Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1950/23.1T8PDL-B.L1-A.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA
DIVÓRCIO
BEM MÓVEL
INDIVISIBILIDADE
BEM COMUM DO CASAL
COMPOSIÇÃO DE QUINHÃO
ADJUDICAÇÃO
COMPROPRIEDADE
LICITAÇÃO
VENDA JUDICIAL
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
Data do Acordão: 11/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Em caso de partilha de bens comuns de casal, não tendo havido acordo sobre a adjudicação do único bem imóvel, indivisível, nem licitações sobre o mesmo, e não sendo possível constituir lotes de valor equilibrado que o possam abranger de modo a proceder ao seu sorteio, deve aplicar-se, por analogia, o art. 1117º, nº 2, al. b) do CPC e adjudicar esse bem em comum a ambos os interessados.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*

Nos autos de Inventário em que é requerente AA e requerido/cabeça de casal BB, destinado à divisão do património comum do dissolvido casal que foi constituído pelos ora interessados, foi realizada conferência de interessados, de cuja acta consta o seguinte:

(…)

Após, em referência à verba n.º 4 pela Mm.ª Juiz foram os interessados interpelados para esclarecerem se alcançaram acordo de adjudicação, na negativa, se pretendem a partilha do imóvel por sorteio, tendo por ambos sido declarado que não existe acordo de adjudicação do imóvel, nem de partilha do bem por sorteio.

Seguidamente, a Mm. ª Juiz procedeu à abertura de licitações relativamente ao imóvel, pelo valor base de 89.500,00 € (o valor da avaliação) não tendo nenhum dos interessados licitado o respetivo bem, pelo que pela Mm. ª Juiz foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Não tendo qualquer dos interessados licitado o bem imóvel e não havendo acordo para partilha do bem através da adjudicação ou sorteio, concedo a palavra aos interessados presentes a fim de requererem outra forma de partilha do bem.

Pelo Ilustre mandatário do cabeça de casal, no uso da palavra disse:

Requer que seja adjudicado em compropriedade e opõe-se à venda do bem.

Pelo Ilustre Patrono da requerente, no uso da palavra disse:

Requer que o bem imóvel seja vendido por negociação particular, sendo o produto da venda dividido entre ambos os interessados, em partes iguais, continuando a amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição a ser pago pelo cabeça de casal à entidade bancária conforme acordado.

Após, pela Mm. ª Juiz de Direito, foi proferido o seguinte:

DESPACHO

Conclua os autos para efeitos de pronúncia sobre a modalidade de partilha e homologação parcial do acordo de partilha.”

Após a conferência de interessados, foi proferida a seguinte decisão:

“ (…) Pelo exposto, em conformidade, indefere-se o requerimento do interessado BB de adjudicação do bem imóvel em compropriedade a ambos os interessados, e nos termos do disposto no artigo 833º do CPC determina-se a venda do imóvel, por negociação particular , devendo a seção indicar pessoa idónea para exercer as funções de encarregado da venda.

Custas do incidente pelo cabeça e casal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC. Notifique.”

Inconformado, o apelado BB interpôs recurso de apelação, tendo a Relação decidido da seguinte forma:

Pelo exposto, (…) acordam em julgar totalmente procedente a apelação apresentada e, revogando-se a decisão recorrida, determina-se em sua substituição por decisão, que de harmonia com o disposto no art. 1117º nº 2 al. b) do CPC, adjudique o imóvel id. nos autos a ambos os interessados em comum, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões”.

Não se conformou, desta vez, a requerente que interpôs recurso de revista do acórdão da Relação, no qual formulou as seguintes conclusões :

“a) - O presente recurso tem por objecto o douto acórdão proferido por este Venerando Tribunal que reverteu e revogou a decisão - sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância com a referência 57530007 respeitante a venda do imóvel , por negociação particular , pelo valor de avaliação de €89500,00 como a única forma á partilha .

b) - Considera o douto acórdão recorrido, que ora se impugna que no processo de inventário a venda de bens da herança , apenas se encontra prevista no caso de acordo dos interessados, por unanimidade ( artigo 1111.º n.º 2 alínea c) e que na ausência de acordo de interessados sobre a composição dos quinhões , e consideradas desertas as licitações relativamente a todos, ou alguns , dos bens da herança , tais bens serão adjudicados aos interessados em conformidade com os critérios previstos no artigo 1117.º , entre eles a adjudicação aos interessados dos bens da herança, em comum, na proporção da respectivas quotas em conformidade com o n.º 2 alínea b ) do mencionado artigo.

