Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULO FERREIRA DA CUNHA | ||
Descritores: | RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA EMBARGOS DE TERCEIRO BOA FÉ ARRESTO OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
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Data do Acordão: | 10/27/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | VERIFICADA A OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. A questão controvertida, sobre que recaíram dois acórdãos divergentes, é a de saber se são ou não competentes os Tribunais portugueses para apreciação de embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. II. Há, no caso, efetivamente, uma homologia fática, e uma oposição de julgados evidente. As situações em que se encontravam um e outro dos Bancos, num e noutro dos julgados, eram substancialmente semelhantes. Ambos autores de embargos de terceiros, um viu a competência em questão deferida e outro indeferida. Ou seja, as soluções jurídicas encontradas num e noutro dos Acórdão foram diametralmente opostas, embora proferidas no contexto da mesma legislação, e sobre factos fundamentalmente semelhantes. III. Pelo que se conclui pela verificação da oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. Assim se acordou, nos termos dos arts. 440 e 441, n.º 1, in fine do CPP, em admitir o presente recurso de fixação de jurisprudência, pela verificação da oposição de julgados. Assim, o recurso prosseguirá os seus ulteriores trâmites. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1.“Novo Banco, S.A.”, inconformado com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 25/02/2021, no processo Proc.º n.º 210/20.4TELSB-E.L1, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça. Alega que a decisão constante do referido acórdão se encontra em oposição com o decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/12/2020, proferido no Proc.º n.º 210/20.4TELSB-F.L1. No recurso apresentado, extrai da sua motivação as seguintes conclusões: A. O presente recurso de fixação de jurisprudência é interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (“Acórdão Recorrido”), que julgou improcedente o recurso apresentado pelo Novo Banco, na sequência de despacho proferido pelo Juiz de Instrução Criminal em sede de embargos de terceiro apresentados contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional, formulado pelas autoridades Angolanas, ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (“Convenção”); B. O referido despacho do Juiz de Instrução Criminal indeferiu liminarmente, com base na incompetência internacional dos tribunais portugueses, nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal e 96.º, alínea a), 97.º, n.º 1 e 99.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro apresentados; C. O arresto preventivo foi decretado pelo Juiz de Instrução, sobre: 4.547.156 acções representativas do capital social da sociedade Efacec Power Solutions, SGPS, S. A. (“EPS”), que se encontravam depositadas na conta n.° BES................02, titulada pela sociedade Winterfell 2 Limited e domiciliada no Novo Banco; 4.547.156 acções representativas do capital social da EPS, que se encontravam depositadas na conta n.° ......50, titulada pela mesma sociedade e domiciliada no Haitong Bank, S.A.; A conta de instrumentos financeiros n.º BES.....................05 aberta em nome da sociedade Winterfell Industries Limited junto do Novo Banco, onde se encontram depositadas 7.920.200 acções representativas do capital social da Winterfell 2 Limited; A conta de instrumentos financeiros n.º BES.....................02 aberta em nome da Winterfell 2 Limited; A conta bancária com o IBAN PT50 .... .... ...........23, aberta em nome da Winterfell 2 Limited junto do Novo Banco; A conta bancária com o IBAN PT50 .... .... ...........823, aberta em nome da Winterfell Industries Limited junto do Novo Banco. D. O Novo Banco e o Banco Comercial Português, S.A. (“BCP”) são titulares dos mesmos direitos (penhores financeiros), constituídos sobre (i) 4.547.156 acções representativas do capital social da EPS, depositadas na conta número BES.....................02, (ii) 4.547.156 acções representativas do capital social da EPS, depositadas na conta número ......50 aberta junto do Haitong Bank, S.A., (iii) 8.126.125 acções representativas do capital social da Winterfell 2 Limited depositadas na conta número ......50 aberta em nome da Winterfell Industries Limited junto do Haitong Bank, S.A., (iv) 7.920.200 acções representativas do capital social da Winterfell 2 Limited depositadas na conta de instrumentos financeiros n.º BES.....................05, e sobre (vi) o saldo das contas bancárias da Winterfell 2; E. Estes penhores financeiros foram constituídos como garantia do pagamento dos valores emprestados no âmbito dos mesmos contratos de financiamento, celebrados no dia 23.10.2015 e alterados nos dias 12.12.2016 e 28.06.2019; F. Através destes dois contratos foram emprestados, num caso, €10.000.000,00, e noutro, €20.000.000,00, mantendo-se actualmente em dívida os montantes de, num caso, € 9.250.000,00 e noutro, €17.500.000,00; G. Por serem titulares dos mesmos direitos, Novo Banco e BCP apresentaram embargos de terceiro, com os mesmos fundamentos e factos, em reacção à mesma decisão do Juiz de Instrução Criminal de decretamento de arresto preventivo, dando origem à autuação de dois apensos no mesmo processo; H. Confrontados com a decisão de indeferimento liminar dos embargos de terceiro apresentados, ambos recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo os recursos sido distribuídos à mesma secção; I. Ao recurso interposto pelo Novo Banco foi atribuído o n.º 210/20.4TELSB-E.L1 e ao recurso interposto pelo BCP o n.