Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL DANO BIOLÓGICO DANOS FUTUROS CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO EQUIDADE ACIDENTE DE VIAÇÃO MOTOCICLO ACIDENTE DE TRABALHO | ||
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Data do Acordão: | 01/30/2025 | ||
Nº Único do Processo: | |||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O dano biológico, enquanto causador de uma incapacidade permanente geral, que impõe ao lesado esforços acrescidos no desempenho da sua profissão, sem repercussão na remuneração, é indemnizável como dano patrimonial futuro, que na impossibilidade de ser quantificada deve ser fixada com recurso à equidade (art. 566º/3 do CCivil). II – Mostra-se equilibrada e conforme com os critérios da jurisprudência mais recente do STJ, a indemnização de €40.000,00 fixada na Relação a um lesado, operador de máquinas, com 45 anos à data do acidente, que ficou com uma IPG de 8 pontos, que o impossibilita de executar algumas das tarefas da sua profissão, e a desempenhar as demais com esforço acrescido. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, instaurou contra Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A., ação declarativa de condenação peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe: (i) a quantia global líquida de €179.521,37, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo pagamento e (ii) e a quantia que corresponder à indemnização ilíquida que vier a ser fixada em decisão ulterior ou liquidada em incidente de liquidação. Regularmente citada, contestou a Ré, aceitando parte dos factos relativos à dinâmica do acidente de trânsito alegado e impugnando os demais. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente nos seguintes termos: “(…) condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia global líquida de €103.981,35, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de €73.981,35, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de €30.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efetivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que o Autor comprovar ter despendido com medicamentos analgésicos para atenuar ou debelar as dores no joelho esquerdo e nos tratamentos médicos regulares incidentes sobre as referidas lesões, nomeadamente, uma consulta de ortopedia por ano, até ao fim da vida. “…”. Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré para a Relação de Guimarães, com parcial sucesso pois que aquele Tribunal decidiu a apelação nos seguintes termos: “fixar em quarenta mil euros (€40.000,00) a indemnização por dano biológico devida ao lesado, ao invés dos €85.364,00 fixados na sentença, valor ao qual deve ser deduzido o montante de €22,841,42 correspondentes ao capital de remição recebido pelo autor/recorrido, mais se deliberando que os juros, à taxa supletiva legal, incidirão desde a data de citação sobre a quantia de €28.617,08 mantendo-se o mais decidido quanto ao momento do início da contagem do prazo dos juros relativos à quantia fixada a título de danos não patrimoniais; julga-se improcedente o recurso quanto ao mais, confirmando-se a sentença recorrida na parte restante.” É a vez do Autor interpor recurso de revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões: 1a - Ao reduzir o quantum indemnizatório a liquidar pela Ré ao A. a título de indemnização do dano biológico por este sofrido em consequência do sinistro do montante de € 85.364,00 -arbitrado pelo tribunal de Ia instância - para a quantia de € 40.000,00 o tribunal a quo fez errada aplicação do direito ao caso concreto, pois que esta quantia é manifestamente insuficiente para ressarcir aquele dano. 2a - O presente recurso de revista visa, assim, a alteração da decisão de direito. designadamente no que à quantificação de uma indemnização equitativa e justa para ressarcir os dano biológico futuro sofrido pelo Recorrente nos termos que resultam dos factos dados como provados. 3a - Resulta da factualidade dada como provada, designadamente das alíneas aaa), cccc), dddd), eeee), ffff), gggg), hhhh), iiii), jjjj), kkkk), 1111), mmmm), nnnn), rrrr), uuuu)m ww) e wwww) dos Factos provados da sentença proferida pelo tribunal de Ia instância - e mantida pelo acórdão recorrido -, bem como do relatório pericial de avaliação do dano corporal do Gabinete Médico-Legal de fls. 216 a 220, que o Autor, ora Recorrente, em consequência do sinistro, ficou a padecer de várias sequelas que, não obstante serem compatíveis com a actividade de operador de máquinas de Biomassa e Turbinas de Vapor - operador de CHP -Ciclos Combinados de Turbinas de Gás Natural ligado a uma Caldeira, implicam esforços suplementares. 