Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
559/12.0JACBR.C2.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: PARECERES
DUPLA CONFORME
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
NULIDADE
REENVIO DO PROCESSO
CASO JULGADO FORMAL
ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
PERÍCIA
PROIBIÇÃO DE PROVA
RECONHECIMENTO
IN DUBIO PRO REO
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
HOMICÍDIO
MOTIVO FÚTIL
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ILICITUDE
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
Data do Acordão: 05/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / COMPETÊNCIA / COMPETÊNCIA TERRITORIAL / TEMPOS DOS ACTOS E DA ACELERAÇÃO DO PROCESSO / NULIDADES – PROVA / MEIOS DE PROVA / PROVA POR RECONHECIMENTO / PROVA DOCUMENTAL / MEIOS DE OBTENÇÃO DA PROVA / REVISTAS E BUSCAS – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODUÇÃO DA PROVA / SENTENÇA – RECURSO / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
Doutrina:
-Alberto Medina de Seiça, Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal, p. 1413;
-Anabela Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, p. 371;
-Augusto Silva Dias, Crimes contra a vida e a integridade física, p. 27;
-Bettiol, Direito Penal, Volume III, p. 135;
-Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, Coimbra 1968, p. 56 e 57;
-Cavaleiro Ferreira, A medida da pena, Lisboa, p. 62 ; Curso de Processo Penal, Volume III, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa 1981, p. 35;
-Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención en Derecho Penal, tradução de Muñoz Conde – 1981, p. 93, 96 a 98;
-Costa Andrade, Sobre as Proibições de Provas, p. 31, 33, 36, 61, 107, 108 e 184;
-Cristina Líbano Monteiro, em Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2005, Processo n.º 2521/05-5ª, na RPCC, Ano 16, N.º 1, 162 e ss.;
-Fernando Silva, Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas, Quid Juris, 2008, 2.ª Edição, p. 52 e 53;
-Figueiredo Dias, Processo Penal, p. 446 ; Direito Processual Penal, p. 215 ; Homicídio Qualificado-Premeditação-Imputabilidade- Emoção Violenta, in CJ, Ano XII, 1987, Tomo IV, p. 49 a 55 ; Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, p. 26 e 32 ; Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss. ; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, ps. 291 e 292;
-Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Volume II, 1993, p. 161 ; Curso de Processo Penal, Volume II, Lisboa, 1999, p. 174;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 2007, Volume I, p. 446 e 447;
- Hans. Heinrich. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, Barcelona, 1981, p. 1190, 1201 ; Evolución del Concepto Jurídico Penal de Culpabilidad en Alemana Y Austria”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, ISSN 1695-0194 05-01(2003);
-Jackobs, Schuld und Prävention, Tübingen, 1976, p. 8 e ss.;
-Jorge Miranda, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 148 a 163;
-José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189;
-Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, Anotado e Comentado, Henriques Gaspar e outros, 17.ª Edição, 2009, p. 422;
-Maria João Antunes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, p. 121 ;
-Medina de Seiça, Legalidade da prova e reconhecimentos atípicos em processo penal, Liber Discipulorum, p. 1265;
-Michele Taruffo, Note sulta garanzia constituicionale della motivazione, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LV, 1979, p. 34 e 35;
-Nicola Triggiani, La ricognizione personale: struttura ed efficacia, in Rivista italiana di diritto e procedure penale, 1996, faz.2-3, p. 773 e 775, n. 173;
-Oliveira Mendes, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2.ª Edição revista, p. 1133;
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª Edição, p. 460;
-Santos Cabral, Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2.ª Edição revista, p. 645;
-Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal, Anotado, Volume I, 3.ª Edição, 2008, p. 1089;
-Teresa Serra, Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1998, ps. 63 e 64.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 14.º, 19.º, 105.º, N.º 1, 120.º, N.º 1, 122.º, 125.º, 126.º, 127.º, 147.º, 163.º, N.ºS 1 E 2, 174.º, N.º 5, ALÍNEA B), 328.º, N.º 6, 358.º, N.º 1, 374.º, N.ºS 2, ALÍNEA A) E B) E 3, 379.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2, 400.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E E), 410.º, N.º 2, 414.º, N.º 2, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B), 426.º, 426.º-A, 428.º E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 131.º E 132.º, N.º 2, ALÍNEA E).
REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES, APROVADO PELA LEI N.º 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 86.º, N.ºS 1, ALÍNEA C) E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, N.º 4/2009, DE 18-02-2009, IN DR, I SÉRIE, DE 19-03-2009;
- DE 30-10-2001, PROCESSO N.º 1645/01;
- DE 30-10-2001, PROCESSO N.º 2630/01;
- DE 06-12-2002, PROCESSO N.º 2707/02;
- DE 08-01-2003, PROCESSO N.º 4221/02;
- DE 15-05-2003, PROCESSO N.º 863/03;
- DE 05-06-2003, PROCESSO N.º 976/03;
- DE 19-02-2004, PROCESSO N.º 4332/03;
- DE 12-07-2005, PROCESSO N.º 2315/05;
- DE 24-11-2005, PROCESSO N.º 2831/05;
- DE 07-12-2005, PROCESSO N.º 2963/05;
- DE 03-01-2008, PROCESSO N.º 4221/02;
- DE 05-03-2008, PROCESSO N.º 220/08;
- DE 13-11-2008, PROCESSO N.º 3381/08, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 27-01-2009, IN CJ/STJ, ANO XVII, TOMO I/2009, P. 208;
- DE 23-09-2009, PROCESSOS N.º 27/04.3GGBTMC.S, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 06-01-2010, PROCESSO N.º 99/08.1SVLSB.L1.S1;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 58/08.4JAGRD.C1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 23-06-2010, PROCESSO N.º 1/07.8ZCLSB.L1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 13-10-2010, PROCESSO N.º 200/06.0JAAVR.C1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 72/06.4GACBT.G1.S1;
- DE 11-11-2010, PROCESSO N.º 117/09.6JAGRD.C1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 24-03-2011, PROCESSO N.º 322/08.2TARGR.L1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 07-04-2011, PROCESSO N.º 450/09.7JAAVR.S1;
- DE 09-06-2011, PROCESSO N.º 4095/07.8TPRT.P1.S1;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 550/09.3GBPMS.C1.S1;
- DE 18-01-2012, PROCESSO N.º 306/10.0JAPRT.P1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 05-12-2012, PROCESSO N.º 704/10.0PVLSB.L1.S1;
- DE 22-01-2013, PROCESSO N.º 182/10.3TAVPV.L1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 25-09-2013, PROCESSO N.º 101/07.4IDBRGEL.S1;
- DE 23-04-2015, CJ/STJ, ANO XXIII, TOMO II, 2015, P. 175;
- DE 09-09-2015, IN CJ/STJ, ANO XXIII TOMO III/2015, P. 181;
- DE 28-04-2016, PROCESSO N.º 8292/12.6TDPRT.P2-A.S1;
- DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 974/13.1PIVNG.G2.S1;
- DE 23-11-2016, PROCESSO N.º 736/03.4TOPRT.P2.S1;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 252/11.0JAAVR.S1;
- DE 09-03-2017, PROCESSO N.º 74/16.2PAVFC.S1;
- DE 29-03-2017, PROCESSO N.º 5160/13.8TDPRT.P1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:



- ACÓRDÃO N.º 310/94, DE 24-03-1994;
- ACÓRDÃO N.º 198/04, DE 24-03-2004, IN DR, II SÉRIE, DE 02-06-2004;
- ACÓRDÃO N.º 877/2014.
Sumário :

I - Os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos só podem ser juntos até ao encerramento da audiência em primeira instância.
II - É irrecorrível para o STJ por ocorrência de “dupla conforme”, face ao disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, o acórdão do Tribunal da Relação no segmento em que confirma a condenação em 1.ª instância do arguido numa pena parcelar não superior a 8 anos, mais concretamente na pena de 1 ano de prisão pela prática de 1 crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei 5/2006, de 23-06, impondo-se a rejeição do recurso, nesta parte, nos termos do disposto nos arts. 420.º, n.º 1, al. b) e 414.º, n.º 2, ambos do CPP.
III - Não obsta à verificação da denominada “dupla conforme” a circunstância de o arguido ter sido absolvido por um primeiro acórdão proferido pelo tribunal colectivo de 1.ª instância que posteriormente foi anulado pelo Tribunal da Relação, o que norteou uma posterior prolação de um “novo” acórdão de 1.ª instância condenatório, pois, para efeitos de aferição da admissibilidade de recurso, de nada vale a decisão absolutória, por não consubstanciar uma decisão desfavorável ao arguido, sendo, antes, determinante, a decisão condenatória, visto ser ela a decisão que conforma os termos, o conteúdo e, por decorrência, os efeitos do direito do arguido de recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis.
IV - O acórdão do Tribunal da Relação que, ao arrepio dos seus poderes de cognição, consagrados no art. 428.º do CPP, conhece de facto, mas não decide de direito, podendo e devendo fazê-lo, incorre em omissão de pronúncia geradora de nulidade da decisão nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, por não conter as menções obrigatórias referidas no n.º 2 e nas als. a) e b) do n° 3 do art. 374.º do CPP, ou seja, por não ter efectuado a subsunção jurídica da matéria de facto provada de forma a consagrar decisão condenatória ou absolutória, traduzindo um “non liquet” sobre o “thema decidendum” do recurso.
V - Porém como o acórdão do Tribunal da Relação consubstancia tão só uma decisão parcelar, que apenas se pronunciou sobre os factos imputados ao arguido, mas que só valerá, para efeitos de recurso, quando integrada pela pronúncia definitiva quanto à questão de saber se desse modo estão preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade criminal do arguido, que é o principal objecto do presente processo crime, forçoso é concluir ser irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação que, por ser um acórdão interlocutório se enquadra na previsão do citado art. 400.º, n.º 1, al. c) do CPP.
VI - Porque este acórdão não admite recurso, cabia ao arguido, caso nisso estivesse interessado, invocar a referida nulidade deste mesmo acórdão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP, perante o próprio Tribunal da Relação e no prazo geral de 10 dias, a contar da notificação, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 2, 120.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1, todos do CPP.
VII - Não o tendo feito dentro deste prazo, precludido ficou, desde há muito, o direito à sua arguição, pelo que vedada fica também ao arguido a faculdade de, com base no efeito da contaminação previsto no art. 122.º do CPP, vir, através do presente recurso, arguir a nulidade relativa ao acórdão do Tribunal da Relação com fundamento na omissão de pronúncia, por ter fixado a matéria de facto sem extrair as consequências jurídicas para fazer dela decorrer a nulidade do acórdão ora recorrido, tanto mais que tal nulidade ficou suprida com a prolação do “novo” acórdão condenatório.
VIII - Sendo irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação, nos termos do art. 400.º, n.º1, al. c) do CPP e tendo transitado em julgado na parte em que determinou o reenvio do processo ao tribunal da 1.ª instância para efeitos de prolação de nova sentença para qualificação jurídica da matéria de facto fixada e para determinação da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada, dúvidas não restam que o mesmo constitui caso julgado formal, tornando-se tal decisão, insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto a esta matéria e permitindo a sua imediata execução (actio judicatí), razão pela qual o acórdão do tribunal de 1.ª instância não podia deixar de proferir nova sentença para qualificação jurídica da matéria de facto fixada e para determinação da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada, conforme decisão do sobredito acórdão, pois, como é consabido, sobre o mesmo impendia o dever de acatamento das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
IX - Carece de fundamento legal a afirmação feita pelo recorrente de que, uma vez proferido o primeiro acórdão absolutório pela 1.ª instância, no âmbito das competências que lhe atribuíam os arts. 14.º e 19.º do CPP, esgotou-se o poder jurisdicional dessa 1.ª instância, não podendo a primeira instância, após interposição de recurso, proferir sentença de condenação do arguido, fora do âmbito das possibilidade previstas no art. 426.º do CPP, por tal competência caber funcionalmente ao tribunal da Relação, na medida em que a obrigatoriedade tribunal de 1.ª instância proceder, neste caso, à elaboração de nova sentença, resulta com toda a clareza do disposto no art. 426.º-A do CPP.
X - Limitando-se o tribunal de 1.ª instância a conhecer da qualificação jurídica da matéria de facto já fixada, em última instância de recurso, pelo acórdão do Tribunal da Relação e a determinar a pena a aplicar bem como a indemnização civil reclamada, nada impedia que este novo julgamento fosse efectuado pelos juízes que integravam o tribunal na data da sua realização, não se descortinando fundamento legal para impor-se a prolação do novo acórdão pelos mesmos juízes que haviam proferido o primitivo acórdão absolutório, sendo de salientar que o art. 328.º-A do CPP, introduzido pela Lei 27/2015, de 14-04, não tem aplicação ao presente processo, por força do disposto no seu art. 6.º, segundo o qual aquele artigo não se aplica aos processos pendentes.
XI - Face à alteração legislativa ocorrida com a Lei 27/2015, de 14-04, anteriormente à prolação do acórdão condenatório do tribunal de 1.ª instância de 03-07-2015 e que, por um lado, alterou a redação do n.º 6 do art. 328.º do CPP, suprimindo o segmento que declarava a perda da eficácia da produção de prova já realizada no caso do adiamento da audiência exceder trinta dias, a questão da perda da eficácia da prova encontra-se ultrapassada.
XII - É improcedente a arguição da nulidade do acórdão ora recorrido, por omissão de pronúncia, se o recorrente se limita a alegar a sua discordância quanto à valoração que as instâncias procederam do relatório de autópsia e de outro relatório junto aos autos, na medida que o acórdão ora recorrido apreciou e decidiu o recurso, na parte em que o recorrente visava a impugnação da decisão proferida em matéria de facto, julgando, neste segmento, improcedente o recurso interposto pelo arguido, com fundamento de que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação, encontra-se a coberto do caso julgado formal, parcial ou relativo.
XIII - Embora se aceite caber, nos poderes de cognição deste Tribunal, a apreciação da legalidade das provas de que o tribunal recorrido se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente no domínio normativo da valoração em julgamento de provas proibidas (arts. 125.º e 126.º do CPP), por se tratar de matéria de direito, temos por certo estar fora da sua competência exercer censura sobre a valoração que as instâncias procederam dos diversos meios de prova, sobre a convicção que sobre elas formam, a menos que essa valoração envolva violação da lei.
XIV - Verificando-se que o relatório de autópsia não é conclusivo quanto à distância dos disparos e que o relatório constante dos autos «não revelou resultados significativos quanto à presença de partículas características/ consistentes com resíduos de disparos», vale isto por dizer que, sobre estes factos, a prova pericial não se traduz num juízo seguro, pelo que, não obstante o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 163.º do CPP, neste caso, a perícia não impõe ao julgador qualquer limitação à apreciação global da prova segundo o princípio da livre apreciação da prova, e porque, está vedada a este Tribunal a possibilidade de sindicar a valoração feita pelas instâncias, à luz do princípio da livre apreciação, dos sobreditos relatórios, improcede também, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.
XV - A “identificação” do arguido feita pela testemunha como sendo o autor da infracção, no âmbito da prestação do seu depoimento em sede de audiência de julgamento, insere-se na esfera da prova testemunhal, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no art. 127.º do CPP, pois trata-se de um elemento do respectivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se o especial valor inerente ao "reconhecimento pessoal" previsto no art. 147.º do CPP.
XVI - Apesar da doutrina da “árvore envenenada”, da nulidade de busca domiciliária realizada durante a noite, sem prévio despacho judicial, e sem a autorização do arguido, co-titular da habitação (mas com o consentimento da sua mulher), não se projecta o efeito à distância, à luz do regime do art. 122.º do CPP, às munições da mesma marca, modelo e calibre daquelas que deflagraram os projecteis que atingiram a vítima que foram apreendidas durante a busca, dado que se verifica a chamada limitação da descoberta inevitável pois a busca, por um lado, foi levada a cabo com autorização de um dos comproprietários da casa, sem qualquer fraude, coacção ou violência e, por outro lado, a realização da busca sempre poderia ser alcançado - e seria, seguramente na evolução normal do processo logo que o recorrente fosse constituído arguido - com uma busca realizada com mandado judicial, nos termos permitidos pelas restantes alíneas do preceito (art. 174.º onde se insere a norma [n.º 5, al. b)] julgada inconstitucional na aplicação efectuada), concluindo-se, assim, pela possibilidade de valoração do meio de prova dessas munições.
XVII - De resto sempre se dirá que a apreensão das munições em causa nem sequer foi valorado pelo tribunal em sede de fundamentação da matéria de facto, pelo que não se vê que dela possa ter resultado qualquer diminuição das garantias de defesa do arguido.
XVIII - Porque nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso para este STJ é restrito à matéria de direito, tem este Tribunal entendido, de forma unânime, que a violação do princípio “in dubio pro reo”, só pode ser sindicado pelo STJ, em sede de recurso, dentro dos limites de cognição deste Tribunal definidos no art. 410.º, n.º 2 do CP, ou seja, se a dúvida resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras a experiência, pelo que, não se vê que o tribunal tivesse evidenciado qualquer estado de dúvida, vedada fica a este STJ a possibilidade de sindicar as conclusões fácticas tiradas pelas instâncias, daí inexistir qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio da presunção de inocência.
XIX - Inexiste erro notório na apreciação da prova se o recorrente alega tal vício como forma "encapotada" de atacar a apreciação e valoração da prova feita pelas instâncias, com base na qual este tribunal deu como provados os factos supra descritos que ditaram a condenação do recorrente.
XX - Nos termos do n.º l do art. 358.º do CPP, só há que desencadear o mecanismo processual aí previsto se se verificar uma alteração com relevo para a decisão da causa, uma alteração em relação à qual se coloque a necessidade de dar ao arguido oportunidade de preparação da defesa, o que não se verifica se a factualidade alterada é irrelevante.
XXI - Resultando dos factos dados como provados que o arguido agiu no âmbito de uma situação de conflito com o J que se vinha mantendo, há vários anos, relacionado com as estremas dos respetivos terrenos, pelo que a emissão de poeiras, naquele dia, provocada pelo tractor contratado pela vítima para a realização de trabalhos de limpeza no seu terreno, contíguo à habitação do arguido, mais não foi o culminar desse conflito, forçoso é considerar que o arguido não foi determinado por motivo fútil, não ocorrendo, por isso, a circunstância-padrão do homicídio qualificado enunciada na al. e) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
XXII - O facto de o arguido ter sido punido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) da Lei 5/2006, de 23-06, não obsta à agravação do crime de homicídio pelo uso de arma, ao abrigo do art. 86.º, n.º 3 da mesma lei, pois trata-se da punição de condutas distintas.
XXIII - Ponderando o muito elevado o grau de ilicitude do facto praticado pelo arguido que impulsionado pela emissão de simples poeiras, provocada pelo tractor contratado para a vítima para a realização de trabalhos de limpeza no seu terreno, contíguo à habitação do arguido, disparou com uma arma 2 tiros contra a vítima que tombou no chão, tendo o arguido agido com dolo directo e intenso, actuando com uma culpa num patamar também elevado, pois que, não obstante ter agido no quadro de uma situação de conflito mantida, há vários anos, com a vítima, a verdade é que, se ausentou do local sem se preocupar com o estado físico da vítima, que sabia ser uma pessoa idosa, tendo até ignorado o chamamento de socorro e o pedido de ajuda à vítima, feitos por uma pessoa que, na altura, ia a passar no local e socorreu a vítima, a ausência de confissão e de arrependimento, as fortes exigências de prevenção geral, mas também na vertente atenuativa, não deixando de valorar o facto do arguido não ter antecedentes criminais, de à data ter 75 anos, de ser uma pessoa estimada pela maioria das pessoas que com ele convive e não ser conotado com comportamentos desajustados nem agressivos, perante uma moldura abstrata pela prática deste crime de homicídio simples, previsto no art. 131.º, do CP, agravado pelo disposto no art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006 que é de 10 anos e 8 meses a 21 anos e 4 meses, entende-se ser de aplicar a pena de 13 anos de prisão.
XXIV - Perante uma moldura abstracta de cúmulo jurídico entre 13 anos e o máximo de 14 anos de prisão, valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos, da personalidade do arguido, das fortes exigências de prevenção geral, das menores exigências de prevenção geral, da ausência de antecedentes criminais do arguido, a revelar que se tratou de um acto soldado no seu percurso de vida, impõem-nos que seja estabelecida uma pena ligeiramente acima do mínimo da moldura, daí considerarmos que a pena adequada deverá ser de 13 anos e 6 meses de prisão.

Decisão Texto Integral:   


RECURSO PENAL[1]

                                        

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 559/12.0JACBR, da Comarca de ..., Instância Central- Secção Criminal, foi proferido, em 30.10.2013,  acórdão  que decidiu:

- julgar improcedente a pronúncia,  absolvendo o arguido, AA da prática do crime  de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86°, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86°, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2°, nº 1, al. az) e artigo 3°, nº 4, al. a) e 5°, al a), do referido diploma legal.

- julgar improcedente o  pedido de indemnização civil contra si deduzido.

2. Inconformados com esta decisão, dela interpusera recurso para o Tribunal da Relação de ..., o Ministério Público  e os assistentes e demandantes civis BB, CC e DD.

3. O Tribunal da Relação de Coimbra, proferiu acórdão, em 25.06.2014, decidindo, para além do mais:

« … “conceder provimento aos recursos interpostos pelo MºPº e pelos assistentes, na forma apontada, e assim:

A) Alteram-se os pontos 2, 3, 7 e 9 da matéria de facto provada (dando por não escrita na matéria não provada o que os contraria) os quais passam a ter os seguintes termos:

2. EE manteve conflitos com vários vizinhos e familiares, relacionados com estremas e limites de terrenos, acusando-os de se apropriarem de faixas de terreno e árvores.

3. Chegou a destruir ou mandar destruir umas "alminhas", existentes numa dessas estremas.

(…)

7. A hora exacta não apurada, pelas 15 horas e 45 minutos, na estrada nacional, em ... nas proximidades da casa do arguido, motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelo trabalhos de limpeza do terreno, munido de uma pistola de características, marca e modelo não concretamente apurados, municiada com munições de calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25 Auto na designação anglo-americana) o arguido AA efectuou dois disparos contra EE, atingindo-o na região abdominal direita e no braço direito, fazendo-o com o intenção de tirar a vida a EE

Actuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida pela lei.

(…)

9. De seguida o arguido dirigiu-se em direcção ao portão de sua casa e ausentou-se para local exacto não apurado, deixando EE, caído no chão sem se preocupar com o seu estado físico. 

B) Dá-se como provada a seguinte matéria do pedido cível (dada como não provada pelo tribunal recorrido, assim ficando eliminada daquele elenco):

- EE sentiu dor com o impacto do primeiro tiro e, depois, com o do segundo, pela penetração dos projécteis no seu corpo, ainda deu dois ou três passos antes de cair por terra, sentiu angústia e desespero.

C) Determina-se que o tribunal de 1ª instância, após reabertura da audiência e se necessário após produção complementar de prova, nos termos e para efeito do disposto no art. 368º, nº3 e no art. 369º do CPP, profira nova sentença na qual conheça da qualificação jurídica da matéria ora fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada.

Sem tributação».

4.  Voltaram os autos à 1ª instância onde diferente colectivo, sem produção de prova suplementar por os intervenientes processuais dela terem prescindido,  reabriu a audiência,  tendo sido produzidas as alegações orais e  designada data para a leitura do acórdão (cfr. ata de fls. 1935 e segs).

5. Na data designada para o efeito foi proferido despacho com fundamento na possibilidade de alteração da qualificação jurídica do crime de detenção de arma proibida, determinando a notificação do MP e do arguido nos termos e para os efeitos do disposto no art 358º, nº 3, do CPP, sendo que ambos declararam nada ter a requerer ( cfr. despacho a fls 1957).

 

6. Por acórdão de 03.07.2015, o tribunal colectivo de 1ª instância  decidiu, para além do mais:

1-  julgar totalmente procedente a pronúncia deduzida contra o arguido AA e, em consequência:

a)- condenar o arguido, pela prática, em autoria material e concurso real, de:

- 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.°, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão;

- e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal e não 5.°, al. a), como constava da pronúncia, na pena de 1 (um) ano de prisão.

b)- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão.

c)- Condenar o arguido em custas, no montante de 5 (cinco) UC.

2-  julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes BB, CC e DD contra o arguido AA e, em consequência:

a) Condenar o arguido e demandado no pagamento, a pagar a todos os demandados da quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), correspondente ao dano morte e 10.000 € (dez mil euros) para cada um, correspondentes aos danos aos morais sofridos por si, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação, até integral pagamento;

b) Condenar o demandado e os demandantes nas custas do pedido de indemnização civil, na proporção de 3/5 para o primeiro e 2/5 para os segundos- art. 446.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do art. 523.º do Código de Processo Penal.

*

- Quanto aos objectos apreendidos ao arguido, os mesmos foram usados na prática do crime em causa, ou estão com eles conexos, declarar os mesmos perdidos a favor do Estado - art. 109.º, n.º 1, do Código Penal.

No que concerne às munições (deflagradas e por deflagrar), as mesmas ficam à guarda da PSP, que promoverá o seu destino- art. 71.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro

No que concerne à camisa envergada pela vítima, notificar os assistentes para, querendo, procederem ao seu levantamento no prazo de 60 dias, passado o qual, a mesma será destruída.

*

7.  Inconformados com o acórdão, dele recorrem para o Tribunal da Relação de Coimbra,  o arguido, o MP e os assistentes e demandantes civis BB, CC e DD.

8. Por acórdão de 04.05.2016, o Tribunal da Relação de Coimbra,  decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido.

9.  Notificados deste acórdão veio o MP, tempestivamente, invocar a sua nulidade por  omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP,  com fundamento de que o mesmo  não se pronunciou sobre os recursos interpostos pelo MP e pelos assistentes (cfr. fls 2447).

10. Na sequência disso, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu, em 26.10.2016, novo acórdão no âmbito do qual, considerando verificada a denunciada nulidade,  declarou nulo o acórdão proferido em 04.05.2016 e  proferiu novo acórdão, decidindo:

«1. Em deferir a arguida nulidade por omissão de pronúncia;

2. Não conceder provimento ao recurso do arguido;

3. No provimento parcial do recurso do MP, em condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de:

- 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.°, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;

- e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal e não 5.°, al. a), como constava da pronúncia, na pena de 1 (um) ano de prisão.

- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

4 - Não conceder provimento ao recurso dos assistentes».

*

11. Inconformado com esta decisão, o arguido AA dela interpôs recurso para o STJ, terminando as motivações com as seguintes conclusões:

«
1.ª Vem o presente recurso interposto do (segundo) acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra que, negando provimento ao recurso interposto pelo Recorrente, manteve integralmente o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Colectivo da Instância Central – Secção Criminal – de ..., que, julgando totalmente procedente a pronúncia deduzida contra o Recorrente, condenou o mesmo na pena única de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão e que, ainda, julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos Assistentes e condenou o Arguido ao pagamento, a todos os demandados, da quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), correspondente ao dano morte e 10.000 € (dez mil euros) para cada um, correspondentes aos danos aos morais sofridos.

2.ª O acórdão condenatório recorrido e o acórdão condenatório que o precedeu foram proferidos na sequência de prévio acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 que, após proceder à fixação da matéria de facto (alterando a decisão inicialmente proferida em sede de primeira instância), ordenou (para salvaguarda do «duplo grau de jurisdição» aos sujeitos processuais) que «o tribunal de 1.ª instância, após reabertura da audiência e se necessário de produção complementar de prova, nos termos e para o efeito do disposto no art. 368.º, n.º 3 e no art.º 369º do CPP, profira nova sentença na qual conheça da qualificação jurídica da matéria ora fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada» e onde, o primeiro, encontra a fundamentação da sua decisão da matéria de facto.

3.ª Nesse contexto, tendo em consideração que «[a]s nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar» (ao abrigo do disposto no art.º 122.º, n.º 1 do CPP), o acórdão recorrido encontra-se contaminado pelos vícios que afectam o acórdão do TRC de 25.06.2014 que o precede e para o qual remete, nos termos a seguir melhor aduzidos.

4.ª Para que se compreenda a extensão do presente recurso e os fundamentos infra aduzidos, mister é notar que, em todo o caso, os autos apresentam, quanto à matéria sub judice, os seguintes arestos:
· Em 30/10/2013, foi proferido, em primeira instância, pelo Tribunal Colectivo competente, acórdão que decidiu «absolver o arguido AA da prática dos crimes de que vinha pronunciado bem como do pedido de indemnização civil contra si deduzido» - acórdão este adiante abreviadamente designado de ‘acórdão absolutório’;

· Em 25/06/2014, foi proferido, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão que revogou o acórdão indicado no ponto anterior e, concomitantemente, determinou a alteração dos «pontos 2, 3, 7 e 9 da matéria de facto provada (dando por não escrita na matéria não provada o que os contraria)», deu como provada a matéria do pedido cível inicialmente dada como não provada e, a final, ordenou a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 368.º, n.º 3 e 369.º do CPP. A decisão de reenvio é justificada, no mencionado acórdão do TRC, pela salvaguarda do «duplo grau de jurisdição» aos sujeitos processuais – acórdão este adiante abreviadamente indicado como ‘acórdão do TRC de 25.06.2014’;

· Em 03/07/2015, foi proferido, pelo Tribunal Colectivo da Instância Central de ... (Secção Criminal – ...), acórdão que julgou «totalmente procedente a pronúncia deduzida contra o arguido AA e, em consequência: a) [Condenou] o arguido, pela prática, em autoria material e concurso real, de: 1 (um) crime de homicídio qualificado (…), na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; e 1 (um) crime de detenção de arma proibida (…), na pena de 1 (um) ano de prisão. b)- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, [condenou] o arguido na pena única de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão»; e «parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos assistentes BB, CC e DD contra o arguido AA e, em consequência: a) [Condenou] o arguido e demandado no pagamento, a pagar a todos os demandantes da quantia de 50.000,00 € (cinquenta mil euros), correspondente ao dano morte e 10.000 € (dez mil euros) para cada um, correspondentes aos danos aos morais sofridos por si, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal de 4 % ao ano, desde a data da citação, até integral pagamento» – acórdão este adiante abreviadamente indicado como ‘acórdão condenatório’.

· A fundamentação do mencionado acórdão, no que à materialidade dada como provada diz respeito, sustenta-se no prévio aresto do TRC de 25.06.2014, para cuja fundamentação remete [nos exactos termos da decisão recorrida «Conforme decorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Junho de 2014 (fls. 1508 a 1573), os Factos Provados foram aí fixados, pelo que não tem o presente Tribunal Colectivo que fundamentar tais factos, pois tal fundamentação consta do douto acórdão»] e à qual não acrescenta qualquer materialidade;

· Em 26.10.2016 foi proferido, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, acórdão que, negando provimento ao recurso interposto pelo Recorrente (e, em bom rigor, revogando anterior Acórdão do TRC de 04.05.2016), manteve integralmente o acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Colectivo da Instância Central – Secção Criminal – de ... – adiante abreviadamente referido como ‘acórdão recorrido’ ou ‘acórdão do TRC de 26.10.2016’.

5.ª Acontece, porém, que a alteração da factualidade dada como provada que o acórdão do TRC recorrido aceitou (e que constituirá parte integrante da fundamentação apresentada em sede de acórdão recorrido), para além de (ela sim) consubstanciar erro notório na apreciação da prova (sindicável no âmbito do presente recurso), encontra-se eivada de nulidades cerceadoras dos direitos de defesa do Recorrente e inapelável postergamento do princípio da presunção de inocência (todos constitucionalmente garantidos).