º 210/20.4TELSB-F.L1; J. A decisão adoptada no Acórdão Recorrido é contrária à decisão constante do Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 210/20.4TELSB-F.L1 (“Acórdão Fundamento”), em que era recorrente o BCP; K. Aderindo à tese do Ministério Público – igual à expendida no apenso relativo aos embargos de terceiro apresentados pelo BCP e nas suas contra-alegações –, o Tribunal da Relação entendeu, no Acórdão Recorrido, que os Tribunais portugueses não têm competência para a apreciação e decisão de embargos de terceiro deduzidos em reacção a um arresto preventivo rogado, aceite e cumprido, porque implicam uma apreciação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo pelo Estado Requerente (República de Angola), que não poderá ser efectuada pelo Estado Requerido (Portugal) – assim negando provimento ao recurso apresentado pelo Novo Banco; L. Em sentido contrário, o Acórdão Fundamento concedeu provimento ao recurso apresentado pelo BCP, entendendo que a apreciação dos embargos de terceiro neste contexto “não implica qualquer reapreciação do arresto preventivo decretado, dos seus fundamentos ou sequer da sua justeza, qualquer desconsideração pela Justiça Soberana da República Popular de Angola. Implica, isso sim, de acordo com o preceito que regulamenta a possibilidade de dedução de embargos, a apreciação de uma questão que é colocada por terceiro com garantias reais sobre os bens arrestados cuja existência podia, até, ser do desconhecimento da Justiça daquele Estado Soberano”; M. Continuando, entendeu o Tribunal da Relação que o que está em causa nos embargos de terceiro não é, de modo algum, a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto preventivo pelo Estado angolano, mas simplesmente a apreciação da “(…) questão de saber se o BCP tem a posse efectiva e real dos bens arrestados, ou seja, se existe uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição, em consequência de garantias reais legalmente constituídas e se tem o seu animus”; N. Tanto o Acórdão Recorrido como o Acórdão Fundamento já transitaram em julgado, nos dias 16.03.2021 e 07.01.2021, respectivamente, estando reunidos os pressupostos de admissibilidade do presente Recurso a este propósito (cf. documentos n.º 1 e n.º 2), conforme imposto pelo artigo 438.º, n.º 1, do Código de Processo Penal; O. O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento foram proferidos no domínio da mesma legislação, já que durante o intervalo da sua prolação não ocorreu qualquer modificação legislativa no âmbito da Convenção ou dos regimes processuais aplicáveis que tenha interferido, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito identificada e controvertida (cf. artigo 437.º, n.º 3, do Código de Processo Penal); P. O Novo Banco é titular de um interesse juridicamente protegido e, por isso, sujeito processual, enquanto titular de “direitos (que surgem, muitas vezes, sob a forma de poderes-deveres ou de ofícios de direito público) autónomos de conformação da concreta tramitação do processo como um todo, em vista da decisão final”; Q. O Novo Banco é Embargante num incidente processual que segue regras do Código de Processo Civil e que se constitui como uma verdadeira acção declarativa especial, paralela ao processo-crime – o que significa que não se trata de um mero participante, que se limita a “[praticar] atos singulares, cujo conteúdo processual se esgota na própria actividade”; R. Na verdade, ocupa a posição de autor, conformando a tramitação do processo, com poderes-deveres próprios, o que desde logo resulta da apresentação da correspondente petição inicial (de embargos) e da possibilidade de indicação de meios de prova, que serão apreciados pelo Tribunal (da mesma forma que essas prerrogativas são concedidas no âmbito de pedido de indemnização civil); S. E é só nessa acção e no respectivo recurso da decisão aí proferida que pode fazer valer os seus direitos, o que vale por dizer, a tramitação desta acção, com a atribuição de competência aos Tribunais portugueses, é o único meio através do qual o Novo Banco pode obter uma decisão com evidentes efeitos práticos na sua esfera jurídica; T. E, como se vê, a modificação da decisão ínsita no Acórdão Recorrido – e, consequentemente, do despacho do Juiz de Instrução Criminal – no sentido de que os Tribunais portugueses são competentes para apreciar os embargos de terceiro apresentados, implica uma modificação favorável aos interesses do Novo Banco, autor nessa sede; U. Assim, deverá ser-lhe reconhecida legitimidade para interposição do presente recurso, enquanto parte em acção de carácter cível; V. S.m.o., a interpretação da norma contida no artigo 437.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, no sentido de que no âmbito de embargos de terceiro apresentados em reacção a arresto preventivo decretado nos termos do mesmo diploma, os respectivos embargantes não têm legitimidade para interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência relativamente à questão da competência dos Tribunais portugueses para a apreciação dessa causa, é inconstitucional (i) por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição da República Portuguesa e (ii) por violação do princípio previsto no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, conjugado com o disposto no artigo 20.º, ambos da Constituição da República Portuguesa; W. A concreta questão jurídica controvertida que se pretende que seja objecto de fixação de jurisprudência é a seguinte: são ou não competentes os Tribunais portugueses para apreciação de embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa? Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se respeitosamente que: a) Seja admitido o presente Recurso, limitado à fixação de jurisprudência relativamente à questão jurídica controvertida supra identificada, atenta a tempestividade da sua interposição e a verificação de todos os pressupostos legais para a sua admissibilidade; e b) Em consequência, notifiquem o ora Recorrente para produzir as competentes alegações, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 442.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Penal. 2. O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso, alegando, em suma, que: “1. O Recorrente não identificou, como lhe era exigível, os aspectos de identidade que alegadamente determinam a contradição invocada entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. 2. O Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não se pronunciam sobre a exacta situação de facto, e como tal, não estamos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas expressas. 3. A duas decisões apresentam distintos enquadramentos jurídicos à luz dos contornos da factualidade nelas apreciadas, pelo que, e de acordo com a nossa Jurisprudência mais conceituada, o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento não decidem em termos opostos sobre a mesma questão de direito. 4. Não se verifica, pois, a oposição de julgados pretendida pelo Recorrente. 5. Termos em que se tem de concluir pela não verificação dos requisitos legais previstos no artigo 437.