Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22782/17.0T8PRT.P1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: AÇÃO DE PREFERÊNCIA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
COMPRA E VENDA EM GRUPO
ARRENDATÁRIO
PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRAÇÃO AUTÓNOMA
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
PREJUÍZO CONSIDERÁVEL
Data do Acordão: 06/02/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - As fracções que fazem parte de um edifício constituído em propriedade horizontal têm autonomia jurídica, no sentido de que qualquer delas pode ser objecto de relações jurídicas (de compra e venda, como no caso).

II - A aplicação do art. 417.º do CC supõe que as coisas a vender juntamente por um preço global pertençam, todas elas, ao mesmo obrigado à preferência, ou seja, ao locador da fracção arrendada.

III - Não é, pois, admissível uma interpretação extensiva do mesmo preceito no sentido de que o obrigado à preferência pode exigir do arrendatário de uma fracção que a preferência abranja outras fracções do mesmo prédio que não lhe pertencem e que não foram por ele vendidas, apesar de constituírem com as suas, de que é dono, uma “unidade de sentido sócio-económico ou familiar” e ter estado, subjacente à pluralidade dos diversos contratos envolvendo diversas fracções, uma venda em conjunto e um único processo negocial.

IV - Na verdade, uma tal interpretação implicaria uma restrição inadmissível do direito do preferente que, ao ser obrigado a adquirir fracções que não pertencem ao obrigado à preferência, mas a outros proprietários, veria, assim, o seu direito de preferência totalmente esvaziado.

Decisão Texto Integral:
            Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:




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CLIMEX – CONTROLO DE AMBIENTE, SA, com sede na R. ..., n.º …, ... intentou contra AA e BB, residentes em ..., CEN – CENTRO NACIONAL DE ESTÉTICA, LD.ª, com sede em, ... e BANCO BPI, com sede no Porto, acção declarativa em que pretende ver reconhecido o seu direito de preferência na aquisição da fração autónoma “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... – C, sita na Rua ..., n.º ..., ... Porto e Rua ..., n.º … e …, ... Porto, pelo preço de 79.200,00€, fracção essa que os 1.º e 2.º RR venderam à 3.ª Ré.

    Para tanto, alegou: a qualidade de arrendatária do imóvel; a sua notificação pelo 1.º R., a 3.3.2017, para que preferisse na venda do prédio de que é componente a referida fração, tendo a A. respondido afirmativamente pelo valor individual indicado para a mesma - € 79.2000, 00, posição negocial que o primeiro A. não aceitou sob a alegação de pretender vender todo o prédio, existindo prejuízo na venda em separado daquela fração; que a venda separada é possível, atenta a propriedade horizontal constituída.

    Contestou a primeira Ré por excepção de caducidade, julgada improcedente no despacho saneador. No mais, alega que foi condição essencial do negócio a aquisição da totalidade do prédio, não pretendendo a compradora senão todo o imóvel por carecer de todas as frações para a sua atividade, sendo ainda mais acessível o preço se adquirido o prédio na totalidade ao invés das frações separadas. Os vendedores não tinham, ademais, interessados em adquirir a totalidade das frações, surgindo a venda como única forma de colocar termo a uma compropriedade de difícil gestão. Se a A. pretendia exercer a preferência deveria tê-lo feito nas exatas condições em que a intenção de venda lhe foi comunicada.

     Contestaram de igual modo os 1.º e 2.ª RR., arguindo a ilegitimidade desta, excepção julgada improcedente no despacho saneador e a caducidade do direito que a A. pretende aqui exercitar; mais referem que o prédio foi vendido na totalidade, correspondendo o preço global à venda integral e não à soma do valor real de cada uma das frações, situação que correspondeu ao interesse de vendedores e compradora, posto que os primeiros pretenderam colocar termo a uma compropriedade de difícil gestão, vendendo o imóvel na totalidade, e a compradora também apenas aquela totalidade pretendeu adquirir.

    Após julgamento veio a ser proferida sentença que considerou a ação improcedente.

Desta sentença recorreu a A., visando a sua revogação e substituição por outra que julgue a ação procedente.

Porém, a Relação julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.

Do acórdão veio no entanto, a autora/apelante interpor recurso de revista excepcional, formulando, a final da alegação, as seguintes conclusões:

  “1. Deve ser admitida a revista excecional na medida em que o Doutamente decidido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto é inédito, constituindo matéria a necessitar de uma maior ponderação isto para que o direito seja melhor aplicado e possa sobrevir numa solução tendencialmente conhecida e generalizada a todos os aplicadores do direito e bem assim porque se verificam interesses sociais relevantes, não apenas no seio do presente processo mas com interesse pratico para todos os que se encontrem numa relação de arrendamento.