6.ª Neste particular, o Tribunal Constitucional (TC de ora em diante), no âmbito do acórdão n.º 877/2014 (proferido nos presentes autos em sede de reclamação apresentada pelo Recorrente), considerou que a prolação de acórdão pelo TRC em 25.06.2014 não afasta a ulterior possibilidade de interposição de recurso «da decisão condenatória proferida pelo Tribunal de primeira instância», bem como a ulterior possibilidade de «apreciação da legalidade das provas de que o tribunal recorrido se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente no domínio normativo da valoração em julgamento de provas proibidas», nomeadamente em sede de recurso «para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal da Relação em sede de recurso da decisão condenatória proferida pelo Tribunal de primeira instância». Perante tais argumentos, o mesmo TC considerou «admissível, pelas aludidas razões, a interposição dessa modalidade de recurso» e, por conseguinte, não admitiu a interposição de recurso de constitucionalidade.


7.ª Antes de mais, reitera-se que o Arguido não praticou os factos pelos quais foi pronunciado e que, em sede de recurso, lhe foram imputados pelo TRC, assim como que a sua inocência ficou sobejamente demonstrada em audiência como bem se estatuiu em sede do acórdão absolutório inicial.


8.ª Isto dito, mister é notar que o presente processo foi instaurado no dia 11 de Agosto de 2012, data em que o art.º artº 400º, n.º 1, al. e), do CPP [na redacção que lhe conferiu a Lei n.º 48/2007] dispunha não ser «admissível recurso: (...) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade». Posteriormente, a Lei n.º 20/2013, de 21/02 (entrada em vigor em 23/03/2013) alterou o citado normativo legal, que passo a dispor não ser admissível recurso «e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos».


9.ª Nos termos resultantes da exposição introdutória, mister é notar que, posteriormente à entrada em vigor daquela Lei n.º 20/2013, foi proferido (em 30.10.2013) pelo Tribunal Colectivo de ... acórdão que absolveu o Arguido, ora recorrente. Posteriormente, tal decisão seria revogada pelo TRC (acórdão de 25.06.2014), na sequência do que o Tribunal Colectivo da Instância Central Criminal de ...condenaria o Arguido «em autoria material e concurso real, de: 1 (um) crime de homicídio qualificado (…), na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; e 1 (um) crime de detenção de arma proibida (…), na pena de 1 (um) ano de prisão. b)- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, [condenou] o arguido na pena única de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão».

10.ª Em todo o caso, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que nos termos do disposto no art.º 5º, n.º 2, al. a) do CPP «a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa».


11.ª Ora, é precisamente uma tal situação que ocorreria no vertente caso, na eventualidade de se entender afastar a possibilidade de recurso do Arguido quanto à condenação pelo crime de detenção de arma proibida. Com efeito, a aplicação imediata da nova redacção na norma em dissídio, representaria um agravamento sensível e ainda evitável do direito de defesa da arguida, uma vez que
· Pela aplicação da nova lei não lhe é permitido recorrer do acórdão, o que não sucedia na redacção normativa da Lei n.º 48/2007 (agravamento sensível);
· Aplicando-se a redacção anterior (Lei n.º 48/2007), a arguida pode recorrer daquela decisão, estando ainda em tempo para o fazer (agravamento inevitável).


12.ª Para além disso, mesmo que se compaginasse a possibilidade de considerar a Lei n.º 20/2013 como mera norma interpretativa, a verdade é que tal entendimento não poderá deixar de soçobrar, como, aliás, já sufragou o nosso Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 399/2014, de 07/05/2014, onde decidiu «julgar inconstitucional a interpretação normativa do art.º 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, segundo a qual, aquele artigo, com a redacção dada por esta lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redacção anterior – ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto – sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (art.ºs 29º, n.º 1, e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa)». O entendimento agora enunciado veio, posteriormente, a ser acolhido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 22 de Maio de 2014, publicado na CJ, Acs. STJ, Tomo II, 199.


13.ª Na eventualidade de, porventura, assim não se entender (ou seja, acaso se considere que, na parte referida, o acórdão da Relação de Coimbra não admite recurso, sufragando-se portanto o entendimento, acima mencionado, defendido no AFJ n.º 14/2013), fica aqui, ad cautelam, expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, e art.º 432º, n.º 1, al. c), ambos do CPP, e do art.º 13º, n.º 1 do Código Civil, segundo a qual aquele art.º 400º, n.º 1, al. e) do CPP, com a redacção conferida por aquela lei, constitui norma interpretativa do mesmo artigo com a redacção anterior – ou seja, a que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, atento o disposto no n.º 1, do art.º 13.º do Código Civil - “a lei interpretativa integra-se na lei interpretada” - tudo por violação do princípio da legalidade em matéria criminal (artigos 29º, n.º 1, e 32º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa).    


14.ª Para além disso, ainda que assim não se entendesse – não se admitindo o recurso ora interposto, na parte que condena o arguido na pena parcelar de 1 ano de prisão –, desde já se invoca aqui expressamente (também) a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, nº 1, alínea e), na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro e 432º, n.º 1, alínea c), ambos do CPP, segundo a qual não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que, revogando acórdão absolutório proferido pelo Tribunal do Júri, apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, tudo por violação do efectivo direito a recurso consignado no artigo 32.º, n.º 1, da CRP como uma das fundamentais garantias de defesa do arguido e do princípio de Estado de Direito democrático (art.ºs 2º e 3º da CRP), bem como dos seus subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança e do justo e equitativo procedimento.


15.ª Além disso, impõe-se notar que é no momento da constituição como arguido que este – arguido – adquire todos os direitos e é investido em todos os deveres que a lei prevê para o estatuto de arguido (cfr. art.º 61º, do CPP). Significa isto que nomeadamente, o direito ao recurso (cfr. art.º 61º, n.º 1, al. h) do CPP) é por ele adquirido no momento em que lhe é atribuído o estatuto processual de arguido. Ora, e esse direito ao recurso não nasce por, em concreto, no processo em curso, ter sido proferida uma determinada decisão e muito menos por, em concreto, se recorrer dela. Esse direito foi adquirido em momento anterior, e, tratando-se e sentença condenatória, nomeadamente em momento muito anterior, isto é, no momento em que teve lugar a constituição como arguido.


16.ª Deste modo, lançando mão do vertido no n.º 1 do art.º 9.º do Código Civil    que, por muito esforço interpretativo que o intérprete venha a empreender, não é possível afirmar-se que quando o legislador, no corpo daquele n.º 2, do art.º 5.º do CPP, menciona expressamente “processos iniciados anteriormente à sua vigência” possa daí inferir-se que o que o legislador pretendeu foi referir-se a certos actos ou situações, nomeadamente a decisões; ou que, relativamente a “processos iniciados anteriormente à sua vigência”, o legislador apenas tenha pretendido abranger os actos processuais aí praticados anteriormente à sua vigência, excluindo, portanto, nesses processos anteriores, e sempre, os actos – como por exemplo decisões – aí praticados posteriormente àquela vigência da nova lei. Estulto se torna dizer, portanto, que uma tal interpretação não tem o mínimo de correspondência com o sentido literal da norma, antes a deturpa, inovando mesmo, isto é, criando uma lei nova, de forma, evidentemente, ilegal.


17.ª Contudo, acaso assim não se entenda, e não se admitindo, na parte referida, o presente recurso, fica desde já expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa conjugada dos artigos 400º, n.º 1, al. e) na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21/02, 61º, n.º 1, al. h) e 5º, n.º 2, al. a), todos do CPP, segundo a qual o segmento do corpo do n.º 2, do art.º 5º do CPP “processos iniciados anteriormente” deve ser entendido como reportando-se a cada fase ou momento da sequência processual, motivo por que aquele art.º 400º, n.º 1, al. e), com a redacção dada por aquela Lei n.º 20/2013 – lei nova – será de aplicar se já vigorava quando teve lugar a notificação da decisão condenatória que, revogando a decisão absolutória da 1.ª instância, condenou o arguido a uma pena de prisão inferior a 5 anos, apesar de o respectivo processo se ter iniciado antes da entrada em vigor daquela lei nova. Tal interpretação normativa viola o princípio da legalidade em matéria criminal (art.ºs 29º, n.º1 e 32º, n.º 1 da CRP) e o princípio do Estado de Direito democrático (art.ºs 2º, 3º, n.º 3, 20º, n.ºs 1 e 4 e 205º da CRP) em que se incluem os subprincípios da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança, e do justo e equitativo procedimento.


Isto posto, mister é notar que

18.ª O acórdão recorrido confirmou o acórdão condenatório de 03.07.2015, aceitando como válido o reenvio do processo para a 1.ª instância ordenado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 25.06.2014. Este acórdão do TRC de 25.06.2014 ordenou, sem qualquer enunciação de materialidade a esclarecer, que «o tribunal de 1.ª instância, após reabertura da audiência e se necessário de produção complementar de prova, nos termos e para o efeito do disposto no art. 368.º, n.º 3 e no art.º 369º do CPP, profira nova sentença na qual conheça da qualificação jurídica da matéria ora fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada».


19.ª Quanto a tal matéria, o acórdão recorrido entendeu que tal «[r]eenvio [está] fundamentado na consequência típica dos vícios do art. 410.º do CPP – cfr. art. 426.º do CPP – pese embora suprido o vício, no caso, pela reapreciação da prova – objecto de recurso e da competência do tribunal da relação», sustentando – paradoxalmente – que «as consequências a extrair para além disso, deverão, dentro do espírito do preceito (426.º citado) equivaler ao dito reenvio» (sublinhado nosso). Ou seja e simplificando, o TRC, no acórdão recorrido, acolhe como válida a possibilidade de convocação dos art.ºs 410.º e 426.º do CPP em toda e qualquer situação em que o tribunal de recurso, alterando decisão sobre matéria de facto, revogue anterior sentença ou acórdão absolutórios. Permitir-se-ia, deste modo, “dentro do espírito do preceito (426.º citado)”, ao tribunal de recurso LIVREMENTE (de forma não vinculada e totalmente discricionária) escolher entre decidir ou reenviar, sem que se encontrasse na lei de processo (ou, sequer, tal fosse necessário) um critério objectivo que concretamente determinasse o reenvio. E o Tribunal a quo apresenta esta argumentação e não encontra qualquer garantia de defesa que inquinasse tal raciocínio. Inexistem dúvidas que uma tal concepção do processo penal, para além de inapelavelmente errada, colide frontalmente com o regime garantístico que a nossa lei de processo (em consonância com a nossa Constituição) estrutura.


20.ª Com efeito, uma vez que o tribunal de 1.ª instância que proferiu o acórdão condenatório em 03.07.2015 – convocado invalidamente pelo TRC – mais não fez do que completar o acórdão do TRC, oferecendo uma parte dispositiva ao texto deste acórdão, ou seja, decidiu o recurso interposto para o Tribunal da Relação [matéria inequivocamente da competência funcional do tribunal da relação nos termos do disposto no art.º 12.º, n.º 3, b) e 660.º, n.º 2 do CPP], o acórdão condenatório padece de nulidade nos termos do disposto nos art.ºs 12.º, n.º 3, al. b), 32.º, n.º 1 e 9 (a contrario), 119.º, al. e) (violação das regras que fixam a competência funcional dos tribunais) e 122.º do CPP.


21.ª Ora, o non liquet do TRC de 25.06.2014 e a posterior decisão da 1.ª instância (acórdão condenatório) violentaram as garantias de defesa do Recorrente (mormente o salvaguardado pelo n.º 9 do art.º 32.º da CRP), na medida em este viu o recurso da decisão absolutória inicialmente proferida ser decidido por tribunal cuja competência não havia sido reconhecida por lei prévia e, ademais, desrespeitada a norma que atribuía tal competência ao tribunal da relação (art.º 12.º, n.º 3, al. b) do CPP) – em virtude do que não poderia tal competência, em obediência e numa interpretação conforme ao previsto no art.º 32.º, n.º 9 do CRP, ser, de forma subjectiva e desprovida de prévia lei, rechaçada para a 1.ª instância, cujo poder jurisdicional se encontrava prévia e definitivamente esgotado.


22.ª Neste particular, nos termos esclarecidos de Paulo Pinto de Albuquerque ([2]), «só se procede ao reenvio quando for objectivamente “impossível” ao tribunal de recurso, com todos os elementos de que dispõe, decidir da causa. Dito de outro modo, o reenvio deve constituir a excepção e a sanação do vício do artigo 410.º, n.º 2, pelo tribunal de recurso a regra». Nos termos recentemente entendidos por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 22.04.2015 ([3]), «A função do tribunal de recurso perante o objecto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que convocou o tribunal ad quem a um juízo de mérito. Conhecendo de mérito, de facto e de direito, não pode o tribunal da Relação, perante as questões postas, e fixada a matéria de facto, deixar de proferir a decisão de direito integralmente correspondente aos factos. Fixada a questão de facto, o tribunal de recurso não se pode escusar-se a extrair as consequências jurídicas, na determinação e aplicação da lei, nomeadamente em caso de condenação, não pode omitir a determinação e aplicação. da espécie e medida da sanção que ao caso couber, (nem a definição e determinação da obrigação de indemnização, em caso de pedido de indemnização civil), e limitar-se  devolver ao tribunal a quo a decisão sobre a mesma».

23.ª Daqui decorre, no sentido decidido no aresto citado, que o «acórdão [do TRC] é nulo nos termos do nº 2 do artº 379º do CPP porque omitiu pronúncia sobre questão que legalmente é obrigado a decidir. Na verdade, a omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas: as questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual».


24.ª Deste modo, o acórdão do TRC de 25.06.2014 é claramente nulo, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 379.º do CPP, por omissão de pronúncia – que, ao abrigo do previsto no art.º 122.º do CPP, contamina necessariamente e torna nulo o acórdão recorrido (bem como o acórdão condenatório que o precede) –, uma vez que «Fixada a questão de facto, o tribunal de recurso não se pode escusar-se a extrair as consequências jurídicas, na determinação e aplicação da lei, nomeadamente em caso de condenação, não pode omitir a determinação e aplicação da espécie e medida da sanção que ao caso couber, (nem a definição e determinação da obrigação de indemnização, em caso de pedido de indemnização civil), e limitar-se a devolver ao tribunal a quo a decisão sobre a mesma» [cf. ac. do STJ de 22.04.2015] ([4]).

25.ª Nos termos do disposto no art.º 613.º do CPC, constitui princípio elementar e básico de todo o nosso direito adjectivo o de que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa – n.º 1 do art. 613.º do CPC, aqui aplicável ex vi art. 4.º do CPP. Possibilita a lei, porém, a correcção oficiosa ou a requerimento da sentença, para correcta observância dos seus requisitos, desde que a correcção não incida sobre qualquer das omissões ou falhas integrantes de nulidade, com previsão no art. 379.º, bem como para rectificação de qualquer erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial – art. 380.º. Daqui decorre estar vedado ao juiz alterar o decidido, suprir as nulidades da sentença (a menos que a decisão não admita recurso), bem como proceder a qualquer correcção que importe modificação essencial.


26.ª Por tal razão, uma vez proferido o primeiro acórdão absolutório pela 1.ª instância (no âmbito das competências que lhe atribuíam os art.ºs 14.º e 19.º do CPP), o poder jurisdicional dessa 1.ª instância esgotou-se por força do previsto no art.º 613.º do CPC (aplicável ex vi art.º 4.º do CPP), não lhe competindo mais – e à excepção das possibilidades previstas no art.º 426.º do CPC [apenas aplicável em caso de insuficiência da documentação da prova junta aos autos (e da impossibilidade de renovação da mesma na instância de recurso) para efeitos de saneamento de vício previsto no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, o que não é o caso] – tomar decisão no âmbito dos presentes autos.


27.ª Com efeito, uma vez que o Tribunal Colectivo de Leiria (que profere acórdão condenatório em 03.07.2015) – convocado invalidamente pelo TRC – mais não fez do que completar o acórdão do TRC, oferecendo uma parte dispositiva ao texto deste acórdão, ou seja, decidiu o recurso interposto para o Tribunal da Relação [matéria inequivocamente da competência funcional do tribunal da relação nos termos do disposto no art.º 12.º, n.º 3, b) e 660.º, n.º 2 do CPP], o acórdão condenatório de 03.07.2015 padece de nulidade nos termos do disposto nos art.ºs 12.º, n.º 3, al. b), 32.º, n.º 1 e 9 (a contrario), 119.º, al. e) (violação das regras que fixam a competência funcional dos tribunais) e 122.º do CPP.


28.ª Com efeito, o non liquet do TRC (no seu acórdão de 25.06.2014) e a posterior decisão da 1.ª instância (acórdão condenatório de 03.07.2015) – que o acórdão recorrido confirma – violentaram as garantias de defesa do Recorrente (mormente o salvaguardado pelo n.º 9 do art.º 32.º da CRP), na medida em este viu o recurso da decisão absolutória inicialmente ser decidido por tribunal cuja competência não havia sido reconhecida por lei prévia e, ademais, desrespeitada a norma que atribuía tal competência ao tribunal da relação (art.º 12.º, n.º 3, al. b) do CPP) – em virtude do que não poderia tal competência, em obediência e numa interpretação conforme ao previsto no art.º 32.º, n.º 9 do CRP, ser, de forma subjectiva e desprovida de prévia lei, rechaçada para a 1.ª instância, cujo poder jurisdicional se encontrava prévia e definitivamente esgotado.


29.ª É, pois, de reafirmar nesta sede que qualquer distinta interpretação colidiria com os legítimos direitos de defesa do Arguido, revelando-se inconstitucional por violação do disposto no n.º 9 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante igualmente identificada por CRP). Neste conspecto, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ([5]) esclarecem que «[a] escolha do tribunal competente deve resultar de critérios objectivos predeterminados e não de critérios subjectivos. (…) Juiz legal é não apenas o juiz da sentença em primeira instância, mas todos os juízes chamados a participar numa decisão (princípio dos juízes legais)».


30.ª Em todo o caso, sem prescindir, a verdade é que tendo o TRC omitido, no seu acórdão de 25.06.2014, a menção a concretas questões de facto a decidir no novo julgamento [reenvio parcial ([6])], não poderia o tribunal de 1.ª instância ter tomado decisão sem qualquer produção de prova, uma vez que o reenvio realizado (caso fosse válido – o que apenas se considera como hipótese académica) não pode deixar de ser entendimento como reenvio total, em face do que se impunha novamente a realização de toda a prova indicada em sede de despacho de pronúncia.


31.ª Ademais, nos termos que impõe o art.º 328.º-A do CPP (e excluído que se encontra o reenvio parcial), os Exmos. Senhores Juízes que compunham o colectivo do Tribunal de ... apenas se encontrariam legalmente habilitados a tomar posição sobre a matéria dos autos (e, nessa medida, decidir) caso conhecessem, de forma plena, a prova produzida, ou seja, caso tivessem «assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento». O que, em contravenção com o vertido art.º 328.º-A do CPP, não aconteceu.


32.ª Pela mesma razão e para além disso, art.º 328.º, n.º 6 do CPP estabelece que a interrupção e o adiamento da audiência de discussão e julgamento por período superior a 30 dias implicam a perda da eficácia da produção de prova já realizada [este prazo «vale para toda a audiência de julgamento, desde a sua abertura até à leitura da sentença» ([7])], norma cuja aplicação é apenas afastada, como decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão datado de 29.01.2004, «baixa do processo [tem como objectivo a elaboração de] novo acórdão pelos mesmos juízes» ([8]).


33.ª No caso vertente, realizado reenvio para novo julgamento por distintos juízes dos que constituíam o colectivo que subscreveu o acórdão absolutório inicial (sem que se identificasse tal reenvio como parcial), foi reaberta a audiência de discussão e julgamento e realizada produção de prova, previamente à prolação do acórdão recorrido.


34.ª Neste particular, considerando que os Exmos. Senhor Juízes subscritores do acórdão condenatório de 03.07.2015 não tiveram qualquer participação nas sessões realizadas no ano de 2013, a prova produzidas nas mesmas, realizada há bem mais de 30 dias, perdeu toda e qualquer eficácia, não podendo suportar a condenação que resulta do acórdão recorrido, impondo-se, à luz do art.ºs 328.º, n.º 6 e 328.º-A do CPP, a repetição da prova cuja eficácia se perdeu. A repetição da prova constitui, aliás, dever do tribunal por consubstanciar diligência essencial para a descoberta da verdade legalmente obrigatória. Não tendo o tribunal a quo realizado tal diligência, verifica-se enferma o acórdão recorrido da nulidade prevista do artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP.


35.ª O acórdão recorrido foi proferido na sequência de recurso interposto do acórdão condenatório de 03.07.2015, que se limitou a completar anterior acórdão do TRC de 25.06.2014 que, alterando a decisão da matéria de facto, revogou – sem concretizar qualquer parte dispositiva – o acórdão absolutório (de 30.10.2016) inicialmente proferido; pelo que do acórdão do TRC ora recorrido é admissível recurso para este Venerando Supremo Tribunal de Justiça (nos termos que resultam do art.º 400.º “a contrario” e tendo sempre em atenção o que supra se disse relativamente à pena parcelar de 1 ano de prisão) e do art.º 432.º, n.º 1, als. b) e c), ambos do CPP.


36.ª Neste particular, o art.º 434.º do CPP determina que «sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito». Ora, constitui jurisprudência uniforme deste STJ a de que o recurso da matéria de facto, ainda que limitado aos vícios previsto nas als. a) a c) do n.º 2 do art.º 410º do CPP, tem que ser dirigido ao Tribunal da Relação e que da decisão desta instância, quanto a tal vertente, não é admissível recurso para o STJ, enquanto tribunal de revista. É também jurisprudência uniforme deste STJ a de que apenas oficiosamente este Tribunal conhecerá daqueles vícios do art.º 410º, n.º 2, apenas se ressalvando, em tal jurisprudência, o caso da al. a) do n.º 1 do art.º 432º do CPP – decisões das relações proferidas em 1.ª instância.


37.ª Todavia, salvo o devido respeito, a situação sub judice não se enquadra no universo de situações que tal jurisprudência visou sindicar, uma vez que no caso vertente, no acórdão da Relação de 25.06.2014 foi, pela primeira vez, vertida matéria de facto provada e foram feitas considerações factuais na fundamentação, uma e outras novas, no sentido de que não constavam do acórdão absolutório da 1.ª instância, e, por isso, podem conter como contêm, alguns dos vícios previstos no art.º 410.º que, mesmo na respectiva resposta ao recurso do MP, o Arguido não podia ter previsto. Desse acórdão, por ter ocorrido omissão de pronúncia, não foi possível ao Arguido interpor imediatamente recurso, por não se ter conhecido, a final, do objecto do processo.


38.ª Cumpre, desde modo, notar que da al. b), do n.º 1, do art. 432º do CPP não foi feito constar pelo legislador de 2007 (Lei n.º 48/2007, de 29/08) o mesmo segmento “visando exclusivamente o reexame da matéria de direito” que fez incluir na alínea imediatamente seguinte, a al. c), pelo que a sustentação de que o STJ oficiosamente saberá suprir essa eventualidade se ela se concretizar, não cumpre nem respeita os direitos de defesa do arguido, pois poderá o tribunal ad quem nem sequer se aperceber de tais vícios.


39.ª Em conformidade com tal entendimento (ainda que normalmente invocado em sentido contrário – o que constitui uma subversão do teor da decisão), este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão n.º n.º 7/95, de 19 de Outubro (DR. de 28/12/1995) que fixou jurisprudência no sentido de que «é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito». Este aresto sustenta que os vícios do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, para além de poderem ser invocados pelo recorrente como fundamento do respectivo recurso, poderão ainda, mesmo que o recorrente os não invoque, ser do conhecimento oficioso do Tribunal de recurso e que apesar de “os poderes de cognição do tribunal de recurso” se encontrarem “limitados pelas conclusões” do recurso, o Tribunal “ad quem” sempre poderá conhecer oficiosamente daqueles vícios que o recorrente ali não tenha porventura invocado.


40.ª A não se entender assim, não se admitindo o presente recurso na parte em que se invocam os vícios previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 410º do CPP, deixa-se aqui expressamente invocada a inconstitucionalidade da interpretação normativa da conjugação dos art.ºs 400º “a contrario”, 410º, n.ºs 2 e 3, 432º, n.º 1, al. b) e 434º do CPP, na redacção actual, segundo a qual o recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido pela Relação que confirmou o acórdão condenatório do Tribunal Colectivo (que apenas completou anterior acórdão da TRC que alterando a matéria de facto, revogou o acórdão absolutório inicial) apenas pode ter fundamento o reexame de matéria de direito, estando-lhe vedado invocar os vícios previstos no n.ºs 2 e 3 do art.º 410º do CPP; tudo por violação de fundamentais garantias de defesa, nomeadamente o efectivo direito a recurso ao menos uma única vez (art.º 32.º, n.º 1 da CRP), e por violação do princípio do Estado de Direito democrático (arts.º 2º e 3º da CRP), da tutela jurisdicional efectiva (art.º 20º, n.º 1 da CRP), do procedimento justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4 da CRP) e dos princípios da segurança e da confiança jurídicas.


41.ª De qualquer modo, os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do CPP que infra vão invocados deverão, pelo menos, ser apreciados e, sendo caso disso, declarados oficiosamente por este STJ. Como se diz no CPP comentado de António Henriques Gaspar e outros, edição de 2014, em anotação ao art.º 410.º, na nota 3, do comentário do Exm.º Sr. Conselheiro Pereira Madeira, pag. 1357, «A circunstância de a detecção dos vícios ser de conhecimento oficioso não prejudica a possibilidade de os recorrentes tomarem a iniciativa e suscitarem esse conhecimento na fundamentação do recurso que interponham. Conhecimento oficioso não é óbice à iniciativa processual dos interessados, ou seja, mesmo que o conhecimento da questão seja suscitado pelos interessados, o tribunal de recurso não deixa de proceder ex officio ao seu conhecimento, como sucede, aliás, sempre que em causa o conhecimento de direito (iura novit curia), independentemente da posição concordante ou discordante daqueles sobre a matéria».


42.ª Neste particular, lançando – mais uma vez – mão da jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 24/01/2007 (Proc. n.º 3167/06 – 3ª Secção), “Se a fixação dos factos não é susceptível de constituir objecto de recurso para o STJ, enquanto Tribunal de revista votado em exclusivo ao reexame da matéria de direito (cfr. Arts.º 432º, n.º 2 al. d), e 434º, do CPP, e 722º, n.º 2 do CPC), já a pretensa violação das regras sobre a prova pode ser sindicada nesse recurso. Entre essas regras encontram-se as regras da experiência comum e o princípio do in dubio pro reo. Ponto é que a própria decisão, designadamente a sua fundamentação, indicie, sem necessidade de outras averiguações probatórias, terem-se as instâncias desviado das primeiras ou terem preterido o segundo.” (sublinhado nosso).


43.ª No mesmo contexto, constitui jurisprudência pacífica deste STJ, a propósito do princípio do in dubio pro reo, aquela segundo a qual «[o] princípio in dubio pro reo, maioritariamente, é entendido como pertinente à matéria de facto, pertencendo a fixação definitiva daquela à Relação, nos termos do art.º 428.º do CPP, a quem compete declará-lo sempre que resulte que o tribunal recorrido chegou a uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos e não a decretou, em desfavor do arguido. II – Em paralelo se entende que o STJ pode sindicar a aplicação do princípio, no âmbito da sua competência de tribunal de revista (art.º 434º do CPP), enquanto questão de apreciação necessária sobre a observância ou desrespeito desse princípio geral de processo penal, ligado a uma concreta decisão de direito, quando naquele contexto de dúvida, esta não é declarada, em desfavor do arguido, ou ressalte

44.ª evidente do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja quando é visível que a dúvida só não é reconhecida em virtude de um erro notório na apreciação da prova, nos termos do art.º 410º, n.º 2, al. c), do CPP» (negrito nosso – acórdão deste STJ, no Proc. n.º 4006/05 – 3ª Secção, de 25/01/2006).


45.ª O TRC, no seu acórdão de 25.06.2014, concedendo provimento ao recurso do MP e dos assistentes, entendeu alterar os pontos 2, 3, 7 e 9 da matéria de facto. A materialidade constante do ponto n.º 7 constitui o âmago do dissídio existente nos autos e é a ela que se refere, no essencial, o acórdão do TRC que revogou o acórdão absolutório inicial. Por essa razão, a materialidade aludida nos demais pontos impugnados, porque indissociável do referido ponto 7, não pode analisar-se autonomamente, pois da contestação do mencionado ponto 7 decorre a informação dos demais.


46.ª Neste particular, impõe-se notar que o art.º 349.º do Código Civil estabelece que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido». Como ensina Baptista Machado (in Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, 9.ª ed., reimp, Coimbra, 1996, pp. 102 e 103), presunção é «a prova por indução ou inferência (prova conjectural) a partir dum facto provado por outra forma». «Chama-se presunção a própria inferência; ou ainda (menos propriamente), o facto que lhe serve de base – facto que mais rigorosamente se designará por base da presunção (Vermutungsbasis)». As presunções «resultam da experiência (das máximas de experiência), do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos (regra da vida: quod plerumque accidit), sendo livremente apreciadas pelo juiz».


47.ª Ora, «A presunção – prova crítica por excelência – define-se como argumentação lógica, desenvolvida pela lei ou pelo juiz, por meio da qual é possível induzir a existência ou o modo de ser de um facto ignorado a partir da ciência sobre um facto conhecido». «O juiz pode decidir com base em presunções simples, que constituem conjecturas, apenas quando for admissível prova testemunhal e quando tenham fundamento em factos que ofereçam elementos sérios, precisos e concordantes», «deixados à prudência do juiz». Observa-se por fim que as presunções simples «não se contam, pesam-se, isto é, o seu significado lógico não depende do número, mas do valor crítico que possa ser atribuído ao conjunto de factos em que se fundam (quae singula non probant coniuncta probant)» (cf. Alberto Trabucchi, Instituzioni di diritto civile, 41.a ed., 2004, p. 212 – apud Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 5/2005, de 13/04/2005, publicado na I Série do DR de 07/06/2005, pp. 3637 e ss. – sublinhado nosso).


48.ª Neste particular, nos termos do ensinamento de Vaz Serra (“Direito Probatório Material - BMJ 112/190), citado no Ac. do STJ de 17/03/04 [Processo n° 265/03, publicado www.dgsi.pt/jstj], impõe-se notar que “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência”. Mas “a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável. Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiencia, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada por impressões” [cfr. Ac. do STJ de 17/03/04 (Processo n° 265/03), publicado www.dgsi.pt/jstj - sublinhado nosso].


49.ª Nesse conspecto, no sentido clarificado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (acórdão de 09/09/2013, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Fernando Monterroso, processo n.º 4/09/.8 JABRG.G1) “No caso de existir um só indício, apenas poderá haver lugar à condenação se se tratar de um «indício necessário», que exclua de forma inelutável outras hipóteses, para além da do arguido ter praticado os factos”.


50.ª No caso vertente, o TRC, no seu acórdão de 25.06.2014, lançando mão de (insuficiente, diga-se desde já) raciocínio probatório indiciário, olvida que, para que tal percurso fosse lógico e processualmente válida, no processo de demonstração indirecta da factualidade, não poderia apresentar “espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiencia”, ou seja, no caso de, perante a prova produzida, se excluir “de forma inelutável outras hipóteses, para além da do arguido ter praticado os factos”.


