndio. Não ocorrendo esta situação – absolvição da arguida/demandante pelo crime de incêndio – a pretensão recursiva torna-se irrecorrível em duas frentes, (i) a decisão recorrida, ao confirmar a decisão de primeira instância quanto ao montante fixada para a indemnização civil por danos ocasionados no apartamento dos demandantes, constituiu uma dupla conformidade de decisões prolatadas por dois tribunais de diferentes instâncias; (ii) a sucumbência para a recorrente é inferior a metade da alçada do tribunal recorrido – cfr. artigo 44º, nº 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário. A jurisprudência firmada nas secções criminais percorre um sentido decisional único, qual seja a de que (i) se aplica aos recursos concernentes com a indemnização decorrente de factos criminalmente puníveis, o regime próprio dos recursos em matéria processual civil; (ii) que perfilhando este regime, deverá ser aplicável aos recursos interpostos em processo penal, relativos a indemnização civil, as situações de dupla conformidade prescrita na lei adjectiva civil. Recenseia-se jurisprudência – sem preocupação de escolha significante – que atesta o que asserido. Assim, no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Janeiro de 2016, (sic): “Tendo por referência o novo “regime” processual civil dos recursos da parte civil interpostos em processo-crime, a Jurisprudência pacífica deste STJ, vai no sentido de não ser admitida revista do acórdão da relação que confirme, sem voto de vencido, e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, por força da redacção dada ao artº 721º, nº 3, do CPP. No Acórdão deste STJ, de 12/3/2015, proc. 41/08.0TACCH.E1.S1-3ª Secção, que espelha a Jurisprudência pacífica, pode ler-se: “Na verdade, como se considerou no acórdão deste Supremo de 25 de Janeiro de 2012, Proc. n.º 360/06.OPTSTB.E1.S1: A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão civil, e chamando os pressupostos - valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão civil com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil. A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos. A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o art. 4. do CPP, no regime dos recursos em processo civil. Desta incompletude já se tinha dado conta o Acórdão deste Supremo de 30.11.2011, Proc. n.º 401/06.OGTSTR.E1.S1 ao considerar que: A norma do art. 400.°, nº 3, do CPP, deixa em aberto, por carência enunciativa de conteúdo, a admissibilidade do recurso relativamente a indemnização civil fixada em processo penal pela via do enxerto civil sempre que, a tal respeito, se registe a confirmação em recurso, da decisão de 1.ª instância, à semelhança do que sucede, em certas condições, quanto à medida da pena, em se realizando a chamada dupla conforme. Estamos em presença de uma lacuna de regulamentação sustentada e sugerida, desde logo, porque não se vê qualquer razão para os intervenientes processuais penais pleiteando no enxerto civil usufruam de uma perspectiva de favor. (…) Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente. Com a alteração ao CPP através do DL 48/07, de 29-08, teve-se o propósito de estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão civil proferida em processo penal ou civil no que respeita a matérias de indemnização. Aliás, como salienta o Ac. deste Supremo e desta Secção, de 3011-2011, Proc. n.° 401/06.OGTSTR.E1.S1 - 3. Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente. Como decidiu o TC no Ac. n.° 39/88, “o princípio da igualdade não proíbe (...) que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo e dizer sem qualquer justificação razoável segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por iguais situações essencialmente desiguais.”. Em regra, como supra se referiu, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como estabelece o art. 71.° do CPP, que consagra o denominado processo de adesão. Nestes casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas acções, uma penal e outra civil, autónomas entre si. O processo penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura do inquérito. Já o processo ou acção civil tem início com a dedução do pedido de indemnização civil, O equivalente à petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização. A consideração da data da apresentação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal como o início do processo em matéria civil, em si, não coloca qualquer questão de desigualdade. Está no mesmo plano que a consideração da petição inicial como o início do comum processo civil. Acresce que a limitação das possibilidades de recurso em matéria civil, obedecendo a um critério racional e objectivo, não tem sido considerada pelo TC violadora do princípio da igualdade, como no caso de alteração do valor das alçadas (cf. v.g. Ac. n.° 239/97) - v. Como referiu o Acórdão deste Supremo, de 15-12-2011, proc. 53/04.2IDAVR.P1.S1. Em suma e parafraseando o acórdão deste Supremo de 22-06-2011, Proc. 444/06.4TASEI Se o legislador do CPP quis consagrar a solução de serem as mesmas as possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que daí tirar as devidas consequências, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do nº 3 do art. 721,°, que subsiste na actual redacção do n° 3 do art° 671° do CPC, que condiciona, nesta matéria, o recurso dos acórdãos da Relação, nada se dizendo sobre o assunto no CPP, é aplicável ao processo penal, havendo neste, em relação a ela, caso omisso. Até porque o legislador do CPP, na versão da Lei 48/2007, afirmou a igualdade de oportunidades de recurso em processo civil e em processo penal, no que se refere ao pedido de indemnização, numa altura em que já conhecia a norma do referido n.º 3 do art. 721.° do CPC (a publicação do DL 303/2007 e anterior à da Lei 48/2007). Por outro lado, a aplicação do anterior nº 3 desse art. 721.° e hoje n° 3 do art 671° do CPC, ao pedido de indemnização civil deduzido no processo penal não cria qualquer desarmonia; não existe, efectivamente, qualquer razão para que em relação a duas acções civis idênticas haja diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil ou penal do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia. Pode mesmo dizer-se que outro entendimento que não o aqui defendido conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime. (…)” Porém, sublinhe-se, como alerta o Acórdão que vimos citando, “Este sistema da “dupla conforme” entrou em vigor em 01-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º, n.° 1, e 12º, n.º 1, do referido DL 303/2007. (…)” A anterior redacção do artº 721º, nº 1 do C.P.C., não previa a “dupla conforme”, determinando apenas que “cabe recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da causa”. No mesmo sentido escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2015, que (sic): “O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime foi, em obediência ao princípio da adesão, a que se refere o artigo 71.º do Código de Processo Penal (CPP), formulado no processo penal instaurado contra os arguidos nele investigados. Com a revisão de 2007 da lei processual penal, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, entrada em vigor no dia 15 do mês seguinte, o n.º 3 do artigo 400.º do CPP veio permitir a interposição de recurso da parte da decisão relativa à indemnização civil, mesmo não sendo admissível a da parte penal, com tal alteração pretendendo-se «alinhar o regime do recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da Acão civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil». [[2]] Como refere o Senhor Procurador-Geral Adjunto, «[à] alteração introduzida subjaz, portanto, o propósito de colocar em pé de igualdade todos aqueles que pretendam impugnar decisão civil proferida, dentro ou fora do processo penal, ou seja, quer a respetiva causa ou pleito se desenvolva em processo penal ou em processo civil», donde «decorre, com meridiana clareza, que o n.º 3 do artigo 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjetiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no Código de Processo Civil.» (…) 6. O artigo 671.º do CPC, com a epígrafe «Decisões que comportam revista», estabelece no n.º 3 que, «[s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte». Delimitando os limites e conteúdo do conceito confirmação da decisão recorrida, por ele entende-se a «coincidência decisória entre o acórdão do Tribunal da Relação e a sentença ou acórdão do tribunal de 1.ª instância, o que abrange, quer a coincidência total dos segmentos decisórios em confronto (o que se obtém mediante a confirmação pela Relação de toda a decisão do tribunal de 1.ª instância), quer a coincidência parcial, desde que a decisão contenha segmentos distintos e autónomos, em que, naturalmente, quanto aos mesmos, ocorra confirmação do decidido (a este respeito, cf., a jurisprudência das Secções Cíveis do STJ, vertida nas revistas n.ºs 16/13.7TBSCF-A.L1-A.S1 - 7.ª Secção, de 30-10-2014, 70/10.3T2AVR.C1.S1 - 7.ª Secção, de 26-06-2014, 1084/08.9TBCBR.C1.S1 - 6.ª Secção, de 13-05-2014, e 2393/11.5TJLSB.L1.S1 - 7.ª Secção, de 10-04-2014) [[3]]. Sobre a fundamentação essencialmente diferente implicada na norma, a mesma «significa que não é toda e qualquer divergência, por mais insignificante e por mais irrelevante que seja, entre a decisão do tribunal de 1.ª instância e a decisão do tribunal de recurso, que obsta à formação da denominada dupla conforme. Exigem-se divergências marcantes, importantes ou significativas entre essas decisões judiciais, em termos de qualificação ou de enquadramento jurídico, no tocante a aspetos que não sejam acessórios ou secundários para a discussão ou julgamento da causa.» [[4]] O regime de inadmissibilidade de recurso, em caso de dupla conforme, nos termos assinalados, aplica-se a todos os processos cíveis instaurados depois de 1 de janeiro de 2008, desde que as decisões recorridas tenham sido proferidas após 1 de setembro de 2013, data da entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, como é o caso. 7. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães confirmou, por unanimidade, a decisão do tribunal coletivo da Vara de Competência Mista de Braga, quanto aos pedidos formulados contra os recorrentes e demandados civis BB & Filhos, Lda e BB, o que conduz à verificação da dupla conforme, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, e sem que uma eventual revista excecional, nos termos do artigo 672.º do mesmo código, seja de considerar, por o recorrente não ter invocado a verificação dos pressupostos implicados na sua admissão, do que decorre a sua rejeição, em obediência ao disposto no n.º 2 do mesmo preceito legal. Tendo o acórdão recorrido confirmado integralmente a decisão recorrida da 1.ª instância e sem que nele se surpreenda, em relação àquela, fundamentação essencialmente diferente, formou-se dupla conforme, que obsta à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, e conduz à sua rejeição, nos termos das disposições combinadas dos artigos 671.º, n.º 3, do CPC e 420.º, n.º 1, alínea b), e 414.º, n.º 2, do CPP. Concluindo, de acórdão de tribunal da relação só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos de revista excecional previstos pelo artigo 672.º do CPC, quando, em casos de dupla conforme, não exista unanimidade por parte dos julgadores e a decisão recorrida apresente uma fundamentação essencialmente divergente da perfilhada pela decisão, sentença ou acórdão, do tribunal de 1.ª instância. Em face do exposto, o recurso interposto não é admissível, nos termos do disposto no artigo 671.º, n.º 3, do CPC2013, pelo que se rejeita, atento o preceituado no artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.» (…) 3.1. O sistema da «confirmação» ou de «dupla conforme», constante das alíneas d) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, envolvendo situações diversas, foi introduzido no sistema processual penal português na reforma de 1998 (Lei n.º 59/98, de 25 de agosto), vindo a ser reformulado em 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto), nos termos das quais é vedado o recurso ao Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos confirmatórios das relações que se incluam nas respetivas previsões normativas. Nem neste preceito nem em qualquer outro do Código de Processo Penal se estabelece o regime de recurso de decisões de «dupla conforme» em ação cível enxertada no processo penal, estando «[a] viabilidade do recurso para o STJ da decisão do pedido cível enxertado (…) subordinada ao regime da dupla conforme da lei processual civil, ou seja, à regra do n.º 3 do art. 721.º do CPP, aplicável por força do disposto no art. 4.º do CPP» [[5]]. Com efeito, aquela lei introduziu o n.º 3 ao artigo 400.º do CPP, nos termos do qual, o recurso da matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como sucedia até então, também por força da fixação de jurisprudência publicada no Assento n.º 1/02, de 14 de março [[6]]. Com tal alteração, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível autonomizou-se do recurso em matéria penal, passando a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria cível, a ser apreciada e decidida tendo em atenção os critérios próprios de recorribilidade adotados pelo CPC. 13.2. Em matéria cível, a dupla conforme foi estabelecida no artigo 721.º, n.º 3, do anterior Código de Processo Civil (CPC), pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, nos termos do qual, ocorrendo conformidade entre as decisões da 1.ª instância e do Tribunal da Relação, não é admissível revista para o Supremo Tribunal de Justiça [[7]]. Aquele decreto-lei, que procedeu à revisão do sistema de recursos no processo civil, foi editado no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 6/2007, de 2 de fevereiro, nos termos da qual o Governo era autorizado a alterar, além do mais, o regime dos recursos em processo civil, e definindo o sentido e extensão da autorização, previa na alínea g) a «[c]onsagração da inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». No preâmbulo mencionavam-se os três objetivos fundamentais da reforma: a simplificação, a celeridade processual e a racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência, naqueles se incluindo a introdução da regra da «dupla conforme», estabelecendo-se a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, em termos que o n.º 3 do artigo 721.º do CPC assim previa: «[n]ão é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte». O artigo seguinte reportava-se ao recurso de revista excecional, questão não suscitada pelos recorrentes. 13.3. O novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 1 de setembro, no artigo 671.º, n.º 3, já antes transcrito, veio estabelecer as condições de admissibilidade do recurso antes previstas no artigo 721.º, n.º 3, do anterior Código, sendo o novo regime aplicável a todos os processos cíveis instaurados após o dia 1 de janeiro de 2008, desde que as decisões recorridas tenham sido proferidas após a data da entrada em vigor daquela Lei, em 1 de setembro de 2013, conforme resulta, a contrario, da norma transitória inscrita no artigo 7.º daquele diploma legal [[8]]. 13.4. Sobre o direito ao recurso em matéria penal, o momento relevante para a definição da situação processual dos seus beneficiários é a publicação da sentença de 1.ª instância, e a lei que regula a recorribilidade de uma decisão é a vigente quando a 1.ª instância proferiu a decisão a impugnar, salvo se a lei posterior for mais favorável ao arguido. É esta a jurisprudência uniforme que se recolhe de diversos acórdãos deste Supremo Tribunal [[9]]: «Como é pacífico e, conforme jurisprudência comum deste Supremo, a lei reguladora da admissibilidade dos recursos é a que vigora no momento em que é proferida a decisão de que se recorre. (v, entre outros v. g. ac.s de 17.12.69 in BMJ 192,p 192 e de 10.12.1986 in BMJ 362, p. 474) Como se decidiu no Ac. deste Supremo e Secção, de 22 de Novembro de 2007, in proc. nº 3876/07, no domínio da aplicação da lei processual penal no tempo vigora a regra tempus regit actum, só assim não acontecendo em relação às normas processuais penais de natureza substantiva. Mas, como entendeu o Supremo Tribunal (v. ac. de 29 de Maio de 2008 in proc. nº 1313 da 5ª Secção), para o efeito do disposto no art.º 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, os direitos de defesa, para além dos que têm eficácia em todo o decurso do processo (art.º 61.º, n.º 1), são apenas os que se encontram consignados para a fase processual em curso no momento da mudança da lei. A prolação da decisão final na 1ª instância encerra a fase processual do julgamento (Livro VII) e inicia, consoante o caso, a dos recursos (Livro IX) ou a das execuções (Livro X). Ao se iniciar a fase dos recursos, o arguido inscreve nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento. […]. A lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é pois a que se encontrava em vigor no momento em que a 1ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido.» 13.5. A conformação constitucional desta jurisprudência por referência ao parâmetro constitucional das garantias de defesa do arguido e do seu direito ao recurso, previsto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), tem sido afirmada pelo Tribunal Constitucional numa essencial consonância. Nela se diz que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um triplo grau de jurisdição, porquanto «a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas» [[10]], concluindo-se que «o direito ao recurso, no domínio do processo penal, se conforma com um duplo grau de recurso, com a reapreciação por um tribunal superior (o tribunal da relação), perante o qual o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa», consubstanciando «o acórdão da relação, proferido em 2ª instância, (…) a garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro (…) dos fundamentos do direito ao recurso» [[11]]. Fora do direito penal, tem vindo a ser entendido e reafirmado, repetida e unanimemente, pelo Tribunal Constitucional, que «não resulta da Constituição, em geral, nenhuma garantia do duplo grau de jurisdição, ou seja, nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, expressamente consagrado no citado artigo 20º da Constituição» [[12]]. O direito ao recurso constitucionalmente garantido basta-se, assim, com um único grau de reapreciação, gozando o legislador de certa margem de apreciação na definição do regime dos recursos e da opção pelos que hão de ser submetidos à reapreciação do Supremo Tribunal de Justiça. 13.6. Este Supremo Tribunal tem comungado de idêntico entendimento, como decorre da sua jurisprudência constante, nos termos da qual «[o] art. 32.º da CRP não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária. As legítimas expectativas criadas pelo exercício do direito ao recurso, foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para um tribunal de 2.ª instância, o Tribunal da Relação, por força da conjugação do art. 432.º, n.º 1, al. c), e art. 427.º, ambos do CPP, e o contraditório inerente, quer por força do disposto no art. 414.º, n.º 1, do CPP, quer por força do art. 417.º, n.