Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | VINÍCIO RIBEIRO | ||
Descritores: | HOMICÍDIO QUALIFICADO REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE PESSOA PARTICULARMENTE INDEFESA MOTIVO FÚTIL FRIEZA DE ÂNIMO OMISSÃO DE PRONÚNCIA FUNDAMENTAÇÃO VÍCIOS DO ARTº 410 CPP DUPLA CONFORME REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 06/20/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO. DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA –CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. | ||
Doutrina: | - Eduardo Correia, Direito Criminal¸ Volume II, Reimpressão, Almedina, p. 251; - Fernando Silva, Direito Penal Especial, Os Crimes contra as pessoas, Quid Juris, 4.ª Edição, Novembro 2017, p. 84-85; - Figueiredo Dias, CJ 4-1987 51 ; DP II § 265 ss. ; Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume I, p. 27-28 ; Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 32-33 ; Homicídio Qualificado - Premeditação – Imputabilidade - Emoção Violenta, in CJ, Ano XII, 1987, Tomo IV, p. 49 a 55; - Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Parte Especial, Tomo I, 1999, p. 25-26; - M. Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, Volume I, Almedina, 2011, p. 90; - Teresa Beleza, Direito Penal, II Volume, AAFDL. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º 2, 379.º, N.ºS 1, ALÍNEA C) E 2, 400.º, N.º 3, 410.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B) E C) E 425.º, N.º 4. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 72.º, N.º 1 E 132.º, N.ºS 1 E 2. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.º 3. LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 33.º. REGIME PENAL APLICÁVEL A JOVENS DELINQUENTES, APROVADO PELO DL N.º 401/82, DE 23 DE SETEMBRO: - ARTIGO 4.º, N.,ºS 1 E 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 28-06-1989, IN CJ, XIV, TIII, P. 31-32; - DE 07-05-1992, IN BMJ, 417, P. 297; - DE 11-05-2000, IN CJACSTJ, VIII, TOMO II, P. 188; - DE 20-05-2004, PROCESSO N.º 04P771; - DE 21-01-2009, PROCESSO N.º 08P4030; - DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 894/09.4PBBRR.S1; - DE 17-04-2013, PROCESSO N.º 237/11.7JASTB.L1.S1; - DE 18-09-2013, PROCESSO N.º 110/11.9JAGRD.C1.S1; - DE 19-02-2014, PROCESSO N.º 168/11.0GCCUB.S1; - DE 02-12-2015, PROCESSO N.º 1730/14.5 JAPRT-S1; - DE 07-01-2016, PROCESSO N.º 145/14.0JAPRT.S1; - DE 30-03-2016, PROCESSO N.º 158/14.1PBSXL.L1. | ||
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Sumário : | I - A repetição, no recurso para o STJ, da motivação recursória utilizada perante a Relação não tem como consequência a rejeição, pura e simples, do mesmo. II - Configura um caso de omissão de pronúncia, o acórdão da Relação que deixou de se pronunciar sobre uma importante questão (a da qualificação jurídica do crime de homicídio) que lhe foi, directamente, colocada pela recorrente (alínea c) do n.º 1 do art. 379.º; v. também art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP). Atenta a actual redacção do n.º 2 do art. 379.º do CPP, e dado que este STJ está na posse de todos os elementos indispensáveis para dirimir a questão, deve conhecer-se da mesma. III - O crime de homicídio qualificado, previsto no art. 132.º do CP, constitui uma forma agravada de homicídio, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no nº 1 da disposição, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas als. do nº 2 do art. 132.º, em moldes meramente exemplificativos. IV - Configura a prática de um crime de homicídio qualificado, previsto no art. 132.º do CP, a conduta do arguido que (após o ofendido ter dito que ia contar à polícia das actividades ilícitas levadas a cabo pelos arguidos e contar ao marido da arguida a relação existente entre os arguidos), cumprindo também a vontade insistente da arguida, e na concretização daquele acordo de vontades, com a intenção, concretizada, de lhe tirar a vida, se abeirou do ofendido e desferiu-lhe vários murros em diversas partes do corpo, principalmente na zona da nuca, golpes na cabeça com o auxílio de uma fritadeira, e, esganou-o, até deixar de respirar, com um cinto do próprio, provocando-lhe a morte. V - Considerando que a matéria de facto provada denota instabilidade e fragilidade do ofendido, maxime derivada da sua idade (foi morto aos 14 anos), estava acolhido em Lar de Infância e Juventude, do qual desaparecera, começou a ser hostilizado a partir da altura em que deixou de namorar com a filha da arguida e em que a arguida passou a recear que este os fosse denunciar à PSP (o ofendido tinha conhecimento das actividades ilícitas levadas a cabo pelos arguidos, pois participara em várias delas), forçoso é concluir que a mesma integra a alínea c) [pessoa particularmente indefesa em razão da idade], do art.132.º, n.º 1, do CP. VI - Relativamente ao motivo torpe ou fútil, prevista na al. e), parte final [pessoa particularmente indefesa em razão da idade], do art.132.º, n.º 1, do CP, pela análise da jurisprudência e da doutrina, podemos defini-lo através de duas características próprias: trata-se, em primeiro lugar de um motivo insignificante, repugnante, de grande baixeza e insensibilidade moral e de profundo desprezo pela vida humana e, em segundo lugar, consequentemente, de uma manifesta desproporcionalidade entre o cometimento do crime e a razão que o determina. VII - Revelando o quadro fáctico uma conduta (a vítima acabou por ser esganada com o seu próprio cinto) brutalmente desproporcional, bárbara, arrepiante, de elevada violência e crueldade e de manifesto desprezo pela vida humana, temos como verificada também esta circunstância prevista na al. e). VIII - No que concerne à frieza de ânimo, prevista na al. j) do n.º 1 do art. 132.º do CP, tem-se a mesma também por verificada, apenas relativamente à arguida, na medida em que esta formulou a sua decisão muito antes de a morte do ofendido ter ocorrido, insistiu por diversas vezes com o arguido para o fazer, usou dos mais variados argumentos para o persuadir a assim proceder, num procedimento profundamente reprovável, calmo, maquiavelicamente calmo, pendular, rotineiro, até atingir o seu pérfido desiderato. IX - O STJ vem entendendo, pacificamente, que as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença prescritas no art. 374.º, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão só por força da aplicação correspondente no art. 379.º, ex vi n.º 4 do art. 425.º, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1.ª instância. X - Constitui, igualmente, jurisprudência uniforme do STJ (desde a entrada em vigor da Lei 58/98, de 25-08) a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ. É que o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista, ao qual apenas compete, salvo caso expressamente previsto na lei, conhecer da matéria de direito — art. 33.º da LOFTJ. O STJ, todavia, não está impedido de conhecer aqueles vícios, por sua iniciativa própria, nos circunscritos casos em que a sua ocorrência tome impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação. XI - No caso dos presentes autos, a decisão da 1.ª instância respeitante ao pedido de indemnização civil foi integralmente confirmada (sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente). A jurisprudência do STJ, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no CPC tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal. A decisão é, por isso, insusceptível de recurso para este STJ (arts. 4.º, 400.º, n.º 3 do CPP e 671.º, n.º 3 do CPC). XII - O regime penal especial dos jovens pressupõe a verificação cumulativa de vários requisitos, a saber: - a prática de facto qualificado como crime (n.º 1 do art. 4.º do DL 401/82); - o arguido tem que ter, à data do crime, completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos (n.º 2 do art. 4.º do DL 401/82); - acentuada diminuição da ilicitude, da culpa e da necessidade da pena (art.º 4.º, 1.ª parte, do DL 401/82; n.º 1 do art. 72.º do CP); - existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado (art.º 4.º, 2.ª parte, do DL 401/82). XIII - Não se verificando uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, dado que os crimes em causa, maxime o homicídio e a profanação de cadáver, ocorreram em circunstâncias verdadeiramente arrepiantes e que manifestam um brutal desprezo pela vida humana e pelos valores que enformam a sociedade, seria incompreensível, para qualquer cidadão médio, que o tribunal lançasse mão, no caso em análise, do regime atenuativo previsto no regime penal especial dos jovens. XIV - O recurso é julgado parcialmente procedente no que tange à medida da pena reduzindo-se, relativamente à arguida, a pena pela prática do crime de homicídio qualificado para 18 anos e, consequentemente, a pena única para 23 anos de prisão e, relativamente ao arguido, a pena pela prática do crime de homicídio qualificado para 15 anos e, por via disso, a pena única para 19 anos de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
I. RELATÓRIO
Preliminares 1. No Proc. n.º 3343/15.5JAPRT, da Secção Criminal-J1, da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de ..., por acórdão de 12/12/2016, foram os arguidos AA e BB condenados nos seguintes termos: Recurso dos arguidos para a Relação de Guimarães
2. Inconformados com a decisão, interpuseram recurso os arguidos para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 19/6/2017 (fls. 2476-2558), confirmou a decisão da 1.ª instância, salvo no que tange à qualificação dos crimes de roubo e do crime de furto cometidos pelo arguido AA, decidindo:
«Pelo acima exposto, acorda-se em: 1º - Julgar o recurso da arguida BB improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido 2º - a) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA como co-autor de um crime de roubo sob a forma continuada; b) Em consequência e operada a legal convolação condena-se o arguido AA como co-autor de seis crimes de roubo e de um crime de furto simples (por convolação do roubo para furto), previstos e punidos pelo art.º 210.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de prisão de 1 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 2 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 2 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 1 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 2 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 2 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 1 ano e 4 meses (factos de 58.º a 61.º). c) No mais, mantém-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente o recurso do arguido.».
Recurso dos arguidos para o STJ 3 Novamente inconformados, recorrem os arguidos (arguida BB fls. 2565-2648; arguido AA fls. 2650-2741) agora para este Supremo Tribunal de Justiça com peças cujas conclusões a seguir se reproduzem.
a) Recurso da arguida BB
«CONCLUSÕES: 1ª – Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão que manteve as penas em que a Recorrente foi condenada em Primeira Instância como co-autora material, na forma consumada, pela prática de seis crimes de roubo e de um crime de furto simples nas penas de prisão de 2 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 3 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 3 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 2 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 3 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 3 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 2 anos e 4 meses (factos de 58.º a 61.º); em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art.º 202.º, alínea d), 203.º, n.º1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena, de prisão de 4 anos; pela prática,como instigadora, de um crime de homicídio qualificado na pena de prisão de 20 anos; pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de profanação/ocultação de cadáver, na pena de prisão de 1 ano e 10 meses; pela prática, em co-autoria e na forma consumada de um crime de incêndio, na pena de prisão de 4 anos e 6 meses; na pena de 25 anos de pena efectiva.
2ª – Na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova suficiente, no que concerne à 1ª; 3ª ocorrências do crime de roubo (factos ocorridos em 20 de Agosto de 2015 e 16 de Dezembro de 2015), necessário para o preenchimento dos crimes de roubo, uma vez que do depoimento das testemunhas não resulta de qualquer forma a autoria da Recorrente, e não pode presumir-se, quando nada foi provado, para além das declarações da Ofendida da 3ª ocorrência, que não reconheceu o arguida como Autora dos factos, limitando-se a descrever a ocorrência dos mesmos, sem identificar os seus Autores.
3ª - Quanto a tais factos, houve omissão de pronúncia, pois muito embora, inexista prova da autoria dos mesmos, o Tribunal condenou a Recorrente pela prática de tais crimes (1ª e 3ª ocorrências), o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P.
4ª – A fundamentação do Douto Acórdão recorrido não cumpre a norma do nº 2, do artº 374, do C.P.P., visto que não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados a maioria dos factos constantes no referido Acórdão (factos esses que sustentaram a decisão de condenação da Recorrente), bem como exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convição nesse sentido.
5ª – Assim, o Tribunal recorrido violou o disposto a referida norma (e, também, o artº 205, nº 1, da C.R.P.), sendo, por isso, o Douto Acórdão recorrido nulo, nos termos do artº 379, nº 1, al. c), do C.P.P. – o que aqui se vem arguir, nos termos do nº 2, deste último artigo -, devendo ser declarada tal nulidade e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo” para que proceda à elaboração de no Acórdão que contenha as apontadas menções em falta do nº 2, do artº 374, do C.P.P.
6ª – Por mera cautela, invoca-se a inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.
7ª – A Recorrente fica sem saber em que provas assentou concretamente a sua condenação por 10 crimes constantes da Acusação, ou quais as provas concretas para dar como provados os factos, mormente a 1ª; 3ª ocorrências do crime de roubo e a instigação do crime de homicídio qualificado, das quais não foi produzida prova suficiente, que possa levar à condenação da Recorrente.
8ª – É que, na verdade, a única prova da ocorrência dos factos e das circunstâncias envolventes, são as declarações da Ofendida da 3.ª ocorrência do crime de roubo, que não identificou os Autores dos factos. e do Arguido, em clara divergência com as declarações da Arguido.
9ª – A Decisão recorrida, padece ainda dos vícios constantes do artº 410, nº 2, do C.P.P. padece de erro notório na apreciação da prova, vai contra as regras da experiência comum, ao presumir que a Recorrente foi o Autora dos factos (1.ª,e 3ª ocorrências do crime de roubo e instigadora do crime de homicídio qualificado), sem existir prova cabal dessa autoria e/ou participação, pois a única prova é as declaração da Ofendida, que não identificou os Autores dos factos., e da Testemunha Beatriz.
10ª – Assim, compete a este Tribunal da Relação apreciar a legalidade das provas utilizadas, e do respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas sobretudo os seus limites, do princípio da imediação e da oralidade; da presunção de inocência do arguido e do princípio in dúbio pro reo (artºs 125; 126; 127; 163 e 355, todos do C.P.P.).
11ª – Padece ainda a Decisão recorrida dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição entre a fundamentação e a decisão, na medida em que foram dados como provados factos (1ª, 3.ª ocorrências do crime de roubo e instigação do crime de homicídio qualificado), sem prova suficiente e sem investigação, não cuidou o Inquérito de conseguir prova bastante da Autoria de tais factos.
12ª – Ao inexistir correspondência lógica entre os factos dados como provados (1ªe 3ª ocorrências do crime de roubo e instigação do crime de homicídio qualificado) e a prova efetivamente produzida (o que só não foi reconhecido pela existência dos vícios do artº 410, nº 2, do C.P.P.), o Tribunal “a quo” ultrapassa os limites impostos pela Lei Penal na valoração da prova, violando o disposto nos artºs 127 e 129, do C.P.P., são vícios que necessariamente inquinam de forma inelutável a decisão recorrida, pelo que deve o Acórdão ser declarado nulo e reenviado para a sanação dos vícios (artºs 426 e 426-A, do C.P.P.).
13ª – Assim, deve ser declarada a nulidade da Acordão recorrida, e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo”, ordenando-se novo Julgamento quanto à totalidade do objeto (artºs 374; 379; 426 e 426-A, todos do C.P.P. e artº 205, da C.R.P.).
14ª – Nos termos e para os efeitos do artº 412, nº 3, do C.P.P., está erradamente julgada a matéria de facto ínsita referente à 1ª; 3ª ocorrências do crime de roubo e à instigação da prova de homicídio qualificado, a prova produzida, analisada objetiva e imparcialmente, conduz a decisão diversa da Recorrida.
15ª – A prova testemunhal produzida é no sentido de tais factos serem elevados à categoria de não provados, no concernente à Autoria da Recorrente. Na verdade, a Recorrente não praticou os factos referentes à 1ª e 3 ª ocorrências ª dos crimes de roubo nem foi instigadora do crime de homicídio, não esteve presente na, nem usufruiu de qualquer vantagem da prática dos mesmos.
16ª – Ora, destes depoimentos, conjugados com as regras da experiência comum, podemos concluir que a prova é insuficiente para condenar a arguida pelos crimes de roubo, referentes à 1ª e 3ª ocorrência do crime do roubo e como instigadora do crime de homicídio, dos quais deve ser absolvida.
17.ª –O tribunal a quo não pode atribuir à arguida tão só, pelo facto deste ter dito ao arguido, “o DD é um mau exemplo, tenho medo que vá contar à Polícia, temos de nos ver livres dele, matá-lo”, “o DD tem de desaparecer, temos de o matar” a prática, como autora instigadora, do crime de homicídio qualificado. Essas expressões não constituem um pedido ao arguido para matar, mas tão só uma afirmação da arguida, negada por ela. Mas mesmo que a arguida as tivesse dito, não ficou provado em audiência a intenção com que as disse, se foi com dolo ou um simples desabafo.
18ª – Ora, destas Declarações, conjugadas com as Declarações das restantes testemunhas e demais prova documental constante dos autos, deve proceder-se à alteração da matéria de facto insita nos factos provados 8.º e 9.º, sendo estes alterados e elevados à categoria de não provados, alterando-se desde logo os factos no que concerne à instigação da prática do crime de homicídio e do crime de roubo (GG).
19ª - Com o devido respeito, sem prescindir, discorda-se da qualificação jurídica do tipo legal do homicídio.
20.ª- A Recorrente foi condenada como instigadora pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e nº 2, als c) e e), in fine, do C.P.
21ª- É consabido que as alíneas do nº 2, do artº 132, do C. P., não são de funcionamento automático, cremos que “in casu” não estão presentes circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
22ª- Entendemos que os exemplos padrão prendem-se, essencialmente, com a questão da culpa, mais do que com ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta, não é essa a circunstância, por si só, que determina a qualificação do crime.
23-ª - Da prova produzida, cremos não estar presente a cláusula genérica, de circunstâncias que revelam uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, bem pelo contrário, a imagem global dos factos evidencia um crime de homicídio simples (artº 131, do C. P.).
24ª - Sem prescindir, com efeito, o facto do Recorrente ter agredido o Ofendido e lhe ter dado com a frigideira na cabeça com a intenção de a matar, não nos parece que, esteja presente uma maior censurabilidade ou perversidade, para além daquela que está presente em qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, pois este revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.
25.ª Assim, em caso de condenação da Arguida como instigadora, os factos concluídos de 19ª a 24 ª sobre a qualificação do crime de homicídio deve aproveitar à Recorrente para efeitos de atenuação de pena.
26ª –Ora, destas Declarações, conjugadas com as Declarações das restantes testemunhas e demais prova documental constante dos autos, deve proceder-se à alteração da matéria de facto quanto à 1ª; 3ª ocorrências do crime de roubo e a instigação do crime de homicídio, dando como não provada a Autoria da Recorrente, sendo o mesmo absolvido da prática desses factos.
27ª – o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, padece de erros na análise da prova, são vícios que, necessariamente, inquinam, de forma inelutável, a decisão recorrida e que impõem a renovação da prova, com a anulação do Julgamento e a sua repetição, quanto à totalidade do objeto.
28ª – Ou, se assim não se entender, deve a matéria de facto ser alterada em consonância com toda a prova produzida, e, em consequência, proceder-se à absolvição da arguida da prática dos crimes de roubo (quanto à 1ª; 3ª ocorrências) e como instigadora do crime de homicídio qualificado, com a consequente redução da pena única aplicada, para pena não superior a 12 anos prisão efetiva (artºs 125; 126; 127; 163; 410; 412 e 355, todos do C.P.P.).
29ª – Salvo o devido respeito e na nossa modesta opinião, a matéria de facto provada é insuficiente para a qualificação jurídico – penal operada.
30ª – Salvo o devido respeito, entendemos que a matéria de facto provada, no que concerne ao crime de roubo, integra o conceito do crime de roubo simples na forma continuada.
31ª – Porquanto, existe uma Unificação Jurídica de um concurso efetivo de crimes que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída. Estão presentes todos os pressupostos, isto é, a realização plúrima de violações típicas do mesmo bem jurídico; a execução essencialmente homogénea das violações e o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a sua culpa.
32ª – Ora, no caso dos autos, estamos perante violações reiteradas do mesmo bem jurídico, de forma essencialmente homogénea, isto é, com similitude do “modus operandi”, no quadro da mesma solicitação exterior, espácio – temporalmente delimitadas (cerca de 1 mês), com a mesma resolução criminosa.
33ª – Atendendo ao disposto no artº 79, do C.P., deve aplicar-se em concreto à Recorrente, considerando a moldura penal do facto mais grave, isto é, pena única não superior a três anos e seis meses de prisão.
34ª – Assim, cremos que deve alterar-se, nesta parte, a qualificação jurídica dos factos, com a consequente redução da pena concreta aplicada, sopesando todas as demais circunstâncias, deve aplicar-se pena não superior a 12 anos de prisão efectiva.
Por mera cutela e sem prescindir, caso Vossas Excelências Excelentíssimos Senhores Conselheiros, assim não entendam, então impõe-se reduzir as penas concretas aplicadas pois as mesmas pecam por excessivas e ultrapassam a culpa da Recorrente BB evidenciada na prática dos factos.
35ª - Por Acórdão proferido em 19-06-2017, o Tribunal recorrido, decidiu manter a decisão de Primeira Instância, a qual foi:
- Condenar a arguida, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de seis crime de roubo e de um crime de furto simples (por convolação do roubo para furto), previstos e punidos pelo art.º 210.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de prisão de 2 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 3 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 3 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 2 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 3 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 3 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 2 anos e 4 meses (factos de 58.º a 61.º);
- Condenar a arguida, pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art.º 202.º, alínea d), 203.º, n.º1 e 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal, na pena, de prisão de 4 anos; - Condenar a arguida, como instigadora, pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c), e), in fine, e j) do Código Penal, na pena de prisão de 20 anos; - Condenar a arguida, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de profanação/ocultação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Penal na pena de prisão de 1 ano e 10 meses;- Condenar a arguida, pela prática, em co-autoria e na forma consumada de um crime de incêndio, p. e p. pelo artigo 272.º, n.º1, al. a), do Código Penal, na pena de prisão de 4 anos e 6 meses; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares impostas nos pontos B), D), E), F) e G) deste dispositivo, condenar a arguida na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão efetiva.
36ª – É consabido que, a medida da pena deve ser fixada em função da culpa e exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente (artºs 40, 71 e 72, todos do C.P.).
37ª - Dando por assente que as penas a aplicar necessariamente se mostram balizadas pela medida da culpa, e atenta a moldura penal abstrata, entende-se, salvo o devido respeito, que as penas aplicadas pecam por excessivas e ultrapassam a medida da culpa.
38ª - Como é consabido, a pena deve ter uma finalidade ressocializadora, e para a sua determinação, o tribunal deve ponderar a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias em que os crimes foram praticados, assim como a ilicitude da conduta.
39ª – Deve em especial ponderar-se, a sua integração social e familiar, constantes dos factos provados e do Relatório Social, o ter bom comportamento posterior aos factos, o seu bom comportamento no interior do E.P., a interiorização do mal cometido, a sua juventude, que no Estabelecimento Prisional tem recebido visitas de familiares, que a sua família a apoia incondicionalmente, contribuindo para a sua ressocialização, que todos estão dispostos a auxiliar a arguida, após a restituição à liberdade, que é aceite, socialmente, no seu meio habitacional.
40.ª- Deve igualmente ter-se em conta que a outra grande vítima deste processo é a Filha da Arguida, EE, institucionalizada desde a detenção da Mãe ao abrigo destes autos, que a arguida está a sofrer, e sofrerá caso se lhe seja aplicada a pena máxima de prisão a que foi condenada, a pena mais pesada que qualquer Mulher/Mãe pode sofrer, o afastamento da Filha e a impossibilidade de com ela contactar pessoalmente e vê-la crescer.
41ª -Mãe e Filha sempre tiveram uma ligação muito estreita.
42.ª Nenhum ser humano, nem uma autora confessa de crimes, merece que o vínculo materno-filial seja destruído ou enfraquecido, mormente pela condenação máxima na lei permitida, porque os autores confessos de crimes também sofrem e Amam os Filhos e nenhum Tribunal tem o direito de questionar ou julgar esse Amor.
43-ª A arguida não tem antecedentes criminais.
44ª – Mais, se deve ponderar, que se trata de situações ocorridas num curto espaço temporal (cerca de 4 meses), que a Recorrente está afastado daquele meio social e que não convive com o co-arguido, que é possível nesta data efectuar um juízo de prognose favorável referente ao seu futuro, que a mesmo se vai abster de praticar factos ilícitos.
45.ª – As ocorrências dos roubos dos Autos representam média gravidade, seja na atuação, seja no resultado das condutas, os bens subtraídos foram recuperados e entregues aos seus proprietários.
46.ª -– Analisando todas as circunstâncias, o grau de ilicitude, o dolo e as necessidades de prevenção, assim como as consequências do ilícito, consideramos mais adequada e proporcional à culpa do Recorrente penas não superiores a: - Crime de roubo, ocorrido no dia 16 de Dezembro de 2015, a sua absolvição; - Crime de Furto Simples, pena não superior a 2 anos de prisão; - Crime de furto qualificado, pena não superior a 3 anos de prisão ; - Crime de incêndio, pena não superior a 3 anos de prisão ; - Crime de ocultação e profanação de cadáver, pena não superior a 1 ano e seis meses de prisão ; - Crime de Homicídio Qualificado, a sua absolvição, ou caso assim não se entenda ser o mesmo convolado em Homicídio Simples, e à arguida ser aplicada, caso não seja absolvida, uma pena não superior a 12 anos de prisão por este crime.
47ª – Em Cúmulo Jurídico das penas parcelares, quanto aos crimes cometidos, é mais adequada pena única não superior a 12 (doze) anos de prisão, ou 16 (dezasseis) anos, em caso de não ser absolvida pelo crime de homicídio, por ser esta (analisando a personalidade da Recorrente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos crimes, as circunstâncias destes, a interiorização do mal cometido e o propósito de mudar, o tempo de prisão já cumprido), é, salvo o devido respeito, mais adequada, proporcional e ainda suficiente, para satisfazer as necessidades de prevenção (geral e especial), contribuindo para a socialização da Recorrente, sendo ainda, suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras.
48ª- A indemnização fixada é excessiva ultrapassando os critérios jurisprudenciais, faltam elementos suficientes e veja-se a única prova testemunhal são as Declarações da Demandante Civil, que sendo mãe, fez um depoimento subjetivo, parcial e pouco isento. Atentos os critérios Jurisprudenciais para este tipo de crime de homicídio (perda da vida e danos morais) deve reduzir o valor fixado a título de danos morais a quantia nunca superior a 75.000,00€ (senta e cinco mil euros), por esta ser mais adequada e proporcional aos danos morais resultantes dos factos ilícitos praticados.
49ª – A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artºs 97; 355; 374; 379; 125; 126; 127; 129; 163; 410 nº 2 e 412, todos do C.P.P., violou os artºs 14; 22; 23; 40 nº 2; 50; 70; 71; 77; 72; 73; 210 e 204, todos do C.P., violou também, os princípios da legalidade criminal; “ne bis in idem” e o princípio In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artºs 32 nº 2 e 29, da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32 nº 1 e 5 e artº 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional, e ainda o artº 86, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.»
b) Recurso do arguido AA
«CONCLUSÕES:
1ª – Vem o presente Recurso interposto do douto Acórdão, que Decidiu, no que concerne ao Recorrente AA: “(…) 2º - a) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA como co-autor de um crime de roubo sob a forma continuada; b) Em consequência e operada a legal convolação condena-se o arguido AA como co-autor de seis crimes de roubo e de um crime de furto simples (por convolação do roubo para furto), previstos e punidos pelo art.º 210.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de prisão de 1 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 2 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 2 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 1 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 2 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 2 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 1 ano e 4 meses (factos de 58.º a 61.º). c) No mais, mantém-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente o recurso do arguido. (…)”.
2ª – Não se conforma o Recorrente com o Acórdão recorrido, razão pela qual interpôs o presente Recurso.
3ª – Salvo o devido respeito, o Acórdão é nulo, por decidir questões que não estavam colocadas no Recurso do Recorrente.
Explica-se: 4ª – O Recorrente em 1ª Instância, foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de roubo na forma continuada.
5ª – O Ministério Público e a Assistente não interpuseram Recurso, tendo-se conformado com tal decisão.
6ª – O Recorrente interpôs Recurso, mas não impugnou a decisão nessa parte, estando de acordo, com essa qualificação jurídica, tendo assim se formado caso julgado formal.
7ª – Ora, o Acórdão recorrido, ao conhecer de uma questão, que não foi levantada nas Conclusões do Recorrente, violou o princípio da proibição de reformatio in pejus (artº 409, do C.P.P.), esta requalificação jurídica dos factos, e porque mais gravosa para o Recorrente, não pode manter-se.
8ª – Porquanto, ao decidir-se pela prática de 6 crimes de roubo e um crime de furto simples, com as penas parcelares aí constantes, vai agravar em muito a situação Jurídico – Penal do Recorrente, basta pensar, na eventual Reformulação do Cúmulo Jurídico, por conhecimento superveniente do concurso, nos termos do artº 78, do C.P.
9ª – Assim, deve revogar-se o Acórdão recorrido, por violação do princípio do caso julgado (nesta parte) e por violação do princípio da proibição de reformatio in pejus, substituindo a decisão pela prática de um crime de roubo na forma continuada, mantendo, nesta parte, o Acórdão proferido em 1ª Instância. Onde consta, “(…) Na verdade, estatui o art.º 30.º, n.º 2, do Código Penal, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. O tribunal entende que o arguido AA, um jovem de 18 anos, foi, em todos o seu percurso criminal apurado nestes autos, e não só quanto aos crimes de roubo, motivado, condicionado e liderado por uma mulher pérfida, com mais doze anos do que ele, a arguida BB, por quem estava apaixonado, e a quem nada conseguia recusar, pelo que essa situação, que lhe é exógena, não obstante os sentimentos que por ela nutria serem endógenos, lhe diminui consideravelmente a culpa, por lhe tolher de forma incontrolável a vontade, o que, nesta sucessão de crimes de roubo permite configurar o seu comportamento como sendo um crime continuado, nos termos da norma jurídica citada. E não choca o tribunal a inclusão nesta continuação criminosa do furto de que foi vítima a ofendida FF (art.ºs 46.º a 48.º), mas não já o crime de furto qualificado referido em 14.º e 15.º, porque no primeiro caso de verifica uma razoável identidade de proteção de bens jurídicos – a situação está muito próxima do roubo, que só não ocorreu porque a vítima se não apercebeu do uso de qualquer força física. O AA praticou, portanto, um crime continuado de roubo (que inclui o furto referido em 46.º a 48.º; esta continuação não pode estender-se aos outros crimes, porque são bastante, e nalguns casos, completamente, diferentes os bens jurídicos tutelados pelas incriminações legais em causa. (…)”
10ª – Quanto aos factos provados e não provados o douto Acórdão é totalmente omisso de fundamentação, não considerou, nem relevou os factos alegados pelo Recorrente (não fez referência à sua confissão integral e sem reservas, nem ao seu arrependimento, nem ao facto de ter ingerido bebidas alcoólicas, nem ao Regime Especial para Jovens, nem investigou as circunstâncias concretas que estiveram na génese dos factos, e estas diligências são essenciais para a decisão), tal omissão acarreta a nulidade da Sentença, pois é de tal modo grave que afeta as garantias de defesa do Recorrente AA. 11ª – Estes factos, com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa não foram considerados provados, nem não provados, não tendo relevado para a decisão, em prejuízo do Recorrente AA e seus direitos e garantias de defesa, porquanto são suscetíveis de excluir/ diminuir/ mitigar a ilicitude e a culpa. 12ª – Na Audiência de Discussão e Julgamento não foi produzida prova direta, indireta ou qualquer outra prova válida e lícita, no que concerne à intenção de roubar a Ofendida GG (factos nº 8 e nº 9), necessário para o preenchimento do crime de roubo, uma vez que do depoimento das testemunhas não resulta de qualquer forma a intenção de roubar (apenas e só resulta a intenção de agredir causando ofensas corporais), e não pode presumir-se, quando nada foi provado, para além das declarações do Recorrente AA, que não foram valoradas, pois o mesmo referiu que agiram com intenção de agredir, assustar, intimidar, “dar uma lição”, “vingarem-se da GG”, tais Declarações são confirmadas, nesta parte, também pela co-arguida BB. 13ª - Quanto a tais factos, houve omissão de pronúncia, pois muito embora o arguido explicasse a sua motivação e as circunstâncias envolventes da prática do crime, o Tribunal omitiu tais factos o que integra a nulidade consubstanciada no artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P. 14ª – A fundamentação da douta Sentença recorrida não cumpre a norma do nº 2, do artº 374, do C.P.P., visto que não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados todos os factos constantes da referida Sentença (factos esses que sustentaram a decisão de condenação do Recorrente), bem como exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convição nesse sentido.
15ª – Assim, o Tribunal recorrido violou o disposto a referida norma (e, também, o artº 205, nº 1, da C.R.P.), sendo, por isso, a douta Sentença recorrida nula, nos termos do artº 379, nº 1, al. c), do C.P.P. – o que aqui se vem arguir, nos termos do nº 2, deste último artigo -, devendo ser declarada tal nulidade e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo” para que proceda à elaboração de nova Sentença que contenha as apontadas menções em falta do nº 2, do artº 374, do C.P.P.
16ª – Por mera cautela, invoca-se a inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.
17ª – Invoca-se, aqui, expressamente a inconstitucionalidade da norma do artº 409, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a requalificação jurídica, com a aplicação de penas únicas concretas, como foi feito no Acórdão recorrido, não viola o princípio da Proibição de Reformatio In Pejus.