51.ª Ora, foi justamente isto que não aconteceu no vertente caso pois, para além de não se ter realizado uma demonstração exigente e segura do processo lógico-indutivo (inicialmente pretendido pelo MP e posteriormente recebido pelo TRC no dito acórdão de 25.06.2014), da prova produzida resulta claramente que a factualidade dada como provada se não verificou, não merecendo qualquer censura a decisão ínsita no Douto Acórdão absolutório inicialmente proferido Na verdade, a motivação da decisão da matéria de facto apresentada em sede de acórdão do TRC, que o acórdão recorrido reproduz, avança com um conjunto de afirmações distantes da realidade dos factos, acabando por atropelar a prova produzida e – indo além do pretendido pelo MP e pelos Assistentes – retirar conclusões descabidas de sentido (e de sustentação material).


52.ª Isto dito, ainda que sinteticamente, mister é notar que, ao contrário do sufragado em sede do acórdão do TRC de 25.06.2014, o acórdão absolutório inicialmente não padecia de qualquer vício que permitisse a sua alteração nos termos do disposto no art.º 410.º, n.º 2, al. b) do CPP.


53.ª Com efeito, o acórdão absolutório inicialmente proferido não padecia de qualquer contradição intrínseca, nem desvalorizou totalmente o depoimento da testemunha FF. O que a 1.ª instância, em tal acórdão absolutório, fez, não foi mais do que proceder ao exame crítico dessa – e de todas as outras provas – à luz do que determina o art.º 127.º do CPP, de forma coerente, razoável e fundamentada (como, a seguir, se verá). Não existia, pois, motivo ou fundamento para que se alterasse a decisão da matéria de facto inicialmente proferida com recurso ao art.º 410.º do CPP. Com efeito, «Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art.º 127.º do CPP, ou seja, assenta (fora das excepções relativas a prova legal), na livre convicção do julgador e nas regras de experiência. Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir» (cf. Ac. do STJ de 07.04.2011, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Pires da Graça, processo n.º 450/09.7JAAVR.S1).


54.ª Destarte, o acórdão recorrido e o acórdão do TRC violaram os art.ºs 127.º e 410.º do CPP, uma vez que o acórdão absolutório inicialmente proferido não padecia de qualquer vício e representava um exame crítico fiel da prova produzida. Pelo exposto, a alteração da decisão da matéria de facto inicialmente realizada em sede de acórdão do TRC e o acórdão condenatório recorrido, violaram o disposto nos art.º 127.º e 410.º do CPP, porquanto alteraram decisão que não padecia de qualquer vício.


55.ª Pelo exposto, violando o dever de devida fundamentação – que, por si só, acarreta nulidade (nos termos acima já desenvolvidos) –, a decisão de que ora se recorre, ao aceitar como válida a alteração da matéria de facto constante do acórdão absolutório inicial, para além de nula, violou os art.ºs 127.º do CPP, numa interpretação conforme ao art.º 32.º, n.º 1 e 2 da CRP, inexistindo qualquer fundamento que lhe permitisse fazê-lo à luz do vertido no art.º 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP.

56.ª Para além disso, o TRC, no seu acórdão de 25.06.2014 (que o acórdão condenatório aceita como fundamento e que o acórdão recorrido confirma), viola o vertido no art.º 163.º do CPP, que determina que o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial se presume subtraído à livre apreciação do julgador. Nas avisadas palavras de Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, vol. I, págs. 209 e 210): «quanto, porém, ao juízo científico, a apreciação há-de ser científica também e estará, por conseguinte, subtraída em princípio à competência do tribunal – salvo casos inequívocos de erro, mas nos quais o juiz terá então de motivar a sua divergência». Neste conspecto, como – com todo o acerto – adverte o Exm.º Senhor Conselheiro Santos Cabral (in Código Processo Penal, edição 2014, comentado pelos Senhores Conselheiros António Henriques Gaspar e outros), em anotação ao citado art.º 163º, «[p]orém, qualquer divergência relevante não se basta com uma apreciação genérica e pouco consistente, sob pena de se incorrer numa inadmissível valoração subjectiva ou na falta de fundamentação».


57.ª A versão dos factos que o acórdão recorrido aceita (na senda do promovido pela acusação) está inapelavelmente infirmada tanto pelo teor do relatório de autópsia (mormente quanto aos orifícios de entrada, como no que diz respeito ao trajecto dos projécteis), como ainda pelo relatório incluso a fls. 385 e 386 (que revelou a inexistência de resíduos de disparos com armas nas mãos, cara, cabelos e roupa do Recorrido)


58.ª Quanto ao teor do relatório de autópsia, mister é notar que a tese da acusação sustentava – de forma insustentável (como adiante se verá) – que o indivíduo que a testemunha GG tinha visto não podia deixar de ser o atirador. Note-se que esta testemunha aduziu ter visto duas pessoas, uma atrás da outra, quando, quem seguia na frente, caiu inanimado no solo. No que diz respeito ao conteúdo do relatório de autópsia (fls. 358 a 364), a verdade é que este não permite aferir a distância a que os disparos foram feitos, encontrando-se – atentos os esclarecimentos prestados em sede de audiência de discussão e julgamento pelo seu autor – apenas afastada a hipótese de os tiros terem sido disparados à queima-roupa ou com arma encostada. Ademais, em face do conteúdo do dito relatório – e na ausência de estudo realizado nos autos nesse sentido –, não é possível determinar essa concreta distância ou sequer eliminar a possibilidade de se tratar de tiros de longa distância (a mais de 20 metros) muito embora seja mais provável que os mesmos, atentas as suas características tenham sido disparados a média distância (de 8 a 12 metros) – sendo a curta distância até 8 m, excluindo o tiro encostado ou à queima-roupa. Tendo tal presente, tendo em consideração o contexto situacional relatado pelas testemunhas, mormente a já citada GG, não está razoavelmente excluída a possibilidade de o tiro ter sido disparado por alguém dissimulado na vegetação e muros circundantes (recorde-se que na tese da acusação, os tiros teriam sido disparados por alguém que perseguia o arguido e se encontrava nas costas do mesmo).


59.ª Para além disso, atento o conteúdo do relatório de autópsia, demonstrou-se que “Como consequência directa e necessária dos disparos efectuados resultaram lesões em EE, nomeadamente: No abdómen – paredes: orifício de entrada de projéctil de arma de fogo, na região da fossa ilíaca direita; – peritoneu e cavidade peritoneal: orifício de entrada na parede peritoneal (FIO), com trajecto do projéctil, de frente para trás, da direita para a esquerda atravessando a cavidade abdominal e incrustando-se o projéctil no tecido subcutâneo do quadrante supero-esterno da esquerda; Membro superior direito: orifício de entrada de projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face posterior do antebraço direito, à direita da linha média; e orifício de saída na região tabaqueira da mão direita, cujo trajecto do projéctil é de cima para baixo e da direita para a esquerda, ambos os orifícios (quer o de entrada quer o de saída) mediam cerca de um centímetro de diâmetro” (vide ponto 12. dos factos provados, aceite pelos Recorrentes).


60.ª Deste relato resulta insofismavelmente afastada a tese da acusação, pois, por um lado, o orifício de entrada dos projécteis não é compatível com disparos realizados nas costas da vítima. Por outro lado, mesmo na hipótese falsa avançada pela acusação (que, recorde-se, colocava o arguido nas costas da vítima), o trajecto dos projécteis (da esquerda para a direita) afasta o Recorrido do universo de possíveis atiradores, pois um tal disparo apenas se coadunaria com um atirador esquerdino, o que não é o caso do Recorrido que, conforme se demonstrou, é destro.


61.ª No que diz respeito ao percurso da bala que se alojou no antebraço, o acórdão recorrido e o acórdão do TRC que o precede (e cuja motivação é, pelo primeiro, acolhida), em sede de motivação distorcem a realidade dos factos e obliteram o que resulta do relatório de autópsia, ao aduzir que «o falado percurso de “trás para a frente” é precisamente o percurso da bala que atingiu EE no braço direito» é, salvo o devido respeito, negar a natureza das coisas e olvidar as conclusões que resultam do relatório de autópsia.


62.ª Em primeiro lugar, impõe-se esclarecer que a face posterior do antebraço direito corresponde à face do antebraço que se encontra do lado das costas das mãos e das unhas. Por sua vez, a face anterior é a que está do lado da palma da mão. Necessário será, neste particular, dizer que o ser humano, quando caminha, mantém – de forma natural – os braços ao lado do corpo, mantendo as palmas das mãos viradas para dentro ou, quando muito, para trás. Nesse movimento, quando muito, o ser humano faz uma ligeira flexão do braço, caso em que, as costas das mãos, ainda assim, se mantêm viradas para a frente. Portanto, quando o ser humano caminha, a face posterior do antebraço fica virada para a frente, sendo que é a face anterior do braço que se mantém virada para trás. Veja-se, neste particular e a mero título exemplificativo, o esquema infográfico explicativo presente no seguinte sítio na internet: http://saude.ig.com.br/bemestar/como+o+corpo+enfrenta+a+corrida/n1596822408032.html.


63.ª Em face disto, cumpre questionar se um tiro cujo trajecto do projéctil é de cima para baixo e da direita para a esquerda, com orifício de entrada de projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face posterior do antebraço direito, à direita da linha média; e orifício de saída na região tabaqueira da mão direita, é compatível com o «pressuposto de que a vítima foi atingida pela pessoa que seguia a trás de si quando tombou»?


64.ª Perante isto, impõe-se notar que na motivação constante do acórdão do TRC de 25.06.2014, com recurso ao absurdo e ao irracional – e contrariando as regras da lógica e da experiência humana –, se admitiu a hipótese de EE se deslocar com as palmas das mãos viradas para a frente e para cima, ao contrário do que é natural do ser humano. Admite, assim, o Tribunal recorrido como possível que EE tenha sido atingindo na zona do abdómen (note-se, por projéctil cujo trajecto é de cima para baixo e da direita para a esquerda) e no antebraço, quando caminhava, por alguém que se encontrava nas suas costas, a alguns metros de distância.


65.ª É certo que o Tribunal a quo, ao fundamentar a resposta ao ponto 7. dos factos provados, apenas coloca a dúvida, admite que a hipótese não será impossível (“Não sendo, pois, o percurso das balas incompatível com disparo de alguém que fosse atrás da vítima – que, embora atrás, podia ir ligeiramente sobre a esquerda ou sobre a direito”), e não afasta a possibilidade de o que refere não ser verdade. Todavia, ainda que assim fosse - e que manifestamente não é, pois, o orifício de entrada dos projécteis não é compatível com disparos realizados nas costas da vítima e o trajecto dos projécteis (da esquerda para a direita) afastam o Recorrente do universo de possíveis atiradores (pois um tal disparo apenas se coadunaria com um atirador esquerdino, o que não é o caso do Recorrido que, conforme se demonstrou, é destro) – a verdade é que o Tribunal a quo não poderia, infundadamente e contra as regras da lógica, escolher a hipótese que mais favorecia a tese da acusação (que, como se viu, é de verificação impossível).

66.ª Para além disso, cumpre atentar que, nos termos constantes de fls. 385 e 386, foi realizado nos presentes autos exame para “pesquisa de partículas características e consistentes com resíduos de disparos de armas de fogo por microscopia electrónica de varrimento com microanálise por raios-X (MEV(EDX): partículas globulares, com dimensões da ordem do micrómetro, classificadas de acordo com a sua composição elementar”. Foram objecto de exame “Três kits de recolha de resíduos de disparo de armas de fogo referenciados como tendo sido recolhidos em AA nas mãos, face, cabelo, braços e vestuário (acondicionados num envelope que exibia a referência, entre outras: NUIPC 559/12.0JABR)”.


67.ª Realce-se que o exame em apreço foi realizado em amostras recolhidas não apenas na roupa que o Recorrido trajava (e que foi apreendida pelo OPC), mas igualmente nas mãos, face, cabelo, braços. Ou seja, a recolha de amostra foi ampla, diversificada e incluiu todos os locais onde, em caso de disparos, se alojariam, com toda a certeza, resíduo de disparo com arma de fogo. Ora, realizado tal exame, o resultado do mesmo foi o seguinte: “A análise das amostras recebidas para exame não revelou resultados significativos quanto à presença de partículas características/consistentes com resíduos de disparos”.


68.ª O TRC, no acórdão de 25.06.2014 (que o acórdão recorrido reafirma), tenta obliterar esta prova pericial sob a alegação segundo a qual o arguido teve tempo para «mudar de roupa (depoimento de GG) e lavar qualquer vestígio que pudesse comprometê-lo», aniquilando os esclarecimentos prestados pelo perito da Polícia Judiciária em audiência de discussão (nomeadamente quando à extrema dificuldade de lavagem e apagamento dos resíduos de pólvora que se alojam no rosto, mãos e, principalmente, cabelos de quem dispara).


69.ª Antes de mais, impor-se-ia, para que tal conclusão fosse válida que tivesse sido alegado e demonstrado, pela acusação, que o Arguido tinha mudado de roupa e tomado banho – o que manifestamente não ocorreu. Não pode, por conseguinte, o Tribunal a quo retirar uma conclusão que não tem sustentação na materialidade alegada e demonstrada em julgamento [recuperando, neste particular, o entendimento sufragado por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 17.03.2016 (processo 849/12.1JACBR.C1.S1)].


70.ª Nessa medida, é nulo o aresto de 25.06.2014 (que o acórdão recorrido) por sustentar o afastamento do resultado de prova pericial em factualidade que não foi previamente objectivada no processo.


71.ª Para além disso, o perito subscritor deste relatório pericial João Freire Fonseca – relativamente à qual o Tribunal a quo se não pronunciou, não obstante ter sido devidamente alegado pelo Recorrente –, ouvido no dia 18 de Outubro de 2013 (gravado no SISTEMA HABILUS MEDIA STUDIO de 18-10-2013 13:37:21 a 18-10-2013 12:43:29), confirmou a validade da perícia realizada, pelo que se demonstrou, à saciedade, sem margem para qualquer tipo de dúvida que, no dia aludido na pronúncia, o Recorrido, AA não disparou armas de fogo – motivo pelo qual soçobrou inapelavelmente a tese que a acusação pretendia apresentar em sede de julgamento.


72.ª Assim e quanto a esta questão (autópsia e resíduos) verifica-se:
· Nulidade do Acórdão recorrido nos termos do artº 379º, nº1, al. c), “ex vi” artº 425º, nº 4 do CPP, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado (nomeadamente por não fundamentar devidamente o afastamento do valor probatório de prova pericial);
· Violação das regras sobre o valor da “prova vinculada” e seus pressupostos factuais, com clara violação do disposto no art.º 163.º, do CPP, e consequente
· Erro notório na apreciação da prova, a conhecer, pelo menos, oficiosamente, por este STJ, na medida em que o Tribunal recorrido errou notoriamente ao aceitar como validamente provados os factos relativos a estas questões, nomeadamente o aludido ponto 7.º (e, concomitantemtne, os pontos 2, 3, e 9 da matéria de facto), o que, pelo menos, é do conhecimento oficioso deste STJ.


73.ª Para além disso, do depoimento das testemunhas HH, II, JJ e LL não se retira a conclusão segundo a qual o autor dos disparos foi o Arguido (por ser o único com motivo e oportunidade), antes devendo retirar-se a demonstração da realidade contrária, nomeadamente que vários eram os conflitos do falecido com muitas outras pessoas da localidade, algumas das quais se encontravam nas imediações do local referido com o dos factos em dissídio.


74.ª Recorde-se que, além do depoimento da testemunha FF, é aludido em sede de acórdão do TRC que a «pessoa vista pela testemunha atrás da vítima, idosa, coxeando, mas baixa e entroncada que a vítima, foi a única pessoa referenciada ao longo do processo e na discussão da causa, que podia ter efectuado os dois disparos naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em relação ao qual surgiu um móbil adequado», «[a]lém de morar na única casa para onde foi vista afastar-se foi visto no local antes e depois de a vítima ter sido atingida mortalmente». Conclui, assim, o acórdão do TRC que o único que tinha a oportunidade seria o Arguido, uma vez que «além da proximidade da casa para onde o agente foi visto no local antes (testemunhas já referidas, mostrando-se indignado com a poeira) e depois (depoimento do tractorista) dos disparos».


75.ª Todavia, tais conclusões reflectem uma visão distorcida da realidade, que se vê contrariada pela prova produzida, uma vez que do depoimento da testemunha HH, inquirida na sessão do dia 20/09/2013 (gravado no sistema Habilus Media Studio de 20-09-2013 15:05:54 a 20-09-2013 15:29:46) afasta, de todo em todo, a versão dos factos avançada no acórdão do TRC de 25.06.2014.


76.ª Na verdade, dos segmentos citados pelo Recorrente nos autos – em primeiro lugar na resposta ao recurso interposto inicialmente pelo Ministério Público (mormente págs. 29 a 32 do articulado de resposta) e, posteriormente, no recurso interposto do Acórdão condenatório de 03.07.2015 (págs. 54 a 56) – resulta a falência das conclusões constantes da motivação da decisão de facto. Recorde-se que, de acordo com esta motivação, o Recorrido seria o autor dos disparos uma vez que a reacção colérica e descontrolada do mesmo – presenciada, segundo aduzia a acusação, pela testemunha HH – indiciava (sem dúvida) que os disparos tinham acontecido em virtude do pó que o tractor conduzido por esta produzia, constituindo o motivo (dito fútil) do crime, ou pela menos a sua causa próxima, justamente a reacção inadvertida do Arguido à demanda da vítima (que havia contratado o serviço a HH).


77.ª Contudo, do depoimento da testemunha ora apreço resulta outra realidade, pois, embora HH tenha aludido que o Recorrido mostrou desagrado com o pó levantado pelo tractor, a verdade é que uma tal reacção colérica e descontrolada se não adequa com o comportamento do mesmo relatado pela testemunha. Com efeito, a gentileza demonstrada pelo Arguido à testemunha (a quem convidou para tomar um copo), não só não revela qualquer incontrolável cólera do Arguido, com atestam que o mesmo se encontrava calmo e sereno, com o claudica, sem mais, a tese acusatória.


78.ª Para além disso, a testemunha foi clara em afirmar que o local onde o Arguido o abordou não tinha acesso directo à estrada onde os disparos ocorreram. Tal facto, contextualizado no relato temporal que HH apresentou, demonstra que O ARGUIDO, POR ALTURA DOS FACTOS SUB JUDICIO, NÃO ESTAVA, COM TODA A PROBABILIDADE, NA ESTRADA, mas outrossim na parte de trás da sua casa, que não tem acesso directo à estrada. Isto porque resulta do depoimento que a conversa ocorrida, nos termos em que a testemunha a descreveu, ocorreu momentos antes de passar o INEM, ou seja, nos momentos em que se realizavam os disparos contra a vítima Joaquim Dionísio.


79.ª Para além disso, a testemunha em causa acrescentou que a vítima tinha atritos com muitas pessoas da povoação, com as quais tinha problemas de estremas. Ora, também nesta parte a tese da acusação, que defendia a singularidade de um conflito entre Arguido e vítima para suportar o seu entendimento, se viu afastada, resultando da prova produzida serem múltiplas as situações de conflito entre a vítima e outras pessoas da população – as quais, no sentido em que o MP o apresentou, se enquadravam igualmente no perfil do agente do crime.


80.ª Neste particular, impõe-se questionar por que motivo o TRC vê nas alegações da defesa do Arguido (que se remeteu ao silêncio) fundamento para atesar a decisão da matéria de facto (nomeadamente quando diz «razões tão densas que emana ainda das imputações efectuadas descritas nos pontos 2 e 3 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, apesar de o visado já ter falecido»). Assistindo ao Arguido o direito a defender-se das imputações que lhe são feitas, nomeadamente no que tange à tentativa de demonstração indirecta dos factos constantes da acusação, nunca lhe poderia ser-lhe cerceado o direito de contradizer a referida tese da singularidade do conflito entre ele e o falecido. Mister é que, sem que tal o possa prejudicar, lhe assista o direito de demonstrar que tal conclusão, para além de precipitada, não corresponde à realidade dos factos.


81.ª Neste particular, o depoimento das testemunhas II e JJ foi claro na explicação do comportamento do Arguido no dia dos factos sub judicio, para além de infirmar a tese do afastamento da casa do Arguido (que, em sede de despacho de pronúncia, se dizia distar 500 metros das demais). Antes de se proceder à análise de cada um destes depoimentos, cumpre recordar que um dos indícios que o MP pretendia demonstrar era justamente que a casa do Recorrido se encontrava isolada, chegando-se ao ponto de, em sede de despacho de pronúncia, se aventar que a mesma distava, pelo menos, 500 metros das demais. O MP servia-se de tal factualidade para sustentar a alegação segundo a qual apenas o Recorrido teria a possibilidade física de ser o autor dos disparos, por ser o único que se encontrava na zona dos mesmos.


82.ª Antes de mais, deve notar-se a insustentabilidade de tal linha argumentativa, cuja fragilidade determina que, perante os depoimentos prestados e aqui anteriormente citados, a mesma caia por terra (note-se, nomeadamente, a descrição do local dos disparos e da vegetação que o rodeia, que permite a dissimulação de pessoas e bens, facto que, desde logo, infirmaria esta tese). Em todo o caso, a verdade é que o processo, desde início, contém elementos probatórios que afastam, de todo em todo, o equívoco que o MP pretendia provar. Com efeito, à parte dos comentários e legenda apresentada (cujo conteúdo, conforme resultou da prova produzida em juízo, não corresponde à verdade e por se isso se repudia veementemente), a imagem constante de fls. 57 mostra o núcleo urbano onde se inclui a casa do Recorrido, apenas separada das casas de vizinhos apenas por quintais agrícolas – como, aliás, é normal no meio rural. Para além disso, resulta, ainda, da mesma imagem, que do lado de cima da estrada, em local adjacente ao da casa da vítima, existem outras moradias [é certo que, em sede recurso, o MP deixou cair a tese do isolamento no sentido por si inicialmente defendido em julgamento (ou seja, nos termos constantes do despacho de pronúncia), vindo agora apenas aduzir que “a casa do arguido se encontrava [apenas] afastada das demais casas”. Porém, não obstante a transformação do argumento, a verdade é que mesmo tal realidade não colhe e ficou francamente afastada pela prova produzida].


83.ª Para além disso, a versão defendida segundo a qual o arguido era a única pessoa com quem a vítima mantinha um conflito, resultou claramente desmentida por toda a prova produzida, mormente a vasta prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. Com efeito, dos segmentos citados em sede de resposta ao recurso do MP (págs. 35 a 56) e de recurso do Acórdão condenatório (págs. 62 a 86) resulta a fracasso das conclusões constantes da motivação da decisão de facto, nos termos da qual seria o Recorrido o autor dos disparos uma vez que, a reacção colérica e descontrolada do mesmo.


84.ª No que a isto diz respeito, as testemunha II e JJ, para além de confirmarem os multíplices conflitos mantidos pela vítima (nomeadamente com os próprios depoentes, seus familiares), depuseram, de modo espontâneo e clarividente, que o Recorrido, antes e depois da hora indicada nos autos para os disparos, se apresentou calmo, não se revelando perante ninguém – ao contrário do que pretendia demonstrar o MP – particularmente nervoso, perturbado ou irritado em consequência da poeira levantada. Para além disso, o depoimento das testemunhas II e JJ infirmou a tese do afastamento da casa do Arguido (que, como se viu, em sede de despacho de pronúncia, se dizia distar 500 metros das demais).


85.ª Relatos semelhantes aos agora citados foram igualmente afirmados, na primeira pessoa, pelas demais testemunhas de defesa, a saber MM [inquirida na sessão realizada no dia 18/10/2013 (depoimento gravado entre as 14:51:13 e as 14:56:37)], NN [inquirido na sessão realizada no dia 18/10/2013 (depoimento gravado entre as 15:04:55 a 15:04:21], OO [inquirido na sessão realizada no dia 18/10/2013 (depoimento gravado entre as 15:04:42 a 15:10:39] e PP [inquirida na sessão realizada no dia 18/10/2013 (depoimento gravado entre as 15:17:55 e as 15:21:17)].


86.ª Indicado este múnus probatório em sede de recurso, nenhuma das instâncias (mormente o TRC, tanto no acórdão recorrido, como no acórdão de 25.06.2014) se interessou por, quanto a ele, se pronunciar, omitindo o respectivo dever de pronúncia. Por esse motivo, as conclusões que são retiradas em sede do acórdão de 25.06.2014 – e que o acórdão recorrido aceita por boas – apresentam-se em manifesta oposição, obliterando totalmente, a materialidade que resultou da prova produzida em julgamento e que, sem qualquer fundamentação (que sempre seria devida), é apagada da memória do processo.


87.ª Neste particular, a conclusão que é retirada pelo TRC (nos citados arestos), no contexto da prova produzida – nos termos acima indicados – apresenta-se verdadeiramente contrária à lógica ou às regras da experiência comum. Ora, neste particular, esta desconformidade foi expressamente reconhecida nos autos pelo Tribunal Colectivo de ..., no acórdão absolutório de 30.10.2013 quando, pronunciando-se sobre a prova produzida, afirma o seguinte: «o raciocínio que subjaz à acusação (sustentado na afirmação do assistente CC de que o arguido era a única pessoa que mantinha um conflito “aberto” com a vítima, o que também parece resultar do depoimento da testemunha ... que isso lhe teria sido dito pelo agente ... da GNR local, o qual, contudo, no seu depoimento disse que tirando a ida ao local nesse dia, nada sabia sobre as pessoas em causa), assenta na circunstância de o arguido ser o único com motivos para matar a vítima.
Contudo, foi produzido em audiência um manancial probatório que nos permite concluir que os potenciais motivos do arguido, que existiam, porque existia, de facto um conflito entre ambos, seriam extensivos à quase totalidade das pessoas da localidade e a outros que tivessem propriedades confinantes com EE.
Por outro lado, no dia em causa, o arguido queixou-se da poeira, mas a mesma também incomodou as testemunhas II e JJ e era, de facto incomodativa, como admite a própria testemunha HH, sendo certo que não se revelou perante ninguém particularmente nervoso, perturbado ou irritado em consequência disso a pontos de poder ter encontrado nisso um ponto de descontrole para matar, sendo certo que a personalidade do arguido se não adequa e nem isso vem invocado nos autos como propensa ao cometimento de um homicídio premeditado.
Aliás, a fazer fé no depoimento das testemunhas HH e LL mesmo depois de os tiros serem disparados e já depois de a vítima jazer no solo o arguido evidenciada um comportamento aparentemente normal e calmo, muito pouco adequado ao de uma pessoa comum, pacata, cordata, solidária, que acabou de atirar contra um vizinho, mesmo que com ele se desse extremamente mal» (págs. 15 e 16 do acórdão absolutório de 30/10/2013).


88.ª Obedecendo às regras das lógica e da experiência comum que devem nortear o decisor em sede de valoração probatória, impor-se-ia ao tribunal que – ele próprio – respondesse às questões que suscita, sustentando a sua resposta na prova produzida e, desse modo, afastando as dúvidas que afirma – sem fundamento ou sustentação – como meramente hipotéticas. Não o fazendo, o tribunal agiu em erro notório na apreciação da prova, nos termos que a alínea c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP o enuncia, vício este que decorre do próprio texto da decisão em dissídio.


89.ª Assim e quanto a esta questão (prova testemunhal) verifica-se:
· Nulidade do Acórdão recorrido nos termos do artº 379º, nº1, al. c), “ex vi” artº 425º, nº 4 do CPP, por o Tribunal não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado (nomeadamente por não fundamentar devidamente o afastamento do valor probatório de prova testemunhal validamente produzida em audiência);
· Erro notório na apreciação da prova, a conhecer, pelo menos, oficiosamente, por este STJ.


90.ª Como acima se viu, a motivação da decisão da matéria de facto sustenta-se no depoimento, prestado em audiência, da testemunha GG. Afirma-se, em sede de acórdão do TRC de 25.06.2014, que a «testemunha identificou o arguido, com toda a certeza».


91.ª Ora, a testemunha, polícia de profissão e que assume ter conversado (previamente ao julgamento) com os colegas OPC que constituíram as brigadas de investigação da PJ, apresentou-se particularmente comprometida na valorização do seu depoimento na perspectiva da acusação. Sem se perceber bem como, acabaria por reconhecer que «Já li várias coisas… agora acho que… aquilo que pode ser importante do meu depoimento para o tribunal é aquilo que efetivamente eu vi e disso não posso…». O que a testemunha em causa leu, embora incógnito, não é difícil de imaginar, tanto mais que, entre o depoimento realizado em sede de sessão de julgamento e que foi prestado no âmbito da instrução, há ostensivas diferenças, tendo as “certezas” do depoente crescido com o andar do tempo (e respectivas leituras). A testemunha, não obstante as certezas que pretendia aduzir, nunca, em momento algum, logrou concretizar as suas conclusões e reconheceu que o seu depoimento está inapelavelmente comprometido com as conversas que, no dia dos factos relatados em sede de pronúncia, manteve com os seus colegas da PJ.


92.ª Neste particular, o único conteúdo útil do mencionado depoimento foi que a testemunha FF (quase a certeza) de ter reconhecido o arguido, no Posto da GNR de ..., em virtude de este ser «Era um senhor baixo, entroncado, com um andar pesado… com alguma dificuldade de locomoção». Posteriormente, como ainda se verá adiante, admitiu que, quando mencionou dificuldades de locomoção pretendia aludir à forma de andar normal da terceira idade, por comparação à dos seus avós, admitindo até que a sua memória apenas tem uma “imagem de vulto”. Em sede de resposta à Ilustre Mandatária dos Assistentes, avançou até que os dois indivíduos que viu conseguiram caminhar apressadamente. Estas declarações – pontualmente analisadas – foram interpretadas como declaração de certeza de identificação, sem qualquer preocupação de exame completo do mencionado depoimento.


93.ª Conclui, ainda, o acórdão do TRC de 25.06.2014 que a «mesma testemunha viu o indivíduo em causa afastar-se em direcção à única casa que havia nas proximidades, daquele lado da estrada, ficando parado por algum tempo junto a um pilar da cada, a observar a vítima, deixando de o ver porque focou a sua atenção no socorro à vítima» e a «pessoa vista pela testemunha atrás da vítima, idosa, coxeando, mas baixa e entroncada que a vítima, foi a única pessoa referenciada ao longo do processo e na discussão da causa, que podia ter efectuado os dois disparos naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em relação ao qual surgiu um móbil adequado».


94.ª Todavia, FFl, órgão de polícia criminal, ouvido enquanto testemunha presencial dos factos e nos termos cristalinamente apresentados no acórdão absolutório, “foi peremptório ao dizer que não podia enunciar qualquer elemento identificativo concreto do referido indivíduo, para além das suas características genéricas e as que descreveu, dizemos nós, sem qualquer margem para dúvida correspondem à descrição de pelo menos 50% dos indivíduos de sexo masculino com mais de 65 anos existentes em meios rurais do território nacional, tanto em termos de compleição física como do tipo de marcha apresentada, sendo evidente a contradição do seu depoimento na parte em que refere não ter conseguido avistar bem o referido indivíduo ou descrevê-lo em termos mais concretos e depois diz ter quase 100% de certeza de que era o arguido”.