2. A Autora interpôs a presente ação alegando ser arrendatária há mais de três anos, da fração autónoma do prédio designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano descrito na 1.º Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... – C, sita na Rua ..., n.º ..., ... Porto e Rua ..., n.º … e …, ... Porto.

3. Fração que houvera sido vendida pelos primeiros RR à segunda Ré, CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, em 31 de Julho de 2017, através da escritura publica de “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 22 v.,

4. O direito de preferência legal da Autora foi-lhe reconhecido em ambas as instâncias, não obstante, não eficaz, na medida em que se considerou no âmbito do presente Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, que a Autora apenas poderia exercer o seu direito de preferência caso optasse por adquirir a totalidade das frações autónomas que compunham a totalidade do prédio, e não apenas a fração C, que ocupava na qualidade de arrendatária, porque era licito aos RR exigir-lhe que adquirisse não apenas a aludida fração, mas todas as restantes que compunham o mesmo prédio, e isso, não obstante estas outras não pertencerem aos a RR vendedores e assim era porque, estavam integradas numa unidade com relevância económica e social, sob pena de se verificar sobrevir prejuízo apreciável para os RR vendedores, tudo nos termos e para os efeitos do artigo 417/1 do CC.

5. Ora, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto entendeu que para os efeitos do n.º 1 do artigo 417.º do Código Civil, aos RR vendedores, na qualidade de obrigados à preferência, assiste o direito de exigir que a Autora, na qualidade de titular do direito de preferência, possa exigir que esta tenha de adquirir, para poder beneficiar do exercício do seu original direito de preferência (a fração objeto do contrato de arrendamento) não apenas a coisa que é sua, objeto do direito legal de preferência, objeto da relação locatícia em questão, mas ainda outros bens, que sejam de terceiros, não obstante desde que estes estejam numa relação de unidade económica familiar, social que seja entendida como relevante. 

6. Ora, n.º 1 do artigo 417.º do Código Civil, apenas permite ao obrigado à preferência exigir que o titular do direito de preferência, tenha de adquirir outras coisas para além das que constituem o objeto do seu direito legal de preferência, que sejam suas, ou seja, de que seja igualmente proprietário.

7. Exigir que o titular do direito legal de preferência para exercer o seu direito, tenha de adquirir outras coisas, propriedade de terceiros, seria restringir inadmissível e ilegalmente o seu direito.

8. Para além de que, não é justificável que o obrigado à preleção possa exigir que o titular do direito legal cumpra uma obrigação, que não esta em condições de a ele próprio ser exigido, pois que, o titular do direito legal de preferência nunca poderá exigir coercivamente o cumprimento da obrigação total que lhe esta a ele a ser exigido na medida em que, não se pode exigir a quem não é proprietário dos bens que os venda.  

9. Não é pois juridicamente aceitável uma solução em que ao titular do direito legal de preferência possa ser exigido coercivamente o cumprimento da sua declaração intenção de preferir, mas ao obrigado à preleção, já não seja possível, porque a ninguém pode ser exigido que venda bens que não são seus, como seria a situação, caso se acolhesse a posição que fez vencimento no âmbito do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto.

10. Por outro lado, verificando-se que o obrigado à preferência nunca notificou a Autora de que pretendia adicionar ou exigir que esta adquirisse os concretos bens que foram efetivamente transacionados, mas um bem, que na realidade não existia, não pode beneficiar da exigência de que a autora adquirisse outras coisas para além da que constituía objeto do contrato de arrendamento, para os efeitos do n.º 1 do artigo 417 do Código Civil.

11. Ou seja, tendo os RR vendedores notificado a Autora no sentido desta adquirir um prédio que não existia, sendo que o que existia era um conjunto de frações autónomas, que constituem em si tantos prédios como o numero de frações, não pode assistir-lhe o direito de exigir que a Ré, para exercitar o seu direito legal de preferência à aquisição da fração C, tenha de adquirir outras coisas, porque estas, nunca lhe foram dadas a conhecer, se se quiser a preferir, ou ainda se se quiser a integrar no alargamento do seu direito legal de preferência. Naturalmente o que não foi dito ou comunicado à Autora, não podia constituir objeto da sua decisão de preferir.

12. Finalmente, não constitui prejuízo apreciável para os efeitos do n.º 1 do artigo 417.º “in fine” do Código Civil, uma simples “economia de meios e ou simplificação do processo negocial, ou ainda um simples propósito subjetivo do proprietário, obrigado à preferência, em evitar que um dos membros da família, seja este o proprietário do bem que constitui o bem objeto da relação locatícia em questão ou um outro qualquer titular de um dos bens que vieram a ser vendidos em conjunto, tivesse de partilhar a gestão do prédio ou dos prédios com terceiros.

