Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | ERNESTO CALEJO | ||
Descritores: | RECURSO DE APELAÇÃO REJEIÇÃO DE RECURSO CONCLUSÕES FALTA RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA TRÂNSITO EM JULGADO | ||
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Data do Acordão: | 04/04/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.ºS 1 E 2, 641.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2, ALÍNEA B) E 689.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 29-04-2008, IN WWW.DGSI.PT; - DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 818/07.3TBAMD.L1.S1; - DE 28-04-2016, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - A admissibilidade do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, implica que o acórdão recorrido esteja "em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito". Ou seja, o objecto específico deste recurso é sempre uma decisão do STJ, já transitada em julgado, mas não há mais de 30 dias (art. 689.º, n.º 1, do CPC), situação que não ocorre no caso vertente em que não está em causa uma decisão do STJ (mas sim um aresto da Relação) já transitada em julgado, mas não há mais de 30 dias. II - Não existindo um conflito, ou contradição, da jurisprudência do STJ, o pretendido recurso de uniformização de jurisprudência não será possível. III - Nos termos do art. 641.º, n.º 1, al. b), do CPC, o juiz deve indeferir o recurso quando, entre outras hipóteses, o requerimento não contenha conclusões, tendo sido com base neste pressuposto que o acórdão recorrido se baseou para indeferir o recurso. IV - Não existe, no caso, uma "omissão absoluta" ou "falta de conclusões" que deva levar à radical rejeição do recurso, já que a exigência da sintetização a que alude o art. 639.º, n.º 1, do CPC mostra-se razoavelmente cumprida. Se as conclusões estão redigidas de modo compreensível, habilitando o tribunal a conhecer e compreender os fundamentos de impugnação aduzidos pelos apelantes e se a parte contrária respondeu a tal oposição com coerência e com referência aos meios de prova que foram produzidos, não se deve usar do extremo expediente de indeferimento a que alude o art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e BB instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra CC e DD, pedindo a condenação dos réus a reconhecer que entre os seus prédios, ao longo da estrema sul do prédio dos autores e estrema norte do prédio dos réus, existe um caminho de servidão, a pé e para veículos de utilização agrícola, motorizados ou não, para acesso aos prédios dos autores, a arrancarem as videiras que plantaram ao longo do referido caminho e até ao largo existente no mesmo e eliminação dos arames colocados nesse mesmo local, a absterem-se de quaisquer comportamentos que limitem ou impeçam a utilização do caminho pelos autores, a retirarem o aloquete colocado na empena do lado direito do portão ou, em alternativa, a facultarem aos autores uma chave do mesmo e ainda no pagamento de uma indemnização no valor de 10. 700 €, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Os RR. contestam, negando a existência de qualquer servidão de passagem a favor dos AA., e, para o caso de procedência da acção, pedem, em reconvenção, que seja declarada extinta a servidão de passagem alegada pelos a AA. por desnecessidade, bem como a condenação dos AA. como litigantes de má-fé.
O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, condenando-se os RR. a reconhecerem que, sobre o seu prédio, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 304º e não descrito na Conservatória de Registo Predial, e a favor dos prédios dos AA., inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 303º e 305º, e descritos na Conservatória do Registo Predial de Tarouca sob os nºs. 1098 e 1099, respectivamente, se encontra constituída, por usucapião, e ao longo da estrema norte do prédio daqueles e da estrema sul dos prédios destes, uma servidão de passagem, a pé posto e para veículos de utilização agrícola, motorizados ou não, para acesso aos referidos prédios dos autores, do portão colocado na E.M. nº 520 até ao largo ali existente, numa extensão de 79 metros e com a largura de 2,30 metros, a absterem-se de quaisquer comportamentos que, por qualquer forma, impeçam ou limitem a utilização dos autores, ou de pessoas a seu mando, do exercício do direito de servidão de passagem nos termos definidos na antecedente alínea a), a retirarem o aloquete colocado na tranca da empena do lado direito do portão existente no início do dito caminho junto à E.M. nº 520 ou, em alternativa, a facultarem aos AA. uma chave do mesmo; no pagamento aos AA. da quantia de 3000 € (três mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento. No mais absolveu-se os RR. do pedido, bem como se absolveu os AA. do pedido reconvencional formulado pelos RR., bem como do pedido de condenação como litigantes de má-fé formulado pelos RR.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os AA. de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo-se aí, por acórdão de 1-3-2016, rejeitado o recurso por falta de conclusões.