95.ª Acresce referir que o órgão de polícia criminal (OPC doravante), a fls. 43 dos autos, certificou que “o Sr. AA vestia exactamente a mesma roupa que tinha à noite quando se encontrava no posto para ser identificado, umas calças de ganga azuis e uma camisa de cor creme”, vestuário que foi apreendido e remetido para análise de resíduos de disparos (vide fls. 72). Ora, tendo tal presente, também por esse facto se afigura claro, sem margem para qualquer dúvida, que a pessoa que a testemunha FF viu não era o Recorrido, pois, de acordo com o seu depoimento (reiterado ao longo do processo), a pessoa que contemplou envergava “camisa escura e umas calças… cremes”.


96.ª Deste modo, dúvidas não restam de que a pessoa que FF viu não era o arguido. Mas, em todo o caso, a verdade é que existe um segundo equívoco na decisão em dissídio: do depoimento da testemunha FF não resulta que a pessoa que ele viu foi o autor dos disparos sobre a vítima


97.ª Com efeito, a testemunha FF foi clara em afirmar que não viu qualquer arma na mão da pessoa que avistou, não ouviu qualquer disparo, nem, de qualquer modo, se apercebeu que a pessoa em causa fizesse gesto consentâneo com a realização de um disparo com arma de fogo. Para além disso, perante o contexto situacional por si explicado – mormente quando refere a vegetação circundante – não afasta a hipótese de o atirador ser pessoa distinta daquele que divisou.


98.ª Esvaziado de conteúdo útil distintivo o depoimento da testemunha FF, a verdade é que, ainda assim, em sede de motivação da decisão da matéria de facto pretende-se ali encontrar “o reconhecimento, positivo, de determinada pessoa, como o autor de determinado facto” realizado pela testemunha FF realizado, em primeiro lugar, em sede de inquérito (antes – sequer – de o Recorrente ser constituído arguido e de lhe ter sido reconhecido o direito a estar representado por Advogado) e, posteriormente, em sede de julgamento.


99.ª Invocada, por diversas vezes, nos autos a proibição de prova de tal depoimento, o acórdão recorrido acrescenta que «[c]ompulsados os autos verifica-se que não foi efectuado qualquer reconhecimento, sendo porém perceptível que o OPC procedeu a diligências preliminares e urgentes no sentido de colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime – art 249 nº 2, al. b) do CPP. O que a testemunha efectuou foi tão só uma identificação da pessoa que viu a caminhar atrás da vítima e após a queda desta, não obstante lhe ter sido pedida ajuda pela referida testemunha a fim de socorrer a pessoa estendida no solo, como se extrai da fundamentação do primeiro acórdão desta Relação. Com o que fica em causa a declaração de inconstitucionalidade constante do acórdão do TC de 28 de Março de 2001, relatora Maria dos Prazeres Beleza – Acórdão n.º 137/2001». Acrescenta o Tribunal a quo que «[c]ompete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente proceder a exames dos vestígios do crime – em especial às diligências prevista no n.º 2 do art.º 171º e no artigo 173º –, assegurando a manutenção do estado de coisas e dos lugares o que inclui exame de pessoas, dos lugares e das coisas». 


100.ª Desenvolvendo tal raciocínio, o aresto recorrido sufraga que se não «detecta qualquer irregularidade no procedimento policial, excepto a ausência do relatório dos procedimentos cautelares», acrescentando que «a argumentação do recorrente é intensamente perspicaz e densifica um pensamento capaz de se projectar no futuro, se for considerado pelo legislador em eventuais alterações da lei processual penal». Todavia, salvaguardado o devido respeito, apresentar uma tal argumentação é subverter regime processual penal vigente e tentar ‘fazer entrar pela janela’, o que o legislador não quis deixar entrar pela porta.


101.ª Antes de mais, estulto se torna dizer que inexiste fundamento para sustentar que a diligência anómala realizada pelo OPC tem base legal no art.º 249.º, n.º 2 do CPP.         Na verdade, o n.º 2 do art.º 249.º do CPP não autoriza o OPC a pratica actos em desconformidade com as regras decorrentes do regime processual urgente e, nessa medida, restringe a sua aplicação aos casos de manifesta urgência e necessidade. Fora destes casos de urgência e necessidade, a actividade cautelar os órgãos de polícia criminal apenas abrange o exercício de poderes «por delegação do Ministério Público na pendência de inquérito». Neste particular, «[a] prática de actos que não tenham natureza cautelar e urgente não pode ser convalidada pela autoridade judiciária, quando eles tenham ocorrido antes da comunicação da notícia do crime ou, tendo ocorrido depois dela, tenham extravasado dos termos da delegação feita pelo MP. Eles padecem de nulidade insanável (artigo 119.º, al.ª b) e e) do CPP)» - cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Un. Católica, pág. 651.


102.ª Ora, é justamente este o motivo pelo qual a argumentação do acórdão recorrido soçobra. Com efeito, um reconhecimento não se torna uma diligência preliminar e urgente apenas e só porque interessa, à tese da acusação, assim o apelidar. Uma diligência só é urgente quando a sua não produção determina a perda da prova.

103.ª Ora, no caso, nem a inquirição do suspeito sem constituição de Arguido – com o claro propósito de obter uma sua eventual declaração (preferencialmente confessória) – nem o chamamento de um terceiro para o reconhecer (o que pode ser mais prova por reconhecimento do que chamar alguém para reconhecer outrem, que é "convidado" a movimentar-se e a falar!?) têm qualquer elemento de urgência. Não estamos no local do crime, o terceiro chamado para o reconhecimento não está à beira da morte, de ir viver em Marte ou de ser definitivamente levado por doença impeditiva ou destrutiva da sua memória, pelo que não há absolutamente nenhuma urgência em que ele proceda ao reconhecimento do suspeito não constituído arguido.

104.ª Deste modo, nem quaisquer declarações realizadas, nem o dito "reconhecimento" podem ser considerados diligências preliminares e urgentes. Esta é a razão de fundo pela qual a conclusão a que se chega no acórdão recorrido é totalmente irrazoável, inexistindo dúvidas que as diligências preliminares realizadas e agora aludidas «padecem de nulidade insanável (artigo 119.º, al.ª b) e e) do CPP)» - cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Un. Católica, pág. 651.


105.ª Ainda assim, impõe-se notar que do depoimento de FF [que, para além de, amiúde, afirmar “não ter certeza”, aduz como elemento de comparação pontos de eco meramente genéricos, sem qualquer característica distintiva que permitisse ao Tribunal, com segurança, dar como provada a presença do Arguido no local em questão; chegando a dizer que se recorda de uma imagem do vulto – limita-se a descrever uma fisionomia própria de alguém de idade avançada, que se desloca em termos normais com a idade respectiva, indicando ser semelhante à dos seus avós (com um andar pesado semelhante ao dos seus avós – esclarecimento por si prestado, diversas vezes, nos autos)] decorre que o mesmo afirma que as suas convicções pessoais dimanam, em larga escala, da visita que, no dia dos factos constantes da acusação, fez ao posto da GNR de ..., quando afirma: “É pela imagem fotográfica que eu tenho do momento e pela imagem fotográfica que eu tenho no posto da GNR. Por isso é que eu não posso afirmar com 100% de certeza que… que este senhor…”.


106.ª Aprofundando e antes de prosseguir, decorre do já documentado nos autos que, no dia 11.08.2012, se verificou o seguinte circunstancialismo:

· O Recorrente foi detido ao final da tarde, sendo mantido em detenção durante o resto desse dia e o início do seguinte; o OPC informou o Arguido dos seus direitos pela 04h10 do dia 12.08.2012, mais de seis horas após o início da sua detenção;
· Durante essas mais de 6 horas o Recorrente foi sujeito a diversos interrogatórios (ditos informais) sem que lhe fosse garantido o acesso a um advogado (cf. documentado a fls. 43 dos autos);
· Nesse mesmo período, foi sujeito a procedimento de reconhecimento (Sem observância do disposto no art.º 147.º do CPP) e, perante as dúvidas da testemunha, foi coagido a movimentar-se a falar, a fazer movimentos, mais uma vez sem que lhe fosse garantido o acesso a um advogado (cf. documentado a fls. 43 e 44 e resultante, ainda, dos depoimentos das testemunha FF e ..., conforme devidamente relatado em sede do acórdão absolutório inicialmente proferido);
· O depoimento da testemunha em sede de audiência de julgamento, para além de não ter apresentado qualquer matéria factual de valoração positiva, ancora as suas certezas na visita que, nesse dia, fez ao Posto da GNR de ....


107.ª O n.º 1 do art.º 32.º da CRP estabelece que «[o] processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso», ao que acrescenta o n.º 2 da mesma norma que «[t]odo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da condenação» e o n.º 3 que «[o] arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fase em que a assistência por advogado é obrigatória». Esclarecendo o teor destes preceitos, J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira afirmam que «[c]omo é a qualidade de arguido que justifica a dinamização das garantias de defesa, determina-se a obrigatoriedade da constituição de arguido, para além dos casos de dedução de acusação ou da instrução (cód. Proc. Penal, art. 57º), a fim de se evitar a demora ou atraso deliberado ou momentos processuais criminais sem “garantias de defesa”» ([9]).


108.ª Neste enquadramento constitucional, o n.º 1 do art.º 58.º do CPP determina que «é obrigatória a constituição de arguido [que se opera nos termos do disposto no n.º 2 da mesma norma] logo que: Correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal [al. a)]; Um suspeito for detido, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 254.º a 261.º [al. c)]; ou For levantado auto de notícia que dê uma pessoa como agente de um crime e aquele lhe for comunicado, salvo se a notícia for manifestamente infundada [al. d)].


109.ª O art.º 6.º, n.º 3 da referida Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (de ora em diante CEDH) – aplicável por força do disposto no art.º 8.º da CRP –, estabelece os seguintes «[o] acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos: a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada; b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa; c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem; d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação; e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo».


110.ª No que tange ao direito ao um processo justo e equitativo (emanado do citado art.º 6.º da CEDH), nomeadamente o direito à assistência por advogado, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) é unânime em afirmar que os direitos que emanam do referido art.º 6.º do CEDH devem aplicar-se, inclusivamente, a «a procedimentos prévios ao julgamento» [cf. ac. Imbrioscia c. Suíça, de 24.11.1993, ap. n.º 13972/88, acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57852#{"itemid":["001-57852"]}; em sentido convergente, vide Acórdão John Murray c. Reino Unido, ap. 18731/91, de 08.02.1996, acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-57980#{"itemid":["001-57980"]}; Ac. Salduz c. Turquia, ap. n.º 36391/02, datado de 27.11.2008, acessível em http://hudoc.echr.coe.int/eng?i=001-89893#{"itemid":["001-89893"]}].


111.ª Nos termos doutamente explanados no acórdão Ac. Salduz c. Turquia do TEDH, a verdade é que «o acusado é frequentemente colocado numa posição de particular vulnerabilidade nessas fases [iniciais] do processo, efeito este que é amplificado pelo facto de a legislação processual penal ter a tendência para se tornar cada vez mais complexa, nomeadamente no que concerne às normas que regulamentam a recolha e utilização de prova. Na maioria dos casos, esta particular vulnerabilidade apenas é devidamente compensada pela assistência de um advogado, cuja tarefa é, entre outras, a de assegurar o respeito do direito do acusado a não se auto-incriminar. (…) O acesso inicial ou antecipado a um advogado constitui parte das garantias processuais que merecem ao Tribunal atenção quando analisa se um procedimento extinguiu a verdadeira essência do privilégio contra a auto-incriminação».


112.ª Com efeito, tivesse o Arguido sido informado dos direitos – nos termos do art.º 6.º da CEDH, do art.º 32.º da CRP e dos art.ºs 58.º e 61.º do CPP – e certamente teria sido acompanhado por mandatário forense legalmente habilitado e não teria concordado com a realização das diligências, ditas informais, que o OPC, em contravenção com o previsto no CPP, entendeu realizar, nomeadamente quando se sujeitou a ser exibido à testemunha FF (e a, perante ela, andar e falar) – cujo depoimento, conforme resulta do acima já aludido e adiante se aprofundará, está inapelavelmente comprometido pela violação dos direitos de defesa do Arguido.


113.ª Em respeito à dignidade do arguido, o art.º 61.º, n.º 1, alínea d) do CPP atribui-lhe o direito de «[n]ão responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar». Ora, é, justamente, «através da vertente do direito ao silêncio que se consagra e manifesta no nosso ordenamento jurídico o princípio do direito à não auto-incriminação (nemu tenetur se ipsum accusare), já que este último, ao contrário do que sucede noutros ordenamentos jurídicos, não tem tutela expressa na CRP. Não é, todavia, objecto de controvérsia, na jurisprudência e na doutrina, que o princípio em causa tem consagração constitucional implícita. Como ensina o Professor Costa Andrade, a vigência deste princípio afigura-se “unívoca”, sendo “decisiva, desde logo, a tutela jurídico-constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência, em geral referenciados como matriz jurídico-constitucional do princípio» (cf. acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.05.2014, proferido no âmbito do processo n.º 171/12.3TAFLG.G1-A.S1, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro ARMINDO MONTEIRO, acessível em www.dgsi.pt).

114.ª De acordo com Costa Andrade, o direito à não auto-incriminação (igualmente conhecido através das expressões latinas nemo tenetur se ipsum accusare, nemo tenetur se detegere ou nemo tenetur se ipsum prodere), enquanto verdade manifestação, pela negativa, da liberdade de declaração do arguido, estabelece que «o arguido não pode ser fraudulentamente induzido ou coagido a contribuir para a sua condenação, sc., a carrear ou oferecer meios de prova para a sua defesa. Quer no que toca aos factos relevantes para a chamada questão da “culpabilidade” que no que respeita aos atinentes à medida da pena. Em ambos os domínios não impende sobre o arguido um dever de colaboração nem um dever de verdade» ([10]).

115.ª Neste contexto, o nosso Tribunal Constitucional tem entendido que o direito à não auto-incriminação apenas não existe relativamente ao «uso, em processo penal, de elementos que se tenham obtido do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito» (cf. Ac. do TC n.º155/2007, processo n.º 695/06, cujo relator foi o Venerando Juiz Conselheiro Gil Galvão). Nesse acórdão concretiza-se que «não proibindo a Constituição, em absoluto, a possibilidade de restrição legal aos direitos, liberdades e garantias, submete-a, contudo, a múltiplos e apertados pressupostos (formais e materiais) de validade. Da vasta jurisprudência constitucional sobre a matéria decorre, em síntese, que qualquer restrição de direitos, liberdades e garantias só é constitucionalmente legítima se (i) for autorizada pela Constituição (artigo 18º, nº 2, 1ª parte) (ii) estiver suficientemente sustentada em lei da Assembleia da República ou em decreto-lei autorizado (artigo 18º, nº 2, 1ª parte e 165º, nº 1, alínea b), (iii) visar a salvaguarda de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (artigo 18º, nº 2, in fine); (iv) for necessária a essa salvaguarda, adequada para o efeito e proporcional a esse objectivo (artigo 18º, nº 2, 2ª parte); (v) tiver carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo e não diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º, nº 3, da Constituição)».

116.ª Neste particular, resulta evidente que a realização de prova por reconhecimento – numa fase preliminar do inquérito –, numa altura em que ao Arguido não havia sido reconhecido algum dos direitos previstos no art.º 61.º do CPP (nomeadamente sem acompanhamento de advogado) e ao arrepio do disposto no art.º 147.º do mesmo diploma, constitui uma restrição inadmissível dos direitos, liberdades e garantias do Recorrente (por contrária ao referido art.º 18.º da CRP), que constitui a violação da sua dignidade, da sua liberdade e do direito do arguido a um processo justo e equitativo. Tal invalidade (cujos efeitos adiante se analisarão) contamina, necessária e inapelavelmente, o depoimento prestado pela testemunha FF em audiência, cuja ligação com o procedimento tomado no dia 11.08.2012 decorre das declarações do próprio quando afirmou “É pela imagem fotográfica que eu tenho do momento e pela imagem fotográfica que eu tenho no posto da GNR. Por isso é que eu não posso afirmar com 100% de certeza que… que este senhor…”.

117.ª Pelo exposto, caso se pretendesse retirar do depoimento da testemunha FF qualquer conteúdo distinto do acima aludido (ou seja, se se pretendesse – como parece pretender o MP – concluir que a testemunha identifica o Recorrido como sendo a pessoa que viu no momento em que se aproximou da vítima), estaríamos sempre na presente de prova proibida por violação do disposto nos art.ºs 32.º da CRP e 147.º do CPP, sendo nula à luz do disposto no artigo 126.º, n.º 3 deste último diploma, nulidade que se – por cautela de patrocínio – se invoca e cuja arguição (ainda que subsidiariamente) se apresenta.

118.ª Como bem esclarece Andrew Roberts «quando alguém identifica uma pessoa num cenário informal é muito provável que escolha a mesma pessoa em procedimento posterior» ([11]). Aliás, estudos realizados por diversos AA. (entre eles, G. Gorenstein, P. Ellsworth) demonstram que, em termos psicológicos, a imagem que fica do procedimento de reconhecimento substitui-se à que decorre do evento, a qual se vê apagada pela mais recente ([12]).


119.ª Por essa razão e como bem ilustra Andrew Roberts, citando Dworkin, «o reconhecimento (…) requer a utilização de procedimentos que garantam um certo grau de rigor processual». A partir desta premissa, deve retirar-se que «o Estado poderá justificadamente condenar uma pessoa apenas quando tenha ‘feito o seu melhor’ para a proteger do risco de uma errada condenação». Este risco, ainda de acordo com o mesmo autor, existe quando o Estado utilize procedimento sugestivos, caso em que aumenta consideravelmente o risco de errada identificação ou reconhecimento do sujeito: «sempre que a polícia adopte procedimento desnecessariamente sugestivos eles violam o sentido que a comunidade atribui a uma actuação equitativa e decente» ([13]).

120.ª Por isso, Andrew Roberts afirma que, à luz do vertido no art.º 6 .º da CEDH, «a omissão na realização de um procedimento de reconhecimento priva o arguido da oportunidade de obter prova que pudesse suportar a alegação de erro na identificação. À acusação deve exigir-se que prove que o acusado, de facto, não sofreu qualquer prejuízo». Como sublinha o mesmo A., «os julgamentos realizam-se, geralmente, muitos meses após a observação inicial do arguido pela testemunha. A deterioração da memória nesse período tem o efeito negativo na recordação com a consequência de as identificações positivas e as não identificações serem tendencialmente menos confiáveis».

121.ª Ao admitir, com fundamento na interpretação (inconstitucional – cf. acórdão n.º 137/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Junho de 2001) do art.º 127.º do CPP, a valoração da aludida prova testemunhal, o Acórdão recorrido, para além de representar manifesta fraude à lei (mormente ao aludido no n.º 7 do art.º 147.º do CPP, na redacção que resultou da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto), cerceou os direitos de defesa do Arguido e violou as garantias de defesa do arguido, consagradas no n.º 1 do art.º 32.º da CRP (e cujo incumprimento aquela norma infraconstitucional sanciona como nulidade) – inconstitucionalidade que, nesta sede, se deixa expressamente invocada.

122.ª O acórdão recorrido (e o acórdão do TRC que o precede), porque ancorado, de forma praticamente exclusiva, em prova (testemunhal tendente ao reconhecimento do Recorrente) proibida nos termos do disposto nos art.ºs 32.º da CRP, 6.º do CEDH, 58.º, 61.º, 125.º, 126.º e 147.º do CPP e, para além disso, nula por violação dos direitos de defesa do Recorrente é, também ele e ao abrigo do disposto no art.º 122.º do CPP, nulo.

123.ª Na motivação que o acórdão recorrido encontra no acórdão do TRC precedente, considerou-se susceptível de valoração o resultado de realização de busca, em virtude de «a realização da busca sempre poderia ser alcançada (…) com uma busca realizada em mandato judicial».

124.ª A busca domiciliária aludida (cujo auto consta de fls. 48 a 50), foi realizada durante a noite (pelas 00h15 do dia 12/08/2012), sem prévio despacho judicial e sem autorização do visado pela diligência (in casu, o Arguido Recorrente).


125.ª À luz do disposto no art.º 34.º, n.º 2 da CRP e em conformidade com o Acórdão n.º 507/97 do Tribunal Constitucional, é inconstitucional a interpretação do art.º 177.º, n.º 3 do CPP no sentido em que admite que o consentimento aludido pela norma seja dada por pessoa diferente do Arguido, ainda que seja um co-domiciliado, que tem a disponibilidade da habitação em causa – sendo que, numa interpretação conforme à CRP (e, nomeadamente ao referido art.º 34.º, n.º 2), apenas seria, no vertente caso, admitida como legal e válida a busca, se a mesma tivesse consentida pelo Recorrente (aliás, identificado pela PJ como buscado), por ser o titular do direito fundamental à inviolabilidade do domicílio ofendido.

126.ª Nesse sentido, a busca domiciliária policial nocturna realizada nos autos, que não teve o consentimento do arguido, mas apenas da sua esposa (que não sabe ler, nem escrever), constitui método proibido de prova e, por conseguinte, ilegal e nulo, sendo que as provas obtidas na mesma e na sua sequência, são igualmente nulas, não podendo, ao abrigo do disposto no art.º 32.º, n.º 8 da CRP e art.º 126.º, n.º 3 do CPP, ser utilizadas.

127.ª Neste particular, são nulas (por força dos citados 32.º, n.º 8 da CRP e art.º 126.º, n.º 3 e, de igual modo, do art.º 122.º, ambos do CPP), não podendo ser utilizadas, as apreensões que, na sequência da mesma, foram concretizadas, nomeadamente a informação de folhas 39 a 47, bem como a apreensão realizada a fls. 49 (realizado no âmbito da busca) e também a apreensão a fls. 55 (mormente quanto ao vestuário), que – conforme sufragado pela própria PJ – foi realizada, no dia 12 de Agosto, «na sequência da inspecção judiciária e diligência subsequentes», ou seja, após a busca domiciliária realizada (que, recorde-se, se iniciou às 00h15 – com a presença do referido Inspector ...).

Deste modo,
128.ª Tal nulidade, pode ser conhecida em qualquer fase do processo, sendo que prejudica o acórdão Recorrido, uma vez que a prova proibida foi utilizada na fundamentação da decisão (o que vale mesmo que não seja o elemento preponderante para a fundamentação da decisão), pelo que tal decisão fundada em provas nulas é, também ele, nulo, nos termos do disposto no art.º 122.º, n.º 1 do CPP, devendo ser revogado.

129.ª O acórdão recorrido, nos pontos 6.º, parcialmente 7.º (no segmento motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelo trabalhos de limpeza do terreno), 9.º e 11.º, dá como provada factualidade que não encontra eco no despacho de pronúncia, proferido na sequência de abertura de instrução requerida pelo Recorrente contra o despacho de acusação do Ministério Público e contra a acusação particular dos Assistentes.

130.ª Com efeito, ainda que se entenda que a verificação de factos novos, em sede de sentença, constitui mera alteração não substancial dos factos, sempre seria imprescindível convocar, em sede de audiência, a aplicação do vertido no art.º 358.º do CPP. Não o tendo feito, o acórdão recorrido é nulo nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP.

131.ª Nos termos aqui já aludidos, o acórdão absolutório inicialmente proferido não padecia de qualquer contradição intrínseca, nem desvalorizou totalmente o depoimento da testemunha FF. O que a 1.ª instância, em tal acórdão absolutório, fez, não foi mais do que proceder ao exame crítico dessa – e de todas as outras provas – à luz do que determina o art.º 127.º do CPP, de forma coerente, razoável e fundamentada (como, a seguir, se verá e acompanhando o sufrágio, já aqui citado, realizado no Ac. do STJ de 07.04.2011, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Pires da Graça, processo n.º 450/09.7JAAVR.S1).

132.ª Além do acima alegado, afigura-se ostensivo que a decisão impugnada violou o princípio da presunção de inocência, nos termos que a CRP o proclama. O acórdão recorrido, no que a esta matéria diz respeito, limita-se a afirmar «[n]ão existem elementos nos autos que justifiquem a aplicação do princípio in dúbio pro reo».

133.ª Todavia, a verdade é que, ao arrepio do que parece sufragar, após reconhecer a existência de dúvida [citando a argumentação apresentada em sede de acórdão absolutório] quanto ao ocorrido no dia 11.08.2012 (mormente quanto à matéria de que tratam os pontos 7., 8., 9. e 11. da decisão sobre a questão de facto), o TRC concluiu (conclusão essa que o acórdão recorrido aproveita e reafirma) que aquilo que beneficia o Recorrente mais não é de uma «mera construção hipotética, abstracta, sem apoio na prova produzida e discutida em audiência», ao mesmo passo que retira que, em abono da tese da acusação, sai «corroborada e reforçada toda uma série de indícios e outros meios de prova. Saindo ainda, como se viu, rechaçadas todas as possibilidades hipotéticas, invocadas pela defesa» – afigurando-se, assim, ostensivo que a decisão impugnada violou o princípio da presunção de inocência, nos termos que a CRP o proclama (e nos termos melhor desenvolvidos nas conclusões seguintes).


134.ª O Tribunal a quo (no acórdão recorrido que afirma a motivação do acórdão de 25.06.2014) sustenta a alteração da matéria de facto na própria argumentação que o subscritor do presente, em defesa e representação do Recorrente, aduziu em sede de contestação, ao afirmarem: «[p]ela intensidade das imputações feitas a um defunto, de tanto porfiar, acaba por explicar a intensidade do rancor que lhe guardava». Ou seja, o facto de o defensor do Arguido ter refutado, em sede de contestação, a tese sustentada pelo Ministério Público – segundo a qual só podia ter sido ele, pois só ele tinha inimizades com o falecido – é utilizado, em sede de motivação, como argumento lógica para defender que, tal inimizade, era especial, qualificada, distinta de todas as outras (o que é feito sem qualquer suporte factual ou probatório).

135.ª Em sede de em sede de motivação, com recurso ao absurdo e ao irracional – e contrariando as regras da lógica e da experiência humana –, admitiu-se a hipótese de EE se deslocar com as palmas das mãos viradas para a frente e para cima (pois o tiro entrou no terço inferior da face posterior do antebraço direito), ao contrário do que é natural do ser humano. Admite, assim, o Tribunal recorrido como possível que EE tenha sido atingindo na zona do abdómen (note-se, por projéctil cujo trajecto é de cima para baixo e da direita para a esquerda) e no antebraço, quando caminhava, por alguém que se encontrava nas suas costas, a alguns metros de distância.

136.ª É certo que o Tribunal a quo, ao fundamentar a resposta ao ponto 7. dos factos provados, apenas coloca a dúvida, admite que a hipótese não será impossível (“Não sendo, pois, o percurso das balas incompatível com disparo de alguém que fosse atrás da vítima – que, embora atrás, podia ir ligeiramente sobre a esquerda ou sobre a direito”), e não afasta a possibilidade de o que refere não ser verdade. Todavia, ainda que assim fosse – e manifestamente não é, pois, o orifício de entrada dos projécteis não é compatível com disparos realizados nas costas da vítima e o trajecto dos projécteis (da esquerda para a direita) afastam o Recorrente do universo de possíveis atiradores (pois um tal disparo apenas se coadunaria com um atirador esquerdino, o que não é o caso do Recorrido que, conforme se demonstrou, é destro) – a verdade é que o Tribunal a quo não poderia, infundadamente e contra as regras da lógica, escolher a hipótese que mais favorecia a tese da acusação (que, como se viu, é de verificação impossível).


137.ª Ora, o n.º 2 do art.º 32.º da CRP determina que «Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação», pelo que acompanhando o entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 12.03.2015 (relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro PIRES DA GRAÇA, proc. n.º 40/11.4JAAVR.C2, acessível em www.dgsi.pt), existe violação do princípio in dubio pro reo quando, nomeadamente, «a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção». Esclarece, o mesmo aresto, que «O citado art. 127.° indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, perante as provas produzidas que motivaram essa convicção, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova, e traduz a dimensão soberana da independência judicial na administração da justiça».


138.ª «Se existe a possibilidade razoável de uma solução alternativa, ou de uma explicação racional e plausível diferente, dever-se-á sempre aplicar a mais favorável ao acusado, de acordo com o princípio in dubio pro reo» (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2012,proc.233/08.1PBGDM.P3.S1).


139.ª O acórdão recorrido e o acórdão do TRC que o precede afastaram a decisão da matéria de facto constante do acórdão absolutório inicialmente proferido nos autos, cilindrando a motivação razoável, lógica e consentânea com as regras da experiência comum que deste constava.

140.ª Todavia, ao fazê-lo, as instâncias a quo, embora reconhecendo as dúvidas que da instrução da causa resultaram (e que a imediação e oralidade do julgamento deram a conhecer), optam pela tese favorável à acusação sem, contudo, sem contudo lograrem afastar que existe «a possibilidade razoável de uma solução alternativa, ou de uma explicação racional e plausível diferente (…) mais favorável ao acusado» (no sentido de não ter sido ele o autor dos factos). Mais grave, ainda, se torna tal decisão quando, como se viu, a mesma decisão se suporta em explicações ilógicas, absurdas, cuja sustentação se afigura irrazoável e naturalmente impossível.


141.ª No sentido sufragado em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2009 (relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Santos Cabral, processo n.º 09P0395, acessível em www.dgsi.pt), de inteira aplicação no caso presente, «num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção, será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova».


142.ª Ora, como se viu, a motivação em que se sustenta a decisão da matéria de facto do acórdão recorrido encontra-se cheia de contradições lógicas que inquinam todo o processo decisório e que o reduzem a uma mera convicção subjectiva e objectivamente insustentável de que foi o Arguido o autor dos disparos, a saber:

a) Invoca-se a existência de contradição e erro notório na apreciação da prova (em sede de acórdão absolutório), onde, à luz do vertido no art.º 127.º do CPP, inexiste qualquer vício, pois o depoimento da testemunha FF foi objecto de devida valoração, à luz dos critérios legais e de acordo com o resultado da imediação e oralidade da audiência;

b) Invoca-se a materialidade alegada pelo defensor (em exercício de impugnação motivada), em sede de contestação, para sustentar a existência de rancor do Recorrente;

c) Oblitera-se que os supostos motivos longínquos (inimizade) e próximos eram comuns a universo alargado de sujeitos;

d) Atropela-se a prova pericial realizada nos autos, tanto quanto à distância dos disparos (provável, de acordo com a mesma, ser de 8 a 12 metros), como quanto à recolha de resíduos de disparos);

e) Avança como uma explicação impossível, ao admitir (apenas admite, não revela certezas) que, encontrando-se os orifícios de entrada dos projécteis na face posterior do antebraço (que, em andamento, segue virada para o sentido da marcha!) e no abdómen, os tiros possam ter sido dados por alguém que se encontrava atrás, a alguns metros de distância.


143.ª Pelo exposto, violando o dever de devida fundamentação – que, por si só, acarreta nulidade (nos termos acima já desenvolvidos) –, a decisão de que ora se recorre, ao alterar a matéria de facto constante do acórdão absolutório inicial, para além de nula, violou os art.ºs 127.º do CPP, numa interpretação conforme ao art.º 32.º, n.º 2 da CRP, inexistindo qualquer fundamento que lhe permitisse fazê-lo à luz do vertido no art.º 410.º, n.º 2, als. b) e c), do CPP.