º 2, ambos do CPP» [[13]]. Fora do âmbito penal, tem-se afirmado também que «[a] ausência de duplo grau de jurisdição (…) não colide com a Constituição [[14]].” Sem discrepância vem doutrinado no acórdão do STJ de 13 de Novembro de 2014, relatado pelo Conselheiro Arménio Sottomayor, em que se escreveu (sic): “Consagrando o princípio da adesão da acção cível ao processo penal, o art. 71º do Código de Processo Penal dispõe que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei. Embora do ponto de vista substantivo a indemnização por perdas e danos emergentes da prática de um crime tenha o seu fundamento na lei civil, a tramitação do pedido é regulada pela lei penal. Por isso, em matéria de recursos, o Supremo Tribunal de Justiça, no Assento nº 1/2002, de 14 de Março, publicado na I Série do Diário da República de 21-05-2002, fixou jurisprudência no sentido de que “No regime do Código de Processo Penal vigente – nº 2 do art. 400º, na versão da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto -, não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.” Contrariamente ao sentido em que jurisprudência tinha sido fixada, na reforma do processo penal operada pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, foi decidido acrescentar ao art. 400º do CPP, um número 3º do seguinte teor: “Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.” Este recurso, quanto à sua admissibilidade, encontrava-se sujeito, nos termos do nº 2 do mesmo artigo, à condição de o valor do pedido ser superior à alçada do tribunal recorrido e à de a decisão impugnada ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada. A finalidade desse aditamento aparece de forma clara na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 109/X: “Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.” Então, conforme refere António Santos Abrantes Geraldes), Recursos em Processo Civil – Novo Regime 2, pág. 335) “a admissibilidade da revista estava unicamente dependente da verificação de uma situação de inconformismo perante acórdão da Relação que tivesse decidido do mérito da causa. Desde que não houvesse condicionamentos ligados ao valor do processo ou do decaimento, ou outros avulsos, a parte vencida dispunha, em regra, da possibilidade de solicitar a intervenção do Supremo.” Contudo, para vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2008 mas sendo aplicável apenas aos processos instaurados após essa data, na ampla revisão do regime dos recursos em processo civil levada a efeito pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, veio a estabelecer-se, no nº 3 do art. 721º do Código de Processo Civil, que “Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância …”. Consagrou-se, assim, no processo civil o sistema de dupla conforme como obstáculo ao recurso de revista, à semelhança do que sucedia em processo penal onde o princípio da dupla conforme constitui o paradigma da irrecorribilidade da decisão tomada em recurso. Será esta norma aplicável no processo penal relativamente aos recursos que tenham por objecto a parte cível? Dir-se-á que, a não ser feita essa aplicação, estaríamos a deixar fugir pela janela aquilo que o legislador fizera entrar pela porta. Refere, a propósito, Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal 4, pág. 1049) que, com o aditamento do nº 3 ao art. 400º, o legislador introduziu uma quebra do princípio da adesão; fê-lo “a bem da «igualdade» entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal.” Ora, se da ocorrência de dupla conforme não se retirar, quanto à parte cível, a consequência de não ser possível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no processo penal, estaríamos a criar uma situação de desigualdade relativamente aos casos em que o pedido de indemnização for deduzido na instância cível. Ora, como se disse, a finalidade do legislador quando introduziu a norma do nº 3 do art. 400º do Código de Processo Penal, foi a de tratar igualmente a questão da indemnização, qualquer que fosse a jurisdição – cível ou penal – em que corresse o processo. Deste modo, para se respeitar a vontade do legislador ao acrescentar o nº 3 ao art. 400º, sempre que o pedido cível seja formulado após 1 de Janeiro de 2008, haverá que proceder a uma interpretação correctiva do nº 2 do mesmo artigo no sentido reconhecer que o preceito é omisso quanto à questão da dupla conforme na parte respeitante à em matéria cível, o que, por força do disposto no art. 4º do Código de Processo Penal, legitima a aplicação da norma do nº 3 do art. 721º do Código de Processo Civil como integradora da lacuna. Assim se decidiu, entre outros, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acs. de 29-09-2010 - Proc. 343/05.7TAVFN, de 22-06-2011, Proc. 444/06.4TASEI, e de 30-11-2011 Proc. 401/06.0GTSTR, no despacho de 22-09-2011 do Vice-Presidente deste Supremo Tribunal exarado na reclamação no proc. nº 407/05.7GHSNT e na decisão sumária exarada no Proc. 220-07.7GAVNF.” [[15]] Com jurisprudência avonde, em aresto em que interviemos como adjunto e relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, de que não logramos obter o número, mas que pensamos estar inédito, retiramos o troço de texto em que se evidencia a tese da dupla conformidade. “Com a entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, e em particular em consequência da introdução do n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, procedeu-se a uma profunda alteração do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal. Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como até essa data sucedia, até por força do entendimento fixado pelo referido Acórdão uniformizador, dito “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março. Com as alterações introduzidas pelo citado DL, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível desprendeu-se do recurso em matéria penal ou, dito por outras palavras, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria cível, passou a ser avaliada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade adoptados pelo Código de Processo Civil. Na realidade, ao estabelecer no n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo artigo 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais das relações, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime, pelo então vigente artigo 721.º do Código de Processo Civil e ora artigo 671.º do NCPC. Como a recorribilidade da matéria cível deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no Código de Processo Civil, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o mencionado n.º 3 no artigo 400.º do CPP, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna a colmatar, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Por outras palavras. Como a recorribilidade para o STJ da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cfr., a este propósito, maxime, artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no CPC, em face desta apontada lacuna (artigo 4.º do CPP), na medida em que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal. No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o STJ das sentenças/acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer um paralelismo entre a acção cível enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em acção exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução da pretensão indemnizatória/compensatória com a formulação do pedido cível (enxertada/hospedada, por adesão, ou autónoma) não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais superiores. Neste aspecto a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal. Neste sentido, inter altera, pronunciaram-se os acórdãos de 29-09-2010, processo n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1-3.ª Secção (o n.º 3 do artigo 400.º do CPP veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecidos no CPC); de 10-11-2010, processo n.º 3891/03.0TDPRT.S1-3.ª Secção (Considerando o propósito do DL 303/07 de aproximar o regime jurídico dos recursos em processo criminal e cível, do mesmo modo que à dupla conforme se atribui efeitos em sede de recursos, no segmento estritamente penal, no art. 400.º, n.º 1, alíneas d) e f) do CPP, também para regulamentação global e autónoma, não havendo razão lógica para divergir, se deverá transpor o artigo 721.º, n.º 3, do CPC, por força do art. 4.º do CPP, para o campo do enxerto cível, sempre que a Relação confirme o decidido na 1.ª instância, ainda que parcialmente. Entre a decisão da 1.ª instância no que respeita ao pedido cível e a da Relação, apenas intercede uma diferença quanto ao momento a partir do qual são devidos juros de mora, ou seja, até ao limite em que as decisões coincidem e coincidem a partir do momento em que os juros são devidos segundo a Relação, caso em que a dupla conforme funciona); de 24-03-2011, processo n.º 2436/06.4TAVNG.P1.S1-3.ª Secção (Com a alteração de 2007 o legislador subtraiu ao regime de recurso da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez, conforme afirmação consignada na motivação da proposta de Lei 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal. À alteração introduzida subjaz o propósito de colocar em pé de igualdade todos aqueles que pretendam impugnar decisão civil proferida, dentro ou fora do processo penal, ou seja, quer a respectiva causa ou pleito se desenvolva em processo penal ou em processo civil. Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do art. 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no CPC. É este o único entendimento possível face à ratio do preceito em causa); de 07-04-2011, processo n.º 4068/07.0TDPRT.G1.S1-5.ª Secção (com voto de vencido); de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193 (com voto de vencido, no sentido de não haver lacuna e a norma do art. 400.º, n.º 2 do CPP não carecer de qualquer integração nem entrar em contradição com qualquer outra norma processual penal), podendo ler-se no sumário: “Não é admissível interpor recurso restrito à matéria cível do acórdão da Relação para o STJ quando aquele confirme, sem voto de vencido, ainda que por fundamento diferente, a decisão proferida em 1.ª instância”; de 30-11-2011, processo n.º 401/06.0GTSTR.E1.S1-3.ª Secção (citando os acórdãos de 29-09-2010, processo n.º 343/05.7TAVFN.P1.S1-3.ª e de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI- 5.ª e subscrevendo as soluções aí adoptadas. Com a alteração ao CPP através do DL 48/2007, de 29-08, teve-se o propósito de estabelecer a igualdade entre quem pretenda impugnar decisão cível proferida em processo penal ou cível no que respeita a matérias de indemnização. Essa equiparação de procedimento na acção cível e penal introduz desejável parificação de procedimentos e, consequentemente, é a mais justa, tanto mais que, no caso vertente, estando já em vigor o DL 48/2007, de 29-08 – o pedido cível foi interposto em 29-04-2008 – a ser instaurada a acção cível autonomamente, a inequívoca redacção actualizada do art. 721.º, n.º 3, do CPC, ser-lhe-ia aplicável. Se em matéria penal, onde se colocam questões de onde pode derivar a privação de liberdade individual, por estar em causa a ofensa a valores fundamentais de subsistência comunitária, reclamando intervenção vigorosa do direito penal, impera a regra da dupla conforme, por maioria de razão, estando em causa a ressarcibilidade do prejuízo, mediante a atribuição de uma soma reparadora em dinheiro, a solução não deve ser divergente); de 15-12-2011, processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1-5.ª Secção (A norma do n.º 3 do art. 721.º do CPC é subsidiariamente aplicável aos pedidos de indemnização civil julgados em processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP. No mesmo sentido decidiu o STJ nos Acs. de 22-06-2011, Proc. n.º 444/06.4TASEI, e de 29-09-2010, Proc. n.º 343/05.7TAVFN. (…) Acresce que a limitação das possibilidades de recurso em matéria civil, obedecendo a um critério racional e objectivo, não tem sido considerada pelo TC violadora do princípio da igualdade, como no caso de alteração do valor das alçadas (cf. v.g. Ac. n.º 239/97); de 29-02-2012, processo n.º 220/07.7GAVNF.P1.S1-5.ª Secção, (convocando em seu abono os supra referidos acórdãos de 15-12-2011, processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1, da 5.ª Secção e de 25-01-2012, processo n.º 360/06.0PTSTB.E1.S1, da 3.ª Secção e ainda, na percepção da completude da regulamentação, o acórdão de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1 – 5.ª Secção, in CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193); de 11-04-2012, processo n.º 3081/06.0TAOER.L1.S1-3.ª Secção (Não é admissível o recurso interposto do acórdão recorrido na parte em que confirmou a decisão proferida em 1.ª instância, sem voto de vencido, sobre a indemnização a pagar à demandante pela arguida e demandada); do mesmo relator, o acórdão de 11-04-2012, processo n.º 3969/07.5TDLSB.L1.S1-3.ª Secção, e exactamente nos mesmos termos; de 9-05-2012, processo n.º 199/09.0PAVNF.P1.S1-3.ª Secção (o regime processual do art. 721.º, n.º 3, do CPC, deve aplicar-se ao processo penal, por força do disposto no art. 4.º do CPP, relativamente aos pressupostos de admissibilidade de recurso para o STJ que tenha por objecto o pedido de indemnização civil. A dupla conforme prevista no regime processual civil surge como complemento do n.º 2 do art. 400.º do CPP e como que o reverso, em termos cíveis, da al. f) do mesmo artigo em termos penais. Está-se perante uma lacuna em processo penal que, por aplicação do disposto no art. 4.º do CPP, importa suprir, e que a harmonia do sistema jurídico e o princípio da igualdade reclamam. Este sistema da dupla conforme entrou em vigor em 1-01-2008, aplicando-se apenas aos processos iniciados após essa data, como se prevê nos arts. 11.º, n.º 1 e 12.º n.º 1, do DL 303/07, de 24-08); do mesmo relator, de 16-05-2012, processo n.º 3/09.0IDFAR.E1.S1-3.ª Secção; de 20-06-2012, processo n.º 889/08.5GFSTB.E1.S1-3.ª Secção; de 19-09-2012, processo n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1-3.ª Secção (A «conformidade» ou «desconformidade» das decisões das instâncias não pode ser aferida pelo critério puramente formal da coincidência ou não coincidência do conteúdo decisório da sentença. Haverá dupla conforme e, portanto, inadmissibilidade da revista, quando o apelante é beneficiado pelo Tribunal da Relação – isto é, quando o réu é condenado em “menos” do que o imposto pela 1.ª instância ou quando o autor “obtém” mais do que havia ali conseguido –, porquanto também não poderia ter recorrido se o acórdão do Tribunal da Relação tivesse mantido a decisão da 1.ª instância, para ele menos favorável); de 08-11-2012, processo n.º 6952/07.2TDLSB.P1.S1-5.ª Secção; de 21-11-2012, processo n.º 124/10.6TABTU-C1.S1-3.ª Secção (Se o legislador, através da alteração introduzida (n.º 3 do artigo 400.º do CPP em 2007), quis consagrar o princípio de equiparação das possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que implementar tal propósito até às ultimas consequências em sede de interpretação, concluindo-se que uma norma processual civil, como a do n.º 3 do art. 721.º do CPC é, também, aplicável ao processo penal, assim se consagrando o princípio de que não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. É o princípio da denominada dupla conforme. De facto, o recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante) a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito. Assim, não é admissível o recurso interposto pelos assistentes do acórdão da Relação que, sem voto de vencido, confirmou a decisão de 1.ª instância quanto aos pedidos de indemnização cível formulados); de 28-11-2012, processo n.º 10/06.4TAVLG.P1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2012, tomo 3, pág. 216 (O legislador, através da alteração introduzida pela Lei 48/2007, quis consagrar a equiparação das possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e no processo cível. Significa isto que é aplicável ao processo penal o disposto no artigo 721.º, n.º 3, do CPC, ou seja, o princípio denominado “dupla conforme”); de 29-11-2012, processo n.º 700/05.9TABRR.L1-A.S1-5.ª Secção; de 13-02-2013, processo n.º 707/10.4PCRGR.L1.S1-3.ª Secção; de 14-03-2013, processo n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2013, tomo 1, pág. 212 (com voto de vencido); de 5-06-2013, processo n.º 1675/11.0JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 12-06-2013 processo n.º 123/09.0GCTND.C1.S1-5.ª Secção; de 30-10-2013, processo n.º 150/06.0TACDR.P1.S1-3.ª Secção; de 06-03-2014 processo n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1-5.ª Secção; de 26-03-2014, processo n.º 1962/10.5JAPRT.P1.S1-5.ª Secção; de 10-04-2014, processo n.º 378/08.8JAFAR.E3.S1-5.ª Secção; de 17-09-2014, processo n.º 652/03.0POLSB-3.ª Secção; de 12-03-2015, processo n.º 41/08.0TACCH.E1.S1-3.ª Secção; de 18-06-2015, processo n.º 944/08.1TAFIG.C1.S1-5.ª Secção; de 18-06-2015, processo n.º 623/10.T3SNT.L1.S1-5.ª Secção; de 15-07-2015, processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1-3.ª Secção; de 10-12-2015, processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1-3.ª Secção; de 11-02-2016, processo n.º 4632/09.3TDLSB.L1.S1-5.ª Secção (Nada estipulando o n.º 2 do art. 400.º do CPP, quanto à dupla conforme a respeito do pedido civil, por força do disposto no art. 4.º do CPP, impõe-se a observância subsidiária das normas do CPC, sendo legítima a aplicação do art. 671.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância. A confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões, porém ela supõe a sua identidade essencial e essa identidade essencial terá de ser suportada pela mesma matéria de facto); de 24-02-2016, processo n.º 338/07.6TAABF.E2.S1-3.ªSecção; de 14-12-2016, processo n.º 305/05.4TAPTS.L1.S1-3.ª Secção (Independentemente da data da propositura, instauração ou dedução de qualquer acção ou de pedido de indemnização civil em processo penal (suposta a aplicação do regime recursório constante da Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto), o regime de recursos de revista para o Supremo Tribunal de Justiça contempla a dupla conforme, isto é, não é admitida revista de acórdão da Relação que confirme decisão de 1ª instância, obviamente, desde que além da inexistência de voto de vencido se verifique a inexistência de fundamentação essencialmente distinta); de 1-02-2017, processo n.º 335/08.4GAPMS.C2.S1-3.ª Secção (em caso de dupla conforme in mellius, refere-se que a admissibilidade de recurso para o STJ dos acórdãos ou dos seus segmentos decisórios que versem matéria cível passou desde 2007 a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime de recurso de revista previsto no CPC e que estiver em vigor à data da prolação da decisão recorrida). A título exemplificativo do que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir, de forma quase unânime, sobre esta matéria, pode ver-se o acórdão de 25-01-2012, processo n.º 360/06.0PTSTB.E1.S1-3.ª Secção, donde se extrai: “O recurso, interposto pela demandada cível, e restrito à questão cível, foi deduzido em 24-09-2008. São assim aplicáveis as normas processuais penais relativas ao regime dos recursos na redacção actual, após a revisão de 2007 (Lei 48/2007, de 29-08), e o regime de processo civil com as alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24-08, na parte em que for chamado a intervir. As normas do processo penal relativas ao regime dos recursos quanto à questão cível deduzida no processo penal constam, com relativa autonomia do recurso da questão penal, nos n.ºs 2 e 3 do art. 400.° do CPP: o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil «só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», e «mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil». O regime do recurso quanto à questão cível deduzida no processo penal resultante desta dupla proposição visou, directamente, criar novas soluções, fazendo caducar a interpretação constante do AUJ 1/2002, que determinava o alinhamento e a consequente irrecorribilidade da questão cível se fosse irrecorrível a correspondente acção penal. A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão cível, e chamando os pressupostos – valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil. A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos. A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil, que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o art. 4.° do CPP, no regime dos recursos em processo civil. Em processo civil, o recurso só e admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal – art. 678.°, nº 1, do CPC. Mas, segundo determina o art. 721.º, n.º 3, do CPC, não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. Por esse motivo não é admissível o recurso da demandada cível.” Tendo o acórdão recorrido confirmado, sem voto de vencido a decisão de primeira (1ª) instância relativa ao pedido de indemnização civil requestado pelos demandantes e sendo a sucumbência inferior a metade do valor da alçada do tribunal recorrido, torna inadmissível o recurso interposto, pelo que deverá ser rejeitado. Operando-se a rejeição quanto a este segmento do recurso, fica prejudicado o conhecimento da eventual contradição insanável apontada nas conclusões quanto ao pedido de indenização civil decidido – cfr. itens 10º e 11º do epítome conclusivo. §2. – FUNDAMENTAÇÃO. §2.(A). – DE FACTO. As instâncias deram como adquirida a factualidade que a seguir queda transcrita (sic). “2.1. Matéria de facto provada: 1. A arguida AA e FF de ... anos conheceram-se em Novembro de 2011 quando ambos frequentavam o mestrado “...............”, na Escola ............... e iniciaram um relacionamento amoroso que se manteve até 23 de Dezembro de 2016. 2. FF veio a revelar-se ao longo do tempo como uma pessoa emocionalmente instável, de trato difícil. 3. A ideia do suicídio do FF era um tema recorrente entre o casal 4. Chegando o FF a falar em suicídio conjunto. 5. A arguida AA e FF nunca tiveram residência comum, sendo que a arguida residia habitualmente em ............ e FF com os pais em ............. 6. FF não exercia qualquer profissão remunerada, nem por conta de outrem, nem individualmente e nem exercia qualquer atividade donde obtivesse proventos económicos, vivendo à custa dos pais que o alimentavam, vestiam e lhe davam semanalmente a quantia de 70€. 7. A arguida AA é licenciada em ............, iniciou a sua vida profissional em 2006, dando aulas como ............ em várias escolas, funções que cessou em 30.07.2012, no Agrupamento de Escolas ............, em ............, passando desde então a dar explicações. 8. No dia 30 de Junho de 2014, a arguida na qualidade de inquilina celebrou um contrato de arrendamento habitacional da fração AF do ..º andar, do prédio sito no nº ..., na Rua ............ ex Avª ............., lote ..,.., na freguesia do ............., em ........., com o senhorio EE, ident. a fs. 268 com início a 1.07.2017, pelo prazo de um ano e pela renda anual de €9.000,00 correspondente a um montante mensal de 750€. 9. A arguida AA pagou por transferência bancária e exclusivamente a expensas suas, o montante de 9.000€ (nove mil euros), correspondente ao valor global anual das rendas. 10. A arguida AA viria a renovar por várias vezes este contrato, sendo a última em Junho de 2016 até Janeiro de 2017, tendo procedido sempre ao pagamento antecipado do valor global das rendas. 