Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | SUBSÍDIO DE NATAL RETRIBUIÇÃO-BASE | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (CÍVEL) | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : |
Importâncias pagas regular e periodicamente ao trabalhador com a designação de subsídio de isenção de horário de trabalho e de complemento de responsabilidade, mas que não têm genuinamente essa natureza e são apenas a contrapartida do trabalho prestado, integram a remuneração-base do trabalhador e devem ser tidas em conta no cálculo do subsídio de Natal, mesmo após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,
Notificada do despacho do Relator que decidiu ser inadmissível o recurso para uniformização de jurisprudência por si interposto, MEO SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA SA, veio reclamar para a Conferência ao abrigo do disposto no artigo 692.º, n.º 2 do CPC. O Recorrido contra-alegou e respondeu à reclamação. A Reclamação inicia-se com o que o Recorrente designa de uma questão prévia, defendendo que os autos deveriam ser sujeitos a uma nova distribuição, e não devendo o Relator do Acórdão recorrido pronunciar-se sobre a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, porque estaria esgotado o seu poder jurisdicional. A este propósito pode ler-se na Reclamação:
“se afigura pouco curial que tendo o Excelentíssimo Senhor Conselheiro subscrito, como Relator, o Douto Acórdão recorrido, possa, de novo, vir a pronunciar-se sobre a sua bondade. Quando, como é consabido, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. Como corolário desse princípio, na alínea c), do nº 1, do artigo 115º, estipula-se que nenhum juiz poderá exercer funções jurisdicionais quando esteja em causa o conhecimento de recurso, quando tenha proferido a Decisão recorrida. Tal estatuição visa, prima facie, proteger e salvaguardar a idoneidade do próprio Magistrado e não, como uma leitura apressada poderia levar a concluir, suscitar qualquer tipo de reserva ou suspeição acerca da sua imparcialidade. Donde se entender, sempre de forma modesta e respeitosa, deverem os presentes autos ser submetidos a segunda distribuição”.
Respondendo a esta “questão prévia”, dir-se-á que as considerações do Recorrente carecem de qualquer fundamentação legal. O recurso para uniformização de jurisprudência corre por apenso (artigo 690.º n.º 1 do CPC) sendo o Relator do Acórdão recorrido quem, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 692.º do CPC, deve efetuar o exame preliminar, não para decidir outra vez sobre o mérito ou a bondade do Acórdão recorrido, mas para apreciar liminarmente se estão reunidos os pressupostos para o recurso extraordinário, podendo o Recorrente reclamar da decisão do Relator para a Conferência. Como menciona ABRANTES GERALDES, “foi suscitada a inconstitucionalidade do preceito, a qual foi negada pelos Acódãos do Tribunal Constitucional n.º 386/2019 e n.º 162/2018, enquanto no Acórdão do STJ de 19-12-2018, 10864/15, www.dgsi.pt, se concluíra pela inexistência do impedimento previsto no art. 115.º, n.º 1, al. c)”[1].
Decidida esta “questão prévia” no sentido de que a lei processual civil não prevê uma distribuição do recurso para uniformização de jurisprudência antes de o mesmo ser admitido (artigo 692.º, n.º 5 do CPC), importa agora atender à questão essencial colocada pela Reclamação, a saber, a existência, ou não, de uma genuína oposição entre Acórdão recorrido e Acórdão fundamento.