c) - Ora, o processo de inventário para partilha após divórcio tem por finalidade pôr termo à comunhão conjugal, e se assim é não sendo possível a partilha dos bens que integram o património comum do ex-casal por acordo adjudicação ou de sorteio ou através de licitações, não havendo bens da mesma natureza e valor que permitam ao tribunal formar lotes e proceder ao seu sorteio, na falta de acordo quando à adjudicação destes bens em compropriedade, não resta outra solução que não a de proceder-se à venda judicial de tais bens, única forma de preencher os quinhões, pois o preenchimento do quinhão dos interessados, contra a sua vontade, por iniciativa do juiz, com a imposição de verbas em compropriedade, contraria a finalidade do processo de inventário – divisão definitiva do património comum, não faz sentido quando o legislador não permitiu que cada um dos ex-cônjuges se convertessem em comproprietários dos bens comum após a dissolução do casamento, e contende com o quadro legal substantivo vigente, nos termos do qual nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão (artigo 1412.º, nº 1, do Código de Civil), obrigando o interessado a instaurar uma segunda ação subsequente, a de divisão de coisa comum, para pôr termo à indivisão, através da venda do imóvel, conforme previsto no artigo 929.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

d) - A recorrida, ora apelada por se opor a “ adjudicação de imóvel em compropriedade a ambos os interessados na proporção das quotas “, ao abrigo do principio do contraditório e de acordo com a vasta jurisprudência existente e porque não pretende manter o prédio urbano indiviso entre o dissolvido casal, requereu ao Tribunal da 1.ª instancia , em sede própria como forma a partilha cfr acta de conferência de interessados (…) a venda do imóvel para que seja vendido por negociação particular, (modalidade de venda em acção executiva) sendo o produto da venda dividido entre ambos os interessados , em partes iguais, continuando a amortização do empréstimo contraído para a sua aquisição a ser pago pelo cabeça de casal á entidade bancária conforme o acordado “(…);

e) - No seguimento da fundamentação da douta da decisão - sentença ora revogada pelo douto acórdão recorrido do Venerando Tribunal da Relação contraria claramente o citado Acordão do Supremo de Justiça de 23/02/2021 Pr.º 50/07.6TBCRZ.P1.S1 – 1.ª Secção – Relator - Fernando Samões, publicado in www.dgsi.pt que afirmava o seguinte «(…)Tendo a partilha por finalidade pôr termo à comunhão hereditária, não deve atribuir-se bens em compropriedade contra a vontade dos herdeiros. …. A adjudicação forçada de bens em compropriedade mantém a indivisão de uma parte da herança a que os herdeiros pretenderam pôr termo com o processo de inventário. Para além de que, apenas adia a resolução do conflito para um momento ulterior, pois qualquer dos comproprietários pode intentar ação de divisão da coisa comum. Não faz sentido do ponto de vista da economia processual e da paz social obrigar os herdeiros, que não desejam a compropriedade, a uma duplicação de ações.”(…) Como ali se refere, é vasta a corrente jurisprudencial(…)»;.

f) - Acresce, que em determinadas formas do processo, e ao abrigo das mencionadas normas legais implicitamente invocadas pela apelada ora recorrida no seu requerimento para ata, admite-se a possibilidade de se proceder á venda de bens, de modo a dar-se outra forma á partilha, como ocorre no presente processo especial de inventário aplicando-se o regime da ação executiva para a realização da venda - artigos 547.º , 549.º ; 833.º, e 929.º n.º 2, todos Código de Processo Civil;

g) - O processo de inventário para partilha após divórcio tem por finalidade pôr termo à comunhão conjugal, e se assim é não sendo possível a partilha dos bens que integram o património comum do ex-casal por acordo adjudicação ou de sorteio ou através de licitações, não havendo bens da mesma natureza e valor que permitam ao tribunal formar lotes e proceder ao seu sorteio, na falta de acordo quando à adjudicação destes bens em compropriedade, não resta outra solução que não a de proceder-se à venda judicial de tais bens única forma de preencher, os quinhões , pois o preenchimento do quinhão dos interessados , contra a sua vontade, por iniciativa do juiz , com imposição de verbas em compropriedade, contraria a finalidade do processo de inventário;