144.ª O acórdão de 25.06.2014 (que o acórdão recorrido confirma ao validar o acórdão condenatório que constitui o seu objecto), nos pontos 6.º, parcialmente 7.º (no segmento motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelo trabalhos de limpeza do terreno), 9.º e 11.º, dá como provada factualidade que não encontra eco no despacho de pronúncia, proferido na sequência de abertura de instrução requerida pelo Recorrente contra o despacho de acusação do Ministério Público e contra a acusação particular dos Assistentes.

145.ª Com efeito, ainda que se entenda que a verificação de factos novos, em sede de sentença, constitui mera alteração não substancial dos factos, sempre seria imprescindível convocar, em sede de audiência, a aplicação do vertido no art.º 358.º do CPP. Não o tendo feito, o acórdão recorrido é nulo nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP.

146.ª Para além disso, o TRC, em sede de motivação da decisão de facto (que o acórdão recorrido confirma), recorre – em desfavor do arguido – a um conjunto de ilações materiais cuja aferição não foi previamente objectivada nos autos. Com efeito, resulta da aludida motivação a apresentação das seguintes ilações:
· «- Do depoimento da testemunha FF, agente da PSP que ia a passar no local resulta que se apercebeu de dois idosos um atrás do outro e que, já pelo retrovisor viu que o da frente caiu por terra, o que fez com que a testemunha invertesse a marcha do veículo para lhe dar assistência, pensando que o sangue resultaria da queda, não se apercebendo no momento, de que tivesse havido tiros (efeito do barulho/movimento do automóvel que conduzia, do rádio que levava ligado) o que apenas veio a saber por efeito do exame efectuado no hospital que tombara sob o efeito de duas balas;
· - A mesma testemunha identificou o arguido, com toda a certeza, no mesmo dia, facto que confirmou em audiência, pela idade aparente, altura, largura de tronco, andar dificultoso (confirmado pela circunstância de o arguido ter sido autorizado a permanecer sentado em julgamento) pela voz que ouviu no local e, ainda na mesma tarde, no posto na GNR);
· - A mesma testemunha viu o indivíduo em causa afastar-se em direcção à única casa que havia nas proximidades, daquele lado da estrada, ficando parado por algum tempo junto a um pilar da cada, a observar a vítima, deixando de o ver porque focou a sua atenção no socorro à vítima;
· - A pessoa vista pela testemunha atrás da vítima, idosa, coxeando, mas baixa e entroncada que a vítima, foi a única pessoa referenciada ao longo do processo e na discussão da causa, que podia ter efectuado os dois disparos naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em relação ao qual surgiu um móbil adequado;
· - Além de morar na única casa para onde foi vista afastar-se foi visto no local antes e depois de a vítima ter sido atingida mortalmente.
· - A versão da testemunha é compatível com o percurso da primeira bala.
· - Corroborando o relatório de fls. 57 a localização da casa do arguido, única existente nas imediações, como sendo aquela em frente ao portão da qual a testemunha diz ter deixado de ver o fugitivo;
· - O arguido tinha o móbil adequado e a oportunidade:
· - razões antigas (ponto 4 da matéria de facto provada), queixando-se de que tinha sido obrigado a regressar de França por causa de EE, chegando a diz que havia de o matar (depoimentos das testemunhas QQ, RR e SS);
· - razão próxima, imediata, capaz de constituir “a gota” que faz transbordar a raiva antiga: - na manhã do mesmo dia (ponto 16 da matéria provada) em que se queixou na GNR da vegetação existente no terreno e de tarde manifestou-se indignado com essa mesma limpeza (ponto 6 da matéria provada) que estava a decorrer (depoimento do tractorista e da testemunha GG) quando a vítima foi baleada, chegando a censurar o tratorista, segundo o depoimento dele, do fundo do terreno anexo à casa, já depois de tombado o mandante;
· - razões tão densas que emana ainda das imputações efectuadas descritas nos pontos 2 e 3 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, apesar de o visado já ter falecido;
· - A oportunidade: além da proximidade da casa para onde o agente foi visto no local antes (testemunhas já referidas, mostrando-se indignado com a poeira) e depois (depoimento do tractorista) dos disparos;
· - Da discussão da causa, em audiência, não resultou qualquer outra perspectiva probatória, possível, em concreto, muito menos razoável, saindo antes rechaçadas todas as hipóteses, abstractas, sugestionadas pelo recorrente, de que qualquer outra pessoa que tivesse razões tão profundas contra a vítima, muito menos que pudesse estar por perto e ao alcance, letal, de tiro de uma pistola de 6.35mm, pudesse ter praticado os disparos».


147.ª Para além disso e conforme acima aduzido, o TRC, em sede de motivação, tenta obliterar a prova pericial (de recolha de resíduos de disparos) sob a alegação, aniquilando os esclarecimentos do perito da Polícia Judiciária (quando à dificuldade de lavagem dos resíduos de pólvora que se alojam no rosto, mãos e, principalmente, cabelos de quem dispara), segundo a qual o arguido teve tempo para «mudar de roupa (depoimento de GG) e lavar qualquer vestígio que pudesse comprometê-lo».


148.ª Antes de mais, impor-se-ia, para que tais ilações tivessem sido sujeitas ao contraditório da audiência e previamente alegadas pela acusação – o que manifestamente não ocorreu. Não pode, por conseguinte, o Tribunal a quo retirar uma conclusão que não tem sustentação na materialidade alegada e demonstrada (rectius, dada como provada) em julgamento.

149.ª Neste particular, lançando mão do entendimento sufragado por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 17.03.2016 (processo 849/12.1JACBR.C1.S1), uma tal materialidade (enquanto realidade circunstancial) – para além de ostensivamente falsa – sempre teria de «submeter-se ao contraditório na audiência de discussão e julgamento de discussão e julgamento, para se saber se resultam provados ou não provados». Neste particular, «[a] motivação da convicção da decisão sobre a matéria de facto é a exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão em matéria de facto (…). Se a motivação, no raciocínio do exame da prova indiciária, fixasse os factos, não era preciso haver decisão sobre os mesmos na estrutura processual da sentença». Nos termos do mesmo aresto, «[n]ão pode haver dúvida negativa, cuja convocação ou interpelação se assuma em valoração contra o arguido; não pode convocar-se presunção conducente a convicção não objectivada, de que não constem elementos objectivados nos autos, sob pena de arbitrariedade, afrontando-se a sua razoabilidade objectivável, ou indiciariamente justificativa, e que iria anular a razão de ser do princípio “in dúbio pro reo”» (sublinhado nosso).


150.ª Não o tendo feito, o acórdão do TRC de 25.06.2014 é nulo nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, vício que, nos termos do disposto no art.º 122.º do CPP, inquina inapelavelmente o acórdão recorrido.


Por mera cautela de patrocínio e dever de ofício,
A título meramente subsidiário e sem prescindir, acautelando – ainda que apenas academicamente – a possibilidade de assim não se entender – possibilidade que o subscritor do presente não admite mas que, por dever de ofício, não pode deixar de perspectivar –, cumpre acrescentar o seguinte


151.ª O tribunal a quo, após analisar a técnica dos exemplos-padrão que o art.º 132.º do Código Penal (CP de ora em diante) revela e referindo-se especialmente ao previsto na alínea e) do n.º 2 do mesmo artigo (na parte em que se refere à existência de “motivo fútil”), aduziu que «o arguido motivado por desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelos trabalhos de limpeza do terreno, o que se enquadra perfeitamente no exemplo padrão em causa, podendo-se sem qualquer dificuldade concluir que estamos perante uma especial perversidade e especial censurabilidade».

152.ª Neste particular, mister é notar que a existência de um histórico de desavenças antigas (cuja concreta gravidade ficou por apurar) afasta – por si só e ab initio – a possibilidade de considerar verificado o exemplo-padrão motivo fútil, pois que «O princípio in dubio pro reo estabelece que, na decisão de factos incertos, a dúvida favorece o reú (…); e o princípio aplica-se não só aos elementos essenciais do crime como às agravantes da pena (…). No caso presente, e na dúvida sobre os motivos do homicídio, não podia ao arguido ser assacado um “motivo fútil” sem que verdadeiramente se soubesse qual era» (cujo relator foi o Venerando Juiz Conselheiro António de Sousa Guedes, publicado em CJ Acs STJ, Ano I, Tomo I, 1993, pág. 184 e ss.).


153.ª Com efeito, se, nos termos do acórdão recorrido, o crime foi motivado por «desavenças antigas e zangado com as poeiras» impor-se-ia, antes de mais, assacar o conteúdo de tais desavenças e aferir se as mesmas consubstanciaram causas menores, de pouca importância, «notoriamente [desadequadas] do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que [traduziria] uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática» (cf. acórdão do STJ de 18.01.2012, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Santos Cabral, proc. n.º 306/10.0JAPRT.P1.S1).

154.ª Deste modo, afigura-se que ao dar-se como provado que desavenças antigas (cujo concretos contornos e gravidade ficaram por conhecer), afastada fica a subsunção da materialidade dada como provada na alínea e) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, apenas podendo entender-se subsumível o ilícito p. e p. no art.º 131.º do mesmo diploma.

155.ª Pelo exposto, violou o acórdão recorrido, os artigos 6.º, n.º 1 e n.º 3 da CEDH, 8.º, 18.º, 29.º, 32.º, 34.º, 97.º, n.º 5, 205.º da CRP, 613.º do CPC (aplicável ex vi art.º 4.º do CPP) e, ainda, 5.º, 12.º, n.º 3, al. b), 14.º, 19.º, 58.º, 61.º, 119.º, 120.º, 122.º, 125.º, 126.º, 127.º, 147.º, 177.º, 328.º, 328.º-A, 368.º, 369.º, 379.º, 400.º, 410.º, 412.º, 426.º, 428.º, 432.º, 434.º, 613.º, 660.º do CPP.


TERMOS EM QUE, e nos que vossas excelências superiormente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, mantendo-se a absolvição do Arguido nos precisos termos anteriormente decididos pela primeira instância em 30.10.2013, assim se fazendo costumada Justiça »

     Mais requer,

     A junção aos autos de Parecer subscrito pela Senhora Professora Doutora ..., Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (cujo original já consta dos autos), que
· Versa sobre questões de Direito tratadas no Acórdão recorrido;
· Mormente nulidade decorrente de omissão de constituição de arguido e de prova por reconhecimento ilícito, em face do que, por conseguinte,
· Analisa a interpretação/decisão que tal matéria mereceu em sede de Acórdão recorrido, nomeadamente na parte em que afasta qualquer invalidade sob o argumento de inexistência de violação do direito processual vigente),

O que, tratando-se de Parecer cuja pertinência resulta assim do Acórdão recorrido, faz ao abrigo do disposto nos art.ºs 651.º, n.º 2 e 680.º, n.º 2 do CPC (ex vi art.º 4.º do CPP).

12. O Exmº Srº Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Coimbra, na sua resposta, pugnou pela improcedência do recurso interposto pelo arguido e pela manutenção do acórdão recorrido.

13.  Os assistentes vieram responder ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo desentranhamento do parecer junto, por ser extemporâneo, e pela improcedência do recurso.

 14. A Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta, neste Supremo Tribunal, corroborou a posição assumida pelo Ministério Público no Tribunal da Relação de Coimbra.

15. Notificados o arguido e os assistentes, nos termos e para os efeitos do disposto  no art. 417º, nº2 do CPP, vieram estes últimos corroborar o teor das resposta do Público no  Tribunal da Relação de Coimbra.

16. Colhidos os vistos em simultâneo  e  tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, procedeu-se à mesma.

17. Cumpre, pois, apreciar e decidir

***

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Fundamentação de facto.

O acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 25.06.2014 , deu como provados os seguintes Factos:

«Da acusação:

1- O arguido AA e EE foram vizinhos vários anos, ambos residindo em Rua..., concelho de .....

2- EE manteve conflitos com vários vizinhos e familiares, relacionados com estremas e limites de terrenos, acusando-os de se apropriarem de faixas de terreno e árvores.

3- Chegou a destruir ou mandar destruir umas “alminhas”, existentes numa dessas estremas.

4- Uma das pessoas com quem o EE mantinha, há vários anos, conflito relacionado com estremas de terrenos de cada um era o arguido AA.

5- No dia 11 de Agosto de 2012, EE solicitou a HH a realização de trabalhos de limpeza de um seu terreno contíguo à habitação do arguido AA, com um tractor, os quais se iniciaram cerca das 14 horas e 30 minutos, e que provocaram a emissão de poeiras no ar.

6- Durante algum tempo, o arguido ficou a assistir ao desenrolar dos mesmos nas imediações da sua residência, na Rua ..., ..., ... e falou com pessoas, entre elas II, seu vizinho, sobre o sucedido, tendo-se manifestado indignado com o facto de EE ter levado a cabo aquela tarefa naquelas condições e com aquelas consequências.

7- A hora exacta não apurada, pelas 15 horas e 45 minutos, na estrada nacional, em ..., nas proximidades da casa do arguido, motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelo trabalhos de limpeza do terreno, munido de uma pistola de características, marca e modelo não concretamente apurados, municiada com munições de calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25 Auto na designação anglo-americana), o arguido AA efectuou dois disparos contra EE, atingindo-o na região abdominal direita e no braço direito, fazendo-o com a intenção de tirar a vida a EE

 Actuou voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tal conduta era proibida e punida pela lei.

8- Em virtude de tais disparos, que atingiram EE, este caiu no asfalto da E.N. n.º 110, junto à berma direita, atento o sentido de marcha .../ EN 110.

9- De seguida, o arguido dirigiu-se em direcção ao portão de sua casa e ausentou-se para local exacto não apurado, deixando EE caído no chão, sem se preocupar com o seu estado físico.

10- Nessa mesma ocasião, ia a passar no local GG , agente da PSP, que cuidou do estado da vítima e chamou socorro para a mesma.

11- Este ainda gritou pela pessoa mencionada em 9., solicitando-lhe ajuda, mas o mesmo ignorou o chamamento e prosseguiu a sua marcha.

12- Como consequência directa e necessária dos disparos efectuados resultaram lesões em EE, nomeadamente: no abdómen- paredes: orifício de entrada de projéctil de arma de fogo, na região da fossa ilíaca direita; - peritoneu e cavidade peritoneal: orifício de entrada na parede peritoneal (FID), com trajecto do projéctil, de frente para trás, da direita para a esquerda atravessando a cavidade abdominal e incrustando-se o projéctil no tecido subcutâneo do quadrante supero-esterno da esquerda; Membro superior direito: orifício de entrada de projéctil de arma de fogo, no terço inferior da face posterior do antebraço direito, à direita da linha média; e orifício de saída na região tabaqueira da mão direita, cujo trajecto do projéctil é de cima para baixo e da direita para a esquerda, ambos os orifícios (quer o de entrada quer o de saída) mediam cerca de um centímetro de diâmetro.

13- As lesões traumáticas abdominais e do membro superior direito supra referidas, e melhor descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 358 a 364, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, determinaram directa e necessariamente a morte de EE.

14- A cerca de 28 metros do local onde foi encontrado o corpo de EE encontravam-se no asfalto duas cápsulas de arma de fogo deflagradas de calibre 6,35mm Browning (.25ACP ou .25.25 Auto na designação anglo-americana) de marca Geco.

15- O arguido não tem licença de uso e porte de arma que lhe permita a utilização e detenção de armas e munições.

16- O arguido havia-se queixado à GNR de ... que da propriedade de EE saía uma vegetação que impedia a visibilidade para a via pública, vindo de veículo da sua própria habitação, o que motivou a deslocação de uma patrulha daquela ao local, no dia 11.8.2012, da parte da manhã, tendo constatado que a vegetação que ali existia, por se encontrar já cortada, não perturbava a visibilidade.

7- Tendo sido comunicada essa constatação ao arguido, ele aparentou aceitá-la de forma calma e cordata.

18- BB, CC e DD são filhos de EE e são os seus únicos herdeiros.

19- O EE tinha 84 anos.

20- Não obstante a sua idade tinha boa constituição física, era saudável e dinâmico, participava em excursões, para algumas das quais chegava a angariar participantes.

21- Era estimado pelos filhos e pelos amigos e companheiros dos passeios que frequentava.

22- Após os factos supra descritos e ter caído no chão inanimado, veio a ser assistido pelos Bombeiros Voluntários de ..., tendo falecido no trajecto para o Hospital de ..., onde deu entrada já cadáver.

23- Os filhos encontravam-se a residir na zona de ..., mas falavam com o pai frequentemente pelo telefone e dois deles visitavam-no esporadicamente quando os seus afazeres o permitiam, mas sem periodicidade regular.

24- Ficaram em estado de choque quando se aperceberam das circunstâncias em que o pai havia morrido e desgostosos e tristes com o seu falecimento.

25- O EE vivia sozinho e beneficiava já da valência de apoio domiciliário de IPSS local.

26- Tinha uma personalidade assertiva e intransigente na defesa do que considerava serem os seus direitos.

27- Em Janeiro de 1994, elaborou um requerimento dirigido ao Comandante da Polícia de Segurança Pública de ..., solicitando a concessão de licença de uso e porte de arma até ao número máximo de 5, invocando dela carecer para sua defesa e das suas propriedades, por viver sozinho e isolado e a 20 e 40 metros de si residirem dois indivíduos (AA e TT) que em 2.9.1990 o teriam atacado com uma bisnaga de gás, dentro do seu pátio, fechado.

28- Falou dessa circunstância a seu filho CC.

29- Em 15/9/2012 foi publicada no Jornal ... a notícia cuja cópia se encontra a fls. 469, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

30- Essa notícia deixou os assistentes revoltados e abalados.

31- BB padece de esquizofrenia.

32- Ao receber a notícia da morte do pai ficou profundamente abalada e consternada.

33- Não obstante assistida médica e medicamentosamente para a doença que a afecta, a notícia tornou-a revoltada para com a mãe e fez-lhe aumentar episódios de violência.

34- Teve mesmo que ser internada, o que já não ocorria há cerca de 10 anos.

35- Fala frequentemente do pai, algumas das vezes sozinha.

      Relativos ao arguido:

36- O arguido é pessoa estimada pela maioria das pessoas que com ele convive.

37- É tido como pessoa simples, pacata, prestável, desinteressado, bom vizinho (a única má relação que mantinha era com a vítima) e solidário e não é conotado com comportamentos desajustados nem agressivos.

38- Esteve durante muitos anos emigrado em França, de onde regressou em 2010.

39- É oriundo de uma família de modestas condições económicas, mas não obstante, tanto na infância como na adolescência sempre apresentou adequada integração.

40- Mantém fortes laços com a família mais chegada (mulher, filhos e netos), mas não mantém qualquer contacto com o irmão há mais de 20 anos.

41- Encontra-se muito transtornado emocionalmente.

42- Não tem antecedentes criminais.

Do pedido de indemnização civil:

43 - EE sentiu dor com o impacto do primeiro tiro e, depois, com o do segundo, pela penetração dos projécteis no seu corpo, ainda deu dois ou três passos antes de cair por terra, sentiu angústia e desespero.

B- Factos não provados:

Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

C- Fundamentação da matéria de facto:

     Conforme decorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de Junho de 2014 (fls. 1508 a 1573), os Factos Provados foram aí fixados, pelo que não tem o presente Tribunal Colectivo que fundamentar tais factos, pois tal fundamentação consta do douto acórdão.»

***

2.2. Fundamentação de direito

Constitui jurisprudência assente que, de harmonia com o disposto no n.º 1 do art. 412.º do Código de Processo Penal e sem prejuízo para a apreciação das questões de oficioso conhecimento, o objecto do recurso define-se e delimita-se  pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da correspondente motivação.

Assim, a esta luz , as questões a decidir são as seguintes:


1ª. (In)admissibilidade da junção de parecer doutrinário.

2ª. (I) rrecorribilidade do acórdão  do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 26.10.2016, na parte em que confirma a condenação do arguido, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de  1ano de prisão.

3ª. Nulidade do acórdão por falta de fundamento para reenvio do processo.

4ª. Nulidade do acórdão condenatório por falta de competência e perda da eficácia da prova produzida.


5ª. Nulidade do acórdão recorrido por violação do dever de fundamentação e das regras da prova pericial.


6ª. Nulidade da prova por reconhecimento e inconstitucionalidade da norma do art. 127ºdo CPP.

7ª. Nulidade da busca domiciliária  e da inconstitucionalidade da norma do art. 177 do CPP.

8ª. Violação do princípio da livre apreciação da prova  e do princípio da presunção de inocência.

9ª. Erro notório na apreciação da prova testemunhal.

10ª. Nulidade do acórdão recorrido, por falta de observância do disposto no art. 358º, nº1 do CPP.

11ª. Qualificação jurídica  do crime de homicídio cometido pelo arguido.

12ª. Medida das pena parcelar e da pena unitária conjunta.

***

2.2.1. (In)admissibilidade da junção de parecer doutrinário.

Quanto à primeira das questões supra enunciadas, importa, proferir decisão sobre a admissibilidade, ou não,  do parecer doutrinário que o arguido juntou aos autos com as suas alegações de  recurso para este Supremo Tribunal.

A este respeito, dispõe o art. 165º do C. P. Penal que:

«1. O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê –lo até ao encerramento da audiência.

2. Fica assegurada, em qualquer caso, a possibilidade de contraditório, para realização do qual o tribunal pode conceder um prazo não superior a oito dias.

3. O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável a pareceres de advogados, de jurisconsulto ou de técnicos, os quais podem sempre ser juntos até ao encerramento da audiência».

Daqui decorre, desse logo, que, a  junção de pareceres em processo penal é  tratada a par da junção de documentos aos autos.

Regista-se, contudo, uma  diferença no regime de uma e de outra.

Enquanto que, para a junção de documentos, vale a regra de que os mesmos devem ser juntos até ao encerramento do inquérito ou da instrução e, só título excepcional, quando isso não for possível,  é de admitir a sua junção até ao encerramento da audiência, diferentemente, relativamente aos  pareceres de advogados, de jurisconsulto ou de técnicos, vale a regra de que os mesmos  podem ser sempre juntos até ao encerramento da audiência, independentemente  do apresentante ter, ou não,  a possibilidade de o juntar antes.

Assim, o que  de comum  existe entre estes dois regimes  é tão somente o facto de ambos terem como limite temporal máximo para a sua junção, o momento do encerramento da audiência, o que nos remete para questão de  saber a que audiência de discussão e julgamento se refere o nº1 do deste art. 165º, uma vez que o Código de Processo Penal de 1995  introduziu a audiência nos recursos. 

A este respeito diremos que, se é certo ser pacífico o  entendimento  de que, no que concerne à junção de documentos,  a audiência a que alude o nº1 do citado art.165º  é a audiência de discussão e julgamento em primeira instância,  posto que os documentos são meios de prova e o tribunal de recurso tem de decidir face aos elementos probatórios já ponderados no tribunal de primeira instância, apenas podendo admitir novos elementos de prova  em caso  da renovação da prova, nos termos previsto no art. 420º do CPP,  já, quanto à junção de pareceres jurídicos,   não existe  unanimidade de entendimentos, tendo-se firmado  duas orientações.

Segundo uma das correntes,  a audiência  aludida no nº1 do citado art. 165º reporta-se também  à audiência  no tribunal de recurso,  pelo que os pareceres  de advogados, de jurisconsultos e de técnicos podem ser juntos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância ou, em caso de recurso, até ao encerramento da audiência no tribunal de recurso. 

São defensores desta tese Maia Gonçalves[14], que, apesar de entender que a audiência a que se refere o nº1 do citado art. 165º, é a de discussão e julgamento em 1ª instância, considera  que isso não obsta  à junção de pareceres jurídicos até ao encerramento da audiência no tribunal superior, por os mesmos apenas poderem influenciar questões de direito.

No mesmo sentido, defende Germano Marques da Silva[15], que os  pareceres de advogados, de jurisconsulto ou de técnicos « podem ser juntos até ao encerramento da audiência - em 1ª instância ou em recurso», afirmando Simas Santos e Leal Henriques[16] que « os pareceres (…) poderão ser juntos até ao encerramento da audiência, o que, na hipótese  de recurso, faz com que tais pareceres se possam juntar até  à audiência no tribunal superior» e Paulo Pinto de Albuquerque[17] que  não é admissível a junção de pareceres depois do encerramento da audiência, «salvo, obviamente, se o parecer incidir sobre questão relativa à sentença recorrida», caso em que pode ser  junto no recurso.

Sufragaram este entendimento os acórdãos do STJ, de 30.10.2001 ( proc. 1645/01-3ª Secção),  de 08.01.2003 ( proc. 4221/02-3ª Secção) e de 03.01.2008 ( proc. 4221/02-3ª Secção).

Uma outra corrente, sustentada por Santos Cabral[18], segundo a qual os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos  só podem ser juntos até ao encerramento  da audiência em primeira instância.

Acolheram esta tese os acórdãos do STJ de 27.10.2010 ( proc. 72/06.4GACBT.G1.S1-5ª Secção ); 23.11.2011 ( proc. 550/09.3GBPMS.C1.S1-3ª Secção);  de 05.12.2012 ( proc. 704/10.0PVLSB.L1.S1- 3ª Secção)  e de 23.11.2016 ( proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1-3ª Secção).

Quanto a nós sufragamos esta segunda posição, por consagrar a solução que se mostra mais consentânea com a letra e espírito da lei.

É que se mesmo relativamente aos documentos, enquanto elementos de prova, só a título excepcional admite o nº1 do citado art. 165º  a  junção de documentos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, dada  a necessidade de garantir a observância do contraditório em tempo útil, antes da decisão final em primeira instância e, simultaneamente, a estabilidade processual, de modo a que o normal desenrolar do processo não seja a todo o momento perturbado pela junção de novos elementos, julgamos que  a remissão feita pelo nº3 do mesmo artigo para  aquele nº 1, lida à luz do  disposto no art. 9º, nº2 do C. Civil[19], significa que o legislador quis que o limite temporal  aí estabelecido valesse também  para os pareceres de advogados, de jurisconsultos e de técnicos.

E nem se diga que o facto de se tratar da junção de meros pareceres, opiniões técnicas relativas às questões tratadas nos autos, justifica a sua junção para além daquele momento, por apenas poderem influenciar a decisão das questões de direito, pois que, mesmo nesta perspectiva, os pareceres, a serem úteis,  teriam sempre se ser apreciados em 1ª instância, já que que os tribunais de recurso  não efectuam um segundo julgamento, procedendo, antes, ao  reexame das questões decididas na decisão recorrida sem entrar em linha de conta com elementos que o tribunal recorrido não pôde apreciar.

No caso dos autos, o parecer de fls. 3157 a 3203 foi junto pelo recorrente com a sua  com a motivação do recurso para este Supremo Tribunal, portanto, manifestamente fora do momento temporal previsto no nº1 do art. 165º do CPP, ex vi nº3 do mesmo artigo, ou seja, para além do encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, pelo que não se admite a sua junção aos autos, impondo-se, por isso, o seu desentranhamento.

***

2.2.2. (I) rrecorribilidade do acórdão  do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 26.10.2016, na parte em que confirma a condenação do arguido, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de  1ano de prisão. 

*


Dos elementos constantes dos autos, verifica-se que:

1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, nº 559/12.0JACBR, da Comarca de Leiria, Instância Central - Secção Criminal, foi proferido, em 30.10.2013,  acórdão  que, para além do mais, decidiu julgar improcedente a pronúncia,  absolvendo o arguido, AA da prática do crime  de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 131° e 132°, nºs 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86°, nº 3, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril e de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86°, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2°, nº 1, al. az) e artigo 3°, nº 4, al. a) e 5°, al a), do referido diploma legal.

2. Inconformados com esta decisão, dela recorreram o Ministério Público  e os assistentes para o Tribunal da Relação de Coimbra, que,  por acórdão de 25.06.2014, decidiu, para além do mais, conceder provimento aos recursos interpostos, alterando os pontos 2, 3, 7 e 9 da matéria de facto provada (dando por não escrita na matéria não provada o que os contraria) e determinando que o tribunal de 1ª instância, após reabertura da audiência e se necessário após produção complementar de prova, nos termos e para efeito do disposto no art. 368º, nº3 e no art. 369º do CPP, proferisse  nova sentença na qual conhecesse da qualificação jurídica da matéria fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada.

3.  Baixados os autos à 1ª instância, o tribunal coletivo,  sem produção de prova suplementar por os intervenientes processuais dela terem prescindido,  reabriu a audiência, e, após ter dado cumprimento ao disposto no art. 358º, nº3 do CPP, atenta a  possibilidade de alteração da qualificação jurídica do crime de detenção de arma proibida, proferiu, em  03.07.2015, acórdão, decidindo, para além do mais:

«1-  julgar totalmente procedente a pronúncia deduzida contra o arguido AA e, em consequência:

a)- condenar o arguido, pela prática, em autoria material e concurso real, de:

- 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.°, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão;

- e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal e não 5.°, al. a), como constava da pronúncia, na pena de 1 (um) ano de prisão.

b)- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão».

4.  Inconformados com o acórdão, dele recorrem o Ministério Público  e os assistentes, para o  Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 04.05.2016, decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido.

5.  Notificado deste acórdão, o MP invocou a sua nulidade por  omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP,  na sequência  do que  o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu, em 26.10.2016, novo acórdão no âmbito do qual, considerando verificada a denunciada nulidade,  declarou nulo o acórdão proferido em 04.05.2016 e  proferiu novo acórdão, decidindo:

«1. Em deferir a arguida nulidade por omissão de pronúncia;

2. Não conceder provimento ao recurso do arguido;

3. No provimento parcial do recurso do MP, em condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, de:

- 1 (um) crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelo art. 131.º e 132.º n.º 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado nos termos do artigo 86.°, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;

- e 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal e não 5.°, al. a), como constava da pronúncia, na pena de 1 (um) ano de prisão.

- Operando o cúmulo jurídico das duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

4 - Não conceder provimento ao recurso dos assistentes».

*

Perante este quadro factual, sustenta o arguido a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra  de 25.06.2014 na parte em que confirma a condenação do arguido pelo acórdão do tribunal de 1ª instância  na pena  de 1 ano de prisão pela prática de um crime de detenção de arma proibida, por à data da prática dos factos – 11 de agosto de 2012 - estar em vigor  o art. 400º, nº1, al. e) do CPP, na redação dada pela Lei nº 48/2007, nos termos do qual  não era admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena  não privativa da liberdade».

Mais sustenta que, não obstante, à data da prolação do  acórdão condenatório do tribunal colectivo de ... – 03.07.2015 – já se encontrar em vigor a nova redação dada ao citado art. 400º, nº1, al. e) pela Lei nº 20/2013, de 21.02, que passou a dispor    não ser  admissível recurso também  « de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem (…) pena de prisão superior a 5 anos», com a aplicação imediata da nova lei processual nos termos do disposto no art. 5º, nº1 do CPP, ficam cerceados os direitos de defesa do arguido, pelo que, de acordo com o disposto na al. a) do nº2 do mesmo artigo, será de aplicar, como lei mais favorável, a anterior redação do citado art. 400º, nº1, al. e).

E, para o caso de se vir a  entender  que este artigo, na redacção dada pela  Lei nº 20/2013, constitui norma interpretativa do mesmo artigo na redação anterior, sendo, por isso, de aplicação imediata a estatuição da irrecorribilidade de acórdão proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena de prisão não superior a cinco anos, invoca a inconstitucionalidade desta interpretação normativa, por violação do princípio da legalidade em matéria criminal ( artigo 29º, nº1 e 32º, nº1 da CRP) e do princípio do Estado de Direito democrático ( arts. 2º, 3º, nº3, 20º, nºs 1 e 4 e 205º da CRP).