A decisão do Relator, objeto da presente Reclamação, foi a seguinte:
“MEO SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA SA, Ré nos presentes autos, veio interpor recurso para Uniformização de Jurisprudência, ao abrigo do disposto no nº 1, do artigo 688.º, do Cód. Proc. Civil, por entender que o Acórdão recorrido se acha em contradição com outro deste Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. O Autor respondeu sustentando que o presente recurso de uniformização de jurisprudência deveria ser liminarmente rejeitado por falta de oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. O Acórdão fundamento invocado é o Acórdão de 3 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo 532/12.8TTVNG.P1.S1. Identifica, para o efeito, a seguinte oposição: “[N]o Acórdão fundamento, contrariamente ao propugnado no Acórdão em apreço, foi decidido, que a base de cálculo do subsídio de Natal, posteriormente a 1 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, delas se excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente, enquanto no Acórdão em crise foi decidido dever integrar o subsídio de Natal, posteriormente a 1 de Dezembro de 2003, a média dos montantes auferidos a título de subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT)”. E reitera, nas Conclusões do seu recurso, a oposição que entende existir: “(…) 2. Com efeito, o Acórdão em crise proferiu, sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação, uma decisão oposta e antagónica à decisão proferida no Acordão fundamento. 3. Na verdade, o Acórdão em apreço, ao restaurar, integralmente, a Decisão proferida em primeira instância, condenou a Ré a integrar no subsídio de Natal, posteriormente a 1 de Dezembro de 2003 e a pagar ao Autor, a média dos montantes por si auferidos a título de subsídio de isenção de horário de trabalho (IHT) nos anos de 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017, no montante total de €29.599,96. 4. Ao invés, o Acórdão fundamento, proferido em 3 de julho de 2014, decidiu de forma diametralmente oposta, considerando que a base de cálculo do subsídio de Natal, posteriormente a 1 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho, se circunscreve à retribuição base e às diuturnidades, dela se excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente. 5. Sendo ambos os Doutos Acórdãos proferidos no domínio da mesma legislação, ou seja do Código do Trabalho de 2009 e se afigurar ser manifesta, não apenas a existência de diferentes soluções sobre a mesma questão fundamental de direito, mas também absolutamente opostas, no caso sobre a base de cálculo do subsídio de Natal, posteriormente a 1 de dezembro de 2003, data da entrada em vigor do Código do Trabalho. 6. Propendendo-se para o sentido e solução jurídica perfilhados no Acórdão fundamento, por corresponderem à opinião generalizada e de há muito sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça e por toda a Doutrina. 7. Motivo pelo qual se impõe seja dado provimento ao presente recurso, dado a Decisão em crise, além de ter infringido o disposto nos artigos 262º e 263º, do Cód. do Trabalho, perfilhar uma solução absoluta e diametralmente oposta à sufragada pelo Acórdão fundamento sobejamente identificado e em consequência ser revogada e substituída por outra, que considere que a base de cálculo do subsídio de Natal, posteriormente a 1 de dezembro de 2003, se reconduz ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, delas se excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente (…)”.
O Acórdão fundamento pronunciou-se efetivamente no sentido de que “a base de cálculo do subsídio de Natal, no âmbito do Código do Trabalho de 2003, reconduz-se apenas à retribuição base (com diuturnidades, se for caso disso), dela se excluindo os complementos salariais, ainda que auferidos regular e periodicamente”, entendimento que é hoje como o Recorrente afirma claramente dominante, para não dizer pacífico, na jurisprudência e na doutrina. Fê-lo a respeito de componentes retributivas relativas à cláusula 74.77 do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Festru e a Antram então em vigor e à ajuda de custo TIR, excluindo tais complementos salariais do subsídio de Natal.
Existirá, então, a referida oposição sobre a mesma questão de direito, no âmbito da mesma legislação entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido?