4a - Efectivamente, resulta do exame médico efectuado pelo Gabinete Médico-Legal (pag. 216 a 220) e dos factos provados que, em virtude das lesões e sequelas sofridas, o Recorrente: - ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psiquica de 8 pontos - ponto kkkk) dos Factos provados da sentença recorrida; - ficou com limitação de mobilidade (alinea fiii) da alínea dddd) dos Factos provados): - ficou com dificuldades em subir e descer escadas e escadotes, bem como caminhar em terrenos irregulares e em se ajoelhar em superfícies rijas (alínea eeee) dos Factos provados); - ficou a padecer de dores não nível do joelho esquerdo, diárias e localizadas, sendo mais intensas com esforços físicos (aliena ffff) dos Factos provados); - deixou de conseguir apanhar transportes públicos, uma vez que não consegue caminhar 2 quilómetros entre a sua casa e a paragem (alínea gggg) dos Factos provados); - passou a ter dificuldade em conduzir grandes trajectos por causa das dores nos joelhos (alínea hhhh) dos Factos provados); - passou a ter que tomar medicação analgésica para as dores no joelho (alínea jjjj) dos Factos provados); - teve que deixar de exercer as funções que exercia como operador de máquinas e biomassa e turbinas a vapor, bem como a maioria das tarefas que exercia, tendo passado a exercer funções no sector da recepção do ..., cujas tarefas são mais simples, executadas na posição de sentado e implicam menos força e esforço físico - cfr. alíneas qqqq). rrrr). ssssj, ttttl uuuul wwl e wwww) dos Factos provados. 5a - Ora, tendo sido atribuído um défice funcional permanente de 8 pontos, é evidente que tal representa uma perda de capacidade de ganho de igual proporção, atentos os esforços acrescidos que o mesmo tem que fazer, com a consequente lentificação da sua prestação profissional daí decorrente. 6a - Ora, Para a fixação da indemnização pelo dano futuro sofrido pelo Autor/Recorrente, era necessário ter em conta os seguintes factos: a) o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente para a integridade físico-psíquica de 8 pontos (alínea kkkk) dos Factos provados); b) as sequelas por si sofridas, sendo compatíveis com a actividade habitual, implicam esforços suplementares (alíneas qqqq). rrrr.i. ssss) tttt). uuuul ww) e wwww) dos Factos provados): c) A consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 12 de Abril de 2021 (alínea 1111) dos Factos provados); d) O Autor auferia como trabalhador por conta da sociedade "D..., S.A." uma remuneração anual de € 36.436,14 (alínea ssss) dos Factos provados); e) O Autor contava 46 anos à data do sinistro, tendo nascido em ... de ... de 1974 f alínea PPP dos Factos provados). 7a - Atento o salário auferido pelo Recorrente, o grau do défice funcional permanente para a integridade físico psíquica de que o mesmo ficou a padecer (8 pontos), a sua idade (46 anos) e a esperança média de vida, era justa e equitativa para ressarcir o dano futuro sofrido pelo Recorrente uma quantia não inferior a € 86.000,00 (oitenta e seis mil euros). 8a - Nessa medida, ao reduzir a indemnização pelo dano biológico futuro da quantia de € 85.364,00 para a quantia de € 40.000,00, o tribunal recorrido procedeu a uma errada interpretação e aplicação do direito à factualidade que resultou provada, violando, entre outras, as disposições dos art°.s 562°, 563°, 564°, n° 1 e 2, 566°, n° 2 e art°. 70° do Cód. Civil, bem como o art°. 25°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa. Na resposta, a Recorrida pugna pelo improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido. Dispensados os vistos, cumpre decidir. A uma única questão se resume a revista: o valor da indemnização a título de “dano biológico”. /// Fundamentação. Vêm provados os seguintes factos: 1. No dia ... de ... de 2020, pelas 16,10 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Rua do ..., no local em que esta via configura um entroncamento com a Rua de ... – que, no sentido Nascente-Poente, dá acesso, da Rua do ..., ao interior da freguesia de ..., concelho de ... -, no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ...; 2. Nesse acidente, foram intervenientes os seguintes veículos automóveis: 1º. – o motociclo de matrícula ..-SZ-..; 2º. – o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-..; 3. A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o veículo de matrícula ..-SZ-.. encontra-se inscrita a favor do Autor na Conservatória do Registo Automóvel, mediante a Ap. ...37, de 21.06.2017, conforme se retira da certidão junta aos autos a fl. 41 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 4. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o SZ era conduzido pelo Autor; 5. A aquisição do direito de propriedade incidente sobre o veículo de matrícula ..-GR-.. encontra-se inscrita a favor de BB na Conservatória do Registo Automóvel, mediante a Ap. ...25, de 26.04.2013, conforme se retira da certidão junta aos autos a fl. 47v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 6. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era conduzido por CC; 7. A qual conduzia o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., em consequência de empréstimo que lhe havia sido efetuado pelo seu proprietário; 8. Na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a CC conduzia o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., à ordem, com conhecimento, por conta, com autorização, no interesse e sob a direção efetiva do supra-referido BB; 9. A Rua do ..., no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, configura um traçado retilíneo; 10. A sua faixa de rodagem está aberta aos dois sentidos de tráfego, pois permite o trânsito automóvel que flui no sentido Norte-Sul, ou seja, P...-B..., E permite o trânsito automóvel que flui no sentido Sul-Norte, ou seja, B...-P...; 11. Para o efeito, a faixa de rodagem da Rua do ... encontra-se dividida em duas hemifaixas de rodagem distintas; 12. Uma dessas hemifaixas de rodagem, a situada do lado Nascente, destina-se ao trânsito que desenvolve a sua marcha no sentido Sul-Norte:Barroselas-Portela Susa; a outra dessas hemifaixas de rodagem, a situada no lado Poente, destina-se ao trânsito que desenvolve a sua marcha no sentido Norte-Sul: P...-B...; 13. A faixa de rodagem da Rua do ... tinha e tem uma largura total de 05,40 metros; 14. Cada uma das suas supra-referidas hemifaixas de rodagem tem uma largura de (05,40 : 2) 02,70 metros; 15. O piso da faixa de rodagem da Rua do ... era, como é, pavimentado a asfalto. 16. O tempo estava bom e seco, de sol aberto; 17. E o pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Rua do ... encontrava-se limpo, seco e em bom estado de conservação, pois não apresentava, nem apresenta, quaisquer ondulações, fissuras, soluções de continuidade ou buracos; 18. A faixa de rodagem da Rua do ..., à data da deflagração do sinistro que deu origem à presente ação, não era, como não é, na presente data, ladeada, por quaisquer bermas; 19. Em sua substituição, pela sua margem direita, tendo em conta o sentido Norte- Sul, ou seja, P...-B..., apresentava e apresenta, um passeio, destinado ao trânsito de peões, com uma largura de 0,80 metros; 20. O piso desse passeio, destinado ao trânsito de peões, era, como é, pavimentado a argamassa de cimento; 21. O plano configurado pelo pavimento cimentado do referido passeio, destinado ao trânsito de peões, situava-se e situa-se a um nível superior em quinze (15,00) centímetros em relação ao plano configurado pelo pavimento asfáltico da faixa de rodagem da Rua do ...; 22. Esse desnível de quinze (15,00) centímetros era, como é, vencido através de uma guia/lancil, em cimento, com essa altura de quinze (15,00) centímetros, e pela sua margem esquerda, tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, P...-B..., apresentava e apresenta um rego ou valeta destinado escoamento e drenagem das águas pluviais, com o seu leito pavimentado a argamassa de cimento, em forma de “V” côncavo, com a largura de um (01,00) metro e com a profundidade de 0,45 metros; 23. A visibilidade, no local da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era, como é, muito boa; 24. A faixa de rodagem da Rua do ... encontrava-se e encontra-se dividida, ao meio, através de uma Linha com Soluções de Continuidade – LINHA DESCONTÍNUA: MARCA M2; 25. Pelo que apresentava e apresenta duas (02,00) hemifaixas de rodagem; 26. Nas referidas circunstâncias temporais – no dia ... de ... de 2020, pelas 16,10 horas - o Autor conduzia o seu supra-referido motociclo de matrícula ..-SZ-.., pela Rua do ..., na freguesia de ..., concelho de ...; 27. O motociclo de matrícula ..-SZ-.. – propriedade do Autor e, na altura, por ele próprio conduzido - desenvolvia a sua marcha no sentido Norte-Sul, ou seja, P...-B...; 28. O motociclo de matrícula ..-SZ-.. transitava rigorosamente pela metade direita da faixa de rodagem da referida via – Rua do ... -, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha: Norte-Sul, ou seja, P...-B...; 29. Quando rodava nas circunstâncias supra-referidas, depois de o Autor – AA - ter travado, como travou, o motociclo que conduzia; 30. O motociclo de matrícula ..-SZ-.. – conduzido pelo Autor e de sua propriedade -, foi embater, como embateu, contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., conduzido pela supra-referida CC; 31. Ao mesmo tempo que o motociclo de matrícula ..-SZ-.. – conduzido pelo Autor e de sua propriedade – foi, também ele, embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., tripulado pela CC; 32. Momentos antes da ocorrência do acidente que deu origem aos presentes autos, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.. transitava, também, pela Rua do...; 33. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., porém, desenvolvia a sua marcha em sentido inverso ao seguido pelo motociclo de matrícula ..