18ª – Salvo o devido respeito, o Acórdão recorrido viola o princípio da proibição de reformatio in pejus, pelo que deve ser revogado, mantendo-se, nessa parte, o Acórdão proferido em 1ª Instância.
19ª – Assim, deve ser declarada a nulidade da Sentença recorrida, e, consequentemente, ordenada a remessa do processo ao Tribunal “a quo”, ordenando-se novo Julgamento quanto à totalidade do objeto (artºs 374; 379; 426 e 426-A, todos do C.P.P. e artº 205, da C.R.P.).
20ª – O Acórdão recorrido, padece ainda, salvo o devido respeito, dos vícios do nº 2, do artº 410, do C.P.P., que inquinam, de forma inevitável, a decisão recorrida, que resultam do seu texto e que devem conduzir à revogação da Decisão e substituição por outra, conforme o ora defendido.
21ª – Com o devido respeito, sem prescindir, discorda-se da qualificação jurídica do tipo legal do homicídio, o Recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e nº 2, als. c) e e), in fine, do C.P.
22ª – É consabido que as alíneas do nº 2, do artº 132, do C.P., não são de funcionamento automático, cremos que “in casu” não estão presentes circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
23ª – Entendemos que os exemplos padrão prendem-se, essencialmente, com a questão da culpa, mais do que com a ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta, não é essa circunstância, por si só, que determina a qualificação do crime.
24ª – O essencial, cremos, é que as circunstâncias em que o agente comete o crime, revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, uma censurabilidade ou perversidade distintas (pela sua anormal gravidade), daquelas que, em maior ou menor grau, se revelam na autoria do homicídio simples.
25ª – Pois, em concreto, o Recorrente estava perturbado pela paixão e vontade de obedecer a uma ordem da co-arguida, e tinha ingerido álcool, o que lhe “turbou” a consciência da ilicitude e mitiga a culpa, pois o álcool é desinibidor, não podendo esquecer que o mesmo tinha apenas 18 anos, estas circunstâncias concretas de perturbação são incompatíveis com uma especial censurabilidade ou perversidade.
26ª – Da prova produzida, cremos não estar presente a cláusula genérica, de circunstâncias que revelam uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, bem pelo contrário, a imagem global dos factos evidencia um crime de homicídio simples (artº 131, do C.P.).
27ª – Com efeito, o facto do Recorrente ter agredido o Ofendido e lhe ter dado com a frigideira na cabeça com intenção de o matar, não nos parece que, esteja presente uma maior censurabilidade ou perversidade, para além daquela que está presente em qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, pois este revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.
28ª – Requerendo que se proceda à alteração da qualificação jurídica, com a consequente redução da medida da pena concreta, para pena não superior a 12 (doze) anos de prisão, baixando consequentemente a pena única.
29ª – Discorda-se, com o mui devido respeito, da não aplicação do Regime para Jovens, porquanto o Recorrente AA, tinha à data da prática dos factos, 18 anos, nasceu em 30-04-1997.
30ª – O Legislador ao instituir o D. Lei nº 401/82, de 23/9, concebeu a importância do Jovem imputável ser merecedor de um “tratamento penal especializado”, tendo em vista a ressocialização.
31ª – Trata-se, pois, de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, pretendendo evitar a estigmatização do Jovem delinquente.
32ª – Ora, no caso concreto, atentas todas as circunstâncias, incluindo a confissão integral e sem reservas, assim como o “términus da relação amorosa”, podia o Tribunal “a quo” considerar que existem sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultam sérias vantagens para a reinserção social do Jovem condenado (ora Recorrente).
33ª – Não podendo esquecer, que estando presentes as circunstâncias concretas, existe um “poder – dever” do Tribunal “a quo” aplicar o Regime Especial para Jovens, o que foi ignorado, no Acórdão recorrido.
34ª – Assim, deve proceder-se à atenuação especial das penas concretas, por aplicação do Regime para Jovens, sendo reduzidas as penas concretas aplicadas, e consequentemente, operando o Cúmulo Jurídico, condenar o Recorrente AA, na pena única, não superior a 15 (quinze) anos de prisão.
DA MEDIDA DA PENA Por mera cautela e sem prescindir, caso Vossas Excelências Excelentíssimos Senhores Conselheiros, assim não entendam, então impõe-se reduzir as penas concretas aplicadas pois as mesmas pecam por excessivas e ultrapassam a culpa do Recorrente AA evidenciada na prática dos factos.
35ª - Por Acórdão proferido em 19/06/2017, o Tribunal recorrido, decidiu condenar o Recorrente AA: “(…) 2º - a) Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido AA como co-autor de um crime de roubo sob a forma continuada; b) Em consequência e operada a legal convolação condena-se o arguido AA como co-autor de seis crimes de roubo e de um crime de furto simples (por convolação do roubo para furto), previstos e punidos pelo art.º 210.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do Código Penal, nas penas de prisão de 1 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 2 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 2 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 1 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 2 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 2 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 1 ano e 4 meses (factos de 58.º a 61.º). c) No mais, mantém-se o acórdão recorrido, julgando-se improcedente o recurso do arguido.”
No mais, mantendo-se a pena única de 20 (vinte) anos de prisão efetiva, que também esta peca por excessiva.
36ª – É consabido que, a medida da pena deve ser fixada em função da culpa e exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor do agente (artºs 40, 71 e 72, todos do C.P.). 37ª - Dando por assente que as penas a aplicar necessariamente se mostram balizadas pela medida da culpa, e atenta a moldura penal abstrata, entende-se, salvo o devido respeito, que as penas aplicadas pecam por excessivas e ultrapassam a medida da culpa. 38ª - Como é consabido, a pena deve ter uma finalidade ressocializadora, e para a sua determinação, o tribunal deve ponderar a personalidade do agente, as condições da sua vida, a conduta anterior e posterior ao facto punível, as circunstâncias em que os crimes foram praticados, assim como a ilicitude da conduta. 39ª – O Tribunal “a quo” deu como provado, entre outros, os seguintes factos: “71.º As condutas atrás descritas foram levadas a cabo pelos arguidos AA e BB em concertação de esforços e intenções, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo serem aquelas condutas proibidas e punidas por lei. 72.º O arguido AA apaixonou-se pela arguida BB, e manteve com ela durante o tempo referido na acusação um relacionamento afetivo e sexual. 73.º O arguido AA obedecia a tudo o que a arguida BB lhe ordenava, sendo a relação entre ambos marcada pela incontestada liderança desta e pela subserviência dele. 74.º A arguida BB exercia total liderança sobre, pelo menos, o AA, o HH, o DD e a EE, ameaçando até alguns deles com agressões caso não fizessem o que lhes mandava. 75.º O arguido AA é oriundo de uma família numerosa (sete irmãos). De condição socioeconómica precária, cujo sustento dependia de irregulares proventos dos trabalhos agrícolas dos progenitores. 76.º Os pais manifestavam consumo excessivo de álcool, o que provocava desinteresse pelos filhos, todos eles confrontados com experiências de acolhimento institucional. 77.º Ingressou na escola em idade adequada, mas abandonou aos 11 anos, após conclusão do 4.º ano, em virtude da incapacidade dos pais acompanharem a sua evolução socioeducativa. 78.º Mediante processo de promoção e proteção ingressou nessa altura no colégio de ..., onde permaneceu 4 anos, após o que voltou a casa dos pais, mas apenas por dois meses, tendo ingressado, em seguida, numa outra instituição de acolhimento, a Escola Agrícola de .... 79.º Nunca se adaptou à vida nas instituições em causa, fugindo constantemente, vindo a abandonar esta última instituição um ano depois, voltando a casa dos pais, ingressando, pouco tempo depois, numa outra instituição, em .... 80.º Aos 18 anos regressa ao lar paterno, por um curto período de tempo, finfo o qual passa a residir em ..., tendo arrendado um quarto. 81.º Em 2015 conheceu a arguida BB, com a qual manteve a relação descrita nestes autos, e trabalhou durante um período de 2 meses, na agricultura, em trabalho sazonal. 82.º O arguido dispõe do apoio de uma irmã que reside no Luxemburgo. 93.º O arguido AA está arrependido. 98.º O arguido AA não tem antecedentes criminais. 107.º O arguido tem mantido comportamento normal no EP e está à espera de integrar uma turma para estudar, a fim de aumentar as suas habilitações literárias. 108.º O arguido atravessava dificuldades económico-financeiras à data da prática dos factos e aceitou o auxílio da sua então namorada e ora coarguida, para suprimento das necessidades básicas. 109.º Após os factos, o arguido mudou a sua maneira de estar, alterando as suas vivências. 110.º O arguido tinha à data dos factos uma personalidade imatura, influenciável e vulnerável à influência de terceiros. 111.º Tornou-se atualmente mais responsável. 112.º Atualmente é considerado como pacato, honesto, responsável, amado e respeitado pelos que com ele convivem, e bem conceituado na sua residência.”
40ª – Deve em especial ponderar-se, a sua pouca idade (18 anos), a sua personalidade imatura e influenciável, a ausência de retaguarda familiar, à data dos factos, a sua integração social, constante dos factos provados e do Relatório Social, não ter processos pendentes, no Estabelecimento Prisional tem recebido visitas de familiares e amigos, contribuindo para a sua ressocialização, estando a ser auxiliado financeiramente por a irmã, estar a trabalhar e ter bom comportamento no E.P.
41ª – Mais, se deve ponderar, a sua colaboração ativa, na descoberta da verdade material; a sua confissão integral e sem reservas; o seu arrependimento; o seu bom comportamento anterior e posterior aos factos (não tem antecedentes criminais), a sua primeira paixão e envolvimento sexual com uma mulher mais velha (facto que lhe turbou a consciência). O seu bom comportamento no E.P., onde está detido desde 07/01/2016; o seu sofrimento e remorso por ter tirado a vida ao DD que era seu amigo e de quem gostava; o afastamento do seu meio social de origem; as poucas habilitações literárias; o ser oriundo de um meio rural e ter estado institucionalizado; o seu estado atual; o tempo entretanto já decorrido, que levaram à interiorização do mal cometido, estando profunda e seriamente arrependido da prática dos factos ilícitos; a sua personalidade que já evoluiu de forma favorável.
42ª – Mais, se deve ponderar, a unicidade da conduta; as circunstâncias da prática da mesma; a motivação e a sua colaboração ativa com a Justiça.
43ª – Em síntese, considerando as molduras penais abstratas, para cada um dos crimes e relevando, a sua confissão; arrependimento; perturbação do espírito; percurso de vida sem estruturação; unicidade da conduta; a ausência de antecedentes criminais, e todas as circunstâncias documentadas nos autos, devem reduzir-se as penas concretas e a pena única aplicada.
44ª – Analisando todas as circunstâncias, o grau de ilicitude, o dolo e as necessidades de prevenção, assim como as consequências do ilícito, consideramos mais adequada e proporcional à culpa do Recorrente AA: - Quanto aos seis crimes de roubo e um crime de furto simples, nas penas de prisão de 1 ano (factos 8 e 9), prisão de 1 ano e 3 meses (factos 3 a 40), prisão de 1 ano e 6 meses (factos 41 a 45), prisão de 1 ano (factos de 46 a 48), prisão de 1 ano e 4 meses (factos de 49 a 53), prisão de 1 ano e 5 meses (factos 54 a 57) e prisão de 1 ano (factos de 58 a 61); - Quanto ao crime de incêndio, pena não superior a 2 anos e 6 meses de prisão; - Quanto ao crime de furto qualificado, pena não superior a 2 anos e 4 meses de prisão, - Quanto ao crime de furto qualificado, pena não superior a 2 anos e 4 meses de prisão; - Quanto ao crime de homicídio qualificado, pena não superior a 14 anos e 6 meses de prisão; - Quanto ao crime de profanação de cadáver, pena não superior a 1 ano e 3 meses de prisão.
45ª – Em Cúmulo Jurídico das penas parcelares, é mais adequada pena única não superior a 16 (dezasseis) anos de prisão, por ser esta (analisando a personalidade do Recorrente, que era manietado pela co-arguida, por quem estava perdidamente apaixonado e a quem nada recusava, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior aos crimes, as circunstâncias destes, a sua colaboração ativa, confissão integral e sem reservas, o arrependimento, o tempo de prisão já cumprido e a sua Juventude), é, salvo o devido respeito, mais adequada, proporcional e ainda suficiente, para satisfazer as necessidades de prevenção (geral e especial), contribuindo para a socialização do Recorrente AA, sendo ainda, suficiente para se atingir os fins insertos nas normas incriminadoras.
46ª – A decisão recorrida, para além de outras normas e princípios, violou os artºs 97; 355; 374; 379; 125; 126; 127; 129; 163; 409; 410 nº 2 e 412, todos do C.P.P., violou os artºs 14; 22; 23; 40 nº 2; 50; 70; 71; 77; 72; 73; 131; 132 e 143, todos do C.P.; violou os artºs 4 e s.s., do Regime Especial para Jovens; violou também, os princípios da legalidade criminal; e o princípio In dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artºs 32 nº 2 e 29, da C.R.P.), e o princípio da proibição de reformatio in pejus (artº 409, do C.P.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32 nº 1 e 5 e artº 205 da C.R.P., inconstitucionalidades que aqui se invocam, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional, e ainda o artº 86, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.»
Resposta do Ex.mo PGA na Relação de Guimarães 3. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação de Guimarães respondeu (fls. 2721-2733) aos recursos, em peça muito bem elaborada e fundamentada, nos seguintes termos:
Relativamente ao recurso da arguida BB «Aferidos pelas conclusões pelas 49 conclusões formuladas, como determina o art.° 412.°, n.° 12, o recurso tem, numa síntese possível das mesmas, os seguintes fundamentos: 1. Nulidade - art°s 379.°, n.° 1, ais. a) e c), e 374.°, n.° 2 - por omissão de pronúncia quanto à invocada falta de prova relativa aos factos da 1 .a e 3.a ocorrências (20 de agosto de 2015 e 16 de dezembro de 2015); 2 O objeto do recurso é balizado pelas conclusões da motivação onde o recorrente elenca as questões suscitadas, a conhecer pelo Tribunal "ad quem" - Ac. STJ de 19.06.1996, BMJ n.° 458; cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", Vol.lll, 2." Edição, p. 335. Para além delas poderá o Tribunal "ad quem" conhecer dos vícios e nulidades de conhecimento oficioso, mesmo que não suscitadas pelo recorrente - cf. arfs. 403.°, 412.°, n.° 1; e Acs STJ n°s 1/94, 2.12- DR," I-A, 11.12.1994 e Ac. do Plenário do STJ. N." 7/95, 19,10-DRa I-A de 28.12 2. Nulidade - art°s 379.°, n.° 1, al. c), e 374.°, n.° 2, e art.° 205.°, este último da CRP--devida a falta de fundamentação, por falta de indicação dos motivos da consideração como provados de todos os factos e de exame crítico da prova; do que deverá resultar a determinação de que seja elaborado novo acórdão; 3. Inconstitucionalidade do art.° 374.°, n.° 2, por violação do art.° 205.°, n.° 1, da CRP; porque, no acórdão recorrido, a norma foi interpretada no sentido de que basta a enumeração e reprodução das declarações e depoimentos, não exigindo a explicação do processo de formação da convicção; 4. Vícios do art.° 410.°, n.° 2 - erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição entre a fundamentação e a decisão quanto às aludidas 1." e 3." ocorrência, por falta de prova da prática dos atinentes factos; tendo o Tribunal "a quo", também quanto à instigação relativa ao crime de homicídio incumprido o disposto nos art.°s 127.° e 129.°, pelo que deve o acórdão ser declarado nulo e reenviado para a sanação dos vícios, nos termos dos arts 426.° e 426. -A; ordenando-se novo julgamento quanto à totalidade do objeto do processo; os vícios "impõem a renovação de prova" - cf. cls. 26.a de fls. 2642; 5. Erro de julgamento - art.° 412.°, n.° 3 - quanto às aludidas ocorrências 1.a e 3.a relativas aos crimes de roubo e à "instigação da prova do homicídio qualificado"; do que deverá resultar a absolvição da recorrente quanto aos indicados crimes, com a redução da pena para não mais de 12 anos de prisão; 6. Errada qualificação do crime de homicídio, motivo pelo qual deve operar-se a condenação apenas pelo crime de homicídio simples - art.° 131.° do Código Penal; 7. "(...) a matéria de facto provada, no que concerne ao crime de roubo, integra o conceito de roubo simples na forma continuada."', a punir, nos termos do art.° 79.° do Código Penal, com pena não superior a 3 (três) anos e 06 (seis) meses de prisão; 8. Excessividade das penas, atendendo ao constante do Relatório Social, em particular, aos efeitos de uma pena longa na relação com a filha; 9. A indemnização é excessiva, não devendo ser superior a €75.000$00; 10. Normas violadas: art°s 97.°, 355.°, 374.°, 379.° 125.°, 126.°, 127.°, 129.°, 163.°, 410.°, n.° 2, e 412.°; art°s 14.°, 22.°, 23.°, 40.°, n.° 2, 50.°, 70.°, 71.°, 77.°, 72.°, 73.°, 210.° e 204.°, estes do Código Penal; 11. Violação dos princípios da legalidade criminal; "ne bis in idem"; "in dúbio pró reo" e da presunção de inocência do arguido - arfs 32.°, n.° 2 da CRP; a interpretação dada ao art.° 97.°, n.° 4, violou os princípios consignados no art.° 32.°, n°s 1 e 5, e 205.° da CRP. III - Resposta 1. Aspeto de primeira linha, e proeminente, de que cumpre curar, é o que se relaciona com a estrutura do recurso e dos seus segmentos de inconformismo, vertente relativamente à qual se impõe a uma esquemática abordagem que focalize, por exigência de arrumação da miríade de questões postas, essoutras que são, por assim dizer, prévias. Na verdade, a recorrente, olvidando determinantes várias de irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pelas relações, especialmente as que emergem dos art°s 400.°, n.° 1, al. f) [irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem a decisão da 1.' instância e que apliquem pena de prisão não superior a 8 anos], e 434." [limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, exclusivamente, à matéria de direito, sem prejuízo de, por sua iniciativa, poder conhecer dos vícios previstos no art.° 410.°, n°s 2 e 3], não só apresentou uma motivação que, salvo o devido respeito, é uma repetição da que apresentara no recurso interposto para a Relação, mas também abrangeu, para além de matéria de facto em si mesma, em geral, outra que contende com crimes - a esmagadora maioria - a propósito dos quais se formou dupla conforme condenatória aplicativa de pena não superior a oito anos. É orientação solidificada do Supremo Tribunal de Justiça3 a que acolhe, sem vacilações, uma linha decisória que aponta no sentido de que, em caso de concurso de crimes, havendo situações de dupla conforme [confirmação integral pela Relação da decisão de 1a instância], só há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, quando as penas de prisão forem superiores a 8 anos de prisão, quer se trate de penas parcelares, caso em que são conhecidas as questões relativas aos respetivos crimes singulares, quer da pena única. No caso presente, esmagadora maioria das penas parcelares que foram aplicadas em 1ª instância e que vieram a ser confirmadas pela Relação, são inferiores a 8 anos de prisão. Apenas se não verificando, salvo melhor opinião, não obstante a dupla conforme ocorrida, a recorribilidade em relação ao crime de homicídio qualificado, obviamente quanto à matéria de direito - art.° 434.° -, uma vez que este foi punido com pena que excede a aludida 3 Cf. Acórdão de 25-02-2015, tirado no Proc. n.° 1514/12.5JAPRT.P1.S1, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Raul Borges, em que se recenseia um avassalador elenco de decisões sobre o tema. medida limitativa - art.° 400°, n.° 1, ai. f), interpretado "a contrario sensu"; e quanto à pena única resultante do cúmulo jurídico. Como assim, excluída esta dupla faceta e, naturalmente, a vertente de facto a propósito da qual o recurso exprime uma renovada intenção de escrutínio, quanto aos crimes singulares por cuja prática o arguido foi condenado, a decisão é irrecorrível, não devendo o mesmo ter sido admitido nessa parte. De igual sorte se perspetivam as coisas quanto à pretendida impugnação à custa da convocatória dos vícios do art.° 410.°, n.° 24, em todo o caso, a nosso ver, não verificados. Como prevê o n° 3 do art.° 414°, a decisão de admissão de recurso não vincula o tribunal superior. Deflui, pois, nos termos das disposições conjugadas dos arfs. 414° e 420° n° 1 ai. b), que, por a decisão ser irrecorrível, deve o recurso ser rejeitado, nessa parte, com o que fica arredado o conhecimento das questões apontadas na resenha dos fundamentos do recurso acima apontada sob os pontos 11-1., 2.,3, 4., 5. e 7. Cabe, contudo, uma palavra, pese embora a inclusão desses segmentos na aludida área do não conhecimento recursório do Supremo Tribunal de Justiça, para exprimir o dissenso quanto aos esgrimidos - retius transcritos da motivação do anterior recurso - vícios de nulidade e inconstitucionalidade a que aludem os ditos pontos II - 1. 2. 3. Nesses segmentos, a propósito dos quais até fica a dúvida sobre se a recorrente está a referir-se ao acórdão da Relação de Guimarães - cf. conclusão 10.a -, porque não parece, esquece-se que, como tem sido jurisprudência regular5, cujo testemunho se transcreve: "(...) Ill -O n.° 2 do art, 374° do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do art. 379° (ex vi art. 425.°, n.° 4), razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1.a instância, uma vez que o seu objecto é a 4 "Não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação. "O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.° do CPP)." In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-04-2010, tirado no Proc. n.° 2792/05.1TDLSB.L1.51., de que foi relator o Exmo. Conselheiro Pires da Graça. 5 Cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2014, tirado no Proc. n.° 659/06.5GACSC.L1 .G1 - 3." Secção, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes. decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1a instância, e que embora os Tribunais de Relação possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar nos mesmos termos em que o faz a 1." instância. IV - Assim sendo, em matéria de reexame das provas, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente aquelas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido." Por brevidade, conatural à urgência do procedimento e diretamente proporcional à sem razão do recurso, sempre se dirá que o acórdão recorrido - o da Relação de Guimarães - examinou a fundamentação do proferido pela primeira instância e a respetiva valoração das provas, não lobrigando qualquer deficiência decisória e sufragando a decisão, tendo recusado qualquer falta de fundamentação ou infração constitucional da decisão, esta, aliás, invocada na motivação, salvo o devido respeito, de modo tabelar e com o exclusivo fito de abrir caminho à intervenção do Tribunal Constitucional, como tem sido usual - cf. conclusão 6.a e 49.a "in fine". Aliás, até custa perceber - e conceber -, no estrito plano da boa-fé processual e funcional, que a recorrente, a um tempo, se insurja contra pretensas deficiências de decisão de facto e reivindique, sem rebuço, em seu benefício - como faz nas conclusões 39.a. 42.a e 47.a da motivação - ser "autora confessa" e a "interiorização do mal cometido" "Est modus in rebus!" Não pode valer tudo e o seu contrário! Em suma. Os ditos segmentos, sem prejuízo da aludida irrecorribilidade, devem improceder rotundamente. Escrito isto, vejamos, então, as subsistentes questões do recurso, que, com algum esforço, face à profusão/repetição/sobreposição de fundamentos, temos, salvo melhor opinião, por concentradas nos seguintes itens: a) Qualificação do crime de homicídio; b) Medida das penas, parcelar do crime de homicídio e única, e alegada nulidade referente à atinente falta de fundamentação, em atenção aos aspetos pessoais da recorrente, já que, quanto à alegada excessividade da indemnização declinamos resposta, uma vez que o Ministério Público não representa os lesados, nem tem um interesse relevante que seja afetado, nesta parte, com o recurso - art.° 413.°, n.° 1. 2. No que tange à alegada incorreção da qualificação do crime de homicídio, não assiste qualquer razão à recorrente. O acórdão da primeira instância tratou a subsunção diferencial - cf. fls. 1997 a 2003 - com elevada profundidade, outro tanto sucedendo, embora com sufrágio do primeiro, no acórdão recorrido - cf. fls. 2541, 2542 e 2547 -, razões pelas quais apenas sobejaria a expressão da concordância com a subsunção dos factos no tipo de homicídio qualificado, não fora o imperativo de consciência jurídica a impelir para que algo mais se avive. A argumentação recursória, misturando teleologia absolutória com o desejo de exclusão da qualificação, para além da proclamação de alguns princípios e determinantes genéricas, algumas, salvo o devido respeito, abstraías e vazias de sentido - cf. conclusão 29." -; sobre os requisitos da qualificação do crime de homicídio, distancia-se dos factos provados, olvidando mesmo - cf. conclusão 20.a - que, especificamente, quanto à recorrente BB Coelho, para além do mais, concorre a circunstância expressiva de majorada censurabilidade e perversidade prevista na ai. j), do n.° 1, do art.° 132.°, do Código Penal. Sobre esta circunstância, específica da recorrente, o Tribunal "a quo" sufragou a matéria de facto alcançada na primeira instância em cuja decisão se recortam as seguintes considerações, por demais esclarecedoras, mesmo que outras não existissem - e existem -, quanto ao acerto jurídico da condenação pela prática do crime de homicídio qualificado: "Já a BB formulou a sua decisão muito antes de a morte do DD ter ocorrido, insistiu por diversas vezes com o AA para o fazer, usou os mais variados argumentos para o persuadir a assim proceder, num procedimento profundamente reprovável, calmo, maquiavelicamente calmo, pendular, rotineiro, até atingir o seu pérfido desiderato. Mais censurável do que isto é difícil."-cf. fls. 2003. Perpassa, transversalmente, pelos factos provados que o adolescente e infeliz vítima DD, de 14 anos de idade, foi "utilizado", durante algum tempo, como colaborador na prática de crimes de roubo, até que se tornou potencialmente incómodo, devido ao que, pretensamente, conhecia da vida do recorrente e da coarguida; o que suscitava, como sucede nas organizações criminosas, a vantagem de que fosse perpetuamente silenciado, aliás, como veio a suceder, de forma trágica e hedionda - cf. 21. dos factos provados -; tudo gizado num estado emocional de olímpico desprezo para com a vida humana, em diálogo progressivo e preparatório da morte nutrido entre a recorrente e o coarguido; a que não faltou o poslúdio de que tratam os pontos 25. e seguintes dos factos provados. Como nota TERESA SERRA6 a especial censurabilidade prevista no art.° 132.°, n.° 1, do Código Penal, como circunstância que torna o homicídio qualificado, ocorre nos casos em que: "as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores". Acrescentando que essa configuração da censurabilidade se reporta às: "componentes da culpa relativas ao facto" assente "naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude." Por sua vez, a especial perversidade, também qualificativa do homicídio, mostra-se numa: "uma atitude profundamente rejeitável", de modo a "constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade", revelando "componentes da culpa relativas ao agente." Ora, no caso, as circunstâncias em que foi morto o DD exibem uma gravidade de elevadíssimo nível que dá da recorrente a imagem de uma personalidade de atitude repugnante que a coloca a uma distância incomensurável de uma normal vida determinada por valores, particularmente no que tange ao relacionamento com pessoas de jovem idade, como era o caso da vítima, que vivenciava uma situação de desamparo. Do lado da motivação que rodeou o homicídio - uma eventual denúncia de atividades delituosas - emerge, para além de reação a comportamento futuro e incerto, que até poderia ser contornado, uma profundíssima desproporção, a denotar elevada censurabilidade. Mostra-se, assim, acertada a condenação pela prática do crime de homicídio qualificado. 3. Finalmente, questiona a recorrente a pretensa excessividade das penas, que acompanha, no essencial, com a invocação dos malefícios que, para a filha, advirão da sua reclusão prolongada, que deriva de uma sanção não suavizada. 6 In "Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena", Almedina, 1998, pág.63 e 64. Como se disse, a recorribilidade/cognoscibilidade está, neste segmento, limitada à medida da pena do homicídio e da pena única - art°s 400.°, n.° 1, ai. f), e 432.°, n.° 1, ai. b). Relativamente à pena parcelar aplicada ao crime de homicídio qualificado, o Tribunal "a quo" examinou os termos em que foi determinada, sufragando-os - cf. fls. 2552 -, após transcrição da fundamentação que vinha do acórdão da primeira instância, perante o qual a recorrente fez desfilar os mesmos argumentos recursórios que trouxe ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Atentando em todos os factos e circunstâncias provadas, a medida da pena aplicada à recorrente quanto ao crime de homicídio - 20 anos numa moldura penal abstraia de 12 a 25 anos de prisão - art.° 132.°, n.° 1, do Código Penal - mostra-se adequada às determinantes dos arts 40.° e 71° do aludido código, não se podendo esquecer que a infeliz vítima tinha uma idade muito próxima da filha da recorrente, além de que se tratava de uma criança desamparada, quadro a que os instintos maternais, tão esgrimidos agora, deram a pior resposta possível. Os termos da preparação e do cometimento do crime de homicídio, sobretudo deste, têm contornos próprios das organizações criminosas que adquirem o silêncio dos incómodos, dando-lhe a morte. Enfim, consideramos a pena parcelar relativa ao crime de homicídio qualificado acertada na sua medida, outro tanto ocorrendo quanto à pena do cúmulo jurídico, que recebeu as restantes penas parcelares numa margem sobrante já muito estreita, determinada pelo art.° 41.°, n.° 2, do Código Penal. Não foram violadas as normas e princípios da pletora recursiva que a recorrente alinhou no seu extenso rol. Deve, pois, improceder o recurso, também aqui. IV - Conclusões 1. Nos termos das disposições conjugadas dos art°s. 400.°, n.° 1, ai. f), 414°, n.° 3, 420° n° 1 al. b), 432.°, n.° 1, al. b), e 434.°, por a decisão ser irrecorrível, deve o recurso ser parcialmente rejeitado, quanto às invocadas: 1.1. Nulidade - art.° 379.°, n.° 1, als. a) e c), e 374.°, n.° 2 - por omissão de pronúncia quanto à invocada falta de prova relativa aos factos da 1." e 3.a ocorrências (20 de agosto de 2015 e 16 de dezembro de 2015); 1.2. Nulidade - art.° 379.°, n.° 1, ai. c), e 374.°, n.° 2, e art.° 205.°, este último da CRP - devida a falta de fundamentação, por falta de indicação dos motivos da consideração como provados de todos os factos e de exame crítico da prova; 1.3. Inconstitucionalidade do art.° 374.°, n.° 2, por violação do art.° 205.°, n.° 1, da CRP; porque, no acórdão recorrido, a norma foi interpretada no sentido de que basta a enumeração e reprodução das declarações e depoimentos, não exigindo a explicação do processo de formação da convicção; 1.4. Vícios do art.° 410.°, n.° 2 - erro notório na apreciação da prova, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e contradição entre a fundamentação e a decisão quanto às aludidas 1." e 3.a ocorrência, por falta de prova da prática dos atinentes factos; tendo o Tribunal "a quo", também quanto à instigação relativa ao crime de homicídio, incumprido o disposto nos art.°s 127.° e 129.°, pelo que deve o acórdão ser declarado nulo e reenviado para a sanação dos vícios, nos termos dos art°s 426.° e 426. -A; ordenando-se novo julgamento quanto à totalidade do objeto do processo; os vícios "impõem a renovação de prova" - cf. cls. 26." e 27.a de fls. 2642; 1.5. Erro de julgamento - art.° 412.°, n.° 3 - quanto às aludidas ocorrências 1.a e 3.a relativas aos crimes de roubo e à "instigação da prova do homicídio qualificado"; e 1.6. Quanto à alegada/pretendida inclusão dos crimes de roubo na figura do crime continuado. 2. Improcedendo quanto aos demais segmentos recursórios, naturalmente com a exceção da vertente indemnizatória sobre a qual, por razões óbvias, declinamos resposta.»