1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os AA. para este Supremo Tribunal[1], recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.
Os recorrentes alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- O PRESEN1E RECURSO VEM INTERPOSTO DO ACÓRDÃO PROFERIDO NOS PRESEN1ES AUTOS, NA PARTE EM QUE ENTENDEU NÃO CONHECER DO RECURSO INTERPOSTO PELOS ORA RECORRENTES POR ALEGADA FALTA DE CONCLUSÕES, COM O QUAL OS ORA RECORRENTES NÃO SE CONFORMAM; 2ª- NESSE ACÓRDÃO DECIDIU-SE O SEGUINTE: "A REPRODUÇÃO INTEGRAL E IPSIS VERBIS DO ANTERIORMENTE ALEGADO NO CORPO DAS ALEGAÇÕES - AINDA QUE APELIDADA DE "CONCLUSÕES" PELA APELANTE, NÃO PODE SER CONSIDERADA PARA EFEITO DO CUMPRIMENTO DO DEVER DE APRESENTAÇÃO DAS CONCLUSÕES DE RECURSO, IMPONDO-SE A REJEIÇÃO DO RECURSO, NOS TERMOS DO ART. 641, N. 1, AL. B) DO CPC". ... , 3a- ORA, SOBRE ESTA MESMA QUESTÃO E EM SENTIDO COMPLETAMENTE DIFERENTE JÁ SE PRONUNCIOU ESSE COLENDO TRIBUNAL, FAZENDO-O DO SEGUINTE MODO: CF. ACÓRDÃO DO STJ, DE 09.07.2015, 2a SECÇÃO, PROC. 818/07.3TBAMD.L1.S1: "COMO SE OBSERVA PELA ANÁLISE DAS ALEGAÇÕES DO RECURSO DE APELAÇÃO, O RECORRENTE FF APRESENTOU A SUA MOTIVAÇÃO E, NA SEGUNDA PARTE DAS ALEGAÇÕES, LIMITOU-SE A TRANSCREVER, NUM SISTEMA DE COPY PASTE, A MOTIVAÇÃO QUE APELIDOU EUFEMISTICAMENTE DE "CONCLUSÕES"… PARA SITUAÇÕES COMO ESTA E PARA OUTRAS EQUIVALENTES QUALIFICÁVEIS COMO CONCLUSÕES DEFICIENTES, OBSCURAS OU COMPLEXAS, CUMPRE AO RELATOR CONVIDAR O RECORRENTE A APRESENTAR CONCLUSÕES QUE CUMPRAM OS REQUISITOS DO N° 2 DO ART. 6390 DO NCPC. SÓ DEPOIS DA FORMULAÇÃO DE TAL CONVITE E DO SEU EVENTUAL NÃO ACOLHIMENTO PELO RECORRENTE PODEM SER RETIRADOS OS EFEITOS JURÍDICOS QUE CORRESPONDAM À REJEIÇÃO TOTAL OU PARCIAL DO RECURSO. COMO TAL NÃO FOI FEITO NO CASO CONCRETO, TAMBÉM POR ESTA VIA ALTERNATIVA SE DETERMINA A REVOGAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. 4ª- TAIS DECISÕES, DIAMETRALMENTE OPOSTAS, SOBRE A MESMA QUESTÃO DE DIREITO, JUSTIFICAM A INTERPOSIÇÃO DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, O QUE ORA SE REQUER; 5ª- COMO VEM REFERIDO NO SUPRA CITADO ACÓRDÃO PROFERIDO PELO STJ - E NO VOTO DE VENCIDO CONTIDO NO ACÓRDÃO DA RELAÇÃO, ORA OBJECTO DO PRESENTE RECURSO - A SITUAÇÃO QUE ORA SE VEM DE APRECIAR NÃO PODERÁ CONFUNDIR-SE COM A MERA FALTA DE CONCLUSÕES, MAS ANTES COM UMA SITUAÇÃO DE PROLIXIDADE QUE DEVE SER OBJECTO DE CONVITE À CORRECÇÃO; 6ª- EFECTIVAMENTE, OS RECORRENTES QUISERAM, EFECTIVAMENTE, APRESENTAR E APRESENTARAM, AS SUAS CONCLUSÕES; 7ª - SUCEDEU, CONTUDO, QUE AS CONCLUSÕES PODERÃO SER COMPLEXAS E DEMASIADO EXTENSAS, DAS MESMAS CONSTANDO ARGUMENTAÇÃO QUE PODERIA INTEGRAR APENAS O CORPO DAS SUAS ALEGAÇÕES; 8a - CONTUDO, FOI SEU PROPÓSITO O CUMPRIMENTO INTEGRAL DE TUDO QUANTO SE MOSTRA LEGALMENTE ESTIPULADO NO QUE CONCERNE A ESSAS MESMAS CONCLUSÕES DE RECURSO, QUER EM TERMOS DE MATÉRIA DE DIREITO (CF, ART 639°, N. 2 CPC), QUER EM TERMOS DE MATÉRIA DE FACTO (CF. ART. 640° DO CPC); 9ª- SITUAÇÃO DE QUE TRANSPARECE EVENTUALMENTE O EXCESSO DE ZELO, NO SENTIDO EM QUE NADA DEIXASSE DE SER SUJEITO A APRECIAÇÃO PELO TRIBUNAL, JÁ QUE O OBJECTO DO RECURSO MOSTRA-SE DELIMITADO PELAS CONCLUSÕES (CF. ART. 635°, N. 4 DO CPC); 10ª- NESTES CASOS, EM QUE O TRIBUNAL ENTENDA QUE AS CONCLUSÕES PECAM POR EXCESSO, DEVE O MESMO CONVIDAR A PARTE A APERFEIÇOÁ-LAS, CONFORME SE DISPÕE NO ART. 639°, N. 3 DO CPC; 11ª- REMETE-SE, A ESTE PROPÓSITO, PARA TUDO QUANTO VEM DITO ACERCA DESTA QUESTÃO NO ACÓRDÃO PROFERIDO PELA 2a SECÇÃO DESSE COLENDO TRIBUNAL, PROC. N. 818/07.3TBAMD.L1.S1; 12ª- DECIDINDO DE OUTRO MODO, O ACÓRDÃO SOB CENSURA VIOLOU, ENTRE OUTROS, O DISPOSTO NO ART. 639° DO CPC. NESTES TERMOS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELOS ORA RECORRENTES, SENDO PROFERIDO ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, NO SENTIDO DE QUE, QUANDO NAS CONCLUSÕES SE REPRODUZAM AS ALEGAÇÕES, DEVE A PARTE SER NOTIFICADA PARA AS APERFEIÇOAR, NOS TERMOS E PARA OS EFEITOS DO DISPOSTO NO ART. 639°, N.S 2 E 3 DO CPC.