13. Esta simplificação de meios do processo negocial não é um prejuízo e muito menos apreciável, para os efeitos do artigo 417/1 do CC, mas uma normal contingência de quem quer vender um prédio qualquer.

14. E a pretensão de se evitar que tenha de ser partilhada uma gestão com terceiros de vários prédios que antes eram geridos em conjunto, também não representa um qualquer prejuízo e muito menos apreciável, para os efeitos do n.º 1 do artigo 417.º do CC representando antes uma normal contingência da vida em sociedade e uma normal obrigação de quem é proprietário de quaisquer bens em ter de os gerir, onde bastando encontrar alguém que o queira fazer em termos profissionais, faz desaparecer.

15. Deve pois ser alterada a decisão do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, por outra que julgue a ação procedente.

16. Alteração que se impõe julgando a ação procedente na medida em que não assiste o direito aos RR vendedores de exigirem que a Autora adquira outros bens que não sejam seus, e por isso, não podendo exigir que a Ré adquira as restantes frações do prédio, não pode deixar de se considerar que o direito de preferência de que a Autora beneficia seja eficaz e ou procedente.

       FUNDAMENTO ESPECIFICO DA REVISTA - 674/1 al. a) do CPC

     O fundamento da presente revista é a violação de lei substantiva que consiste em erro de interpretação ou de aplicação do artigo 417/1 do Código Civil.

  AS NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS E O SENTIDO COM QUE, NO ENTENDER DO RECORRENTE, AS NORMAS QUE CONSTITUEM FUNDAMENTO JURÍDICO DA DECISÃO DEVIAM TER SIDO INTERPRETADAS E APLICADAS;

      Foi violado o n.º 1 do artigo 417.º do código civil na medida em que se considerou que o obrigado à preleção pode exigir, que o titular do direito legal de preferência para poder preferir na transação que se vai realizar do prédio que constitui objeto da sua concreta locação, tenha também de preferir, não apenas pelos bens que são propriedade do obrigado à preleção e que constituem objeto da sua intenção de venda, mas outrossim e ainda, de outros bens, que não sendo de sua propriedade, sejam de terceiros e que estejam a ser vendidos em conjunto, ainda que, todos eles constituam uma unidade social ou familiar, por antes terem feito parte de um qualquer prédio só.

     Foi igualmente violado o n.º 1 do artigo 417.º do CC, desta feita “in fine” quando se considerou que uma economia de meios ou simplificação de processo negocial quando realizado em uníssono para um aglomerado de prédios ao invés do processo inerente a uma venda em separada desse mesmo conjunto de prédios é um beneficio, que a não ser prosseguida representa um prejuízo apreciável para os efeitos da aludida norma, e ainda que uma preferência por uma situação de gestão conjunta prédios no seio de uma família, a desaparecer, pela necessidade de ser adicionado a essa gestão terceiras pessoas, é igualmente um prejuízo para os efeitos da aludida norma.

     Deveria ter sido interpretado o artigo 417 do Código Civil no sentido de que, não pode o obrigado à preferência adicionar outros bens que não sejam seus, mas de terceiros quaisquer, para exigir que o titular do direito de preferência se quiser preferir tenha de os adquirir igualmente.

   Deve pois ser alterada o doutamente decidido, assim se fazendo justiça, mas como sempre V/ Ex.ºs melhor conhecendo o direito farão a já acostumada justiça. “

   Os réus contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso.

         Cumpre decidir.

      A matéria de facto provada dada como provada nas instâncias é a seguinte:

“1.º − O prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., Porto, é constituído por dez frações autónomas, tendo sido mandado construir pelo avô do primeiro réu.

2.º − Até 31 de julho de 2017, as dez frações autónomas deste prédio foram administradas em conjunto pelos seus donos, filhos e netos do construtor e uma sociedade por estes detida.

3.º − Os titulares das dez frações autónomas inscritos no Registo Predial, até tal data, e desta sociedade, entre os quais o ora primeiro réu, residem em ..., não mantendo vida familiar ou atividade profissional no Porto.

4.º − Os referidos anteriores titulares decidiram proceder à venda conjunta do prédio, de modo a simplificar as negociações e o procedimento da venda das frações, e a evitar que, em resultado da eventual concretização da venda de algumas frações em datas diferentes, a administração do prédio tivesse de ser partilhada com estranhos à família.

5.º − Na concretização deste propósito, os referidos anteriores titulares contactaram a terceira ré, no sentido de conhecer o seu interesse na aquisição de todo o prédio, por ser ela a arrendatária do maior número de frações autónomas no mesmo.