Relativamente ao recurso do arguido AA
«I - Fundamentos Aferidos pelas conclusões pelas 46 conclusões formuladas, como determina o art.° 412.°, n.° 12, o recurso tem, numa síntese possível das mesmas, os seguintes fundamentos: 2 O objeto do recurso é balizado pelas conclusões da motivação onde o recorrente elenca as questões suscitadas, a conhecer pelo Tribunal "ad quem" - Ac. STJ de 19.06.1996, BMJ n.° 458; cfr. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", Vol.lll, 2." Edição, p. 335. Para além delas poderá o Tribunal "ad quem" conhecer dos vícios e nulidades de conhecimento oficioso, mesmo que não suscitadas pelo recorrente - cf. arfs. 403.°, 412.°, n.° 1; e Acs STJ n°s 1/94, 2.12.-DR.3 I-A,11.12.1994 e Ac. do Plenário do STJ. N.° 7/95, 19.10-DR" l-^\e 28.12 1. Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia - art°s 379.°, n.° 1, ai. c) – devido à condenação que teve na sua base a revogação do acórdão que condenara o recorrente pela prática do crime de roubo na forma continuada, lesiva da "proibição de reformatio in pejus"', devendo o acórdão recorrido ser revogado e mantida a aludida condenação; Inconstitucionalidade do art.° 409.° porque foi interpretado no sentido de que a requalificação jurídica, com a aplicação de penas únicas concretas, não viola a proibição da "reformatio in pejus"; 2. Nulidade derivada da falta de fundamentação do acórdão - art.° 379 °, n.° 1, als. a) e c), por referência ao art.° 374.°, n.° 2 -, porque não relevou a confissão integral e sem reservas do recorrente, seu arrependimento e a circunstância de ter ingerido bebidas alcoólicas, nem teve em conta o regime especial para jovens, não tendo investigado as circunstâncias que estiveram na base dos factos; aspetos com relevância para a descoberta da verdade e boa decisão da causa, porquanto suscetiveis de excluir/diminuir/mitigar a ilicitude e a culpa; 3. Nulidade devida a omissão de pronúncia - art.° 379.°, n.° 1, als a) e c), por referência ao art.° 374.°, n.° 2 - quanto aos factos 8 e 9, relativos à intenção de roubar quanto à ofendida GG, visto que nada foi provado; 4. Nulidade derivada de falta de fundamentação - art.° 379 °, n ° 1, al c), e 374.°, n ° 2, e art.° 205.°, este último da CRP - devida a falta de indicação dos motivos da consideração como provados de todos os factos e de exame critico da prova; do que deverá resultar a determinação de que seja elaborada nova sentença; ou novo julgamento quanto à totalidade do objeto do processo, nos termos dos arfs 374.°, 379.°, 426.° e 426.° -A; 5. Inconstitucionalidade do art.° 374.°, n.° 2, por violação do art.° 205.°, n.° 1, da CRP; porque, no acórdão recorrido, a norma foi interpretada no sentido de que basta a enumeração e reprodução das declarações e depoimentos, não exigindo a explicação do processo de formação da convicção; 6. Vícios do art.° 410.°, n.° 2; 7. Errada qualificação do crime de homicídio, motivo pelo qual deve operar-se a condenação apenas pelo crime de homicídio simples - art.° 131.° do Código Penal - com a consequente redução da pena parcelar respetiva e reflexamente da pena única; 8. Indevida inaplicação do Regime Penal para Jovens - DL n.° 401/82, de 23 de setembro. Deverá ser aplicado o regime em questão, com a consequente atenuação especial das penas concretas, fixando-se a pena única em medida não superior a 15 (quinze) anos de prisão. 9. As penas mostram-se excessivas, devendo ser reduzidas, em função dos factos provados e constantes dos pontos 71 a 112; não devendo a pena única ir além de 16 (dezasseis) anos de prisão. 10. Normas violadas: art°s 97.°, 355.°, 374.°, 379.°, 125.°, 126.°, 127.°, 129.°, 163.°, 409.°, 410.°, n.° 2; art°s 14.°, 22.°, 23.°, 40.°, n.° 2, 50.°, 70.°, 71.°, 77.°, 72.°, 73.°, 131.°, 132.° e 143.°, estes do Código Penal; art°s 4.° e seguintes do DL n.° 401/82, de 23 de setembro; art°s 32.°, n.° 2, e 29.° da CRP; e art.° 32.°, n°s 1 e 5, e 205.° da CRP; e 86.° da Lei n.° 05/2006, de 23 de fevereiro. Ill - Resposta 1. Aspeto de primeira linha, e proeminente, de que cumpre curar, é o que se relaciona com a estrutura do recurso e dos seus segmentos de inconformismo, aspetos relativamente aos quais se impõe a uma esquemática abordagem que focalize, por exigência de arrumação da miríade de questões postas, essoutras que são, por assim dizer, prévias. Na verdade, o recorrente, olvidando determinantes várias de irrecorribilidade das decisões proferidas em recurso pelas relações, especialmente as que emergem dos art.°s 400.°, n.° 1, ai. f) [irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem a decisão da 1.' instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos], e 434.° [limitação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, exclusivamente, à matéria de direito, sem prejuízo de, por sua iniciativa, poder conhecer dos vícios previstos no art.° 410.°, n°s 2 e s], não só apresentou uma motivação que, salvo o devido respeito, é uma repetição da que apresentara no recurso interposto para a Relação, mas também abrangeu, para além de matéria de facto em si mesma, em geral, outra que contende com crimes - a esmagadora maioria - a propósito dos quais se formou dupla conforme condenatória aplicativa de pena não superior a oito anos; sem esquecer, na normação indicada como violada, a menção do art.° 86.° da Lei n.° 5/2006, de 23 de fevereiro, de todo, por mais que o tenhamos procurado, inaplicada no acórdão recorrido ou no da primeira instância. É orientação solidificada do Supremo Tribunal de Justiça3 a que acolhe, sem vacilações, uma linha decisória que aponta no sentido de que, em caso de concurso de crimes, havendo situações de dupla conforme [confirmação integral pela Relação da decisão de 1a instância], só há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, quando as penas de prisão forem superiores a 8 anos de prisão, quer se trate de penas parcelares, caso em que são conhecidas as questões relativas aos respetivos crimes singulares, quer da pena única. 3 Cf. Acórdão de 25-02-2015, tirado no Proc. n.° 1514/12.5JAPRT.P1.S1, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Raul Borges, em que se recenseia um avassalador elenco de decisões sobre o tema. No caso presente, a esmagadora maioria das penas parcelares que foram aplicadas em 1a instância e que vieram a ser confirmadas pela Relação, são inferiores a 8 anos de prisão. Apenas se não verificando, salvo melhor opinião, dupla conforme relativamente à punição dos crimes de roubo [tratados na primeira instância como crime continuado e na relação como concurso real de crimes] e do crime de homicídio, sendo que este, apesar da confirmação, foi punido com pena que excede a aludida medida limitativa. Como assim, excluída a aludida dupla faceta e, naturalmente, a vertente de facto a propósito da qual o recurso exprime uma renovada intenção de escrutínio, quanto aos crimes singulares por cuja prática o arguido foi condenado, a decisão é irrecorrível, não devendo o mesmo ter sido admitido nessa parte. De igual sorte se perspetivam as coisas quanto à pretendida impugnação à custa da convocatória dos vícios do art.° 410.°, n.° 24, em todo o caso, a nosso ver, não verificados. Como prevê o n° 3 do art.° 414°, a decisão de admissão de recurso não vincula o tribunal superior. Deflui, pois, nos termos das disposições conjugadas dos art°s. 414° e 420°, n° 1, al. b), que, por a decisão ser irrecorrível, deve o recurso ser rejeitado, nessa parte, com o que fica arredado o conhecimento das questões apontadas na resenha dos fundamentos do recurso acima apontada, sob os pontos II - 3., 4., 5 e 6. Cabe, contudo, uma palavra para, pese embora a inclusão desses segmentos na aludida área do não conhecimento recursório do Supremo Tribunal de Justiça, exprimir ao dissenso quanto aos esgrimidos - retius transcritos da motivação do anterior recurso - vícios de nulidade e inconstitucionalidade a que aludem os ditos pontos II - 3.4. e 5. Nesses segmentos, a propósito dos quais até fica a dúvida sobre se o recorrente está a referir-se ao acórdão da Relação de Guimarães, porque não parece, esquece-se que, como 4 "Não é da competência do Supremo Tribunal de Justiça conhecer dos vícios aludidos no artigo 410.°, n.° 2, do CPP, uma vez que o conhecimento de tais vícios, sendo do âmbito da matéria de facto, é da competência do Tribunal da Relação. "O Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de tais vícios oficiosamente, se os mesmos se perfilarem no texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, uma vez que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434.° do CPP)." In Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-04-2010, tirado no Proc. n." 2792/05.1TDLSB.L1.31., de que foi relator o Exmo. Conselheiro Pires da Graça. tem sido jurisprudência regular5, cujo testemunho se transcreve: "(...) Ill -O n.° 2 do art. 374.° do CPP não é directamente aplicável às decisões proferidas, por via de recurso, pelos tribunais superiores, mas só por via de aplicação correspondente do art. 379.° (ex vi art. 425°, n.° 4), razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos exactos termos previstos para as sentenças proferidas em 1." instância, uma vez que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação da prova produzida na 1.a instância, e que embora os Tribunais de Relação possam conhecer da matéria de facto, não havendo imediação das provas o tribunal de recurso não pode julgar nos mesmos termos em que o faz a 1.a instância. IV - Assim sendo, em matéria de reexame das provas, o tribunal de recurso apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente aquelas, razão pela qual se entender que a valoração e apreciação feitas se mostram correctas se pode limitar a aderir ao exame crítico efectuado pelo tribunal recorrido." Por brevidade, conatural à urgência do procedimento e diretamente proporcional à sem-razão do recurso, sempre se dirá que o acórdão recorrido - o da Relação de Guimarães - examinou a fundamentação do proferido pela primeira instância e a respetiva valoração das provas, não lobrigando qualquer deficiência decisória e sufragando a decisão, tendo recusado qualquer falta de fundamentação ou infração constitucional da decisão, aliás, invocada na motivação, salvo o devido respeito, de modo tabelar e com o exclusivo fito de abrir caminho à intervenção do Tribunal Constitucional, como tem sido usual - cf. conclusões 16.a e 17.a. Aliás, até custa perceber - e conceber -. no estrito plano da boa-fé processual e funcional, que o recorrente, a um tempo, se ínsuria contra pretensas deficiências de decisão de facto e reivindique, sem rebuço, em seu benefício - como faz na conclusão 10." da motivação - a alegada "confissão integral e sem reservas." "Est modus in rebus!" Não pode valer tudo e o seu contrário, acima de tudo num tempo de exiguidade de meios ao dispor da Justiça e de níveis de exigência assombrosos. Em suma. Os ditos segmentos, sem prejuízo da aludida irrecorribilidade, devem improceder rotundamente. 5 Cf., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-06-2014, tirado no Proc. n." 659/06.5GACSC.L1.G1-3.a Secção, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Oliveira Mendes. Escrito isto, vejamos, então, as subsistentes questões do recurso, que, com algum esforço, face à profusão/repetição/sobreposição de fundamentos, temos, salvo melhor opinião, por concentradas nos seguintes itens: a) Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, quanto à condenação emergente da requalificação dos factos atinentes aos crimes de roubo como concurso real de crimes, em detrimento do crime continuado, por violação da proibição da "reformatio in pejus"; b) Qualificação do crime de homicídio; c) Inaplicação do regime penal de jovens; d) Medida das penas, parcelar do crime de homicídio e única, e alegada nulidade referente à atinente falta de fundamentação, em atenção aos aspetos pessoais do recorrente. 2. Insurge-se o recorrente contra a requalificação jurídica dos factos atinentes aos crimes de roubo/furto, que o Tribunal "a quo" operou mediante a prevalência da figura do concurso de crimes em detrimento do crime continuado, que vinha do acórdão da primeira instância, procurando identificar nessa requalificação insuportável e ilegal procedimento, porque, a seu ver, lesivo da proibição da "reformatio in pejus" e, constitucionalmente, afrontoso empreendimento jurídico, a vitimar de invalidade dessa índole o art.° 409.°. Vistos os autos, é cristalino que a modificação qualificativa dos factos foi para além da alteração da qualificação jurídica. Suscitada no parecer do Ministério Público, proferido ao abrigo do disposto no art.° 416.°, n.° 1 - cf. fls. 2452 -, notificado ao recorrente, na pessoa da sua Ilustre mandatária, de harmonia como disposto no art.° 417.°, n.° 2 - cf. fls. 2455 -, que nada requereu, o Tribunal "a quo" empreendeu uma mudança da qualificação jurídica que envolveu, não só a opção pela pluralidade de infrações em termos de substituir a figura do crime continuado pelo concurso de real infrações, mas também a eleição de penas concretas/parcelares relativamente a cada crime, seguindo-se, no seu dizer do acórdão recorrido, os critérios de determinação observados no acórdão da primeira instância, sendo certo que, quanto à pena a ponderar na efetivação do cúmulo jurídico, manteve-se o "statu quo ante." Ora, a nova qualificação, não obstante procurar apenas a garantia do rigor jurídico da decisão, desiderato que pontificou na iniciativa do Ministério Público - art.° 416.°, n.° 1 – no suscitar do desacerto da opção do enquadramento jurídico da primeira instância, não se mostrou inconsequente quanto ao mais, o que seria imposto pela proibição da "reformatio in pejus"; uma vez que criou um elenco sancionatório autónomo, intervindo, com prejuízo para o arguido, na fixação de penas parcelares a que a decisão da primeira instância, salvo o devido respeito, quiçá como alguma economização excessiva, se havia poupado, através da punição dos factos a título de crime continuado - cf. art.° 79.°, n.° 1, do Código Penal [O Tribunal "a quo", a fls. 2010, apenas menciona "Para o arguido AA (continuação criminosa): prisão de 3 anos e 6 meses."]. É certo que, sobre o tema, foi fixada jurisprudência6 no sentido de que: "O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus". A tal não se oporia a necessidade de operacionalização da notificação prevista no art.° 424.°, n.° 3, uma vez que a questão foi suscitada na intervenção processual do Ministério Público, prevista no art.° 416.°, n.° 1, de que o recorrente tomou conhecimento.7 A norma prevê que se trate de alteração da "qualificação jurídica não conhecida do arguido", o que não sucede no caso concreto, em função da notificação a que alude o art.° 417.°, n.° 2. Só que, num cenário em tudo idêntico ao apreciado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-05-2011, tirado no Proc. n.° 14125/08.0TDPRT.P1.S1, de que foi relatora a Exma. Conselheira ISABEL PAIS MARTINS, o Tribunal "a quo" procedeu, como ali se sublinha, à "manipulação das sanções em desfavor do arguido recorrente" E salienta-se nesse aresto, citando PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE8: "(...) em caso de concurso, a proibição da "reformatio in pejus" vale não apenas para o agravamento da pena conjunta mas também para cada uma das penas parcelares." No caso dos autos, o arguido teve a sua situação agravada pois, de uma pena única, global, de 3 anos e 6 meses de prisão, viu ser-lhe aplicadas sete penas parcelares, algumas de medida não muito distante daquela pena, o que envolve, inexoravelmente, agravamento e, portanto, violação da dita proibição. 6 Cf. Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 05/95, de 07 de junho, publicado no DR, Ia Série - A, de 06-07-1995. 7 Cf., neste sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, in "Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", 2." edição atualizada – Universidade Católica Editora, pág. 1157, nota 7 e 8. 8 Ob. cit. anotações 3. e 7. ao artigo 409.°, pp. 1047 e 1048 Evidencia-se, nesse acórdão, para exemplificar o prejuízo do recorrente, a hipótese, não despicienda e não improvável, de o concreto cúmulo jurídico de penas ter de ser refeito, emergindo as penas parcelares inovatórias nessa nova oportunidade de unificação como penas autónomas cuja aplicação transitou em julgado, mas já sem rasto da requalificação jurídica de origem, o que traz ao recorrente um inequívoco prejuízo. Nesse aresto, face aos contornos e à tipificação subjacente, foi possível uma solução do caso através da revogação do acórdão recorrido, com a adoção de um concurso de infrações limitado. Na situação dos autos, qualquer exercício tendente a viabilizar a almejada requalificação jurídica, que converta o crime continuado em concurso real de sete crimes, depara-se com a inevitabilidade do estabelecimento de penas parcelares que, como se viu, lesam o recorrente, motivo pelo qual o acórdão recorrido comporta efetiva violação da proibição da "reformatio in pejus", prevista no art.° 409.°, n.° 1, e daí que se imponha, salvo melhor opinião, a sua revogação, nessa parte, mantendo a configuração jurídica que vinha do acórdão da primeira instância, aí se incluindo, naturalmente, a pena do crime continuado, que assim se integrará no cúmulo jurídico a realizar a jusante. Tem, pois, na nossa ótica, razão o recorrente quanto à aludida violação da proibição da "reformatio in pejus." 3. Já quanto à qualificação do crime de homicídio, por cujos factos o recorrente pretende ver aplicada a pena do crime de homicídio simples, não lhe assiste qualquer razão. O acórdão da primeira instância tratou a subsunção diferencial - cf. fls. 1997 a 2003 - com elevada profundidade, outro tanto sucedendo, embora com sufrágio do primeiro, no acórdão recorrido - cf. fls. 2541 e 2542 -, razões pelas quais apenas sobejaria a expressão da concordância com a subsunção dos factos no tipo de homicídio qualificado, não fora o imperativo de consciência jurídica a impelir para que algo mais se avive. A argumentação recursória, para além da proclamação de alguns princípios e determinantes genéricas sobre os requisitos da qualificação do crime de homicídio, distancia-se dos factos provados através do apoucamento do perfil de culpa do recorrente, esgrimindo: pretensa obediência cega à coarguida, devida a paixão; ingestão de álcool, fonte de desinibição; e a sua jovem idade. Perpassa, transversalmente, pelos factos provados, que o adolescente e infeliz vítima DD, de 14 anos de idade, foi "utilizado", durante algum tempo, como colaborador do recorrente e da coarguida BB na prática de crimes de roubo, até que se tornou potencialmente incómodo, devido ao que, pretensamente, conhecia da vida do recorrente e da coarguida; o que suscitava, como sucede nas organizações criminosas, a vantagem de que fosse perpetuamente silenciado, aliás, como veio a suceder, de forma trágica e hedionda - cf. 21. dos factos provados -; tudo gizado num estado emocional de olímpico desprezo para com a vida humana, em diálogo progressivo e preparatório da morte nutrido entre o recorrente e a coarguida; a que não faltou o poslúdio de que tratam os pontos 25. e seguintes dos factos provados. Como nota TERESA SERRA9 a especial censurabilidade prevista no art.° 132.°, n.° 1, do Código Penal, como circunstância que torna o homicídio qualificado, ocorre nos casos em que: “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores". Acrescentando que essa configuração da censurabilidade se reporta às: "componentes da culpa relativas ao facto" assente "naquelas circunstâncias que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude." Por sua vez, a especial perversidade, também qualificativa do homicídio, mostra-se numa: "atitude profundamente rejeitável", de modo a "constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade", revelando "componentes da culpa relativas ao agente." Ora, no caso, as circunstâncias em que foi morto o DD exibem uma gravidade de elevadíssimo nível que dá do recorrente a imagem de uma personalidade de atitude repugnante que o coloca muito distante de uma normal vida determinada por valores, particularmente no que tange ao relacionamento com pessoas de jovem idade, como era o caso da vítima, que vivenciava também uma situação de desamparo. Do lado da motivação que rodeou o homicídio - uma eventual denúncia de atividades delituosas - emerge, para além de reação a comportamento futuro e incerto, porventura até contornável, uma profundíssima desproporção, a denotar elevada censurabilidade. 1 In "Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena", Almedina, 1998, pág.63 e 64. Mostra-se, assim, acertada a condenação pela prática do crime de homicídio qualificado. 4. No que concerne ao inconformismo atinente à pretensamente indevida inaplicação do regime penal especial para jovens adultos, previsto no DL n.° 401/82, de 23 de setembro, é mandatório sublinhar que o art.° 4.° desse corpo normativo estabelece dever o juiz –poder dever- atenuar especialmente a pena de prisão, hoje em conformidade com o prevenido nos art°s 72.° e 73.° do Código Penal, relativa a crimes praticados por jovens de idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, à data do crime, "quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado". Esta previsão, pese embora o reporte às normas da atenuação especial da pena, previstas no Código Penal, tem contornos e motivação específica, já que os requisitos da aplicabilidade são diferentes, quer no plano formal relativo à idade, quer quanto às exigências materiais - "razões sérias" para crer nas "vantagens para a reinserção social" do jovem. Neste enquadramento, quer o acórdão da primeira instância - cf. fls. 2009 - , quer o acórdão recorrido - cf. 2542 -, procederam ao apuramento dos indicados requisitos e concluíram, com fundamentação suficiente, aliás ancorada em jurisprudência representativa da mais firme tendência, pela recusa da aplicação do dito regime. No fundo, a configuração dos factos, especialmente do homicídio, como crime com características de especial censurabilidade sugere a incompatibilidade com a operacionalização do regime penal especial para jovens. A confissão e o arrependimento, este a reclamar atos objetivos que enriqueçam a sua efetividade, têm, no cenário mais geral de inusitada gravidade dos factos, efeitos pálidos na determinação do juízo de prognose que a aplicação do questionado regime pressupõe. Assim, a recusa da aplicação do regime penal especial de jovens em escrutínio mostra-se correta, devendo manter-se. 5. Finalmente, questiona o recorrente a excessividade das penas, que acompanha da alegação de pretensa nulidade decorrente da falta de fundamentação da determinação das mesmas. Como se disse, a recorribilidade/cognoscibilidade está, neste segmento, limitada à medida da pena do homicídio e à pena única - art°s 400.°, n.° 1 , al. f), e 432.°, n.° 1 , al. b). Relativamente à pena parcelar aplicada ao crime de homicídio qualificado, o Tribunal "a quo" examinou os termos em que foi determinada, sufragando-os - cf. fls. 2552 -, após transcrição da fundamentação que vinha do acórdão da primeira instância, perante o qual o recorrente fez desfilar os mesmos argumentos recursórios que trouxe agora ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Não é, pois, exato que o Tribunal "a quo" tenha omitido qualquer dever de fundamentação. Mas, olhando a medida dessa pena, de 17 anos de prisão, determinada numa moldura penal abstrata de 12 a 25 anos de prisão - art.° 132.°, n.° 1, do Código Penal - e sopesando as circunstâncias que concorreram para o seu apuramento, é constatável um marcado desequilíbrio entre as circunstâncias agravantes e atenuantes, agigantando-se estas em relação àquelas, o que inculca algum rigor excessivo na determinação da pena aplicada ao crime de homicídio, até por confronto com a que foi aplicada à coarguida - 20 anos. O elenco das circunstâncias atenuantes que o Tribunal "a quo" resenhou a fls. 2548/9 denota que a pena aplicada pela prática do crime de homicídio poderá, salvo melhor opinião, ser reduzida para 16 anos de prisão, nos termos dos art°s 40.° e 71.° do Código Penal. Relativamente â medida da pena do cúmulo jurídico, sem prejuízo de, como se disse, aí dever manter-se a pena relativa ao crime de roubo/furto, na forma continuada; em consonância com a redução da pena aplicada ao crime de homicídio, será ajustada a sua redução para 19 anos. IV - Conclusões 1. Nos termos das disposições conjugadas dos art°s. 400.°, n.° 1, al. f), 414°, n.° 3, 420° n° 1 al. b), e 432.°, n.° 1, ai. b), por a decisão ser irrecorrível, deve o recurso ser parcialmente rejeitado, quanto às invocadas: 1.1. Nulidade devida a omissão de pronúncia - art° 379 °, n.° 1, als. a) e c), por referência ao art.° 374.°, n.° 2 - quanto aos factos 8 e 9, relativos à intenção de roubar quanto à ofendida GG; 1.2. Nulidade derivada de falta de fundamentação - art.° 379.°, n ° 1, al c), e 374.°, n.° 2, e art.° 205.°, este último da CRP - devida a pretensa falta de indicação dos motivos da consideração como provados de todos os factos e de exame crítico da prova; 1.3. Inconstitucionalidade do art.° 374.°, n.° 2, por violação do art.° 205.°, n.° 1, da CRP; 1 .4. Verificação dos vícios do art.° 410.°, n.° 2. 2. Deve, contudo, ser julgado procedente o recurso quanto à alegada violação da proibição da "reformatio in pejus", revogando-se o acórdão recorrido nessa parte e mantendo-se a condenação do recorrente pela prática do crime de roubo/furto, na forma continuada, que vinha do acórdão da primeira instância, mantendo-se a pena, que assim deve integrar o cúmulo jurídico; 3. Deve improceder quanto à pretendida desqualificação do crime de homicídio, cuja pena deverá, todavia, ser reduzida para 16 (dezasseis) anos de prisão; e 4. A pena do cúmulo jurídico deverá, em consequência, ser reduzida para 19 (dezanove) anos de prisão.»
Parecer da Ex.ma PGA neste Supremo Tribunal 4. Por seu turno, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu, em 27/10/2017, douto parecer (fls. 2743-2764), também a seguir transcrito na parte pertinente:
«3. Interpõem, agora, os arguidos recurso para este Venerando Tribunal, em tempo e com legitimidade. A resposta do MºPº foi, também ela, tempestiva e com legitimidade. O Sr. Juiz recebeu os recursos com o efeito e modo de subida devidos. 3. Consabidamente, são as conclusões de recurso que delimitam o respectivo âmbito – art. 412.º, n.º 1, do CPP. 3.1. A recorrente BB coloca as seguintes questões: – rediscussão da matéria de facto, ao afirmar, na conclusão 1ª, que a audiência de julgamento não foi produzida prova suficiente “no que concerne à 1ª e 3ª ocorrências do crime de roubo (…) necessária para o preenchimento dos crimes de roubo (factos ocorridos a 20/8/2015 e 16/12/2015). → A matéria de facto relativa às referidas ocorrências 1ª e 3ª, está erradamente julgada, nos termos e para os efeitos do art. 412.º, n.º 3, do CPP. - A decisão recorrida padece dos vícios a que se reporta o art. 410.º, n.º 2, do CPP, al. a), b) e c), e vai contra as regras da experiência comum, ao presumir que a recorrente foi a autora das 1ª e 3ª (ocorrências crimes de roubos), e instigadora do crime de homicídio qualificado. - A decisão é nula por omissão de pronúncia. - A fundamentação do Acórdão recorrido não cumpre a norma do n.º 2, do art. 374.º, do CPP, pois não contém a exposição de motivo que fundamentou a decisão, bem como o exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convicção. - A norma contida no art. 374.º, n.º 2, do CPP, é inconstitucional, se interpretada, como ocorreu no Acórdão recorrido, no sentido de bastar, tão só, a enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados em audiência, não exigindo a explicitação do processo formal da convicção do tribunal. - Mostra-se errada a qualificação jurídica do tipo legal do homicídio, que não deve ser qualificado. - Os crime de roubos qualificados devem ser convolados para 1 crime de roubo simples na forma continuada. - As penas de prisão parcelares e única devem ser diminuídas. 3.2. O arguido AA concluiu o seu recurso do seguinte modo: - O Acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia, porquanto o recorrente foi condenado, em 1ª instância, por um crime de roubo na forma continuada, não tendo desta questão recorrido nem o MºPº nem a Assistente. Porém, o Tribunal recorrido conheceu dessa matéria de direito, condenando-o por 6 crimes de roubo qualificado em concretas penas parcelares de prisão. - Foi violado o princípio da proibição da reformatio in pejus. - O Acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação dos factos provados e não provados. - Não se pronunciou sobre a (in)aplicabilidade do Regime Especial para Jovens. - O Acórdão recorrido padece, por outro lado, de nulidade insanável por omissão de pronúncia, relativamente à intenção de roubar a ofendida GG (factos n.ºs 8 e 9). - A decisão recorrida é nula, por omissão da exposição de motivos que fundamentam a decisão do tribunal de considerar provados todos os factos constantes da referida sentença, bem como inexiste exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convicção. - O art. 374.º, n.º 2, do CPP, é inconstitucional, na interpretação dada pelo Tribunal recorrido de que, na fundamentação das decisões em matéria de facto, basta a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal. - O art. 409.º, do CPP, é inconstitucional na interpretação de que a requalificação jurídica, “com aplicação de penas únicas concretas” não viola o princípio de proibição da “reformatio in pejus”. - O Acórdão recorrido padece de todos os vícios elencados no n.º 2, do art. 410.º, do CPC. - Não se verificam os requisitos exigidos pelo art. 132.º, n.º 1 e 2, als. c) e e) do CP, de que depende a qualificação do homicídio pelo qual foi condenado, que deve ser convolado para crime de homicídio simples.
→ Ao recorrente, deve ser aplicado o regime penal especial para jovens, pois, à data dos factos tinha 18 anos, confessou os factos de forma integral e sem reserva, está arrependido e à data dos factos tinha uma personalidade imatura e influenciável. → As penas de prisão parcelares devem diminuir e a pena única deve baixar para os 15 anos de prisão. 3.2. O MºPº respondeu, suscitando, como questão prévia, a irrecorribilidade do Acórdão relativamente às penas de prisão parcelares aplicadas em quantum inferior a 8 anos, relativamente às quais se verifica uma dupla conforme com a decisão da 1ª instância. Relativamente às questões de mérito, no concerne ao recurso da arguida BB , defende a improcedência do recurso e, quanto ao arguido AA, a parcial procedência do recurso quanto “ à alegada violação da proibição da “reformatio in pejus”, revogando-se o acórdão recorrido nessa parte e mantendo-se a condenação do recorrente pela prática do crime de roubo/furto, na forma continuada, que vinha do acórdão da primeira instância, mantendo-se a pena, que assim deve integrar o cúmulo jurídico; Deve improceder quanto à pretendida desqualificação do crime de homicídio, cuja pena deverá, todavia, ser reduzida para 16 (dezasseis) anos de prisão; e A pena do cúmulo jurídico deverá, em consequência, ser reduzida para 19 (dezanove) anos de prisão”.
4. Questões prévias 4.1. o Acórdão recorrido padece parcialmente de nulidade, por omissão de pronúncia, no que concerne à questão da desqualificação do crime de homicídio cometido pela recorrente BB, colocada expressamente nas conclusões do recurso interposto pela arguida para o Tribunal da Relação de Guimarães da sentença proferida na 1ª instância, matéria sobre a qual o Tribunal ora recorrido não se pronunciou. Dispõe o art. 434.º do CPP que o STJ conhece exclusivamente de matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.º 2 e 3, do CPP. Os vícios a que aludem os n.ºs 2 e 3, do art. 410.º, são de conhecimento oficioso. Determina o art. 379.º, com referência ao art. 374.º, ambos do CPP, ser nula a sentença que não se pronuncie sobre questão de que deveria conhecer. A recorrente volta a colocar no recurso interposto para este STJ, a questão da desqualificação do crime de homicídio pelo qual foi condenado, sendo que o tribunal a quo não se debruçou sobre tal temática que lhe fora expressamente solicitada. O Acórdão recorrido padece da nulidade a que alude o art. 410.º, n.º 3, do CPP, devendo baixar os autos ao Tribunal recorrido para que, em nova decisão, seja sanada a nulidade verificada, pronunciando-se sobre a referida questão de direito, e em consequência reapreciar, a medida da pena parcelar do crime de homicídio qualificado cometido pela arguida e a pena de prisão única a aplicar. Para tal, deve ser separado o processo, com envio de certidão com as peças necessárias à prolação de nova sentença, prosseguindo estes autos para apreciação do recurso do arguido AA, que se encontra em prisão preventiva. Na mera hipótese de raciocínio de assim não ser decidido, dá-se continuação ao presente parecer. 4.2. Acompanhando a resposta do MºPº no Tribunal recorrido, quanto à inadmissibilidade dos recursos interpostos por ambos os arguidos, relativamente às penas parcelares de prisão aplicadas em quantum inferior a 8 anos, haverá, tão só que, em suporte desta posição, referir a Jurisprudência deste Venerando Tribunal, sedimentada e uniforme: “(…)o Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão. No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme. Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª. Nos termos dos arts. 417.º, n.º 6, al. b), 420.º, n.º 1, al. a) e 400.º, n.º 1, f), todos do CPP, devem ser rejeitados liminarmente os recursos interpostos por ambos os arguidos, relativamente às penas de prisão parcelares aplicadas e matérias conexas: - À arguida BB, por cada um dos 6 crimes de roubo, pelos 2 crimes de furto, um deles qualificado, 1 crime de profanação/ocultação de cadáver e 1 crime de incêndio. - ao arguido AA, por 2 crimes de furto, um deles qualificado, 1 crime de profanação/ocultação de cadáver, 1 crime de incêndio. 5. Questões de Fundo: 5.1. O Thema decidendum reporta-se, fundamentalmente, às questões suscitadas pelos arguidos BB e AA, relativamente às penas de 20 e 17 anos de prisão aplicadas, respectivamente, pelo crime de homicídio qualificado, e às penas únicas fixadas em 25 e 20 anos de prisão, respectivamente, em resultado dos cúmulos jurídicos efectuados, bem ainda à problemática da acumulação real dos 6 crimes de roubo/ 1 crime de roubo na forma continuada. 5.2. A recorrente BB alega que - a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação, pois não contém as exposições de motivos que fundamentam a decisão. - é inconstitucional a norma do art. 374.º, n.º 2, do CPP na interpretação dada pelo Tribunal a quo, no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados em julgamento. - A decisão recorrida padece dos vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, por erro notório na apreciação da prova, por insuficiência da matéria de facto para a decisão e contradição entre a fundamentação e a decisão, por si só, viola as regras da experiência comum, ao presumir que a recorrente foi a instigadora do crime de homicídio. - O crime de homicídio pelo qual foi condenado na forma de instigadora, não é qualificado, pois não se verificam os requisitos elencados no art. 132.º, n.ºs 1 e 2, al. c), e) e j), sendo que da prova produzida não resulta a especial censurabilidade ou perversidade, pelo que haverá que ser convolado em crime de homicídio simples. - Deve proceder-se à alteração da matéria de facto quanto à instigação do crime de homicídio qualificado, dando-se como não provada a autoria da recorrente. - A não ser assim entendido, pela prática do 1 crime de homicídio qualificado a pena de prisão não deve ser superior a 12 anos. - A pena única aplicada mostra-se exagerada e desproporcional, devendo diminuir para um patamar não superior a 12 anos ou 16 anos, neste caso na hipótese de raciocínio de não vir a ser absolvida da prática de crime de homicídio qualificado.