º do Código de Processo Penal, por não estarmos perante dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas expressas. 6. O que constitui causa de rejeição do recurso, por inadmissibilidade legal, nos termos dos artigos 414° n.° 2 e 420° n.° 1 al. b), do C. de Processo Penal.” Concluiu, assim, que não se verificam todos os necessários e legais requisitos para que exista uma oposição de julgados, devendo, na sua perspetiva, o recurso ser rejeitado. 3. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta igualmente se pronunciou, no caso pela ocorrência de oposição de julgados, tendo terminado pela forma seguinte o seu Parecer: “Do exposto resulta que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento perante situação de facto idêntica e perante a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação decidiram de forma oposta. A decisão em oposição é expressa e recaiu sobre a questão principal objecto do recurso. No caso, também os fundamentos aduzidos num e noutro acórdão, porque interpretados de forma oposta, são conflituantes, mas o determinante para a verificação de oposição de julgados é a existência nas decisões em confronto da adopção de “soluções de direito antagónicas”, o que se nos afigura evidente ocorrer entre os acórdãos recorrido e fundamento. * Em conformidade, somos de parecer que se verificam todos os pressupostos de admissibilidade do recurso, incluindo a oposição de julgados, pelo que deve o mesmo prosseguir, nos termos do disposto nos artigos 440.º e 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.” 4. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP. O Recorrente veio aos autos subscrevendo a tese da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta. Efetuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à Conferência, de acordo com o disposto no art. 440 do CPP. II Do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento Particularmente relevantes se afigura se afigura os seguintes segmentos do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade dos mesmos: 1. Acórdão recorrido “Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – No proc.º 210/20.TELSB-E do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, Secção Única, por despacho judicial de 26 de junho de 2020 foi declarada a incompetência internacional do TCIC para a apreciação e decisão dos embargos de terceiro apresentados por NOVO BANCO S.A. e em consequência rejeitou liminarmente - ex vi do art.° 4.°, do Código de Processo Penal e 96.°, al. a), 97.°, n.° 1 e 99.°, n.° 1, todos do Código de Processo Civil. (…) 3. O Novo Banco, SA veio recorrer do despacho judicial que declarou a incompetência internacional do TCIC para a apreciação e decisão dos embargos de terceiro apresentados por aquele, e consequentemente, rejeitou-os liminarmente ex vi do art.° 4.°, do Código de Processo Penal e 96.°, al. a), 97.°, n.° 1 e 99.°, n.° 1, todos do Código de Processo Civil. 4. Do despacho recorrido em termos formais. Ao despacho recorrido é aplicável o disposto no art.º 97.º n.º 5 do C.P.Penal, que dispõe que “os actos decisórios são fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão“. Diz o recorrente que: “Ao remeter integralmente os fundamentos da decisão para a promoção do Ministério Público, o despacho recorrido viola o dever de fundamentação a que está adstrito na aplicação de uma decisão restritiva de direitos e garantias fundamentais, previsto no art. 205.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), assim como o art. 97.° n.° 5 do Código de Processo Penal (CPP), gerando uma irregularidade que pode ser conhecida a todo o tempo (cfr. arts. 118.° n.° 2 e 123.° n.º 1 e 2 do CPP).” Ora, nenhuma dúvida existe de que o despacho recorrida seja do entendimento cabal e completo do Juiz a quo, ao remeter para o parecer do M.P., pelo que não se descortina qualquer irregularidade. Até porque ao despacho recorrido sucedeu um outro de sustentação daquele. Além do mais, analisado o recurso, alcança-se que o destinatário teve perfeito conhecimento do sentido da decisão recorrida. Verifica-se que, na forma, o despacho recorrido, pese embora ter remetido para a promoção do M.P. não contém irregularidade – encontra-se claro e conciso, fundamentado, aplicando correctamente o facto à lei, e o raciocínio no mesmo plasmado revela-se perfeitamente cristalino e clarividente para qualquer destinatário normal e médio, que é o suposto ser querido pela ordem jurídica, não merecendo qualquer dúvida de interpretação, não sendo, em consequência, merecedor, nesta parte, de crítica. Como aponta Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, Ed Univ. Católica, pag. 268, a fundamentação “é um raciocínio argumentativo que possa ser entendido e reproduzido (nachvollziehbar) pelos destinatários da decisão”. Não ocorreu qualquer irregularidade ou outro vício de que cumpra conhecer. 5. Do despacho recorrido em termos “substanciais”. Transcreve-se aqui a argumentação aduzida pelo M.P. na 1.ª instância, que merece o nosso acordo e se subescreve: “As questões levantadas pelo NOVO BANCO, S.A. devem ser suscitadas junto das autoridades do Estado requerente, pois o arresto preventivo, embora tenha sido cumprido por Magistrado Judicial português, foi praticado a pedido das autoridades angolanas. A infracção das regras de competência internacional determina a incompetência absoluta, nos termos do disposto nos arts. 4.° do CPP e 9.º al. a) do CPC.(…) Quanto aos fundamentos específicos do recurso…relativamente à questão da (iii)competência internacional do TCIC, …os arts. 4.° e 16.º n.ºs 2 e 3 da Convenção CPLP determinam a aplicabilidade da lei portuguesa aquando do cumprimento de um pedido de auxílio. E, no caso dos autos, foi aplicada a lei portuguesa para se cumprir o rogado: o decretamento do arresto preventivo de bens e direitos na esfera dos arguidos e que foram localizados em território português. Já não se pode, porém, concordar que a apreciação de embargos de terceiros deduzidos por quem se considera afectado pelo arresto preventivo - rogado e cumprido depois de ter passado pelo crivo dos arts. 3.° e 9.° da Convenção CPLP -, devam ser apreciados pelo Estado requerido. Conforme já supra referido, nos termos do art. 349.° do CPC, "A sentença de mérito proferida nos embargos constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado pelo embargante ou por algum dos embargados, nos termos do n.