-SZ-.. – tripulado pelo Autor; 34. Ou seja, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., transitava no sentido Sul-Norte:Barroselas-Portela Susã; 35. Inicialmente, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.. transitava pela metade direita da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Barroselas-Portela Susã; 36. A condutora do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR- .. – CC - pretendia efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda; 37. Penetrar, com o ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., na Rua ..., que entronca com a Rua do ..., pela margem esquerda desta via, tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Barroselas- Portela Susã; 38. Ao chegar ao local do supra-referido entroncamento – ou seja, ao chegar ao local da confluência da Rua ... -, a CC imobilizou o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Barroselas-Portela Susã; 39. Para arrancar com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..- GR-.., efetuar a manobra de mudança de direção à sua esquerda e penetrar na ..., a fim de prosseguir a sua marcha através da referida via - Rua ... -, no sentido Nascente- Poente; 40. Não se apercebeu da presença e da aproximação do motociclo de matrícula ..- SZ-.., tripulado pelo Autor, nem se apercebeu de que o referido motociclo de matrícula ..-SZ-.., naquele preciso momento, transitava, pela Rua do ..., no sentido Norte-Sul, ou seja, P...-B...; 41. Pela metade direita da faixa de rodagem da referida via, tendo em conta o seu indicado sentido de marcha – Norte-Sul, ou seja, P...-B...; 42. Por essa razão, a CC, de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, arrancou, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-..; 43. E invadiu, com o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR- .., a metade esquerda da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Sul-Norte, ou seja, Barroselas-Portela-Susã: a metade direita da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul ou seja, P...-B..., que estava reservada à circulação do motociclo de matrícula ..-SZ-.., tripulado pelo Autor; 44. E por onde, naquele preciso momento, transitava o motociclo de matrícula ..- SZ-.. tripulado pelo Autor; 45. Desse modo, a CC atravessou o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., nessa metade direita da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Norte- Sul, ou seja, P...-B...; 46. Sendo certo que a CC colocou, desse modo, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., na linha de trajetória seguida pelo motociclo de matrícula ..-SZ-.. – tripulado pelo do Autor; 47. O Autor AA, condutor do motociclo de matrícula ..-SZ-.., ainda travou, pois acionou, de forma rápida e imediata, os travões do motociclo que tripulava; 48. Não conseguiu, porém, evitar o acidente; 49. Pelo que foi embater, como embateu, com o motociclo de matrícula ..-SZ-.., contra o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-..; 50. Ao mesmo tempo que o motociclo de matrícula ..-SZ-.. foi, também ele, embatido pelo veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.., e, na altura, conduzido pela CC; 51. O embate ocorreu, assim, totalmente sobre a metade direita da faixa de rodagem da Rua do ..., tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, P...-B...; 52. E essa colisão verificou-se entre a parte lateral direita frente, ao nível do guarda-lamas do mesmo lado, do veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ..-GR-.. e a parte da frente, ao nível da sua roda frontal, do motociclo de matrícula ..-SZ-..; 53. Em consequência do embate supradescrito, o Autor sofreu traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, traumatismo torácico, traumatismo da perna esquerda, traumatismo do joelho esquerdo, fratura do corno posterior do menisco medial do joelho esquerdo, com meniscectomia, fratura da rótula do joelho esquerdo, rotura do menisco do joelho esquerdo, arrancamento do ligamento cruzado anterior e posterior do joelho esquerdo, feridas incisas no joelho esquerdo, com quinze (15,00) centímetros de comprimento, rotura da cartilagem do joelho esquerdo, rotura do menisco medial do joelho esquerdo, rotura completa do renitáculo medial do joelho esquerdo, com desinserção patelar + MI corno posterior + LCP avulção tibial, esfacelo anterior do joelho esquerdo, entorse do joelho esquerdo, distensões do joelho esquerdo e da perna esquerda, escoriações na perna esquerda, escoriações nas duas mãos e hematomas espalhados pelo corpo; 54. O Autor foi transportado, de ambulância, para a Unidade Local de Saúde d. .... ...... ... . ...... ... -, de ..., onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respetivo Serviço de Urgência, e onde lhe foram efetuados exames radiológicos, ecografias e ressonâncias às regiões do seu corpo atingidas; 55. Foram-lhe, aí, prescritos medicamentos vários, nomeadamente, analgésicos, antibióticos e anti-inflamatórios, os quais o Autor se viu na necessidade de tomar e de ingerir; 56. Foram-lhe, aí, efetuadas lavagens, desinfeções e curativos às feridas sofridas – joelho esquerdo; 57. Foi-lhe, aí, efetuada sutura das feridas sofridas no joelho esquerdo, com a aplicação de trinta (30) pontos de seda; 58. Foi-lhe, aí, efetuada imobilização da perna esquerda, com a aplicação de uma ligadura, com