No Acórdão recorrido pode ler-se: “As questões em causa que ainda subsistem dizem respeito à natureza retributiva de duas prestações, uma designada de “isenção de horário de trabalho” e a outra de “complemento de responsabilidade”. Relativamente à primeira resulta dos factos dados como provados que começou a ser paga ao trabalhador desde novembro de 1994 (facto 15). Por outro lado, não há nos autos qualquer elemento de prova que permita concluir que nessa data existia efetivamente uma situação de isenção de horário de trabalho, tanto mais que à época a isenção de horário de trabalho dependia de autorização prévia da Inspeção de Trabalho. Assim, a importância em causa de isenção de horário de trabalho apenas tinha o nome tendo-se integrado na retribuição do trabalhador. Tal resulta da definição de retribuição, constante da lei então aplicável, a LCT (Decreto-Lei n.º 49408), no seu artigo 82.º. n.º 1, a qual, de resto, continha uma presunção no n.º 3 do seu artigo 82.º - “até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” – presunção que o empregador não logrou ilidir. Tendo sido paga periódica e regularmente ao longo de anos esta prestação integrou a retribuição e não podia ser retirada unilateralmente pelo empregador. E ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, a celebração posterior de um acordo de comissão de serviço, mencionada nos factos 10 a 12, não tem a virtualidade de afastar ou alterar a natureza da prestação que já se consolidara como retribuição não dependente de qualquer isenção de horário de trabalho (ou comissão de serviço). Em primeiro lugar, se o acordo tivesse o sentido que o Tribunal da Relação lhe atribui, ou seja, o de transformar uma prestação que integrava a retribuição em uma prestação que passaria a estar dependente da manutenção da comissão de serviço, então tal acordo consistiria em uma genuína renúncia a direitos por parte do trabalhador. Não se pode esquecer que, sendo o trabalhador, em regra, a parte mais fraca da relação, caberia, desde logo, ao empregador esclarecer e informá-lo do sentido do acordo e da medida em que este seria prejudicial para o trabalhador. Mas, além disso, e ainda que tal tivesse sucedido (o que não está provado) não se pode esquecer a especial tutela que merece a retribuição no nosso direito e não se deveria ter por válida a renúncia, mesmo que parcial (e ainda que condicional ou a prazo) à retribuição na vigência do contrato de trabalho. Acresce que o próprio comportamento do empregador não é coerente com a afirmação de que esta prestação só era devida por força da comissão de serviço: a comissão de serviço cessou a 1 de outubro de 2015 (facto 34), mas só deixou de ser paga em fevereiro de 2016 (facto 41). Há, pois, que concluir que é exata a qualificação que a sentença, com meticulosa argumentação, fez desta prestação como retribuição – e não como retribuição especial da isenção de horário de trabalho – pelo que, como se pode ler na sentença, “o A. tem direito a receber a prestação mensal que lhe era paga a título da apelidada isenção de horário de trabalho, e cujo pagamento deixou de ser efetuado do mês de fevereiro de 2016 em diante”. Como se vê, do que se tratou no caso dos autos foi de um pretenso subsídio por isenção de horário de trabalho que, na realidade, só tinha esse nome, mas não essa natureza, inserindo-se na retribuição do trabalhador. Por outras palavras, não há qualquer complemento salarial autónomo, devendo a importância pretensamente paga a título de isenção de horário de trabalho ser considerada na realidade como integrando a retribuição que é normalmente devida por força do contrato e, por conseguinte, a sua retribuição base, pelo que tal importância não sendo qualquer verdadeiro “complemento” salarial deveria ser paga no subsídio de Natal. Com efeito, se a quantia paga regularmente ao trabalhador não o foi por causa da isenção de horário de trabalho e não tem a natureza de complemento salarial, há que concluir que não só é retribuição, como é “retribuição correspondente à atividade do trabalhador no período normal de trabalho” (retribuição base, de acordo com a alínea a) do n.º 2 do artigo 262.º do CT de 2009), já que não tem qualquer outra causa que não seja o trabalho e foi paga regularmente. Como é evidente, face ao princípio da realidade, o que releva para determinar a retribuição base não pode ser apenas o valor eventualmente identificado como tal no recibo, mas sim o que é efetivamente pago ao trabalhador como contrapartida do seu trabalho no período normal de trabalho, mormente quando tal montante for superior. Não existe, pois, qualquer oposição com o Acórdão fundamento que trata de genuínos complementos salariais os quais efetivamente não integram a retribuição base. Pelo que o presente recurso de uniformização de jurisprudência não é admissível. Decisão: Não se admite o presente recurso de uniformização de jurisprudência. Custas pelo Recorrente”.