6.º − O preço de venda do edifício inicialmente proposto pelos vendedores foi de um milhão de euros.

7.º − Em 31 de julho de 2017, o primeiro réu (por procuração), com o consentimento da segunda ré, e a terceira ré, CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 22 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito:

«Que pela presente escritura e pelo preço global de DUZENTOS E QUARENTA E DOIS MIL E SESSENTA EUROS, que já recebeu [AA], vende, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, os seguintes imóveis:

− Pelo preço de oitenta e um mil quatrocentos e trinta euros a fração autónoma designada pela letra “B” (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 83.262,18 €;

− Pelo preço de setenta e nove mil e duzentos euros a fração autónoma designada pela letra “C” (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 80.982,00 €;

− Pelo preço de oitenta e um mil quatrocentos e trinta euros a fração autónoma designada pela letra “E” (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 83.262,18 €;

todas do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto».

8.º − Em 31 de julho de 2017, a terceira ré e a quarta ré subscreveram a escritura pública intitulada “HIPOTECA”, junta a fls. 27, mediante a qual a primeira constituiu a favor da segunda hipoteca sobre, designadamente, as frações referidas no ponto 7.º − factos provados −, tendo esta hipoteca sido inscrita na Conservatória do Registo Predial do Porto, mediante a inscrição AP n.º 3315, de 31 de julho de 2017, conforme documento junto a fls. 32, que aqui se dá por transcrito.

9.º − Em 31 de julho de 2017, CC e DD, como representantes de Emílio Vilar, Imobiliária, L.da, e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 75 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço de CENTO E QUARENTA E SETE MIL OITOCENTOS E NOVENTA EUROS, que já recebeu [Emílio Vilar, Imobiliária, L.da], vende, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, o seguinte imóvel: // A fração autónoma designada pela letra “A”, (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 364.860,00 €».

10.º − Em 31 de julho de 2017, DD, EE e FF, e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 81 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço global de OITENTA E UM MIL QUATROCENTOS E TRINTA EUROS, que já receberam (…), vendem, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, o seguinte imóvel: // A fração autónoma designada pela letra “D”, (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 83.262,18 €».

11.º − Em 31 de julho de 2017, DD e EE, e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 86 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço global de OITENTA E UM MIL QUATROCENTOS E TRINTA EUROS, que já receberam (…), vendem, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, o seguinte imóvel: // A fração autónoma designada pela letra “F”, (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 83.262,18 €».

12.º − Em 31 de julho de 2017, DD e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 89 v., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço global de SETENTA E NOVE MIL E DUZENTOS EUROS, que já recebeu (…), vende, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, o seguinte imóvel: // A fração autónoma designada pela letra “G”, (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 80.982,00 €».

13.º − Em 31 de julho de 2017, GG e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 92, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço global de CENTO E SESSENTA E DOIS MIL DUZENTOS E DEZ EUROS, que já recebeu (…), vende, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, os seguintes imóveis: // − Pelo preço de oitenta e um mil quatrocentos e trinta euros a fração autónoma designada pela letra “H” (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 83.262,18 €. // −Pelo preço de oitenta mil setecentos e oitenta euros a fração autónoma designada pela letra “I” (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 82.597,55 €».

14.º − Em 31 de julho de 2017, FF e a terceira ré subscreveram a escritura pública intitulada “COMPRA E VENDA”, junta a fls. 96., onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Que pela presente escritura e pelo preço global de OITENTA MIL SETECENTOS E OITENTA EUROS, que já recebeu (…), vende, livre de quaisquer ónus e encargos, à sociedade (…) CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, o seguinte imóvel: // A fração autónoma designada pela letra “J”, (…) do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ... n.º ..., (…) Porto (…), com o valor patrimonial correspondente a esta fração de 82.597,55 €».

15.º − A venda das frações autónomas à terceira ré foi negociada em conjunto, como venda do prédio, por um preço global de € 875.000,00, com recurso pela adquirente a um financiamento global, junto da quarta ré, conforme documento junto a fls. 57 v. e segs., que aqui se dá por transcrito, sendo o referido preço pago mediante a entrega de um único cheque à ordem de CC, conforme documento junto a fls. 106, que aqui se dá por transcrito.

16.º − O preço da venda correspondente apenas à fração autónoma designada pela letra “C” não foi negociado entre as partes outorgantes da escritura descrita no ponto 7.º − factos provados.

17.º − O preço declarado na escritura pública para a venda da fração autónoma designada pela letra “C” corresponde à divisão proporcional do preço global acordado para a venda do prédio pelas diferentes frações autónomas que o compõem.

18.º − O valor de mercado da fração autónoma designada pela letra “C” não é inferior a € 80.982,00.