tala de aço; 59. A qual lhe passou a envolver o membro inferior esquerdo, desde a coxa até ao pé; 60. O Autor viu-se na necessidade de usar essa ligadura, com tala de aço, e canadianas, para se locomover, até ser operado ao joelho; 61. O Autor manteve-se, no Hospital 1 – até ao dia seguinte, em Observações; 62. No dia 23 de Fevereiro de 2020, o Autor obteve alta hospitalar, para o domicílio e regressou à sua casa de habitação, onde se manteve doente, combalido, medicado e em repouso, ora na cama, ora num sofá; 63. A partir da data da sua alta – 23/02/2020 -, do Hospital 1 -, o Autor passou a ser seguido, acompanhado e tratado pelos Serviços Clínicos da Companhia de Seguros “GENERALI COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.”, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, no Hospital Particular de 2, desde o mês de fevereiro de 2020, até ao mês de fevereiro de 2021; 64. No Hospital Particular de 2, o Autor recebeu curativos às feridas sofridas, no joelho esquerdo e na perna esquerda, mudança e substituição de pensos; 65. No dia 6 de maio de 2020, o Autor deu entrada no Hospital Particular de 2, em regime ambulatório, fez análises clínicas, foi-lhe administrada uma anestesia geral e foi submetido uma intervenção cirúrgica, ao menisco medial do joelho esquerdo; 66. Seguida de tratamento conservador do menisco medial do joelho esquerdo; 67. O Autor manteve-se, no Hospital Particular de 2, durante um dia - das 14,00 horas, até às 21,00 horas; 68. No Hospital Particular de 2, foi-lhe substituída a ligadura, com tala de aço, ao longo do membro inferior esquerdo; 69. No dia 6 de maio de 2020, o Autor obteve alta do Hospital Particular de 2; 70. E regressou à sua casa de habitação a caminhar com o auxílio de um par de canadianas, após o que continuou a frequentar o Hospital Particular de 2, onde lhe continuaram a ser efetuados curativos e mudança e substituição de pensos, na região do joelho esquerdo; 71. O Autor viu-se na necessidade de usar a ligadura, com tala de aço, na perna esquerda, durante quinze dias, após a sua alta do Hospital Particular de 2; 72. Após o que, também, no Hospital Particular de 2, passou a frequentar tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia, ao longo de 20 sessões, consubstanciadas em massagens e exercícios físicos; 73. Em junho de 2020, foi-lhe diagnosticada ruptura completa do renitáculo medial do joelho esquerdo, com desinserção patelar + MI corno posterior + LCP avulção tibial; 74. No dia 20 de agosto de 2020 o Autor foi internado na Casa de Saúde d. ........, da cidade ..., onde se manteve – internado -, ao longo de um período de tempo de um dia; 75. Aí fez análises clínicas, foi-lhe administrada uma anestesia geral; 76. E foi submetido a uma nova intervenção cirúrgica, consubstanciada na reconstrução do menisco medial do joelho esquerdo – MENISCECTOMIA -, correção da rótula do joelho esquerdo e extração de corpos estranhos – alcatrão – da região do joelho esquerdo; 77. Após a realização da referida intervenção cirúrgica – em 20 de agosto de 2020 -, o Autor regressou à sua casa e habitação, a caminhar com o auxílio de um par de canadianas, que usou ao longo de um período de tempo de um mês, com o seu membro inferior esquerdo imobilizado, com uma ligadura de tecido, com tala de aço; 78. A partir do dia 23.09.2020, o Autor passou a frequentar novo plano de tratamento de Medicina Física e Reabilitação (MFR) – Fisioterapia -, no Hospital Particular de 2, ao longo de 130 sessões, à região do membro (joelho) inferior esquerdo, consubstanciadas em massagens, electrochoques, calores húmidos e exercícios físicos; 79. No dia 19 de fevereiro de 2021, o Autor obteve alta, por acidentes de trabalho, com Incapacidade Temporária Parcial – ITP de 40%; 80. No momento do embate e nos instantes que o precederam, o Autor assustou-se; 81. Em consequência do embate supradescrito, o Autor ficou, no membro inferior esquerdo, com cicatrizes de aspeto cirúrgico, hiperpigmentadas, castanhas, não hipertróficas e não aderentes aos planos profundos, situadas: (i) no terço interior da face anterior da coxa, em sentido horizontal, com 20 cm por 1 cm; (ii) na face anterior do joelho, verticalmente, com 5 cm; (iii) na face posterior do joelho, cicatriz ténue, hiperpigmentada, com 9 cm; (iv) três cicatrizes de 1 cm cada uma, na face anterior do joelho; (v)duas cicatrizes hiperpigmentadas, de bordos irregulares, ligeiramente atróficas, não aderentes aos planos profundos, no terço médio da face anterior da perna, a superior com 3 cm e a inferior com 7 cm; 82. Em consequência do embate supradescrito, o Autor ficou ainda a padecer, no membro inferior esquerdo, de (i) amiotrofia da coxa de 1,5 cm, medida a 15 cm do pólo superior (com 51 cm à esquerda e 52,5 cm à direita), (ii) sinal da gaveta anterior ligeiramente positivo, assim como queixas álgicas ao testar ambos ligamentos laterais, e (iii) limitação da mobilidade realizando um arco de flexão de 0º a 