5.3. O recurso da arguida BB não merece provimento. 5.3.1. O Supremo Tribunal de Justiça, determina o art. 434.º, do CPP, só procede ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3. Os vícios elencados no n.º 2, do citado art. 410.º, reportam-se à matéria de facto e têm de resultar da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Porque assim é, o conhecimento de tais vícios é oficioso, não está dependente do pedido dos recorrentes, e só são declarados se, face à insuficiência da matéria de facto, ao erro notório na apreciação da prova ou à contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, não for possível a este Venerando Tribunal decidir de direito a causa sub judice. Procedendo a uma leitura integrada e global do Acórdão recorrido, não atomística, dele só extraindo alguns segmentos desligados do seu todo, não se detecta quaisquer dos vícios alegados pela recorrente, nem padece de quaisquer nulidades que não devam considerar sanadas, para além da que foi relatada supra da no ponto 5.1. conhecer – art. 410.º, n.º 3, do mesmo CPP. É Jurisprudência sedimentada e uniforme deste Venerando Tribunal que “(…) Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame das questões de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2 do CPP. Relativamente á impugnação da matéria de facto impõe-se a reafirmação do princípio de que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista por excelência – art. 434.º do Código de Processo Penal – saindo fora do âmbito dos seus poderes de cognição a apreciação da matéria de facto. Na verdade, se é certo que os vícios da matéria de facto – artigo 410.º, n.º 2, do mesmo Código – são de conhecimento oficioso, e podem sempre constituir objecto de recurso, tal só pode acontecer relativamente ao acórdão recorrido, ou seja o Acórdão do Tribunal da Relação. A decisão deste Tribunal sobre a alegação da existência de vícios da matéria de facto ocorridos na decisão da primeira tem, no caso vertente, de tornar-se por definitivamente assente como é jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal. Saliente-se, ainda, que o reexame pelo Supremo Tribunal de Justiça exige prévia definição (pela Relação) dos factos provados. Nesta última hipótese, o recurso – agora, puramente, de revista – terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erra de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos. É unicamente com este âmbito que o Supremo Tribunal de Justiça pode ter de avaliar da subsistência dos aludidos vícios da matéria de facto. Tal significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1ª. instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação (…) “Ac. do STJ, de 12/6/2013, p. 234/11.2JAPTR.P1. E, continuando a acompanhar o longo acórdão citado, aplicando aquela Jurisprudência ao caso ora sub judice (…) “verifica-se que parte das conclusões formuladas pelo recorrente se referem a uma discordância em relação á materialidade considerada provada que situa a dinâmica em que se desenrolaram os factos e, concomitantemente, ao facto de se ter considerado provada a intenção de matar. Encontramo-nos, pois, no domínio da matéria de facto que se encontra excluída do conhecimento deste Supremo Tribunal. O exposto em nada é afectado pelas referências genéricas e abstractas que o recorrente faz em relação aos vícios do artigo 410.º do Código de Processo Penal e, nomeadamente, ao afastamento das regras das presunções naturais, mas sem qualquer concretização em relação á materialidade considerada provada. Na verdade, a decisão recorrida indica com precisão qual o processo lógico seguido para as conclusões que extraiu em termos de matéria de facto, analisando com detalhe a prova produzida. Está a mesma devidamente fundamentada. Do que o recorrente discorda é que a convicção do julgador se tenha formado num determinado sentido o que, manifestamente, se situa num plano distinto, ou seja, de impugnação da matéria de facto. O que o recorrente pretende é substituir uma verdade considerada na decisão recorrida pela sua verdade o que densifica única e simplesmente uma discordância sobre os factos (…)”. 5.3.2. Mostra-se, definitivamente fixada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo. A matéria de facto é suficiente à decisão de direito e o Acórdão recorrido fornece a fundamentação necessária à total compreensão do iter logico seguido pelo Tribunal para a tomada da decisão. Da factualidade fixada, que aqui se dá inteiramente por reproduzida, sublinhamos os factos provados sob os n.ºs 4.º a 36.º, 38.º, 39.º, 41.º a 47.º, 49.º a 55.º, 58.º, 59.º, 62.º a 74.º da decisão recorrida, (fls. 2505 e sgs dos autos). Estes factos contrariam manifestamente a pretensão da recorrente de ver convolados os 6 crimes de roubo pelo qual foi condenado em 1 crime de roubo na forma continuada, bem assim de obter provimento na convolação do crime de homicídio qualificado em crime de homicídio simples. No que concerne à defesa do crime continuado de roubo, determina o art. 30.º, n.º 2, do CP, que constituem um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executado de por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. A criminalização de roubo tem natureza mista, protegendo não só o património como a integridade física e a vida das vítimas, bens jurídicos essencialmente pessoais. As vítimas dos factos criminosos de roubo são diferentes, diferentes os circunstancialismos, lugar e hora da sua prática pelos arguidos que, de acordo com a factualidade fixada, planearam em conjunto e de comum acordo praticarem os factos dados como provados. Assim que não foi essencialmente homogénea a execução do crimes nem no quadro de solicitação de uma mesma situação exógena. Entre a prática de cada um dos crimes de roubo, os arguidos tiveram tempo para reconsiderar a sua actuação criminosa, ponderar a gravidade dos factos que praticavam, de modo a não reitera-los e, não obstante, fizeram-no, consciente, voluntariamente e sempre de comum acordo, com o objectivo de se apoderarem pela violência contra as vítimas, de bens e dinheiro destas.
A culpa da recorrente não se mostra diminuída, pelo contrário, a reiteração da prática dos factos criminosos, “utilizando” um jovem apaixonado por si, para melhor levar a cabo o seu desígnio, demonstra uma personalidade fria e insensível, sem quaisquer respeito pelas normas jurídicas que violava, consciente e voluntariamente. Ao crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, do CP, é-lhe inerente a violência física ou psíquica, contra uma pessoa. Paulo Pinto de Albuquerque, em anotação ao art. 410.º, do seu “Comentário do Código Penal…”, nota 23, escreve que quando a violência se verifique em relação a duas ou mais pessoas, há concurso efectivo de crimes de roubo. Ainda, e acompanhando a motivação do Acórdão recorrido, a actual redacção do n.º 3, do art. 30.º veio dar consagração legal e obrigatória ao que já era entendimento jurisprudencial, no sentido de que a continuação criminosa não tem de aplicação nos crimes que ofendem bens eminentemente pessoais. A arguida BB cometeu, em co-autoria material, 6 crimes de roubo e não 1 crime de roubo na forma continuada. Igualmente carece de razão a recorrente na pretendida desqualificação do crime de homicídio para homicídio simples. A recorrente decidiu matar um jovem de 14 anos, que integrava o seu “gang”, e participava em crimes de roubo e furto cometidos pelos co-arguidos BB e AA, com o objectivo egoísta de impedir que aquele os denunciasse. Actuou impulsionando e determinando o arguido AA a executar o crime, com a maior insensibilidade e desprovida de quaisquer afectos para com a vítima, que nela confiava e reconhecia como “líder”, “reflectiu” e determinou-se levar à prática o homicídio, usando o seu ascendente sobre o arguido AA, que convenceu a praticar o crime de homicídio, movida exclusivamente pelo objectivo de garantir a sua impunidade nos crimes de roubo praticados pelo grupo. A vítima, que tinha 14 anos, estava indefesa porque foi atacado de supressa, sem que nada desse azo a tal, num ambiente descontraído em que se encontrava com o arguido AA, foi atacado e morte à traição e com crueldade, sem qualquer hipótese de defesa. Ambos os recorrentes agiram com especial perversidade, por avidez e contra pessoa particularmente indefesa pelo inesperado ataque fatal. Os recorrentes mataram o menor para evitar serem denunciados por este e com o desígnio de manterem as vantagens patrimoniais obtidas com a prática dos roubos e furtos pelos três cometidos. As penas de prisão parcelar e única refletem ponderação, proporcionalidade e adequação. Não merece provimento o recurso da arguida BB.
6. Recurso do arguido AA. 6.1. AA levou às conclusões de recurso as seguintes questões: → Nulidade do Acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, ao decidir questão que não lhe foi colocada, qual seja a de convolar em concurso efectivo os de crimes de roubo qualificado, o crime de roubo na forma continuada, pelo qual foi condenado em 1ª instância, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão. O MºPº e o Assistente não interpuseram recurso deste segmento da decisão, pelo que o Acórdão recorrido não só se pronunciou sobre questão de direito que não podia conhecer como, ao aplicar penas parcelares de prisão a cada um dos crimes de roubo, violou o princípio da proibição da “reformatio in pejus”, contemplado no art. 409.º, do CPP. → O crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenado deve ser convolado em crime de homicídio simples, porquanto não sendo as alíneas do n.º 2, do art. 132.º, do CP, de aplicação automática, a prova fixada nos autos não permite concluir pela perversidade ou especial censurabilidade da sua actuação. → O arguido actuou “perturbado” pela paixão e vontade de satisfazer a mulher amada, obedecer a uma sua ordem, o que lhe “perturbou” a consciência da ilicitude e mitiga a culpa (…), retirando a especial censurabilidade ou perversidade à sua actuação. → A pena a aplicar-lhe, pelo crime de homicídio simples, deverá fixar-se nos 12 anos, baixando-se consequentemente, a pena única. Acresce que → Haverá que ser-lhe aplicado o Regime Especial para Jovens, vertido na Lei, 401/82, de 23/9. O arguido tinha à data dos factos, 18 anos. Confessou integralmente e sem reservas os factos. → A pena única deve ficar-se pelos 16 anos de prisão. 6.1.1. Como já se deixou dito supra, sob epígrafe “questão prévia”, não é de conhecer a matéria levada às conclusões 10ª a 16ª, 20ª a 44ª, nos segmentos reportados às matérias atinentes aos de furto qualificado e simples, incêndio e profanação de cadáver, por irrecorrível, nesta parte, o Acórdão ora sub judice. 6.1.2. Da leitura integrada do Acórdão recorrido não se surpreendem quaisquer dos vícios elencados nos arts. 410.º, n.º 2 e 3, do CPP. A decisão mostra-se fundamentada, de facto e de direito, não resultando dela, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, erro na apreciação da prova, insuficiência da matéria de facto para decisão ou contradição na fundamentação ou entre esta e a decisão. A matéria de facto mostra-se definitivamente fixada, pelo que este Venerando Tribunal deverá tão só proceder ao reexame da matéria de direito. 6.2. Suscita o recorrente a nulidade do Acórdão recorrido, no que concerne à violação do princípio da proibição da reformation in pejus, porquanto a decisão ora recorrida, relativamente ao crime de roubo na forma continuada pelo qual veio a ser condenado na 1ª instância, sem que o MºPº ou o Assistente dela tivesse recorrido, alterou a qualificação jurídica dos factos, condenando-o, em acumulação real, por 6 crimes de roubo, aplicando-lhe penas parcelares de prisão, de 1 ano e 6 meses (factos 8ª e 9.º), 2 anos (factos 3ª a 40ª), 2 anos e 6 meses (factos 41 a 45.º), 1 ano e 4 meses (facto 46º a 48.º), 2 anos (49.º a 53.º), 2 anos (factos 54 e 57.º) e 1 ano e 4 meses (factos 52.º a 61º). 6.3. Dispõe o n.º 1, do art. 409.º, do CPP, que, interposto recurso da decisão final somente pelo arguido, pelo MºPº no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo MºPº no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes. “(…) O Tribunal superior não está impedido de ter opinião diversa quanto à qualificação dos factos provados. Pelo contrário, deve ser rigoroso e qualificar devidamente esse quadro de facto se entender que está incorrectamente qualificado. Afinal, o conhecimento do direito é oficioso em todos os graus de jurisdição. Porém, de uma diversa qualificação que implique moldura penal mais gravosa, só poderá resultar o agravamento da pena imposta ao arguido, na situação de recorrente, observados que sejam os procedimentos e pressupostos previstos no artigo 359.º. de outro modo, a nova qualificação tida por correcta, não poderá nuca prejudicar a pena já aplicada ou ter outros efeitos que eventualmente assistam ao arguido. Quer dizer: em tal circunstância, a nova qualificação garante apenas a preocupação do rigor jurídico da decisão, que sempre dever ser prosseguida, mas é inconsequente quanto ao mais (…)”, escreve o Sr. Juiz Conselheiro Pereira Madeira, em anotação ao art. 409.º, do Código Processo Penal Comentado, de António da Silva Henriques Gaspar “et allii”. Expressamente, o que o normativo proíbe, é modificar a espécie ou medida das sanções fixadas na decisão recorrida, não se pronunciando sobre a requalificação jurídica dos factos pelo Tribunal ad quem, sem qualquer projecção na sanção aplicada. O conhecimento e a afirmação do direito, como rigorosamente deve ser interpretado e aplicado, é um dever do Tribunal de recurso, embora não possa implicar agravamento na pena aplicada ao arguido, se o MºPº não tiver recorrido em prossecução dessa requalificação jurídica e aplicação de pena mais severa. Por força do que dispõe o art. 409.º, n.º 1, do CPP, o tribunal ora recorrido tem competência para proceder à requalificação jurídica dos factos, afirmando a prática de 6 crimes de roubo, em acumulação real, em vez de 1 só crime de roubo na forma continuada, mas não pode alterar a sanção imposta, aplicando-lhe penas de prisão parcelares, respectivamente. A pena aplicada de 3 anos e 6 meses de prisão não pode ser alterada, nem a cada crime de roubo poderá ser aplicada uma pena individualizada. Merece provimento parcial o recurso do arguido, no segmento correspondente à violação do princípio da “reformation in pejus”, pelo tribunal a quo, que aplicou, sem suporte legal, penas de prisão a cada um dos 6 crimes de roubo em que convolou o crime de roubo praticado sob a forma continuada, pelo qual havia sido condenado em 1ª instância, sem que o MºPº ou a Assistente tenha recorrido desta parte da decisão. Que procede a requalificação jurídica dos factos, basta a fundamentação expendida pelo Tribunal recorrido, no que se refere à actuação criminosa da co-arguida BB Patrícia, resultando da factualidade fixada a actuação, em conjugação de esforços de ambos os arguidos, os recorrentes BB Patrícia e AA. Assim que, embora se concorde com a requalificação jurídica dos factos que integram, não um crime de roubo sob a forma continuada, mas sim uma acumulação real de 6 crimes de roubo qualificado, a pena terá de manter-se, sem fixação de quaisquer penas parcelares de prisão, por imposição do que dispõe o art. 409.º, n.º 1, do CPP. 6.4. No que tange à pretendida desqualificação do crime de homicídio, não tem razão o recorrente. 6.4.1. Dando aqui por reproduzidas, com a devida vénia, quer a fundamentação do Acórdão recorrido, quer a resposta do MºPº, apenas se nos oferece sublinhar que os factos criminosos definitivamente fixados demostram à sociedade uma especial perversidade e censurabilidade na actuação de ambos os arguidos, que decidem matar um jovem de 14 anos, que com eles participou na consumação dos crimes de roubo e que neles confiou, com o único objectivo de impedir que a vítima viesse a revelar a terceiros os crimes que todos haviam praticado e para os quais o ora recorrente e a arguida BB Patrícia queriam manter a sua impunidade. Não há, pois, que proceder à desqualificação do crime de homicídio, mostrando-se a pena de 17 anos aplicada a adequada e proporcional, tendo em conta os fins de prevenção geral e especial, particularmente exigentes na contenção e redução deste tipo de crimes. 6.4.2. Pretende ainda o Recorrente que lhe seja aplicado o “Regime para Jovens”, porquanto à data dos factos tinha apenas 18 anos. A aplicação do disposto na Lei 401/82, de 23/9/, art. 1.º, por força do art. 9.º do CP, não é de aplicação automática, devendo o Tribunal sopesar os factos criminosos praticados e o circunstancialismo em que o foram, procedendo à elaboração de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do jovem delinquente, tendo em vistas a sua ressocialização. Fundamentadamente, o Acórdão recorrido diz porque não é de aplicar aquele regime no caso dos autos, ao ora recorrente. A medida da pena de 17 anos aplicada pelo crime de homicídio qualificado não merece reparo e deve ser mantida, assim como deve manter-se nos 20 anos de prisão a pena única aplicada. O elevadíssimo grau de ilicitude da sua conduta e a fortíssima reprovação da comunidade que os crimes homicídio suscitam, não permitem a sua diminuição, sob pena de ser abalada a confiança dos cidadãos na validade das normas violadas e na aplicação da justiça. 7. Pelo exposto emite-se parecer no sentido da: → Nulidade do Acórdão recorrido no que concerne à omissão de pronúncia sobre a pretendida desqualificação do crime de homicídio suscitada pela recorrente BB Patrícia. → Rejeição liminar parcial dos recursos dos arguidos BB e AA, no que concerne às questões relativas à matéria de facto fixada e às penas parcelares de prisão aplicadas pelos crimes de roubo, de furto, de incêndio e profanação de cadáver. → Procedência parcial do recurso do arguido no que concerne às penas de prisão parcelares aplicadas ex novo pelos 6 crimes de roubo praticados que, não obstante, deverão ser objecto de requalificação jurídica de um crime de roubo na forma continuada para 6 crimes de roubo qualificado, em acumulação real, não podendo, no entanto, ser objecto de aplicação de penas de prisão, por força disposto no art. 409.º, do CPP. → Improcedência de ambos os recursos no que se refere às penas parcelares de prisão aplicadas pelo crime de homicídio, que não deve ser desqualificado, e quanto às penas única de prisão, respectivamente fixadas.»
****** ****** 5. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.
Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP). Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:
É a seguinte a matéria de facto fixada na decisão recorrida:
Apreciação dos recursos 2. Apreciando.
Conforme jurisprudência pacífica, as conclusões delimitam, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, os poderes de cognição do Tribunal de recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, pág. 316; jurisprudência do STJ referenciada no Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Rel. Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Rel. Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Rel. Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Rel. Manuel Augusto de Matos).
Do recurso da arguida BB Questões levantadas nas conclusões (fls. 2636-2648) do recurso:
● 1) Omissão de pronúncia e consequente nulidade por falta de prova relativamente aos factos integrantes dos crimes de roubo (1.ª e 3.ª ocorrência—factos de 20/8/2015 e de 16/12/2015) (arts. artº 379, nº 1, al. a), por referência ao artº 374, nº 2, ambos do C.P.P., o que, implica também a nulidade nos termos dos artºs 374 e 379, nº 1, al. c), todos do C.P.P).
● 2) Falta de fundamentação e consequente nulidade (art. 374.º, n.º 2, do CPP), dado que o Acórdão recorrido não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo” de considerar provados a maioria dos factos constantes no referido Acórdão (factos esses que sustentaram a decisão de condenação da Recorrente), bem como exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convicção nesse sentido.
● 3) Inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.
● 4) Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP (erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição entre a fundamentação e a decisão).
● 5) Qualificação jurídica do tipo legal de homicídio (absolvição ou, caso assim se não entenda, convolação para homicídio simples com pena de prisão não superior a 12 anos: conclusão n.º 46.ª do recurso da arguida; será conhecida em primeiro lugar, a título de questão prévia).
● 6) Medida da pena (pena única de 12 anos ou, caso não seja absolvida do crime de homicídio, de 16 anos de prisão: conclusão n.º 47.ª do recurso da arguida).
● 7) Indemnização excessiva.
● 8) violação dos princípios da legalidade criminal; “ne bis in idem” e o princípio in dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artºs 32 nº 2 e 29, da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32 nº 1 e 5 e artº 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional, e ainda o artº 86, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
O problema da repetição da motivação
Antes de entrar na apreciação propriamente dita do recurso, refira-se que, apreciada globalmente, a motivação da arguida BB não é mais do que uma repetição, um decalque, ipsis verbis, da motivação de recurso que apresentou, da decisão da 1.ª instância, perante o Tribunal da Relação de Guimarães, circunstância de que bem se apercebera o Ex.mo PGA daquela Relação na sua supra citada Resposta. Basta fazer o cotejo das conclusões de recurso do acórdão da 1.ª instância, que se encontram transcritas no Acórdão recorrido (da Relação de Guimarães), com as conclusões de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2636 e ss.), para se verificar o quadro que a seguir se descreve. Assim, a conclusão n.º 1 do recurso para este STJ corresponde integralmente à conclusão n.º 1 do recurso para a Relação de Guimarães, apenas com com dois retoques ligeiros (acrescentou os segmentos «que manteve as penas em que» e «em Primeira Instância»). Foram suprimidas as conclusões n.º 2 e 3 do recurso da 1.ª instância. As conclusões n.º 2 a 15 do presente recurso (na conclusão n.º 10.º, nem sequer se substituiu a expressão «Tribunal da Relação» por STJ ou Supremo Tribunal de Justiça) correspondem, ipsis verbis, respectivamente, às conclusões n.º 4 a 17 do recurso da 1.ª instância. Foi suprimida a conclusão n.º 18 do recurso da 1.ª instância. As conclusões n.º 16 a 33 do presente recurso (na conclusão n.º 27.º apenas se substituiu a expressão «sentença recorrida» por «Acórdão recorrido») correspondem, ipsis verbis, respectivamente, às conclusões n.º 19 a 36 do recurso da 1.ª instância. Nas conclusões n.º 34 e 35 do presente recurso, correspondentes, respectivamente, às conclusões n.º 37 e 38 do recurso da 1.ª instância, fizeram-se dois pequenos retoques: naquela (34) substituiu-se a palavra «Desembargadores» por «Conselheiros» e nesta (35) alterou-se a data do acórdão e acrescentou-se a expressão «manter a decisão de Primeira Instância, a qual foi». As conclusões n.º 36 a 49 do presente recurso (suprimiu-se a conclusão n.º 42 do recurso da 1.ª instância; na conclusão n.º 40.º, além de se acrescentar o sublinhado, alterou-se a expressão «a pena mais pesada que qualquer Mulher/Mãe pode sofrer» e acrescentou-se a expressão «e vê-la crescer») correspondem, ipsis verbis, respectivamente, às conclusões n.º 39 a 53 do recurso da 1.ª instância. A questão da repetição da motivação[1]convoca diversas perspectivas relacionadas com o nosso direito processual penal. Não se pode olvidar que o código de processo penal tem como uma das suas matrizes fundamentais a protecção do arguido[2]. Por outro lado, também não existe norma donde resulte, inequivocamente, o impedimento do conhecimento do recurso. Assim, atenta também a extrema gravidade do quadro criminal corporizado nos presentes autos e a circunstância de a rejeição, pura e simples, do recurso da arguida BB, poder representar uma violação do princípio da proporcionalidade[3], conhecer-se-á do recurso.
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Apreciação das questões levantadas no recurso da arguida BB
● 5) da qualificação jurídica do tipo legal de homicídio.
Embora não se trate da primeira questão levantada na motivação de recurso pela arguida BB, conhece-se desde já a mesma, a título de questão prévia, também levantada no parecer da Ex.ma PGA, junto deste STJ, dado que estamos perante um problema que pode, eventualmente, ter implicação no desenrolar dos autos. A recorrente BB, quer no recurso para a Relação de Guimarães, quer no recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, colocou sempre em causa, além do mais, a questão da qualificação jurídica do crime de homicídio. Em seu entender, os factos em causa integram um crime de homicídio simples (art. 131.º do CP), devendo ser absolvida dos crimes de roubo (1.ª e 3.ª ocorrências) e condenada em pena não superior a 12 anos de prisão (v. arts. 23 e 28 das conclusões do recurso). Todavia, verifica-se que a Relação de Guimarães não se debruçou sobre este importante aspecto do recurso. Fê-lo apenas relativamente ao co-arguido AA (n.º 4 das questões apreciadas no aresto daquela Relação). Estamos perante um caso de omissão de pronúncia[4], dado que aquela Relação, no aresto recorrido, deixou de se pronunciar sobre uma importante questão (a da qualificação jurídica do crime de homicídio) que lhe foi, directamente, colocada pela recorrente (alínea c) do n.º 1 do art. 379.º; v. também art. 425.º, n.º 4, ambos do CPP). A questão que se coloca, imediatamente a seguir, é a de saber se este Supremo Tribunal tem competência para conhecer da mesma, ou se, eventualmente, deverá remeter os autos ao tribunal recorrido (Relação de Guimarães) a fim de sanar tal omissão. Escreve-se na anotação ao artigo 379.º do CPP, da autoria do Cons.º Oliveira Mendes[5], o seguinte: «Por efeito da alteração introduzida no texto do n.º 2 pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida (é o que decorre da actual letra da lei “as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, devendo o tribunal supri-las…”, razão pela qual sobre o tribunal de recurso impende a obrigação de suprir as nulidades de que padeça a sentença recorrida, a menos, obviamente, que a nulidade só seja susceptível de suprimento pelo tribunal recorrido, situação que será a comum, visto que na grande maioria dos casos o suprimento pelo tribunal de recurso redundaria na supressão de um grau de jurisdição.». Em nosso entender, atenta a actual redacção do n.º 2 do art. 379.º do CPP, e dado que este Supremo Tribunal de Justiça está na posse de todos os elementos indispensáveis para dirimir a questão, podemos, e devemos, conhecer da mesma. É o que se fará de seguida.
A recorrente coloca em causa a qualificação jurídica do tipo legal de homicídio, defendendo a sua desqualificação. Escreve, a propósito, nas conclusões da sua alegação de recurso para este STJ que:
«19ª - Com o devido respeito, sem prescindir, discorda-se da qualificação jurídica do tipo legal do homicídio.
20.ª- A Recorrente foi condenada como instigadora pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131 e 132, nº 1 e nº 2, als c) e e), in fine, do C.P.
21ª- É consabido que as alíneas do nº 2, do artº 132, do C. P., não são de funcionamento automático, cremos que “in casu” não estão presentes circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
22ª- Entendemos que os exemplos padrão prendem-se, essencialmente, com a questão da culpa, mais do que com ilicitude, pois ainda que se refiram a um maior desvalor da conduta, não é essa a circunstância, por si só, que determina a qualificação do crime.
23-ª - Da prova produzida, cremos não estar presente a cláusula genérica, de circunstâncias que revelam uma especial censurabilidade ou perversidade do agente, bem pelo contrário, a imagem global dos factos evidencia um crime de homicídio simples (artº 131, do C. P.).
24ª - Sem prescindir, com efeito, o facto do Recorrente ter agredido o Ofendido e lhe ter dado com a frigideira na cabeça com a intenção de a matar, não nos parece que, esteja presente uma maior censurabilidade ou perversidade, para além daquela que está presente em qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, pois este revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.
25.ª Assim, em caso de condenação da Arguida como instigadora, os factos concluídos de 19ª a 24 ª sobre a qualificação do crime de homicídio deve aproveitar à Recorrente para efeitos de atenuação de pena.
26ª –Ora, destas Declarações, conjugadas com as Declarações das restantes testemunhas e demais prova documental constante dos autos, deve proceder-se à alteração da matéria de facto quanto à 1ª; 3ª ocorrências do crime de roubo e a instigação do crime de homicídio, dando como não provada a Autoria da Recorrente, sendo o mesmo absolvido da prática desses factos.
27ª – o Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, padece de erros na análise da prova, são vícios que, necessariamente, inquinam, de forma inelutável, a decisão recorrida e que impõem a renovação da prova, com a anulação do Julgamento e a sua repetição, quanto à totalidade do objeto.
28ª – Ou, se assim não se entender, deve a matéria de facto ser alterada em consonância com toda a prova produzida, e, em consequência, proceder-se à absolvição da arguida da prática dos crimes de roubo (quanto à 1ª; 3ª ocorrências) e como instigadora do crime de homicídio qualificado, com a consequente redução da pena única aplicada, para pena não superior a 12 anos prisão efetiva (artºs 125; 126; 127; 163; 410; 412 e 355, todos do C.P.P.).
29ª – Salvo o devido respeito e na nossa modesta opinião, a matéria de facto provada é insuficiente para a qualificação jurídico – penal operada.»
Relembre-se que, a respeito desta questão, a Ex.ma PGA, junto deste Supremo Tribunal, no seu parecer refere o seguinte:
«4. Questões prévias 4.1. o Acórdão recorrido padece parcialmente de nulidade, por omissão de pronúncia, no que concerne à questão da desqualificação do crime de homicídio cometido pela recorrente CC, colocada expressamente nas conclusões do recurso interposto pela arguida para o Tribunal da Relação de Guimarães da sentença proferida na 1ª instância, matéria sobre a qual o Tribunal ora recorrido não se pronunciou. Dispõe o art. 434.º do CPP que o STJ conhece exclusivamente de matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.º 2 e 3, do CPP. Os vícios a que aludem os n.ºs 2 e 3, do art. 410.º, são de conhecimento oficioso. Determina o art. 379.º, com referência ao art. 374.º, ambos do CPP, ser nula a sentença que não se pronuncie sobre questão de que deveria conhecer. A recorrente volta a colocar no recurso interposto para este STJ, a questão da desqualificação do crime de homicídio pelo qual foi condenado, sendo que o tribunal a quo não se debruçou sobre tal temática que lhe fora expressamente solicitada. O Acórdão recorrido padece da nulidade a que alude o art. 410.º, n.º 3, do CPP, devendo baixar os autos ao Tribunal recorrido para que, em nova decisão, seja sanada a nulidade verificada, pronunciando-se sobre a referida questão de direito, e em consequência reapreciar, a medida da pena parcelar do crime de homicídio qualificado cometido pela arguida e a pena de prisão única a aplicar. Para tal, deve ser separado o processo, com envio de certidão com as peças necessárias à prolação de nova sentença, prosseguindo estes autos para apreciação do recurso do arguido AA, que se encontra em prisão preventiva. Na mera hipótese de raciocínio de assim não ser decidido, dá-se continuação ao presente parecer.»
E o douto acórdão da 1.ª instância, no que foi integralmente sufragado pelo aresto recorrido, refere a propósito o seguinte:
«Vejamos agora o crime de homicídio. Como unanimemente referem os principais autores, o crime de homicídio constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida, correspondendo-lhe, por isso, a mais elevada pena abstratamente prevista na nossa lei, sendo o bem jurídico protegido a vida de outra pessoa, ou seja, a vida humana. E, como diz o Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Parte Especial, Tomo I, pag. 3 e 25, “é a partir deste tipo legal fundamental que a lei edifica os restantes tipos de crimes contra a vida”, pelo que “o homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio “simples” previsto no art.º 131.º”. Assim na qualificação do homicídio a lei conjuga um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa (a especial censurabilidade ou perversidade do agente) com a técnica dos chamados exemplos-padrão (as várias alíneas do n.º 2 do art.º 132.º) – cfr. ob. cit. loc. cit., pag. 27 e Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Almedina, pag. 124. A especial censurabilidade tem que ver com condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas. A especial perversidade tem que ver com condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas – cfr. Prof. Figueirdo Dias, ob, cit., loc. cit., pag. 29, Trata-se de uma qualificação efectuada com recurso a conceitos indeterminados, que se torna em si mesma flexível, e permite aos julgadores uma valoração mais individualizada do caso concreto, em ordem a concluir ou não pela verificação dessa mesma qualificação. Daqui decorre que a qualificação não é automática (como no furto qualificado, por exemplo), podendo verificar-se o caso de uma das alíneas do n.º 2 que não se subsuma no conceito indeterminado do n.º 1 e, inversamente, uma situação não expressamente prevista nas ditas alíneas, mas que integre, por assim dizer, a estrutura valorativa de um dos exemplos-padrão, e respeite o crivo do especial tipo de culpa que constitui a especial censurabilidade ou perversidade do agente. Assim, e por exemplo, circunstância agravante prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 132.º tem que ver com o vencer das contra motivações éticas relacionadas com os laços de parentesco – Prof.ª Fernanda Palma, Direito Penal Especial, Crimes Contra as Pessoas, 1983, pag. 51, e é este um dos casos em que, precisamente, uma circunstância não expressamente prevista pode implicar uma agravação, como refere o Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pag. 30, por respeitar a estrutura valorativa da previsão e integrar o conceito indeterminado agravador do n.º 1: por exemplo, o padrasto que mata o enteado, ou vice-versa, ou numa situação de adopção puramente fáctica e não jurídica. Essencial é que esteja em causa a mesma estrutura valorativa e que se entenda a conduta como reveladora de especial censurabilidade ou perversidade. Na posse destes dados legais e contribuições doutrinais, analisemos então o comportamento dos arguidos. A este respeito provou-se que:
17.º Em finais do mês de Setembro de 2015, em data e hora não apurada, a arguida BB começou a insistir com o arguido AA que “o DD sabe de muitas coisas sobre nós e temos de fazer alguma coisa”, “tem de desaparecer”, “temos de nos ver livres dele, matá-lo”. 18.º Numa noite em que estavam naquela habitação, HH, AA, BB e DD, este último, porque se tinha zangado com a EE, afirmou que “a EE enrola-se com todos”, motivando HH, desagradado com o que ouvira, a desferir-lhe um murro, seguido do arguido AA que também lhe desferiu vários murros e pontapés. 19.º Posto isto, HH abandonou o local e dirigiu-se à cidade. 20.º Na sequência deste episódio, receosos do que DD pudesse fazer, o arguido AA confidenciou à arguida BB: “o DD não pode sair daqui porque vai à PSP denunciar”. 21.º Foi então que a arguida BB, como já o vinha a fazer com insistência, retorquiu: “o DD é um mau exemplo, tenho medo que vá contar à Polícia, temos de nos ver livres dele, matá-lo”, “o DD tem de desaparecer, temos de o matar”. 22.º Assim, em dia não apurado, à tarde, cerca das 16h00, quando se encontravam todos naquela casa (referida em 14.º), por razões que não se lograram apurar, EE iniciou uma discussão com DD. 23.º A BB, perante isto, e ainda antes de abandonar a casa com a Beatriz nos termos descritos em infra em 24, disse ao AA para ele resolver o que lhe havia dito, a ver se ganhava coragem e se fazia homem, ou seja, matar o DD. 24.º Após a arguida BB e a filha EE deixarem aquela residência, cerca das 18h30m, o arguido AA ficou naquela casa mais umas horas na companhia de HH e de DD, a beber e a fumar erva e pólen; já depois de o HH ter adormecido, e depois de o DD ter dito ao arguido que ia contar tudo à polícia e contar ao marido da BB a relação existente entre os arguidos, o que o AA comunicou telefonicamente à BB, ao que esta lhe respondeu “estás a ver!”, “temos que fazer alguma coisa!”, cerca das 22h00, o arguido AA, cumprindo também a vontade insistente da arguida BB, e na concretização daquele acordo de vontades, decidiu então matá-lo, e, com a intenção, concretizada, de lhe tirar a vida, abeirou-se do DD e desferiu-lhe vários murros em diversas partes do corpo, principalmente na zona da nuca, golpes na cabeça com o auxílio de uma fritadeira, e, esganou-o, até deixar de respirar, com um cinto do próprio, provocando-lhe a morte. 25.º Antes de o matar, e depois da conversa telefonica referida em 24.º, o arguido AA informou via sms a arguida BB da sua intenção que, sabedora do que aquele se preparava para fazer, perguntou-lhe apenas “como o faria”, sms que o AA só viu depois de ter morto o DD, dando-lhe o AA, entretanto, conhecimento pela mesma via, enviando-lhe um sms dizendo “já tá”.