h) - A norma jurídica do artigo 1111.º n.º 2 e as sucessivas alíneas a) , b) e c) e, bem assim, o artigo 1117.º n.º 2 do Código de Processo Civil, contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido que ora se impugna não são normas jurídicas imperativas, sendo que na sua previsão, não impõem acordos unanimes das partes na adjudicação em comum e na proporção da quota bens que pela sua natureza são indivisíveis, muito menos obrigam a ter que fazer acordos entre a partes sendo que o objectivo do processo de inventário e consequente partilha é acabar com a indivisão dos bens comuns dos ex-cônjuges;

i) - Porquanto se assim fosse o processo de inventário não seria necessário para nada, bastava dizer que com a dissolução do casamento ambos os ex cônjuges se convertiam em comproprietários de bens comuns na medida da sua quota;

j) - Também não pode deixar de referir a interessada, que por o artigo 1117.º 2 alínea b) do Código de Processo Civil , apesar de ser uma norma jurídica de aplicação residual não tem qualquer aplicabilidade ao caso concreto, conforme exemplarmente fundamentado pela decisão Tribunal de 1.ª instancia , cuja decisão - sentença foi revogada pelo acórdão recorrido, que contraria claramente a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, mormente, nomeadamente, o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2021 - Pr.º 50/07.6TBCRZ.P1.S1- 1.ª Secção;

l) - Conforme o decidido neste aresto «(…) a composição de quinhões através de adjudicação em comum de bens pressupõe o acordo expresso dos interessados (…) » neste Sentido Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/02/2021 – Pr.º 50/07.6TBCRZ.P1.S1 – 1.ª Secção – Relator - Fernando Samões;

m) - A decisão - sentença revogada por pelo acórdão do proferido pelo Tribunal da Relação fez uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas de natureza adjectiva e substantiva do regime jurídico de processo inventário em vigor e contraria a jurisprudência dominante;

k) - Sendo que o Tribunal de Relação no seu douto acórdão recorrido que ora se impugna, através do presente recurso ordinário de revista violou, no modesto entender da recorrida, ora apelada os artigos os artigos 1412.º do Código Civil , 929.º , 833.º, 1111, n.º 2 alínea c) 1117.º n.º 2 alínea b) , do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos mais de Direito que os Senhores Doutores Juízes Conselheiros do Colendo Supremo Tribunal de Justiça doutamente suprirão, deverá o presente recurso ordinário de revista interposto pela Apelada, ora recorrida, ser julgado totalmente procedente revogando-se o douto acórdão recorrido proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, mantendo-se «in totum» a douta decisão - sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª instância que ordenou a venda do imóvel por negociação particular pelo valor da avaliação, (€89.500,00).

No que se fará acostumada, Justiça !”

O cabeça de casal/recorrido não contra-alegou.

Cumpre decidir.

A Relação considerou que a factualidade com interesse para a decisão da causa é a que consta do relatório.

Admissibilidade do recurso de revista.

De acordo com a remissão genérica do nº 1 do art. 1123º do CPC para as regras gerais dos arts. 671º e seguintes do mesmo diploma, o recurso de revista incide sobre acórdãos da Relação que apreciem do mérito da causa ou que extingam total ou parcial da instância, em termos subjectivos ou objectivos (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 614).

Por outro lado, a restrição à admissibilidade que decorre do art. 671º, nº 2 do CPC reporta-se unicamente aos acórdãos da Relação que incidam sobre decisões interlocutórias da 1.ª instância que recaiam sobre a relação processual, o que significa que ficam arredados deste regime outros acórdãos em que a Relação tenha reapreciado decisões da 1ª instância sobre questões ligadas ao mérito (pág.. 615). É o caso: o acórdão recorrido aprecia decisão interlocutória que, respeitando ao preenchimento dos quinhões dos interessados, interfere materialmente na partilha, estando, por isso, abrangido pela regra geral do art. 671º, nº 1 do CPC.

Da questão objecto do recurso:

Na conferência de interessados, não tendo havido licitação e não tendo havido acordo para a partilha do bem através da adjudicação ou sorteio, o cabeça de casal, ora recorrido, requereu a adjudicação de imóvel em compropriedade a ambos os interessados, requerendo a recorrente/requerente que, ao invés, o bem fosse vendido por negociação particular e o produto da venda dividido entre os interessados.

O tribunal de 1ª instância indeferiu o requerido pelo cabeça de casal, nos termos do disposto no art. 833º do CPC, determinando a venda do imóvel por negociação particular.