80º; 83. Em consequência as lesões e sequelas sofridas, o Autor ficou com dificuldade em subir e descer escadas e escadotes, assim como em caminhar em terrenos irregulares, em correr ou saltar e em se ajoelhar sobre superfícies rijas; 84. Passou a sentir dores ao nível do joelho esquerdo, diárias, localizadas, sendo mais intensas com os esforços físicos e com as mudanças climatéricas; 85. Deixou, em consequência das sequelas, a deixar de apanhar o transporte público uma vez que não consegue caminhar os dois quilómetros entre a sua casa e a paragem, tendo passado a ir para o trabalho de carro; 86. Passou a ter dificuldades em conduzir grandes trajetos por causa das dores no joelho; 87. Deixou de fazer caminhadas no monte e de correr ao domingo de manhã por causa das dores no joelho com o impacto; 88. Passou a ter necessidade de ingerir medicação analgésica em consequência das dores que sente no joelho em momentos de maior intensidade; 89. As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe: Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 4 dias; Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 412 dias; Um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 363 dias; Um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial de 52 dias; Um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7; Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos; Um Dano Estético Permanente fixável no grau 3, numa escala de 1 a 7; Uma repercussão permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 1, numa escala de 1 a 7; 90. O Autor obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 12.04.2021; 91. O Autor passou a depender de tratamentos médicos regulares, para evitar um agravamento ou retrocesso das sequelas, que no caso se consubstanciam em consultas de ortopedia, uma vez por ano; 92. O Autor passou a depender de ajudas medicamentosas, sem as quais não conseguirá ultrapassar as suas dificuldades em termos funcionais e nas situações de vida diária, que no caso se consubstanciam na toma de paracetamol em S.O.S.; 93. As lesões e sequelas de que ficou a padecer desgostam o Autor; 94. O Autor nasceu no dia ... de ... de 1974; 95. À data da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, o Autor, exercia, a profissão de Operador Industrial – Fogueiro, Operador de Máquinas de Biomassa e Turbinas de Vapor – Operador de C.H.P. – Ciclos Combinados de Turbinas de Gás Natural Ligado a uma Caldeira -, por conta da sociedade “D..., S.A.” (antiga “P....... .....”); 96. O desempenho da sua referida profissão de Operador de Máquinas de Biomassa e Turbinas de Vapor – Operador de C.H.P. – Ciclos Combinados de Turbinas de Gás Natural Ligado a uma Caldeira -, por conta da sociedade “D..., S.A.” (antiga “P....... .....”), exigia-lhe: (i) manter-se permanentemente na posição de pé; (ii) subir e descer escadas, ao longo de cinco e oito pisos; (iii) carregar e transportar objetos pesados; (iv) proceder ao desencravamento de tapetes, em acessos difíceis, com esforço físico; 97. Se estivesse ao trabalho, o Autor, desde o dia 22 de fevereiro de 2020, até ao dia 12 de abril de 2021, teria auferido, por conta da sua entidade patronal – “D..., S.A.” -, o seguinte rendimento do seu trabalho: (i) ordenados, € 24.338,13; (ii) subsídios, € 8.648,31; (iii) subsídios de férias e de Natal, € 3.739,70; (iv) no valor global de € 36.436,14; 98. Durante o referido período de tempo, o Autor auferiu, por acidente de trabalho e pela sua entidade patronal, o rendimento global do seu trabalho de: (i) ordenados, € 19.575,56; (ii) subsídios € 1.662,09; (iii) € 3.739,70; (iv) no valor global de € 24.977,35; 99. Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o Autor deixou de conseguir subir e descer da caldeira cujo acesso tem 400 degraus, sem elevador, e deixou de poder gatinhar pelas estruturas e plataformas industriais; 100. Por essa razão e por incapacidade física, como consequência direta e necessária do acidente e trânsito que deu origem à presente ação, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o Autor passou a desempenhar o seu trabalho por conta da sua referida entidade patronal “D..., S.A.” (antiga “P....... .....”), no sector da receção do ..., cujas tarefas são mais simples, executadas na posição de sentado e exigem menor força e esforço físico, nomeadamente: (i) supervisionar a entrada de todo o material lenhoso, garantindo o cumprimento das normas de qualidade estabelecidas; (ii) preenchimento de base de dados em sistema informático SAP e outros, de informação quantitativa e qualitativa de todas as entradas de matérias primas e subsidiárias e as saída de produto acabado, subprodutos e biomassa; 101. Tendo deixado de desempenhar as seguintes tarefas profissionais que desempenhava antes do acidente de trânsito que deu origem à presente ação: (i) operar turbinas a gás que acionam dois alternadores de produção de energia elétrica, duas caldeiras recuperativas e seus auxiliares (desgaseificador), bombas de água de alimentação, compressores de ar), de acordo com o estabelecido no Regulamento da Profissão de Fogueiro e no manual de operação de equipamento; (ii) verificar, pelos indicadores, se as caldeiras não ultrapassam os parâmetros de funcionamento preestabelecidos, sendo os mais críticos as pressões e as temperaturas de vapor; (iii) operar uma turbina a vapor que aciona um alternador de produção de energia elétrica e fornece vapor para o processo, de acordo com o estabelecido no manual de operação do equipamento; (iv) responsável pela eficiente gestão da produção de energia elétrica (ativa, reativa e aparente) nas turbinas; (v) vigiar o trânsito de energia na interligação com a rede elétrica nacional; (vi) responsável pela ERM (estação de regulação e medida) de receção e distribuição de gás natural à fábrica de modo a assegurar as melhores condições processuais e de segurança; (vii) recolher amostras diversas de águas e condensados e executar análises laboratoriais para controlo de qualidade das mesmas; (viii) executar a preparar produtos químicos para o condicionamento de água das caldeiras; (xix) proceder à leitura, registo e interpretação de resultados provenientes de instrumentos de medida, efetuando as correções e ajustes necessários, de modo a assegurar as melhores condições de produção e segurança; (xx) elaborar relatórios de ocorrência do seu período de turno; (xxi) participar superiormente anomalias de funcionamento que não possa ou não deva corrigir; (xxii) zelar pelo estado de conservação do equipamento, e responsável pela consignação dos equipamentos das suas instalações para intervenção pela manutenção e eventualmente colaborar nesses mesmos trabalhos; (xxiii) responsável pela formação operacional de novos elementos na função; (xxiv) com o que deixou de auferir as seguintes quantias mensais do seu trabalho, que auferia antes do acidente de trânsito que deu origem à presente ação: complemento de férias pré-marcadas, € 43,60; subsídio de turno, € 28,75; prémio de risco (média mensal) € 116,80; trabalho em dia de feriado (média mensal), € 194,58; no valor global de € 383,73; 102. O Autor recebeu, a título de capital de remição, por acidente de trabalho, a quantia de € 22.841,42; 103. O Autor auferiu, no ano de 2019, o valor líquido de € 39.129,56; 104. O Autor despendeu € 54,00 em duas certidões da Conservatória do Registo Automóvel e € 10,00 numa certidão da Conservatória do Registo Civil; 105. Para a Ré estava transferida, à data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo de matrícula ..-GR-.., através de contrato de seguro titulado pela apólice nº ............10. O direito. No recurso está apenas em causa a indemnização a título do dano biológico, pugnando o Recorrente para que se repristine a decisão da 1ª instância que valorou aquele dano em €85.364,00, a que deduziu o valor de €22.841,42 correspondente ao capital de remição que o Autor recebeu no âmbito do processo laboral, perfazendo um valor final de € 62.522,58. Já o acórdão da Relação decidiu esta questão nos seguintes termos: “Atenta a factualidade provada, no cotejo com as considerações que supra expusemos, considerando ainda a idade do autor/recorrido, o seu défice funcional permanente, a sua retribuição, a circunstância de ter deixado de auferir o valor global de €383,73 por força da sua readaptação a outro posto de trabalho (cfr. facto provado wwww) e o recebimento imediato da prestação, afigura-se-nos que o montante fixado pelo tribunal recorrido fere os valores de justiça relativa face aos critérios seguidos pelo STJ, por excesso, reputando-se adequado, ao invés, fixar tal quantia em €40.000,00 (quarenta mil euros), ao invés dos €85.364,00 fixados pelo tribunal recorrido. A tal montante terá de ser subtraído o valor de €22.841,42 correspondentes ao capital de remição já recebido pelo autor em sede de processo de acidente de trabalho, ficando-se assim com um valor final de €17.158,58.” Vejamos se este entendimento é de confirmar. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se consolidado o entendimento de que a limitação funcional, ou dano biológico, em que se traduz essa incapacidade é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e não patrimonial. E tem sido considerado, no que aos primeiros respeita, os danos futuros decorrentes de uma lesão física não se reconduzem apenas à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão fundamental à saúde e à integridade física; por isso mesmo, não deve ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. Daí que ao arbitrar-se indemnização pelo dano patrimonial futuro deve ter-se em consideração não apenas a parcela dos rendimentos salariais directa e imediatamente perdidos em função do nível de incapacidade laboral do lesado, mas também o dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre. Como referido no acórdão deste Tribunal 09.05.2023, P. 7509/19, “o dano biológico