Finalmente argumenta  não se verificar, no caso, a denominada “dupla conforme” condenatória uma vez que o arguido foi absolvido pelo primeiro acórdão proferido,  pelo tribunal colectivo de 1ª instância.

Por seu turno, defende o Ministério Público a irrecorribilidade do acórdão da Relação de Coimbra, nesta parte, porquanto, tendo o mesmo confirmado a decisão da primeira instância, aplicando uma pena de prisão não superior a 8 anos, a norma aplicável será a alínea f) e não a  alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na medida em que  estamos perante um caso de dupla conforme, e sendo assim não se coloca a questão da inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, al. e) do CPP, suscitada pelo arguido.

*

Consagrando o direito do arguido ao recurso,   dispõe o art. 61º, nº1, a. i) do CPP. que «o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e salvas as excepções da lei, dos direitos de recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis».  
O exercício do direito do arguido ao recurso, está, deste modo, condicionado  ao preenchimento de determinados pressupostos: existência da decisão de que se quer recorrer, decisão desfavorável e recurso admissível «nos termos da lei».
Mas se assim é, ou seja,  se  o direito ao recurso só pode ser exercido pelo arguido relativamente a uma decisão que lhe foi desfavorável, então, contrariamente ao defendido pelo arguido, impõe-se concluir, por um lado, ser totalmente irrelevante, para efeitos de determinação lei processual aplicável, em matéria de admissibilidade do  recurso,  a data  da prática dos factos pelo recorrente, pois, neste momento, não existe uma decisão.
E, por outro lado, que a lei processual aplicável só pode ser a que regula o exercício do direito quando o mesmo pode ser exercido, porque  uma outra lei  não interfere com a esfera jurídica atual do arguido.
Nas palavras de José António Barreiros[20], o momento em que é proferida a decisão será «aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afetados, na decorrência de um abstrato direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário»
Daí o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, nº 4/2009, de 18.02.09, (DR, I Série, de 19-03-2009) ter fixado jurisprudência no sentido de que, em matéria de recursos penais, no caso de sucessão de leis processuais, é aplicável  a lei vigente à data da decisão proferida em 1ª instância.
Deste modo e no dizer deste mesmo acórdão,  no que  respeita ao arguido, o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser o coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
É que, como  se afirma  neste acórdão, « anteriormente à decisão final sobre o objeto do processo, no termo da fase do julgamento em primeira instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos de exercício do direito ao recurso, que como “direito a recorrer” de “decisão desfavorável”, concreto e efetivo, apenas com aquele ato ganha existência e consistência processual».
Significa isto, no caso dos autos em que a primeira decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância foi uma decisão absolutória, que o momento a atender para aferição da lei aplicável, em matéria de admissibilidade do recurso, é  o da decisão da condenação em primeira instância, pois é esta decisão que contém e fixa os elementos determinantes (qualificações e âmbito das questões decididas; natureza dos crimes; penas aplicadas) para formulação do juízo por parte do arguido sobre o direito e o exercício do direito de recorrer.
E porque assim é, evidente se torna, face à doutrina do citado acórdão de fixação de jurisprudência, ser totalmente irrelevante,  para efeitos de determinação lei processual aplicável, em matéria de admissibilidade do  recurso, quer a data   da prática dos factos pelo arguido ( 11.08. 2012), quer a data da sentença  proferida pelo tribunal de 1ª instância ( 30.10.2013) que  decidiu  absolver o arguido, AA da prática do crime  de homicídio qualificado e  do crime  de detenção de arma proibida de que estava pronunciado.
Ora, porque a decisão condenatória do tribunal de 1ª instância foi proferida em 30 de outubro de 2013, e porque nesta data ( tal como aquando da prolação da 1ª decisão da 1ª instância) estava já em vigor  o citado art. 400º do CPP, na  redação dada pela Lei nº20/2013, de 21.02, como decorre do seu art. 4º, impõe-se ter por assente ser  esta a versão aplicável ao caso dos autos. 

Por outro lado, considerando que o acórdão proferido pelo tribunal de 1ª instância, condenou o arguido, pela prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal, na pena de 1 (um) ano de prisão e que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, manteve esta qualificação jurídica dos factos bem como a pena aplicada, não restam dúvidas  de que  a norma aplicável, ao caso vertente,  é da  alínea f) e não a  alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP ( na  redação dada pela Lei nº20/2013, de 21.0 2) na medida em que  estamos  perante um caso de dupla conforme e uma pena de prisão não superior a 8 anos.

E nem se diga, como o faz também o arguido,  não se verificar, no caso, a denominada “dupla conforme” condenatória uma vez que o arguido foi absolvido pelo primeiro acórdão proferido  pelo tribunal colectivo de 1ª instância, pois, conforme já se deixou dito, para  efeitos de aferição da admissibilidade de recurso, de nada vale a decisão absolutória, por não consubstanciar uma decisão desfavorável ao arguido, sendo, antes, determinante,  a decisão condenatória, visto ser ela   a decisão que conforma os termos, o conteúdo e, por decorrência, os efeitos  do direito do arguido  de recorrer das decisões que lhe sejam desfavoráveis.
Deste modo, assente que a lei aplicável, no presente caso, é a al. f) do nº 1 do art. 400.º do CPP, na atual redacção, prejudicado fica o conhecimento da invoca inconstitucionalidade da alínea e) deste mesmo artigo.

Acresce que, como este Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo, de forma constante e pacífica, só é admissível recurso de decisão confirmatória da relação no caso da pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo. Neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 13.11.2008 (proc. nº 3381/08); de 23.09.2009 ( proc.nº27/04.3GGBTMC.S); de23.06.2010 (proc.1/07.8ZCLSB.L1.S1); de 11.11.2010 (proc.117/09.6JAGRD.C1) e de24.03.2011(proc.322/08.2TARGR.L1.S1)[21].

E, em sentido idêntico, pronunciou-se também o Tribunal Constitucional, que nos acórdãos nºs  186/2013 e  de  269/2014  decidiu « não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, na interpretação de que,  havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão».
Deste modo, conquanto a pena conjunta cominada ultrapasse aquele patamar situando-se nos 17 anos de prisão, a verdade é que, no caso vertente,  estamos perante a aplicação de uma pena parcelar não superior a 8 anos, aplicada pelo Tribunal de 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação, pelo que, face ao disposto no art. 400º, nº1, al. e) do CPP,  o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é, neste segmento, irrecorrível, impondo-se a sua rejeição, nesta parte,  nos termos do disposto nos arts  420º, nº1, al. b) e 414, nº2, ambos do CPP,  a significar que, relativamente à condenação do arguido na pena de 1 ano de prisão pela a prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal,  está este Supremo Tribunal impossibilitado de exercer qualquer sindicação.

*

2.2.3. Nulidade do acórdão por falta de fundamento para reenvio do processo.

Invoca o recorrente a nulidade do acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 26.10.2016, por efeito da contaminação previsto no art. 122º do CPP,  decorrente, quer da nulidade do  acórdão  proferido por esta mesma relação em 25.06.2014, na parte em que ordenou o reenvio do processo ao Tribunal de  1ª instância, para que este tribunal após reabertura da audiência e se necessário após produção complementar de prova, nos termos e para efeito do disposto no art. 368º, nº3 e no art. 369º do CPP, proferisse  nova sentença na qual conhecesse da qualificação jurídica da matéria fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada, quer da nulidade do acórdão condenatório proferido, em 03.07.2015, pelo Tribunal de 1ª instância, por violação das regras que fixam a competência funcional dos tribunais.


Sustenta o arguido, por um lado, padecer o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em  26.04.2014,  de nulidade, nos termos do art. 379º, nº2 do CPP, por omissão de pronúncia, pois que, tendo fixado a matéria de facto,  não podia  deixar de proferir a decisão de direito, estando-lhe vedada a possibilidade de devolver a prolação dessa decisão ao tribunal a quo.
E, por outro lado, padecer o acórdão condenatório proferido, em 03.07.2015, pelo tribunal de 1ª instância, de nulidade  nos termos do disposto nos arts. 12º, nº3, al. b), 32º, nºs 1 e 9 (a contrario), 119º, al. e) e 122, todos do CPP, pois ao conhecer da matéria de direito, decidiu matéria que era da competência  funcional do Tribunal da Relação, nos termos do art. 12º, nº3, al. b) do CPP.
Mais alega que, por força do disposto no art. 122º do CPP, estas nulidades tornam igualmente nulo o acórdão ora recorrido, proferido pela Tribunal da Relação de Coimbra em 26.10.2016.
  

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Sobre a questão de saber se cabia à relação ou à 1ª instância a determinação da espécie e medida da pena no caso da relação, em recurso, revogar a decisão absolutória da 1ª instância e formular um juízo sobre a culpabilidade do arguido, perfilhavam-se, no seio da jurisprudência, duas correntes.
Não há dúvida que  o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06. 2014  seguiu o entendimento daqueles que defendem  que,  tendo o Tribunal da Relação  procedido à alteração da  decisão sobre a matéria de facto, impõe-se ordenar o reenvio ( atípico) com vista à determinação da pena por parte do  tribunal de 1ª instância, na consideração de que haveria limitação  do direito de recurso sempre que houvesse absolvição em primeira instância  e condenação na segunda instância ( Neste sentido, vide Damião da Cunha e acórdãos do STJ, de 15.05.2003,  proc. nº 863/03-5ª Secção  e de 19.02.2004, proc. nº4332/03 – 5ª Secção).
Não é este, porém, o nosso entendimento, sufragando-se, antes, a corrente segundo a qual cabe ao Tribunal da Relação  proceder à determinação da espécie e da medida da pena.
Desde logo, porque o Tribunal da Relação, enquanto tribunal de recurso, apenas pode fazer uso do reenvio ( total ou parcial) no caso previsto  no art. 426º do CPP, ou seja, sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº2 do art. 410º, não for possível decidir da causa.
Daí considerar-se  que  o acórdão do  Tribunal da Relação que, ao arrepio dos seus poderes de cognição, consagrados no art. 428º do CPP, conhece de facto, mas não decide de direito, podendo e devendo fazê-lo, incorre em  omissão de pronúncia geradora de nulidade  da decisão nos termos do art. 379º, nº1, al. a)  do CPP, por não conter as menções obrigatórias referidas  no nº2 e nas alíneas a) e b) do nº 3 do art. 374º do CPP, ou seja, por não ter efectuado a subsunção jurídica da matéria de facto provada de forma a consagrar decisão condenatória ou absolutória, traduzindo um non liquet  sobre o thema decidendum do recurso. 
De salientar que, na esteira deste último  entendimento,  o Acórdão  do Supremo Tribunal nº 4/2016, de 21.01.2016 (DR, I Série, de 22.02.2016)  já veio fixar jurisprudência no sentido de que « em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos atigos 374º, nº3, alínea b) , 368º, 369º, 371º, 379º, nº1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424º, nº2 e 425º, nº4, todos do Código de Processo Penal».
Mas, se é certo padecer o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 da referida nulidade, não menos certo é  que o arguido, aquando da respectiva prolação,  não reagiu contra ela, o que, ante o disposto no art. 379º, nº2 do CPP, nos remete para a questão de indagar  de que forma poderia tê-lo feito, designadamente de saber se ao arguido era permitido recorrer  de tal acórdão.
É que, como refere o Conselheiro Oliveira Mendes[22],  as nulidades da sentença enumeradas no artigo 379º, nº1, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes actos processuais, devendo ser arguidas  ou conhecidas, oficiosamente, em recurso, só podendo ser arguidas, no prazo geral de 10 dias e perante o próprio tribunal que proferiu a decisão,  no caso desta  não admitir recurso ordinário, nos termos do disposto no art. 379º, nº2,  120º, nº1 e 105º , nº1, todos do CPP.

Vejamos, então,  se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 era, ou não, recorrível.

Nesta matéria,  dispõe o  art. 400º, nº1, al. c) (na redacção dada pela Lei nº 20/2013, de 21.02), por referência à al. b) do art. 432º, ambos do CPP, que  não é admissível recurso «de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam,  a final, do objecto do recurso».

O fundamento da consagração desta causa de irrecorribilidade, no dizer do Acórdão do STJ, de 26.06.2003 ( proc. 2396/03), prende-se  com o princípio da economia processual, « na medida em que, não sendo posto, então, termo à causa, ninguém pode garantir que venham a persistir com o desenvolvimento posterior do processado os motivos actuais de discordância do recorrente.

Ninguém pode garantir, com efeito, que, na feitura do novo acórdão pelo tribunal de 1.ª instância, ordenada pela relação ora recorrida, aquele continue a dar motivos de queixa ao recorrente, nomeadamente os que entendeu levar perante o referido tribunal superior.

E, de algum modo, dar satisfação a um elementar princípio de concentração processual, deslocando para um único momento - o da apreciação da decisão final - o conhecimento de todos os motivos interlocutórios de divergência do recorrente com o decidido, ou seja, o momento em que, finalmente, o tribunal de recurso haja de conhecer, se for caso disso, da decisão final em causa».

Como refere o Conselheiro Oliveira Mendes, no Acórdão do STJ, de 28.04.2016 ( proc. 8292/12.6TDPRT.P2-A.S1- 3ª Secção), o texto do citado art. 400º, nº1, al. c) «  ao aludir a decisão que não conheça, a final, abrange todas as decisões proferidas antes e depois da decisão final e, ao aludir ao objecto do processo, refere-se ao factos imputados ao arguido, pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objecto da acusação ( ou da pronúncia), visto que é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objecto do processo, condicionando o “se” da investigação judicial, o seu “como” e o seu “quantum”, pelo que contempla todas as decisões que não conheçam do mérito da causa».

Deste modo, tudo está em saber se o dito acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06.2014 configura uma decisão final proferida em recurso, ou, antes, uma decisão interlocutória, isto é, uma decisão que não ponha termo ao processo. 

Trata-se de definições que, no dizer do Conselheiro Santos Cabral, in acórdão de 25.09.2013 ( proc. 101/07.4IDBRGEL.S1- 3ª Secção), assentam no conceito de relação jurídica processual penal, estabelecida entre o Estado, detentor do poder punitivo, o arguido e todos os diversos sujeitos processuais.

Assim, segundo este mesmo acórdão, decisão que põe termo à causa  «é aquela  que tem como consequência o arquivamento ou enceramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito». «Trata-se  da decisão que põe termo àquela relação jurídica processual penal, ou seja, que termina o terminus da relação entre o Estado e o Cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal».

 Diferentemente e nas  palavras do Acórdão do STJ, de 05.03.2008 ( proc 220/08-3ª Secção), a decisão final é aquela «que conhece a final do processo, é aquela que se debruça sobre o mérito da causa, sobre a relação substantiva, pondo termo ao processo».

E se é certo, tal como se afirma neste acórdão, que «uma decisão que conhece, a final, do processo põe-lhe sempre termo», já «uma decisão que põe fim ao processo nem sempre assume a “fattispecie” de uma decisão final, embora possa trazer aquela consequência».

Ora, procurando integrar num destes conceitos, o Acórdão do Tribunal da Relação de 25.04.2014  - que, relativamente ao acórdão absolutório  do tribunal colectivo  de 1ª Instância  de 30.10.2013,  alterou  os pontos 2, 3, 7 e 9 da matéria de facto provada (dando por não escrita na matéria não provada o que os contraria) e   determinou a remessa dos autos à primeira instância, quer para efeitos de reabertura da audiência e, se necessário,  de produção  complementar de prova, nos termos do disposto no art. 368º, nº3 e no art. 369º do CPP, quer para efeitos de prolação de nova sentença para  qualificação jurídica da matéria de facto fixada e para determinação da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada - , diremos que, não obstante tratar-se de acórdão que conheceu da questão  substantiva atinente à matéria  de facto,  não estamos, seguramente, perante  uma decisão final.

É que se é certo que apreciou e decidiu, em última instância de recurso, a matéria de facto, não menos certo é que o sobredito acórdão não põe termo à causa ( que  prosseguiu, em função do reenvio, no tribunal de 1º instância), nem conheceu, a final, do objecto do processo, pois não pronunciou uma condenação ou uma absolvição do arguido.

Dito de outro modo, no momento da sua prolação, ainda não há qualquer decisão que, com base nos factos julgados provados, se tenha pronunciado sobre a responsabilidade criminal do arguido, na medida em que esse encargo foi acometido  ao tribunal de 1ª instância.

E ainda que, no plano da mera estrutura formal da decisão, se possa estabelecer uma divisão entre a decisão da matéria de facto e decisão da matéria de direito, a  verdade é que a decisão sobre a matéria de facto não é cindível do corpo da decisão proferida, que é uma unidade lógico-funcional que apenas se corporiza com a prolação da decisão final, que aprecia a sua subsunção aos tipos criminais imputados ao arguido e, julgando-se preenchidos os respectivos elementos típicos, determina a pena concreta a aplicar.

Vale tudo isto por  dizer que o acórdão do Tribunal da Relação de 25.06.2014 consubstancia tão só uma decisão parcelar, que apenas  se pronunciou sobre os factos imputados ao arguido, mas que só valerá, para efeitos de recurso, quando integrada pela pronúncia definitiva quanto à questão de saber se desse modo estão preenchidos os pressupostos de que depende a responsabilidade criminal do arguido, que é o principal objecto do presente processo crime.   

De resto sempre se dirá que, inexistindo, ainda, qualquer pronúncia quanto à responsabilidade criminal do arguido, designadamente no que tange à medida da pena, não existe sequer certeza quanto à irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal da Relação em sede de recurso da decisão condenatória proferida pelo tribunal de primeira instância.

Daí ser irrecorrível o  acórdão do Tribunal da Relação de 25.06.2014 que,  por ser  um acórdão interlocutório enquadra-se na previsão do citado art. 400º, nº1, al. c) do CPP.
E porque assim é, ou seja, porque este acórdão  não admite  recurso, cabia ao arguido, caso nisso estivesse interessado, invocar a nulidade deste mesmo acórdão, ora alegada, nos termos do art. 379º, nº1, al. a)  do CPP,  perante o próprio Tribunal da Relação e no prazo geral de 10 dias, a contar da notificação, nos termos do disposto no art. 379º, nº2,  120º, nº1 e 105º , nº1, todos do CPP.

Não o tendo feito dentro deste prazo, precludido ficou, desde há muito, o direito à sua  arguição, pelo que  vedada fica também ao arguido  a faculdade de, com base no efeito da contaminação previsto no art. 122º do CPP, vir, através do presente  recurso, arguir a nulidade relativa ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 com fundamento na omissão de pronúncia, por ter fixado a matéria de facto sem extrair  as consequências jurídicas para fazer dela decorrer a nulidade do acórdão ora recorrido, tanto mais que tal nulidade ficou suprida com a prolação do acórdão condenatório de 03.07.2015.

É que se assim não fosse, estaríamos  não só a deixar entrar pela janela, aquilo que a lei não deixou entrar pela porta, como a violar o  caso julgado formal decorrente do trânsito em julgado do  acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de  25.06.2014, que, como  já dissemos, implica, nesta parte,  a extinção da possibilidade de apreciação jurisdicional da matéria de facto[23],  ficando, de igual  modo, precludida a possibilidade de  lhe serem apostas quaisquer questões que coloquem em causa tal decisão ( com excepção, obviamente,  das questões relativas à apreciação da legalidade das provas  de que o tribunal se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente no domínio normativo da valoração em julgamento de provas proibidas, questões essas susceptíveis de serem conhecidas  no âmbito do recurso do presente, por se tratarem de questões de direito).

E nem se diga, como o faz o arguido, que  o non liquet do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 constitui violação das garantias de defesa do recorrente, pois  não obstante este acórdão do Tribunal da Relação ser irrecorrível, o arguido não só  podia impugná-lo, por via da invocação das nulidades ora alegadas perante o Tribunal  da Relação, nos termos do art. 120º, nº1 do CPP e no prazo estabelecido no art. 105º, nº1 do mesmo código, como tinha sempre assegurada a possibilidade de interpor recurso para o Tribunal da Relação do  acórdão final proferido pelo tribunal de 1ª instância, o que, aliás,  veio a fazer quanto ao acórdão condenatório proferido por este tribunal em 03.07.2015.

De referir ainda que, tal como salvaguardou o Tribunal Constitucional, no seu  acórdão nº 877/2014 ( proferido nos presentes autos em sede de reclamação apresentada pelo recorrente da decisão  que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do art. 70º, nº1, al. b) do LTC -  cfr. fls. 1780 a 1788), ao abordar esta questão, a prolação do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2016 nem tão pouco afasta a ulterior possibilidade de apreciação da   legalidade das provas de que o Tribunal da Relação se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente no domínio normativo da valoração em julgamento de provas proibidas, em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por se tratar de matéria de direito.

Acresce que, sendo irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de  25.06.2014, nos termos do art. 400º, nº1, al. c) do CPP e tendo  transitado em julgado  na parte em que determinou o reenvio do processo ao tribunal da 1ª instância para efeitos de prolação de nova sentença para  qualificação jurídica da matéria de facto fixada e para determinação da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada, dúvidas não restam que o mesmo constitui caso julgado formal, tornando-se tal decisão, nas palavras do  Acórdão do STJ, de 20.10.2010 ( proc. 3554/02.3TDLSB.S2- 3ª Secção) insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto a esta matéria e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï), razão pela qual o  acórdão do tribunal de 1ª instância não podia deixar de proferir nova sentença para  qualificação jurídica da matéria de facto fixada e para determinação da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada, conforme decisão do sobredito acórdão, pois, como é consabido, sobre o mesmo impedia o dever de  acatamento das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.

De igual modo e pela mesma razão, carece, em absoluto, de fundamento legal a afirmação feita pelo recorrente de que, uma vez proferido o primeiro acórdão absolutório pela 1ª instância,  no âmbito das competências que lhe atribuíam os arts. 14º e 19º do CPP, esgotou-se o  poder jurisdicional dessa 1ª instância, não podendo a primeira instância, após interposição de recurso, proferir sentença de condenação do arguido, fora do âmbito das  das possibilidade previstas  no art. 426º do CPP, por tal competência caber funcionalmente ao tribunal da Relação.  

De resto sempre se dirá que a obrigatoriedade  tribunal de 1ª instância proceder, neste caso, à elaboração de nova sentença,  resulta com toda a clareza do disposto no art. 426º-A do CPP.

 

Por todo o exposto, improcede a invocada nulidade do acórdão recorrido, que se mantém, nesta parte,  ainda que com base em diferente fundamento.   

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2.2.4. Nulidade do acórdão condenatório por falta de competência e perda da eficácia da prova produzida.

Persiste o arguido em sustentar que, tratando-se de um reenvio total e tendo o acórdão  do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014, omitido a menção a concretas questões de facto a decidir  no novo julgamento, é nulo o acórdão condenatório de 03.07.2015  do tribunal de 1ª instância, nos termos do art. 120º, nº2, al. d) do CPP, porquanto este tribunal não podia ter tomado decisão sem qualquer produção de prova, como também se impunha  que o novo julgamento fosse efetuado pelo mesmos juízes que subscreveram o acórdão absolutório de  30.10.2013.

Mais defende a perda da eficácia da prova produzida em 2013,  nos termos dos arts. 328º, nº 6 e 328º-A do CPP,  com a consequente nulidade do acórdão condenatório de 03.07.2015.

  

Diversamente, entendeu o  acórdão recorrido que, tratando-se de um reenvio parcial,  o tribunal de 1ª instância podia ter tomado decisão sem qualquer produção de prova e que, não tendo havido produção de prova suplementar para determinação da sanção, não tem aplicação o disposto no citado art. 328º, nº6 nem ocorreu preclusão da prova produzida.   

Vejamos, então, de que lado está a razão.
Não há dúvida que  o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06. 2014, não obstante ter, através da alteração da decisão sobre a matéria de facto, suprido o denunciado  vício quanto à matéria de facto inquinada, entendeu que, com vista a evitar uma decisão surpresa para os sujeitos processuais e para não privar os mesmos do duplo grau de jurisdição quanto a tais questões, que as consequências a extrair da operada alteração fáctica deveria, «dentro do espírito do preceito (art. 426ºcitado) equivaler ao dito reenvio».

E, em consequência disso, determinou que  «o tribunal de 1ª instância, após reabertura da audiência e se necessário após produção complementar de prova, nos termos e para efeito do disposto no art. 368º, nº3 e no art. 369º do CPP», proferisse   nova sentença na qual conhecesse da qualificação jurídica da matéria fixada, da pena a aplicar e da indemnização civil reclamada.

Pode-se assim concluir, com toda a segurança,  que, contrariamente ao que defende  o arguido, o Tribunal da Relação não determinou a produção complementar de prova, por ter considerado a prova já produzida, ponderada e apreciada, insuficiente  para dela tirar conclusões no tocante  à espécie e medida da sanção a aplicar, mas, antes, por razões de ordem processual, dando, inclusivamente, ao próprio arguido a oportunidade de, uma vez confrontado com a alteração da decisão sobre a matéria de facto, apresentar novos meios de prova.
E a verdade é que, não obstante ter sido notificado para esse efeito, o arguido nada veio requer, pelo que, não tendo havido lugar à produção de qualquer prova suplementar, nem sequer houve  necessidade de retomar a fase de deliberação sobre a matéria de facto e de sopesar a prova suplementar em conjunto com a prova produzida.

E porque assim é, ou seja, porque o tribunal de 1ª instância limitou-se a conhecer da qualificação jurídica da matéria de facto  já fixada, em última instância de recurso, pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014  e a determinar a pena a aplicar bem como a indemnização civil reclamada, nada impedia que este novo julgamento fosse efectuado pelos juízes que integravam  o tribunal na data da sua realização, não se descortinando  fundamento legal para impor-se a  prolação do novo acórdão pelos mesmos juízes que haviam proferido o acórdão absolutório de  30.10.2013 .

De salientar que o art. 328º-A do CPP, introduzido pela Lei nº 27/2015, de 14 de abril,  não tem aplicação ao presente processo, por força do disposto  no seu  art. 6º, segundo o qual aquele artigo não se aplica aos processos pendentes.

E se é certo que,  na ausência de regulamentação sobre a matéria, sempre seria de aplicar aos presentes autos o art. 605º do CPC, ex vi art. 4º do CPP, do qual decorre o princípio geral de que só pode intervir na decisão os juízes que tenham assistido a todos os atos de instrução e discussão praticados na audiência de julgamento, a verdade é que  não se vê que esta norma imponha, no caso de reenvio para efeitos de qualificação jurídica da matéria de facto  já fixada e de determinação da sanção, a realização deste novo julgamento pelo mesmos juízes que intervieram no primeiro julgamento.

Acresce estar  a questão da perda da eficácia da prova completamente ultrapassada face à alteração legislativa ocorrida com a Lei nº 27/2015, de 14 de abril[24], anteriormente à prolação do acórdão condenatório do tribunal de 1ª instância de 03.07.2015 e que, por um lado, alterou a  redação do nº6 do art. 328º do CPP, suprimindo o segmento que declarava  a perda da eficácia da produção de prova já realizada no caso do adiamento da audiência exceder trinta dias.

E, por outro lado, aditou um número, que passou a figurar sob o nº 7, que excluiu da contagem dos 30 dias estabelecido no  nº6, entre outras situações, o período em que « em via de recurso, o julgamento seja anulado parcialmente, nomeadamente para repetição da prova  ou produção de prova suplementar»  

Com efeito, conforme resulta da “Exposição de Motivos “ da Proposta de Lei nº 263/XII, foi propósito do legislador  de proceder à «eliminação da sanção consistente na perda da prova, por ultrapassagem do prazo de 30 dias para a continuação de audiência de julgamento interrompida», referindo-se depois  que  « no contexto tecnológico actual, a sanção legalmente prevista  – perda da eficácia da prova pela ultrapassagem  do prazo legal de 30 dias para a continuação da audiência de julgamento - antolha-se desajustada, sendo certo que se considera  que a eliminação desta sanção  não contende  com a manutenção plena dos princípios da concentração da audiência e da imediação».


Termos em que  improcede também, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

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2.2.5. Nulidade do acórdão recorrido por violação do dever de fundamentação e das regras da prova pericial.

Sustenta o arguido que o acórdão condenatório de 03.07.2015, proferido pelo tribunal de 1ª instância,  no que respeita à  matéria de facto, sem acrescentar qualquer materialidade, limitou-se a remeter para os termos exposto no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06. 2014,  o que foi mantido, integralmente,  pelo acórdão ora recorrido, de 26.10.2016, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
E porque assim aconteceu, padece este acórdão de nulidade por violação do dever de fundamentação, nos termos  do artº 379º, nº1, al. c), “ex vi” artº 425º, nº 4 do CPP, por não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado.

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O dever de fundamentação das decisões judiciais, que não sejam de mero expediente, tem consagração constitucional no nº1 do art. 205º da CRP, ocupando, nas palavras de Michele Taruffo[25], «um lugar central no sistema de valores nos quais deve inspirar-se a administração da Justiça no Estado democrático moderno» e «constituindo um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional».
Segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional[26], este dever, cumpre, no essencial duas funções: uma de  ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo atípico da lógica da decisão, permitir aos sujeitos processuais  o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos seguros, um juízo concordante ou divergente; uma outra, de ordem extraprocessual, q        ue procura tornar possível um controlo externo sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.
 Em matéria de  processo penal, este dever de fundamentação está  expressamente consagrado no art. 97º, nº5 do CPP, desdobrando-se, segundo refere o acórdão do STJ, de 09.09.2015[27], quer na fundamentação de facto, quer na fundamentação de direito, prendendo-se a primeira com a prova ou com a falta dela, com todos os motivos que levaram o tribunal a considerar provados determinados factos em detrimento  de outros que não ficaram demonstrados e, relacionando-se a segunda com a argumentação jurídica de que o tribunal se socorreu ( ou se deve socorrer) para proceder ao enquadramento jurídico para o quadro factual que foi objecto de julgamento no processo.
Como escreve o Conselheiro Armindo Monteiro, no Acórdão do STJ de 27.01.2009[28], « a motivação das sentenças judiciais é um dos Direitos do Homem, com consagração no art. 6º, §1º, da CEDH, reputada  como o direito do acusado a um processo justo, consagrado no art. 20º, nº4, da CRP, e é considerado como o remédio essencial contra o arbítrio, através dela prestando o juiz conta aos sujeitos processuais  e à colectividade, dos critérios adoptados e dos resultados adquiridos».
No dizer ainda deste mesmo acórdão, o dever de fundamentação  da decisões judiciais «enquanto princípio estruturante do processo penal, põe a descoberto que a decisão não enferma de desvio de poder ou de finalidade bem como que o seu objectivo não foi absurdo, contraditório ou desproporcionado», mas «não tem  que consistir na análise aprofundada de todas as deduções das partes e nem num exame pormenorizado de todos os elementos do processo (…), satisfazendo-se com um “raciocínio justificativo” mediante o qual o juiz mostra que a decisão se funda em “ bases racionais idóneas”, para a tornarem aceitável, credível», pelo que  o exame crítico das provas, com a explicitação das razões por que uma são mais credíveis do que outras, tal como refere o art. 374º, nº2 do CPP, cumpre «satisfatoriamente as razões  que ao arguido assiste de conhecer de conhecer o porquê da sua condenação». 