Estes factos integram a tipicidade objetiva do crime de homicídio, pois o AA abeirou-se do DD e desferiu-lhe vários murros em diversas partes do corpo, principalmente na zona da nuca, golpes na cabeça com o auxílio de uma fritadeira, e, esganou-o, até deixar de respirar, com um cinto do próprio, provocando-lhe a morte. E não há dúvida de que o arguido AA atuou como autor material deste comportamento típico, cumpre averiguar qual é a posição da arguida BB em relação a esta situação. O art.º 26.º do Código Penal estatui que é punível como autor quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa á prática do facto, desde que haja execução ou início de execução. Conclui-se, a partir desta norma, que para a nossa lei existem, como autores, os autores materiais, os coautores, os autores mediatos e os instigadores. Autor imediato é aquele que executa o crime por si mesmo, que decide, planeia e executa as tarefas decorrentes desse plano quem executar o facto por si mesmo. Coautores são os que em conjunto planeiam e excutam um certo facto, ou seja participam numa decisão conjunta e desempenham todas ou algumas das tarefas decorrentes daquela decisão e daquele plano – tomar parte direta na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros. Autor mediato é aquele que decide e planeia a prática do crime mas executa-o por intermédio de outra pessoa, mas sem que esta última tenha conhecimento ou consciência plena do significado último do que está a fazer, ou sequer vontade real de o fazer, que porque foi instrumentalizado, induzido em erro, colocado sob coação ou porque altamente fungível –quem executar o facto (…) por intermédio de outrem. Instigador é aquele que dolosamente convence outrem a praticar um crime, tal como afirma a parte final do art.º 26.º do Código Penal. Discutem os autores se a instigação é uma forma de autoria ou de participação (ao lado da cumplicidade) no crime. A nossa lei coloca a figura do instigador ao lado das outras elencadas para a autoria, o que parece ser um decisivo argumento de ordem literal e sistemática (Prof. Figueiredo Dias) para considerar que a nossa lei optou por considerar o instigador como autor. Noutros ordenamentos (por exemplo, o alemão) entende-se que o instigador é apenas um participante, porque, depois de o instigado decidir praticar o facto, deixa aquele de ter qualquer intervenção ou domínio sobre a situação, embora a lei o mande punir com a mesma pena do autor – sobre o tema veja-se a clara exposição de Teresa Beleza, Direito Penal, II vol., AAFDL. E entre nós, por exemplo, o Prof. Eduardo Correia entende que a instigação cabe ainda na autoria mediata, moral ou intelectual (Direito Criminal Vol. II, pag. 251, Reimpressão, Almedina). De qualquer modo, não há qualquer dúvida, atentos os factos dados como provados que a conduta da arguida BB é dolosa, pois quis, e conseguiu, determinar o arguido AA matar o DD, incitando-o por várias vezes a fazê-lo, com argumentos de vária ordem, utilizando nesse incitamento expressamente a palavra matar, sendo certo ainda que o convencimento do arguido AA para assim atuar, embora com causa diversas, entre a quais o incitamento da BB, não foi de molde a excluir a responsabilidade deste – caso em que se trataria de autoria mediata, como se disse. A arguida BB atuou, portanto, como instigadora, ou seja como autora do crime de homicídio em causa, sob a forma de instigadora. Os arguidos atuaram de modo deliberado, pelo que com dolo direto, integrando, assim, a tipicidade subjetiva do crime de homicídio. Fizeram-no de modo livre, conhecendo a proibição legal, e não lhes assistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que se pode afirmar que atuaram com culpa penal, ou seja, que sobre eles deve incidir o juízo de censura ético-jurídica em que este último pressuposto da punição se consubstancia. A acusação entende que se trata de homicídio qualificado, por se verificarem as circunstâncias previstas no art.º 132.º, n.º 1 e 2, alíneas c), e), parte final, e j), do Código Penal. A alínea c) prevê como razão da agravação a prática do facto contra pessoa particularmente indefesa (…) em razão da idade. O que está aqui em causa é a situação de desamparo da vítima em razão da sua idade (…) independentemente do caráter insidioso ou não do meio utilizado para matar – Comentário, Tomo I, pag. 31. Ora, o DD tinha 14 anos quando foi morto pelo AA, que tinha 18 anos. O ... era menor, ao passo que o AA era maior. Os factos provados só dão conta de atos de agressão por parte do AA – e de agressão reiterada e com contornos de grande violência e crueldade (veja-se o uso da fritadeira e do cinto, este da própria vitima). Por aqui se vê que a situação do DD era de real desamparo, não só porque objetivamente era menor de idade, mas também porque nem da sua reação os factos dão conta. E, na verdade, a idade de 14 anos implica, no geral, e salvo raríssimas exceções, uma situação pessoal de fragilidade em face de uma ameaça de superior capacidade, como era o caso. Ora, alguém, maior, que mata outrem, menor, nestas condições, com esta superioridade física e de atuação, demonstra ser especialmente perverso, demonstra uma personalidade que não cede aos seus intentos, mesmo perante um jovem adolescente, quase, ainda, uma criança, dir-se-ia. Verifica-se, portanto, esta agravante. A alínea e), parte final, refere-se ao agente que é determinado por motivo torpe ou fútil, o que quer dizer que o “(…) motivo da atuação, avaliado segundo as conceções éticas ou morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (…), de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pela vida humana.” Ora, os motivos que determinaram a arguida BB a incitar o arguido AA a matar o DD, que são os mesmos que levaram esta a aceitar tal incitamento, têm que ver com a intenção que este manifestou de contar às autoridades a pática de atividade ilícitas dos arguidos (ofensas, furtos roubos) e de contra ao marido da BB a existência da relação amorosa entre esta e o AA. Ora, se é certo que dificilmente se poderão alvitrar motivos aceitáveis para matar alguém, alguns casos há em que a comunidade consegue, sem justificar ou aceitar, entender, compreender – grandes e duradouros conflitos por causa de bens patrimoniais de relevo, amor, ciúmes e traição, rixas e lutas em locais de levado risco, ou outros deste jaez -, ao passo que outros há que ninguém consegue vislumbrar um qualquer laivo de entendimento ou compreensão – o caso destes autos, é, manifestamente um desses. O motivo que determinou os arguidos é, sem dúvida, fútil, intoleravelmente fútil, e por isso, revelador de uma especial perversidade, de pessoas para quem a vida humana é um bem descartável, funcionando a eliminação física de outrem como a solução simples para a mais pequena contrariedade, colocando os seus mais comezinhos e egoístas interesses à frente do bem supremo em qualquer comunidade humana – a vida. E, repita-se, além do mais, a vida de uma criança, um jovem adolescente, que tinha pela frente ainda um mundo de vivências, o seu mundo, fosse ele qual fosse. A alínea j) prevê a frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. Esta agravante tem que ver com acrescida culpa daquele que premedita um crime de homicídio, que nele pensa com frieza e olímpica calma, que reflete sobre o modo como o há-de fazer, que está mais do que uma dia a pensar fazê-lo, pois tudo isto é diferente de numa acesso de raiva, numa atitude inesperada, num ato irrefletido, despoletada pela mais impensada situação, decidir matar outrem. Ora, os factos dados como provados demonstram com clareza que a atuação do arguido AA não se enquadra nesta situação. Sempre foi recusando o incitamento da BB, tomou a sua decisão no âmbito de um conflito gerado pouco tempo antes, e atuou com o que lhe apareceu – as suas mãos, a fritadeira e o cinto. Já a BB formulou a sua decisão muito antes de a morte do DD ter ocorrido, insistiu por diversas vezes com o AA para o fazer, usou dos mais variados argumentos para o persuadir a assim proceder, num procedimento profundamente reprovável, calmo, maquiavelicamente calmo, pendular, rotineiro, até atingir o seu pérfido desiderato. Mais censurável do que isto é difícil. Assim, esta agravante só se aplica á conduta da arguida BB. Os arguidos cometeram, portanto, o crime de homicídio qualificado, o AA como autor imediato ou material, a BB como instigadora, tal como estavam acusados, sendo que a agravante da alínea j) do n.º 2 do art.º 132.º apenas se aplica à arguida BB.»
Relativamente ao crime de homicídio qualificado, escreve Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Parte Especial, Tomo I, 1999, pag. 25-26, que «o legislador português de 1982 seguiu, em matéria de qualificação do homicídio, um método muito particular e até certo ponto, neste domínio original (…): a combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão (assim Figueiredo Dias, CJ 4-1987 51 e DP II § 265 ss. e Teresa Serra, cit. passim).» No mesmo local se refere, a pág. 27, que a principal objecção relativamente aos exemplos-padrão consiste em saber se os mesmos constituem elementos do tipo de ilícito, do tipo de culpa, de ambos ou simples circunstâncias determinantes da medida da pena, defendendo-se, porém, que são elementos constitutivos do tipo de culpa. Na base do homicídio qualificado estão os conceitos indeterminados de especial censurabilidade ou perversidade[6], mencionados no n.º 1 do art. 132.º e que o n.º 2 do mesmo artigo enumera, em moldes meramente exemplificativos, em diversas circunstâncias [alíneas a) a m)]. O que releva para a qualificação, como se escreveu no Ac. STJ de 11/5/2000, CJACSTJ, VIII, T. II, pág. 188, é a especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, pelo que pode acontecer que, ainda que ocorra alguma ou algumas das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º, não se lhe atribua essa qualificação. Escreve-se também no Ac. STJ de 18/9/2013, Proc. 110/11.9JAGRD.C1.S1, Rel. Arménio Sottomayor, que «II - O tipo legal base dos crimes contra a vida encontra-se descrito no art. 131.º do CP, sendo desse preceito que a lei parte para, nos normativos seguintes, prever as formas agravada e privilegiada, fazendo-lhe acrescer as circunstâncias que qualificam o crime por revelarem especial censurabilidade ou perversidade ou que o privilegiam por constituírem manifestação de uma diminuição da exigibilidade. III -A especial censurabilidade ou perversidade são representadas por circunstâncias que denunciam uma culpa agravada, sendo descritos como exemplos-padrão, mas a sua ocorrência não determina, por si só e automaticamente, a qualificação do crime, assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que substancialmente análogos aos legalmente descritos.». A caracterização do crime de homicídio qualificado, bem como a técnica utilizada pelo legislador na disciplina consagrada no art. 132.º do CPP está bem estudada em vários arestos deste STJ, como se alcança do que a seguir se refere. Conforme se exara no Ac. STJ de 21/1/2009, Proc. 08P4030, Rel. Henriques Gaspar «O crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 132º do Código Penal, constitui uma forma agravada de homicídio, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no nº 1 da disposição, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do nº 2 do artigo 132º. O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados - a especial censurabilidade ou perversidade do agente; as circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, assim, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral. Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza. Mas, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, ou por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que traduz e que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade, e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado. A qualificação do homicídio do artigo 132º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. FIGUEIREDO DIAS, "Comentário Conimbricense do Código Penal", vol. I, págs. 27-28). O modelo de construção do tipo qualificado - qualificado pelo especial tipo de culpa - através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. idem, pág. 28). A decisão sobre a integração do crime de homicídio qualificado exige, pois, que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, pela natureza e moldura penal aplicável, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana.» E no Ac. STJ de 17/4/2013, Proc. 237/11.7JASTB.L1.S1, Rel. Raul Borges «Segundo opinião dominante, o homicídio qualificado não é mais que uma forma agravada do homicídio simples, previsto no artigo 131.º do Código Penal, que constituirá, pois, a matriz, o tipo base, fundamental. O Código Penal de 1982, em matéria de qualificação do homicídio, seguiu um método de combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica chamada dos exemplos-padrão – assim, Figueiredo Dias, em Parecer (Homicídio Qualificado - Premeditação – Imputabilidade - Emoção Violenta), publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, 1987, tomo 4, págs. 49 a 55. Aí expende o Autor – fls. 52 – que “a agravação da culpa tem afinal a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples”. As circunstâncias - exemplos padrão - enunciadas nas alíneas do artigo 132.º, n.º 2, do Código Penal, que estão concebidas como concretizações de modos de revelação de um tipo de culpa agravado, são elementos constitutivos de um tipo orientador (revelação de especial censurabilidade ou perversidade do agente) em que se revela uma imagem global do facto agravado correspondente a um especial conteúdo da culpa – Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, Tomo I, págs. 26/7. Neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal de Justiça de forma uniforme, mantendo uma interpretação do tipo do artigo 132.º como sendo baseado estritamente na culpa mais grave, revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto do agente revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento. O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 11-05-1983, BMJ n.º 327, pág. 458, pronunciou-se sobre o então novo tipo de ilícito, dizendo tratar-se de “homicídio qualificado, cujo tipo abarca uma série de casos que no Código de 1886 eram incriminadas autonomamente, como por exemplo, o parricídio, o infanticídio, o envenenamento…”, salientando então o seguinte: 1 - “As circunstâncias enunciadas no n.º 2 do artigo 132.º não são elementos do tipo, mas antes elementos da culpa e, consequentemente, não são de funcionamento automático (Actas das sessões da Comissão Revisora, BMJ, 286, pág. 21). 2 - A enumeração dessas circunstâncias é meramente exemplificativa: outras circunstâncias (não indicadas) são susceptíveis de revelar a especial censurabilidade e perversidade do agente”. É entendimento sedimentado deste Supremo Tribunal o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, os chamados exemplos-padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa – vejam-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 08-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 258 (os factos apontados no n.º 2 não são elementos constitutivos de um homicídio especial, circunstância modificativa do tipo fundamental; são apenas o indício, confirmável ou não, de uma intensa culpa); de 07-12-1999, BMJ n.º 492, pág. 168 e CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 234 (os exemplos regra, como elementos da culpa, implicam ainda um exame global dos factos de modo a chegar (ou não) à conclusão da especial censurabilidade ou perversidade); de 21-06-2006, processo n.º 1913/06 (o crime de homicídio qualificado, previsto no artigo 132.º do Código Penal, é uma forma agravada de homicídio, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no n.º 1 da disposição, moldado por vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do n.º 2 do artigo 132.º); de 02-04-2008, processo n.º 4730/07; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2010, processo n.º 58/08.4JAGDR.C1.S1, CJSTJ 2010, tomo 2, p. 227; de 16-12-2010, processo n.º 231/09.8JAFAR.S1; de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1; de 13-07-2011, processo n.º 758/09.1JABRG.S1, CJSTJ 2011, tomo 2, p. 204, todos da 3.ª Secção; de 23-11-2011, processo n.º 508/10.0JSFUN.S1 e de 23-02-2012, processo n.º 123/11.0JAAVR.S1, da 5.ª Secção. A cláusula geral do n.º 1 do artigo 132.º do Código Penal Subjacente à declaração de especial censurabilidade ou perversidade está um maior grau de culpa, que o agente manifesta nas circunstâncias elencadas, o que motiva a agravação. Vejamos algumas das abordagens da concretização do critério generalizador em questão. Teresa Serra, Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1990, a págs. 63/64, expende: “… a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial, que existe quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores. A especial perversidade supõe “uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade”. A págs. 63, refere que, dominantemente, entende-se que só se pode decidir que a morte foi causada em circunstâncias que revelam especial censurabilidade ou perversidade do agente através de uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto. Figueiredo Dias, Comentário…, Tomo I, pág. 29, refere “O especial tipo de culpa do homicídio doloso é em definitivo conformado através da verificação da «especial censurabilidade ou perversidade» do agente. O pensamento da lei é o de pretender imputar à “especial censurabilidade” aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas. Para Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as pessoas, Quid Juris, 2008, 2.ª edição, revista e actualizada de acordo com a Lei n.º 59/2007, a págs. 52/53, especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para se abster de actuar, as motivações que o agente revela, ou a forma como realiza o facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico, vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada. A especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente toma a decisão sob grande reprovação atendendo à personalidade manifestada no seu comportamento. O agente deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto.» Ou, mais recentemente, no Ac. STJ de 30/3/2016, Proc. 158/14.1PBSXL.L1, Rel. Santos Cabral «Consignada a argumentação da decisão recorrida importa que se sublinhe que, como tivemos ocasião de afirmar em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010, a qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Refere Silva Dias a verificação do exemplo padrão do n° 2 do art. 132° não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício não mais do que isso e tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. [4] Está em causa o art.º 132.º, n.º 1 e as alíneas c) (pessoa particularmente indefesa em razão da idade), e), parte final (motivo torpe ou fútil), e j) (frieza de ânimo; esta circunstância diz respeito apenas à arguida BB), do n.º 2 do Código Penal.
Vejamos o teor da parte pertinente do artigo 132.º do CP, com a epígrafe homicídio qualificado: «1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; (…) e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; (…) j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;» (itálicos nossos; traduzem o circunstancialismo especificamente em causa neste recurso).
⁎ Quanto à primeira circunstância (alínea c), do n.º 2 do art. 132.º CP; pessoa particularmente indefesa, em razão de idade), já foi objecto de algumas decisões deste Supremo Tribunal[7]. A este propósito, refere o aresto da 1.ª instância que «o ... tinha 14 anos quando foi morto pelo AA, que tinha 18 anos. O DD era menor, ao passo que o AA era maior. Os factos provados só dão conta de atos de agressão por parte do AA – e de agressão reiterada e com contornos de grande violência e crueldade (veja-se o uso da fritadeira e do cinto, este da própria vitima). Por aqui se vê que a situação do DD era de real desamparo, não só porque objetivamente era menor de idade, mas também porque nem da sua reação os factos dão conta. E, na verdade, a idade de 14 anos implica, no geral, e salvo raríssimas exceções, uma situação pessoal de fragilidade em face de uma ameaça de superior capacidade, como era o caso. Ora, alguém, maior, que mata outrem, menor, nestas condições, com esta superioridade física e de atuação, demonstra ser especialmente perverso, demonstra uma personalidade que não cede aos seus intentos, mesmo perante um jovem adolescente, quase, ainda, uma criança, dir-se-ia.». A leitura da matéria de facto provada, denota instabilidade e fragilidade do DD dentro do grupo, maxime derivada da sua idade (foi morto aos 14 anos). O DD estava acolhido no Lar de Infância e Juventude de ..—Escola de Artes e Ofícios (art. 100.º da matéria de facto), do qual desaparecera (v. depoimento da testemunha UU professor que trabalhou naquela instituição). Começou a ser hostilizado a partir da altura em que deixou de namorar com a EE (filha da arguida--recorrente BB) e em que a arguida BB passou a recear que o DD os fosse denunciar à PSP (art. 20.º da matéria de facto); o DD tinha conhecimento das actividades ilícitas levadas a cabo pelos arguidos, pois participara em várias delas (cfr. v.g., arts. 8.º, 14.º, 15.º, 16.º da matéria de facto); foi agredido a murro pelo HH (que também foi namorado da EE—v. art. 3.º da matéria de facto), sobrinho do arguido AA (v. art. 18.º da matéria de facto). Todo este enquadramento integra o disposto na alínea c) do n.º 2 do cit. art. 132.º do CP, como bem considerou o aresto da 1.ª instância.
⁎ Relativamente à segunda circunstância (alínea e); motivo torpe ou fútil), constata-se que é aquela, provavelmente, mais tratada na jurisprudência. Motivo fútil, como se escreve no já longínquo Ac. STJ de 28/6/1989, CJ, XIV, TIII, págs. 31-32, tem «o sentido corrente de motivo sem valor, sem importância, insignificante, irrelevante, para explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do agente do crime. Pode dizer-se que é um motivo que não é motivo.». É aquele «que não tem qualquer relevo, isto é, que não chega a constituir motivo, porque não pode razoavelmente explicar, e muito menos justificar, a conduta do agente.» (Ac. STJ de 7/5/1992, BMJ, 417, pág. 297) «IV - O arguido foi condenado nos termos da al. e) do n.º 2, por referência ao motivo fútil. Como tal deve ser entendido o motivo gratuito, frívolo, despropositado ou leviano, avaliado segundo os padrões éticos geralmente aceites na comunidade. Ele assenta, pois, numa ideia de desproporcionalidade flagrante entre a conduta da vítima e a atitude do agente, que choca frontalmente com o sentimento comunitário de justiça. Não será, porém, motivo fútil a ausência (ou o desconhecimento) de motivação do agente. A imputação de motivo fútil ao agente implica o apuramento prévio do motivo, ou seja, sem se conhecer o motivo, não se pode qualificar o mesmo como “fútil”.» (Ac. STJ de 31/1/2012, Proc. 894/09.4PBBRR.S1, Rel. Maia Costa) «III -Fútil é o motivo de importância mínima, o motivo frívolo, leviano, a «ninharia» que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida; o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática. IV - O vector fulcral que identifica o «motivo fútil» não é, pois, tanto o que imprime a ideia de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva.» (Ac. STJ de 19/2/2014, Proc. 168/11.0GCCUB.S1, Rel. Santos Cabral) «V - A circunstância qualificativa “motivo fútil” - art. 132.º, n.º 2, al. e), do CP - estruturada com relação à motivação do agente, é a que surge fundada num profundo desprezo do valor da vida humana, acção que não pode razoavelmente explicar e muito menos justificar a conduta; é um motivo que de tão pouco ou imperceptível relevo é, que quase não chega a ser motivo, frívolo, revelador de inadequação e que faz avultar a desproporcionalidade entre o que impulsiona a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que aquela se objectivou. VI - O “motivo fútil” significa que o motivo de actuação avaliado segundo as regras éticas e morais ancoradas na comunidade, à luz da sensibilidade normal, enraizada no homem médio, deve ser considerado pesadamente baixo, repugnante, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pela vida humana.» (Ac. STJ de 2/12/2015, Proc. 1730/14.5 JAPRT-S1, Rel. Armindo Monteiro) «III - Se há sempre desproporcionalidade entre o cometimento de um homicídio e a razão que o motiva, seja ela qual for, para se considerar a existência de um «motivo fútil» haverá de ponderar-se uma desproporcionalidade superlativa, perante um motivo acerca do qual se conclua ser insignificante; um motivo que estando na base da reacção de quem pratica o crime, não pode sequer com algum grau de razoabilidade explicar a conduta levada a cabo, que não tem relevo algum.» (Ac. STJ de 7/1/2016, Proc. 145/14.0JAPRT.S1, Rel. Nuno Gomes da Silva) Do mesmo modo, a atenção da doutrina também tem incidido sobre esta circunstância. Na verdade, motivo torpe ou fútil «significa que o motivo de actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito (equívoca a repetida afirmação da nossa jurisprudência de que o motivo fútil ”é o que não é ou nem sequer chega a ser motivo”: cf. por outros Ac. do STJ de 6-6-90, BMJ 398.º 269), de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.» (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, anotação ao art. 132.º, pág. 32-33). Na doutrina mais recente, M. Miguez Garcia, O Direito Penal Passo a Passo, Vol. I, Almedina, 2011, pág. 90, baseando-se na análise da jurisprudência do STJ, considera motivo fútil «o “notoriamente desproporcionado ou inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado”; para além da desproporcionalidade, deve acrescer a insensibilidade moral, que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez ou se traduz em motivos subjectivos ou antecedentes psicológicos que, pela sua insignificância ou frivolidade, sejam desproporcionados com a reacção homicida». Pela análise da jurisprudência e da doutrina, podemos definir o motivo torpe ou fútil[8] através de duas características próprias: trata-se, em primeiro lugar de um motivo insignificante, repugnante, de grande baixeza e insensibilidade moral e de profundo desprezo pela vida humana e, em segundo lugar, consequentemente, de uma manifesta desproporcionalidade entre o cometimento do crime e a razão que o determina.
A propósito desta qualificativa, refere o aresto da 1.ª instância que: «Ora, os motivos que determinaram a arguida BB a incitar o arguido AA a matar o DD, que são os mesmos que levaram esta a aceitar tal incitamento, têm que ver com a intenção que este manifestou de contar às autoridades a pática de atividade ilícitas dos arguidos (ofensas, furtos roubos) e de contra ao marido da BB a existência da relação amorosa entre esta e o AA. Ora, se é certo que dificilmente se poderão alvitrar motivos aceitáveis para matar alguém, alguns casos há em que a comunidade consegue, sem justificar ou aceitar, entender, compreender – grandes e duradouros conflitos por causa de bens patrimoniais de relevo, amor, ciúmes e traição, rixas e lutas em locais de levado risco, ou outros deste jaez -, ao passo que outros há que ninguém consegue vislumbrar um qualquer laivo de entendimento ou compreensão – o caso destes autos, é, manifestamente um desses. O motivo que determinou os arguidos é, sem dúvida, fútil, intoleravelmente fútil, e por isso, revelador de uma especial perversidade, de pessoas para quem a vida humana é um bem descartável, funcionando a eliminação física de outrem como a solução simples para a mais pequena contrariedade, colocando os seus mais comezinhos e egoístas interesses à frente do bem supremo em qualquer comunidade humana – a vida. E, repita-se, além do mais, a vida de uma criança, um jovem adolescente, que tinha pela frente ainda um mundo de vivências, o seu mundo, fosse ele qual fosse.».
De acordo com o entendimento da doutrina e da jurisprudência a que fizemos referência, não há dúvida de que estamos perante um motivo fútil. Foi decidido tirar a vida ao DD apenas pelo facto de o mesmo dizer que ia contar às autoridades as actividades ilícitas levadas a cabo pelos arguidos. O quadro fáctico revela-nos uma conduta (a vítima acabou por ser esganada com o seu próprio cinto—v. art. 24.º da matéria de facto) brutalmente desproporcional, bárbara, arrepiante, de elevada violência e crueldade e de manifesto desprezo pela vida humana. Temos assim como verificada também esta circunstância.
⁎ No que concerne à terceira circunstância (frieza de ânimo[9]; alínea j) do art. 132.º CP; circunstância respeitante apenas à arguida BB), escreve-se no acórdão da 1.ª instância que: «A alínea j) prevê a frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. Esta agravante tem que ver com acrescida culpa daquele que premedita um crime de homicídio, que nele pensa com frieza e olímpica calma, que reflete sobre o modo como o há de fazer, que está mais do que uma dia a pensar fazê-lo, pois tudo isto é diferente de numa acesso de raiva, numa atitude inesperada, num ato irrefletido, despoletada pela mais impensada situação, decidir matar outrem. Ora, os factos dados como provados demonstram com clareza que a atuação do arguido AA não se enquadra nesta situação. Sempre foi recusando o incitamento da BB, tomou a sua decisão no âmbito de um conflito gerado pouco tempo antes, e atuou com o que lhe apareceu – as suas mãos, a fritadeira e o cinto. Já a BB formulou a sua decisão muito antes de a morte do DD ter ocorrido, insistiu por diversas vezes com o AA para o fazer, usou dos mais variados argumentos para o persuadir a assim proceder, num procedimento profundamente reprovável, calmo, maquiavelicamente calmo, pendular, rotineiro, até atingir o seu pérfido desiderato. Mais censurável do que isto é difícil. Assim, esta agravante só se aplica á conduta da arguida BB.». «A ideia fundamental nesta circunstância, escreve Fernando Silva, Direito Penal Especial, Os Crimes contra as pessoas, Quid Juris, 4.ª edição, Novembro 2017, pág. 84-85, é a da premeditação. Pressupondo uma reflexão da parte do agente. O que acontece é a influência do facto tempo, e o facto de se ter estudado a forma de preparar o crime, os quais demonstram uma atitude de maior desvio em relação à ordem jurídica. O decurso do tempo deveria fazer o agente cessar a sua vontade de praticar o crime, quanto mais medita sobre a sua prática, mais exigível se torna que não actue desse modo. Nestes casos, o agente prepara o crime, pensa nele, reflecte sobre o acto, e mesmo assim, decide matar, combatendo a ponderação que se lhe impunha. A premeditação surge materializada em três situações: 1—frieza de ânimo (…). 2—reflexão sobre os meios empregados (…). 3—protelar a intenção de matar por mais de 24 horas (…).». Relativamente também à verificação desta circunstância é eloquente a matéria corporizada nos arts. 17.º, 21.º, 23.º da matéria de facto provada e as considerações do acórdão da 1.ª instância acima transcritas.
Estão, deste modo, verificadas as três circunstâncias qualificadoras do crime.
Por último, e ainda neste sector da qualificação jurídica, a recorrente não coloca em causa o seu papel de instigadora do crime de homicídio qualificado. Ela entende é que há erros na análise da prova, que imporiam a sua alteração e consequente absolvição como instigadora do crime de homicídio qualificado, com implicação na redução da pena para montante não superior a 12 anos de prisão (v. arts. 26.º a 28 da matéria de facto provada). Ora, como já inúmeras vezes foi escrito em arestos deste STJ (cfr. jurisprudência mais à frente no sector onde se trata dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP) este Supremo Tribunal apenas tem competência no âmbito do reexame de matéria de direito (v. art. 434.º CPP), pelo que é manifestamente irrelevante querer discutir aqui matéria de facto. O Tribunal onde deve ser discutida tal matéria— Tribunal da Relação-- confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância no que toca à recorrente.
O que se escreveu, a propósito, no aresto da 1.ª instância, integralmente confirmado no que tange à recorrente BB, e que acima transcrevemos, neste mesmo sector da qualificação jurídica, é elucidativo e convincente quanto à actuação da arguida BB como instigadora[10]. Em conclusão, e suprindo a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, considera-se que a arguida cometeu, além do mais, o crime de homicídio qualificado pelo qual foi condenado pelas instâncias. Apreciada a questão prévia, conheceremos em seguida das restantes questões do recurso da arguida BB. ● 1) Relativamente à primeira questão da Omissão de pronúncia e consequente nulidade por falta de prova relativamente aos factos integrantes dos crimes de roubo (1.ª e 3.ª ocorrência—factos de 20/8/2015 e de 16/12/2015) (arts. artº 379.º, nº 1, al. a), por referência ao artº 374.º, nº 2 e também a nulidade dos artºs 374.º e 379.º, nº 1, al. c), todos do C.P.P).
Esta questão da falta de prova relativamente aos factos integrantes dos crimes de roubo (factos de 20/8/2015 e de 16/12/2015) foi decidida, definitivamente, pelo Tribunal da Relação. Na verdade, a arguida BB foi punida, além do mais, pela prática de seis crimes de roubo, com penas, cada um deles, inferiores a 5 anos de prisão (a pena máxima foi de 3 anos e 6 meses—factos n.º 41 a 45, de 16/12/2015). O Tribunal da Relação de Guimarães, relembre-se, confirmou integralmente o aresto da 1.ª instância no que toca à arguida BB. Refere o art. 400.º do CPP, na parte pertinente, o seguinte:
Artigo 400.º 1 — Não é admissível recurso:(Decisões que não admitem recurso) (….) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos;f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos;
Ora atentas as penas aplicadas, todas inferiores a 5 anos, o recurso para este STJ, nesta parte, é não só inadmissível à luz da alínea f)[11], do n.º 1, do art. 400.º do CPP, como da alínea e)[12] do mesmo normativo. É entendimento pacífico e consolidado do STJ. Também o Tribunal Constitucional se debruçou já muitas vezes sobre a constitucionalidade, nas suas várias vertentes, das mencionadas alíneas[13]. Falece, pelo exposto, razão à recorrente.
● 2) Quanto à alegada Falta de fundamentação e consequente nulidade (art. 374.º, n.º 2, do CPP), dado que o Acórdão recorrido não contém a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão do Tribunal “a quo”, nem exame crítico das provas que terão servido para formar a sua convicção nesse sentido.