11. Desde então, a arguida AA e FF passaram a pernoitar nesta casa nas várias vezes que se deslocavam a ......... e, nomeadamente, em dois fins de semana por mês. 12. Nessas alturas era a arguida AA quem suportava as despesas de alimentação e de transporte para e de circulação em .......... 13. A arguida AA e FF entre 2014 a 2016 fizeram várias viagens ao estrangeiro (........., ........., .........) sendo as despesas de transporte e de alojamento integralmente suportadas pela arguida. 14. A arguida queria casar com o FF e adquiriu alianças duplas com inscrição dos nomes e da data em que começaram a namorar. 15. Em momento não determinado da relação a arguida AA e FF foram construindo e transmitindo uma história de vida aos familiares do FF que não correspondia à realidade, nomeadamente que a arguida estava a dar aulas em ........., que estava grávida do FF, que iriam casar e que fixariam residência em ........., no ......... e que o FF tinha arranjado trabalho na escola onde a arguida dava aulas em .......... 16. Em 27 de Outubro de 2015, a arguida e o FF chegaram a ir à Conservatória do Registo Civil de ......... tratar do processo de casamento, mas deixaram caducar o Processo Preliminar de publicações nº ..../2015 que era válido até 27 de abril de 2016, não mais o renovando, por desistência do FF. 17. Quer a arguida quer o FF convencerem os pais e a irmã deste que iriam casar, inventando datas para a celebração do casamento, datas essas que iam sucessivamente adiando, sendo a última fixada em 25 de Dezembro de 2016 e o local em .......... 18. Em Julho de 2016, a arguida AA telefonou à irmã do FF e disse-lhe que estava grávida do irmão e que o bebé iria nascer no princípio do mês de Setembro. 19. Porém, à medida que o tempo passava e o parto não se concretizava e era confrontada pela irmã do FF, a arguida inventava desculpas para o adiamento do parto, mantendo, ainda, no dia 22 de Dezembro de 2016, por telefone, a versão da gravidez e mais uma vez o adiamento do parto. 20. No dia 23 de Dezembro de 2016, pelas 10h, o FF apanhou o comboio em .......... com destino ..........., encontrando-se com a arguida em ........., estando os pais do FF convencidos que eles iriam casar no dia 25 de Dezembro de 2016, em ........., conforme lhes tinha sido transmitido no início de Dezembro de 2016 pelo FF. 21. FF tinha igualmente convencido os pais que em Janeiro de 2017 iria começar a trabalhar na escola onde a arguida dava aulas. Assim convencidos e sem que desconfiassem destas mentiras, os pais do FF deram-lhe 2100€ (dois mil e cem euros) para ajudar com as despesas do casamento. 22. Bem sabendo a arguida AA que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de FF, do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o FF começou a planear forma de se livrar de FF, pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar. (Alteração operada no ponto 1.4 do acórdão recorrido. “22. Bem sabendo a arguida AA que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de FF, do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o FF, pelo menos a 16 de Dezembro de 2016, começou a planear forma de se livrar de FF, pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.”) 23. O falecido tinha concordado no projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no .......... (Alteração operada no ponto 1.4 do acórdão recorrido: “23. O falecido tinha falado, em data e momento circunstancial anterior não apurados, em projecto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu; daí o jantar no ..........”) 24. Porém a arguida já tinha decidido não morrer. (Alteração operada no ponto 1.4 do acórdão recorrido: “24. Porém, neste jantar, a arguida já tinha decidido não morrer.”) 25. Tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o FF falado em “gelo seco” e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio coletivo, a arguida AA começou a pesquisar na internet as características e efeitos desse produto, ficando ciente das consequências da libertação do dióxido de carbono e do sério risco de asfixia para os seres humanos aquando da sua inalação e também a pesquisar empresas que o vendessem. 26. Assim, no dia 17 de Dezembro de 2016, a arguida contactou telefonicamente a firma “E.........” que se dedica ao comércio e distribuição de gás e material de soldadura e de “gelo seco” perguntando se vendiam gelo seco, qual o tempo de demora entre a encomenda e a entrega, a forma de embalagem, o tamanho das caixas de embalagem e o grau de pureza do gelo. 27. No dia ... de Dezembro de 2016, a arguida AA, cerca das 13h11m telefonou novamente para a firma “E.........” encomendando a quantia de 35 Kg de gelo seco a entregar na Rua ............, nº ..., ..., ............., em .......... 28. No dia ... de Dezembro de 2016, cerca das 12h50, quando chegou a ......... com FF, telefonou novamente para a firma “E.........” confirmando a entrega do gelo seco às 15 horas na Rua ............, nº ..., ..., ............., em ........., o que veio a acontecer, sendo o mesmo entregue acondicionado em caixas de esferovite, três de 10kg cada uma e uma de 5Kg e pelo qual foi pago o valor de 192.21€ (cento e noventa e dois euros), em dinheiro entregue pelo FF. 29. Como a casa estivesse fria e não tivessem aquecimento, FF e a arguida AA deslocaram-se ao hipermercado “.........”, no Centro Comercial ......... onde compraram uma braseira e carvão vegetal. 30. Depois do jantar que efetuaram no Hotel ......... e já em casa, cerca das 24h, acenderam a braseira com o carvão, tendo FF levado a mesma para o quarto de dormir, levando também as caixas de esferovite com o gelo seco da cozinha para o quarto com a ajuda da arguida. 31. Já após a 1h da madrugada do dia ... de Dezembro de 2016, após ter ingerido comprimidos para dormir (Diazepam), FF retirou-se para o quarto onde adormeceu. 32. A arguida não tomou os comprimidos com medo de morrer. (Alteração operada no ponto 1.4 do acórdão recorrido: “32. A arguida não tomou os comprimidos pois já havia decidido não morrer.”) 33. Pouco depois das 2h, e determinada a tirar a vida ao FF, a arguida retirou o gelo seco das embalagens onde estava acondicionado e espalhou-o pelo chão e molhou-o com água, expondo o FF aos efeitos da inalação do dióxido de carbono libertado e, de seguida, determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios, pegou fogo em dois sítios diferentes da cama onde o FF estava deitado, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés e, de imediato, abandonou o quarto, fechando a porta. 34. Apesar de ter ouvido FF gemer e de o ouvir cair no chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava na cama, a arguida nada fez para o ajudar. 35. Cerca das 3h10m, a arguida AA vendo que o incêndio estava em progressão e que o FF estava sem reação e com o fumo já a sair pela porta fazendo disparar o alarme anti-incêndio do prédio, pegou numa bolsa e na mochila de FF contendo os 2,100€ e com uma peruca de cor castanho-clara na cabeça, saiu de casa e dirigiu-se para o patamar de entrada do apartamento. 36. Foi surpreendida aí pelos vizinhos do 2º D, alarmados com o facto de o alarme ter disparado e de verem bastante fumo a sair pela porta do ... e acabou por se dirigir na companhia destes para o piso 0, saindo depois para a rua na direção da ........., onde apanhou um táxi para ............. 37. Em nenhuma ocasião fez referência a FF, nem pediu ajuda para o mesmo, nem fez qualquer referência ao incêndio mesmo perante estes vizinhos. 38. O incêndio viria a ser combatido pelo Regimento Sapadores de Bombeiros de ........., com 8 viaturas compostas por 23 elementos, tendo a PSP tomado conta da ocorrência e a Polícia Judiciária procedido às inspeções judiciárias. 39. Após o fogo ser declarado extinto FF, foi encontrado já cadáver, no chão entre os “pés da cama” e a parede cujo reboco caiu, sem roupa, com um chinelo calçado no pé direito, em posição de decúbito dorsal, com a pele no tronco e nos membros superiores apresentando vestígios de ter estado exposta a altas temperaturas e com a zona das pernas apresentando um grau de dano muito acentuado, quer na parte posterior, quer na parte anterior, sendo que a carbonização dos tecidos já se encontrava bastante avançada. 40. Aos pés do cadáver de FF encontrava-se a braseira ainda com vestígios de carvão, da qual ainda saía algum fumo. 41. No entanto os pés do cadáver, que se encontravam mais próximos da braseira, não se encontravam afetados pela combustão do mesmo. 42. Os estragos mais elevados do incêndio na supra identificada fração circunscreveram – se ao referido quarto, em especial à cama, cujo colchão e parte da estrutura em madeira ficaram destruídos, à queda do reboco na parede em frente à cama, em resultado da acumulação de calor resultante da combustão do revestimento do colchão e roupa da cama. 43. No canto do colchão mais próximo da janela, foi detetado pela equipa forense grau de destruição mais profundo ao nível dos metais (por oposição ao lado contrário, ainda com vestígios de fuligem), coincidente com o dano mais acentuado nos tecidos da perna esquerda do cadáver, coincidentes com os dois focos de fogo distintos, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés. 44. O restante apartamento ficou completamente conspurcado de fuligem (tectos e paredes de estuque, armários, janelas) vestígios que se estenderam para as partes comuns do edifício, nomeadamente, para o patamar que dá acesso aos vários apartamentos do 2° piso e também às escadas de acesso aos restantes andares. 45. Em consequência do incêndio FF sofreu queimaduras em várias partes do corpo, de diversos graus, nomeadamente as descritas no Relatório de Autópsia (fls. 777 a 785): Hábito Externo: CABEÇA: Queimaduras de lº e 2° grau da face, de coloração avermelhada, com edema associado e zona de vesículas já sem pele com fuligem preta dispersa pela face; TÓRAX: Áreas escoriadas, com desidratação associada, na face anterior do tórax, interessando toda cintura escapular…; MEMBROS: Membro superior direito: queimaduras de 1º e 2º dispersas, de coloração avermelhada, com edema, associado e zonas de vesículas já sem pele. Membro superior esquerdo: queimaduras de 1º e 2º dispersas de cor avermelhada, com edema associado e zonas de vesículas já sem pele. Membro inferior direito: Queimaduras de 3° e 4° grau, com exposição dos planos musculares e ósseos e carbonização parcial do membro e da cintura pélvica, nas faces anterior e posterior. Membro inferior esquerdo queimaduras de 3° e 4° grau, com exposição dos planos musculares e ósseos e carbonização parcial do membro e da cintura pélvica, nas faces anterior e posterior. Hábito Interno: CABEÇA: Fossas nasais e seios maxilares frontais e esfenoides: fossas nasais com presença de líquido avermelhado, com pontos de negro de fumo e fuligem Cavidade oral e língua: presença de líquido avermelhado, com pontos de negro de fumo/fuligem PESCOÇO: Laringe e traqueia: presença de líquido avermelhado, com pontos de negro de fumo/ fuligem. Mucosa de coloração carminada; TORAX: traqueia e brônquios presença de líquido avermelhado nas vias aéreas desde a laringe até aos brônquios principais, com pontos de negro de fumo / fuligem. MEMBROS: Membros inferior direito: Carbonização dos planos musculares e ósseos do membro e cintura pélvica em relação com as queimaduras de 3° e 4° grau descritas no hábito externo. Membro Inferior esquerdo: Carbonização dos planos musculares e ósseos do membro e cintura pélvica em relação com as queimaduras de 3º e/4º grau descritas no hábito externo. 46. Sendo que as lesões traumáticas descritas ao nível da face e dos membros denotam ter sido produzidas por agente físico “calor” sendo compatíveis com incêndio. 47. Em face dos dados necrósicos e do resultado dos exames complementares de Toxicologia e de Anatomia Patológica Forense concluiu a autópsia que a morte de FF foi devida a intoxicação por monóxido de carbono. 48. O monóxido de carbono produzido pela combustão e a sua inalação determinaram como consequência direta e necessária a morte de FF. 49. Apesar das lesões descritas no Hábito Externo serem idóneas a provocar a morte tudo indica que tenham sido provocadas post mortem por permanência na divisão da residência. 50. Apontando as conclusões médicas – legais para a compatibilidade dos dados necrópsicos, dos exames complementares de Toxicologia e de Anatomia Patológica Forense e da informação circunstancial com uma etiologia médico-legal homicida. 51. A arguida sabia que no quarto onde o FF dormia a janela se encontrava fechada e que tinha uma braseira com carvão vegetal acesa e que essa combustão libertava monóxido de carbono que inalado pode provocar tonturas, desmaios e a morte. 52. Quando o mesmo se encontrava a dormir sob o efeito de sedativos, lançou água sobre o gelo seco que se encontrava nas caixas e espalhado no chão, libertando dióxido de carbono. 53. Sabia também a arguida que o gelo seco produz dióxido de carbono que pode ser letal em grandes concentrações e em ambientes fechados. 54. A arguida ateou fogo à cama onde o FF se encontrava em dois pontos distintos, um à cabeira e outro aos pés, sabendo que o seu estado de letargia e de sedação, não lhe iria permitir reagir e fugir. 55. A arguida AA representou, quis e logrou alcançar a morte do seu companheiro, FF, o que conseguiu. 56. Ouviu o FF gemer com dores e ouviu o barulho que o mesmo fez ao cair no chão quando tentou levantar-se para fugir ao fogo. 57. Não providenciou socorro ou pediu ajuda e quando o fogo alastrou e o fumo começou a sair para fora do quarto disparando o alarme de incêndios, a arguida fugiu deixando a porta do quarto fechada e FF a morrer. 58. Ainda assim e apesar de saber que o incêndio era na sua casa e que no interior da mesma estava o seu companheiro FF, a arguida AA abandonou o local, não fornecendo qualquer indicação sobre o FF, nem pediu ajuda para o mesmo, apanhando um táxi com destino a ............. 59. Sabia que ateando fogo à cama onde FF dormia sob o feito de sedativos, lhe podia causar a morte, o que efetivamente desejou e conseguiu e que o fogo poderia alastrar-se após consumir o colchão, as roupas, os móveis, propagar-se às outras divisões, às restantes frações e aos imóveis existentes nas proximidades, pondo, dessa forma, em perigo vidas e bens patrimoniais alheios de valor elevado. 60. Sabia que ao atuar da forma descrita estragava o apartamento causando prejuízos aos seus proprietários. 61. A arguida quis matar FF, quis lançar fogo ao colchão e provocar um incêndio, quis danificar o apartamento causando prejuízos aos seus proprietários. 62. No dia ... de Dezembro de 2016, ao ser confrontada pelos familiares do FF com o facto de este ter morrido a arguida afirmou não saber o que se passava, mentindo mais uma vez sobre a hora e forma como tinha regressado a sua casa em ............. 63. A arguida agiu denotando ausência de responsabilização e total desprezo pela vida humana, bem sabendo que por se tratar do seu companheiro tinha para com o mesmo o dever especial de o respeitar e de o salvaguardar. 64. A arguida atuou não se coibindo de provocar um incêndio. 65. Agiu ainda, com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados. 66. A arguida agiu, em todos os momentos livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas por lei e que tinha a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Dos pedidos de indemnização civil: 67. Em virtude da arguida ter provocado um incêndio o agente GG, do efectivo da P.S.P. fez parte do serviço de patrulhamento que se deslocou ao local onde decorria o incêndio. 68. Na operação de evacuação e no rescaldo da operação com vista a elaborar o auto de notícia sobre a ocorrência dos factos, o mesmo agente entrou na zona queimada tendo inalado fumos e necessitando de receber assistência médica hospitalar no Hospital de .......... 69. Deste facto resultou um dia de incapacidade para o trabalho, por inalação de fumos, tendo a P.S.P. despendido com despesas médicas €139,13 com abonos e vencimentos - um dia - €73,36 e €28,05 de taxa moderadora. 70. BB e CC são pais e únicos herdeiros do ofendido. 71. Ambos sofreram angústia, tristeza e falta de apoio e orientação com a perda do seu filho o falecido FF. 72. FF vivia e pernoitava em casa dos pais várias noites por mês. 73. No entanto, FF falava muito pouco com os pais. 74. FF queria estar distante dos pais, daí a casa ter sido arrendada em .......... 75. a sua outra filha irmã do FF há mais de quinze anos e por motivos profissionais deixou a casa dos pais, sendo o FF a sua companhia, amparo e conforto com o qual mantinham uma relação afectiva. 76. Sofreram desgosto, com perda de alegria de viver, tristeza e consternação. 77. Com as despesas de funeral e trasladação do corpo de ............ para ............ gastaram €2400,00 78. DD é dona da fracção onde os factos ocorreram a fracção AF, ..º andar, do prédio sito na Avenida ........., lote ..,.. freguesia do .............. 79. Havia arrendado tal fracção à arguida em 1 de Julho de 2014 pela renda anual de €9.000,00. 80. A fracção foi dada de arrendamento com mobília, tendo o respectivo contrato um anexo com o inventário respectivo. 81. O contrato foi sendo sucessivamente renovado tendo ocorrido a última renovação em Junho de 2016. 82. A demandada procedeu sempre ao pagamento antecipado da renda anual. 83. Em virtude do Incêndio a cama o colchão e a parte da estrutura em madeira ficaram destruídos, tendo-se verificado a queda do reboco na parede em frente á cama, em resultado da acumulação de calor resultante da combustão do revestimento do colchão e roupa da cama. 84. No canto do colchão mais próximo da janela foi detetado um grau de destruição mais profundo ao nível dos metais coincidente com o dano mais acentuado nos tecidos da perna esquerda do cadáver. 85. O restante apartamento ficou completamente conspurcado de fuligem – tetos e paredes de estuque, armários e janelas - vestígios que se estenderam para as partes comuns dos edifícios, nomeadamente, para o patamar que dá acesso aos vários apartamentos do 2º piso e também às escadas de acesso aos restantes andares. 86. A demandada sabia que o fogo podia alastrar-se a outras divisões, às restantes fracções e aos imóveis existentes nas proximidades pondo, dessa forma em perigo vidas e bens patrimoniais alheios de valor elevado. 87. Sabia que ao atuar da forma descrita estragava o apartamento causando prejuízos aos proprietários. 88. Em ... de Janeiro de 2017 o demandante e a demandada celebraram um acordo escrito de revogação do contrato de arrendamento. 89. Em virtude do incêndio a fracção em causa teve que ter intervenção. 90. Recorreram aos serviços da empresa Remolaris - Remodelações Unipessoal Limitada que apresentou um orçamento de obras no montante de €12.793,70 que foi suportado pela GNB - Companhia de Seguros SA. 91. Os demandantes suportaram o valor da franquia no total de €145.00. 92. Do incêndio resultou igualmente a danificação do sistema de climatização da fracção. 93. A Clima Espaço SA orçamentou a reparação em €3.779,00 valor que foi igualmente suportado pela mesma seguradora, ficando a cargo dos demandantes a franquia de €145,00. 94. Resultou, ainda, a destruição dos móveis que tiveram que ser repostos no valor total de €2.166,00. 95. Os demandantes tiveram que se deslocar a Portugal tendo gasto os seguintes valores em despesas entre 3 de Maio de 2017 e 22 de Maio do mesmo ano: 96. Em voos €942,7; 97. em alimentação €222,98; - 98. €1061,41 e €150,00 em alojamento, no total de €2.377,29. 99. Deixaram de receber, pelos dias que não trabalharam, €1287,50. 100. Em virtude da realização das obras na fracção os demandantes ficaram impossibilitados de dar de arrendamento o referido apartamento, desde fevereiro a julho de 2017 deixando de receber €4.500,00, Condições pessoais da arguida: A sua vida familiar na infância caracterizou-se como funcional ao nível dos afetos e das dinâmicas familiares, sinalizando-se uma relação próxima da arguida com os pais e os avós que preservou ao longo dos anos, mesmo quando saiu da aldeia. O estilo educativo preconizado pela família foi descrito como ajustado às regras e valores embora rígido e exigente. A vida escolar da arguida decorreu de forma regular e investida, sendo referenciada como excelente aluna e com um registo comportamental ajustado. Foi referido por vizinhos que devido a traços de carater de introversão seria vítima de bullyng por parte dos colegas. Padecia de um problema de ...... que a complexava e obrigava-a a abrigar-se do sol com guarda-chuva, o que lhe determinava um certo isolamento fora do convívio com os pares. Concluiu o 12º ano com distinção na Escola Secundária de ......... e prosseguiu os estudos superiores no ........., terminando a licenciatura de ......... cerca dos 23 anos. Quando foi estudar para o ........., em 1999 AA passou a residir num apartamento que lhe terá sido oferecido pela família materna, tendo conquistado nessa altura a sua autonomia e não voltou a viver com a família de origem, visitando-se de um modo geral aos fins- de-semana. Mais tarde em virtude de alegadas obras de conservação neste apartamento, a arguida arrendou outro em ............, recentemente devolvido ao proprietário. Participou num curso de ......... na Universidade ...... em 2008. Em 2011 frequentou o 1º ano de mestrado de ..... na escola ......, onde conheceu FF. No plano afectivo terá tido outros dois relacionamentos em relação aos quais pouco concretiza dando-lhes reduzida relevância afectiva sobrevalorizando o relacionamento com FF referendo que toda a sua vida social e pessoal a partir de 2011 se circunscreveu a esta relação. Iniciou a sua actividade de ........ em 2006, colocada numa ....... A morte da mãe em Novembro de 2006 na sequencia de um enfarte precipitou a interrupção da actividade para assumir os cuidados que aquela prestava à avó materna portadora de doença incapacitante, voltando a ser colocada em 2008/2009, sendo a sua ultima colocação numa …… em ............ entre Fevereiro Julho de 2012. Posteriormente optou por dar …… em casa de .......... Foi …… em dois cursos inseridos no programa ............, leccionando as mesmas disciplinas durante um ano, antes de ter conhecido FF. Em Julho de 2014 arrendou o apartamento em ......... para onde o casal acabou por se fixar. A partir daqui regista uma gradual desistência da vida profissional como ......... e um progressivo afastamento dos familiares referindo que tal se deveu a passar a viver só para a vítima, amava-o mais do que tudo na vida “eramos uns siameses, num casulo, nem o meu pai sabia da minha verdadeira existência” (sic). Não se lhe identificam amigos ou conhecidos à exceção de uma ou duas amigas que manteve enquanto frequentou a faculdade e das quis entretanto se afastou. Não tinha ocupação de tempos livres justificando-o com os ciúmes do FF. Desde o final de Verão de 2013 o casal realizou viagens ao estrangeiro, quatro dessas viagens em 2016. No campo socioeconómico subsistia dos rendimentos resultantes da venda de bens herdados por morte da mãe. Os seus rendimentos foram diminuindo a partir de 2014 deixando de trabalhar definitivamente em 2016 alegando falta de saúde psicológica. A arguida referiu sintomas depressivos a partir de 2015, situando os primeiros sintomas em 2013 quando começou a lavar frequentemente as mãos situação que terá piorado em 2015 época em que terá tido os primeiros sinais de alopecia. É acompanhada pelos serviços clínicos do EP de ...... com consultas de psiquiatria e psicologia, com medicação ansiolítica. É descrita no meio residencial de origem como uma pessoa bem educada, cordial e de bom trato. Como perspectiva de futuro pretende regressar á sua habitação no ........., contando com o apoio incondicional do pai que reside só desde que os avós paternos faleceram. Tem estado estável e adequada ao confinamento e à restrição de actividades a que esta sujeita merce da privação de liberdade e não regista qualquer incidência disciplinar. Recebe apoio financeiro do pai com uma mesada de €150,00, assim como visitas regulares do pai e dos tios, dispostos a prestar-lhe o apoio necessário. É bem aceite no meio social de origem e a sua imagem associada à sua família é descrita como socialmente integrada. Não tem antecedentes criminais. 2.2. Factos não provados: Não resultaram provados os factos que contrariam os factos assentes ou que se mostram em oposição com estes, designadamente: a) Que FF fosse agressivo verbalmente, não gostando de ser contrariado, conflituoso e procurando controlar a vida da arguida, isolando-a familiar e socialmente. b) Que o relacionamento em causa veio sendo pautado ao longo do tempo por violência psicológica e física c) Que FF mantivesse uma relação de proximidade afectiva com os pais. d) Que FF fosse um jovem alegre e que ajudava os pais nas tarefas domésticas que estes já não podiam realizar. e) Que fracção onde os factos ocorreram a fracção AF, ..º andar, do prédio sito na Avenida ........., lote ..,.. freguesia do ............. desvalorizou €60.000,00, ou que tivessem perdido €1287,50 por dias de trabalho. f) Qua a arguida tenha tentado desmotivar FF das ideias de suicídio. g) Que as viagens planeadas e realizadas tenham sido efectuadas para tentar demover FF das ideias de morte. h) Que a braseira tivesse sido comprada apenas por insistência de FF porque este queria que a sua morte sobreviesse em clima aquecido que lhe fazia lembrar a infância. i) Que o casal tivesse tido muito trabalho para acender a braseira o que demorou bastante tempo. j) Que a arguida tivesse abandonado o imóvel com a evaporação do gelo seco k) …e que tenha regressado de novo ao apartamento com o soar do alarme de incêndio. l) Que a arguida tivesse levado a mala e a mochila quando saíra pela primeira vez. m) Que FF tivesse falecido devido à inalação de CO2 libertado pelo gelo seco. n) Que a arguida tivesse agido sem qualquer motivo. §2.(B). – DE DIREITO. §2.(B).1. – SUBSUNÇÃO DA FACTUALIDADE ADQUIRIDA AO SUPOSTO NO ARTIGO 131º E 132º, Nº 2, ALÍNEAS B) e J) do CÓDIGO PENAL. A recorrente perora por distinta qualificação jurídico-penal da facticidade dada como adquirida, conferindo-lhe um substrato material-jurídico deserto da intenção de matar, mas outrossim de prestação de auxílio ao homicídio, a pedido da vítima, (artigo 134º do Código Penal) ou uma intenção de ajuda ao suicídio (artigo 135º do mesmo livro de leis). A divertida orientação qualificativa havia sido propugnada na pretensão recursiva dirigida ao Tribunal recorrido, que lhe prestou atenção no troço da decisão que a seguir se deixa transcrita. “Continua a discordância da recorrente quanto à decisão recorrida na parte relativa à integração jurídica dos factos ali feita no tipo legal do crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo artigo 131º e alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º ambos do Código Penal, defendendo que essa integração deveria ser feita no tipo legal do crime de homicídio a pedido da vítima do art.º 134º n.º 1 CP ou, segundo outro entendimento, ao do crime de ajuda ao suicídio do artigo 135º n.º 1 CP. A defesa dessa alternativa integração jurídica assenta na invocação dos seguintes segmentos factuais provados: "aproveitando a ideia deste [ofendido FF] se querer suicidar" (nº 22 da matéria de facto provada) “"O falecido tinha concordado no projeto de suicídio coletivo para aquela altura no que a arguida anuiu daí o jantar no ........." (nº 22) "tendo em momentos anteriores, não concretamente apurados, o FF falado em gelo seco e em monóxido de carbono, como uma das melhores maneiras de morrer sem sangue e sem dor a propósito da ideia de suicídio coletivo" (nº 25) "a entrega de gelo seco às 15 horas, [...] sendo o mesmo entregue acondicionado em caixas de esferovite, três de 10 kg cada uma e uma de 5 kg e pelo qual foi pago o valor de € 192,21 (cento e noventa e dois euros), em dinheiro entregue pelo FF" (nº 28) "FF e a arguida AA deslocaram-se ao hipermercado ........., no centro comercial ......... onde compraram uma braseira e carvão vegetal" (nº 29) "Depois do jantar que efetuaram no Hotel ......... e já em casa, cerca das 24h, acenderam a braseira com o carvão, tendo FF levado a mesma para o quarto de dormir, levando também as caixas de esferovite com o gelo seco da cozinha para o quarto com a ajuda da arguida" "Já após a 1h da madrugada do dia 24 de dezembro de 2016, após ter ingerido comprimidos para dormir (diazepam), FF retirou-se para o quarto onde adormeceu" (nº 31) O acórdão recorrido não se pronunciou sobre as apontadas pretensões de integração jurídica dos factos, antes dirigindo a respectiva análise ao tipo legal do crime que se mostrava imputado a nível da pronúncia proferida nos autos, até porque a nível do elementos subjectivo deu como provada outra factualidade, bem diferente daquela que a recorrente pretendia ver inserida/aditada nessa categoria como atrás analisámos: “22. Bem sabendo a arguida AA que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de FF, do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o FF, pelo menos a 16 de Dezembro de 2016, começou a planear forma de se livrar de FF, pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.” (destaque e sublinhado nosso com a inserção já aditada) O que ressalta desse facto, até pelos termos que se mostram argumentados pelo Colectivo na motivação da sua convicção, é um aproveitamento pela arguida das ideias suicidárias da vítima e, sob a capa de um pretenso pacto a que também tinha manifestado apoio, provocar a morte do mesmo. De qualquer modo, pela leitura escorreita dos factos e da motivação do Colectivo quanto à formação da sua convicção para os factos provados, claramente se mostra arredada da respectiva atenção a possível configuração dos tipos legais dos crimes postos em destaque pela recorrente na sua alegação recursiva, atenta a discussão que desenvolve acerca da existência de um pacto de suicídio entre ambos (arguida e vítima) ou que esta tivesse solicitado ajuda para o respectivo suicídio. Se para afastar este último tipo legal do crime bastaria, pelas próprias invocações dos excertos factuais feitos pela recorrente, mencionar que, a existir qualquer intenção suicida por parte da vítima, esta seria sempre assente na convicção da vítima que a intenção de se suicidarem seria abrangendo ambos como refere o facto provado 23. Ora, o tipo legal desse crime em questão dispõe no seu n.º 1: “Quem incitar outra pessoa a suicidar-se, ou lhe prestar ajuda para esse fim, é punido com pena de prisão até três anos, se o suicídio vier efectivamente a ser tentado ou a consumar-se.” Como refere Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código Penal, Universidade Católica Editora, a pág. 416, na anotação 3 ao art.º 135, “deixa de haver suicídio quando a vitima se arrepende do seu propósito e arrepia caminho, manifestando-se essa vontade por qualquer meio que seja”, abandono que claramente se mostra extraível do facto provado 34 [Apesar de ter ouvido FF gemer e de o ouvir cair no chão quando tentou agarrar-se ao cortinado para se levantar e fugir do fogo que alastrava na cama, a arguida nada fez para o ajudar.]. De resto e sem conceder, nunca seria pelo fogo que a “preparação” para o suicídio estaria combinada, isto a seguir a tese da recorrente. Ainda pela análise dos elementos factuais que a recorrente pôs em destaque para a afirmação da sua tese acerca da integração jurídica no tipo legal de auxílio ao suicídio, ao contrário da menorização/desvalorização manifestada pela recorrente da atitude relatada de a arguida ter abandonado o projecto de, simultaneamente, se suicidar também, diremos que essa opção determina que a vontade eventual da vítima nesse desfecho se mostra viciada na medida em que se mostra induzida em erro na respectiva motivação propositadamente pelo agente (a arguida). E por força desse erro, fica comprometido o preenchimento do tipo propugnado pela recorrente. Outro aspecto factual que imporia sempre o não seguimento da tese da recorrente quanto ao crime de ajuda aos suicídio seria o próprio meio utilizado pela arguida que, tal como se mostra comprovado factualmente – facto 33 “determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios, pegou fogo em dois sítios diferentes da cama onde o FF estava deitado, um na zona da cabeceira e outro na zona dos pés” -, meio esse que representa um desvio ao que aparentemente seria a opção verbalizada pela vitima [na tese da própria arguida] e, consequentemente, com recurso a uma intervenção activa e exclusiva da arguida, causadora da morte de outrem na medida em que deu origem também à emanação de monóxido de carbono (a causa da morte, como resulta do relatório de autópsia e facto provado 47), ainda que, sem conceder, o fosse em resultado de um pacto dessa natureza e, portanto, não enquadrável na figura do incitamento ou ajuda ao suicídio do artigo 135º do Código Penal. Por sua vez, a alternativa de integração dos factos no tipo legal do crime de homicídio a pedido da vítima do art.º 134º CP esbarra na necessidade de qualquer pedido feito nesse sentido pela vítima ter de assumir uma forma séria, instante e expresso, conformador e determinante da conduta do agente – cfr. Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, UC Edit. pág. 412, em anotação ao art.º 134 CP. Na realidade factual que se mostra provada não se vislumbra, em primeiro lugar, um pedido expresso pela vítima, o qual não decorre necessariamente da mera verbalização de ideias suicidárias, e, em segundo lugar, não se mostra tal pedido como insistente apesar das motivações dadas para a realização de viagens conjuntas, em momentos temporalmente antecedentes ao desfecho fatídico, e muito menos, como sendo um pedido sério face aos projectos comuns relativos a casamento e descendência. Além disso, a conduta da arguida nos momentos contemporâneos e subsequentes ao incêndio, com a ausência de ajuda depois do que se mostra referido no facto provado 34 [Apesar de ter ouvido FF gemer e de o ouvir cair no chão …], a ausência de referência ao incêndio e a FF mesmo perante os vizinhos, de ajuda para o mesmo [facto provado 37] e a fuga que fez, disfarçando-se com uma peruca de cor castanho clara na cabeça e apoderando-se da bolsa e na mochila de FF contendo os 2.100€ [facto provado 35] e, acima de tudo, omitindo aos familiares do FF o facto de este ter morrido e afirmando não saber o que se passava, mentindo sobre a hora e forma como tinha regressado a sua casa em ............ [facto provado 62], demonstra que a sua intenção não seria o resultado de qualquer expresso pedido da vítima com as características exigidas no apontado tipo legal. Não se mostra, pois, possível a integração jurídica alternativa proposta pela recorrente até porque a alteração por si proposta de aditamento de factos à matéria de facto provada não obteve provimento, decaindo o recurso também nesta parte. Ainda neste segmento particular do inconformismo da recorrente quanto à decisão, discorda a recorrente da afirmação do preenchimento das circunstâncias agravativas/qualificativas do crime de homicídio que se mostra considerado pelo Colectivo - do n.º 2 do artigo 132º CP: i) a alínea b) [Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau;] e ii) a alínea j) [Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;]. Argumenta a recorrente, por relação à primeira das circunstâncias, que “Da matéria de facto dada como provada, não resulta que a arguida e o ofendido mantivessem uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação. Tudo o que se diz é que "iniciaram um relacionamento amoroso" (nº 1 da matéria de facto provada), "nunca tiveram residência em comum" (nº 5), a "a arguida queria casar com o FF e adquiriu alianças duplas" (nº 14) e que "chegaram a ir à conservatória do registo civil de ......... tratar do processo de casamento" (nº 16). Alude-se à "relação" (nº 15) e ao facto de o ofendido ser "companheiro" da arguida (nºs 55, 58 e 63). Por relação à segunda daquelas circunstâncias, defende a recorrente que “da matéria provada não se extraem factos concretos dos quais resulte que a arguida atuou com frieza de ânimo ou com reflexão sobre os meios empregados. Tudo o que se diz é precisamente isso: "agiu, ainda, com frieza de ânimo e com reflexão sobre os meios empregados" (nº 65), numa reprodução literal do texto legal, o que não se traduz em factualidade.” Quanto a estas circunstâncias agravativas /qualificativas, desenvolveu o Colectivo a seguinte argumentação: “No que respeita à alínea b) do artº 132º, nº2 do C.P. não é necessária qualquer motivação especial. Basta que o arguido tenha consciência da sua relação de parentesco com a vítima. O fundamento desta agravação revelado por esta circunstância é a maior energia criminosa manifestada pelo agente ao vencer as contra motivações éticas relacionadas com os laços para-conjugais. Traduz a convicção enraizada na sociedade, de que um homicídio de um cônjuge ou companheiro mesmo que não vivam juntos, viola deveres éticos elementares, para além da violação do direito à vida… Está subjacente o desrespeito que é devido àqueles que partilham a vida conjugal, e em regra, dos sentimentos mais puros e profundos – Só um motivo de relevante valor social e moral que diminua sensivelmente a culpa do agente pode afastar a especial censurabilidade que as relações conjugais ou de namoro como as dos autos são suscetíveis de revelar. Neste particular, dúvidas não restam que a arguida com a sua apurada conduta preencheu esta alínea atenta a relação que mantinha com o FF.” e “A alínea j) “corresponde à tradicionalmente chamada circunstância da premeditação mas cujo conceito é agora omitido. Assim, reuniu-se sob o conceito de premeditação alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos lhe conferiam, a frieza de ânimo, a reflexão sobre os meios empregados e o protelamento da intenção de matar por mais de 24 horas. “O legislador Português pretendeu afinal englobar uma realidade unitária, susceptível de possibilitar por si mesma um maior juízo de censura jurídico-penal sobre o agente- a particular intensidade da vontade criminosa daquele que age com reflexão ou domínio de si e não sob emoções ou impulsos de momento e que desse modo pode manifestar uma personalidade marcadamente mais desviada dos padrões supostos pela ordem jurídica. A frieza de ânimo reside numa particular vontade criminosa sem motivo que a torne menos exigível. A reflexão sobre os meios empregados. Refletir é ponderar sobre estes, sobre as vantagens de uns relativamente aos outros, escolhê-los com vista a uma maior probabilidade de êxito e a uma execução mais fácil do crime com a consequente diminuição da capacidade de defesa do sujeito passivo: Dúvidas não restam que a arguida agiu deste modo, considerando, designadamente, as pesquisas efectuadas no seu computador.” Por relação à primeira das circunstâncias agravativas o refúgio da recorrente nos preciosismos fácticos para alegar a insuficiência destes para a categorização do respectivo relacionamento esbarra com o conteúdo da globalidade dos factos provados descritivos do relacionamento que mantinham - seja os termos, a regularidade e finalidade dos encontros tidos, a existência de projectos de vida comuns que a própria arguida anunciava, a existência de tentativa anterior de celebrar casamento - apontam que só faltaria o passo final para uma total e plena convivência e para a qual, de resto, até já haviam arrendado a residência de ......... e ignorando o que se mostra referido no facto provado 63. Depois, a própria verbalização da arguida acerca do apoio e ajuda que providenciava à vítima, revela-nos que a arguida mantinha uma relação com a vítima que se pode catalogar como sendo em tudo idêntica à dos cônjuges, faltando-lhe apenas a constância na coabitação. Ora, o texto do preceito em questão abrange as situações em que o facto se mostra cometido contra e na pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha, ou tenha mantido, uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou seja, exactamente como ocorre no presente o tipo de relacionamento entre a vítima e a arguida. Por sua vez, a circunstância qualificativa referida na al. j) do n.