° 2 do artigo anterior". Surge assim manifesto que a apreciação e decisão dos embargos de terceiro do NOVO BANCO, S.A. pela Autoridade Judicial portuguesa (Autoridade requerida) implicará necessariamente uma apreciação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo pela Autoridade Judicial angolana (Autoridade requerente), o que lhe está vedado. E ao contrário do sustentado pelo recorrente, o mesmo não fica impedido de exercer os seus invocados direitos, tem apenas que o fazer perante uma jurisdição estrangeira, sendo temerário declarar que desse modo não alcançará uma tutela jurisdicional efectiva. Considerando que os mútuos em causa foram concedidos a uma sociedade estrangeira (WINTERFELL 2 LIMITED), que as garantias foram dadas por duas sociedades estrangeiras (WINTERFELL 2 LIMITED e WINTERFELL INDUSTRIES LIMITED) e que a principal beneficiária efectiva (a arguida AA) é uma cidadã com nacionalidade angolana e russa, a hipótese de alguma vez e por qualquer motivo existir necessidade de fazer valer os seus direitos em jurisdições estrangeiras foi com certeza equacionada pelo NOVO BANCO, S.A., cujo risco assumiu. Frisa-se que o n.° 2 do art. 16.° da Convenção CPLP estabelece que "Quando os objectos ou produtos do crime forem localizados, o Estado requerido adoptará, em conformidade com a sua legislação, os procedimentos adequados a prevenir a sua alienação ou qualquer outra transacção a eles respeitantes ou concederá todo o auxílio no que concerne a esses procedimentos até que uma decisão final seja tomada por um tribunal do Estado requerente ou do Estado requerido". No caso dos autos, o arresto preventivo rogado - cumprido em conformidade com a Legislação portuguesa - visou garantir o pagamento dos valores de USD 131.148.782,54 e de USD 1.136.996.825,56, então contabilizados como sendo os dos prejuízos causados pelos arguidos ao Estado Angolano. E, o arresto preventivo de bens na esfera dos arguidos deverá ser mantido para "prevenir a sua alienação ou qualquer outra transacção a eles respeitantes", "até que uma decisão final seja tomada por um tribunal do Estado requerente ou do Estado requerido". Importa ainda salientar que o art. 16.° n.° 4 da Convenção CPLP vincula tanto o Estado Português como os demais Estados Membros, designadamente o Estado Angolano, pelo que também este terá de respeitar os terceiros cuja boa-fé seja demonstrada. Acresce que qualquer decisão final de perda que seja tornada pelo Estado Angolano e que careça de ser cumprida em Portugal, terá que passar novamente pelo crivo do art. 3.° da Convenção CPLP, e, a ser aceite por Portugal, o cumprimento dessa decisão final de perda será "na medida em que a sua lei o permita" conforme o disposto no art. 16.° n.º 3 al. a) da mesma Convenção CPLP. Em defesa do seu entendimento acerca da competência internacional do TCIC para conhecer dos embargos, o recorrente invoca o art. 28.° da LCJIMP. Sucede que o referido preceito regula a "entrega de objectos ou valores". No caso dos autos, não foi rogada a entrega de qualquer objecto ou valor, mas tão só o arresto preventivo de bens localizados em território português (com vista a impedir a sua dissipação) e que aqui permanecerão até ao eventual cumprimento de uma eventual decisão final de perda tomada pelo Estado requerente. A interpretação das normas aplicáveis à situação dos autos no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar e decidir os embargos de terceiro deduzidos na sequência de um arresto preventivo determinado ao abrigo de um pedido de auxilio judiciário em matéria penal efectuado no âmbito da Convenção CPLP não viola qualquer norma constitucional, designadamente as invocadas pelo recorrente, nem nenhuma das demais indicadas pelo mesmo. Nos termos do art. 8.° n.° 2 da CRP, as "normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português". Resulta da Convenção CPLP que se um determinado pedido de auxílio passar pelo crivo dos seus arts. 3.° (que regula os casos de recusa de auxílio) e 9.° (atinente aos requisitos do pedido de auxílio), deverá ser cumprido pelo Estado requerido. No caso de ser rogado, aceite e cumprido um pedido de arresto preventivo, é contrário ao espírito da Convenção CPLP que, posteriormente, o Estado requerido, unilateralmente, venha a actuar em sentido que coloque em causa o mesmo arresto preventivo. Como já se referiu, a apreciação e decisão de embargos de terceiro deduzidos em reacção a um arresto preventivo rogado, aceite e cumprido implica uma apreciação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo pelo Estado requerente, e, nessa medida, não poderá ser efectuada pelo Estado requerido. Há que confiar que o Estado requerente observará o art. 16.° n.° 4 da Convenção CPLP, ou seja, de que se estiver perante terceiros de boa-fé, os direitos dos mesmos serão respeitados A norma resultante dos termos conjugados do disposto nos arts. n.°s 1.º, 4° n.° 1 e 16.° n.°s 2, 3 e 4 da Convenção CPLP, interpretados no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e decidir embargos de terceiro deduzidos na sequência de um arresto preventivo rogado por um Estado Contratante, aceite pelo Estado Português e cumprido de acordo com a legislação portuguesa, é materialmente inconstitucional por violação do art. 8.° n.° 2 da CRP.” (do parecer do M.P.) Não foram violadas quaisquer normas legais e/ou constitucionais, maxime o disposto nos artigos 2.°, 8.°, 18.°, n.ºs 2 e 3, 20.°, n.º 1, 4 e 5, 32.°, n.ºs 1 e 5, 61.°, 62.° e 205.° da CRP, 4.°, 97.º, 118.°, n.° 2, 123.° 228.° do CPP, 4.° a 6.°, 110.° do CP, 96.°, 97.°, 99.º, 391.° a 393.° do CPC e 6.°, 8.°, 9.°, 10.°, 12.° do DL n° 105/2004, 10.° da DUDH, 3.°, 4.° e 16.°, n.ºs 2 a 4 da Convenção CPLP e 28.°, n.° 4, 145.° e 146.