Os recorridos não contra-alegaram.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil). Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Do recurso para uniformização de jurisprudência. - Da rejeição da apelação por as alegações apresentadas pelos recorrentes não conterem verdadeiras conclusões.
2-2- Sobre o tema em discussão o douto acórdão recorrido afirmou: “A falta absoluta de alegações ou de conclusões gera o indeferimento do recurso (artigo 641º, nº2, al. b), do NCPC). Com a reforma do regime dos recursos introduzida pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, a falta de conclusões passou, a par da ausência de alegações, a constituir fundamento de rejeição de recurso (artigo 685º-C, nº 2, al. b), do CPC, na redacção anterior à Lei nº 41/2013). Assim, onde anteriormente se admitia o convite ao recorrente para suprimento daquela falta de conclusões, agora tal convite só ocorre quando as conclusões sejam deficientes, obscuras complexas ou quando nelas não se tenha procedido às especificações previstas no nº 2 do artigo 639º. Assim, e face às diferentes consequências que a lei atribui a tais vícios, importa distinguir entre o que sejam conclusões “deficientes, obscuras e complexas” e que situações integram a “ausência” de conclusões”. … No caso em apreço, como se pode ver do confronto entre a motivação constante do corpo das suas alegações de recurso – nas quais, referindo que interpõe recurso sobre a matéria de facto e de direito, expõe de seguida as suas razões de discordância quanto à decisão proferida sobre a matéria de facto, reproduzindo excertos do depoimento de algumas das testemunhas ouvidas em audiência, bem como aduzindo discordâncias de direito relativamente ao decidido na sentença recorrida –, na parte que apelida de “conclusões”, a apelante reproduz, ipsis verbis, o que foi afirmado no corpo das alegações, mantendo, inclusivamente os referidos excertos dos depoimentos das testemunhas, limitando-se a substituir a numeração dos parágrafos de números cardinais por números ordinais. Esta segunda parte das suas alegações, que a apelante apelida de “conclusões” é assim obtida mediante um mero “copy/paste”, enumerado, do até aí alegado, com excepção do elenco dos factos provados sentença (ns. 1 a 85), que se abstém de reproduzir nas “conclusões”. A nosso ver, o critério delimitador entre a existência, ou não, de conclusões passará mais pela substância do que pela forma. Assim sendo, casos haverá em que, não existindo, embora, uma verdadeira separação entre a motivação e a sintetização das pretensões, ou em que a motivação, pelo modo como se encontra estruturada, acaba por conter, em termos substancias, as referidas conclusões. Em tais casos, ainda que o apelante, formalmente não denomine tal sintetização de “conclusões”, tal omissão não prejudicará a inteligibilidade do recurso, entendendo-se que, apesar de tal falha formal, o objectivo visado pela exigência das conclusões se mostra cumprido. Como tal, para que se considere verificada a existência de conclusões, também não será suficiente que o apelante nas suas alegações de recurso utilize a palavra “conclusões”, sendo ainda necessário que a mesma seja seguida de algo que, de algum modo, se assemelhe a um sintetizar das questões por si anteriormente expostas (ainda que deficientes, obscuras ou complexas). A referida reprodução integral, do por si alegado no corpo das suas alegações de recurso, não pode ser considerada para o efeito do cumprimento do dever de apresentar conclusões. Do que se trata aqui não é de aferir da qualidade das conclusões, nomeadamente se as mesmas são mais extensas ou menos concisas do que podiam ou deviam ser, mas de determinar se as mesmas contêm em si aquele mínimo do qual se possa extrair que o recorrente, embora de modo deficiente, através delas tentou enunciar as questões a submeter ao conhecimento do tribunal de recurso… E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe actualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efectuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afecte a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correcção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação. A ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente – leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objecto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito”. Em razão destes fundamentos, o douto tribunal considerou “que as alegações apresentadas pela recorrente, não contêm verdadeiras conclusões”, pelo que rejeitou o recurso interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº 2, al. b), do C.P.