º 2 do preceito em questão satisfaz-se na íntegra com a manutenção por parte da arguida da intenção de matar por um período bem mais dilatado que o referido na previsão legal e decorre das circunstâncias factuais atinentes à busca/escolha dos meios e modo do respectivo cometimento: a formulação da vontade de a própria não morrer, em momento antecedente à realização das buscas quanto ao modo de cometimento do acto fatídico; as buscas feitas na internet pela arguida, em momento antecedente em sete dias ao desfecho fatal; a encomenda do gelo seco especificamente para aquele dia e a compra da braseira/aquecedor. Nenhuma censura merece a opção seguida pelo Colectivo na integração jurídico dos factos e na verificação do preenchimento das circunstâncias agravativas/qualificativas consideradas.” Preceitua o artigo 134º do Código Penal que é punido com pena de prisão até três anos “quem matar outra pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito.” Glosando a materialidade jurídica conformada no preceito citado seria possível escandir os seguintes elementos constitutivos (i) uma acção, comissiva ou omissiva, de o agente causar a morte a uma (outra) pessoa; (ii) uma atitude indutora intencional, motivada e compelida, actuada na esfera do agente, pela pessoa a quem a vida deva ser supressa; (iii) que o autor adquira a convicção de que a pessoa a quem deva tirar a vida formula o pedido de forma séria; (iv) que esse pedido seja actuado e reclamado de forma instante; (v) que esse pedido seja formulado por forma expressa, declarada e directa; (vi) que o pedido seja feito de forma directa, pelo sujeito passivo, ao agente. A facticidade que está adquirida – e, note-se, é dela que a recorrente faz derivar a pretensão da divertida qualificação jurídico-penal – não consente o preenchimento da materialidade em que se consolidam os elementos constitutivos expostos. Na verdade, em ponto nenhum da matéria de facto dada como comprovada, se assevera e/ou prenuncia a existência de um pedido expresso, isto é, formulado de forma directa e declarada (da vítima à arguida), em que o falecido tenha formulado uma intenção de que ela lhe propinasse a supressão da vida, como se fosse essa a vontade que ele expressara de forma séria e insistente e premente. Em largo e despretensioso esquisso subjectivo-factual, o que ressalta da facticidade comprovada é uma dupla de pessoas conviventes num quadro emocional-depressivo, decorrente de uma frustrada e inconsequente realização pessoal-profissional, que, dramaticamente e num quadro de sentimentalismo, permita-se-nos a invocação de um paralelismo romanceado, aludem, a tempos a urgência de pôr termo à vida. (Abstemo-nos de traçar o quadro subjectivo-emotivo que perpassa pela matéria de facto e pelo exame psicológico efectuado à arguida e de procurar paralelo em episódios dramático-passionais que são tema de pungentes, fatídicos e angustiantes dramas literários, por não caberem numa análise de natureza objectivo-jurídica). O quadro de dramatismo, que terá persistido durante algum tempo, induziu uma procura de material que permitisse uma morte indolor e imperceptível/insensível à consciência, por não apercebida e destituída de compreensão. (Procurando conferir uma situação similar, diríamos que o tipo de morte projectado, ocorreria como aquela que se verifica em situações de consumo do oxigénio de um compartimento fechado, ocasionado pela combustão de carvão (monóxido de carbono) ou outro material combustível, como ocorre, desafortunadamente, com alguma frequência durante o período de Inverno, em zonas do interior do país.) Em passo nenhum da facticidade adquirida se descortina a existência de uma manifestação de vontade, declarada e expressa por parte da vítima, formulada perante a arguida para que esta lhe tirasse a vida. Apontar-se-á que no acto de supressão da vida, executada e levada a efeito por banda do agente (activo), a pedido expresso, directo e insistente da vítima, tem de haver actos, positivos ou negativos, que sejam reveladores da vontade (induzida e motivada exteriormente pelo sujeito passivo) de executar a vontade solicitada e querida pela vítima. A vítima em momento algum, na narrativa construída e plasmada na factualidade provada, terá pedido à arguida para que, de forma activa e dirigida à consecução do resultado pedido, tenha orientado a sua acção para que a morte (da vítima) pudesse ocorrer. Ao invés, o que resulta provado, é que terá sido seguido um plano de eventual morte conjunta e não da morte do decesso por acção positiva da arguida. Factualidade adquirida não sustenta a pretensão formulada pela arguida, pelo que haverá que descartar a hipótese da sua subsunção ao suposto incriminador contido no artigo 134º do Código Penal. Do mesmo passo, afigura-se-nos que a facticidade descrita na decisão de facto não consente a subsunção ao suposto de facto plasmado no artigo 135º do Código Penal. O preceito assinalado pune a conduta de quem (i) incite, motivando de forma expressa e consistente, outra pessoa a auto suprimir a própria vida; ou (ii) actuando, de forma positiva ou negativa, prestar auxílio efectivo, idóneo e capaz a que outrem suprima a sua própria vida. O facto dado como comprovado no item 22. desmente e descarta uma acção de prestação de ajuda a que a vítima se auto privasse da (própria) vida, quando assevera que a arguida (sic) “bem sabendo a arguida AA que a encenação criada à volta do seu emprego, do emprego de FF, do casamento, da gravidez, não poderia manter-se por mais tempo e começando a ficar desesperada na sua relação com o FF, pelo menos a 16 de Dezembro de 2016, começou a planear forma de se livrar de FF, pondo-lhe termo à vida e assim libertar-se de todos os seus problemas, aproveitando a ideia deste se querer suicidar.” A ilação permitida pelo narrado no item provado é de que a arguida (i) em momento, datado de 16 de Dezembro de 2016, formulou, pelas razões adiantadas no proscénio do item, a vontade/intenção de tirar (por acção unilateral, pessoal e própria) a vida ao FF; (ii) que desde essa data incoou a planear o modo de executar a sua vontade; (iii) que, de forma suspicaz, se “aproveitou” do facto de o arguido ter manifestado a vontade de auto suprimir a sua própria vida. A convicção que sobra é a da verificação de um desvio de uma pretensa intenção (inicialmente formulada de forma conjunta, pela vítima e pela arguida) de pôr termo à vida (de ambos) para uma intenção de se libertar de um “encargo” que teimava em persistir n sua vivência pessoal. Vale dizer que a arguida derivou, ou terá derivado, de um projecto conjunto de suicídio para um acto pessoal, orientado e querido, consubstanciado numa acção de privação da vida do companheiro (de infortúnio e desprazer), tendo-o feito, de acordo com a narrativa expressa no item transcrito, “aproveitando-se” da vontade manifestada, e quiçá reiterada, pela vítima. Este desvio, orientado e direccionado pela arguida, de uma vontade conjunta, para uma acção, pessoal e própria, “aproveitando-se” da atonia e dessoramento da vontade da vítima, que acreditaria na declaração de vontade da arguida em o acompanhar no acto de auto supressão da vida, desvirtua a pretensão de integração da factualidade adquirida no suposto incriminador contido no artigo 135º do Código Penal. Sobra para análise neste segmento do recurso a questão da convivência em comum e da qualificativa da frieza de ânimo. Prévio, porém, uma sintética alusão à intenção (dolosa) que deve impregnar a conduta desvaliosa. Ocioso dizer que para que ocorra uma acção punível, torna-se, imprescindível que o agente aja com dolo, em qualquer das suas formas, directo, necessário e eventual. [Refere Fernanda Palma, ibidem p. 81, que “numa obra [Ascombe, G. E. M. Intention, 2ª ed. 1963] determinante da Filosofia sobre o conceito de intenção, poderemos assentar em que o comportamento intencional é aquele para o qual a pergunta porquê tem como resposta exclusiva a própria vontade de o agente realizar a essa conduta.” No mesmo sentido Claus Roxin, “Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 456.] Em pós a uma distinção das formas de manifestação do dolo – intenção ou propósito (dolus directus de primeiro grau), o dolo directo (dolus directus de segundo grau) e dolo eventual (dolus eventualis), Claus Roxin alcança uma forma unitária de descrição do dolo, como ““saber e querer (conhecimento) e vontade” de todas as circunstâncias do tipo legal.” “A este respeito, o requisito intelectual (“saber”) e o volitivo (“querer”) estão em cada caso diferentemente configurados nas suas relações entre si. No caso da intenção, no lado do saber basta com a suposição de uma possibilidade, ainda que seja só escassa, de provocar o resultado, p. ex. um disparo a grande distância. Dado que se persegue o resultado e que, portanto, o “querer” é muito pronunciado, quando o disparo dá no alvo (“da en el blanco”) concorre de todos os modos um facto doloso consumado.” [Claus Roxin, Depreco Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura del Delito. Civitas, Madrid, 1997, p. 415.] Neste eito definitório alinha Hans-Heinrich Jescheck quando assevera que “o dolo significa conhecer e querer os elementos objectivos pertencentes ao tipo.” “O conhecimento do autor deve referir-se aos elementos do tipo situados no passado e no presente; para além disso, o autor há-de prever nos seus rasos essenciais os elementos típicos futuros, em especial o resultado e o processo causal. A vontade consiste na resolução de executar a acção típica. Estende-se a todos os elementos objectivos constitutivos conhecidos pelo autor que serem de base à decisão da acção. (…) o dolo deve concorrer no momento da acção, sendo irrelevante um dolo antecedente ou subsequente.” [Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal. Parte General. Volume I, Bosch, Barcelona, 1978, p. 398-399.] Para que ocorra, na participação da realização de tipo de ilícito pressupõe-se, que “junto com a tipicidade e antijuridicidade do facto do autor, também o seu carácter doloso. Esta indicação legal expressa é supérflua se se ubica sistematicamente o dolo como parte subjectiva do tipo, como se corresponde com a opinião dominante (…). Pois, em tal caso, da exigência de um facto típico do autor se desprende que este deve ser também doloso.” [Claus Roxin, Derecho Penal. Parte General. Tomo II. Especiales Formas de Aparición del Delito, Civitas/Thomson Reuters, Madrid, 2014, p. 205.] A intenção de concretização de um resultado, de um fim, ou objectivo de acção, representa-se exteriormente mediante a efectivação/execução de um conjunto de actos e acções operadas pelo indivíduo/agente que, tendo conjecturado a realização desse resultado, é impulsionado por um querer, voluntariamente assumido e formado, em direcção à concretização do resultado que quis obter. Á representação formada e querida, no plano intelectivo e psicológico, o agente ade a materialização no plano físico, exteriorizando por essa forma o querer induzido na acção. A factualidade comprovada consente a qualificação jurídico-penal operada pelas instâncias. Vem adquirido que a vítima, embora não de forma constante, emparelhavam como se de um casal se tratasse. Formavam um par que vivia na mesma casa, quando se encontravam em ........., realizavam viagens em conjunto, operavam planos de vida em comum, com o projecto de casamento e a idealização de virem a conceber uma filho em comum, facto que era conhecido dos pais da vítima e que a arguida sustentava e propiciava para manter a relação ocupada e viva perante os pais da vítima. Não consente a facticidade provada uma divertida relação de convivência interpessoal. A arguida fomentava e esporeava a existência de um relacionamento estável e duradouro mediante a alusão a um próximo casamento e existência de um projecto – ao que veio a ser apurado, gorado – de um filho em comum. Não é possível com o quadro factual descrito afastar esta qualificativa do crime do homicídio. A qualificação do crime de homicídio advém do facto de o legislador pretender conferir uma intensidade dolosa posta na concreção do resultado querido, a saber o autor querer privar de vida outra pessoa. Vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo nº 168/11.0GCCUB.S1, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, e em cujo sumário se doutrinou: (“I - O art. 132.º do CP define o tipo de crime de homicídio qualificado, constituindo uma forma agravada de crime em relação ao tipo do art. 131.º. Objectivamente, o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no art. 131.º funcionando a qualificação na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos-padrão. II - A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, um tipo-de-culpa que se reconduz que é conformado pela especial censurabilidade ou perversidade da conduta. III -Fútil é o motivo de importância mínima, o motivo frívolo, leviano, a «ninharia» que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida; o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. IV - O vector fulcral que identifica o «motivo fútil» não é, pois, tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva.” [Relativamente ao conceito de «frieza de ânimo» inserto na parte final da alínea e) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal, veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.11.2002 (Proc. nº 02P3316, relatado pelo Conselheiro Simas Santos em que se sumariou (sic): “Há frieza de ânimo quando se age a sangue frio, de forma insensível, com indiferença pela vida humana e reflecte-se sobre os meios empregados quando a escolha, o estudo ponderado dos meios de actuação que facilitam a execução do crime ou pelo menos diminuam acentuadamente as possibilidades de defesa da vítima mercê do modo frio, indiferente, calmo e imperturbadamente reflectido com foi planeada a morte. 5 - Age com frieza de ânimo o arguido que: - pressionado pela promessa da vítima de que apresentaria a pagamento um cheque por si sacado correspondente a uma burla que efectuara, combina um encontro para daí a 2 dias afirmando-lhe que lhe pagaria; - formula então o propósito de matar a vitima e assim se livrar da dívida que tinha para com esta; - no dia e hora combinados, compromete-se a pagar à tarde e deslocar-se ao banco para o efeito; - à hora aprazada, o arguido entra no carro da vitima, munido de uma pistola que ninguém lhe conhece, igualmente não lhe conhecendo o hábito de andar armado; - em local de pouco movimento, desfere 2 tiros contra a cabeça da vitima, que foi completamente apanhado de surpresa; - deixa no local elementos para despistar a investigação e saí daí num trajecto perfeitamente apto a dissimular a sua presença no local e se mantém a trabalhar durante cerca de 3 horas e meia, como se nada tivesse acontecido.” (todos os arestos podem ser encontrados in www.dgsi.pt)] Desde logo porque a especial censurabilidade derivada e consignada como factor de valoração e categorização qualificativa do crime de homicídio advêm do facto de o agente, subjectivamente, o agente colocar ou actuar, na execução da acção injusta, factores de especial censurabilidade ou perversidade. [Veja-se quanto à caracterização da qualificação do crime de homicídio e da relevância do tipo de culpa que se esmalta com a categorização de censurabilidade e perversidade, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Outubro de 2019, no Processo nº 24/17.9JAPTM.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Lopes da Mota, e que pela profusão e cópia de doutrina e jurisprudência que ensancha se deixa extractado, na parte interessante. “Como tem sido repetidamente afirmado na doutrina e na jurisprudência constante deste Tribunal, o crime de homicídio qualificado p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º e 132.º do Código Penal constitui um tipo qualificado por um critério generalizador de especial censurabilidade ou perversidade, determinante de um especial tipo de culpa, mediante uma cláusula geral concretizada na enumeração dos exemplos-padrão enunciados no n.º 2 deste preceito, relativos ao facto e ao agente, indiciadores daquele tipo de culpa agravado, cuja confirmação se deve obter, no caso concreto, pela ponderação, na sua globalidade, das circunstâncias do facto e da atitude do agente [assim, nomeadamente, o acórdão de 12.07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, cit., mencionando os acórdãos de 5.7.2017, Proc. 1074/16.8JAPRT.P1 (Rosa Tching), de 19.2.2014, Proc. 168/11. 0GCCUB.S1 (Santos Cabral), e de 18.10.2007, Proc. 07P2586 (Santos Carvalho), em www.dgsi.pt, bem como a jurisprudência e doutrina neles citadas, incluindo Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, comentário ao artigo 132.º do Código Penal, Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1998, Augusto Silva Dias, Direito Penal - Parte Especial: Crimes Contra a Vida e a Integridade Física, AAFDL, 2005, Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, Quid Juris, 2008]. «Exige-se, pois, que o agente tenha agido com culpa agravada, ou seja, que as concretas circunstâncias da sua conduta permitam justificar um especial juízo de censura, pela particular gravidade do facto revelada nessas circunstâncias, as quais, na ausência de motivo susceptível de, em concreto, diminuir ou neutralizar a sua valoração, a verificarem-se, se deve considerar preencherem o critério de especial censurabilidade ou perversidade para efeitos de realização do tipo qualificado do crime de homicídio», como se sublinhou no acórdão de 12.07.2018, citado. 31. A propósito dos conceitos normativos de «especial censurabilidade e perversidade» (artigo 132.º, n.º 1, do Código Penal), escreveu-se no acórdão de 18.10.2007 (Proc. 07P2586, cit.), citando Teresa Serra (loc. cit., p. 63-65), como se recordou no acórdão de 12.07.2018, Proc. 74/16.2JDLSB.L1.S1, cit.) e, mais recentemente, no acórdão de 02.10.2019, no processo n.º 3622/17.7JAPRT-P1.S1 (ainda não publicado): «Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala Binder. Assim poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente... Importa salientar que a qualificação de especial se refez tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete». 32. E sobre o tipo de culpa agravado do artigo 132.º considerou-se no acórdão de 19.2.2014 (Proc. 168/11.0GCCUB.S1, cit., apud mesmo acórdão de 12.07.2018):«Refere Silva Dias (...) que a verificação do exemplo padrão do n.º 2 do art. 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício, e não mais do que isso, tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. (...) O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível. Nas palavras de Margarida Silva Pereira ["Os Homicídios" pág. 40] a caracterização do art. 132.º do CP passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe de igual forma uma culpa especial e a permissão do recurso à analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora não subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa. Todavia, importa salientar que a valoração da culpa operada pelo art. 132.º do CP não aparece desligada de uma ilicitude qualitativamente mais intensa. (...) A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação, sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contém elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobre a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. (...) O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação».] Para integração da predita qualificativa – frieza de ânimo – as instâncias sustentaram-se no facto de a arguida (i) ter desistido de um eventual projecto conjunto no dia 16 de Dezembro de 2016; (ii) de se ter aproveitado do ânimo da vítima de pôr fima à vida (de forma comum e conjunta); (iii) de ter projectado a compra de material adequado para concretizar a acção, em comunhão com a vítima, fornecendo, com esta atitude uma confiança e perseverança no projecto concebido e ideado em conjunto. O modo de actuação da arguida, pela criação de um ambiente de confiança no “parceiro” de que pretendia levar a cabo uma acção suicida; de ter adquirido o material (gel seco) para o propósito que havia projectado; de, no próprio dia, mais precisamente noite, se ter prestado a uma encenação romantizada e idealista (efabulada numa qualquer hipotética representação fílmica), demonstra a persistência no tempo do plano de privar a vida ao “companheiro”, uma intenção perseverante e uma modelação da acção que converte uma acção singela de tirara a vida a outra pessoa num acto predeterminado e planeado ao mínimo pormenor. Esta forma de actuar evidencia uma atitude consistente e reveladora de uma concentração subjectiva e perfeitamente orientada que é apta e idónea a integrar o exemplo de “frieza de ânimo”. Não merece censura a qualificação jurídica operada pelas instâncias §2.