° da LCJIMP. VII - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo NOVO BANCO, SA e confirmar o despacho recorrido. (…)” 2. Acórdão fundamento: “Acordam na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa: 1. O Banco Comercial Português, SA, veio interpor o presente recurso do despacho do Mmo Juiz do Tribunal ''a quo" que rejeitou liminarmente o requerimento de embargos de terceiro, por si apresentado, por se considerar internacionalmente incompetente para conhecer da oposição deduzida. Entende que o Tribunal Português é competente para conhecer dos meios legais de reacção apresentados por terceiros contra arrestos preventivos decretados ao abrigo de pedidos de cooperação judiciária internacional. Alega, em síntese, que o despacho recorrido ao arrestar as participações sociais com penhor financeiro afecta os direitos de livre iniciativa e propriedade privada, detidos pelo BCP, e que coarta o direito a obter tutela jurisdicional, e efectiva, de modo ilegítimo. Acresce que o despacho recorrido é nulo por absoluta falta de fundamentação, tendo-se limitado a aderir à promoção do MºPº, pelo que enferma de violação ao disposto no artº 97º nº 5 do CPP. Entende, assim, que o mesmo despacho está afectado de irregularidade que pode ser conhecida a todo o tempo, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 118º, nº 2 e 123º, nº 1 do CPP, bem como do artº 123º, nº 2 do mesmo diploma. Entende, igualmente, que de acordo com o disposto nos artºs 4º e 16º da Convenção CPLP, os Tribunais Portugueses são competentes. A referida Convenção determina, em termos claros, que se aplica a Lei Portuguesa aos procedimentos tendentes à perda, apreensão ou congelamento de objectos, produtos ou instrumentos, PEDE que se revogue' o despacho recorrido, se declare a competência do Tribunal "á quo" para apreciação dos embargos de terceiro deduzida pelo BCP e de termine que o Tribunal recorrido conheça desses mesmos embargos. (…) 3. Após vistos e conferência, cumpre apreciar e decidir. As questões objecto do recurso, interposto pelo embargante, são as de saber se o Tribunal Português tem competência para apreciar as questões suscitadas por aquele suscitadas, terceiro de boa fé, e ainda a de saber se o embargante tem legitimidade, e interesse em agir, questão prévia suscitada em sede de resposta pelo MºPº . Apreciando: Vejamos, em primeiro lugar, da questão prévia suscitada pelo MºPº na resposta, que fundamenta a sua pretensão de rejeição parcial (?) do recurso. Fundamenta o BCP a sua oposição ao arresto preventivo através de embargos de terceiro no facto de ser detentor de um penhor financeiro de primeiro grau efectuado nos termos do disposto no nº 2 do artº 6º do DL 105/2004, e, bem assim, o depósito das acções tituladas junto do Banco agente dos mutuantes, o que confere ao credor pignoratício a posse OU controlo das acções, (vide ainda o disposto no arts 668º, nº 2 e seguintes do Código Civil) A constituição desse penhor abrange os direitos inerentes às participações sociais tais como eventuais direitos de crédito decorrentes de prestações acessórias e/ou suplementares, direitos de incorporação, direitos de subscrição ou quaisquer outros direitos que permitam a subscrição ou aquisição a qualquer título de participações sociais, direito aos dividendos e distribuição, e direito de informação, convocação, participação e voto em assembleias gerais, ou seja, os direitos inerentes às acções empenhadas. As garantias reais constituídas ao abrigo dos contratos celebrados foram adquiridos em momento prévio ao arresto, e foram violadas pelo arresto preventivo decretado, a que o BCP veio deduzir oposição por embargos de terceiro. Logo, o BCP tem legitimidade e interesse em agir porquanto está carecido de processo. A questão prévia da falta parcial de legitimidade e da falta de interesse em agir do embargante de terceiro, suscitada pelo MºPº recorrido, em sede de resposta à motivação de recurso improcederá, pois. Cumpre apreciar, e decidir, da questão suscitada pelo recorrente que é a de saber se os Tribunais Portugueses são competentes para apreciar a matéria dos embargos de terceiros deduzidos pelo recorrente ao arresto preventivo decretado em resposta ao pedido formulado pela República Popular de Angola através de carta rogatória. O Mmo Juiz do Tribunal "a quo" entendeu que não, aderindo à promoção do MºPº. Uma vez que não foi formulado especificamente um pedido acerca dessa questão da irregularidade suscitada, para que este Tribunal que extraia consequências da existência da mesma, (apenas abordado em sede de motivação, tendo merecido resposta do MºPº a defender que o recorrente prescindiu de arguir essa irregularidade, e que, por esse motivo está este Tribunal impedido de declarar a sua existência) diremos apenas que o nosso entendimento acerca do dever de fundamentação autónoma dos despachos judiciais, mormente em processos em que estão em causa direitos, liberdades e garantias com tutela constitucional directa e que obrigam entidades públicas e privadas, é o que já defendemos no recº 15/17.0EAEVR-E.L1 de que se transcreve essa parte: nos termos do disposto no artº 154º do CPC, aplicável ex vi artº 4º do CPP, que dispõe que as decisões judiciais ... são sempre fundamentadas não podendo a justificação consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento, salvo quando a contraparte não tenha apresentado oposição, e o caso seja de manifesta simplicidade. Se esta é a exigência em sede de Processo Civil, em que os litígios a dirimir são litígios entre privados, em sede de processo penal, em que estão em causa direitos constitucionais com tutela directa, que obrigam o Estado e os privados, (entidades públicas e privadas) a exigência não pode ser menor, ao invés, deve ser maior. No caso vertente, a única questão suscitada pelo recorrente que levou a formular pedido após as conclusões é a que se prende com a competência, ou não, dos Tribunais Portugueses para conhecer dos embargos de terceiro, deduzidos pelo BCP. - competência internacional já que o arresto preventivo sobre os bens resultou de pedido formulado pela República Popular de Angola ao abrigo de cooperação internacional. Como bem refere o MºPª, a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados da CPLP não determinou uma transferência de soberania jurisdicional dos Estados requerentes para os Estados requeridos, mas também não determinou o contrário, ou seja, não determinou que os Estados requeridos perdessem a sua soberania. Mas já não assiste razão ao MºPº quando afirma que a apreciação e decisão dos embargos de terceiro deduzidos em reacção ao arresto preventivo rogado -.. implica uma apreciação dos pressupostos do decretamento do arresto preventivo pelo Estado requerente e, nessa medida, não poderá ser efectuada pelo Estado requerido. Não implica qualquer reapreciação do decretamento do arresto preventivo decretado, dos seus fundamentos ou sequer da sua justeza, qualquer desconsideração pela Justiça Soberana da República Popular de Angola. Implica, isso sim, de acordo com o preceito que regulamenta a possibilidade de dedução de embargos, a apreciação de uma questão que é colocada por terceiro com garantias reais sobre os bens