Também aqui não assiste razão à recorrente. O ataque a uma decisão proferida, em via recursória, pela Relação, ou pelo STJ, não obedece aos mesmos requisitos de uma impugnação de uma decisão da 1.ª instância. A 1.ª instância julga em plenitude, de facto e de direito e de acordo com princípios, nomeadamente da imediação, que não estão presentes nas decisões dos tribunais superiores proferidas no domínio recursório, maxime nas do STJ, que é um tribunal que, em regra, apenas conhece de direito (cfr. art. 434.º do CPP). Neste enquadramento se tem entendido, sem disparidades, que as exigências consagradas no n.º 2, do art. 374.º, do CPP não são directamente aplicáveis às decisões dos tribunais superiores proferidas em via de recurso. Conforme se escreve no Ac. STJ de 2/10/2014, Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1, Rel. Isabel Pais Martins, «XIV - O STJ vem entendendo que as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença prescritas no art. 374.º, n.º 2, do CPP, não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão só por força da aplicação correspondente no art. 379.º, ex vi n.º 4 do art. 425.º, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1.ª instância. XV - Ainda que a estrutura do acórdão, proferido em recurso, obedeça à estruturação da decisão em 1.ª instância, compreendendo relatório, fundamentação e decisão, as exigências de fundamentação não são as mesmas que o n.º 2 do art. 374.º do CPP prescreve para a sentença proferida em 1.ª instância. XVI - A exigência de exame crítico de todas provas produzidas e examinadas em audiência, que serviram para formar a convicção do tribunal, com a extensão compreendida no n.º 2 do art. 374.º do CPP, é apenas referida à decisão de 1.ª instância. XVII - A fundamentação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação só tem de contemplar as provas ponderadas e as razões por que a respectiva reapreciação conduziu à decisão tomada, na medida em que o seu conhecimento, no âmbito do recurso, está circunscrito aos factos indicados pelos recorrentes como incorrectamente julgados e às provas que, no entender deles, impõem decisão diversa da recorrida.»[15] Analisado o aresto recorrido, verifica-se que o mesmo enunciou as questões (oito) a apreciar e decidir tendo-o feito de seguida com o auxílio, em certos passos, do decidido no detalhado e bem fundamentado, fáctica e juridicamente, acórdão do tribunal de 1.ª instância. Nada há a corrigir neste aspecto.
● 3) Inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.
A inconstitucionalidade aqui enunciada pela recorrente corresponde, no essencial, ao juízo de inconstitucionalidade formulado no Ac. TC 680/98. Mas tal juízo não é transponível para o caso dos presentes autos. Naquele aresto do TC estava em apreciação um acórdão da 1.ª instância (3.º Juízo Criminal de Lisboa). No presente recurso está em causa um aresto da Relação, já proferido em via de recurso. Ora a fundamentação, como vimos na questão anterior, não tem o mesmo lastro de exigência nas decisões de 1.ª instância e nas decisões dos tribunais superiores (de recurso). Naufraga também aqui a pretensão da recorrente.
● 4) Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP (erro notório na apreciação da prova e de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição entre a fundamentação e a decisão). Ou, mais recentemente, no sumário do Ac. STJ de 18 de Junho de 2014, Proc. 659/06.5GACSC.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes: I — Constitui jurisprudência constante e uniforme do STJ (desde a entrada em vigor da Lei 58/98, de 25‑08) a de que o recurso da matéria de facto, ainda que circunscrito à arguição dos vícios previstos nas als. a) a c) do n.º 2 do art. 410.º, do CPP, tem de ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância de recurso, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ. É que o conhecimento daqueles vícios, constituindo actividade de sindicação da matéria de facto, excede os poderes de cognição do STJ, enquanto tribunal de revista, ao qual apenas compete, salvo caso expressamente previsto na lei, conhecer da matéria de direito — art. 33.º da LOFTJ. O STJ, todavia, não está impedido de conhecer aqueles vícios, por sua iniciativa própria, nos circunscritos casos em que a sua ocorrência tome impossível a decisão da causa, assim evitando uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação[17].
E o texto do art. 434.º do CPP, que refere «Sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito» (negrito nosso), também nos não conduz pelo caminho que, à primeira vista, parece indicar. Conforme se escreve no Ac. STJ de 15 de Julho de 2008, Proc. 08P418, Rel. Souto de Moura «Quando o art. 434.º do C.P.P. nos diz que o recurso para o S.T.J. visa exclusivamente matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos n.os 2 e 3 do art. 410.º”, não pretende, sem mais, com esta afirmação, que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça possa visar sempre a invocação dos vícios previstos neste artigo. Pretende simplesmente admitir o conhecimento dos vícios mencionados pelo S.T.J., oficiosamente, mesmo não se tratando de matéria de direito. O âmbito dos poderes de cognição do S.T.J. é‑nos revelado pela al. c), hoje al. d) do n.º 1 do art. 432.º, que restringe o conhecimento do S.T.J. a matéria de direito. E refira‑se que as alterações do C.P.P. operadas pela Lei 48/2007 de 29 de Agosto, não modificaram os preceitos em causa (al. c), depois d), do art. 432.º e art. 434.º), de modo a justificar‑se uma inflexão da orientação seguida neste S.T.J.» (no mesmo sentido e do mesmo Relator, Acs. STJ de 14 de Abril de 2011, Proc. 117/08.3PEFUN.L1.S1 e de 1 de Outubro de 2015, Proc. 275/12.2JAPDL.L1.S1; Ac. STJ de 8 de Janeiro de 2014, Proc. 124/10.6JBLSB.E1.S1, Rel. Manuel Braz[18].) As questões atinentes à matéria de facto (nem se vislumbra qualquer vício, nomeadamente os alegados pela recorrente) foram definitivamente decididas pela Relação.
● 6) Medida da pena.
Será apreciada, mais à frente, conjuntamente com a mesma questão colocada no recurso do co-arguido AA.
● 7) Indemnização excessiva.
A recorrente defende, no presente recurso, que o valor fixado deve ser reduzido para quantia nunca superior a 75.000 euros.
Relativamente ao pedido de indemnização civil, escreve-se na parte final do acórdão da 1.ª instância o seguinte: «Vêm pedidos a este respeito € 150.000,00. Assim, o tribunal entende indemnizar a perda deste ente querido com a quanto de € 80.000,00. Para compensar a demandante pelos restantes sofrimentos pessoais, o tribunal entende como adequada a quantia de € 40.000,00. Assim, a indemnização civil ascende ao montante de € 122.410,00. Atendendo a que se efetuou uma avaliação atualizada dos danos não patrimoniais, estes só vencerão juros de mora a partir da data desta decisão, iniciando-se a contagem daqueles em relação aos patrimoniais a partir da notificação para contestar o pedido de indemnização civil. A condenação será solidária, por se tratar de responsabilidade civil extra obrigacional.». Por seu turno, o aresto recorrido da Relação de Guimarães confirmou, integralmente, o decidido pela 1.ª instância.
Consigna o art. 400.º do CPP, na parte que agora interessa, o seguinte
Artigo 400.º 1 — Não é admissível recurso:(Decisões que não admitem recurso) [alíneas a) a g) …..] 2 — Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. 3 — Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. Este artigo foi objecto de diversas alterações. O disposto nas alíneas c) a f) foi introduzido pela L 59/98, que também deu nova redacção ao n.º 2. A alínea g) ficou a corresponder à anterior alínea e). A L 48/2007, de 29 de Agosto, alterou profundamente o presente normativo: introduziu a redacção das alíneas c), e) e f) do n.º 1 e aditou o n.º 3. A redacção da alínea e) do n.º 1, consagrada pela L 48/2007, é diferente da que constava da Proposta de Lei 109/X, que esteve na base da mesma Lei, e que tinha o seguinte texto: «e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos;». O n.º 3 do presente normativo foi rectificado pela Declaração de Rectificação 105/2007, DR I S, de 9 de Novembro de 2007. A L 20/2013 alterou a redacção das alíneas d) e e) do n.º 1. A evolução legislativa, respeitante à recorribilidade do pedido de indemnização civil deduzido em processo criminal, pode ver-se no cit. Ac. STJ de 27 de Junho de 2012, Proc. 1466/07.3TABRG.G1.S1., Rel. Raul Borges e, posteriormente, retomada pelo mesmo Relator em vários arestos, nomeadamente no voto de vencido lavrado no Proc. n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1 e no Ac. de 24 de Janeiro de 2018, Proc. 5007/14.8TDLSB.L1.S1. Escreve-se a dado passo do aludido voto de vencido o seguinte: «Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), que operou a 15.ª alteração do Código de Processo Penal, e em particular, em consequência da referida introdução do n.º 3 do artigo 400.º de tal Código, procedeu-se a uma profunda alteração do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal. Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como até essa data sucedia, até por força do entendimento fixado pelo referido Acórdão uniformizador, dito “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março. Com as alterações introduzidas pela citada Lei, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível desprendeu-se do recurso em matéria penal ou, dito por outras palavras, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria cível, passou a ser avaliada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade adoptados pelo Código de Processo Civil. Na realidade, ao estabelecer no n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo artigo 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais das relações, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime, pelo então vigente artigo 721.º do Código de Processo Civil e ora artigo 671.º do NCPC. Como a recorribilidade da matéria cível deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no Código de Processo Civil, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o mencionado n.º 3 no artigo 400.º do Código de Processo Penal, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna a colmatar, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Por outras palavras. Como a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cfr., a este propósito, maxime, artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no Código de Processo Civil, em face desta apontada lacuna (artigo 4.º do CPP), na medida em que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal. No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das sentenças/acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer um paralelismo entre a acção cível enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em acção exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução da pretensão indemnizatória/compensatória com a formulação do pedido cível (enxertada/hospedada, por adesão, ou autónoma) não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais, no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais superiores. Neste aspecto a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal.» (págs. 805-806 do voto de vencido de Raul Borges, exarado em 27/10/2017 no Proc. n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1). No caso dos presentes autos, a decisão da 1.ª instância respeitante ao pedido de indemnização civil foi, como vimos, integralmente confirmada (sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente). Tal decisão é, por isso, insusceptível de recurso para este STJ (arts. 4.º, 400.º, n.º 3 do CPPenal e 671.º, n.º 3 do CPCivil).
● 8) violação dos princípios da legalidade criminal; “ne bis in idem” e o princípio in dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido (artºs 32 nº 2 e 29, da C.R.P.), com a interpretação dada ao artº 97 nº 4 do C.P.P., violou os princípios consignados no artº 32 nº 1 e 5 e artº 205 da C.R.P., violação que aqui se invoca, também com o objetivo de dar cumprimento ao disposto no artº 72 da Lei do Tribunal Constitucional, e ainda o artº 86, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Estas violações são invocadas pela arguida BB a fechar as suas conclusões de recurso. Não existe qualquer violação do princípio da legalidade criminal. Segundo este princípio «os tribunais estão vinculados a não aplicar sanções penais sem lei anterior que as preveja (nulla poena sine lege) e a não aplicar as sanções penais previstas sem que se realizem determinados pressupostos, igualmente descritos na lei: a perpetração de uma determinada conduta considerada crime ou, no caso das medidas de segurança, reveladora de perigosidade criminal—trata-se neste caso da máxima nullum crime sine lege (cf. artigos 29.º, n.º 1 e 3, da Constituição e 1.º do Código Penal).»[19] Relativamente ao princípio seguinte, a Constituição da República Portuguesa consagra, no n.º 5 do artigo 29.º, o referido princípio “ne bis in idem” dizendo que «ninguém pode ser julgado mais de uma vez pela prática do mesmo crime”. Desta enunciação do princípio decorre a proibição de aplicar mais de uma sanção com base na prática do mesmo crime e também a de realizar uma pluralidade de julgamentos criminais com base no mesmo facto delituoso. «[O] non bis in idem tem uma vertente substantiva e outra processual. Do ponto de vista material, o princípio veta a imposição plural de consequências jurídicas relativamente a uma mesma infração. Na perspetiva processual, o non bis in idem determina a impossibilidade de reiterar um novo processo e a sujeição a julgamento quanto ao facto sobre o qual incidiu sentença firme ou arquivamento definitivo. […] No caso do non bis in idem material, a hipótese [da norma] reconduz-se à identidade da infração e a sua consequência [evitar a] sanção punitiva. O non bis in idem processual tem, pelo contrário, como hipótese não o «crimen», mas sim o «factum», e como consequência evitar, cabalmente, o próprio processo.»[…]”(sublinhado acrescentado)[20]. Quanto ao princípio in dubio pro reo[21], que constitui uma das vertentes do princípio da presunção de inocência, é um princípio relativo à prova e significa que «o tribunal deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido, quando fica aquém da dúvida razoável, apesar de toda a prova produzida.»[22] Pela leitura e análise do aresto recorrido do Tribunal da Relação de Guimarães não se divisa qualquer dúvida relativamente à prova, à lei aplicável, às sanções penais ou seu enquadramento. Relativamente à prova e à avaliação da mesma, é que as leituras da arguida e do tribunal não são coincidentes. Mas, por si só, essa circunstância, que é vulgar ocorrer em muitos processos, não integra qualquer vício ou invalidade que cumpra conhecer.
**************** **************** **************** Do recurso do arguido AA
Questões levantadas nas conclusões (fls. 2698-2714) do recurso:
● 1) nulidade por indevida requalificação jurídica dos factos relativos ao roubo continuado e violação do princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409.º do CPP), requalificação que agrava a situação jurídico-penal do recorrente, desde logo por força de eventual reformulação do cúmulo jurídico.
● 2) Falta de fundamentação e consequente nulidade do acórdão porque não considerou, nem relevou a confissão integral e sem reservas do recorrente, nem o seu arrependimento e a circunstância de ter ingerido bebidas alcoólicas, nem teve em conta o regime especial para jovens, não tendo investigado as circunstâncias que estiveram na génese dos factos; factos com relevância para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, porquanto suscetiveis de excluir/diminuir/mitigar a ilicitude e a culpa.
● 3) Nulidade por falta de fundamentação - art.° 379 °, n ° 1, al c), e 374.°, n ° 2, e art.° 205.°, este último da CRP - devida a falta de exposição dos motivos da consideração como provados de todos os factos constantes da sentença e de exame critico da prova, o que imporá a elaboração de uma nova sentença que contenha as apontadas menções em falta do n.º 2 do art. 374.° do CPP.
● 4) Inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a fundamentação das decisões em matéria de facto, se basta com a simples enumeração e reprodução das declarações e depoimentos prestados na Audiência, não exigindo a explicitação do processo de formação da convição do Tribunal, por violação do dever geral de fundamentação das decisões dos Tribunais, artº 205, nº 1, da C.R.P.
● 5) Inconstitucionalidade da norma do artº 409.º, do C.P.P., quando interpretada (como aconteceu no Acórdão recorrido) no sentido de que a requalificação jurídica, com a aplicação de penas únicas concretas, como foi feito no Acórdão recorrido, não viola o princípio da Proibição de Reformatio In Pejus.
● 6) Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que «inquinam, de forma inevitável, a decisão recorrida, que resultam do seu texto e que devem conduzir à revogação da decisão».
●7) Qualificação jurídica do crime de homicídio (verificação do crime de homicídio simples e redução da pena concreta para 12 anos de prisão; conclusão n.º 28.ª do recurso do arguido).
● 8) Não aplicação do regime penal para jovens.
● 9) Medida da pena excessiva (redução da pena única para 16 anos de prisão; conclusão n.º 45.ª do recurso do arguido).
O problema da repetição da motivação
Antes de entrar na apreciação propriamente dita do recurso do arguido AA, refira-se que, apreciada globalmente, a sua motivação de recurso é, em grande parte, também uma repetição, um decalque, ipsis verbis, da motivação de recurso que apresentou da decisão da 1.ª instância. Repetição não na mesma escala da motivação da co-arguida BB, dado que o Ac. da Relação de Guimarães não confirmou integralmente, como no caso daquela, o aresto da primeira instância relativamente ao arguido AA. Fazendo o cotejo das conclusões de recurso do acórdão da 1.ª instância, que se encontram transcritas no Acórdão recorrido (da Relação de Guimarães), com as conclusões de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça (fls. 2698 e ss.), para se verificar o quadro que a seguir se descreve. Assim, as conclusões n.º 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, do recurso para este STJ correspondem integralmente às conclusões n.º 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9 do recurso para a Relação de Guimarães; as conclusões n.º 22, 23, 24, 25, 26, 27 correspondem integralmente às conclusões n.º 21, 22, 23, 24, 25, 26, do recurso para a Relação de Guimarães; na conclusão n.º 28.º, correspondente à conclusão n.º 27 do recurso para a Relação de Guimarães apenas se altera o montante da pena pedida (na conclusão n.º 27 sugeria-se pena não superior a 13 anos e na conclusão 28.º sugere-se pena não superior a 12 anos); as conclusões n.º 29, 30, 31, 32, 33 correspondem integralmente às conclusões n.º 28, 29, 30, 31, 32 do recurso para a Relação de Guimarães; as conclusões n.º 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43 correspondem integralmente às conclusões n.º 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42 do recurso para a Relação de Guimarães; na conclusão n.º 45.º, correspondente à conclusão n.º 44 do recurso para a Relação de Guimarães apenas se altera o montante da pena única pedida (na conclusão n.º 44 sugeria-se pena não superior a 16 anos e 6 meses e na conclusão 45.º sugere-se pena não superior a 16 anos); a conclusão n.º 46 (a última) corresponde quase integralmente [acrescentou a expressão «e o princípio da proibição de reformatio in pejus (art. 409.º do CPP)] à conclusão n,º 48 recurso para a Relação de Guimarães. Todavia, e pelas mesmas razões que atrás referimos, na parte relativa ao recurso da arguida BB, conhecer-se-á do recurso do arguido AA
************** ************** Apreciação das questões levantadas no recurso do arguido AA
● 1) da questão da nulidade por indevida requalificação jurídica dos factos relativos ao roubo continuado e violação do princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409.º do CPP).
Apenas neste aspecto, não houve coincidência entre o decidido pelo Tribunal da 1.ª instância e o decidido pela Relação de Guimarães. Aquele considerou existir continuação criminosa (e não concurso real) relativamente aos crimes de roubo (seis) e um crime de furto (resultante da convolação de roubo: factos dos arts. 46.º a 48.º da matéria de facto provada) tendo condenado o arguido na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; a Relação considerou não verificada a continuação criminosa por existir ofensa de bens eminentemente pessoais e condenou o arguido em penas parcelares por cada um dos 7 crimes, como bem se alcança do extracto do aresto da Relação de Guimarães a seguir exposto:
«O Tribunal, sobre estas questões, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Resulta com clareza dos factos dados como provados que os arguidos combinaram um plano e uma estratégia para praticar roubos, com tarefas, em regra, definidas para cada um deles, através da qual, usando a violência contra as vítimas, lhes subtraíram coisas móveis – e se não resta qualquer dúvida sobre o uso da violência em relação à GG, deve ter-se, igualmente, presente que o uso da força física, através do vulgarmente chamado esticão preenche também a previsão típica (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, pag. 167) pelo que de todos os outros seis casos dados como provados, em cinco deles o comportamento dos arguidos preenche a tipicidade objetiva do crime de roubo aqui referido; apenas no caso descrito em 46.ºa 48.º se não verifica qualquer violência, pelo que estamos em presença aqui de um crime de furto (simples). Os arguidos atuaram de modo deliberado, pelo que o fizeram com dolo direto, preenchendo- se, assim, em todos os casos a tipicidade subjetiva do referido crime. Fizeram-no de modo livre, conhecendo a proibição legal, e não lhes assistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que se pode afirmar que atuaram com culpa penal, ou seja, que sobre eles deve incidir o juízo de censura ético-jurídica em que este último pressuposto da punição se consubstancia. A sua atuação deve ser qualificada como de coautoria material. A arguida BB cometeu o referido crime de roubo por seis vezes, e, ainda nesta sede, por uma vez o crime de furto ou seja, a sua conduta caracteriza-se como concurso efetivo, real. O arguido AA atuou de modo diverso. Na verdade, deu-se como provado que: 72.º - O arguido AA apaixonou-se pela arguida BB, e manteve com ela durante o tempo referido na acusação um relacionamento afetivo e sexual. 73.º - O arguido AA obedecia a tudo o que a arguida BB lhe ordenava, sendo a relação entre ambos marcada pela incontestada liderança desta e pela subserviência dele. 74.º - A arguida BB exercia total liderança sobre, pelo menos, o AA, o HH, o DD e a EE, ameaçando até alguns deles com agressões caso não fizessem o que lhes mandava. Ora, entende o tribunal que se trata aqui de um caso de continuação criminosa e não de concurso efetivo, real, quanto ao AA. Na verdade, estatui o art.º 30.º, n.º 2, do Código Penal, que “constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. O tribunal entende que o arguido AA, um jovem de 18 anos, foi, em todo o seu percurso criminal apurado nestes autos, e não só quanto aos crimes de roubo, motivado, condicionado e liderado por uma mulher pérfida, com mais doze anos do que ele, a arguida BB, por quem estava apaixonado, e a quem nada conseguia recusar, pelo que essa situação, que lhe é exógena, não obstante os sentimentos que por ela nutria serem endógenos, lhe diminui consideravelmente a culpa, por lhe tolher de forma incontrolável a vontade, o que, nesta sucessão de crimes de roubo permite configurar o seu comportamento como sendo um crime continuado, nos termos da norma jurídica citada. E não choca o tribunal a inclusão nesta continuação criminosa do furto de que foi vítima a ofendida FF (art.ºs 46.º a 48.º), mas não já o crime de furto qualificado referido em 14.º e 15.º, porque no primeiro caso de verifica uma razoável identidade de proteção de bens jurídicos – a situação está muito próxima do roubo, que só não ocorreu porque a vítima se não apercebeu do uso de qualquer força física. O AA praticou, portanto, um crime continuado de roubo (que inclui o furto referido em 46.º a 48.º; esta continuação não pode estender-se aos outros crimes, porque são bastante, e nalguns casos, completamente, diferentes os bens jurídicos tutelados pelas incriminações legais em causa.»
Neste particular, e em relação à recorrente, nada há a apontar à posição assumida pelo Tribunal, quanto ao concurso real entre os diversos crimes de roubo, tanto mais que, e desde logo, o nº 3 do artº 30º do Código Penal afasta a continuação criminosa sempre que os crimes em causa sejam praticados contra bens eminentemente pessoais. Neste sentido, além da jurisprudência mais antiga, citada pelo Exmº P.G.A., cfr. os seguintes e recentes acórdãos: Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 07-04-2015: «O crime continuado mostra contemplado no n.º 2, do art.º 30.º, do Cód. Pen., onde se diz que constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Sendo pressupostos do crime continuado: 1. A realização plúrima do mesmo tipo de crime (ou de vários tipos que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico); 2. Homogeneidade da forma de execução (unidade do injusto objectivo da acção); 3. Lesão do mesmo bem jurídico (unidade do injusto de resultado); 4. Unidade de dolo (unidade do injusto pessoal da acção). As diversas resoluções devem conservar-se dentro de uma «linha psicológica continuada»; 5. Persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui consideravelmente a culpa do agente. Como decorre dos autos, o aqui recorrente foi condenado pela prática, como autor material, de dezasseis (16) crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art.º 171.º, n.º 1, do Cód. Pen. Tendo em conta que tais crimes protegem bens eminentemente pessoais, não se pode falar em crime continuado, como pretende o recorrente. Tudo, por o nóvel n.º 3, do art.º 30.º, do Cód. Pen., vir estatuir que o disposto no n.º 2, não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. Normativo introduzido pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro; Lei que entrou em vigor 30 dias após a sua publicação, de acordo com o estatuído no seu art.º 5.º. Ficando, a partir de então, o crime continuado restringido á violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais. Falecendo razão ao recorrente na pretensão que formulou.»; e Ac. Tribunal da Relação de Évora, de 19-05-2015: «1 - O crime continuado consiste numa unificação de um concurso efectivo de crimes, que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída. 2 - São pois pressupostos do crime continuado: - A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; - Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea; - Que haja proximidade temporal das respectivas condutas; - A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente; - Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido. 3 - O crime de roubo visa proteger um bem jurídico plúrimo: o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis, por um lado, e, embora como meio de lesão dos primeiros, também a liberdade individual de decisão e acção, a integridade física e a vida. 4 - Assim, nos termos do disposto no artigo 30º, nº 3, do Código Penal, por se tratar da lesão de um bem jurídico pessoal, afastada resulta a possibilidade de a conduta do arguido ser subsumível á figura jurídica do crime continuado.» Ou seja, a recente alteração do artº 30º, nº 3 do Código Penal, introduzido pela Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, veio dar consagração legal e obrigatória ao que já era entendimento jurisprudencial de que não há lugar à continuação criminosa quando os comportamentos plúrimos ofendem, como no caso, bens eminentemente pessoais. E assim, além da falta de razão da recorrente, louvamo-nos no entendimento do Ministério Público nesta Relação quanto à errada qualificação e condenação ao arguido AA, pelo crime continuado de roubo, quando na verdade o arguido praticou, e como tal deverá ser condenado, pela prática de seis crimes de roubo e um de furto, em concurso real.
E usando também os mesmos critérios e parâmetros usados pela 1ª instância para as demais infracções do arguido, deverá este, como co-autor de seis crime de roubo e de um crime de furto simples (por convolação do roubo para furto), previstos e punidos pelo art.º 210.º, n.º 1, e 203.º, n.º 1, do Código Penal, ser condenado nas penas de prisão de 1 anos e 6 meses (factos 8.º e 9.º), prisão de 2 anos (factos 3.º a 40.º), prisão de 2 anos e 6 meses (factos 41.º a 45.º), prisão de 1 anos e 4 meses (factos de 46.º a 48.º), prisão de 2 anos (factos de 49.º a 53.º), prisão de 2 anos (factos 54.º a 57.º) e prisão de 1 ano e 4 meses (factos de 58.º a 61.º). Contudo, face à proibição da reformatio in pejus do artigo 409.º do CPP e uma vez que o recurso apenas foi interposto pelo arguido, a operada alteração da qualificação jurídica nenhuma repercussão terá no doseamento da pena única.» (fim de transcrição do aresto da Relação).
A qualificação jurídica dos factos é de conhecimento oficioso[23] Por isso, atento tal circunstancialismo, a qualificação jurídica por que optou o aresto recorrido da Relação de Guimarães, afastando a continuação criminosa, afigura-se-nos correcta. Todavia, a imposição de penas parcelares pela Relação, relativamente aos crimes que a 1.ª instância considerou praticados em continuação criminosa, não pode deixar de considerar-se inócua. À primeira vista, tal imposição teria como consequência a reformulação do cúmulo jurídico no sentido de aplicação de uma pena única mais grave. Porém, é a própria decisão recorrida que coloca um travão a tal hipótese ao invocar, expressamente, a proibição derivada do princípio da reformation in pejus quando escreve: «Contudo, face à proibição da reformatio in pejus do artigo 409.º do CPP e uma vez que o recurso apenas foi interposto pelo arguido, a operada alteração da qualificação jurídica nenhuma repercussão terá no doseamento da pena única». O que significa que a imposição pela Relação das penas parcelares, pelos crimes que a 1.ª instância considerou praticados em continuação criminosa, mais não constitui que um exercício de lógica sequêncial, sem qualquer outro efeito. Não se verifica, pelo exposto, qualquer interpretação inconstitucional ou violação do art. 409.º do CPP.
● 2) da falta de fundamentação e consequente nulidade do acórdão porque não considerou, nem relevou a confissão integral e sem reservas do recorrente, nem o seu arrependimento e a circunstância de ter ingerido bebidas alcoólicas, nem teve em conta o regime especial para jovens, não tendo investigado as circunstâncias que estiveram na génese dos factos
Todo o circunstancialismo (as causas, a dependência do arguido AA relativamente à co-arguida BB, a ingestão de álcool, a confissão; do regime especial para jovens ocupar-nos-emos mais à frente) que envolveu a prática dos crimes está descrito, contrariamente ao que afirma o recorrente, com minúcia, na matéria de facto (acima transcrita no capítulo da Fundamentação) e na parte jurídica do acórdão da 1.ª instância, que foi abraçado pela decisão recorrida da Relação de Guimarães, e foi tomado em consideração como pode ver-se, por exemplo, da transcrição do segmento relativo à medida da pena onde se escreve:
«Em relação às atenuantes, podemos afirmar de modo mais genérico que o arguido AA: . efetuou uma relevantíssima confissão, na qual o tribunal acreditou, descrevendo ao tribunal tudo o que se passou, permitindo o apuramento da verdade a um nível que de outro modo seria difícil, se não impossível; . está verdadeiramente arrependido, sendo a referida confissão, designadamente a sua dimensão, o primeiro sinal dessa contrição pessoal; . atuou sempre debaixo do pérfido domínio e da obsessiva liderança da arguida BB, mulher muito mais velha e madura, sendo que a paixão e desejo que por ela sentia lhe tolhiam a vontade de forma relevante; . tinha dezoito anos de idade à data da prática dos factos, o que diminui de algum modo a sua culpa; . nasceu e cresceu no seio de uma família completamente desequilibrada, marcada por viciantes comportamentos alcoólicos, onde o abandono afetivo e logístico dos descendentes era evidente, tendo passado grande parte da sua ainda curta vida em instituições de acolhimento, em variados locais, tudo contribuindo para a inexistência de raízes e referências, para um abandono das regras, enfim, para uma vida miserável; . a inexistência de antecedentes criminais;». Não se verifica qualquer nulidade do aresto recorrido neste aspecto.
● relativamente às questões da nulidade por falta de fundamentação - art.° 379.º, n.° 1, al c), e 374.°, n.º 2, e art.° 205.°, este último da CRP e da inconstitucionalidade da norma do art.º 374, nº 2, do C.P.P., enunciadas como conclusões n.º 3 e 4 do recurso do arguido AA, correspondem às conclusões n.º 2 e 3 do recurso da co-arguida BB. Aplica-se aqui o que então se escreveu acima, relativamente àquelas conclusões do recurso da co-arguida BB.
● 5) no que concerne à inconstitucionalidade da norma do artº 409.º, do C.P.P, remete-se para o que se escreveu a propósito da conclusão 1 do presente recurso do arguido AA.
● 6) no que tange aos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP dão-se aqui como reproduzidas as considerações feitas a propósito da conclusão n.º 4 do recurso da co-arguida BB.
● 7) relativamente à qualificação jurídica do crime de homicídio (verificação do crime de homicídio simples e redução da pena para 12 anos de prisão). Sobre este aspecto, a posição do recorrente AA está condensada nas conclusões n.º 21 a 28 do seu recurso para este Supremo Tribunal, atrás reproduzidas na parte do Relatório, sector relativo ao recurso do arguido AA. O arguido AA procura descaracterizar o homicídio referindo, nomeadamente, na conclusão n.º 27, que «Com efeito, o facto do Recorrente ter agredido o Ofendido e lhe ter dado com a frigideira na cabeça com intenção de o matar, não nos parece que, esteja presente uma maior censurabilidade ou perversidade, para além daquela que está presente em qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, pois este revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete.». Mas esqueceu-se, por exemplo, de adiantar que terminou a sua conduta esganando a vítima utilizando o cinto da mesma. Tal como se escreveu atrás, na parte do recurso da co-arguida BB relativo à apreciação da qualificação jurídica do homicídio (parte final da qualificativa motivo fútil), que aqui tem aplicação e se dá como reproduzida, «O quadro fáctico revela-nos uma conduta (a vítima acabou por ser esganada com o seu próprio cinto—v. art. 24 da matéria de facto) brutalmente desproporcional, bárbara, arrepiante, de elevada violência e crueldade e de manifesto desprezo pela vida humana.». A matéria fáctica provada e as considerações jurídicas tecidas a propósito pelo aresto da 1.ª instância, e subscritas pelo aresto recorrido, que se reproduziram no sector da apreciação do recurso da co-arguida BB, são eloquentes quanto à verificação do crime de homicídio qualificado. Verificam-se as circunstâncias das alíneas c) e e) do n.º 2 do CP relativamente ao homicídio imputado ao arguido AA (a terceira circunstância-frieza de ânimo- alínea j), do art. 132.º CP, respeita apenas, como vimos, à arguida BB).
8) do Regime penal especial para jovens
O recorrente entende que o tribunal deveria ter-lhe aplicado o regime penal especial dos jovens, dado que na altura dos factos tinha 18 anos, tendo confessado integralmente e sem reservas.