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No caso dos autos, o arguido/ recorrente faz decorrer a  nulidade do acórdão recorrido por violação do dever de  fundamentação do acórdão recorrido, nos termos  do artº 379º, nº1, al. c), “ex vi” artº 425º, nº 4 do CPP, por não se ter pronunciado sobre questões que deveria ter apreciado, mais concretamente da circunstância de  não ter fundamentado devidamente o afastamento do valor probatório de prova pericial, ou seja, do relatório de autópsia  de fls. 358 a 364  ( quanto aos orifícios de entrada e ao trajeto dos projéteis)  e do  relatório de fls. 385 e 386 ( que revelou a inexistência de resíduos de disparos com armas nas mãos cara, cabelos e roupa do recorrido), o que constitui violação das regras sobre o valor da “prova vinculada” e seus pressupostos factuais, nos termos do disposto no art.º 163.º, do CPP.
Ora, consabido, tal como refere o Acórdão do STJ, de 12.02.2009 ( proc. nº 131/11.1YFLSB),  que  a nulidade resultante de  omissão de pronúncia verifica-se «quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão »,  não se vislumbra que se possa enquadrar neste  fundamento a discordância  quanto à valoração que as instâncias procederam  do relatório de autópsia de fls. 358 a 364   e do  relatório de fls. 385 e 386, tanto mais que, conforme se vê de fls. 48 e 49, o acórdão ora recorrido apreciou e decidiu o recurso, na parte em que o recorrente visava a impugnação da decisão proferida em matéria de facto, julgando, neste segmento, improcedente o recurso interposto pelo arguido, com fundamento de que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, encontra-se a coberto do caso julgado formal, parcial ou relativo.
E sendo assim, não se mostra fundada a arguição da nulidade do acórdão ora recorrido, por omissão de pronúncia, pelo que não pode deixar de improceder a nulidade arguida nos termos do art. 379º, nº1, al. c) do CPP.

Contudo e porque, no fundo, o  que o recorrente pretende, verdadeiramente, é questionar a valoração  que as instâncias ( na medida em que o acórdão condenatório do tribunal de 1ª instância e o acórdão ora recorrido, corroboraram a  convicção formada pelo acórdão do Tribunal da Relação  no acórdão de 25.06.2014) fizeram  destes meios de prova, face ao disposto no art. 163º do CPP,  urge indagar se estamos, ou não, perante  matéria passível de ser sindicada por parte deste Supremo Tribunal,  posto que, como é consabido e resulta  do estatuído nos  arts. 428º e 434º, ambos do CPP, o Tribunal da Relação, em regra, encerra o ciclo  de conhecimento da matéria de facto, cabendo-lhe a reapreciação daquela matéria,  e o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, cinge o seu poder de cognição à matéria de direito, procedendo ao seu reexame.

A este respeito, diremos que ainda que, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal[29], se aceite caber,  nos poderes de cognição deste Tribunal, a apreciação da legalidade das provas de que o tribunal recorrido se serviu para fixar a matéria de facto, designadamente no domínio normativo da valoração em julgamento de provas proibidas ( arts. 125º e 126º do CPP), por se tratar de matéria de direito, temos por certo estar fora da sua competência exercer censura sobre a valoração que as instâncias procederam dos diversos meios de prova, sobre a convicção que sobre elas formam, a menos que essa valoração envolva violação da lei.

Ora, quanto ao valor da prova pericial, dispõe o  nº1 do art. 163º do CPP, que  «O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador», estabelecendo o seu nº2 que «sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência». 

Todavia, verificando-se que  o relatório de autópsia de fls. 358 a 364 não é conclusivo quanto à distância dos disparos e  que o relatório de fls. 385 e 386 «não revelou resultados significativos quanto à presença de partículas características/ consistentes com resíduos de disparos», vale isto por dizer  que, sobre estes factos, a prova pericial  não se traduz num juízo seguro, pelo que, neste caso, conforme  afirma o Acórdão do STJ, de 26.11.2015 ( proc. 150/11.8JAAVR.C1.S1- 5ª secção), não impõe ao julgador «qualquer limitação à apreciação “global” da prova segundo o princípio da livre apreciação da prova ».
E porque, tal como já se deixou dito,  está vedada  a este Tribunal a possibilidade de sindicar a valoração feita pelas instâncias, à luz do princípio da livre apreciação, dos sobreditos relatórios, improcede também, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

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2.2.6. Nulidade da prova por reconhecimento e inconstitucionalidade da norma do art. 127ºdo CPP.

Estamos no âmbito dos meios de prova, dos princípios relativos à produção, validação e aferição da prova e da matéria de facto a considerar como provada e não provada, de acordo com a prova produzida e os critérios e princípios que devem reger a matéria da prova no processo penal.
E porque  a decisão de valorar ou não valorar o meio de prova em causa, embora se repercuta na decisão sobre a matéria de facto, é questão de direito, respeitante à legalidade ou ilegalidade da prova produzida, dela se passa a conhecer.

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Persiste o recorrente em  questionar a validade e a valoração da prova por reconhecimento realizado, na fase preliminar do inquérito, sem reconhecimento dos direitos previstos no art. 61º do CPP, nomeadamente sem a prévia constituição como arguido e sem que lhe fosse garantida a presença de um advogado, bem como do reconhecimento feito na audiência de discussão e julgamento pela testemunha, GG , sem observância das regras impostas pelo art. 147º do CPP.

Posto que,  como resulta claro  dos autos e afirmou o acórdão recorrido,  não  foi efectuado qualquer  “reconhecimento” do arguido,  anteriormente à audiência de julgamento, no âmbito do inquérito ou da instrução, prejudicado fica, nesta parte, o conhecimento da invocada nulidade.

E sendo assim, a  questão fundamental  que se coloca é a de saber se o depoimento da testemunha, GG, feito na audiência de julgamento consubstancia, ou não,  um «reconhecimento pessoal»,   nos termos do art. 147º, nº1 do CPP, para o que importa trazer  à colação, o teor  do depoimento da testemunha em causa  bem como  da motivação da decisão sobre a matéria de facto dada pelo Tribunal da Relação de Coimbra  de 25.06.2014 ( que o acórdão condenatório da 1ª instância incorporou e o acórdão recorrido corroborou).  

Sobre o depoimento da aludida testemunha, afirmou  o sobredito  acórdão ter a mesma referido, em síntese, que:

««« Seguia de automóvel em direcção a casa de sua mãe e apercebeu-se de dois indivíduos, idosos, que seguiam na mesma direcção, um atrás do outro, “apressados”, o que ia à frente ligeiramente mais baixo que o que ia atrás. Alguma coisa lhe chamou instintivamente a atenção tanto que, já pelo retrovisor, viu um deles – o que seguia à frente - cambalear dois ou três passos e cair por terra e o outro (que seguia a atrás) parado a uns 4-5 metros daquele que estava caído, o que o fez parar e inverter a marcha do veículo;

No momento em que inverteu a marcha do veículo, olhou para os dois indivíduos e aquele que estava de pé virou costas e afastou-se. Chamou-o “venha cá” ao que ele respondeu “O que é que o Sr. Quer?” e continuou a afastar-se na direcção de ....;

Apenas estavam ali aquelas duas pessoas;

Chamou o INEM e tentou reanimar o indivíduo caído no chão mas não havia qualquer resposta a estímulos, respirava com dificuldade; 

Na altura não se apercebeu nem suspeitou de que a pessoa caída por terra tivesse sido atingida por tiros, pensou apenas que tivesse batido com a cabeça;

O indivíduo que se afastou apercebeu-se perfeitamente do estado daquele, caído no chão;

Viu-o pela última vez junto de um pilar do portão da 1ª casa do lado esquerdo da estrada, a única casa ali existente daquele lado da estrada;

Entretanto pararam outros carros e chegou o INEM que transportou a pessoa para o hospital, pelo que a testemunha seguiu viagem para casa da mãe. Dali a pouco foi contactado telefonicamente no sentido de ir ao Posto da GNR, que o indivíduo assistido pelo INEM tinha falecido e no hospital tinha sido verificado que tinha sido baleado;

Sou Órgão da Polícia Criminal, tenho uma percepção diferente da generalidade das pessoas;

Antes de olhar fosse para quem fosse, fiz uma descrição da pessoa que tinha visto no local –Sr. Baixo, entroncado, andar pesado, dificuldade de locomoção;

Reconheci a voz do Sr. que vi no local que respondeu “O que é que o Sr. Quer?”,

Depois numa sala, quando o Sr. entrou, aquele Sr. era aquela que tinha visto (…) de tarde tinha camisa clara, calça escura, no Posto tinha camisa escura calça clara;

O Sr. que se afastou e parou junto ao pilar da casa era aquele Sr..

Saí do Posto com a certeza de que era aquele Sr. (…) é este Sr. que está aqui” (sala da audiências). »»».


Defendendo, consubstanciar este depoimento testemunhal  um “ reconhecimento” pessoal, feito em audiência, sem observância das regras impostas pelo art. 147º do CPP, invoca  o arguido/recorrente a sua nulidade e, consequentemente, a sua invalidade  como  meio de prova.

Diferentemente e  corroborando o entendimento seguido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014, considerou o acórdão recorrido que tal não constitui o “reconhecimento” em sentido próprio a que alude  o artigo 147º, nº1 do CPP, tratando-se, antes,  de  prova testemunhal sujeita ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos do art. 127º do CPP.

Argumentou,  para além do mais, que « no caso, não está em causa a valoração de qualquer “reconhecimento” - não efectuado em qualquer fase anterior do processo. Nem possível nem relevante (a menos que pudesse surgir outro candidato concorrente) em julgamento, por já identificada previamente determinada pessoa. Apenas o depoimento da testemunha, prestado em audiência, com razão de ciência concreta sobre o crime, a pessoa que diz ter visto junto da vítima quando esta tombou, com quem falou logo após, que diz ter identificado nessa mesmo dia, mal se soube da causa do tombamento mortal».

E que « a pretendida desvalorização total do depoimento cai no extremo oposto – a testemunha não podia depor sobre o que viu e ouviu porque não foi efectuado o reconhecimento formal; E não poderia ser efectuado o reconhecimento formal porque a testemunha, tendo visto previamente a pessoa a reconhecer, qualquer reconhecimento formal estaria inquinado, por previamente assumido!».

Concordamos com esse entendimento, pois também na nossa maneira de ver,  estamos apenas  perante uma “ identificação” do arguido feita pela testemunha como sendo o autor da infracção, no âmbito da prestação do seu depoimento em sede de audiência de julgamento, não consubstanciando, por isso, o  reconhecimento pessoal  a que alude o artigo 147º do CPP e que Germano Marques da Silva[30], define como sendo « um meio de prova que  consistente  na confirmação de uma percepção sensorial anterior, ou seja, consiste em estabelecer a identidade entre uma percepção sensorial anterior e outra actual da pessoa que procede ao acto».

Desde logo, porque, tal como escreveu  o Conselheiro Santos Cabral,  no Acórdão do STJ, de 03.03.2010 ( proc. 886/07.8PSLSB.L1.S1- 3ª Secção),   falta a verificação  do pressuposto fundamental da prova por reconhecimento, ou seja,  a indeterminação prévia do agente do crime.

Além de que,  como nos dá  conta este  mesmo acórdão, malgrado existirem   alguns  pontos de  contacto  entre que  entre a "prova por reconhecimento" e a "prova testemunhal", existem outras diferenças qualitativo-funcionais entre estas  duas  formas de percepção e recordação.

No que respeita aos pontos comuns, podemos dizer, parafraseando  Medina de Seiça[31], que « o acto de reconhecimento visual de uma pessoa, na medida em que implica uma reevocação de uma percepção ocular anterior, apresenta profun­das similitudes com o processo mental próprio do depoimento testemunhal», tendo  « em comum o fundo: memórias empíricas» que, por meio da recordação podem emergir como informação disponível», ou, nas palavras de Nicola Triggiani[32], que « um testemunho, enquanto "juízo" de imputação fáctica, implica sempre um "reconhecimento" de um determinado sujeito – recte, uma individualização concretizadora ou um acto de identificação directa».

E, quanto às diferenças, estruturais existentes  entre estes dois domínios probatórios, importa realçar, na esteira do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 425/2005, de 25.08.2005, que, enquanto o reconhecimento tem  como pressuposto específico, que o autonomiza e o erige como meio de prova, um inequívoco juízo de necessidade, direcionado ao esclarecimento de uma situação de incerteza subjectiva, em termos de a ele se recorrer apenas "quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa"[33], na “identificação” ou “individualização” subjacente a um depoimento testemunhal inexiste  este juízo de necessidade de se afastar uma situação de incerteza quanto à identificação de um sujeito já que a mesma tem como pressuposto uma situação de determinação subjectiva. E porque assim é,  só poderá ser valorada dentro da esfera probatória de onde emerge – a prova testemunhal – não lhe podendo ser reconhecido um valor probatório autónomo e separado.

Daí ser de circunscrever à esfera da prova testemunhal os "reconhecimentos testemunhais", onde não se autonomize e onde não releve a necessidade de esclarecimento de uma qualquer situação de incerteza quanto à autoria dos factos e à identificação do agente.

Assim, como refere o sobredito Acórdão do Tribunal Constitucional, se a testemunha que depõe em audiência de julgamento, tendo na sua frente certa pessoa na posição de arguido, lhe assaca a prática de certos factos, contextualizados espácio-temporalmente, a questão posta ao tribunal  não é a de saber qual é a pessoa, dentre várias, a quem os factos constantes da pronúncia podem ser atribuídos, que corresponde à representação recognitiva e mnemónica retida pela testemunha ( tal como acontece no reconhecimento pessoal), mas a de saber se a imputação feita nesse depoimento a essa concreta pessoa é, ou não, credível, segundo o princípio da livre apreciação da prova testemunhal, ou seja, se se revela capaz, dentro da apreciação crítica de todas as provas produzidas em julgamento, de fundar a convicção do tribunal.

Daí termos como certo, no caso dos autos,  que a “identificação” do arguido feita pela testemunha,  GG insere-se na esfera da prova testemunhal, podendo, por isso, ser valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, estabelecido no artigo 127º do CPP, pois trata-se de um elemento do respectivo depoimento testemunhal, que teve lugar em audiência de julgamento e ao qual não pode atribuir-se o  especial valor  inerente ao “reconhecimento pessoal” previsto no art. 147º do CPP.

Carece, por isso, de fundamento a invocada nulidade pelo arguido.

Do mesmo modo, falece a  alegada inconstitucionalidade da norma do art. 127º do CPP, por violação das garantias de defesa do arguido consagradas no art. 32º, nº1 da CRP, quando interpretada no sentido de admitir que o princípio da livre apreciação da prova permite a valoração, em julgamento, de um reconhecimento do arguido realizado sem observância das regras impostas pelo art. 147 do CPP.

É que a  este respeito, o citado acórdão do Tribunal Constitucional, já afirmou que « vigorando, na fase de julgamento, na sua plenitude, o princípio do contraditório, não pode deixar de entender-se que o arguido pode questionar todos os elementos  de facto que sejam evidenciados pela testemunha como razão de ciência da imputação feita ao arguido, bem com a correcção da sua prognose recognitiva», pelo que decidiu « não julgar inconstitucional o art. 147º, nºs 1 e 2 , do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito».

Termos em que, improcede, também neste segmento, o recurso interposto pelo arguido.

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2.2.7. Nulidade da busca domiciliária  e da inconstitucionalidade da norma do art. 177 do CPP.

 Sustenta o  recorrente  a validade da busca  domiciliária (cujo auto consta de fls. 48 a 50), realizada durante a noite (pelas 00hl5 do dia 12/08/2012), sem prévio despacho judicial, e sem a sua autorização, mas com o consentimento da sua mulher.

Posto que, em recurso interposto nos autos, o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional o art. 174º, nº 5, al. b) do CPP na dimensão interpretativa de que, embora autorizada pela mulher do arguido não tenha sido autorizada, também, pelo outro co-titular da habitação - no caso, o arguido/recorrente, prejudicado fica o conhecimento da validade da busca em causa, dando-se, por assente a nulidade deste meio de prova, tal como aliás, considerou o acórdão recorrido.

Cuidaremos, apenas, de analisar a questão de saber se a nulidade desta  busca,  à luz do regime do art. 122º do CPP, afeta irredutivelmente a valoração do produto dessa mesma busca ( munições da mesma marca, modelo e calibre daquelas que deflagraram os projecteis que vitimaram Joaquim Dionísio) – no quadro da distinção entre proibições de produção e proibições de valoração da prova,  da doutrina dos fruit of the poisoned tree, ou do chamado efeito à distância.

Sobre a  distinção entre proibições de prova e proibições de valoração da prova, ensina o Prof. Figueiredo Dias[34] que, enquanto as proibições de prova são autênticos limites à descoberta da verdade material,  as regras sobre a produção das provas, configuram, diversamente, meras  prescrições ordenativas da produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova.

As provas obtidas, além do mais, mediante abusiva intromissão no domicílio são nulas, de harmonia com o disposto  no art. 32º, nº7 da CRP.

Mas se é certo que, nos termos do art. 122º, nsº1 e 2  do CPP, esta nulidade acarreta a invalidade do acto bem com dos actos que dela dependerem e aquela puder afectar, a verdade é que o nº3 deste mesmo artigo faz recair sobre o juiz o dever de aproveitamento de todos os actos que ainda puderem ser salvos, pelo que no dizer, do  dizer do Prof. Costa Andrade[35], haverá que concliliar  o «efeito-à-distância»  das provas inválidas sobre outras com os princípios gerais da produção e valoração da prova.

Assim, tal como nos dá conta o Acórdão o STJ, de 20.02.2008  ( processo 07P4553- 3ª Secção-Relator Armindo Monteiro), segundo a doutrina da “árvore envenenada”, são três os casos em que aquele efeito à distância não se projecta, isto é, em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar: a chamada limitação da fonte independente  ( que respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que originário tendia, mas foi impedido; ou seja quando a ilegalidade não foi “ conditio sine qua “ da descoberta de novos factos); a limitação da descoberta inevitável (quando se se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado ) e a limitação da mácula  dissipada ( “ purged taint limitation “ que  leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente).

E a verdade é que, conforme se vê do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/04, de 24.03.2004[36], a jurisprudência constitucional  reconhece a validade destes critérios.

De entre estas três limitações, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.06.2014 ( que o acórdão condenatório do Tribunal de 1ª instância incorporou e que o acórdão recorrido confirmou) fez funcionar a limitação da descoberta inevitável  com o fundamento de que « no caso, a busca, por um lado foi levada a cabo com autorização de um dos comproprietários da casa, sem qualquer fraude, coacção ou violência.

Por outro lado, a realização da busca sempre poderia ser alcançado – e seria, seguramente na evolução normal do processo logo que o recorrente fosse constituído arguido - com uma busca realizada com mandado judicial, nos termos permitidos pelas restantes alíneas do preceito (art. 174º) onde se insere a norma [nº 5, al. b)] julgada inconstitucional na aplicação efectuada.», concluindo, assim, pela possibilidade de valoração do meio de prova das munições da mesma marca, modelo e calibre daquelas que deflagraram os projécteis que vitimaram EE encontradas no âmbito da busca

Todavia, entendeu que « tratando-se de munições correntes, no mercado, daí não resulta qualquer ligação necessária com o crime dos autos. Somente uma mera possibilidade, em abstracto. Pelo que não constitui meio de prova irrefutável ou sequer relevante sobre o autor do crime.»
Concordamos com este entendimento.
De resto sempre se dirá que a apreensão das munições em causa nem sequer foi valorado pelo tribunal em sede de fundamentação da matéria de facto, pelo que não se vê que dela possa ter resultado qualquer diminuição das garantias de defesa do arguido.

Termos em improcedem as invocadas nulidade e inconstitucionalidade, improcedendo, nesta parte, o recurso interposto pelo arguido.

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2.2.8. Violação do princípio da livre apreciação da prova  e do princípio da presunção de inocência.

Persiste o arguido em alegar que  o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25.06.2014 ( que o acórdão condenatório incorporou e o acórdão recorrido confirmou) alterou  os pontos 2,3,7,e 9 da matéria de facto, sem realizar  uma demonstração exigente e segura do processo lógico-indutivo da prova produzida e que ao fundamentar a resposta  ao ponto  7 dos factos dados como provados, apenas coloca  a dúvida, ou seja,  admite a hipótese de não ser o percurso das balas incompatível com o disparo de alguém que fosse atrás da vítima, mas não afasta a possibilidade de o que refere não ser verdade, tendo optado pela hipótese mais desfavorável ao recorrente. 

Conforme se pode ver de fls. 1760  a 1762 dos autos,  na motivação da decisão de alteração da matéria de facto, o Tribunal da Relação de Coimbra escreveu:

« Assim em conclusão, temos como elementos probatórios que apontam na mesma e única direcção, para lá de qualquer dúvida razoável:

- Do depoimento da testemunha GG , agente da PSP que ia a passar no local resulta que se apercebeu de dois idosos um atrás do outro e que, já pelo retrovisor viu que o da frente caiu por terra, o que fez com que a testemunha invertesse a marcha do veículo para lhe prestar assistência, pensando que o sangue resultaria da queda, não se apercebendo, no momento, de que tivesse havido tiros (efeito do barulho/movimento do automóvel que conduzia, do rádio que levava ligado) o que apenas veio a saber-se por efeito do exame efectuado no hospital que tombara sob o efeito de duas balas;

- A mesma testemunha identificou o arguido, com toda a certeza, no mesmo dia, facto que confirmou em audiência, pela idade aparente, altura, largura de tronco, andar dificultoso (confirmado pela circunstância de o arguido ter sido autorizado a permanecer sentado em julgamento) pela voz que ouviu no local e, ainda na mesma tarde, no posto da GNR;

- A mesma testemunha viu o indivíduo em causa afastar-se em direcção à única casa que havia nas proximidades, daquele lado da estrada, ficando parado por algum tempo junto a um pilar da casa, a observar a vítima, deixando de o ver porque focou a sua atenção no socorro à vítima;

- A pessoa vista pela testemunha atrás da vítima, idosa, coxeando, mais baixa e entroncada que a vítima, foi a única pessoa referenciada ao longo do processo e na discussão da causa, que podia ter efectuado os dois disparos naquelas circunstâncias de tempo e lugar, em relação ao qual surgiu um móbil adequado;

- Além de morar na única casa para onde foi vista afastar-se foi visto no local antes e depois de a vítima ter sido atingida mortalmente.

- A versão da testemunha é compatível com o percurso da primeira bala.

- Corroborando o relatório de fls. 57 a localização da casa do arguido, única existente nas imediações, como sendo aquela em frente ao portão da qual a testemunha diz ter deixado de ver o fugitivo.

- O arguido tinha o móbil adequado e a oportunidade:

- razões antigas (ponto 4 da matéria provada), queixando-se de que tinha sido obrigado a regressar de França por causa se EE, chegando a dizer que havia de o matar (depoimentos das testemunhas QQ, RR e SS)

– razão próxima, imediata, capaz de constituir “a gota” que faz transbordar a raiva antiga: - na manhã do mesmo dia (ponto 16 da matéria provada) em que se queixou na GNR da vegetação existente no terreno e de tarde manifestou-se indignado com essa mesma limpeza (ponto 6 da matéria provada) que estava a decorrer (depoimento do tractorista e da testemunha GG) quando a vítima foi baleada, chegando a censurar o tractorista, segundo o depoimento deste, do fundo do terreno anexo à sua casa, já depois de tombado o mandante;

- razões tão densas como emana ainda das imputações efectuadas descritas nos pontos 2 e 3 da matéria dada como provada pelo tribunal recorrido, apesar de o visado já ter falecido;

- A oportunidade: além da proximidade da casa para onde o agente foi visto no local antes (testemunhas já referidas, mostrando-se indignado com a poeira) e depois (depoimento do tractorista) dos disparos.

- Da discussão da causa, em audiência, não resultou qualquer outra perspectiva probatória, possível, em concreto, muito menos razoável, saindo antes rechaçadas todas as hipóteses, abstractas, sugestionadas pelo recorrente, de que qualquer outra pessoa que tivesse razões tão profundas contra a vítima, muito menos que pudesse estar por perto e ao alcance, letal, de tiro de uma pistola calibre 6.35mm., pudesse ter praticado os disparos.

Conclui-se, pois, pela autoria do facto, pelo arguido, para lá de qualquer dúvida razoável resultante da discussão da causa ou dos critérios de apreciação da prova.»

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Segundo Figueiredo Dias[37], o   princípio in dubio pro reo traduz-se em que «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido».

Este princípio vale, assim, para a matéria de facto, quer ela respeite aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito ( tipos incriminadores objetivo e subjetivo), quer ela diga respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação ( tipos justificadores), quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.

Nas palavras de Castanheira Neves[38],  o princípio in dubio pro reo é «o correlato processual» da exclusão do ónus da prova, ou seja, o que o princípio postula é «a prova efectiva da infracção, ou, inversamente, a inadmissibilidade de uma condenação por uma infracção não provada…» (Sumários de Processo Criminal, lições policopiadas, Coimbra 1968, p. 56/57).

Na expressão  do já citado Acórdão do STJ, de 20.02.2008,  «o  princípio  “in dubio pro reo”  é alienígeo à questão da validade das provas e funciona no plano da apreciação dos factos materiais que proporcionam em termos de consentirem a emissão de um juízo de certeza válido intraprocessualmente, não já ontologicamente, em termos de uma inatingível verdade absoluta, excludente em absoluto de os factos terem ocorrido diversamente. A autonomia que autoriza a subsistência de prova subsequente é produto de um confronto entre os diversos meios de prova recolhidos ao longo das várias fases do processuais e não já de convicções concernentemente aos factos que aquelas canalizam para o processo sobre as quais se não afirma qualquer dúvida e nem ela é visível, havendo que declará-la para justa decisão de direito».

Trata-se, pois, de um princípio que  não vale para a matéria de direito, dizendo, antes, respeito à matéria de facto e que constitui um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova.

Sendo assim e porque nos termos do  artigo 434º do CPP, o recurso para este Supremo Tribunal é restrito à matéria de direito, tem este Tribunal entendido, de forma unânime, que a violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser  sindicado pelo STJ, em sede de recurso, dentro dos limites de cognição deste Tribunal  definidos no  artigo 410º, nº2 do CP,  ou seja, se a dúvida  resultar do texto da decisão recorrida por si só[39]  ou conjugada com as regras da experiência[40].

Dito de outro modo e  ainda no dizer do  citado acórdão do STJ de 20.02.2008 « o STJ  só pode censurar o princípio quando verifique pela decisão recorrida que, tendo sucumbido a um estado de dúvida, decidiu contra o arguido; fora deste contexto rege o princípio da livre convicção probatória previsto no art. 127º , do CPP, cuja sindicância lhe escapa».

Sendo assim e   porque da decisão supra transcrita  não se vê que o tribunal tivesse evidenciado qualquer estado de dúvida,  vedada fica a este Supremo Tribunal  a possibilidade de sindicar as  conclusões fácticas tiradas pelas instâncias.

Daí inexistir qualquer violação do  princípio da livre apreciação da prova  e do princípio da presunção de inocência.

Improcede também, nesta parte, o recurso interposto.

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2.2.9. Erro notório na apreciação da prova testemunhal


Persiste o arguido em alegar  que o Tribunal recorrido errou notoriamente ao aceitar como validamente provados os factos relativos a estas questões, nomeadamente o aludido ponto 7.º (e, concomitantemente os pontos 2, 3, e 9 da matéria de facto), o que, pelo menos, é do conhecimento oficioso deste STJ.

Isto porque  do depoimento da testemunha GG  não resulta que a pessoa que ele viu foi o autor dos disparos sobre a vítima, porquanto a mesma «foi clara em afirmar que não viu qualquer arma na mão da pessoa que avistou, não ouviu qualquer disparo, nem, de qualquer modo, se apercebeu que a pessoa em causa fizesse gesto consentâneo  com a realização de um disparo com arma de fogo. Para além disso, perante o contexto situacional por si explicado-mormente quando refere a vegetação circundante - não afasta a hipótese de o atirador ser pessoa distinta daquela que divisou».  

Porque este depoimento contraria as  regras da experiência comum .

E ainda porque o reconhecimento pessoal do arguido feito por esta testemunha, quer na fase preliminar do  inquérito, quer em audiência de julgamento, constitui prova proibida.
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Como é consabido e resulta  do estatuído nos  arts. 428º e 434º, ambos do CPP, o Tribunal da Relação, em regra, encerra o ciclo  de conhecimento da matéria de facto, cabendo-lhe a reapreciação daquela matéria,  e o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, cinge o seu poder de cognição à matéria de direito, procedendo ao seu reexame.

Todavia, não obstante o recurso interposto para o Supremo Tribunal  de Justiça ser restrito à matéria de direito, a verdade é que, tal  como resulta claro do citado art. 434º, este tribunal  pode, excecionalmente,  conhecer oficiosamente, dos vícios previstos nas alíneas a) a c) do nº2 do artigo 410º, do CPP,  desde que resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e nos casos em que a sua ocorrência torne impossível a decisão da causa,  ou seja,  quando  se tornar imperativo para o conhecimento da matéria de direito a ampliação da matéria de facto, a correção de evidentes erros ou a remoção de contradição insanável entre os factos e a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, caso em que este Supremo Tribunal ordena o reenvio – art.426.º, do CPP.
E tudo isto para, no dizer do Acórdão do STJ, de 07.05.2014 ( proc. 250/12.7JABRG.G1.S1-3ª Secção-  Relator Oliveira Mendes) evitar «uma decisão de direito alicerçada em matéria de facto manifestamente insuficiente, visivelmente contraditória ou viciada por erro notório de apreciação».
De realçar que  os  vícios do n.º 2 do artigo 410º do CPP, não se confundem com o erro de julgamento da matéria de facto[41], que por respeitar à apreciação da prova produzida em julgamento,  não é sindicável pelo STJ, por, conforme já se deixou dito,  não ser admissível recurso para este tribunal sobre a matéria de facto.
Tratam-se de vícios da decisão, vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correta e conforme à lei e que, no dizer de Simas Santos e Leal-Henriques[42], surpreendem-se «quando se retira de um facto dado como provado, uma conclusão inaceitável no plano da lógica, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um dado facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida».
Na expressão do Acórdão do STJ, de 04.07.2013 ( proc.1243/10.4PAALM.L1.S1- 3ª Secção - Relator Santos Cabral) , « o  erro notório na apreciação da prova comporta a uma definição que se não se afasta do facto notório, da notoriedade relevante no direito, enquanto realidade de todos conhecida e por isso não carente de alegação e prova, impondo-se ao julgador, vício aqui circunscrito aos termos da decisão e sempre que se dê como assente algo que, forçosamente, não podia ter ocorrido, que a lógica comum repudia, de tão evidente que assim é, perceptível pelo cidadão comum, sem formação qualificada, a uma análise perfunctória, sem esforço».

Ora, tendo em conta tudo o que já se deixou dito acerca da validade dos meios de prova que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal da Relação de Coimbra bem como a decisão sobre a matéria de facto  e sua motivação, não se surpreende dos termos desta decisão nenhuma conclusão que não seja suportada, em matéria de apreciação e exame crítico da prova, pelo processo lógico e racional, integrado pelas regras gerais da experiência, que conduziu à convicção.
Isto é,  não ressalta dos seus termos qualquer erro notório na apreciação da prova, qualquer manifesta ilogicidade no contexto decisório.