arrestados cuja existência podia, até, ser do desconhecimento da Justiça daquele Estado Soberano. Como se pode ler em anotação ao antigo 1037º do CPC de 1961 ..." quando ... qualquer diligência ordenada judicialmente que não seja a apreensão de bens em processo de falência ou de insolvência ofenda a posse de terceiro, pode o lesado fazer-se restituir à sua posse por meio de embargos... Considera-se terceiro aquele que não tenha intervindo no processo ou no acto jurídico de que emana a diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo ou quem no acto se obrigou... Como ensinava A.Reis, RLI 87º, 180 e Procs Esp. 1º, 404 ..." a posse susceptível de fundamentar os embargos de terceiro é a posse real e efectiva,... que é o caso dos autos. A oposição mediante embargos de terceiro está agora prevista na subsecção III do Livro II do CPC, deixou a acção declarativa de embargos de terceiro de ser tratada entre os processos especiais para ser regulada como se fosse um incidente da instância. E passou a entender-se que só a posse ou direito incompatível com a realização da diligência ordenada é que legitima os embargos, e que são direitos incompatíveis os... direitos reais de garantia que como o penhor e o direito de retenção impliquem a posse dos bens..." CPC da autoria de Lebre de Freitas O que está em causa, nos embargos de terceiro, não é, de modo algum, a reapreciação dos fundamentos da decisão de decretar o arresto preventivo emanada da Justiça de um Estado Soberano com o qual o Estado Português, igualmente Soberano, tem uma Convenção. O que está em causa é a apreciação da questão de saber se o BCP tem a posse efectiva e real dos bens arrestados, ou seja, se existe uma relação material entre o detentor e a coisa detida que possibilite a sua fruição -, em consequência de garantias reais legalmente constituídas, e se tem o animus. Essa questão é co-existente com a primeira, e até pode obstar à concretização da decisão emanada da Justiça da República Popular de Angola, mas não é a mesma, pois o objecto do processo de embargos não é o de sindicar aquela decisão e os seus fundamentos, antes o de saber se o Estado Português pode cumprir com o que foi pedido, ou se há questões prévias, designadamente, a existência de garantias reais previamente constituídas sobre os bens cujo arresto preventivo é pedido, que obstem à manutenção, e cumprimento do pedido. Aqui chegados, cumpre analisar se o Estado Português é internacionalmente competente para o efeito. Dispõe o artº 6º do Código do Processo Penal que ..." a lei processual penal é aplicável em todo o território português, e, bem assim, em território estrangeiro nos limites definidos pelos tratados, convenções e regras de direito internacional. Pode ler-se na anotação 2 da autoria do Exmo Conselheiro Henriques Gaspar que ..." a lei processual nacional é também aplicável a acto, diligência ou solicitação de uma entidade estrangeira formulada no âmbito da cooperação judiciária em matéria penal: os actos de cooperação solicitada ou a praticar no âmbito da cooperação são levados a cabo de acordo com a lei nacional... O princípio admite excepções podem decorrer em conformidade com a legislação do Estado que requer o auxílio desde que esse Estado o solicite expressamente ou em resultado de acordo, tratado ou convenção internacional. ...” No caso vertente, resulta da Convenção CPLP que a cooperação é levada a cabo nos termos da legislação nacional – artº 4º, nº 1 da Convenção e não foi formulado pedido expresso em sentido contrário. Do mesmo modo, resulta quer da Convenção CPLP quer da LCJIMP que ...o Estado requerido adoptará em conformidade com a sua legislação – artº 16º, nºs 2 e 3 da Convenção CPLP e artº 145º, nº 1 e 146º, nº 1 da LCJIMP Ora, tendo o Estado Português na sua disponibilidade a decisão sobre o destino a dar aos bens arrestados, nos termos do disposto no artº16, nº 3 alínea b) da Convenção CPLP, tem o Tribunal Português competência para conhecer dos embargos opostos àquela decisão sobre o pedido de arresto formulado pelo Estado Angolano por terceiro credor pignoratício com garantias reais com existência prévia àquele arresto. Aliás, se o Estado Português é competente para executar o pedido formulado de acordo com a legislação nacional, tal corno foi decidido por este Tribunal da Relação, implicitamente, ao revogar a decisão do Mmo Juiz do Tribunal "a quo" que não determinou o arresto pedido, tem igualmente competência para conhecer dos incidentes que se suscitem nesse processo de execução do pedido formulado, mormente, competência para conhecer do incidente de oposição de terceiro por meio de embargos, de harmonia aliás, com o disposto no artº 78º do CPC, subsidiariamente aplicável. O Tribunal Português é competente internacionalmente para conhecer da oposição de terceiro por meio de embargos deduzida pelo BCP, SA, pelo que o recurso interposto merecerá provimento, com consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que aceitando a atribuição da referida competência, aceite a oposição de terceiro mediante embargos, deduzida nos termos da legislação nacional, e demais trâmites, até decisão final. Decisão: Termos em que acordam, após vistos e conferência, em julgar procedente o recurso interposto pelo BCP, SA, e revogar o despacho judicial recorrido que deve ser substituído por outro que aceite, os embargos de terceiro deduzidos por aquele Banco requerente, no âmbito da competência internacional para o efeito atribuída, quer pelo artº 6º do CPP, quer pela Convenção CPLP, seguindo os autos os demais trâmites até final.” (sublinhados nossos). III Fundamentação A Questões Processuais Prévias 1. O recurso é admissível, desde logo em termos formais. Porquanto o Acórdão recorrido não admite recurso ordinário (arts. 400, n.º 1, al. c), e 432, n.º 1, al. b), do CPP); o recorrente possui legitimidade para interpor este recurso e tem interesse em agir (arts. 437, n.º 5, e 401 do CPP); sendo ele tempestivo (art. 438, n.º 1, do CPP). Além disso, o recorrente identificou o Acórdão (fundamento) com o qual o acórdão recorrido se encontraria em oposição (art. 438, n.º 2, do CPP). Durante o intervalo da sua prolação não se verificou, tampouco, qualquer modificação legislativa direta ou indiretamente insuscetível de dever alterar a resolução da questão de direito em apreço (art. 437, n.º 3, do CPP). E ambos os acórdãos transitaram já em julgado, tendo expressamente sido invocado apenas um acórdão fundamento (art. 437, n.