A propósito da aplicação do regime penal especial para jovens, refere o Ac. da 1.ª instância, sufragado pelo Ac. recorrido, o seguinte:
«Antes de determinar as medidas concretas das penas, o tribunal entende dever afirmar que, ao contrário do que pretende o arguido na sua contestação, não deve ser aplicado ao caso o regime especial para jovens entre os 16 e os 2 anos, previsto pelo DL n.º 401/82, de 23/09. A ponderação e aplicação do regime em causa tem sido alvo de várias correntes Jurisprudenciais, de que nos dá conta o Ac. do STJ de 24/09/2009, relatado pelo Exmo. Conselheiro Raúl Borges, e para cujo teor se remete, o qual apresenta a seguinte conclusão: “Em casos graves e com contornos de violência, como o presente, não pode o julgador alhear-se da seriedade do comportamento ajuizado, olvidando que estamos perante um homicídio qualificado – porque produzido em circunstâncias que revelam especial censurabilidade e perversidade do agente -, que tem como fundamento uma agravação da culpa, uma culpa mais grave. Com efeito, não é possível compaginar um quadro com tais contornos – a elevada ilicitude da conduta do arguido é ainda revelada pela prática dos crimes de incêndio e detenção ilegal de arma, que aquele homicídio antecederam – com a necessária culpa mitigada que deve ancorar a solução da atenuação, em geral, e, no que se reporta à situação dos jovens, com a existência de razões sérias que possam projetar um futuro conforme ao direito, com a completa subalternização daqueles parâmetros (cfr. os Acs. deste Supremo Tribunal de 18/02/2009, processo n.º 100/09 -3.ª. e de 12/03/2009, Proc. N.º 3773/08 -5.ª, onde, perante situações de homicídio qualificado, se decidiu pela não aplicação da atenuação especial da pena decorrente do regime penal dos jovens.” Porque se concorda inteiramente com a decisão transcrita, e porque a gravidade do caso presente não consente a opção por aquele regime legal mais benévolo, pois tal medida em nada favoreceria a ressocialização do agente, que poderia até ver premiada a sua indizível conduta por ser jovem, o tribunal apenas valor a idade e a juventude na medida concreta da pena e teve-a também em conta para a configuração da continuação criminosa, como se disse.»
Relativamente ao enquadramento legal do regime penal especial para jovens, com interesse a leitura e análise do preâmbulo do DL 401/82, de 23/9, bem como dos seus artigos 1.º e 4.º. Refere-se no mencionado preâmbulo que:
«7. As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos. Para além desta pena, deve, todavia, o juiz dispor de um arsenal de medidas de correcção, tratamento e prevenção que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil.».
E nos arts. 1.º e 4.º, respectivamente com as epígrafes Âmbito de aplicação e Da atenuação especial relativa a jovens, que:
«1 - O presente diploma aplica-se a jovens que tenham cometido um facto qualificado como crime. 2 - É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos. 3 - O disposto no presente diploma não é aplicável a jovens penalmente inimputáveis em virtude de anomalia psíquica.»
«Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.»
Desde sempre se considerou que o regime penal especial dos jovens não é de aplicação automática[26], o que aliás se depreende, com clareza do disposto na 2 ª parte do art. 4.º e do próprio preâmbulo do DL 401/82. O regime penal relativo a jovens constitui um poder dever do julgador, tendo que ser aplicado sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos (cfr. Ac. STJ 27/10/2004, CJACSTJ XII, T. 3, pág. 212), pressupostos esses que o juiz deve averiguar mesmo oficiosamente[27]. O regime penal especial dos jovens[28] pressupõe a verificação cumulativa de vários requisitos, a saber: --a prática de facto qualificado como crime (n.º 1 do art. 4.º do DL 401/82); --o arguido tem que ter, à data do crime, completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos (n.º 2 do art. 4.º do DL 401/82); --acentuada diminuição da ilicitude, da culpa e da necessidade da pena (art.º 4.º, 1.ª parte, do DL 401/82; n.º 1 do art. 72.º do CP)[29]; --existência de sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado (art.º 4.º, 2.ª parte, do DL 401/82).
No caso em análise, não há dúvidas quanto à verificação dos dois primeiros requisitos: estamos em presença de factos qualificados como crimes e o arguido, na data da prática dos mesmos, tinha 18 anos de idade. Mas não se verifica uma acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena. Os crimes em causa, maxime o homicídio e a profanação de cadáver, ocorreram em circunstâncias verdadeiramente arrepiantes e que manifestam um brutal desprezo pela vida humana e pelos valores que enformam a sociedade, como já referimos supra a propósito da conclusão n.º 7 do recurso do arguido AA, relativamente à qualificação jurídica do crime de homicídio. É tal a gravidade dos crimes, que seria incompreensível, para qualquer cidadão médio, que o tribunal lançasse mão, no caso em análise, do regime atenuativo previsto no regime penal especial dos jovens. Mesmo que, eventualmente, se perfilasse a hipótese de vantagens da atenuação especial para a reinserção social do jovem arguido. Na verdade, conforme se escreve no Ac. STJ de 4/5/2016, Proc. 1101/12.8TDPRT. P1. S1, Rel. Oliveira Mendes, sumariado infra na nota 28, relativamente ao crime de tráfico de estupefaciente agravado, de acordo «com o entendimento maioritário do STJ, a atenuação especial da pena fundada no art. 4.º, do DL 401/82, só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos. Daqui resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre o jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para aplicação do regime previsto no art. 4.º, do DL 401/82.»[30] A idade e a juventude, como se refere no aresto recorrido da Relação de Guimarães, já «foram ponderadas e valoradas na medida concreta da pena». Pelo exposto, não é aplicável ao caso o regime penal especial dos jovens.
● 9) da Medida da pena[31] excessiva (redução da pena única para 16 anos de prisão, pedido do arguido AA; redução para 12 anos com absolvição do homicídio ou, em caso de condenação por homicídio, para pena única de 16 anos de prisão, pedido da arguida da BB)[32].
No que tange à aplicação das penas e à punição do normal concurso de crimes, há que atender à disciplina dos arts. 40.º, 71.º e 77.º do CP, que a seguir se transcrevem:
Artigo 40.º Finalidades das penas e das medidas de segurança 1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Artigo 71.º Determinação da medida da pena 1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: 3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
Artigo 77.º Regras da punição do concurso 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores. 4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.
O art. 40.º do do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva—seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.»[33] A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º[34] através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift.[35] Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal—a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena—e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas»(sublinhado nossos)[36]. De acordo com a mesma autora, loc. cit., pág. 177-178, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É este também o modelo que deve ser seguido à luz das injunções normativas avançadas pelo legislador ordinário. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada--que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas -- até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral». A mesma autora, a págs. 181-182 do mesmo estudo, adianta três proposições em jeito de conclusões a saber: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente». «A norma do artigo 40.º--escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar[37]--condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento. Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo. O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação. O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.). A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.».
Um arguido pode, na mesma ocasião, cometer um só crime, ou cometer vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles (v. n.º 1 do art. 77.º do CP). Estaremos, nesta 2.ª hipótese, no caso normal do concurso de crimes. Também pode suceder que o tribunal verifique que o arguido depois de uma condenação transitada em julgado, tinha praticado, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes. Nesta hipótese, estaremos perante um concurso superveniente (v. art. 78.º, n.º 1, CP). O caso dos presentes autos é de concurso normal de crimes. Sobre a questão da pena única é inabarcável a jurisprudência do STJ[38], estando a mesma perfeitamente estabilizada. «I - Segundo preceitua o n.º 1 do art. 77.° do CP, a medida da pena (única) ou conjunta deve ser encontrada a partir do conjunto dos factos e da personalidade do agente, tendo-se em atenção, em primeira linha, se os factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, sem esquecer a dimensão da ilicitude do conjunto dos factos e a conexão entre eles existente, bem como o efeito da pena sobre o comportamento futuro do delinquente. II - A resposta punitiva deve corresponder, à gravidade do ilícito global, à personalidade do arguido e ao quantum das penas singulares impostas, tendo presente, o efeito da pena conjunta sobre o comportamento futuro daquele.» (sumário do Ac. STJ de 21/1/2016, Proc. 214/10.5JAAFAR.S1, Rel. Oliveira Mendes) Na procura da pena única deve ter-se o maior cuidado relativamente a eventual adopção de critérios de índole aritmética ou matemática (v. Ac. STJ de 20/3/2014, Proc. 273/07.8PCGDM.S1, Rel. Santos Cabral, onde se referenciam as duas correntes do STJ sobre a questão). Estando em causa vários crimes, a procura da pena única desenrola-se em duas fases (cfr. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª ed.,1.º Vol., 2002, Rei dos Livros, pág. 911): numa primeira, devem fixar-se, atendendo aos critérios do art. 71.º CP, as penas parcelares relativas a cada um dos crimes que se encontram numa relação de concurso; em segundo lugar, procede-se à soma das penas parcelares obtendo-se, assim, o limite máximo da moldura abstacta aplicável (n.º 2 do art. 77.º do CP, que fixa como limite máximo da pena de prisão 25 anos). Obtida a moldura abstracta, a pena única (trata-se de uma “sanção de síntese”, no dizer de Raul Borges, Ac. STJ de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1) é determinada tendo em atenção o disposto no n.º 1 do art. 77.º do CP, devendo ser «considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente»[39] (cit. n.º 1; itálico nosso). Na escolha da pena do concurso «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade— unitária— do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto de factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 291-292). Mais recentemente, sobre a sobre a pena única, escreve Maria João Antunes[40] que «O direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida através de um cúmulo jurídico. Segundo este sistema o tribunal começa por determinar a pena (de prisão ou de multa) que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação até à operação de escolha da pena, uma vez só relativamente à pena conjunta faz sentido pôr a questão da substituição. Em seguida, o tribunal constrói a moldura penal do concurso: o limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites previstos no n.º 2 do artigo 77.º do CP; o limite mínimo corresponde à mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. Em terceiro lugar, o tribunal determinada a medida da pena conjunta do concurso, seguindo os critérios gerais da culpa e da prevenção (artigo 71.º do CP) e o critério especial segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte, do CP). Critério especial que garante a observância do princípio da proibição dupla valoração. Por último, o tribunal tem o poder-dever de substituir a pena conjunta encontrada por uma pena de substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena (artigo 70.º do CP), sem que fique prejudicada a possibilidade de impor também penas acessórias ou medidas de segurança (artigo 77.º, n.º 4, do CP).» Neste campo, este Supremo Tribunal tem defendido, em muita jurisprudência, que, com «a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado. Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele.» (Ac. STJ de 12/9/2012, Proc. 605/09.4PBMTA.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes). Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos «princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso»[7], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efetua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou atuação irrefletida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspetivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)»[8] (Ac. STJ de 13/1/2016, Proc. 493/14.9PBCTB.C1.S1, Rel. João Silva AA)
De acordo com o n.º 2 do art. 77.º do CP, aplicável por força do n.º 1 do art. 78.º, ambos acima transcritos a «pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.».
Para a medida da pena, o Tribunal de 1.ª instância, secundado pelo Acórdão recorrido da Relação de Guimarães, ponderou, relativamente aos arguidos, as seguintes circunstâncias:
«Quanto aos crimes de roubo (incluindo o roubo convolado em furto): - agravantes: . a quantidade dos crimes praticados, que elevam a ilicitude; . o proveito patrimonial em alguns deles, de algum relevo; .as lesões físicas causadas a algumas das vítimas, designadamente na GG; . a estratégia utilizada, que eleva o grau de culpa; . o dolo intenso, no modo direito; . as fortes necessidades de prevenção geral; - atenuantes: . a recuperação de alguns dos bens. Quanto ao crime de furto qualificado: - agravantes; .o número de participantes, que eleva a ilicitude; .os danos causados para entrar na casa; . o considerável valor dos objetos furtados, que eleva ainda mais a ilicitude; . o dolo intenso, no modo direto; . a ocupação posterior do imóvel; . as fortes necessidades de prevenção geral. Quanto ao incêndio: -agravantes: . o dolo intenso, no modo direto; . o prejuízo causado, com a destruição do automóvel; . a existência de duas ignições, que aumenta a ilicitude; . as fortes necessidades de prevenção geral. Quanto ao homicídio: - agravantes: . a quantidade de murros desferidos, a utilização de uma fritadeira e o esganar da vítima, que elevam de forma muito considerável a ilicitude da conduta do AA; . o dolo intenso, no modo direto; . as fortes necessidades de prevenção geral, pois ultimamente tem havido notícias de algumas mortes encomendadas; Quanto à profanação de cadáver: -agravantes: . o número de pessoas intervenientes, que eleva a ilicitude; . a forma indigna como o esconderam em casa; . a quantidade de atos de manipulação aplicados ao cadáver do DD, que mais elevam a ilicitude, designadamente a decisão de o incinerar; . a presença de uma menor, a EE, que também participou, sob a vigilância da sua irresponsável mãe – o ... era o seu “namorado”; . os relevantes danos causados no imóvel com a incineração, ou tentativa de incineração do cadáver. Em relação às atenuantes, podemos afirmar de modo mais genérico que o arguido AA: . efetuou uma relevantíssima confissão, na qual o tribunal acreditou, descrevendo ao tribunal tudo o que se passou, permitindo o apuramento da verdade a um nível que de outro modo seria difícil, se não impossível; . está verdadeiramente arrependido, sendo a referida confissão, designadamente a sua dimensão, o primeiro sinal dessa contrição pessoal; . atuou sempre debaixo do pérfido domínio e da obsessiva liderança da arguida BB, mulher muito mais velha e madura, sendo que a paixão e desejo que por ela sentia lhe tolhiam a vontade de forma relevante; . tinha dezoito anos de idade à data da prática dos factos, o que diminui de algum modo a sua culpa; . nasceu e cresceu no seio de uma família completamente desequilibrada, marcada por viciantes comportamentos alcoólicos, onde o abandono afetivo e logístico dos descendentes era evidente, tendo passado grande parte da sua ainda curta vida em instituições de acolhimento, em variados locais, tudo contribuindo para a inexistência de raízes e referências, para um abandono das regras, enfim, para uma vida miserável; . a inexistência de antecedentes criminais; Quanto à arguida BB, podemos apontar: - a confissão parcial, e apenas quanto aos crimes de roubo, furto, incêndio e profanação de cadáver; . a inexistência de antecedentes criminais; . o arrependimento;».
O Tribunal de 1.ª instância, secundado pelo Acórdão recorrido da Relação de Guimarães, ponderou no que tange à arguida BB , o seguinte:
«Assim, em relação à arguida BB devemos ter em conta que se trata de uma mulher madura, casada, que ultrapassou os 30 anos de idade, que liderou um grupo de jovens pelos caminhos da criminalidade, praticando e levando a praticar desde os furtos e roubos, ao homicídio, passando pelo incêndio, e em especial no homicídio, determinando dolosamente um jovem de 18 anos a matar um adolescente de 14, o que revela uma personalidade fria, calculista, vingativa, egoísta, totalmente alheia ao respeito pela vida humana e pela avançada idade das pessoas (como se vê no caso dos roubos), que deve ser punida de forma exemplar, e a que só a pena máxima prevista na lei poderá dar resposta – prisão de 25 anos. Tem este tribunal presente que há casos mais graves do que este; e haverá sempre um caso mais grave do que aquele que se estiver a julgar, seja ele qual for, porque o desmando humano não tem limite; e entende ainda este tribunal, como já entendeu noutras situações, que em certas situações, a gravidade dos crimes é de tal modo profunda que só a pena máxima poderá transmitir a ingente mensagem de total intolerância do comportamento adotado. É certo que, assim sendo, haverá casos punidos com a pena máxima que não são iguais, nem parecidos entre si, podendo daí decorrer uma aparente injustiça relativa. Todavia, no entender deste tribunal, o que daí decorre é a transmissão daquela ingente mensagem comunitária e jurisdicional de total intolerância do comportamento adotado, porque a comunidade que recebe a decisão, e à qual ela também se destina, não perceberá facilmente, em casos destes, cirúrgicos raciocínios de inefáveis e tecnicamente burilados cálculos de medida de pena, sendo certo que a culpa do agente ainda comporta, e até demanda, tal pena – note-se que não se decide para a comunidade, mas lembre-se que se decide de acordo com a lei em nome da comunidade, e que se a culpa do agente se encontrar dentro das balizas do que a comunidade demanda, não deverá ocorrer qualquer hesitação em assim proceder (o tribunal apenas deve resistir a essa demanda, e fá-lo obedecendo à lei, nos casos em que a culpa do agente não a suporta, como muitas vezes sucede). O que não parece correto é recuar perante a aplicação da pena máxima só porque pode haver ainda um caso mais grave (e havê-lo-á sempre), e porque, portanto, convirá guardar uma pequena reserva de pena para esses casos, para assegurar a justiça relativa.»
E no que diz respeito ao arguido AA, secundado pelo Acórdão recorrido da Relação de Guimarães:
«Quanto ao arguido AA, devemos ter em conta que é um jovem adulto de 18 anos, o qual, depois de se ter apaixonado por uma mulher mais velha, casada, com a qual mantinha um relacionamento afetivo e sexual, e que era para ele uma incontestada líder, a quem ele obedecia cegamente, se dedicou, por influência direta dela, à prática de vários roubos, furtos (reservando ela os proventos para si), um incêndio, e, principalmente, por incitamento dela, o homicídio de um adolescente com 14 anos, jovem esse que provém de uma desequilibrada família e que passou a maior parte da sua vida em instituições de acolhimento, revelando, por isso, uma personalidade instável e influenciável, e uma marcada carência de afeto, mas também uma evidente tendência violenta e criminosa. Na verdade, se o tribunal tem a certeza de que o arguido foi profundamente determinado pela pérfida e maquiavélica mulher com que se envolveu, também está inteiramente seguro que o arguido é uma pessoa profundamente violenta, pois só essa conclusão permite compreender a forma bárbara como matou o ... , que tinha apenas 14 anos de idade. Por isso, o tribunal entende que deve punir o arguido com a pena única de prisão de 20 anos.»
Quanto à arguida BB
No caso em análise, relativamente à arguida BB , o mínimo seria de 20 anos (pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado) e o máximo de 50 anos de prisão (soma de todas as penas parcelares envolvidas no cúmulo, mas reduzida a 25 anos atento o disposto no n.º 2 do art. 41.º do CP).
A arguida era a mais velha e experiente de todo o grupo de jovens, que liderava, «uma mulher madura, casada, que ultrapassou os 30 anos de idade», conforme se escreve na decisão da 1.ª instância corroborada pela Relação. Os factos criminosos, todos relacionados entre si, demonstram por parte da arguida, como igualmente se escreve naquela decisão, «uma personalidade fria, calculista, vingativa, egoísta, totalmente alheia ao respeito pela vida humana.». É muito elevada a ilicitude, intenso e directo o dolo. São também muito elevadas as necessidades de prevenção geral. Pelo exposto, e ponderadas igualmente as atenuantes, atrás transcritas, consideradas pelas instâncias, afigura-se-nos justa e adequada a pena de 18 (dezoito) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado. Ponderando todo o circunstancialismo descrito, tendo em atenção a referida moldura abstracta da pena, entende-se como justa e adequada a pena única de 23 (vinte e três) anos de prisão
Quanto ao arguido AA
Tendo em atenção o n.º 2 do art. 77.º do CP, aplicável por força do n.º 1 do art. 78.º, no caso em análise, relativamente ao arguido AA , a moldura abstracta da pena tem como balizas o mínimo de 17 anos (pena aplicada pelo crime de homicídio qualificado) e o máximo de 29 anos e 8 meses de prisão (soma de todas as penas parcelares envolvidas no cúmulo, mas reduzida a 25 anos atento o disposto no n.º 2 do art. 41.º do CP). A maneira como foi levado a cabo o crime de homicídio—num quadro fáctico arrepiante[41]--, a murro em várias partes do corpo, com uma fritadeira na cabeça e, por fim, em moldes pouco habituais, diga-se, com a esganadura da vítima, menor com 14 anos de idade, utilizando para o efeito o cinto da própria, demonstrando uma firme e persistente vontade de levar a cabo a sua acção, configura uma muito elevada ilicitude da conduta do arguido; o dolo é igualmente intenso e directo e fortes as necessidades de prevenção geral. O arguido revela uma tendência violenta e criminosa, conforme decidido pelas instâncias. Por outro lado, também não se olvida a sua confissão, considerada pelas instâncias como relevantíssima, o arrependimento, a sua idade à data do crime (18 anos), bem como a sua origem em família completamente desequilibrada. Pelo exposto, considera-se justa e adequada a pena de 15 (quinze) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado. Ponderando todo o circunstancialismo descrito, tendo em atenção a referida moldura abstracta da pena, entende-se como justa e adequada a pena única de 19 (dezanove) anos de prisão
III DECISÃO
Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça acordam no seguinte:
Relativamente ao recurso da arguida BB:
--no que concerne às questões 1 (Omissão de pronúncia e consequente nulidade por falta de prova relativamente aos factos integrantes dos crimes de roubo (1.ª e 3.ª ocorrência—factos de 20/8/2015 e de 16/12/2015), 2 (Falta de fundamentação e consequente nulidade (art. 374.º, n.º 2, do CPP), 3 (Inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P.,) 4 (Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP) e 7 (Indemnização excessiva) o recurso é rejeitado (arts. 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), n.º 3 do CPP e 671.º, n.º 3 do CPC ex vi art. 4.º do CPP); --no que toca às questões 5 (qualificação jurídica do crime de homicídio) e 8 (violação dos princípios da legalidade criminal; “ne bis in idem” e o princípio in dubio pro reo, e a presunção de inocência do arguido) o recurso é julgado improcedente; -- por último, no que à questão 6 (medida da pena) o recurso é julgado parcialmente procedente reduzindo-se a pena pela prática do crime de homicídio qualificado para 18 (dezoito) anos e, consequentemente, a pena única para 23 (vinte e três) anos de prisão.
Relativamente ao recurso do arguido AA:
--questões 3 (Nulidade por falta de fundamentação - art.° 379 °, n ° 1, al c), e 374.°, n ° 2, e art.° 205.°, este último da CRP) 4 (Inconstitucionalidade da norma do artº 374, nº 2, do C.P.P) e 6 (Vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP) o recurso é rejeitado; --no que concerne às questões 1 (nulidade por indevida requalificação jurídica dos factos relativos ao roubo continuado e violação do princípio da proibição da reformatio in pejus (art. 409.º do CPP), 2 (Falta de fundamentação e consequente nulidade do acórdão), 5 (Inconstitucionalidade da norma do artº 409.º, do C.P.P), 7 (qualificação jurídica do crime de homicídio) e 8 (não aplicação do regime penal para jovens) o recurso é julgado improcedente; --por último, no que diz respeito à questão 9 (medida da pena) o recurso é julgado parcialmente procedente reduzindo-se a pena pela prática do crime de homicídio qualificado para 15 (quinze) anos e, consequentemente, a pena única para 19 (dezanove) anos de prisão.
Sem custas (art. 513.º, n.º 1 do CPP), dado que se não verifica decaimento total.
Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Junho de 2018 Vinício Ribeiro (relator) * -------------------------------
I - Não valem como conclusões arrazoados longos e confusos em que se não discriminam com facilidades as questões postas e os fundamentos invocados. II - A falta de concisão, de precisão evidente, por forma à apreensibilidade liminar, imediata, sem desmedido esforço, do seu conteúdo, pelo tribunal ad quem, deve ser considerada na óptica do enquadramento da falta de conclusões. III - Se o relator, junto da Relação, no exame preliminar, considera que as conclusões retratam a repetição da motivação, fugindo ao sintetismo exigível, sendo inviável distinguir entre a exposição de motivos e o que integra as conclusões, conclui que não se mostram formuladas e, por falta de concisão e dificuldade de entendimento, concede prazo razoável para sanação do suposto vício, acautelando que, por tal falta, se seguiria, não sendo colmatada, a rejeição, pode o recorrente seguir um de três caminhos: numa óptica de cooperação, aceder ao convite; numa perspectiva de legalidade pura, se se sentir prejudicado com o convite, reclamar para a conferência do despacho do Senhor Desembargador relator, nos termos do arts. 700.º, n.º 3, do CPC e 4.º do CPP, requerendo seja proferido acórdão; ou, silenciar, fazendo tábua rasa do convite. IV - Não atenta contra a CRP, designadamente o seu art. 18.º, por compressão ilimitada e desproporcionada do direito de defesa, a interpretação dos arts. 412.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do CPP no sentido de a falta de concisão das conclusões equivaler à sua falta se, previamente, foi dada ao arguido a possibilidade de reestruturar o recurso em moldes havidos por conformes à lei, sob advertência de que o não acatamento do convite ao aperfeiçoamento no prazo designado conduziria à rejeição do recurso, e o arguido, por meio do seu advogado, a desprezou. Com a L 130/2015, de 4 de Setembro, o legislador, além de alterar diversos normativos do CPP, aprova, em anexo à mesma Lei, o Estatuto da Vítima. XIX - A nulidade por omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre questões que devia conhecer, sendo tais questões, no caso de decisão proferida em recurso, as de conhecimento oficioso e aquelas cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e cuja decisão não esteja prejudicada pela resposta dada a outras. ♣ Ac. STJ de 30 de Março de 2016, Proc. 89/14.5GGBJA.E1.S1, Rel. Sousa Fonte I - Não enferma de nulidade por omissão de pronúncia o acórdão da Relação em apreço, uma vez que o mesmo apreciou a concreta questão que o recorrente lhe colocou, embora não tivesse acolhido a sua pretensão, fundamentando de forma suficiente a pena única aplicada. O recorrente pretendeu impugnar o mérito dessa decisão do tribunal da Relação, e não propriamente qualquer aspecto da sua estrutura formal. II - Mesmo que se verificasse a invocada nulidade, o vício sempre teria de ser suprido pelo STJ, nos termos da parte final do n.º 2 do art. 379.º do CPP, por referência do art. 425.º, n.º 4, também do CPP, porque os factos provados são suficientes para alicerçar uma fundamentação completa da medida da pena única. A nível das Relações, cfr.: • Ac. RL de 10/1/2013, Proc. 905/05.2JFLSB.L1-9, Rel. Abrunhosa de Carvalho I – Quando o tribunal não dá como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação, o vício de que padece é o de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379º/1-c) do CPP) e não o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410º/2-a) do CPP); II – O vício de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379º/1-c) do CPP), como os outros dois previstos nas alíneas a) e b) do mesmo número, podem ser sanadas pelos tribunais que as proferiram, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, mas não pelo tribunal de recurso. (NOTA: referencia muita jurisprudência das Relações e do STJ) • Ac. RC de 9/3/2016, Proc. 506/10.3GBLSA.C1, Rel. Orlando Gonçalves I - A nulidade de sentença por omissão de pronúncia refere-se a questões e não a razões ou argumentos invocados pela parte ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista. II - A falta de fundamentação específica acerca dos motivos que levaram à denegação da suspensão da pena de prisão, traduz uma clara omissão de pronúncia sobre questão que o Tribunal a quo estava obrigado a apreciar. III - Tendo-se pronunciado a sentença recorrida sobre a concreta questão da suspensão da execução da pena, afastando a substituição da pena de prisão por esta pena não detentiva, embora possa padecer de falta de fundamentação ou de erro de subsunção, não padece seguramente de omissão de pronúncia. • Ac. RL de 29/11/2016, Proc. 6/15.5GBMRA.E1, Rel. António João Latas 2. Ao referir-se a questões que o tribunal devesse apreciar ou conhecer, a al. c) do nº1 do art. 379.º do CPP não abrange a falta de decisão ou pronúncia sobre factos, mas apenas as questões que, pressupondo decisão prévia sobre os factos respetivos, relevem para a decisão de alguma das questões da culpabilidade a que se reporta o art. 368.º nº2 ou para determinação da sanção. 3. Nas hipóteses em que o sentido da decisão do tribunal a quo sobre factos relevantes para a decisão da causa se encontre inequivocamente expresso noutras partes da sentença, não estamos perante nulidade de sentença que importasse suprir, mas antes em face de imperfeição daquela peça processual (por não fazer constar o facto provado na parte da sentença expressamente mencionada para o efeito no art. 374.º n.º2 do CPP), sem consequências de ordem processual, por não influir em nada na decisão da causa. • Ac. RP de 23/11/2016, Proc. 1987/11.3TAMAI.P1, Rel. Manuel Soares I – O tribunal de recurso tanto pode suprir a nulidade da sentença por excesso de pronúncia como por omissão de pronúncia. II – A incriminação da usurpação de funções visa a protecção do sistema público de credenciação para o exercício de certas profissões com especial interesse colectivo, e consiste na violação da integridade daquele sistema através de uma acção enganosa de quem falseia a sua qualidade ou título profissional e causa engano. III – O tribunal de recurso só pode sindicar a omissão de uma diligência de prova se os dados do processo permitirem concluir que teria sido possível produzir essa prova com a informação que o juiz no momento dispunha. [9] Ac. STJ de 6/1/2010, Proc. 238/08.2JAAVR.C1.S1, Rel. Oliveira Mendes VII - A circunstância da frieza de ânimo traduz-se numa actuação calculada, reflexiva, em que o agente toma a deliberação de matar e firma a sua vontade de modo frio, denotando sangue frio e alguma indiferença ou insensibilidade perante a vítima, ou seja, quando o agente, tendo oportunidade de reflectir sobre a sua intenção ou plano, ponderou a sua actuação, mostrando-se indiferente perante as consequências do seu acto. Sobre a mesma circunstância, cfr. também Acs. STJ de 10/3/2005, Proc. 05P224, Rel. Santos Carvalho, de 17/4/2013, Proc. 237/11.7JASTB.L1.S1, Rel. Raul Borges, de 13/11/2013, Proc. 2032/11.4JAPRT.P1.S1, Rel. Maia Costa, de 12/3/2015, Proc. 405/13.7JABRG.G1.S1, Rel. Francisco Caetano, de 23/4/2015, Proc. 86/14.0YFLSB, Rel. Isabel São Marcos. [11] ♣ Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar. ♣ Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão. (….) (NOTA: referencia imensos arestos do STJ sobre a questão da alínea f) do art. 400.º). [12] ♣ Ac. STJ de 13/1/2016, Proc. 174/11.5GDGDM.L1.S1, Rel. João Silva AA III - Atento o disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. b) e 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, em caso de concurso de crimes ou das questões que lhes respeitem só é admissível recurso relativamente aos crimes punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou com pena conjunta superior a essa medida. Atentas as molduras penais das penas parcelares aplicadas, a irrecorribilidade da decisão decorre também do disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, nos termos do qual não é admissível recurso de acórdãos condenatórios, proferidos em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tendo em atenção que as penas de prisão parcelares aplicadas na Relação não excedem 5 anos e foram proferidas em recurso não é admissível recurso para o STJ dessa decisão. ♣ Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva. ♣ Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ. [17] Entendimento seguido, v.g., nos Acs. STJ de 9 de Novembro de 2016, Proc. 235/14.6JELSB.L1.S1, do mesmo Relator; de 11 de Dezembro de 2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2, Rel. Raul Borges; de 21 de Janeiro de 2016, Proc. 8/12.3JALRA.C1. S1, Rel. Armindo Monteiro; de 31 de Março de 2016, Proc. 221/14.9JAFAR.E1.S1, Rel. Isabel São Marcos; de 14 de Abril de 2016, Proc. 1415/14. 2JAPRT.G1.S1, Rel. Manuel Braz; de 29 de setembro de 2016, Proc. 459/14.9PBEVR.S1, Rel. Francisco Caetano. Na doutrina, v. António da Silva Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2.ª ed., 2016, anotações aos arts. 410.º e 434.º [20] Palavras de Ramón García Albero («Non Bis In Idem» Material y Concurso de Leyes Penales, Barcelona, 1995, p. 24), transcritas no Ac. TC 246/2017, DR II S. de 25/7/2017. [21] Sobre o princípio in dubio pro reo, cfr. Acs. STJ de 11/12/2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2, Rel. Raul Borges; de 13/11/2013, Proc. 2032/11.4JAPRT.P1.S1, Rel. Maia Costa; de 8/1/2014, Proc. 124/10.6JBLSB.E1.S1, Rel. Manuel Braz; de 17/3/2016, Proc. 849/12.1JACBR.C1.S1, Rel. Pires da Graça e, muito recentemente, o Ac. STJ de 2/5/2018, Proc. 51/15.0PJCSC.L1.S1, Rel. Manuel Matos. [25] Sobre o roubo e a continuação criminosa e a reformatio in pejus, cfr., na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, os seguintes arestos: • Ac. STJ 1/6/2006, Proc. 06P1037, Rel. Carmona da Mota I - Protegendo o tipo legal do crime de «roubo» não só o património como bens eminentemente pessoais (como a vida e a integridade física), essa circunstância, só por si, afasta a unificação em «continuação criminosa» (como se tratasse de um único ataque ao mesmo bem jurídico) da sucessão, ainda que porventura esteada num dolo inicial ainda subsistente, de cinco assaltos a ourivesarias e outros estabelecimentos («por meio de violência contra uma [ou mais] pessoa[s]») levados a cabo pelo arguido durante cerca de 13 meses. II - Sendo “pressuposto da continuação criminosa (…) a existência de uma relação que, de fora, de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é: de acordo com o direito” (Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, p. 209), para que possa considerar-se a existência de um crime continuado tem de se constatar, na repetida actuação do agente, um «fracasso psíquico do agente perante a mesma situação de facto». • Ac. STJ 26/10/2006, Proc. 06P3109, Rel. Santos Carvalho I - A doutrina e a jurisprudência têm sempre entendido que o crime continuado não existe quando são violados bens jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratando-se da mesma vítima: na 1.