(B).2. – DETERMINAÇÃO/INDIVIDUALIZAÇÃO DA MEDIDA DA PENA PARCELAR (crime de homicídio). Critica a arguida a falta de fundamentação na decisão para a determinação das penas parcelares – resta tão só a pena parcelar pelo crime de homicídio, pelas razões indicadas – e da pena conjunta. As instâncias fundamentaram a determinação/individualização das penas como sequente argumentário (sic). “1.7. Insurge-se ainda a recorrente quanto à medida das penas, parcelares dos crimes de homicídio e de incêndio e única, em que foi condenada considerando que, por um lado, “Não dá cumprimento cabal ao dever de fundamentar a aplicação das concretas penas de dezasseis anos e quatro anos e seis meses de prisão e da pena única de dezassete anos de prisão. Assim, verifica-se a nulidade prevista na alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, por referência ao nº 2 do artigo 374º desse diploma.” e, por outro, defende um abaixamento da primeira delas como decorrente de diferente integração jurídica (homicídio a pedido da vítima) e “mesmo que se considerasse a arguida como autora de um crime de incêndio, a pena nunca deveria ultrapassar os três anos de prisão, sem prejuízo de suspensão de execução atendendo ao artigo 50º do código penal”. Vejamos o que se mostra inserido na decisão recorrida quanto à determinação da medida das penas: “Os crimes em causa são punidos com pena de prisão, mais concretamente de doze a vinte e cinco anos de prisão para o crime de homicídio qualificado; pena de prisão de três a dez anos pelo crime de incêndio. Esgotado o primeiro momento da determinação definitiva da pena, cabe agora proceder à fixação da medida concreta, o que se fará nos termos equacionados no artº 71º, nº 1, do C.Penal, ou seja, em função da culpa do agente, que constitui limite inultrapassável (traduzindo-se, assim, num princípio fundamental do Estado de Direito), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes. Por outro lado, como dispõe o nº 2 do referido preceito, deverão ainda ser consideradas todas as circunstâncias gerais que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, em particular o grau da ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. No que diz respeito à culpa a que se refere o artº 71º, nº 1, do C.Penal, é esta entendida no seu sentido comum, como elemento do conceito de crime (quer dizer, como o juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma). Acresce que, como limite que é, a medida da culpa serve para determinar o máximo da pena – que não poderá ser ultrapassado – e não para fornecer, em última análise, a medida da pena. Esta dependerá, dentro do limite consentido pela culpa, de considerações de prevenção. Tendo em conta este princípio, consideremos agora as circunstâncias relevantes em termos de medida da pena concreta para cada um dos crimes em causa: A culpa da arguida é superior à média, atentas as suas habilitações literárias, dentro do juízo de especial censurabilidade. O elevado grau do ilícito, diminuindo a capacidade de defesa da vítima e considerando os estragos provocados pelo incêndio, bem como, o perigo criado para os moradores – artº 72º, nº 2, al. a) do C.P. A intensidade do dolo é elevada, porquanto ao atuar como atuou, a arguida fê-lo com dolo direto – artº 71º, nº 2, al. b) do C.P. Manifestou sentimentos de indiferença – artº 71º, nº 2, al. c) do C.P. A arguida não tem antecedentes criminais – artº 71, nº 2, al. e) do C.P.. A sua situação económica é mediana. A sua condição familiar e social é positiva beneficiando de apoio familiar dos tios e do pai – artº 71º, nº 2, al. d) do C.P. Assim sendo, ponderadas todas estas circunstâncias, bem como, as exigências de prevenção, que são elevadas, entende o tribunal como adequada a pena de dezasseis anos de prisão para o crime de homicídio qualificado e de quatro anos e seis meses de prisão para o crime de incêndio.” Por sua vez, no tocante à medida da pena única resultante do necessário cúmulo jurídico destas penas parcelares, desenvolveu o Colectivo: “Os crimes pelos quais a arguida é condenada nestes autos encontram-se numa relação de concurso – artº 77º, nº 1 do C.P., pelo que há lugar à aplicação de uma pena única, tendo como limite máximo a pena de vinte anos e quatro meses prisão e mínimo a pena de dezasseis anos de prisão, em conformidade com o preceituado no artº 77º, nº 2, do C.P. Nos termos do disposto no nº1 da aludida disposição normativa, na punição do concurso de crimes e para aplicação da medida concreta da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, cumprindo, igualmente, ter em atenção as finalidades das penas, tal como constante do já mencionado artº 40º do C.P. Tomando em consideração o conjunto dos factos praticados e a personalidade do arguido, já aludidos supra e para os quais se remete, numa ponderação global dos referidos factores, considera-se adequada a pena única de dezassete anos de prisão.” E se a primeira crítica a este segmento do acórdão diz respeito a pretensa violação o dever de fundamentação da pena (da alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, por referência ao nº 2 do artigo 374º desse diploma), diremos que essa é uma crítica imerecida e infundada na medida em que, embora se possa classificar de sucinta a argumentação expendida pelo Colectivo, ela reflecte na totalidade os elementos disponíveis e necessários à determinação da medida da pena, mais desenvolvida quanto às parcelares e quanto à única mediante a remessa para os elementos enformadores que a antecederam. E com essas considerações alicerçantes da decisão do tribunal recorrido não podemos deixar de concordar na íntegra, subscrevendo-as na medida em que o comportamento da arguida impõe um claro reforço nas medidas punitivas, cujo primeiro reflexo se traduzirá, como se mostra seguido, na fixação de uma expressiva pena concreta no crime de homicídio qualificado dentro da moldura aplicável ao mesmo crime e, posteriormente, com o respectivo reflexo na pena única. Acrescentaremos ainda que, no dizer da Prof. Fernanda Palma, «A protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral» - «As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva», in «Jornadas sobre a Revisão do Código Penal» (1998), AAFDL, pp. 25-51, e in «Casos e Materiais de Direito Penal» (2000), Almedina, pp. 31-51 (32/33). As necessidades de prevenção geral e especial mostram-se muito prementes a actuantes no caso concreto em virtude da própria postura da arguida perante os factos, deslocando a sua responsabilização para a esfera de uma intenção conjunta que acabou por abandonar, mas persistente da vítima conducente à sua actuação, tal como revelou na sua versão em audiência. Assim, diremos que a fixação das penas parcelares de ambos os crimes em medida superior ao mínimo legal da respectiva moldura, pouco acima do terço mas abaixo dos respectivos pontos médios, se mostram adequadas para garantir o respeito devido aos interesses tutelados pela lei e proporcional à culpa demonstrada pela arguida. Não se revela, no caso, um conspecto atenuativo que, face à protecção dos bens jurídicos envolvidos e às necessidades de ressocialização da arguida, justifique as opções por si pretendidas de ver diminuída essas penas, sendo mais evidente a relativa ao crime mais grave por impossibilidade de integração jurídica no tipo de ilícito por si propugnado. No tocante à pena única importa reter que no nos termos do n.º 2 do art.º 77º do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas e como limite mínimo a mais elevada dessas penas. À recorrente foram aplicadas as penas de 16 anos de prisão, pelo crime de homicídio, e 4 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de incêndio, pelo que a moldura penal tem no seu limite mínimo 16 anos de prisão, a medida da pena parcelar mais elevada, e como limite máximo 20 anos e 6 meses de prisão, a soma das duas. Na fixação concreta da pena única, como ensina Figueiredo Dias, devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 71º – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo n.º 1 do artº 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Sobre o modo de levar à prática estes critérios, diz o mesmo autor: “Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, páginas 291 e 292). No conjunto dos factos praticados pela recorrente destaca-se claramente a conduta integradora do crime de homicídio, sendo ela que essencial e predominantemente dá a medida da gravidade global desses factos. O crime de incêndio aparece como um minus embora aponte para uma confirmação do homicídio, cuja autoria pretendeu por essa via esconder ou no mínimo baralhar, como o Colectivo faz realçar “determinada a conseguir os seus intentos e apagar eventuais vestígios “. Por isso, estando-se perante uma «pluriocasionalidade que não radica na personalidade» da arguida, e não se mostrando elevada a contribuição da conduta integradora deste último crime para a «gravidade do ilícito global perpetrado», a respectiva pena deve assume pouco peso na formação da pena conjunta. Considerando estes elementos, tendo em atenção as considerações tecidas no acórdão e o que atrás mencionámos por relação à determinação das penas parcelares, entendemos que a fixação da pena única em menos de um quarto acima do seu ponto mínimo da moldura aplicável (tal como impõe a parte final do n.º 2 do art.º 77º CP) se mostra criteriosa e isenta de críticas.” Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado através do sistema penal (viger numa sociedade de configuração ideológica demoliberal) dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma (de proibição) e a sua validade e eficácia societária. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito normativo-social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionis. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) A pena contém, na sua impressão conotativa e ontológica, dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) De forma definitiva assevera Hans-Heinrich Jescheck que “fundamento da determinação da pena é a culpabilidade. Com esta declaração fundamental reconhece-se expressamente o princípio da culpabilidade e expressa-se que o sentido da pena deve ver-se em todo o caso na retribuição da culpabilidade. Sem embargo, junto a esta declaração, se estabelece no §46 I 2 o dever do juiz ter em conta e todo o acto de determinação da pena os efeitos que podem esperar-se tenha a pena na vida futur do réu na sociedade”. (Autor citado em Tratado de derecho Penal, Volumen Segundo, Bosch, Barcelona, p. 1200) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir-se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito. Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade no indica la quantia da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. A referida quantia vem determinada pela gravidade do facto antijurídico do qual culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impões para prevenir factos lesivos, mas outrossim como retribuição da atitude interna que o facto reflecte no sujeito. - pág. 206. Por um lado a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freio à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. Num segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais do que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, e não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43 Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, outrossim que deve respeitar o limite detida por certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade desprende também aa conveniência de ressaltar o mais grave respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave. - pág. 44 Frente ao delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria só a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente no ocasional corrigível, seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inoculá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento “asegurativo”. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige só ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206. Tradução nossa) Do mesmo passo, Santiago Mir Puig faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo. Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127). “Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a Ordem jurídica (conteúdo do injusto), e a gravidade da reprovação que se faz ao réu pelo facto cometido (conteúdo de culpabilidade. No entanto estes factores, fundamentais para a determinação da pena, não estão totalmente desvinculados entre si, a culpabilidade jurídico-penal vem referida ao injusto: a sua extensão determina-se pelo conteúdo culpável do injusto do facto. A culpabilidade tem, não obstante, também junto a isto, elementos autónomos que carecem de paralelo no âmbito do injusto (por ex., o grau de capacidade da culpabilidade; a evitabilidade do erro de proibição, autênticos elementos da atitude interna). Tanto o injusto, como a culpabilidade, entendidos como elementos materiais do delito, são conceitos graduáveis. Isto significa que, entre outras coisas, entidade do dano, a forma de execução do facto e a comoção da paz jurídica determinam o grau de injusto do facto, tanto com a desconsideração, a premeditação, a situação de necessidade, a tentação, a juventude, os transtornos mentais ou o erro devem ser valorados para graduar a culpabilidade.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volumen Segundo, Bosch Editora, Barcelona, 1981, p. 1207.) (“Na lesão ou colocação em perigo do objecto da acção protegido reside o desvalor do resultado do facto, na forma da sua comissão o desvalor da acção. O desvalor da acção consiste tanto nas modalidades externas do comportamento do autor, com nas circunstâncias que radicam na sua pessoa. Segundo isto, é preciso distinguir entre desvalor da acção (pessoal) referido ao facto e referido ao autor. O desvalor do resultado ou da acção se convertem em injuso do resultado ou da acção, respectivamente, ao ser recolhidos nos tipos penais.” – Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. cit. p. 323) (Para uma perspectiva da categoria do que se constitui como injusto e da sua justificação e imputação, veja-se Michael Pawlikemann – Urs Kindhäuser – Javier Wilenmann – Javier Pablo Mañalich, in “La antijuridicidad en el Derecho Penal. Estudios de las Normas Permissivas y la legitima Defensa”, Bdef, Buenos Aires, 2020, ps. 99-176.) Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.) Numa recensão louvável da jurisprudência e de uma “desmadejada” doutrina sobre a determinação da pena, respigamos o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de Junho de 2018, no processo 3343/15, já citado. (Incluem-se as notas de rodapé no números apósitos). “O art. 40.º do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.» (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.) A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift. (Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.”( Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.) Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas»(sublinhado nossos) (Relativamente à culpa, não é dogmaticamente pacífica a sua concepção: para uns, Anabela Miranda Rodrigues, Jorge de Figueiredo Dias, constitui apenas limite da pena e não seu fundamento; para outros, v.g., Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., págs. 87 e 108, constitui fundamento da pena. Na jurisprudência deste STJ, considerando a culpa como fundamento e limite da pena, cfr., v.g., Acs. de 13/10/2000, Proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1; de 27/4/2011, Proc. 210/08.2JBLSB.L1.S1; de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1; de 22/1/2013, Proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1; de 15/5/2013, Proc. 154/12.3JDLSB.L1.S1, relatados pelo Cons.º Santos Cabral; Ac. de 31/5/2017, CJACSTJ, XXV, T. II, págs. 208 e ss. Refere-se naquele Ac. de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1, que «Nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns outorgam à prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.») «A norma do artigo 40.º - escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar - condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento. Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo. O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação. O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.». (Entendimento replicado no Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, do mesmo Relator e noutros arestos deste STJ (cfr., v.g., Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).” (in www.dgsi.pt) A moldura legal estabelecida para o crime que se estima comprovado pela factualidade consolidada orça entre 12 (doze) e 25 (vinte e cinco) anos. – cfr. artigo 132º, nº 1 do Código Penal. Na moldura penal estabelecida – sem abdicar e descartar dos conceitos gerais enunciados no nº 1 do artigo 132º do Código penal – pode caber um vasto e estendido leque de formulações prático-materiais de culpabilidade, mas que por facilidade de arrumação conceptual assinalaríamos e ficcionaríamos em três níveis: menos intensa, que ocorrerá, em traços largos, quando, por exemplo, existe um acumulado de factores anteriores e/ou concomitantes à acção injusta e o agente reage motivado por emoções induzidas de desforço ou para saldar um agravo ou doesto anterior, em que, admitidas determinadas circunstâncias poderiam vir a ser integrada nas alíneas b), l) e m); de intensidade mediana, quando o agente realiza o acto injusto descomprometido com qualquer situação anterior, mas tão só por formulação de vontade de querer tirar a vida a outrem (idem as alíneas indicadas para a situação anterior); e intensa, ou gravosa, quando o agente age movido por motivos totalmente alheios a motivações anteriores e dirige o querer e a vontade para satisfazer instintos básicos e primários, embasado em total alheamento pela vida humana, como será o caso dos exemplo referidos nas alíneas c), d), e f) d nº 2 do artigo 132ºdo Código Penal. A modelação conceptual de culpa, que se ensaiou não pode, obviamente, ser definitiva e fechada, longe disso, mas tão só um guia para a um visionamento pragmático-conceptual passível de orientar e conferir o conceito com a acção prática concretamente plasmada na factualidade adquirida para o julgamento do facto e, mais concretamente para a determinação judicial da pena. Assumindo, e adoptando, o guião ensaiado e procurando conferir uma densidade conceptual à acção (injusta) perpetrada pela arguida, pensamos dever integrá-la na modalidade de culpa moderada. Em abnegada, lhana e escorreita defesa da primazia e supremacia da mensuração do doseamento da pena pelo paradigma e padrão axial da culpa, escreveu-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de Junho de 2017, proferido no processo nº 28/10.4GAVNF.S1, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça”: “A finalidade das penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 deste preceito que, “a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, por sua vez, o nº 2 acrescenta que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.” O que significa que em caso algum pode haver pena sem culpa (sem conhecer a medida desta) ou acima da culpa (ultrapassar a sua medida). Nulla poena sine culpa. O princípio da culpa, segundo FIGUEIREDO DIAS. Consequências jurídicas do crime § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” Mas, com o devido respeito, porque “a culpa é condição necessária”, necessariamente que a culpa é também fundamento da pena. De outro modo, como pode haver pena sem culpa?!!! A censura jurídico-penal só é possível, só encontra o seu fundamento ético, na existência de culpa do agente que infringiu motu proprio, o bem jurídico protegido com tutela penal, Na definição do conceito de pena escrevem ENRIQUE ORTA BERENGUER e JOSE L: GONZALES CUSSAC, Compendio de Derecho Penal (Parte General e y Parte Especial), tirant lo blanch, Valência, 2004, p,.251, (tradução nossa), “Na actualidade, seu conceito se define pela concorrência de cinco características: a) A pena consiste necessariamente na imposição de um mal ao delinquente, isto é, supõe a privação ou restrição de um direito fundamental; b) a pena como mal ou privação de um direito se impõe por causa da violação da lei; e neste sentido é a sua consequência jurídica; c) a pena se impõe exclusivamente à pessoa ou pessoas responsáveis pela violação da lei, d) deve ser imposta ou administrada pelas autoridades fixadas na lei; e) a imposição da pena exprime a reprovação e censura pela violação da lei, pelo que se infringe como um castigo, e neste sentido, conceitualmente é retribuição pelo mal cometido.” As teorias da prevenção ao fundamentarem a pena na prevenção geral e especial não arredam – nem podem, sob pena de infringirem a matriz ética primária do direito penal – excluir o direito penal do facto como um direito penal de culpa. Se a prevenção geral pretende justificar a defesa do ordenamento jurídico ou da comunidade, não é esta uma comunidade de seres humanos, os destinatários das normas e os sujeitos da culpa? E que outra coisa é a prevenção especial senão a exigência de socialização do agente na remissão da culpa através da reintegração social, ou seja, a educação do agente que pela sua culpa desprezou a norma penal? A função da pena costuma referenciar-se em três finalidades: a retributiva como realização da justiça por meio do castigo. A prevenção geral como meio de se evitar a prática de novos delitos pelos cidadãos da comunidade que integram, e a prevenção especial para evitar a prática de novos delitos pelo agente infractor. Sem a pena, imposta estadualmente através do Poder Judicial, pela lesão de bens jurídícos fundamentais de tutela jurídico-criminal, a convivência humana na comunidade social onde se integra e constitui, seria impossível. Porém, se as finalidades da prevenção (geral e especial) da pena justifiquem o cumprimento da função da pena, não a justificam por si só, ou de forma exclusiva. “Pelo contrário, a justificação da pena pela sua utilidade, somente pode ter lugar dentro dos limites que dimanam do princípio da proporcionalidade, como justa retribuição do injusto culpável. Portanto, na função de tutela jurídica haverão de radicar-se tanto o fundamento justificativo da pena, como os limites dessa justificação. De maneira que se a ideia de tutela conduziu à justificação do castigo pela sua utilidade, a necessidade de que a mesma seja jurídica exige que não possa obter-se a qualquer preço, mas unicamente dentro dos limites que dimanam do princípio de proibição do excesso ou proporcionalidade em, sentido amplo.” (v. Enrique Orta Berenguer e José.L, Gonzales Cussac, ibidem, p.254) A função da culpa é imanente ao desvalor jurídico-penal da acção ou omissão desenvolvida na violação do bem jurídico. Pena sem culpa, não pode existir, em qualquer Estado de Direito, democrático e material, porque qualquer Estado que se reclame de Direito há-de fundar-se na dignidade da pessoa, do ser humano, e a culpa é a responsabilização jurídico-penal da pessoa pela acção ou omissão causalmente adequada à lesão do bem jurídico-penal, consagrado pelo ordenamento jurídico da comunidade política em que se insere. Por isso a culpa é fundamento e limite da pena. Concordamos com FIGUEIREDO DIAS quando refere que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso” e de “constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss; , mas já não concordamos quando salienta que “a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização.” E de que “A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático.” (idem, ibidem) Mas não pode ignorar-se, com o devido respeito, por outros entendimentos, que a culpa é a amplitude ético-criminal da determinação da medida concreta da pena e não se destina somente a limitar o máximo da pena. A culpa como proibição de excesso da prevenção, na determinação da pena, não significa que a culpa seja mera baliza punitiva, mas situa-se no mesmo campo, e no mesmo patamar da prevenção, numa dialéctica em que a culpa é fundamento e limite da pena Para se conhecer a medida da culpa, tem de se apreciar e avaliar a culpa. e por isso, se compreende também que o artigo 71° do Código Penal ao estabelecer o critério da