º 4, art. 438, n.º 2 do CPP). Concretamente, o recorrente Novo Banco, S.A. tem legitimidade para a interposição de recurso e tem, ainda, interesse em agir, uma vez que o acórdão recorrido foi proferido contra o mesmo, condenando-o na prática de um crime. Tanto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nos presentes autos (Proc.º n.º 210/20.4TELSB-E.L1- acórdão recorrido), como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no Processo n.º 210/20.4TELS-F.L1 (acórdão fundamento), transitaram em julgado ( acórdão recorrido em 16.03.2021, e o acórdão fundamento em 07.01.2021), encontrando-se ambos publicados em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/3f9805487b35ea298025869d003903b7?OpenDocument (acórdão recorrido) e http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/c29470538018fe568025866500449e4f?OpenDocument (acórdão fundamento). 2. O thema decidendum no presente recurso é a verificação da ocorrência ou não da oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. Mais concretamente, a questão, na formulação do recorrente é a seguinte: “são ou não competentes os Tribunais portugueses para apreciação de embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa?” B Do Direito e dos Factos 1. A admissibilidade de um recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação de requisitos formais e substanciais legalmente determinados (arts. 437 e 438, n.ºs 1 e 2, do CPP) e já objeto de vária jurisprudência. Recorde-se a síntese do Sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2010, proferido no Proc.º n.º 6463/07.6TDLSB.L1-A.S1: “I - A oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a titulo principal e não secundário. II - As soluções jurídicas opostas devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto. 2. O problema que se põe na oposição que deve verificar-se entre Acórdãos para a consideração da ocorrência da necessidade de fixação de jurisprudência não é meramente uma questão de Direito, mas começa, precisamente, nos factos. Como já foi reconhecido por este Supremo Tribunal de Justiça, v.g. no Acórdão STJ 206/16.0T9FND.C1-A.S1, de 24/06/2020: “A identidade das situações de facto subjacente aos dois acórdãos em conflito é que permitiria estabelecer uma comparação que venha a concluir que, quanto à mesma questão de direito, existem soluções opostas e a necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas).” (Sumário, VI). Importa, pois, cotejar a factualidade em causa em cada um dos Acórdãos em confronto. E depois apreciar se as soluções jurídicas respetivas serão antinómicas ou não. Como é óbvio, não se podem considerar contraditórias, neste contexto, soluções sobre questões de facto diversas. Antes mesmo, pois, de as analisar de iure, há que aquilatar das situações de facto. Como claramente se expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017, Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1: "A oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento – se hajam debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações ou casos idênticos, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões, razão pela qual só ocorre oposição relevante quando se verifiquem decisões antagónicas e não apenas mera contraposição de fundamentos ou de afirmações. II - Só se pode considerar ocorrer identidade de situações ou casos quando a matéria de facto (os factos dados por provados na decisão proferida sobre a matéria de facto) é coincidente. III - Não sendo a matéria de facto igual ou equivalente não se poderá concluir que a divergência do resultado decisório resulta de diferente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, ou seja, que se verifica oposição em termos de direito." (sublinhados nossos). 3. Uma comparação a empreender tem de verificar se ocorre uma homologia de situações, com soluções jurídicas subsequentes contudo diversas. Concretamente, atento o thema decidendum, verificar-se-á que se poderão figurar dois níveis de factualidade: e uma delas é de índole jurídica. De qualquer forma, como é óbvio, não deixa de ser uma factualidade. 4. Assim, e reportando-nos à síntese do Recorrente, que bem baliza a questão, o que está em causa é a apreciação (jurídica) da competência dos Tribunais portugueses para apreciação de embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Os factos primeiros são já, como se disse, de índole jurídica: embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional. E não são factos isolados, mas só interessam na sua concatenação, jurídica já. As decisões conflituantes incidem iniludivelmente sobre esses factos, jurídicos. No fundo, a oposição jurídica verificada já implica uma homologia factual. Aliás, não se olvide que as decisões em oposição foram proferidas no mesmo processo, embora em segmentos diferentes, e com juízes diversos. 5. O que deve perspetivar-se é a apreciação (jurídica) da competência dos Tribunais portugueses para apreciação de embargos de terceiro apresentados por terceiro de boa-fé contra arresto preventivo rogado e decretado no âmbito de um pedido de cooperação judiciária internacional formulado ao abrigo da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal celebrada entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 6. O problema que se põe na oposição que deve verificar-se entre Acórdãos para a consideração da ocorrência da necessidade de fixação de jurisprudência não é meramente uma questão de Direito, mas começa, precisamente, nos factos. Nesta senda, Acórdão do STJ 206/16.0T9FND.C1-A.S1, de 24/06/2020: “A identidade das situações de facto subjacente aos dois acórdãos em conflito é que permitiria estabelecer uma comparação que venha a concluir que, quanto à mesma questão de direito, existem soluções opostas e a necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas).” (Sumário, VI). 