19.º − O valor de mercado da fração autónoma designada pela letra “B” não é inferior a € 83.262,18.

20.º − O valor de mercado da fração autónoma designada pela letra “E” não é inferior a € 83.262,18.

21.º − O primeiro réu, assim como os demais vendedores, só decidiu e aceitou vender as suas frações pelos preços declarados, resultantes da divisão proporcional do preço global acordado, individualmente inferiores aos seus preços de mercado, porque a venda seria feita em conjunto, resultante de um único processo negocial, sendo esta circunstância determinante da sua vontade de contratar.

22.º − A terceira ré não manifestou outra vontade ou propósito de aquisição que não fosse pela totalidade do prédio.

23.º − Em 14 de julho de 2003, CC (por procuração) e SECURIPLANO – Serviços Integrados de Segurança, L.da, subscreveram o documento intitulado “CONTRATO PROMESSA DE ARRENDAMENTO”, junto a fls. 3 v. e que aqui se dá por transcrito, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra “H”, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., Porto, constituído em propriedade horizontal.

24.º − A partir de então, a SECURIPLANO passou a ocupar a referida fração autónoma, pagando a renda descrita no referido documento.

25.º − Em 23 de maio de 2007, a SECURIPLANO, a autora, Climex, S.A., CC e EE (estes por procuração) subscreveram o documento intitulado “CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL REFERENTE AO CONTRATO PROMESSA DE ARRENDAMENTO CELEBRADO EM 14 DE Julho de 2003”, junto a fls. 6 v. e que aqui se dá por transcrito, tendo por objeto a fração autónoma designada pela letra “C”, do prédio urbano sito na Rua ..., n.º ..., Porto.

26.º − Em 3 de março de 2017, o primeiro réu (por procuração) remeteu à autora carta registada com aviso de receção, por esta recebida, comunicando a intenção de vender o prédio de onde está incluída a fração, pelo preço global de € 875.000,00, sendo atribuído à fração arrendada o valor de € 79.200,00, conforme documento junto a fls. 8, que aqui se dá por transcrito.

27.º − Em 8 de março de 2017, a autora remeteu à procuradora do primeiro réu carta registada com aviso de receção, por esta recebida, comunicando a intenção de exercer a preferência e adquirir a fração arrendada, pelo preço de € 79.200,00, conforme documento junto a fls. 9 v., que aqui se dá por transcrito.

28.º − Em 15 de março de 2017, o primeiro réu (por procuração) remeteu à autora carta registada com aviso de receção, por esta recebida, informando que pretendia fazer a venda apenas da totalidade do prédio, não aceitando a venda nem o exercício do direito de preferência apenas da fração arrendada, conforme documento junto a fls. 21, onde consta, além do mais que aqui se dá por transcrito: «Se, por hipótese, o contrato com a CEN, L.da, vier a ser cancelado, e se o local arrendado pela CLIMEX, S.A., para sua atividade comercial for objeto de um novo contrato de compra e venda, compreenderão, certamente, que o valor terá que ser substancialmente diferente ao agora repartido, pois este foi atribuído, unicamente, para efeitos fiscais e prediais (…)»[1].

29.º − A autora teve conhecimento da referida alienação pelo teor da carta datada de 9 de agosto de 2017, por si recebida, junta a fls. 25, que aqui se dá por transcrita.”

Quanto aos factos não provados, ficou consignado na sentença, sem alteração:

“Todos os restantes factos descritos nos articulados, bem como os aventados na instrução da causa, distintos dos considerados provados – discriminados entre os “factos provados” ou considerados na “motivação” (aqui quanto aos instrumentais) –, resultaram não provados.“

        O Direito:

    Na presente acção a Autora - enquanto arrendatária há mais de três anos, da fracção autónoma do prédio designada pela letra “C”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, do prédio urbano descrito, - visa exercer o seu direito legal de preferência na aquisição da fracção que foi vendida pelos primeiros RR à segunda Ré, CEN – Centro Nacional de Estética, L.da, em 31 de Julho de 2017.