determinação da medida concreta da pena, disponha em primeiro lugar que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei “é feita em função da culpa do agente”, acrescentando depois “ e das exigências de prevenção.” É que uma coisa são as finalidades da pena e outra, é a determinação da medida concreta destas. Acrescente-se que também o artº 72º nº 1, do CP, prevê a diminuição acentuada da culpa como um dos fundamentos da atenuação especial da pena. FIGUEIREDO DIAS, apesar da sua concepção sobre as finalidades da pena, reconhece que “ a culpa jurídico-penal não é uma «culpa em, si», mas uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, pois que “pela via da culpa releva para a medida da pena a consideração do ilícito típico, […] «o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente» (v. Direito Penal Português, As consequência jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, p. 239, § 323) Em suma, apenas “não relevam para a medida da pena, pela via da culpa, quaisquer consequências atípicas ou extratípicas do facto, mas apenas as consequências atípicas, no sentido social do tipo como um todo, a um seu singular elemento constitutivo ou à sua concretização”- idem, ibidem, p. 239, §324 Consequências extratípicas só poderão relevar – e deverão relevar muitas vezes – não pela via da culpa, mas pela da prevenção (v.g. insegurança geral causada por uma série de crimes particularmente graves, pavor determinado por ataques sexuais particularmente repugnantes, etc; nomeadamente, pela via da prevenção geral positiva ou de integração, com a consequente necessidade acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias” (idem, ibidem, p. 241, § 326.) Pois, como se sabe: “Do que aqui se trata é, pois da construção de um tipo complexivo total (ou, na verdade, se se preferir, de um tipo para efeito da medida da pena), que suporta a consequência jurídica, tendo em vista as exigências não só da culpa, como da prevenção,”, distinguindo-se assim, “o conjunto de elementos que releva para a medida da pena pela via da culpa daquele que para ela releva pela via da prevenção”- (idem, ibidem, p 234, Além das exigências de prevenção, protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), a culpa é também fundamento, antes do limite da pena. A prevenção, não é, pois, fundamento exclusivo da determinação da medida da pena. Em sentido similar, como ressalta também do artigo de Hans-Heinrich Jescheck, Evolucion del concepto jurídico-penal de culpabilidade en Alemania Y Áustria, Revista Electrónica de Ciência Penal y Criminologia, traducción de Patrícia Esquinas Valverde, RECPC 05-01 (2003), sendo a liberdade de decisão um facto antropológico evidente, a sanção ou pena entronca na merecida resposta de desaprovação da comunidade jurídica perante o facto injusto e culpável – o ilícito punível - pelo seu agente. Se a função primordial ou determinante da pena fosse feita apenas em função da prevenção (geral e especial,) e a culpa considerada apenas como seu limite, como poderia entender-se a relevância das características da sua matriz ética? Ao ser apontada a culpa como mero limite da pena, desde logo faz ressaltar a natureza antropológica da culpa na sua característica liminar de imanência à conduta desvaliosa activa ou omissiva do agente do facto. Por isso, a montante do limite da pena, a culpa, “também deve ser codecisiva para toda a determinação da mesma “ Se a culpa radica na imputação ética do facto incriminado, como pode o juiz perder o ponto de conexão da culpa – dimensão ético-jurídica do facto – na repercussão da mesma nos objectivos da prevenção especial? O problema da liberdade na violação dos bens jurídico-criminais envolve e convoca em toda a amplitude a dimensão da culpabilidade. Se assim não for, como poderá censurar-se o facto ilícito punível, e em que medida a pena a aplicar se mostra justa a adequada à sua reintegração social? Como poderá estabelecer-se a proporcionalidade da pena se, independentemente do limite da culpa, não tiver em conta as características desta? O n ° 2 do mesmo artigo do Código Penal, estabelece, que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência: c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, concorrer na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados. Quer dizer, na concretização legal da pena, na sua individualização como última fase da determinação da medida concreta desta, deve o tribunal atender à natureza e grau de gravidade do facto,, a considerações de prevenção geral e especial à punição aplicável ao delinquente concreto, e ào conjunto das condições e circunstâncias pessoais deste, de forma a que no conjunto dessas circunstâncias - todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele - e no quadro mais ou menos flexível da gravidade do facto, individualiza a pena aplicável., São pois dois os critérios – em função da culpa e das exigências de prevenção - que devem guiar a tarefa individualizadora, do julgador, na determinação concreta da pena, ou seja na adaptação da pena ao caso concreto e ao indivíduo: a gravidade do facto que se fundamenta na retribuição proporcional ao crime cometido, orientada por critérios de prevenção geral, e nas circunstâncias pessoais do agente, envolvendo a culpa no desvalor da acção e no resultado e as decorrentes exigências de prevenção especial.” (in www.dgsi.pt) Equipados com o acervo doutrinário e jurisprudencial asserido, incoamos por destoar da recorrente quando investe contra a ausência de fundamentação da decisão que cevou a determinação das penas. A falta de fundamentação caracteriza-se por uma ausência de argumentação na apresentação/jus-tificação de uma razão em que o tribunal se escora para produzir um veredicto. No caso, a decisão recorrido, escorando-se, é certo, no que a primeira (1ª) instância havia argumentado para a irrogação da pena, coonestou a decisão e achou-a ajustada. Não ocorre falta de fundamentação. A pena parcelar pelo crime de homicídio afigura-se-nos, em face da moldura penal abstracta aposta na norma incriminadora [12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos], perfeitamente ajustada. Na verdade, a intensidade dolosa carreada para a concretização da acção desvaliosa, a forma como planeou e levou a cabo o projecto, que a partir do dia ... de Dezembro de 2016, urdiu para se livrar da presença, pela privação da vida do “companheiro” e a forma como tentou dissimular e ludibriar a acção, mediante a aposição de um disfarce e a negação de qualquer tipo de ocorrência que se estivesse a verificar, bem como a negação posterior da acção perante os familiares da vítima, evidenciam uma intensidade dolosa conformadora de uma irrogação punitiva grave. A pena de 16 (dezasseis) anos encontrada pelas instâncias situando num patamar intermédio e relativamente próximo do patamar mínimo, encontra-se adequado e proporcional à intensidade volitiva posta na acção ilícita e apta a compensar a culpa colocada na execução da acção. Não podendo ser a pena um arranjo matemático ou absolutamente preciso para punição de uma acção contrária à lei, não pode deixar de reflectir um ajuste aproximado e proporcional à culpa e a uma exigência da sociedade em repor a contrariedade sofrida pela execução de uma acção violadora de valores essenciais da vivência colectiva. Não se pode obliterar o valor do bem suprimido com a sua acção ilícita e dolosa e desterrar a vida que foi tirada a uma pessoa com quem mantinha uma relação de proximidade relacional, própria de pessoas com uma convivência em comum. Decorre do que fica dito que a pena parcelar pelo crime de homicídio se prefigura ajustada e proporcional. Do mesmo passo não nos merece reparo a pena conjunta a que as instâncias se alcandoraram e que, por isso, se mantém. §2.(B).3. – Indemnização por danos não patrimoniais aos demandantes cíveis, BB e CC – item 9º do epítome conclusivo. Insurge-se a recorrente, ainda quem sem contrapor argumentos válidos e subsistentes, contra a indemnização arbitrada a favor dos demandantes, BB e CC. Comprovada a responsabilidade por acto ilícito (penalmente punível) o(a) autor(a) da acção desencadeadora do resultado antijurídico, constitui-se, relativamente ao lesado, na obrigação de indemnizar pelas perdas e danos que haja ocasionado na esfera jurídica de quem sofreu/teve de suportar a acção desvalorativa – cfr. artigo 129º do Código Penal. O preceito citado (artigo 129º do Código Penal) comina a avaliação e arbitramento dos danos causados de acordo com as regras e critérios estabelecidos para a indemnização em matéria civil – cfr. artigo 483º do Código Civil. Na génese da obrigação de indemnizar induzida, ou fundada, na produção de um evento que altere/modifique ou transforme a realidade existente na esfera (patrimonial ou imaterial) de uma pessoa está a ideia de procurar restabelecer o bem jurídico violado no estado em que se encontrava antes da consumação do evento danoso, e, caso o restabelecimento não seja possível in natura, deverá a reparação ser realizada economicamente, na medida da diferença entre o estado anterior aquele em que o bem jurídico violado ou lesado se encontrava se não tivesse ocorrido a produção do resultado danoso – teoria da diferença (artigo 562.º e 566.º do Código Civil). [“A sanção jurídica da conduta lesiva responde a uma elementar exigência ética e constitui uma verdadeira constante histórica: o autor do dano responde por ele, isto é, acha-se sujeito a responsabilidade. Este vocábulo sugere, inclusivamente antes de qualquer reflexão jurídica, a ideia de que a pessoa está submetida à necessidade de suportar as consequências dos seus actos. E a expressão mais cabal dessa «necessidade» é a obrigação de indemnizar ou reparar os prejuízos causados à vitima.” – Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 14.”] A vulneração de um direito ou de uma disposição legal protectora de interesses alheios, exige um conjunto de pressupostos de que a lei faz depender a obrigação de indemnizar - cfr. Artigo 483.º do Código Civil. A doutrina, como dá nota o Professor Pessoa Jorge, não se mostra unânime quanto à elencagem dos pressupostos de que a lei faz depender a ocorrência ou a verificação da responsabilidade civil por factos ou actos ilícitos. Pensamos, no entanto, colher melhor sufrágio a solução adoptada por Antunes Varela, de que para que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil se torna necessário: a) a ocorrência de um facto; b) que esse facto deve ser considerado ilícito; c) que o facto ilícito possa ser imputado a um determinado sujeito; d) que por virtude desse facto ilícito praticado por uma pessoa ocorra um dano, patrimonial ou não patrimonial, na esfera jurídica de outrem; e) e que exista um nexo de causalidade entre o facto e o dano. (Cfr. Pessoa Jorge, Fernando, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil, Almedina, 1995, pág. 53 a 57. Para este autor os pressupostos da responsabilidade civil reduzem-se a dois: acto ilícito e prejuízo reparável. Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 495. Vide ainda Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo 1, Bosch, 2ª edición, 2008, 219-220.]“Estos pressupuestos son: em primer lugar, una conduta, bien sea positiva (acción), bien sea de inactividad (omisso). En segundo término, esa conduta, según el criterio de imputación de responsabilidad del Código Civil (distinto es el de alguno de los «regímenes especiales», debe ser subjetivamente atribuible o reprochabale al agente, esto es, ha de ser una actuación caracterizada por la culpabilidad. En tercer lugar, el comportamiento en cuestión tiene que revestir caracteres de antijuridicidad o ilicitud o, dicho de otro modo, injusticia. Además ha de existir un resultado lesivo, esto es, un daño debe mediar una relación de causalidad bastante para que ese daño pueda ser atribuible al autor de la conduta sobre cuya responsabilidad se trata.” Em visualização expandida e explicitada poder-se-ia dizer que os pressupostos da responsabilidade aquiliana, se reconduzem nos sequentes elementos lógico-materiais e de verificação ou produção natural e físico-psicológicos: i) – o facto voluntário, consubstanciado numa conduta comissiva ou omissiva de um agente traduzido, naturalisticamente, numa alteração ou modificação da realidade existente ante; ii) – a ilicitude, traduzida na violação de normas legais ou de direitos (absolutos) consolidados na esfera individual ou colectiva e infractores dessas normas ou direitos; iii) – a culpa, como nexo de imputação ético-jurídico, de feição e natureza censurável ou reprovável, à luz dos valores eticamente prevalentes numa sociedade historicamente situada; iv) – o dano, lesão ou prejuízo de ordem patrimonial ou não patrimonial, produzido na esfera jurídica de terceiros; v) – e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Supõe e importa, portanto, a responsabilidade civil, a imposição de medidas reparadoras destinadas a compensar um dano, moral ou patrimonial, ocasionados pela prática por parte de alguém de um uma conduta, ilícita e culposa, susceptível de violar direitos alheios ou disposição legal destinada a proteger interesses de terceiros. A perfeição da instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de acção ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano imputação subjectiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável ao um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objectiva ou moral-subjectiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da acção ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente. Em regra a responsabilidade civil e a obrigação de reparar o dano surge da conduta ilícita do agente que lhe deu causa, ou seja de uma conduta violadora de normas gerais e de direitos de outrem. [Sinde Monteiro, Jorge, in “Responsabilidade Civil”, Revista de Direito e Economia, Ano IV, n.º 2, Julho/Dezembro, 1978, doutrina que “[estamos] em presença de responsabilidade civil por factos ilícitos quando a ordem jurídica coloca como pressuposto da obrigação de reparar um dano causado a outrem a exigência da verificação de um facto ilícito e a possibilidade de afirmação de um nexo de imputação subjectivo do facto ao agente, i. é, que tenha procedido com culpa. Fundamento da responsabilidade é aqui a culpa, ou, se preferirmos, o juízo de reprovação que a conduta do agente suscita, verificando-se uma aproximação entre os juízos de censura moral e do direito”. - pág. 317.] O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - acção ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da acção – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes á tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um acto humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um acto que se deveria efectivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de certo acto que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objectivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou lícita [Para o autor citado na nota anterior, a responsabilidade por factos lícitos, ocorre “[nas]hipóteses em que a lei, atendendo ao interesse preponderante de um particular ou da colectividade, permite uma intervenção na esfera jurídica alheia em detrimento de um direito que em principio goza de uma protecção absoluta (impondo correspondentemente ao titular deste um dever de tolerar essa intervenção negando-lhe o direito de defesa que de outro modo lhe é concedido) estabelecendo, todavia, a cargo do titular do direito ou do interesse supra-ordenado a obrigação de reparar os danos sofridos pelo «sacrificado» (exemplo: art. 339.º).”], deve ter actuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da acção de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão. O facto do agente, consubstanciado num comportamento ou numa conduta humana, deve assumir um carácter voluntário e poder ser dominável e controlável pela vontade. Revestindo o facto do agente uma atitude positiva denomina-se acção, sendo que revestindo uma atitude negativa se constitui numa omissão. Neste caso, a não prática do facto ou acto que o agente, por imposição de um dever jurídico, estava compelido a praticar, desencadeia a obrigação e indemnizar com base na responsabilidade civil. A culpa pode revestir as modalidades de dolo, ou mera culpa, ou negligência, que são, nas situações de responsabilidade civil, as mais frequentes. A par da negligência, consubstanciada na omissão de um dever de cuidado, que uma atenta consideração da situação poderia e deveria ter prevenido, ocorrem a imprudência ou imperícia, sendo que a primeira ocorrerá quando o agente age por precipitação, por falta de previdência, de atenção no cumprimento de determinado acto, e a imperícia quando o agente acredita estar apto e possuir conhecimentos suficientes pratica acto para o qual não está preparado por falta de conhecimento aptidão capacidade e competência. [Para um esclarecedor e detalhado desenvolvimento sobre os aspectos jurídico-ontológicos que a culpa pode assumir no conspecto da responsabilidade civil: – colpa civile e colpa penale; la colpa per violazione di norme giuridiche; la colpa per violazione di norme di comune prudenza; la diligenza come parametro di determinazione della condotta dovuta e come criterio di responsabiltà.I contenuti della diligenza; la prevedibilità; la colpa comissiva e colpa omissiva; la colpa lieve e la colpa grave – veja-se Laura Mancini, “Responsabilità Civile. La Colpa nella Responsabilità Civile”, Giuffrè Editore, 2015, ps. 25 a 55.] A culpa (subjectiva, também designada “culpa penal”) revela-se e traduz-se numa imputação psicológica feita a uma pessoa e conleva um juízo de censura ético-jurídica dirigida a uma conduta humana portadora, ou a que se agrega, uma vontade livremente determinada e liberta de condicionalismos perturbadores da assumpção de um sentido querido e orientado da vontade individual. O juízo de culpabilidade geradora de responsabilidade civil assume uma feição objectiva, por referida a um padrão normativo eleito pela ordem jurídica, como mediador ou referência de imputação valorativa ético-normativa. A censura opera-se, para este fim, pela referência prudencial ou avisada que todo o individuo deve assumir, na gestão da sua vivência societária, onde o feixe de riscos e de situações passíveis de gerar perigos é constrangedor da assumpção de uma atitude de cautela, ponderação e razoabilidade. A previsão ou prognose de situações potenciadoras de um risco ou de factores exógenos que se perfilam como geradores de perigo devem ser cautelarmente avaliados e prefigurados, intelectivamente, de modo a que o agente assuma perante essa situação concreta um comportamento conducente a evitar a violação de direitos pessoais ou patrimoniais ou regras legais impostas para evitar a consumação de danos na esfera de outrem. [“Para determinar se a acção ou omissão não dolosa, mas realizada com infracção de um dever objectivo de cuidado, que possa ser reprovado ao sujeito, a título de culpa ou negligência, como exige o artigo 1.902, o decisivo não é a previsão objectiva do juiz, mas sim, unicamente, o juízo prévio de que o agente, no uso das suas faculdades, se tivesse podido formar à vista das circunstâncias que configuravam concretamente o caso, de ter observado o cuidado pessoalmente possível para ele …” – Cfr. Ignacio Sierra Gil de la Cuesta, in Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo I, Bosch, 2008, Barcelona, p. 222.] À míngua de o juiz poder, numa reconstrução/avaliação a posteriori dos actos submetidos à sua decisão, colocar-se na representação das coisas que sucederam durante o desenvolvimento do próprio comportamento “enjuiciado” na posição do agente, deverá, na avaliação do comportamento, eventualmente culposo ou violador de uma norma legal utilizar um critério comparativo abstracto, qual seja o comportamento de um “homem recto e seguro dos seus actos”, do “homem razoável e prudente”, em definitivo do “bom pai de família” (“sem que isso impeça a atenção às circunstâncias de cada caso enjuizado, que em muito casos incidem poderosamente na valoração da conduta”). [Cfr. Ignacio de la Cuesta, op. loc. cit., p. 223.] Na avaliação de um comportamento violador de regras ou comandos legais deverá ter-se como padrão aferidor um nível de diligência, prudência ou cautela que um indivíduo razoável, ponderado e prevenido colocado numa situação similar assumiria. [“(…) de maneira que o cânone de diligencia deve vir representado pelo que guarda o homem médio, sem dever ser exigível uma diligencia extraordinária. No âmbito da actividade empresarial ou profissional isto traduzir-se-ia na aplicação de um princípio de proporcionalidade, segundo o qual o dever de diligência tem o seu limite ali onde exista uma desproporção apreciável entre o custo da adopção de determinadas medidas de prevenção e probabilidade de que se produza um dano de alcance relevante. Sem embargo, o certo é que neste âmbito, a jurisprudência só reconhece o cânone clássico da «diligência exactíssima». - cfr. Reglero Campos, Fernando, “Tratado de Responsabilidad Civil, Aranzadi, Thomson, 2002] Para além da culpa, torna-se necessário que o facto possa/deva ser imputável ao agente e que possa/deva ser estabelecido um nexo causal, ou a relação de causalidade (adequada), entre o facto e o dano ocorrido. A relação de causalidade constitui-se, assim, como o elo de ligação entre o acto lesivo do agente e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. O conceito de nexo causal, ou relação de causalidade decorre de leis naturais. Apura-se pela conexão objectiva e subjectiva que é possível estabelecer entre a conduta do agente e o dano. O nexo de causalidade é um pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do Código Civil: “«a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».) De acordo com o preceituado no art. 563º do Código Civil a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, com que se consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção. À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto causador do resultado danoso, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal. Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo. Não basta que ocorra um dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do acto ou acção de um agente que tenha tido a intenção de lesar um direito ou interesse, pessoal ou real/patrimonial de outrem, para que surja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento da entre o acto omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o acto do agente seja considerado como causa do dano. Para que alguém fique constituído na obrigação de indemnizar é, pois, mister que tenha preenchido o condicionalismo, objectivo e subjectivo, que se deixou apontado. A jurisprudência dominante vai no sentido de que a imputação de um facto a um agente deve conter-se num plano de objectividade e, em nosso juízo, é a que deve ser assumida e acatada, por ser a que melhor se adequa, em nosso juízo, à doutrina da imputação (objectiva). [cfr. Miranda Barbosa, Ana Mafalda, in “Responsabilidade Civil Extracontratual – Novas Perspectivas em Matéria de Nexo de Causalidade” Princípia Editora, Cascais, 2014, pgs. 23 a 26. Quanto à necessidade de distinção entre imputação objectiva e relação causal (numa perspectiva jurídico-penal), veja-se Fernando Reglero Campos, in “Tratado de Responsabilidad Civil”, Tomo I, Parte General, Thomson-Arandazi, 2008, Cizur Menor (Navarra), pags. 730 e 731. de uma conduta a um agente. Numa perspectiva mais actualista, Fernando Reglero Santos, in op. loc. cit. pags. 721 a 780, refere que para que uma conduta se possa imputar, ou ser causal de um evento danoso, “é suficiente que o prejuízo se haja produzido dentro de um determinado âmbito, o da aplicação da norma especial, para que seja imputável ao sujeito por ela designado, ou ainda que o tenha sido no seio de uma determinada actividade para que a imputação possa ser dirigida contra quem resulte ser o seu titular.” “A determinação de se uma conduta ou actividade se integra na etiologia do facto danoso não constitui tanto um fenómeno que possa ser ubicado dentro de certos critérios axiomáticos ou jurídico-dogmáticos, enquanto uma questão de direito que deva ser resolvida pelo juiz atendendo mais do que a elementos empíricos a critérios puramente subjectivos dirigidos, no caso concreto, à consecução de um resultado justo e equitativo.” (tradução nossa).] A lei consagra um direito de indemnização, autónomo, pela supressão (biológica) do bem jurídico constitucionalmente reconhecido que é vida de uma pessoa, mais concretamente, quando essa ablação (da vida) surge, não por razões da própria natureza humana, da ordem natural da vida, mas por uma acção, natural ou humana, que ocorre de forma inopinada no curso normal da vida de um individuo. [“O dano da morte é não patrimonial (…). Segundo a formulação negativa (…) estão incluídas nesta categoria todos aqueles que não atingem bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua natureza patrimonial. De entre os danos não patrimoniais são de destacar os resultantes de ofensas aos direitos de personalidade, das quais resultam normalmente sofrimentos físicos e morais (dor, emoção, vergonha, perturbação psíquica, etc.)” – Diogo Leite Campos, A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, 251] O assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971, resolveu de forma definitiva a questão que se debatia até aí sobre que tipo de dano a atribuir em caso de morte. (“I. A perda do direito à vida, por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação pela acção ou omissão e que a morte é consequência. II. – O direito a essa reparação integra-se no património da vítima e, coma morte desta, mantêm-se e transmite-se.” – BMJ nº 205, pág. 150. [A partir do mencionado assento ficou estabelecido que os danos (não patrimoniais) indemnizáveis eram: o dano da perda de vida; o dano sofrido pelos familiares da vítima; e o dano sofrido pelo lesado antes de morrer. O acórdão dá nota de que ocorria uma oposição entre o decidido no assento citado e o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, que havia merecido anotação desfavorável do Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103º, pág. 172] Após essa definição jurisprudencial, mostra-se unanimemente aceite que o dano de morte se constitui como um dano autonomamente indemnizável. [Cfr. Diogo Leite Campos, A indemnização do Dano da Morte, Almedina, Coimbra, 1980, pág. 24; A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Vol. I, Coimbra 1974, maxime págs. 261 a 297. “A defesa da personalidade jurídica exige uma apertada tutela do direito à vida. Esta tutela acarreta a obrigação de indemnizar pela sua lesão. O respectivo direito deverá ser, na ordem natural das coisas, adquirido pelo próprio lesado. E porque não mesmo depois da morte? É mais um caso em que a protecção a um direito de personalidade se prolonga para depois da morte, sem o que aquela perderia parte da sua consistência prática. Ficamos, pois, com dois instrumentos técnico-jurídicos de compreensão do fenómeno de aquisição pelo «de cujus» do direito à indemnização pela própria morte e respectiva transmissão «mortis causa».” – cfr. págs. 296-297.] O dano de morte constitui-se, pois, como um direito autónomo que se transmite por via sucessória aos herdeiros da vítima. Ainda que se nos afigurem com pertinência algumas das objecções que se mostram levantadas numa tese de mestrado 1 a propósito da tese de que o dano de morte não pode ser configurado como um dano autónomo e não seja descartável e desprezível a argumentação aí adiantada para conferir o dano de morte de iure proprio aos familiares da vítima, o facto é que, por razões que não caberão numa decisão judicial, mantemos a posição de que o dano de morte se constitui como um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do de cujus transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. [Cfr. Andreia Marisa Rodrigues, Análise jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014 (Sob a orientação da ora Juíza Conselheira Maria da Graça Trigo). Vide ainda, no sentido de que se trata de um direito iure proprio, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 16-06-2005, proferido no Processo nº 1612/05, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro “o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no art. 496,2 do CC, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o art. 2024º do CC, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse”; e o acórdão deste mesmo Tribunal de 24-05-2007, Processo nº 1359/07, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, em que se doutrina que: “a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no n.º 2 do art. 496º do CC, por direito próprio. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido (…).”] Na aferição do quantum a atribuir pelo dano de morte deve atender-se, na esteira do sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, que (sic): “II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 - 1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória. IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.).” [Disponível em www.dgsi.pt] “O dano não patrimonial reporta-se à depreciação e abatimento das condições psicológicas e subjectivas da pessoa humana, por virtude de factores externos susceptíveis de afectar um estado subjectivo liberto de constrangimentos, preocupações e alterações das condições de vida que normalmente o afectado conduz. Representa, assim, uma ofensa objectiva de bens que repercutem uma mazela no conspecto subjectivo da pessoa afectada, traduzindo-se em estados de sofrimentos, de natureza espiritual e/ou física. Esta incidência negativa e malsã na vivência e estabilidade psíquica e/ou física do ser humano, não sendo mensurável no plano patrimonial, deve, na medida em que afecta a personalidade do individuo, na sua dimensão espiritual e/ou física, ser passível de indemnização pecuniária. Não para reparar um dano quantificável, mas compensar ou satisfazer em bens materiais males infligidos pela acção imputável ao lesante. Esta satisfação, não possui, pois, a dimensão de uma verdadeira indemnização, no sentido de um equivalente do dano, ou seja, um montante que deva ser quantificado, por equivalente aquele que haja sido o prejuízo (quantificado) pelo lesado. Vale por dizer, pelo equivalente a um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão. Pretende-se, outrossim, como já se deixou dito supra, atribuir ao lesado uma compensação pelas alterações da estabilidade emocional, psicológica e espiritual do lesado. Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual. [Cfr. por todos Antunes Varela, Das obrigações em Geral, Coimbra, 1989, Vol. I, ps. 572-578. “A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em conta as circunstâncias do caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.” (p. 576). (“Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc.. A avaliação da sua gravidade tem de aferir-se segundo um padrão objectivo, e não á luz de factores subjectivos (A. VARELA, “Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 628), sendo, nessa linha, orientação consolidada na jurisprudência, “com algum apoio na lei”, que as simples contrariedades ou incómodos apresentam “um nível de gravidade objectiva insuficiente para os efeitos do n.º 1 do art. 496º” (ac. STJ, 11/5/98, Proc. 98A1262 ITIJ).] Como vem sendo entendido, dano grave não terá de ser considerado apenas aquele que é “exorbitante ou excepcional”, mas também aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação” – ac. de 5/6/79, CJ IV-3-892.” [Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 2007, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, no Processo nº 07ª1187. Vejam-se ainda a título meramente exemplificativo os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 04-03-2004, relatado pelo Conselheiro Moitinho de Almeida e de 9-10-2004, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, no Processo 2897/2004.] Na atribuição da indemnização, deverá atender-se à gravidade dos efeitos da acção desvalorativa do lesante, pois só a afectação grave e desproporcionada do estado emocional, psicológico e /ou físico do lesado é passível de obter um grau de valoração ético-jurídica reconhecida pela ordem jurídica e por ela tutelada e protegida. No montante a atribuir, o tribunal deverá usar de critérios de equidade, como factores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fazendo intervir os elementos ético-socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor das acções lesivas. Haverá, assim, que atender, na atribuição do quantitativo pecuniário compensatório ao grau de culpabilidade do lesante, ao modo como a acção lesiva foi consumada e/ou reiterada, aos efeitos e consequências que essa acção provocou no lesado e nas perturbações/alterações que provocaram na vivência e nos estados psicológicos, emotivos e/ou físico do lesado. Os danos morais ou não patrimoniais, insusceptíveis de avaliação pecuniária, visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária (compensatória) [Segundo Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, 9ª ed., Vol. I, pág. 630, tal indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.]. A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo, devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501.]. Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [Na RLJ, Ano 113º, pág. 104.]. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”. Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [Cfr. no mesmo sentido, os Acs. de 5/11/09, Proc. nº nº 381-2002-S1, 16/12/10, Proc. nº 270/06.0TBLSD.P1.S, e de 20/10/11, Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1]. Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“. Escrutinados os pressupostos em que embasa a obrigação de indemnizar e os titulares do direito à indemnização pelo dano de morte e danos não patrimoniais, assoma a urgência de os quadrar cm a factualidade adquirida e verificar se, com a acção ilícita e culposa que levou a cabo, o arguido se constituiu na obrigação de indemnizar aqueles que reclamam o direito correspondente. Seguimos a orientação jurisprudencial que propugna pela não intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no escrutínio/sindicância dos concretos factos que balizaram o critério de equidade interveniente na fixação do quantum indemnizatur, nos casos em que o tribunal, como é corrente nas situações de indemnizações por danos não patrimoniais. [A propósito da aplicação/recurso a critérios e juízos de equidade, vem sendo seguido, pela jurisprudência que reputamos mais ciente, torne-se ciente o que foi escrito no acórdão deste supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2012, pº1026/07.9TBVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, “(..) não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» o juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma “questão de direito”, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios que, generalizadamente, vêm sendo adoptados, abalando, em consequência, a segurança da aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais, minimamente, uniformizados, e, em última análise o princípio da igualdade”, mantendo e prosseguindo que já havia doutrinado em aresto datado de 28-10-2010, em que se escreveu: “[Quando] o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio». 3. O apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais resultantes da inutilização ou privação de um bem material – consentido pelo art. 566º, nº3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante - pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado, não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.] Vale por dizer que, para ponderação e aferição dos critérios e factores de avaliação do dano sofrido pelo lesado, são as instâncias, em primeira linha, de acordo com os elementos de prova colhidos em audiência de julgamento, quem determina o montante a atribuir. Só se o Supremo Tribunal vier a verificar que o modo e os vectores intelectivos de indicação do exercício racional que conduziu aos valores pecuniários atribuídos se mostram desajustados e desviados das regras de experiência comum e de razoamento prevalentemente maioritário será possível sindicar a decisão. Assoalhada a forma de indemnizar, importará apurar se no acórdão recorrido conferiu desviado e desabusado uso aos princípios de equidade. A ponderação dos factores psicológicos (pessoais) e factuais em que a decisão se embasou para a atribuição dos quantitativos atribuídos quadram-se dentro de critérios razoáveis e devidamente estribados. O sentimento de perda de um filho, de forma violenta e abrupta situa-se num plano de dor extrema e profunda, que deve ser compensada com um quantitativo que não podendo assumir, natural, pessoal e humanamente, uma feição reintegradora, não pode deixar de conferir um resguardo material do sentimento de supressão e falta do ente perdido. Do mesmo passo o quantitativo pela perda do direito à vida se situa em valor compatível com o que vem sendo atribuído. A atribuição dos quantitativos pelos danos não patrimoniais e pelo dano de morte que a vítima terá sofrido entre o momento em que se desencadeou o processo de início do incêndio; de desprendimento da solução gasosa que iria determinar a sua morte; e aquele em que terá tentado pedir sair do espaço em que se encontrava a inala a solução gasosa e aquele em que viria a falecer balizam-se dentro de limites de razoabilidade, pela dimensão expressiva que deve assumir a dor que os pais sofrem pela perda de filho. A lei da vida, dita que os pais não sobrevivem, normalmente, aos filhos, pelo que a dor de um pai que perde um filho deve ser valorada de forma impressiva e compensada adequadamente. O tribunal recorrido não abalroou os limites e os critérios de razoabilidade que em situações similares se têm por prudentes e compatíveis com as regras da equidade, pelo que se devem manter. Os critérios usados para a fixação da indemnização aos lesados/demandantes, não infringem e desvirtuam a pauta de factores de ponderação que devem intervir para casos similares. A angústia e o desespero que terá constituído para a vítima a percepção de que se encontrava encasulado e impossibilitado de se evadir de um espaço no qual sabia lhe iria produzir encontrar a morte se não fosse ajudado – como não foi; o sofrimento que se antevê ter ocorrido pela inalação do gás e a situação de asfixia e impossibilidade de continuar a respirar, bem como a percepção de uma sufocação lenta, incapacitante e paralisante, bem como o desfalecente estado a que se terá visto chegar sem que pudesse esboçar uma reacção de evasão da situação terão constituído momentos de supremo desespero e revolta contra o que estava a sofrer, sem que, itera-se, pudesse contar com a ajuda de uma pessoa que com que ele tinha convivido e partilhado etapas da sua vida. Todos estes factores de constrangimento e dor pessoal se prolongarão e perdurarão como pontos indicadores da situação vivenciada, o que não deve deixar de ser ponderado na fixação do quantum indemnizatur. As instâncias, itera-se, não se desviaram de parâmetros de equidade e razoabilidade, pelo que os valores atribuídos não merecem reparo. §2.(B).5. – INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 131º DO CÓDIGO PENAL. Sobra a questão da inconstitucionalidade “Quando interpretadas no sentido de que é aplicável a pena de homicídio qualificado nos casos em que o ofendido concorda num projeto de suicídio coletivo, são inconstitucionais as normas contidas no artigo 131º, no nº 1 e nas alíneas b) e j) do nº 2 do artigo 132º do código penal, por ofensa aos nºs 1 e 2 do artigo 27º, ao nº 1 do artigo 29º e ao nº 1 do artigo 30º da lei fundamental. 14º Por contrárias ao nº 1 do artigo 32º da constituição, são dela violadoras as normas ínsitas no artigo 127º e nos nºs 1 e 2 do artigo 163º do CPP, se interpretadas no sentido de que o tribunal pode não dar relevo a uma avaliação psicológica sem a declarar como prova proibida. 15º Por violação dos nºs 1 e 2 do artigo 27º, do nº 1 do artigo 32º e do nº 1 do artigo 205º da lei fundamental, é inconstitucional a norma constante do nº 3 do artigo 71º do código penal, se interpretada no sentido de que o tribunal cumpre o dever de expressamente referir os fundamentos da medida da pena, quando a sentença omite a alusão a algumas das circunstâncias mencionadas no nº 2 do artigo 71º do código penal.” A decisão recorrida não apreciou a pretensão de inconstitucionalidade das referidas normas porque não ocorre qualquer violação dos preceitos constitucionais indicados pela recorrente. A qualificação jurídico-penal não sofre de entorses, como se procurou demonstrar, nem os artigos127º e 163º são inconstitucionais quando interpretados no sentido e com o alcance aplicados. Não corre qualquer desvio ou violação de normas constitucionalmente expressas. Colmata-se a eventual omissão de pronúncia quanto a este segmento da pretensão da recorrente e repudia-se qualquer violação de normas constitucionais. §3. – DECISÃO. Na defluência do que fica exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: (1) - Rejeitar os segmentos da pretensão recursiva relativos: a) – à cognoscibilidade da punição pelo crime de incêndio, pela impossibilidade legal deste Suprem Tribunal conhecer de penas inferiores a 5 (cinco) anos de prisão – alínea e) do nº 1 ao artigo 400º do Código Penal; b) – à cognoscibilidade do pedido de indemnização respeitante ao pedido formulado pelos demandantes DD e EE, por relativamente a ele se haver formado uma situação (decisional) de dupla conformidade; c) – à cognoscibilidade das questões concernentes com a impugnação da matéria de facto, por estar defesa ao âmbito de cognoscibilidade deste Supremo Tribunal de Justiça – artigo 434º do Código Processo Penal; (2) – Julgar, quanto às demais pretensões recursivas, o recurso totalmente improcedente. (3) – Condenar a recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) Uc´s. Lisboa, 24 de Março de 2021 Gabriel Martim Catarino (relator) Maria da Conceição Gomes (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância da Exma. Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria da Conceição Gomes, não assinando, por o julgamento, em conferência, haver sido realizado por meios de comunicação à distância.) ______ [1] Saliente-se que a matéria de facto alterada pelo TR ... nos factos 22,23,24 e 32, no segmento 1.4 do acórdão, não se reporta ao crime de incêndio. |