Porém, a Relação, revogando a decisão recorrida, determinou que, de harmonia com o disposto no art. 1117º, nº 2 al. b) do CPC, se adjudique o imóvel a ambos os interessados em comum, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões.

Para tanto, entendeu que “em processo de inventário, a venda de bens da herança, enquanto meio de composição dos quinhões, apenas se encontra prevista no caso de acordo dos interessados, por unanimidade (artigo 1111º, nº 2, al. c) CPC); e que “na ausência de acordo entre os interessados sobre a composição dos quinhões, e consideradas desertas as licitações relativamente a todos, ou alguns, dos bens da herança, tais bens serão adjudicados aos interessados em conformidade com os critérios previstos no artigo 1117º do CPC, entre eles a adjudicação aos interessados dos bens da herança, em comum, na proporção das respectivas quotas, em conformidade com o nº 2 al. b) daquele artigo.”

Insurge-se a recorrente/requerente contra esta decisão, alegando que, não sendo possível a partilha do bem imóvel que integra o património comum do ex-casal por acordo, adjudicação ou sorteio ou através de licitações, não havendo bens da mesma natureza e valor que permitam ao tribunal formar lotes e proceder ao seu sorteio, e na falta de acordo quando à adjudicação desse bem em compropriedade, não resta outra solução senão a de se proceder à venda judicial do bem, pois o preenchimento do quinhão dos interessados, contra a sua vontade, por iniciativa do juiz, com a imposição de verbas em compropriedade, contraria a finalidade do processo de inventário, que é a da divisão definitiva do património comum.

Invoca, em abono, o Ac. STJ de 23. 2.2021, proc. 50/07.6TBCRZ.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt que afirmava o seguinte. “(…) Tendo a partilha por finalidade pôr termo à comunhão hereditária, não deve atribuir-se bens em compropriedade contra a vontade dos herdeiros. …. A adjudicação forçada de bens em compropriedade mantém a indivisão de uma parte da herança a que os herdeiros pretenderam pôr termo com o processo de inventário. Para além de que, apenas adia a resolução do conflito para um momento ulterior, pois qualquer dos comproprietários pode intentar ação de divisão da coisa comum. Não faz sentido do ponto de vista da economia processual e da paz social obrigar os herdeiros, que não desejam a compropriedade, a uma duplicação de acções. (…).

Porém, e como sublinhou o acórdão recorrido, o dito acórdão tinha em vista o CPC de 1961, designadamente, o art. 1374º, que, sob a epígrafe “ Preenchimento dos quinhões” dispunha:

”No preenchimento dos quinhões observar-se-ão as seguintes regras: a) (…) b) Aos não conferentes ou não licitantes são atribuídos, quando possível, bens da mesma espécie e natureza dos doados e licitados. Não sendo isto possível, os não conferentes ou não licitantes são inteirados em outros bens da herança, mas se estes forem de natureza diferente da dos bens doados ou licitados, podem exigir a composição em dinheiro, vendendo-se judicialmente os bens necessários para obter as devidas quantias. (…) ; c) os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais; d) ( …)”

Ou seja: a lei anterior não previa expressamente a adjudicação em comum.

E, por isso, se entendia que, não prevendo a lei a adjudicação em comum de bens e tendo a partilha por finalidade pôr termo à comunhão hereditária, se não devia atribuir os bens (indivisíveis) em compropriedade contra a vontade dos herdeiros (cfr. nesse sentido, o Ac. STJ de 512.2006, proc. 06A3436, e o Ac. STJ de 17.05.2016, proc. 2862/08.4TBMTS.P1.S1). Entendimento que não acolhia a posição de Lopes Cardoso, a quem, dentro de um propósito de igualação da partilha, não repugnava que, por determinação judicial, se estabelecesse compropriedade entre os interessados, designadamente no caso de não ser possível doutra forma obter-se a composição dos quinhões (Partilhas Judiciais, volume II, 3ª edição, pág. 443 e 444).

Todavia, o actual art. 1117º do CPC, sob a epígrafe “Composição igualitária de quinhões de não licitantes”, passou a dispor:

“1. Na falta de acordo sobre a composição dos quinhões dos interessados não conferentes ou não licitantes, o juiz determina a formação de lotes que assegurem, quanto possível, que a todos os interessados são atribuídos bens da mesma espécie e natureza dos doados ou licitados ou, procedendo-se depois ao sorteio entre os co-herdeiros.