Todavia, a Relação, que confirmou a decisão de 1ª instância, ponderou que: embora as fracções sejam independentes, mercê deste fraccionamento, a verdade é que o imóvel surgiu no seio de uma estrutura familiar restrita e tem-se mantido no seio desta; as dez fracções que existem foram autonomizadas dentro de uma estrutura predial outrora construído pelo avô do R. e, depois disso, sob domínio dos seus filhos e netos; a divisão de um imóvel em fracções, por força da introdução do desenho legal previsto nos arts. 1414º e ss. do Código Civil (propriedade horizontal), quando tal imóvel, construído pelo pai e avô dos novos condóminos das frações autonomizadas, continua na titularidade e administração familiar, acaba por constituir, nas relações entre estes e naquelas que intercedam entre estes e terceiros (mormente potenciais compradores das frações), uma ficção legal, tudo se passando como sucede com os co-herdeiros ou os comproprietários, relativamente aos bens da herança ou aos bens integrados na compropriedade; assim, ainda que possa dizer-se que, formal e juridicamente, o prédio não existia, já subjectivamente (critério que é o convocável quando se aprecia a noção de prejuízo apreciável), o mesmo continuava sendo assim encarado pelos titulares das diversas fracções; não obstante se tratar de vendas individuais, existe união de contratos, pelo menos de um ponto de vista sócio-económico, surgindo a vontade e interesse na venda global absolutamente justificados; sendo assim, considera-se prejuízo apreciável para cada um dos condóminos que assim aliena a terceiro interessado na globalidade do prédio o exercício por um dos inquilinos de uma das fracções do direito de preferência sobre a venda da mesma, desde logo porque, desse modo, se impede a concretização da venda global projectada de forma a evitar o que nenhum dos contitulares deseja e que é a entrada no condomínio, a par dos primitivos proprietários, de terceiros estranhos à família; não exige o art. 417º, para lograr impedir o funcionamento da preempção isolada pelo bem a ela sujeito, que todas as coisas inseridas na totalidade da venda pertençam ao obrigado à preferência, bastando que se verifique se se trate de coisas que, embora na titularidade de terceiros, constituam com aquela uma unidade de sentido sócio-económico, familiar ou outro.

Insurge-se a recorrente contra o entendimento da Relação e cremos que com razão.

Como é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, a lei reguladora do direito de preferência é a vigente à data da celebração do acto de alienação (cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 21.01.2016, proc. nº 9065/12.1TCLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Assim, datando o contrato (aliás, todos eles) de 31 de Julho de 2107, ao direito de preferência invocado pela autora deve ser aplicado o disposto no art. 1091º, nº 1, al. a) do Código Civil, na redacção introduzida pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou o NRAU.

Por outro lado, é também incontroverso ao nível da jurisprudência do STJ que o art. 1091º do Código Civil, restringe a preferência do arrendatário na venda do local objecto do contrato de arrendamento (“local arrendado”) aos casos em que o mesmo seja autonomamente transaccionável, o que implica, necessariamente, a prévia submissão do prédio ao regime da propriedade horizontal. Atento o teor do art. 1091º, n.º 1, al. a) do Código Civil, na redacção da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o direito de preferência conferido ao arrendatário está, pois, confinado ao andar ou à parte do prédio que constitui o objeto concreto do contrato de arrendamento, o qual, para ser transacionável, deve estar juridicamente autonomizado (cfr., v.g., Ac. STJ de 7.11.2019, proc. nº 14276/18.3T8PRT.P1.S2 e Ac. STJ de 11.7.2019, proc. 3818/17.1T8VNG.G1.S2, ambos em www.dgsi.pt)

   Ora, no caso presente, dividido que está em propriedade horizontal, o prédio, no seu conjunto não tem autonomia jurídica, (arts. 1414º e 1415º do Código Civil). Apenas as fracções que fazem parte do edifício têm autonomia jurídica, no sentido de que somente qualquer delas pode ser objecto de relações jurídicas (de compra e venda, como no caso). Os contratos só podem incidir, pois (como, aliás, incidem no caso presente), sobre fracções autónomas e não sobre o prédio único.

É verdade que existe uma pluralidade de contratos em que a compradora é a mesma e os vendedores estão ligados por laços familiares. 

No entanto, não cremos que tal circunstância altere os dados do problema e que seja possível sustentar, como o faz a decisão recorrida, que o art. 417º do Código Civil não exige que todas as coisas inseridas na totalidade da venda pertençam ao obrigado à preferência bastando que se verifique que se trate de coisas que, embora na titularidade de terceiros, constituam com aquela uma “unidade de sentido sócio-económico, familiar ou outro”.

      Em primeiro lugar, o art. 417º do Código Civil só se aplica no caso de a alienação do bem objecto da preferência em conjunto com outro ou outros bens ser decidida pelo vinculado à preferência por um preço global (cfr. Ac. STJ de 1.7.2014, proc. 599/11.6TVPRT.P2.S1, em www.dgsi.pt, que cita Antunes Varela, em “Das Obrigações em Geral”, vol. I, págs. 369 e 370, e Agostinho Cardoso Guedes, in “O Exercício do Direito de Preferência”, a págs. 402 a 407). O exercício do art. 417º do Código Civil supõe, portanto, que a coisa a vender ou as coisas a vender juntamente por um preço global pertençam (todas elas) ao obrigado à preferência, que as inclui no mesmo negócio.