que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir no respectivo rendimento salarial, consubstancia um “dano de esforço”, na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de uma maior actividade e esforço suplementar.” (Neste sentido, no plano jurisprudencial, por exemplo, os acórdãos do STJ de 16/06/2016 (p. nº 364/06), de 05/12/2017 (p. nº 505/15), de 22/02.2022 (p. 1082/19) e de 21/04/2022 (p. 96/18). No caso vertente, é indiscutível a existência de um dano biológico: - O Autor ficou com dificuldade em subir e descer escadas e escadotes, assim como em caminhar em terrenos irregulares, em correr ou saltar e em se ajoelhar sobre superfícies rijas; - O Autor, que à data do acidente exercia a profissão de Operador industrial – fogueiro, operador de máquinas de biomassa e turbinas de vapor – que lhe exigia manter-se permanentemente de pé, subir e descer escadas, carregar e transportar objectos pesados, percorrer estruturas e plataformas industriais, deixou de poder exercer aquele tipo de tarefas, tendo passado a desempenhar, na mesma empresa, tarefas mais simples, que exigem menor força e esforço físico; - Passou a sentir dores ao nível do joelho esquerdo, diárias, localizadas, sendo mais intensas com os esforços físicos e com as mudanças climatéricas; - Deixou, em consequência das sequelas, de apanhar o transporte público uma vez que não consegue caminhar os dois quilómetros entre a sua casa e a paragem, tendo passado a ir para o trabalho de carro; - Passou a ter dificuldades em conduzir grandes trajetos por causa das dores no joelho. Demonstrada a existência de um dano biológico, cumpre calcular a indemnização ressarcitória, tarefa em que deve ser tomada em conta os padrões de indemnização adoptados, nos tempos mais próximos, pela jurisprudência, em casos análogos, sobretudo os arestos deste Supremo, uma vez que é ele, que, tendencialmente, profere a última palavra sobre os valores indemnizatórios a arbitrar, de forma a obter uma justiça relativa. (acórdãos do STJ de 21.01.2021, P. 6705/14 e de 07.12.2023, P. 1393/2023, acessíveis em www.dgsi.pt). Comumente, considera-se que a indemnização a atribuir por este dano, num juízo que necessariamente tem de recorrer à equidade (art. 566º, nº3, do CCivil), deve sê-lo em função dos seguintes factores: i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); ii) o seu grau de incapacidade geral e permanente; iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, com em actividades económicas alternativas; iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional do lesado, assim como das actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências). No caso vertente, o Autor à data do acidente tinha 45 anos, era, e é, operário industrial; no ano anterior ao acidente, 2019, auferiu o valor líquido de € 39.129,56; ficou afectado de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos; as limitações de que ficou a padecer não se traduziram em perda de rendimentos. Vejamos agora alguns exemplos da jurisprudência do STJ, consultáveis em www.dgsi.pt: Acórdão de 19.02.2015, P. 99/12: vítima com 43 anos à data do acidente; com IPP de 12%, sem perda de remuneração, a exigir “esforços suplementares”: €25.000,00 de indenização por dano biológico; Acórdão de 07.05.2024, P. 807/18: indemnização de €42.000,00 por dano biológico, em que o lesado ficou afectado de défice de 17 pontos, compatível com a profissão habitual, mas com esforço acrescido; Acórdão de 31.01.2023, P. 795/20: indemnização de €45.000,00 por dano biológico, a lesado, pintor da construção civil, que ficou afectado de um IPG de 17 pontos, que deixou de poder realizar algumas tarefas habituais que a sua profissão exige, como subir e descer escadas, carregar pesos acima de 45 kg, e de poder estar em pé por muito tempo; Acórdão de 16.11.2023, P. 1019/21: indemnização de €20.000,00 a lesado com 49 anos à data do acidente; défice de 4 pontos, compatível com o exercício da sua profissão, mas a exigir esforços suplementares. Acórdão de 30.04.2024, P. 1548/21; indemnização de €40.000,00 por dano biológico, em que o lesado, com 60 anos à data do acidente, ficou afectado de défice de 18 pontos, sem impossibilidade de exercer a profissão habitual, mas com esforço acrescido. Á luz dos exemplos citados, a indemnização de €40.000,00 fixada no acórdão recorrido para ressarcimento do dano biológico está em linha com os valores fixados por este STJ em casos análogos, sem que o Recorrente tenha demonstrado que mesma não é justa nem equitativa, motivo por que deve ser confirmada. A decisão da Relação que determinou que àquele valor deve ser deduzida a importância que o Recorrente recebeu a título de capital de remição, por o acidente ter sido também de trabalho, não vem questionada no recurso pelo que dela não cabe conhecer. Decisão. Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido. Custas pelo Recorrente. Lisboa, 30.01.2025 Ferreira Lopes (relator) Fátima Gomes Rui Manuel Duarte Machado e Moura |