2. Se não for possível a formação de lotes nos termos do número anterior, por não haver bens da mesma espécie e natureza dos doados ou licitados, os não conferentes ou não licitantes são inteirados:

a) mediante sorteio entre vários lotes, devendo o juiz, ao constituí-los, procurar assegurar o maior equilíbrio possível entre os mesmos;

b) por adjudicação em comum, pelo juiz, dos bens sobrantes aos interessados, na proporção do valor que lhes falta para preenchimento dos seus quinhões.”

Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, em “O Novo Regime do Processo de Inventário e outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina, 2020”, a pág. 121, escrevem a propósito:

“Ao contrário do que se encontrava estatuído no art.1374º, al. b), 2ª parte, CPC/61, não se estabeleceu que, perante a atribuição aos não conferentes de bens de natureza diferente dos doados ou licitados, estes gozam da faculdade de exigir a composição em dinheiro dos seus quinhões, realizada através da venda dos bens para obter as quantias pecuniárias necessárias. Entendeu-se que, no contexto da composição final de quinhões hereditários, não constituiu função do inventário proceder a uma liquidação da herança, mas apenas e tão somente partilhar o mais igualitariamente que for possível os bens que integram a comunhão hereditária. Os interessados a que os bens vierem a ser adjudicados poderão, naturalmente, fazer deles o que lhes aprouver”. (destaque nosso).

É verdade que os mesmos autores acrescentam também: “ o nº 2, al. b estabelece a mais residual de todas as composições dos quinhões hereditários com bens sobrantes. Consiste ela na adjudicação em comum pelo juiz dos bens sobrantes aos interessados na proporção do que lhes falta para o preenchimento dos respetivos quinhões hereditários . A necessária subsidiariedade desta solução - ultima ratio para desbloquear a composição dos quinhões e permitir a realização da finalidade do processo de inventário - radica na verificação de que a adjudicação em comum mantém a subsistência da comunhão hereditária através da compropriedade e constitui, por isso uma solução muito pouco desejável dado que pode vir a implicar no futuro um novo juízo divisório através de uma ação de divisão de coisa comum artigo 925ss)” (destaques nossos).

Ou seja: sendo a solução da adjudicação em comum um solução “muito pouco desejável” e, por isso, subsidiária, deve a mesma, ainda assim, prevalecer sobre a solução da venda dos bens da herança, que apenas está prevista (tal como antes sucedia), como forma de composição dos quinhões, para o caso de haver acordo por unanimidade entre os interessados e a concordância do MP que tiver intervenção como parte principal, nos termos do art. 1111º, nº 2, al. c) (que corresponde ao anterior art. 1353º, nº 1, al. c) do CPC de 1961) e como meio de pagamento das tornas, nos termos do art. art. 1122º, nº 2 (correspondente ao anterior art. 1378º, nº 3 do CPC de 1961).

É certo que existe um só bem imóvel, indivisível (sobre o qual não incidiu licitações) e que o nº 1 do art. 1117º do CPC apenas prevê a formação de lotes que assegurem que sejam atribuídos a todos os interessados, não conferentes ou não licitantes, bens da mesma espécie dos bens doados e licitados; e que, segundo o nº 2 do mesmo artigo, só se não for possível a formação desses lotes (por não haver bens da mesma espécie da mesma espécie e natureza dos doados ou licitados) é que se devem constituir outros lotes (de valor equilibrado) e proceder ao sorteio, reservando-se, por último, a adjudicação em comum para os bens sobrantes.

Cremos, porém, que o art. 1117º, nº 2, al. b) do CPC (que se aplica também à partilha de bens comuns do casal, nos termos do art. 1084º, nº 2 do CPC) deve ser aplicado por analogia ao presente caso.

Na verdade, não sendo possível constituir lotes que abranjam a casa e proceder ao seu sorteio, a solução prevista na referida al. b) apresenta-se igualmente como a última ratio para desbloquear a composição dos quinhões e permitir a realização da finalidade do inventário, que, à semelhança do que sucede com a comunhão hereditária, deverá ter em vista “partilhar o mais igualitariamente que for possível” os bens que integram o património conjugal comum.

Assim, não restará outra solução senão a de fazer cessar a comunhão conjugal por meio da adjudicação em comum do bem imóvel.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe tenha sido concedido.

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Lisboa, 25 de Novembro de 2025

António Magalhães (Relator)

António Domingos Pires Robalo

Henrique Antunes