    Ora revertendo ao caso judice, verifica-se que o primeiro réu AA não vendeu todas as fracções do prédio por um preço global. Vendeu apenas as fracções C (a arrendada), juntamente com a B e a E. E vendeu-as pelos preços de x, y e z, declarados na escritura.

    É certo que a venda de todas as fracções foi negociada em conjunto por um preço global (15), e que todas as escrituras foram efectuadas no mesmo dia, tendo os preços declarados em cada uma delas resultado da divisão proporcional do preço global acordado (21).

     Todavia, estando os contratos sujeitos a forma legal e não tendo sido arguida a simulação dos contratos e dos preços (aliás, inoponível à autora nos termos do art. 243º do Código Civil), temos de aceitar como verdadeiro que os donos das fracções efectuaram diversos contratos pelos preços declarados nas escrituras (cfr. o citado Ac. STJ de 1.7.2014 e o 20.6.2013, no proc. 1043/10.1TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt) independentemente de se poder ou não considerar que existe aqui uma espécie de união extrínseca de contratos, ligados por um nexo exterior a estes (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3.ª ed., pág. 281). É que, mesmo nessa circunstância, cada um dos contratos mantém a sua autonomia jurídica ( Menezes Leitão, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ªedição, pág. 379).

Além disso, é absurdo exigir que os preferentes (que têm apenas uma fracção arrendada) adquiram não apenas as fracções do réu (três) mas todas as outras (sete) pertencentes a outros proprietários (ainda que da mesma família). Como se disse, o n.º 1 do artigo 417.º do Código Civil (2ª parte), apenas permite que o obrigado à preferência possa exigir que o titular do direito de preferência adquira, para além das que constituem o objecto do seu direito legal de preferência, outras coisas que sejam do obrigado, das quais ele seja igualmente proprietário. Exigir, portanto, que, para exercer o seu direito, o titular do direito legal de preferência, tenha de adquirir outras coisas, propriedade de terceiros, seria (como justamente sublinha a recorrente) restringir inadmissível e ilegalmente esse direito.

     Não é assim, aplicável o disposto no art. 417º do Código Civil relativamente ao conjunto do prédio, pois não foi o réu que, nos termos das escrituras, e com excepção das fracções B), C) e E) vendeu as fracções que o integram.

        Prejuízo apreciável:

      Mas ainda que fosse aplicável a 1ª parte do nº 1 do art. 417º do Código Civil, não teria lugar, ainda, assim, a aplicação da 2ª parte do mesmo preceito.

    É certo que para se aferir do prejuízo apreciável de uma venda isolada de uma unidade predial em confronto com a sua venda em conjunto, o interesse do comprador é irrelevante, pois o que o art. 417º do Código Civil quis preservar – ao permitir que o obrigado (vendedor) e não o comprador exija que a preferência abranja outras fracções, se estas não forem separáveis das outras sem prejuízo apreciável - foi o interesse do proprietário vendedor (António Agostinho Guedes, em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações…, pág. 102; e o citado Ac. STJ de 20.6.2013).

       Escreve, a propósito, Agostinho Guedes, em loc. cit.: “ … a ideia de que o prejuízo apreciável tem de ser referido ao modo como a separação afecta os interesses do sujeito passivo no negócio projectado significa também que o mesmo tem de ser avaliado na perspectiva do sujeito passivo e no contexto concreto em que o negócio se apresenta…” E mais adiante: “Questões como a inseparabilidade económica ou funcional, por exemplo, não podem ser avaliadas em termos meramente objectivos mas carecem de ser vistas no conjunto das finalidades prosseguidas pelo alienante e adquirente. Isto significa que o prejuízo sério para o sujeito passivo pode resultar de a separação das coisas causar dano material a alguma delas, do facto de cada coisa valer muito mais em conjunto com as outras do que valeria individualmente e pode resultar, também, da falta de interesse do adquirente celebrar o negócio noutros termos em que não aqueles, caso em que o exercício da preferência em relação a uma das coisas impedirá a venda das restantes ao terceiro “

     Ora, nenhumas destas hipóteses alvitradas pelo autor se verifica.

  Por um lado, a separação das coisas (fracções) não causa dano material a alguma delas; por outro, não está provado que cada coisa vendida pelo réu (fracção) valha muito mais em conjunto com as outras do que valeria individualmente (pelo contrário, cfr.. facto 21). Aliás, a latere, assinale-se (e só porque tal vem mencionado na sentença) que, mesmo na perspectiva limitada aos bens vendidos pelo réu AA, sendo verdade que a fracção C (fracção autónoma arrendada) foi vendida por € 79.200 (7) e que o valor de mercado desta fracção não é inferior a € 80.982,18 (18), nunca a diferença de € 1.282,18 poderia representar, por si só, um prejuízo apreciável, de forma a permitir que o réu exigisse a venda dos bens referidos em B) e E).