A este respeito afirma-se o seguinte na Reclamação:
“9. Parece claramente insofismável, que o Douto Acórdão em crise apenas analisou a natureza daquelas duas prestações, tendo concluído revestirem natureza retributiva
10. O mesmo é dizer, que dada essa sua declarada natureza, a Ré não podia proceder à sua retirada, estando por isso obrigada à sua reposição nos seus precisos termos.
11. Pretender-se, como é sustentado na Douta Decisão Sumária, que ao assim se ter decidido o subsídio de isenção de horário de trabalho se insere na retribuição do trabalhador, constitui “interpretação” que a letra e o espírito do Douto Acórdão em crise não comportam, nem mesmo de forma implícita ou imperfeitamente expressa.
12. O que, a ter-se verificado, não deixaria de constituir Decisão inédita, uma vez que não se conhece Decisão alguma em que um Tribunal tenha “integrado” uma prestação, qualquer que fosse o seu nomen na retribuição de um trabalhador, mas apenas a decretar que essa prestação ficaria sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
13. Aliás e pela natureza das coisas nunca assim poderia ser, dado que, como é consabido, o subsídio de isenção de horário de trabalho nem sequer corresponde a um valor fixo, mas tão só a uma percentagem.
14. Acresce, com o devido respeito e creiam Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, que é muito e sentido, não se entender, a não ser por puros argumentos de retórica, como é possível qualificar o subsídio de isenção de horário de trabalho como “complemento salarial” para obrigar ao seu pagamento no Subsídio de Natal, quando este é que é legalmente qualificado como prestação complementar.
15. De qualquer modo, como se lê no Relatório do Douto Acórdão em crise, os Recorridos insurgiram-se contra o Douto Acórdão da Relação do ….. (por sinal o segundo, já que o primeiro havia declarado a nulidade da sentença de primeira instância) e na parte que aqui importa, quanto à absolvição da Ré do pagamento da média dos valores pagos a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, no subsídio de Natal, posteriormente a 1 de dezembro de 2003, que que havia sido condenada em primeira instância.
16. Sobre essa precisa e concreta questão, que constitui afinal o objeto do presente recurso, no Douto Acórdão em crise fez-se um silêncio sepulcral, limitando-se, de forma algo simplista, a repor a decisão de primeira instância, sem curar de atentar, que ao decidir desse modo estava a por em causa a jurisprudência firmada e consolidada por este Supremo Tribunal, segundo a qual, após 1 de dezembro de 2003, o Subsídio de Natal, como prestação complementar que é, apenas compreende a retribuição base e diuturnidades.
Em resposta dir-se-á que para decidir se existe ou não uma oposição entre o Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido, importa interpretar um e outro, sendo que o Recorrente persiste em interpretar erradamente o Acórdão recorrido.
Neste último o Tribunal foi confrontado com a existência de importâncias pagas regularmente (durante anos) ao trabalhador pelo seu empregador, uma que tinha o nome de subsídio de isenção de horário de trabalho e outra de complemento de responsabilidade e concluiu que o nome não correspondia à realidade, em um caso como no outro. Concluiu, assim, que tais importâncias tinham natureza retributiva (sendo que a retribuição tanto pode ser certa como variável ou mista – artigo 261.º, n.º 1 do CT). Mas essa natureza retributiva não interessa apenas para efeitos de irredutibilidade da retribuição, mas também para outros efeitos legais. E se a retribuição base é a prestação correspondente à atividade do trabalhador no período normal de trabalho (artigo 262.º, n.º 2, alínea a) do CT), estes pretensos subsídios carecendo de qualquer outra causa que não esse mesmo trabalho integram a retribuição base e devem relevar para efeitos do cálculo do subsídio de Natal. Não existe, pois, qualquer oposição com o Acórdão fundamento que se pronunciou sobre uma situação de facto bem distinta e relativamente a verdadeiros subsídios.
Decisão: Acorda-se, em Conferência, em rejeitar a Reclamação. Custas pelo Reclamante
Lisboa, 13 de outubro de 2021
Júlio Manuel Vieira Gomes (Relatora) Joaquim António Chambel Mourisco Maria Paula Sá Fernandes
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