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). A esta fundamentação e decisão respondem os recorrentes afirmando que sobre esta mesma questão e em sentido completamente diferente já se pronunciou este Supremo Tribunal, designadamente no Acórdão de 09.07.2015 (2a secção, proc. 818/07.3tbamd.l1.s1). Com efeito, como se refere no aresto, pela análise das alegações do recurso de apelação, vê-se que o recorrente apresentou a sua motivação e, na segunda parte das alegações, limitou-se a transcrever, num sistema de copy paste, a motivação que apelidou eufemisticamente de "conclusões"… para situações como esta e para outras equivalentes qualificáveis como conclusões deficientes, obscuras ou complexas, cumpre ao relator convidar o recorrente a apresentar conclusões que cumpram os requisitos do n° 2 do art. 6390 do NCPC. Só depois da formulação de tal convite e do seu eventual não acolhimento pelo recorrente podem ser retirados os efeitos jurídicos que correspondam à rejeição total ou parcial do recurso. Como tal não foi feito no caso concreto, também por esta via alternativa se determina a revogação do acórdão recorrido”. Ora, sendo esta decisão diametralmente oposta à proferida no acórdão recorrido, sobre a mesma questão de direito, justifica a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência, o que se requer. Começando por este aspecto diremos que a pretensão de uniformização de jurisprudência dos recorrentes é manifestamente inviável. A admissibilidade do correspondente recurso extraordinário (art. 627º nº 2), implica que o acórdão recorrido esteja, tal como resulta do art. 688º, “em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito”. Ou seja, o objecto específico deste recurso é sempre uma decisão do STJ, já transitada em julgado, mas não há mais de 30 dias (art. 689º nº 1). Ora isto não ocorre no caso vertente pois, no próprio dizer dos AA., o que está em causa é uma decisão da Relação (o acórdão recorrido) e um aresto do STJ. Não existindo um conflito, ou contradição, da jurisprudência do STJ, o pretendido recurso de uniformização de jurisprudência não será possível[2]. Conheçamos, então, do mérito do acórdão recorrido. Como se viu, o aresto recorrido rejeitou a apreciação da apelação dos AA. recorrentes, ao abrigo do disposto no artigo 641º, nº 2, al. b), por as suas alegações não conterem verdadeiras conclusões. Sustentam os recorrentes que a situação dos autos não poderá confundir-se com a mera falta de conclusões, mas antes com uma situação de prolixidade que deve ser objecto de convite à correcção, dado que os recorrentes quiseram, efectivamente, apresentar e apresentaram, as suas conclusões. Estas poderão ser complexas e demasiado extensas, das mesmas constando argumentação que poderia integrar apenas o corpo das suas alegações, mas foi seu propósito o cumprimento integral de tudo quanto se mostra legalmente estipulado no que concerne a essas mesmas conclusões de recurso, quer em termos de matéria de direito, sendo que o que transparece é um eventualmente o excesso de zelo, no sentido em que nada deixasse de ser sujeito a apreciação pelo tribunal. Nestes casos, em que o tribunal entenda que as conclusões pecam por excesso, deve o mesmo convidar a parte a aperfeiçoá-las, conforme se dispõe no art. 639° nº 3. Decidindo de outro modo, o acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto no art. 639°. Vejamos: Estabelece o art. 639º nº 1 que o recorrente, nas suas alegações, deve concluir “de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” Se o recorrente impugnar apenas a decisão de direito, as conclusões devem conter as especificações indicadas no nº 2 do art. 639º, sendo que a falta dessas especificações poderá ser sanável, mediante o convite previsto no nº 3. Ou seja, quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada. Porém se o recorrente pretender recorrer da decisão de facto, tem o ónus de cumprir as exigências previstas no art. 640º “sob pena de rejeição”, designadamente a indicação os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (als. a), b) e c)). Por outro lado, resulta do art. 635º nº 4 que as conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso, e, assim, têm como função essencial a demarcação dos poderes de cognição do tribunal de recurso. A falta de conclusões das alegações impede inevitavelmente o conhecimento do recurso, ou seja, origina a sua peremptória rejeição, como decorre do já referido art. 640º nº 1. Neste sentido acrescenta o art. 641º nº 1 al. b) que o juiz deve indeferir o recurso quando, entre outras hipóteses, o requerimento não contenha conclusões. Foi precisamente neste dispositivo que o acórdão recorrido se baseou para indeferir o recurso. A questão que se coloca será a de saber se o requerimento de recurso contem, ou não, conclusões e se no caso de as mesmas serem consideradas deficientes, obscuras, complexas, o relator deveria ter convidado os recorrentes a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada. Compulsando as conclusões indicadas nas alegações da apelação, verifica-se o seguinte: Os recorrentes formularam dezasseis conclusões. Nas três primeiras, não desenvolvem qualquer síntese conclusiva já que se limitam a mencionar a decisão proferida em 1ª instância, com a qual se não conformam, e a fazer uma referência aos factos dados como provados. Na quarta e seguintes, os recorrentes impugnam a matéria de facto considerada como não provada, sustentando a matéria que, no seu prisma, deveria ser dada como assente (5ª conclusão), indicando os depoimentos em que baseiam a sua pretensão e o que essas testemunhas referiram (conclusões 6ª, 7ª, 8ª, 9ª), fazendo considerações sobre outras provas efectuadas e sobre o que deve ser considerado demonstrado (conclusões10ª a 15ª), tendo concluído afirmando os dispositivos legais que o tribunal recorrido terá infringido (conclusão 16ª). A final, em resumo, defendem a modificação da matéria de facto, referenciando a factualidade que nessa alteração deverá ser incluída, designadamente defendendo a mutação aos pontos nºs 13º, 15º, 52º e 53 (estes dois parcialmente), 55º e 58º da base instrutória. Ou seja, a nosso ver, a partir da quarta conclusão manifestaram a razão de discordância com o decidido indicando os fundamentos por que pedem a alteração da decisão (sobre a matéria de facto que referenciaram). Evidentemente que os recorrentes poderiam ter sido mais sintéticos e objectivos na indicação desses fundamentos. Isto é, os apelantes poderiam, através de proposições sintéticas resultante das alegações, aludir aos fundamentos ou razões jurídicas por que pretendem obter a alteração da decisão recorrida e a procedência do recurso. No entanto, com algum critério e sem grande esforço será possível discernir os pontos de discordância dos recorrentes em relação à decisão de que recorrem e que levaram a descrever o que apelidaram de conclusões. De resto, a parte contrária entendeu tais pontos de desacordo não se nos afigurando que tenha tido qualquer dificuldade em compreender a impugnação da matéria de facto realizada[3], tanto é que lhe respondeu (cabalmente) com referência aos meios de prova que foram produzidos[4]. Não existe, assim, uma “omissão absoluta” ou “falta de conclusões” que deva levar à radical rejeição do recurso. Pelo contrário, a nosso ver, a exigência da sintetização a que alude o art. 639º nº 1 mostra-se razoavelmente cumprida[5]. Como se afirmou no acórdão deste STJ de 29/04/2008 de que foi relator, o relator do presente acórdão (www.dgsi.pt/jstj.nsf) “temos para