     Ainda relativamente à última hipótese, não estaria provado que o exercício da preferência em relação a uma das coisas impedisse a venda das restantes a terceiros. Ou que da venda em separado das fracções resultasse prejuízo apreciável.

Mas apreciemos o concreto “prejuízo apreciável” concretamente invocado pelos réus: o de que decidiram proceder à venda conjunta do prédio, de modo a simplificar as negociações e o procedimento da venda das fracções e a evitar que, em resultado da eventual concretização da venda de algumas fracções em datas diferentes, a administração do prédio tivesse de ser partilhada com estranhos à família (4 e 5).

Embora tenha ficado provado que os anteriores titulares tenham decidido proceder à venda conjunta do prédio, de modo a simplificar as negociações e o procedimento da venda das fracções, a verdade é que não se provou que as referidas negociações e o referido procedimento da venda tenham ficado na realidade, mais simplificados, mesmo considerando a perspectiva subjectiva dos vendedores.

       Também não se nos afigura que o simples propósito de evitar que a administração do prédio tivesse de ser partilhada com estranhos à família, enquanto não se procedesse à venda de todas as fracções, possa reflectir, por si só e sem mais - com a necessária clareza - o afastamento de um “prejuízo apreciável”, ou seja, sério (loc. cit.)

   Estão, pois, reunidos os pressupostos do direito de preferência da autora nos termos do art. 1091º nº 1, al. a) e nº 4 do Código Civil (na redacção considerada), conjugados com o disposto nos arts. 417º e 1410º do mesmo diploma.

     Consequentemente, uma vez que “produzido o efeito constitutivo típico da acção de preferência, os respectivos efeitos retroagem à data da alienação do bem tudo se passando juridicamente, quanto à titularidade do direito transmitido, como se o negócio de alienação tivesse, desde o início, sido celebrado com o preferente” e a procedência da acção de preferência leva a que, no registo predial, se proceda à substituição, por averbamento ao registo eventualmente existente ou por cancelamento deste e inscrição dum novo, a pedido (princípio da instância) do respectivo interessado, com base na decisão judicial transitada em julgado“ e tendo o credor hipotecário da ré adquirente sido demandado e convencido na presente acção do direito real de aquisição a favor da autora, deve ser ordenado o cancelamento do registo da hipoteca relativamente à 4ª ré sobre a fracção C e de quaisquer outros subsequentes sobre a mesma fracção (cfr. Ac. STJ de 22.10.2009, proc. 446/09.9YFLSB, Ac. R.Lx. de 2.3.2010, proc. 2/1998.L1-7 e Ac. da R.Lx. de 17.11.2005, proc. 145/2005-8, todos em www.dgsi.pt).

            É tempo de concluir:

“1. As fracções que fazem parte de um edifício constituído em propriedade horizontal têm autonomia jurídica, no sentido de que qualquer delas pode ser objecto de relações jurídicas (de compra e venda, como no caso);

2. A aplicação do art. 417º do Código Civil supõe que as coisas a vender juntamente por um preço global pertençam, todas elas, ao mesmo obrigado à preferência, ou seja, ao locador da fracção arrendada;

3. Não é, pois, admissível uma interpretação extensiva do mesmo preceito no sentido de que o obrigado à preferência pode exigir do arrendatário de uma fracção que a preferência abranja outras fracções do mesmo prédio que não lhe pertencem e que não foram por ele vendidas, apesar de constituírem com as suas, de que é dono, uma “unidade de sentido sócio-económico ou familiar” e ter estado, subjacente à pluralidade dos diversos contratos envolvendo diversas fracções, uma venda em conjunto e um único processo negocial;

4. Na verdade, uma tal interpretação implicaria uma restrição inadmissível do direito do preferente que, ao ser obrigado a adquirir fracções que não pertencem ao obrigado à preferência, mas a outros proprietários, veria, assim, o seu direito de preferência totalmente esvaziado.”

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder a revista, revogar o acórdão recorrido e condenar os réus a reconhecerem o direito de preferência da autora na aquisição da fracção autónoma do prédio designada pela letra C (acima melhor identificada), determinando-se o cancelamento da inscrição hipotecária e de quaisquer outras subsequentes relativamente à referida fracção.

Custas pelos recorridos.



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Lisboa, 2 de Junho de 2020


O relator (que, nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesta o voto de conformidade dos Srs Juízes Conselheiros Adjuntos que não assinaram)

António Magalhães