7. Importa, pois, cotejar a factualidade em causa em cada um dos Acórdãos em confronto. E depois apreciar se as soluções jurídicas respetivas serão antinómicas ou não. Como é óbvio, não se podem considerar contraditórias, neste contexto, soluções sobre questões de facto diversas. Antes mesmo, pois, de as analisar de iure, há que aquilatar das situações de facto. Neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017, Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1: "A oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento – se hajam debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações ou casos idênticos, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões, razão pela qual só ocorre oposição relevante quando se verifiquem decisões antagónicas e não apenas mera contraposição de fundamentos ou de afirmações. II - Só se pode considerar ocorrer identidade de situações ou casos quando a matéria de facto (os factos dados por provados na decisão proferida sobre a matéria de facto) é coincidente. III - Não sendo a matéria de facto igual ou equivalente não se poderá concluir que a divergência do resultado decisório resulta de diferente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, ou seja, que se verifica oposição em termos de direito." (sublinhados nossos). Pelo que, terá se apurar se ocorre uma identidade de situações, com soluções jurídicas dissemelhantes. O acórdão recorrido, no ponto VI- 5, transcreveu “a argumentação aduzida pelo M.P. na 1.ª instância”, concluindo, no ponto VII, do seguinte modo: “Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo NOVO BANCO, SA e confirmar o despacho recorrido.” Considera ainda o Acórdão recorrido que: “interpretação das normas aplicáveis à situação dos autos no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para apreciar e decidir os embargos de terceiro deduzidos na sequência de um arresto preventivo determinado ao abrigo de um pedido de auxílio judiciário em matéria penal efectuado no âmbito da Convenção CPLP não viola qualquer norma constitucional, designadamente as invocadas pelo recorrente, nem nenhuma das demais indicadas pelo mesmo”. (sublinhamos) Já o Acórdão fundamento, no seu ponto 3, expõe como questão objeto do recurso interposto “a de saber se os Tribunais Portugueses são competentes para apreciar a matéria dos embargos de terceiros deduzidos pelo recorrente ao arresto preventivo decretado em resposta ao pedido formulado pela República Popular de Angola através de carta rogatória”. Ou seja, a questão-de-facto consiste, num e noutro caso, na mesma questão jurídica. E assim, conclui o acórdão fundamento sobre a mesma questão de facto que o “Tribunal Português é competente internacionalmente para conhecer da oposição de terceiro por meio de embargos deduzida pelo BCP, SA, pelo que o recurso interposto merecerá provimento, com consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que aceitando a atribuição da referida competência, aceite a oposição de terceiro mediante embargos, deduzida nos termos da legislação nacional, e demais trâmites, até decisão final”. (sublinhamos) 8. Há, efetivamente, uma homologia fática, e uma oposição de julgados evidente. As situações em que se encontravam o BCP e o Novo Banco, num e noutro dos julgados, eram substancialmente semelhantes. Ambos autores de embargos de terceiros, um viu a sua competência deferida e outro indeferida. Ou seja, as soluções jurídicas encontradas num e noutro dos Acórdão foram diametralmente opostas, embora proferidas no contexto da mesma legislação, e sobre factos fundamentalmente semelhantes. Sublinhe-se: o Acórdão recorrido afirma que, como segmento conclusivo do seu dispositivo: “A norma resultante dos termos conjugados do disposto nos arts. n.°s 1.º, 4° n.° 1 e 16.° n.°s 2, 3 e 4 da Convenção CPLP, interpretados no sentido de que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para apreciar e decidir embargos de terceiro deduzidos na sequência de um arresto preventivo rogado por um Estado Contratante, aceite pelo Estado Português e cumprido de acordo com a legislação portuguesa, é materialmente inconstitucional por violação do art. 8.° n.° 2 da CRP.” (do parecer do M.P.) Não foram violadas quaisquer normas legais e/ou constitucionais, maxime o disposto nos artigos 2.°, 8.°, 18.°, n.ºs 2 e 3, 20.°, n.º 1, 4 e 5, 32.°, n.ºs 1 e 5, 61.°, 62.° e 205.° da CRP, 4.°, 97.º, 118.°, n.° 2, 123.° 228.° do CPP, 4.° a 6.°, 110.° do CP, 96.°, 97.°, 99.º, 391.° a 393.° do CPC e 6.°, 8.°, 9.°, 10.°, 12.° do DL n° 105/2004, 10.° da DUDH, 3.°, 4.° e 16.°, n.ºs 2 a 4 da Convenção CPLP e 28.°, n.° 4, 145.° e 146.° da LCJIMP. VII - Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso interposto pelo NOVO BANCO, SA e confirmar o despacho recorrido.” Já o Acórdão fundamento havia, pelo contrário, considerado (incluindo o texto da decisão proprio sensu): “O Tribunal Português é competente internacionalmente para conhecer da oposição de terceiro por meio de embargos deduzida pelo BCP, SA, pelo que o recurso interposto merecerá provimento, com consequente revogação do despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro, que aceitando a atribuição da referida competência, aceite a oposição de terceiro mediante embargos, deduzida nos termos da legislação nacional, e demais trâmites, até decisão final. Decisão: Termos em que acordam, após vistos e conferência, em julgar procedente o recurso interposto pelo BCP, SA, e revogar o despacho judicial recorrido que deve ser substituído por outro que aceite, os embargos de terceiro deduzidos por aquele Banco requerente, no âmbito da competência internacional para o efeito atribuída, quer pelo artº 6º do CPP, quer pela Convenção CPLP, seguindo os autos os demais trâmites até final.” É sempre a referência à Convenção da CPLP, é sempre a questão de embargos de terceiro que estão em causa, mas são contrárias entre si as decisões de um e outro dos Acórdãos. 9. Por tudo o que atrás se afirmou, e pode com evidência aquilatar-se das transcrições efetuadas do texto dos dois Acórdãos, concluiu-se que o decidido no acórdão recorrido detém identidade da situação de facto com o circunstancialismo do acórdão fundamento, bem como apresenta para a mesma questão de direito uma solução jurídica oposta ao decidido no acórdão fundamento, tudo se inscrevendo no pano de fundo da mesma normatividade. Desta feita, conclui-se pela verificação da necessária oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento. IV Dispositivo Termos em que, decidindo em conferência, na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça se acorda, nos termos dos arts. 440 e 441, n.º 1, in fine do CPP, em admitir o presente recurso de fixação de jurisprudência, pela verificação da oposição de julgados. Pelo que o recurso prosseguirá os seus ulteriores trâmites. Sem custas. Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2021 Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator) Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta) |