nós que o disposto no art. 690º nº 4 (hoje art. 641º nº 2 al. b)) conducente ao não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda, quando a síntese ordenada se não faça de todo. No caso de entender que a síntese ordenada não foi suficientemente condensada, deve o julgador proceder ao pertinente resumo, delineando as questões a conhecer. A aplicação do direito deve ser feita de forma sensata, equilibrada e respeitando os princípios gerais que inspiram as normas. Por detrás do dispositivo em causa (art. 690º nº 4), estão razões de clareza e perceptibilidade do objecto da impugnação, proporcionando a concretização do contraditório e balizando a decisão. Ora se, no caso vertente, … se a decisão poderá ser demarcada porque as questões colocadas … são claras, parece-nos que não se deve fazer uso da radical determinação de não se conhecer do objecto do recurso”. Em sentido idêntico e em situação paralela, ponderou-se no acórdão de 28/04/2016 deste STJ (www.dgsi.pt/jstj.nsf) que “sem ceder a facilitismos que acabem por desprezar os objectivos e os fundamentos do ónus de alegação previsto no art. 640º do CPC, não é legítimo que se faça do regime vigente uma interpretação excessiva, como a que se recolhe do acórdão recorrido que não encontra tradução no preceituado no art. 640º do CPC, representando uma inaceitável sobreposição de aspectos de ordem formal numa situação em que se mostra razoavelmente cumprido o ónus de alegação”. Em síntese, se as conclusões estão redigidas de modo compreensível, habilitando o tribunal a conhecer e compreender os fundamentos de impugnação aduzidos pelos apelantes e se a parte contrária respondeu a tal oposição com coerência e com referência aos meios de prova que foram produzidos, não se deve usar do extremo expediente de indeferimento a que alude o art. 641º nº 2 al. b). Por consequência, não se justificou, no caso, a rejeição do recurso de apelação dos AA. no que toca à impugnação da decisão da matéria de facto. Assim, o recurso deve proceder.
Dado este entendimento, resulta destituído de sentido prático e, por conseguinte, prejudicado, o convite do relator aos recorrentes para completarem, esclarecerem ou sintetizarem as conclusões, nos termos do art. 639º nº 3.
III- Decisão: Por tudo o exposto, revoga-se o acórdão recorrido, determinando-se a remessa dos autos à Relação para que seja apreciado o mérito da apelação dos AA. Custas pela parte vencida a final.
Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7): A admissibilidade do recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, implica que o acórdão recorrido esteja “em contradição com outro anteriormente proferido pelo mesmo tribunal, no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito”. Ou seja, o objecto específico deste recurso é sempre uma decisão do STJ, já transitada em julgado, mas não há mais de 30 dias (art. 689º nº 1), situação que não ocorre no caso vertente em que não está em causa uma decisão do STJ (mas sim um aresto da Relação) já transitada em julgado, mas não há mais de 30 dias. Não existindo um conflito, ou contradição, da jurisprudência do STJ, o pretendido recurso de uniformização de jurisprudência não será possível Nos termos do art. 641º nº 1 al. b) que o juiz deve indeferir o recurso quando, entre outras hipóteses, o requerimento não contenha conclusões, tendo sido com base neste pressuposto que o acórdão recorrido se baseou para indeferir o recurso. Não existe, no caso, uma “omissão absoluta” ou “falta de conclusões” que deva levar à radical rejeição do recurso, já que a exigência da sintetização a que alude o art. 639º nº 1 mostra-se razoavelmente cumprida. Se as conclusões estão redigidas de modo compreensível, habilitando o tribunal a conhecer e compreender os fundamentos de impugnação aduzidos pelos apelantes e se a parte contrária respondeu a tal oposição com coerência e com referência aos meios de prova que foram produzidos, não se deve usar do extremo expediente de indeferimento a que alude o art. 641º nº 2 al. b). ------------------- |