ª Comissão Revisora do Código de 1982 foi proposto e aprovado um acrescento ao art. 30.º com uma redacção expressa nesse sentido, mas o Prof. Eduardo Correia referiu que esse acrescentamento era dispensável, uma vez que a conclusão que ele contém já se retiraria da expressão «o mesmo bem jurídico» (BMJ, 144.º, p. 58). II - Estando em causa vários crimes de roubo praticados contra pessoas diversas e outros crimes instrumentais em relação àqueles, não existe um único crime continuado. III - No crime continuado existe uma unificação da pluralidade de resoluções criminosas baseada numa diminuição considerável da culpa; ao contrário, a execução de vários crimes de roubo só aumenta o grau de culpa, já que a reiteração de condutas violentas contra as pessoas indica uma firmeza de intenção e um destemor perante o perigo, de todo incompatível com qualquer diminuição de culpa. • Ac. STJ 3/10/2007, Proc. 07P2576, Rel. Raul Borges I - Em sede de cúmulo jurídico de penas, o STJ tem vindo a considerar que na elaboração da pena única se impõe um dever especial de fundamentação, não podendo a decisão ficar-se pelo emprego de fórmulas tabelares ou conclusivas, sob pena de nulidade, nos termos dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP. II - O que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido (v.g., entre outros, Acs. de 24-01-2007, Proc. n.º 3508/06 - 3.ª, de 25-01-2007, Proc. n.º 4338/06 - 5.ª, de 01-03-2007, Proc. n.º 11/07 - 5.ª, de 14-03-2007, Proc. n.º 343/07 - 3.ª, e de 09-05-2007, Procs. n.ºs 899/07 - 3.ª e 1121/07 - 3.ª. III - O crime de roubo é um crime complexo, pluriofensivo, em que os valores jurídicos tutelados são de ordem patrimonial (direito de propriedade e de detenção de coisas móveis), abrangendo bens jurídicos eminentemente pessoais, como a liberdade individual de decisão e acção, a integridade física e até a própria vida. IV - Para que funcione a unificação das condutas sob a forma de crime continuado há que se estar perante vários actos, entre os quais haja uma certa conexão temporal, sendo por esta que se evidenciará uma diminuição sensível da culpa, mercê de factores exógenos que facilitaram a recaída ou recaídas. V - Como exemplo de circunstâncias exteriores que arrastam o agente para a repetição do crime, Eduardo Correia (Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 338) identifica as seguintes situações: voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta; perdurar o meio apto para a realização do crime, que se criou ou adquiriu com vista a realização da primeira conduta, verificar o agente, depois de executar a resolução que tomara, que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa. VI - Verifica-se um crime continuado quando se provem plúrimas violações da mesma norma pelo agente, proximidade temporal das respectivas condutas parcelares e também a manutenção da mesma situação exterior, a proporcionar as subsequentes repetições e a sugerir uma menor censurabilidade. VII - Se a conduta criminosa coloca em causa, não apenas valores patrimoniais, mas também valores eminentemente pessoais, havendo pluralidade de ofendidos [v.g., assalto efectuado a três senhoras, dentro de uma residência, tendo todas sido vítimas de constrangimento, coacção e intimidação exercida pelos arguidos, que apontaram e encostaram às suas cabeças pistolas de que eram portadores, e sendo as três despojadas de objectos e valores próprios], haverá tantos crimes quantos forem esses ofendidos, como tem decidido a jurisprudência deste Supremo Tribunal de forma uniforme – cf., entre outros, Acs. de 01-03-2000, Proc. n.º 17/2000 - 3.ª, in www.stj.pt (jurisprudência/sumários de acórdãos), de 19-04-2006, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 168, e de 02-05-2007, Proc. n.º 1027/07 - 3.ª. • Ac. STJ 4/12/2008, Proc. 08P3275, Rel. Oliveira Mendes I - Do exame sumário do art. 30.º do CP, na sua globalidade, verifica-se que o mesmo não regula a matéria do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único de forma «abrangente e esgotante», na medida em que as soluções ali indicadas se limitam a estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de infracções. Trata-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência caberá, em última análise, encontrar as soluções mais adequadas, tendo em vista a multiplicidade de situações que se prefiguram. II - Enquanto no n.º 1 do art. 30.º se estabelecem critérios relativos à problemática do concurso de crimes tout court, no n.º 2 pretende-se regular situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unifica em um só crime. Neste último caso estamos perante o chamado crime continuado, bem como face a outros casos de unificação jurídica (crime único com pluralidade de actos ou acções). III - No n.º 3, aditado pela Lei 59/07, de 04-09, incluiu-se no texto legal acrescento que chegou a fazer parte do n.º 2 do art. 33.º do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, e que foi aprovado na 13.ª Sessão da Comissão Revisora, em 08-02-1964, merecendo do Professor Eduardo Correia comentário segundo o qual aquele acrescento podia realmente ser consagrado, embora não fosse de reputar de todo indispensável, uma vez que a conclusão no mesmo contida já se retiraria da expressão «o mesmo bem jurídico». IV - Do exame do texto do n.º 1 do art. 30.º do CP decorre que o mesmo contém duas partes, ambas se referindo a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, sendo que, quer na primeira quer na segunda, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos (naturais) ou várias acções. V - Com efeito, a partir de um só facto ou de uma só acção podem realizar-se diversos crimes, por violação (simultânea) de várias normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora, tal como a partir de vários factos ou várias acções pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação (repetida) da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras. Em qualquer dos casos, estamos, no entanto, perante concurso de crimes, já que este ocorre, sempre, desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer através de vários factos. VI - Mas, porque toda e qualquer infracção criminal é constituída por três elementos – o facto típico, a culpabilidade e a punibilidade – não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento jurídico de cada uma. É indispensável que relativamente a cada crime concorrente se verifique vontade culpável. É preciso que cada crime seja doloso ou culposo, e como tal punível – nulla poena sine culpa – (art. 13.º do CP). VII - Assim sendo, a expressão «tipos de crime» utilizada no n.º 1 do art. 30.º tem o significado de «tipo legal objectivo e subjectivo», a significar que a vontade culpável, como dolo ou como negligência, por um só acto de vontade ou por actos plúrimos da vontade, deve ter por objecto todos os crimes concorrentes, que serão dolosos ou culposos, consoante a vontade tomar quanto a cada um deles a forma de dolo ou de negligência. VIII - No n.º 2 do art. 30.º do CP pretende-se regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, quer por violação repetida do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários tipos legais de crime, o legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-las como se um só crime houvesse ocorrido. IX - Na base do instituto do crime continuado encontra-se, assim, um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na «realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico (...)». A diferença – que desde logo se salienta – está em que, no caso de «concurso heterogéneo» se limita o campo próprio do crime continuado à violação de várias normas incriminadoras que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, o que equivale a dizer que, por outro lado, se alarga a noção de «concurso homogéneo» consoante resultaria da distinção feita nas 1.ª e 2.ª partes do n.º 1 do art. 30.º. Na realidade, o «concurso homogéneo», para efeitos do n.º 2 do art. 30.º, compreende não só a plúrima violação da mesma norma incriminadora mas também a violação de diversas normas incriminadoras, desde que sejam da mesma espécie, isto é, protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico. X - Porém, como se vê da segunda parte do n.º 2 do referido preceito, o instituto do crime continuado exige algo mais, para além da ocorrência de um concurso de crimes, com o âmbito e conteúdo já referidos: é necessário que aquele concurso seja executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. XI - Deste modo, verifica-se que, fundamentalmente, são razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime continuado: é a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam aquele para o crime, e não em razões de carácter endógeno. XII - No n.º 3 do art. 30.º do CP excluiu-se a possibilidade de qualificação de uma pluralidade de factos como integrantes de continuação criminosa ou de crime único quando, tutelando aqueles bens eminentemente pessoais, é ofendida mais que uma pessoa. XIII - O crime de roubo, como crime complexo que é, ofende quer bens jurídicos patrimoniais – concretamente o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais, designadamente a liberdade individual de decisão e de acção e a integridade física, podendo até ofender, em certos casos de roubo agravado, a própria vida (o texto legal alude a constrangimento de outra pessoa, violência e ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física). XIV - No entanto, havendo que ter presente que o crime de roubo é um crime contra a propriedade, surgindo a ofensa aos bens pessoais como meio de lesão dos bens patrimoniais, será a partir da lesão destes últimos, em ligação com a pessoa ou pessoas ofendidas, que se terá de aferir da ocorrência de um ou mais crimes de roubo. XV - Numa situação em que os recorrentes, com intenção de se apropriarem de bens existentes na residência dos ofendidos NC e JC (pertença de ambos) e de bens que cada um deles ostentava e consigo trazia (pertença de cada um), exerceram violência sobre ambos e ofenderam a integridade física do ofendido NC, tendo-se apoderado daqueles bens, dúvidas não restam de que cometeram dois crimes de roubo (qualificado), posto que os recorrentes, com o comportamento delituoso conscientemente assumido, ofenderam o direito de propriedade de ambos e de cada um dos ofendidos, bem como a sua liberdade e a integridade física do ofendido NC, não sendo a sua conduta subsumível ao n.º 2 do art. 30.º do CP. • Ac. STJ de 13/7/2017, Proc. 240/12.0PCSTB.S1, Rel. Maia Costa I - O instituto da proibição da “reformatio in pejus” está consagrado no art. 409º, nº 1, do CPP, que estabelece que quando o recurso da decisão final é interposto somente pelo arguido, ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse do arguido, o tribunal superior não pode agravar, na espécie ou na medida, as sanções impostas na decisão recorrida. II - Esta regra radica na própria estrutura acusatória do processo penal e constitui uma garantia básica do direito do arguido ao recurso de sentença condenatória, ao preveni-lo contra o risco de uma decisão mais gravosa do tribunal superior. Sem essa proibição, o exercício do direito (constitucional) ao recurso envolveria sempre e inevitavelmente um risco, pela incerteza da decisão a proferir pelo tribunal superior, que poderia funcionar como elemento gravemente dissuasor do uso desse direito, que é um direito fundamental do arguido. III - É a vertente sancionatória da sentença que o instituto visa salvaguardar, proscrevendo qualquer agravação da mesma, quer se trate das penas (principais, acessórias ou substitutivas), quer de medidas de segurança. De fora da proibição fica porém a pena de multa, mas somente quanto ao quantitativo do dia/multa, que não ao número de dias de multa, no caso de melhoria da situação económica e financeira do condenado (nº 2 do mesmo art. 409º). IV - No caso de concurso de crimes, se o recurso abranger, além da pena única, as penas parcelares, também estas estão abrangidas pela mesma proibição. V - Também é incontestável que, em caso de anulação de julgamento, por decisão do tribunal superior, os efeitos da proibição estendem-se ao novo julgamento a realizar em 1ª instância. Quer dizer, o tribunal de 1ª instância não pode agravar as penas aplicadas no primeiro julgamento. VI - Pode porém suceder que, havendo concurso de penas, o tribunal superior anule a sentença, por haver lugar ao “desdobramento” do concurso em dois (ou mais) cúmulos autónomos. Nessa situação, nada impede que se proceda a reformulação/desdobramento do cúmulo inicial. Contudo, vale ainda aqui a proibição da “reformatio in pejus”, não podendo portanto a soma das novas penas conjuntas exceder a pena conjunta primitiva. Ponto é que todas as penas tenham sido incluídas no cúmulo inicial. VII - Com efeito, no caso de desdobramento do cúmulo inicial, a situação será diferente se vierem a ser incluídas penas que não estavam compreendidas naquele, isto é, se na segunda decisão proferida em 1ª instância, após a anulação da primeira sentença, por deficiente formação do concurso, vierem a ser integradas nas novas penas conjuntas penas parcelares que não tinham sido consideradas na primeira decisão. VIII - Nesse caso, não funcionará a proibição da “reformatio in pejus”, pela razão muito simples de que não foram os mesmos crimes (e os mesmos factos consequentemente) que foram considerados nas duas condenações. Na segunda foram conhecidos um maior número de crimes pelo que será inevitável que a pena se agrave. IX - Só haverá violação da regra referida se, perante os mesmos crimes/penas, o tribunal de 1ª instância, em novo julgamento, agravar as penas. Por outras palavras: só se tiverem sido exatamente as mesmas condenações parcelares a ser consideradas e agora reagrupadas em dois cúmulos, é que funcionará a proibição de agravar a primitiva pena conjunta. Na jurisprudência das Relações, cfr.: • Ac. RL de 28/6/2005, Proc. 3118/2005-5, Rel. Pulido Garcia Provando-se que o arguido actuou com uma única intenção apropriativa dirigida a uma única coisa móvel alheia (o dinheiro existente na caixa registadora de um estabelecimento comercial), embora tivesse exercido violência (ameaças) sobre mais do que uma pessoa (no caso, sobre as empregadas do estabelecimento comercial que tinham a seu cargo a guarda do dinheiro existente na caixa, objecto do roubo), verifica-se um único crime de roubo. • Ac. RL de 11/10/2007, Proc. 6800 07 9, Rel. Fernando Estrela 1.O crime de roubo é um crime complexo que ofende quer bens jurídicos patrimoniais, quer bens jurídicos pessoais. 2. Sempre que esteja em causa a lesão de bens jurídicos eminentemente pessoais, fica afastada a hipótese de estarmos perante a prática de um crime continuado - vd. Ac. do S.T.J. de 24-1-2007, in www.dgsi.pt.( proc. 06P4066). 3. O disposto no actual n.º 3 do art. 30.º do C. Penal aprovado pela Lei 59/2007, de 3 de Set., reforça o entendimento atrás descrito. 4. Assim, cometeu o arguido tantos crimes de roubo, quantas foram a vítimas dos mesmos. • Ac. RL de 23/3/2010, Proc. 1197/06.1PCCSC.L1-5, Rel. Filomena Lima I - O crime de roubo apresenta-se como um crime complexo na medida em que comporta, aglutinados no mesmo tipo penal, o vector apropriação como génese, e o vector efectivação dessa mesma apropriação como fim, pressupondo como requisito essencial que sejam violentos ou constrangedores os meios que realizam o desiderato criminoso. II - Estando provado que o arguido exerceu acção violenta, intimidatória e constrangedora sobre duas pessoas distintas a fim de levar a cabo a apropriação ilícita, visando apropriar-se, dos bens de cada uma dessas duas pessoas concluiu-se que o direccionamento da sua actuação criminal tinha como específico fim a obtenção dos bens de cada um dos ofendidos pelo que as suas acções se desdobram de modo a pré-figurar-se, em cada uma delas, a prática de um crime de roubo. III - Assim, a tese da unificação por via da existência de uma única resolução criminosa não parece adequada ao caso, atendendo nomeadamente à natureza pessoal dos interesses tutelados pela norma e à consideração de que, em cada uma das acções, existiu uma compressão violenta distinta da outra, destinada a outras tantas intenções apropriativas. IV - Mesmo tratando-se de um projecto único de cometer tantos os crimes de roubo quanto os que lhe fossem presentes no condicionalismo em que actuou, não é possível esquecer que tal projecto visou duas distintas resoluções apropriativas, visando duas apropriações distintas, com compressão da liberdade de duas pessoas distintas, diferenciados pela natureza pessoal dos interesses em jogo e não unificáveis dada a natureza desses mesmos interesses. • Ac. RE de 18/9/2013, Proc. 263/10.3JAPTM.E1, Rel. Ana Bacelar Cruz I. A regra constante no n.º 1 do artigo 30.º do Código Penal sofre as restrições resultantes do concurso legal, aparente ou impuro de crimes e do crime continuado. II. O roubo pode definir-se como crime de furto qualificado em função do emprego de violência, física ou moral, contra a pessoa, ou a redução desta, por qualquer meio, à incapacidade de resistir. Trata-se de crime complexo, protegendo simultaneamente a liberdade individual e a propriedade. III. Da factualidade assente no acórdão recorrido não resulta qualquer circunstância exógena ao Recorrente, enquanto agente de crimes de roubo, que permita concluir por uma diminuição considerável da culpa. A toxicodependência – quando ocorre – é situação endógena e evitável. E porque o crime de roubo tutela bens jurídicos relativos à pessoa – eminentemente pessoais –, ocorre a previsão do n.º 3 do artigo 30.º do Código Penal. Ou seja, não é possível afirmar o crime continuado relativamente à prática de crimes de roubo. • Ac. RE de 9/9/2014, Proc. 1718/08.5PBSTB.S1.E1, Rel. António João Latas I - Só quando se reúnam na mesma pessoa as qualidades de titular dos direitos patrimoniais e pessoais atingidos pela conduta do agente, pode considerar-se que a pluralidade de ofendidos implica o concurso efectivo de crimes, uma vez que a punição pelo crime autónomo de roubo depende e assenta na dupla vertente patrimonial e pessoal. II – Assim, se o arguido apenas visou apropriar-se de um único bem ou de bens de um único património, mesmo que tenham sido várias as pessoas atingidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de ilegítima apropriação patrimonial, não se verifica concurso efectivo de crimes de roubo, se apenas uma das pessoas, ou nenhuma delas, é dono ou titular de direito patrimonial relevante sobre a coisa. III - Verifica-se, antes, uma relação de concurso efectivo entre o crime de roubo - cujo preenchimento típico se basta com a violência sobre uma pessoa desde que aquela constitua meio de atingir o crime fim - e o crime, ou crimes, contra a integridade física ou contra a liberdade, sofrido pelas demais pessoas atingidas • Ac. RE de 19/5/2015, Proc. 1154/12.9GBLLE, Rel. Fernando Pina 1 - O crime continuado consiste numa unificação de um concurso efectivo de crimes, que protegem o mesmo bem jurídico, fundada numa culpa diminuída. 2 - São pois pressupostos do crime continuado: - A plúrima violação do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; - Que essa realização seja executada por forma essencialmente homogénea; - Que haja proximidade temporal das respectivas condutas; - A persistência de uma situação exterior que facilita a execução e que diminui sensivelmente a culpa do agente; - Que cada uma das acções seja executada através de uma resolução e não com referência a um desígnio inicialmente formado de, através de actos sucessivos, defraudar o ofendido. 3 - O crime de roubo visa proteger um bem jurídico plúrimo: o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis, por um lado, e, embora como meio de lesão dos primeiros, também a liberdade individual de decisão e acção, a integridade física e a vida. 4 - Assim, nos termos do disposto no artigo 30º, nº 3, do Código Penal, por se tratar da lesão de um bem jurídico pessoal, afastada resulta a possibilidade de a conduta do arguido ser subsumível à figura jurídica do crime continuado. Sobre a caracterização do regime penal especial para jovens e pontos de divergência assumidos pela jurisprudência, cfr. Ac. STJ de 29/4/2009, Proc. 6/08.1PXLSB.S1, Rel. Raul Borges. [28] Regime penal especial para jovens--DL 401/82: Ac. STJ de 13/7/2017, Proc. 54/15.5JBLSB.E1.S1, Rel. Manuel A. Matos (afasta a aplicação do regime penal especial dos jovens num caso de homicídio qualificado e de profanação de cadáver); Ac. STJ de 20/10/2016, Proc. 10/15.3GMLSB.E1.S1, Rel. Rosa Tching (afasta a aplicação do regime penal especial dos jovens num caso de crime de tráfico de estupefacientes, correio de droga, atenta a gravidade do crime e as necessidades de prevenção geral e especial); Ac. STJ de 9/7/2014, Proc. 832/10.1JAPRT.S1, Rel. Manuel Braz (afasta a aplicação do regime penal especial dos jovens num caso violação, coacção agravada e homicídio qualificado com contornos algo semelhantes aos do presente recurso, dado que a vítima foi morta por asfixia, com um fio de nylon enrolado em volta do pescoço); Ac. STJ de 22/5/2013, Proc. 179/11.6JAPDL.L1.S2, Rel. H. Gaspar (afasta a aplicação do regime penal especial dos jovens num caso de roubo tentado e de homicídio qualificado). • Ac. STJ de 30/5/2012, Proc. 21/10.5GATVR.E1.S1, Rel. Oliveira Mendes I - O art. 4.º do DL 401/82, de 23-09, prevê uma atenuação especial da pena relativa aos jovens, a operar nos termos dos arts. 72.º e 73.º do CP. Trata-se de um poder-dever que implica que a aplicação dessa atenuação depende da existência de sérias razões para pensar que dela resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente. II - Tal juízo de prognose favorável ou desfavorável tem de se alicerçar em factos concretos, ponderando, designadamente a conduta do arguido, anterior ou posterior ao crime, as condições pessoais, familiares e profissionais para avaliar da sua inserção familiar e ainda a sua personalidade para se poder aferir além do mais se é sensível à aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal, ou seja se é ou não dotado de capacidade de auto-censura. (…) X - Pressuposto material da atenuação especial da pena é a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. XI -O instituto da atenuação especial da pena só é susceptível de aplicação aos arguidos com base na sua imputabilidade diminuída caso se conclua que, à data dos factos, por via daquela circunstância, as suas capacidades cognitivas e/ou volitivas se encontravam de tal modo afectadas que se deva considerar que agiram com culpa acentuadamente diminuída, posto que a diminuição da imputabilidade não interfere directamente com a ilicitude do facto nem com a necessidade de pena. XII - Do factualismo apurado decorre que na base da imputabilidade diminuída do arguido D se encontra o consumo de substâncias psicoactivas, consumo que, no limite, poderá ter influenciado o seu comportamento relativamente a alguns dos factos delituosos, sem que, contudo, haja afectado a sua consciência e a sua capacidade de determinação. No que diz respeito ao arguido C, pese embora padecesse à data dos factos de perturbação da personalidade, com traços anti-sociais, instabilidade emocional e impulsividade, características estas agravadas pelo consumo de estupefacientes e de álcool, certo é que aquela anomia não afectou a sua consciência nem a sua capacidade de auto-determinação. Nesta conformidade, não se verifica uma situação em que a culpa se mostre acentuadamente diminuída. XIII - Por outro lado, pese embora a idade dos arguidos à data dos factos (18 e 21 anos), a gravidade destes, com destaque para o crime tentado de homicídio, impondo firme reprovação e censura, não se coaduna com uma punição especialmente atenuada, punição incompatível com as exigências de prevenção geral, razão pela qual não merece reparo o acórdão recorrido ao não aplicar o instituto da atenuação especial, quer por via do afastamento do regime penal especial para jovens quer por via da não atribuição de relevo bastante à imputabilidade diminuída dos arguidos. • Ac. STJ de 24-10-2012, Proc. 298/11.9JELSB.L1.S1, Rel. Pires da Graça I - No âmbito do regime penal especial para jovens, consagrado pelo DL 401/82, de 23-09, o juízo de avaliação da vantagem da atenuação especial da pena centra-se fundamentalmente em relação à importância que a mesma poderá ter no processo de socialização ou, dito por outra forma, na reinserção social do jovem. II - Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tenha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por não se mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social. III -No caso sub judice, a conduta do arguido tem uma carga desvalorativa de nível tão elevado [relembre-se que está em causa o transporte transcontinental de cocaína (de S. Paulo, Brasil, para a Guiné Bissau, passando por Lisboa), cujo peso líquido global excedia os 11 kg, sendo a quantidade de cocaína apreendida suficiente para preparar, pelo menos, 56 217 doses individuais de tal substância estupefaciente] que seria muito difícil fundamentar a seriedade das razões que levariam o tribunal a crer que a atenuação especial conduziria a reais vantagens para a reinserção social do arguido, exigência iniludível para sustentar a aplicação do mecanismo jurídico atenuativo em discussão. • Ac. STJ de 2/8/2013, Proc. 69/12.5TAPCV.C1-A.S1, Rel. Souto Moura I - Se a equacionação da aplicação do regime penal especial para jovens é obrigatória sempre que o arguido seja um jovem com idade superior a 16 anos e inferior a 21 anos, a sua efectiva aplicação não é automática, como decorre do articulado do DL 401/82, de 23-09, e, com especial incidência, do seu art. 4.º, onde se dispõe que o juiz só deve atenuar especialmente a pena “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. III - Esta será tanto mais problemática, quanto à prática de um crime grave, particularmente ofensivo de bens jurídicos fundamentais, ou quanto a uma actuação reiterada do menor na prática de crimes de certa gravidade, que revele insensibilidade por anteriores chamadas de atenção do tribunal e que mostre desadequação às regras básicas da vivência comunitária. IV - Se a gravidade do crime (crime de roubo praticado com armas de fogo) não é obstáculo decisivo à aplicação do regime penal especial para jovens, não se detectam vantagens para a reinserção social quando o arguido apresenta uma postura imatura, insegura e influenciável, com dificuldade em aderir ao cumprimento das regras e sem motivação para investir num projecto de vida organizado. • Ac. STJ de 4/6/2014, Proc. 262/13.3PVLSB.L1.S1, Rel. Oliveira Mendes I - O tribunal não está dispensado de considerar, na decisão, a pertinência ou inconveniência da aplicação do regime decorrente do DL 401/82, de 23-09, ainda que o julgue inaplicável, razão pela qual o tribunal a quo estava obrigado a pronunciar-se sobre se aquele regime é de aplicar ou não à arguida (tinha 20 anos à data da prática dos factos). Não tendo o tribunal a quo emitido pronúncia sobre a aplicação ou não daquele regime, a sentença enferma de nulidade, conforme estabelece a al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP. II - Atenta a circunstância de os autos disporem de todos os elementos necessários à decisão da eventual aplicação do regime penal especial para jovens, pode tal nulidade ser suprida pelo STJ, tanto mais que de acordo com a redacção introduzida pela Lei 20/13, de 21-02, ao n.º 2 do art. 379.º do CPP, passou a constituir um dever do tribunal de recurso o suprimento das nulidades da sentença recorrida. III - No crime de tráfico de estupefacientes o bem jurídico primordialmente protegido é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão (aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera), cuja elevada gravidade é patenteada pela sanção aplicável (agravada) de 5 a 15 anos de prisão e cujas necessidades de prevenção são prementes. A arguida cometeu o crime após duas condenações anteriores por factos de natureza idêntica, à data ainda não transitadas em julgado (fortes exigências de prevenção especial). Atenta a gravidade do crime e as necessidades de prevenção é de afastar a aplicação do regime constante do art. 4.º do DL 401/82. • Ac. STJ de 18-6-2014, Proc. 578/12.6JABRG.G1, Rel. Santos Cabral I - A aplicação da atenuação especial decorrente do DL 401/82, de 23-09, só deverá ser afastada quando os factos demonstrarem estarmos perante aquela especial exigência de defesa da sociedade e seja certo que o jovem delinquente não possui aquela natural capacidade de regeneração. II - O julgamento do jovem delinquente lança-nos um repto que é a convicção de que a atenuação especial prevista na lei em abstracto sempre favorecerá a sua reinserção social, pois que uma menor privação de liberdade sempre se conjugará com a perspectiva do legislador de um natural optimismo sobre a capacidade de ressocialização. III -Porém, a equação proposta legalmente pela situação do jovem delinquente não pode deixar de ter em atenção que as razões inerentes à prevenção especial, ou seja, das razões que resultam da prevenção geral do crime. Quando a culpa e a ilicitude são densas e graves, trazendo à colação a inevitável necessidade dum efeito intimidatório, dificilmente se pode compaginar tal circunstância com uma crença na natural vantagem para a ressocialização. IV - No caso concreto, o alinhar da motivação que desenha a relevância de um juízo de prognose positivo surge esbatido e consubstancia-se apenas na circunstância de, após o crime, manifestar uma postura em que se desenha o arrependimento. Tal facto aconteceu no terminus dum processo em que o arguido tirou a vida a alguém que durante cerca de 18 anos lhe dedicou uma parte da vida incutindo-lhe valores e prestando-lhe todos os cuidados que são próprios dum pai. A morte da vítima foi procurada dum forma persistente, e aturada, expressa no número de golpes desferidos. V - O acontecido surge no decurso duma forma de vida em que o arguido evidenciou um comportamento de rejeição de normas e opção por condutas irregulares. Em suma, à intensa ilicitude, e culpa, evidenciados no facto acresce um comportamento pautado pela inobservância de adequados padrões de comportamento. A gravidade da infracção praticada e a dimensão da culpa e da ilicitude, evidenciadas no caso vertente, justificam a conclusão de que uma atenuação especial induzida pela idade (o arguido tinha 20 anos de idade) não se compagina com as exigências da sociedade perante infracções que contendem com valores nucleares. VI - A tutela dos bens jurídicos, as elevadas necessidades de prevenção geral, bem como a ilicitude e culpa intensas (onde sobressai a qualidade da vítima), justificam a pena de 15 anos de prisão aplicada. • Ac. STJ de 10/12/2015, Proc. 134/13.1GBASL.E1.S1, Rel. Arménio Sottomayor O acórdão da Relação aqui recorrido afastou a aplicação do Regime Especial para Jovens Delinquentes com fundamento em que, ao cometer um crime doloso de homicídio, o arguido “guindou-se a patamar de maturidade criminosa distinto daquele para o qual foi instituído o Regime Penal Especial.” Tendo o arguido à data dos factos 19 anos, embora a cerca de um mês de completar 20 anos, as instâncias concluíram, ao proceder à ponderação do circunstancialismo a atender na aplicação deste regime, que o mesmo é de afastar perante a gravidade dos factos, e também por o arguido não ter mostrado que interiorizou a relevância dos factos por si praticados e não ter evidenciado sentimento de culpa e arrependimento e preocupação com as vítimas. Em caso de jovens delinquentes não é apenas na referência à gravidade da conduta do agente que o tribunal se deve ater para fundamentar a decisão de inaplicabilidade da atenuação especial da pena com base na idade do delinquente. Embora no crime de homicídio se proteja o bem mais precioso, a vida humana, a gravidade do ilícito, por si só, não constitui justificação bastante para a formulação de um juízo negativo. Como o Supremo Tribunal de Justiça teve já ocasião de decidir, “a atenuação especial da pena para jovens delinquentes, prevista no art. 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, não se aplica apenas à criminalidade menor, antes se torna mais necessária para crimes de moldura penal mais elevada, quando a imagem global que se forma dos factos e da personalidade do agente nos aponta no sentido de uma futura ressocialização” (ac. de 21-04-2004 - Proc. 658/05). E bem assim, que “a atenuação especial da pena prevista no art. 4.º do DL 401/82 não se funda nem exige «uma diminuição acentuada da ilicitude e da culpa do agente», nem, contra ela, poderá invocar-se «a gravidade do crime praticado e/ou a defesa da sociedade e/ou a prevenção da criminalidade» ”. (ac. de 21-09-2006 – Proc. 3062/06). Nesta linha interpretativa, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 10-04-2014 – Proc. 368/12.6PFLRS.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Maia Costa que “a atenuação especial não pode ser recusada com fundamento exclusivo em razões preventivas ou de culpa. A culpa pode ser intensa, ou as exigências de prevenção geral muito fortes e, ainda assim, ser possível formular um juízo favorável sobre as vantagens da atenuação da pena para a reinserção do condenado, em que o legislador aposta fortemente pelas razões já apontadas. Tudo dependerá da ponderação global das circunstâncias do caso.” Tal benesse afere-se pela finalidade da prevenção especial, ou seja pela carência de socialização que o agente revele. • Ac. STJ de 4/5/2016, Proc. 1101/12.8TDPRT. P1. S1, Rel. Oliveira Mendes VIII – De acordo com o entendimento maioritário do STJ, a atenuação especial da pena fundada no art. 4.º, do DL 401/82, só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultam vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de protecção dos bens jurídicos. Daqui resulta que, não obstante a emissão de um juízo de prognose favorável incidente sobre o jovem delinquente, pode o mesmo revelar-se insuficiente para aplicação do regime previsto no art. 4.º, do DL 401/82. IX - Estamos perante facto delituoso de gravidade muito elevada, claramente reflectida na moldura penal do crime de tráfico de estupefacientes agravado, sendo que as consideráveis as exigências de prevenção geral impostas pelo crime cometido e as exigências de prevenção especial, decorrentes de condenação anterior pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, aliadas à acentuada ilicitude do facto, cuja agravação resulta da verificação de 3 qualificativas, afastam a aplicação do regime do art. 4.º, do DL 401/82, ao arguido Y, invocada pelo mesmo. Arguido veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão de primeira instância que o condenou nas seguintes penas: a) Pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada (sendo ofendida BB), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP, na pena de 18 (dezoito) anos e 6 (seis) meses de prisão; b) Pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma consumada (sendo vítima CC), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e c), do CP, na pena de 21 (vinte e um) anos de prisão; c) Pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada (sendo ofendida DD), p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 22.º, 23.º, 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e c), do CP, na pena de 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão; Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 25 (vinte e cinco) anos de prisão. Crimes cometidos com o recurso a arma branca. Vítimas a esposa e filhas do arguido. STJ confirmou a decisão. [38] Na jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal, podem ver-se, v.g., os Acs. STJ de 14/1/2009, Proc. 08P3974, Rel. Fernando Fróis; de 17/6/2015, Proc. 488/11.4GALNH.S1, Rel. Maia Costa; de 21/1/2016, Proc. 133/10.5PBTMR.E1.S1, Rel. Manuel Braz; de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raul Borges (com vastíssima informação jurisprudencial e referenciando igualmente a doutrina); de 11/2/2016, Proc. 26/13.4GGIDN.S1, Rel. Souto de Moura; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR, Rel. Manuel Augusto de Matos; de 25/5/2016, Proc. 108/14.5JALRA.E1.S1., Rel. Arménio Sottomayor; de 23/6/2016, Proc. 1179/09.1TAVFX, Rel. Oliveira Mendes (referencia a posição da diversa doutrina desde Eduardo Correia a Lobo Moutinho); de 14/7/2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, Rel. Pires da Graça. |