De resto sempre se dirá resultar claro da motivação e conclusões de recurso que, no fundo, o  recorrente alega a existência de erro notório na apreciação da prova, como forma “encapotada” de atacar a apreciação e valoração da prova  feita pelas instâncias, com base na qual este tribunal deu como provados os factos supra descritos que ditaram a condenação do recorrente.

Daí inexistir o alegado erro notório na apreciação da prova, improcedendo, por isso, também, nesta parte, o recurso interposto..

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2.2.10. Nulidade do acórdão recorrido, por falta de observância do disposto no art. 358º, nº1 do CPP.

Persiste o arguido em invocar a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra  de 25.06.2014 (que o acórdão condenatório de 1ª instância incorporou e o acórdão recorrido confirmou), nos termos da alínea b) do n.° 1 do art.° 379.° do CPP., porquanto o Tribunal da Relação,  nos pontos 6.°, parcialmente 7.° (no segmento motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelo trabalhos de limpeza do terreno). 9.° e 11.°, deu como provada factualidade que não encontra eco no despacho de pronúncia, sem ter dado  cumprimento ao disposto no art. 358º, nº1 do CPP.

Carece, contudo de qualquer razão.

Desde logo porque, tal como refere o acórdão recorrido, a referência à emissão de poeiras consta dos pontos 3 e 12 da pronúncia; a relação de animosidade e conflito entre o arguido e a vítima consta do ponto 2 da pronúncia e a  factualidade do ponto 9 é referida no pontos 5 a 7 da pronúncia.

E se é certo que a factualidade aditada e constante do ponto 11 dos factos provados não tem correspondência na pronúncia, a verdade é que,  nos termos do nº 1 do artº 358º do CPP, só há que desencadear o mecanismo processual aí previsto se se verificar uma alteração «com relevo para a decisão da causa», uma alteração em relação à qual se coloque a necessidade de dar ao arguido oportunidade de «preparação da defesa».

No mesmo sentido, refere o Acórdão do S.T.J. de 24.01.2002 ( proc. n.º 1298/99 – 5ª) que  a alteração não substancial "pressupõe uma modificação com relevância para a decisão da causa, não bastando para tal que matéria de facto provada não seja inteiramente coincidente com a vertida na acusação".

Dito de outro modo e, na esteira do Acórdão do STJ, de 20.12.2006 ( proc. 3059/06- 3ª Secção), inexiste alteração não substancial dos factos quando os factos em nada colidem com os direitos do arguido, não tendo qualquer repercussão  em termos agravativos  ou diminuição das suas garantias de defesa. 

Assim sendo e porque a factualidade em causa é  irrelevante para a decisão da causa, não consubstancia a mesma uma alteração não substancial dos factos descritos na pronúncia, pelo que não impunha, quanto a ela, dar cumprimento ao disposto no citado art. 358º, nº1.

Não se verifica, assim, a nulidade prevista no artº 379º, nº 1, alínea b).

Termos em que improcede este segmento do recurso.

2.2.11. Qualificação jurídica  do crime de homicídio cometido pelo arguido.

O acórdão recorrido, para além de considerar que a comprovada atuação do arguido  integrava a prática, de um crime de  homicídio p. e p. pelo art. 131º do C. Penal, entendeu tratar-se de um  crime de homicídio qualificado pela circunstância prevista na alínea e) do nº2 do artigo 132º do C. Penal, por existir no seu comportamento factos reveladores de uma especial censurabilidade e perversidade e por a sua ação ter sido determinada por motivo torpe ou fútil.

Diferentemente, defende o arguido que inexiste fundamento bastante para qualificar o crime de homicídio.

Vejamos, então, qual a qualificação jurídica a dar ao crime de homicídio praticado pelo arguido.

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Consabido que a culpa  consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto de ter atuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia e devia ter atuado em conformidade com esta e que  o crime de homicídio qualificado, previsto no art. 132º, nº1 do Código Penal, não é mais do que uma forma agravada do  crime de homicídio simples, previsto no artigo 131º do mesmo código, importa indagar que tipo de culpa está subjacente à qualificação do homicídio. 

A este respeito, ensina Figueiredo Dias[43] que, em matéria de qualificação do homicídio, o nosso Código Penal de 1982 seguiu um método de combinação de um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, previsto no artigo 132º, nº1  ( revelador de uma especial censurabilidade ou perversidade)  com a técnica chamada dos exemplos-padrão enunciados nas alíneas do nº2 do  mesmo artigo ( concretizações de modos de revelação daquele tipo de culpa agravado, uns relativos ao facto, outros ao agente), em que  «a agravação da culpa tem afinal a ver com a maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples».
Mais ensina este ilustre Professor[44] que a verificação das circunstâncias padrão, exemplarmente elencadas no nº2 do art. 132º do C. Penal, «não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação»,   nem  a sua não verificação « impede que se verifiquem outros elementos substancial e teleologicamente análogos (…) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador», ou seja, a especial censurabilidade ou perversidade.

Quer tudo isto dizer  que subjacente à qualificação do homicídio, está uma culpa agravada,  ou seja, uma especial maior culpa, acrescida à culpa que já tem de estar presente no homicídio simples e que consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade.

Mais significa, por um lado, que  os exemplos padrão do nº2 do art. 132º, enquanto elementos da culpa ( e não do tipo), funcionam  como meros factores indiciadores da existência da especial censurabilidade ou perversidade, são meramente exemplificativos  e não são de funcionamento automático[45], carecendo, por isso, de ser confirmados, casuisticamente, através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas[46].

E, por outro lado, que poderão existir outras circunstâncias, não enunciadas entre os exemplos-padrão aludidos no nº2 do citado art. 132º, mas reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade, integrando os chamados casos de homicídio qualificado atípico.
Necessária, porém, será sempre a verificação da especial censurabilidade ou perversidade da conduta do agente, bem como a particular conexão que se tem de estabelecer  entre a cláusula geral do nº1 e os exemplos-padrão do nº2 ou as outras eventuais circunstâncias agravantes, não podendo os exemplos-padrão, nem estas últimas  circunstâncias  operar isoladamente,  consagrada que está a proibição da analogia no nosso direito penal.

Acresce que, sendo o especial tipo de culpa do homicídio qualificado conformado através de uma cláusula geral e descrito com recurso aos conceitos generalizadores  e indeterminados da especial censurabilidade ou perversidade,  o respeito pelo princípio da legalidade, exige ainda a densificação de cada um destes conceitos, por forma a balizar a atividade do  juiz na construção, em concreto, dos pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade ou perversidade. 

Assim, no dizer de Teresa Serra[47], haverá especial censurabilidade quando «as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores», podendo afirmar-se que a especial censurabilidade refere-se às «componentes da culpa relativas ao facto», fundando-se, deste modo, «naquelas circunstâncias  que podem revelar um maior grau de culpa como consequência de um maior grau de ilicitude».

Haverá especial perversidade quando se esteja perante «uma atitude profundamente rejeitável» no sentido de «constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade», estando aqui em causa as «componentes da culpa relativas ao agente».  

No mesmo sentido, ensina Fernando Silva[48] que «a especial censurabilidade prende-se essencialmente com a atitude interna do agente, traduzida em conduta profundamente distante em relação a determinado quadro valorativo, afastando-se dum padrão normal. O grau de censura aumenta por haver na decisão do agente o vencer de factores que, em princípio, deveriam orientá-lo mais para se abster de actuar, as motivações  que o agente revela, ou a forma como realiza o facto, apresentam, não apenas um profundo desrespeito por um normal padrão axiológico, vigente na sociedade, como ainda traduzem situações em que a exigência para não empreender a conduta se revela mais acentuada».

Por outro lado, « a especial perversidade representa um comportamento que traduz uma acentuada rejeição, por força dos sentimentos manifestados pelo agente que revela um egoísmo abominável. A decisão de matar assenta em pressupostos absolutamente inaceitáveis. O agente deixa-se motivar por factores completamente desproporcionais, aumentando a intolerância perante o seu facto».

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Posto que  o acórdão recorrido  considerou verificado o exemplo padrão previsto na alínea e) do nº2 do artigo 132º do C. Penal, vejamos, então,  se, no caso em apreço, a atuação do arguido revela especial censurabilidade e perversidade  por ter sido determinada por motivo torpe ou fútil.

Segundo Figueiredo Dias[49], agir «por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação, avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana.»

Para Bettiol[50], «teremos um motivo fútil sempre que seja possível estabelecer uma desproporção manifesta entre a gravidade do facto e a intensidade ou a natureza do motivo que impeliu à acção». E acrescenta, citando Maggiore, «trata-se de uma insensibilidade moral que tem a sua manifestação mais alta na brutal malvadez».

O motivo fútil tem sido caracterizado pela jurisprudência como « o motivo de importância mínima. Será também o motivo "frívolo, leviano, a “ninharia” que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida», o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime praticado; o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática (Acórdãos do S.TJ, de 27-05-2010, proc. nº 58/08.4JAGRD.C1.S1- 3ª Secção e de 18.01.2012, proc. nº  306/10.0JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção[51]); ou o motivo «cuja frivolidade ou gratuitidade reflecte qualidades de personalidade de tal modo rejeitáveis, à luz dos valores comummente aceites pela comunidade, que justificam a punição do facto dentro de uma moldura penal agravada, isto é, um motivo que, pela sua natureza, indicia a especial maior culpa que fundamenta a agravação» ( Acórdão do STJ, de 23.04.2015[52]).

A este propósito, considerou o acórdão recorrido que « no caso dos autos, o arguido agiu motivado pelas desavenças antigas e zangado com as poeiras lançadas para sua casa pelos trabalhos de limpeza do terreno, o que se enquadra perfeitamente no exemplo padrão em causa, podendo-se sem qualquer dificuldade concluir que estamos perante uma especial perversidade e especial censurabilidade».

Com o devido respeito, parece-nos, antes,  evidente que esta motivação da conduta homicida do arguido/recorrente não se enquadra em “motivo fútil”.

É que, como refere o Acórdão  do STJ de 4/10/2001 ( proc. nº 1675/01-5ª  Secção), «O vector fulcral que identifica o "motivo fútil" não é pois tanto o que passe por dizer-se que, sendo ele de tão pouco ou imperceptível relevo, quase que pode nem chegar a ser motivo, mas sim, aquele que realce a inadequação e faça avultar a desproporcionalidade entre o que impulsionou a conduta desenvolvida e o grau de expressão criminal com que ela se objectivou: - no fundo, em essência, o que prefigure a especial censurabilidade que decorre da futilidade, sendo que esta pressupõe um motivo por ela rotulável e que dela e por ela se envolva».
Assim, neste contexto, a prática do crime de homicídio teria que surgir como  resultado de um processo pautado pela ilógica, ou de plena irracionalidade, em que uma culpa do arguido acentuada por um alto grau de censurabilidade levaria  a tirar a vida à vítima por razões fúteis.
Não é esta, porém, a situação que temos no caso vertente, pois se é certo, tal como refere o acórdão recorrido,  que « no dia fatídico foram as poeiras a causa imediata da acção empreendida pelo arguido», não menos certo é que,  conforme resulta dos factos dados como provados sob os pontos 1 a 7, o arguido AA agiu no âmbito de uma situação de conflito  com o EE  que  se vinha mantendo, há vários anos,  relacionado com as estremas dos respetivos terrenos, pelo que a emissão de poeiras, naquele dia, provocada pelo tractor contratado pela vítima para a realização de trabalhos de limpeza no seu terreno, contíguo à habitação do arguido,   mais não foi o culminar desse conflito.
Daí entendermos que o arguido  não foi  determinado por motivo fútil, não ocorrendo, por isso,  a circunstância-padrão enunciada na alínea e) do nº2 do art. 132º do CP.
Do mesmo modo, mas agora em consonância com o acórdão recorrido,  entendemos que o facto do arguido ter sido punido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº1, al. c) da Lei nº 5/2006, de 23 de Junho, não obsta à agravação do crime de homicídio pelo uso de arma, ao abrigo do art. 86º, nº3  da mesma lei, pois trata-se da punição de condutas distintas.
Enquanto a agravação prevista no art. 86º, nº3, da Lei nº 5/2006, pune de forma mais grave uma conduta com uma maior ilicitude sempre que o agente usa na prática do crime uma arma, independentemente de a arma ser legal, ou não, no crime de detenção de arma proibida são punidos todos aqueles que detêm arma fora das condições legais. Neste sentido, entre muitos outros, o  Acórdão do STJ de 30.10.2014 ( proc. 32/12.9JDLSD.E1.S1.- 5ª Secção).  
Daí que se entenda ter o arguido praticado uma  crime de homicídio, previsto no art. 131.º, do CP, e agravado pelo art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006.

Termos em que procede, esta parte, o recurso interposto

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2.2.12. Medida da pena parcelar.

Aqui chegados, importa ainda tecer algumas considerações sobre os critérios em função dos quais o juiz deve individualizar e determinar concretamente a pena aplicável a um facto punível, ou ainda como se lhes chama, na doutrina alemã, as « causas finais de determinação da medida da pena»[53], o que nos remete para a questão prévia dos fins das penas e da sua antinomia. 
É que, como salienta Cavaleiro Ferreira[54], são os fins  do Direito Penal, ou seja, os fins da própria pena, que nos fornecem os fundamentos em que deve assentar a sua individualização”.
Em sentido idêntico refere Jeschek[55] que  « o paradigma da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois só partindo dos fins das penas claramente definidos se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena».
Daí que, seguindo esta linha de pensamento, fácil se torna aceitar, por um lado,  que, ao estabelecer, no art. 71º, nº1 do C. Penal, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é  feita em  função da culpa do agente e das exigências de prevenção»,  o legislador forneceu ao juiz e ao intérprete, como critérios, a  culpa e a prevenção, deixando, por isso, espaço para se apurar, de entre estes dois princípios, qual aquele  que  deve assumir primazia na realização do fim  da pena e, consequentemente, no momento da sua aplicação.
E, por outro lado, que  a ponderação das circunstâncias elencadas no nº2 deste mesmo  art. 71º do C. Penal está em grande medida dependente da interpretação que se fizer do seu nº1, isto é, da resposta a dar à questão da antinomia dos fins das penas e, em particular, à da relação entre culpa e prevenção, no contexto da aplicação concreta duma pena[56].
Assim, partindo destas duas premissas, importa esclarecer, tal como escreve Jeschek[57],  que «culpa e prevenção situam-se em planos distintos. A culpa responde à pergunta de saber se, e em que medida, o facto deve ser reprovado pessoalmente ao agente, assim, como qual é a pena que merece. Só então se coloca a questão, totalmente distinta, da prevenção  em que se decide qual a sanção que parece apropriada para introduzir de novo o agente na comunidade e para influir nesta num sentido social-pedagógico.  
A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma».
Daí, no quadro das várias propostas doutrinais  sobre as relações entre culpa e prevenção, demarcar-se  daqueles que,  tal como Jackobs[58], elevam as exigências de prevenção geral como critério fundamental a ter em conta na determinação da medida da pena, em detrimento da culpa, pois, no seu dizer,   realçando-se a prevenção como critério fundamental, «desvanece-se, com prejuízo da justiça individual,  orientação que o Direito penal faz da responsabilidade do agente pela sua acção».
E demarcar-se ainda daqueles que,  tal como Claus Roxin[59], restringem o papel primacial tradicionalmente desempenhado pelo princípio da culpa à função de “meio para a limitação da pena”, de  limite inultrapassável da medida da pena, argumentando que se a  culpa « é o limite superior da pena, também deve ser co-decisivo para toda a determinação da mesma que se encontre abaixo daquela fronteira», porquanto, « ao limitar-se a fixação concreta da pena a fins preventivos, a decisão do juiz perde o ponto de conexão com a qualificação ética do facto que é julgado, e a pena, por esse facto perde também todo a possibilidade de influir a favor daqueles objectivos de prevenção.
Só apelando à profundidade moral da pessoa se pode esperar, tanto a ressocialização do condenado, como também uma eficácia socio-pedagógica da pena sobre a população em geral».
Neste mesmo sentido já se haviam pronunciado  os   acórdãos do STJ, de 13.10.2010 ( proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1- 3ª Secção) e  de  22.01.2013 ( proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1-3ª Secção)[60], pronunciámo-nos no acórdão do STJ, de 09.03.2017 ( proc. 74/16.2PAVFC.S1-3ª Secção) e pronunciou-se o recente  acórdão do STJ, de 29.03.2017 ( proc. 5160/13.8TDPRT.P1), afirmando, expressamente, depois de manifestar a sua discordância para com Figueiredo Dias quando refere[61] que “ a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu limite inultrapassável”, que a culpa  é «fundamento e limite da pena».
No dizer deste acórdão, para se conhecer da medida da culpa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 40º, nº2 do CP, « tem de se apreciar e avaliar a culpa e, por isso, se compreende também que o artigo 71º do Código Penal ao estabelecer o critério da determinação da medida concreta da pena, disponha em primeiro lugar que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei  “ é feita em função da culpa do agente”, acrescentado depois “e das exigências de prevenção”.
Daí que, segundo  este mesmo acórdão, « as circunstâncias e critérios do art. 71º devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral ( a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir  o nível e a premência das exigências de prevenção especial ( as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente». 
Assim, perfilhando  a tese de Jescheck de que o princípio da culpa  é  o fundamento para poder responsabilizar-se pessoalmente o autor pela  ação típica e antijurídica que haja cometido mediante uma pena, sendo, simultaneamente, um requisito de punibilidade e um critério para a determinação da pena[62], é à luz desta perspetiva, que que se efetuará a  ponderação, quer  das circunstâncias, expressamente,  indicadas  no nº2 do  art. 71º do C. Penal, quer de outras que  sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.
Tudo isto, no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional,  de que as restrições aos direitos, liberdades e garantias  devem  «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» ( art. 18º, nº2 da CRP), ou seja, no pressuposto de que  a pena de prisão  só é admissível quando se mostrar indispensável (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade)[63].
E porque, no dizer de Jorge Miranda[64], a falta de necessidade ou de adequação traduz-se em arbítrio e a  falta de racionalidade traduz-se em excesso, facilmente se compreende a importância que, no âmbito da determinação da medida da pena,  assume o princípio da proibição de excesso, segundo o qual,  no dizer do  citado acórdão do STJ, de 13.10.2010,  « importa eleger a forma de intervenção menos gravosa que ofereça perspectivas de êxito e, assim, é possível que a dimensão concreta da pena varie dentro dos limites da culpa segundo a forma como se apresenta a concreta imagem de prevenção do autos».
Dito de outro modo e segundo Anabela Rodrigues[65], este princípio não é mais do que um limite à intervenção penal derivado do fundamento da prevenção geral na necessidade social  e que implica, no âmbito da medida da pena, que a sua gravidade seja adequada à gravidade da lesão do bem jurídico ocorrida, pois de outro modo, correr-se-ia o risco de se transformar numa prevenção geral de intimidação.

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Assente que o arguido praticou  um  crime de homicídio simples, previsto no art. 131º, do CP, agravado pelo disposto no art. 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006,  a  moldura abstrata pela prática deste crime é de 10 anos e 8 meses (agravação de 1/3 da pena de 8 anos) a 21 anos e 4 meses (agravação de 1/3 da pena de 16 anos).

Por outro lado, na determinação da pena concreta a aplica e  ante a factualidade dada como provada, impõe-se, desde logo, considerar que o arguido violou o bem jurídico  mais importante do catálogo dos direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto[66] - o direito à vida -, sendo, por isso, muito elevado  o  grau de ilicitude do facto, tanto mais que o fez com o uso de uma arma.

O arguido agiu com dolo directo e intenso.
O seu grau de culpa, dentro de uma culpa já acentuada, situa-se num  patamar também elevado, pois que, não obstante ter agido no quadro de uma situação de conflito mantida, há vários anos, com a vítima, a verdade é que, naquele dia,  foi impulsionado pela emissão de simples poeiras, provocada pelo tractor contratado para a vítima para a realização de trabalhos de limpeza  no seu terreno, contíguo à habitação do arguido.
Acresce a circunstância de, como resulta dos factos dados como provados sob os pontos 9 a 11, depois de desferir os dos tiros contra o EE, que tombou no chão, se ter ausentado do local sem se preocupar com o estado físico da vítima, que sabia ser uma pessoa  idosa, tendo até ignorado o chamamento de socorro e o pedido de ajuda à vítima, feitos por uma pessoa que, na altura, ia a passar no local e socorreu o EE.

A ausência de confissão e de arrependimento.
Na vertente atenuativa, não podemos deixar de valorar o facto do arguido não ter antecedentes criminais, de à data  ter 75 anos,  de  ser uma  pessoa estimada pela maioria das pessoas que com ele convive,  de ser tido como pessoa simples, pacata, prestável, desinteressado, bom vizinho (a única má relação que mantinha era com a vítima), ser solidário e não ser conotado com comportamentos desajustados nem agressivos. Esteve  durante muitos anos emigrado em França, de onde regressou em 2010 e tanto na infância como na adolescência sempre apresentou adequada integração. Está familiarmente bem inserido, mantendo fortes laços com a família mais chegada, encontrando-se muito transtornado emocionalmente.
De contrapor a estes factores as fortes exigências de prevenção geral expressas na perturbação  que o crime de homicídio causa na comunidade em geral, afectando o sentimento de segurança e tranquilidade dos cidadãos em geral.
Em sede de exigências  de prevenção especial, avulta a personalidade do arguido,  caracterizada pelo reduzido ou nulo valor que revelou atribuir à pessoa humana.
Daí que, ponderando todos estes elementos e considerando que o crime de homicídio perpetrado pelo arguido é punível com prisão de 10 anos e 8 meses  a 21 anos e 4 meses, se entenda ser de aplicar a pena de 13 (treze) anos  de prisão, por a mesma observar, adequadamente, as finalidades de prevenção geral positiva ou de integração, aferidas pela medida da necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostrar-se ajustada à culpa do arguido pelos factos e responder satisfatoriamente às exigências de prevenção especial de socialização.

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2.2.13. Medida da pena única conjunta.

Quanto à  medida concreta da pena conjunta  resultante do concurso de crimes, dispõe  o art. 77,  nº 1 do Código Penal, que « (…) na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.», estabelecendo o nº2 deste mesmo artigo que « A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão(…) e como limite  mínimo  a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Como refere  o Acórdão do STJ, de 13.09.2006[67] ( proc. 06P2167) « O sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do C. Penal,  (…), adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente».

Significa isto, no dizer do citado Acórdão do STJ, de 13.09.2006, que « determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa».

Nas palavras do Acórdão do STJ, de 09.01.2008[68] ( proc. 3177/07)  nesta segunda fase, ou seja, na determinação da dimensão da pena conjunta, torna-se fundamental a visão conjunta dos factos, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, devendo a pena  conjunta formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares.

Traçando a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes, refere  Figueiredo Dias[69] que, na determinação  desta pena,  devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos nos arts. 71.º e 40º  do CP – exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial fornecido pelo citado art. 77º, n.º 1, 2ª parte - a apreciação, em conjunto, dos factos  e da personalidade do agente, sendo que  a existência deste último critério, no dizer deste mesmo autor, « obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação (…),  só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânico e portanto arbitrária.»

Sobre o modo de levar à prática os enunciados critérios,  ensina ainda Figueiredo Dias[70]  que «Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

E a jurisprudência dos nossos tribunais, acolheu as bases desta construção do sistema de punição do concurso, dando-lhe corpo.

Assim,  no que respeita  ao sentido de culpa, afirmou o já mencionado  Acórdão do STJ, de 13.09.2006[71]  que, ao « novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continuará a ser culpa pelo facto. Mas agora culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP».

Em total consonância com este entendimento,  escreveu-se, no citado Acórdão do STJ, de 09.01.2008, que  « Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa em sentido global dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa, e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que, em nosso entender, assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados á dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa expresso pelo número de infracções; pela sua perduração no tempo; pela dependência de vida em relação àquela actividade. Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. Recorrendo à prevenção importa verificar em termos de prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos.»

E, no mesmo  sentido escreveu-se  no Acórdão do STJ, de 06.02.2008[72] ( proc. nº 4454/07) que « Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso».


No caso dos autos, os limites abstratos da pena única variam entre o mínimo de 13 anos de prisão (pena parcelar mais grave ) e o máximo de 14 anos  de prisão (soma das  penas parcelares de 13 anos de prisão pela prática do crime de homicídio  e de 1 ano de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida).

Assim, valorando o ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos , da personalidade do arguido, das  fortes exigências de prevenção geral, das menores exigências de prevenção geral, da ausência de antecedentes criminais do arguido, a revelar que se tratou de um acto soldado no seu percurso de vida, impõem-nos que seja estabelecida uma pena ligeiramente acima do mínimo da moldura.

 Daí considerarmos que  a pena adequada deverá ser de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão.



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III. DECISÃO

Termos em que acordam na 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

1.  Não admitir a junção aos autos do parecer junto pelo arguido com as suas alegações de recurso, determinando-se o seu desentranhamento.

2. Rejeitar o recurso interposto pelo arguido, AA do  acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.10.2016,  nos termos do disposto nos arts  420º, nº1, al. b) e 414, nº2, ambos do CPP,  no segmento respeitante e à condenação do arguido na pena de 1 ano de prisão pela a prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal. 


3. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, absolvendo o  arguido da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nº2, al. e) do Código Penal.

4. Alterar a qualificação jurídica dos factos  praticados pelo arguido, considerando ter o arguido cometido um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do CP. agravado,  no termos  do art. 86º, nº3  da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril.

5. Condenar o arguido, AA pela prática do crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do CP. agravado,  no termos  do art. 86º, nº3  da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, na pena de 13 (treze) anos de prisão;

6. Operando o cúmulo jurídico desta pena parcelar com a pena parcelar  de 1 ( um ) ano de prisão em que o arguido foi condenado nos presentes autos pela prática  de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Junho, com a última alteração introduzida pela Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, por referência ao artigo 2.°, n.º 1, al. az) e artigo 3.°, n.º 4, al. a) e 6.º, n.º 1 e 2, al. a) do referido diploma legal, condenar o arguido  AA na pena única de  13 ( treze) anos e 6 (meses) meses de prisão.


7. Manter, em tudo o mais, a acórdão recorrido.

Porque o recurso obteve provimento parcial não são devidas custas, de harmonia com o disposto no art. 513.º, n.º 1 do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 31 de maio de 2017

(Texto elaborado e revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Rosa Tching (relatora)
Oliveira Mendes (voto a decisão com o esclarecimento de que tendo há muito transitado em julgado a decisão proferido sobre a matéria de facto, rejeitaria o recurso interposto no que concerne a todas as nulidades arguidas respeitantes àquela matéria.)
Santos Cabral
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[1] Relato nº 50, Rosa Tching
([2]) Comentário do Código de Processo Penal (…), 2.ª Edição, 2008, Ed. Univ. Católica, pág. 1160.
([3]) Processo n.º 342/13.5PGPDL.L1.S1, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt
([4]) Processo n.º 342/13.5PGPDL.L1.S1, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Pires da Graça, acessível em www.dgsi.pt
([5]) in Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, 2007, Coimbra Editora, pág. 525.
([6]) Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 1160. «[n]o caso de envio parcial, o tribunal deve identificar na decisão de reenvio as questões concretas a decidir no novo julgamento»
([7]) Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit., pág. 826.
([8]) Ac. do STJ de 29.01.2004, relatado pelo Venerando Juiz Conselheiro Artur Rodrigues da Costa, publicado na CJ Ac. STJ, Ano XII, Tomo I, 2004. Em sentido convergente, vide Ac. do STJ de 20/11/97, CJ ACS STJ Ano V, p. 234 (citado no primeiro).
([9]) Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 1.º a 107.º, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pág. 517.
([10]) Cf. Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Reimpressão, Coimbra Editora, 1992, pag.121. Neste contexto, Castanheira Neves afirmou «O que ninguém hoje exige, superadas que foram as atitudes degradantes do processo inquisitório (a recusar ao réu a qualidade de sujeito do processo e a vê-lo apenas como meio e objecto de investigação), é o heroísmo de dizer a verdade auto-incriminadora» (apud Costa Andrade, op. cit).
([11]) Cf. Pre-Trial Defense Rights and the Fair Use of Eyewitness Identification Procedures, in Modern Law Review, Volume 71, Maio de 2008, n.º 3, pág. 337.
([12]) Vide, quanto a esta questão, G. Gorenstein and P. Ellsworth, “Effect of Choosing an Incorrect Photograph on a Later Identification by na Eyewitness”, 1980, 65 Journal of Applied Psychology 616
([13]) Op. cit., pág.338 e seguintes.
[14] In “Código de  Processo Penal, Anotado e Comentado”, Henriques Gaspar e outros, 17ª edição, 2009, pág. 422.
[15] In “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, 1993, pág. 161.
[16] In, “Código de Processo Penal, Anotado”, Vol. I, 3ª edição, 2008, ág. 1089.
[17] In, “ Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª edição, pág. 460.
[18] In, “ Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 645.
[19] Onde se determina que « não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».
[20] In, “Sistema e Estrutura do Processo Penal Português”, I, p. 189.

[21] Todos publicados in www dsgi.pt.

[22] In, “ Código de Processo Penal, Comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 1133.

[23] Cfr.  Cavaleiro Ferreira, n, “Curso de Processo Penal”, vol. III, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa 1981, pág. 35 e acórdãos do STJ, de 12.05.2016 ( proc. 974/13.1PIVNG.G2.S1-5ª Secção) e de 30.11.2016 ( proc. 252/11.0JAAVR.S1-5ª Secção).
[24] Entrada em vigor 30 dias após a sua publicação, nos termos do disposto no seu art. 7º .
[25] In “Note sulta garanzia constituicionale della motivazione”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vo. LV, 1979, págs. 34 e 35.
[26] Cfr, entre outros, Ac. nº 310/94, de 24.03.1994.
[27] Publicado na CJ/STJ, ano XXIII tomo III/2015, pág. 181.
[28] Publicado na CJ/STJ, ano XVII, tomo I/2009, pág. 208.
[29] Cfr. , entre outros, os  Acórdãos do STJ, de 27.01.2009, in, CJ/ST, ano 2009, tomo I, pág. 208; de 07.04.2011 ( proc. nº 450/09.7JAAVR.S1) e de 09.06.2011 ( proc. nº 4095/07.8TPRT.P1.S1).
[30] In, “Curso de Processo Penal”, vol. II, Lisboa, 1999, pág. 174.
[31] “Legalidade da prova e reconhecimentos atípicos em processo penal”, Liber Discipulorum, pág. 1265.
[32] La ricognizione personale: struttura ed efficacia", in Rivista italiana di diritto e procedure penale, 1996, faz.2-3,  págs. 773 e 775, n. 173
[33]  Cfr. Alberto Medina de Seiça, "Legalidade da prova e reconhecimentos "atípicos" em processo penal..., cit., p. 1413.
[34] In, “Processo Penal”, pág. 446.

[35] In, “Sobre as Proibições de Provas, págs. 31, 33, 36, 61, 107, 108 e 184.
[36] In DR, II Série, de 02.06.2004.
[37] In, “ Direito Processual Penal”, pág. 215.
[38] In, “Sumários de Processo Criminal,  Coimbra 1968, págs. 56 e57.
[39] Ou seja,  se da decisão resulta que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. Cfr., entre outros, os Acórdãos de 5/6/03 (Proc. n.º 976/03 – 5.ª Secção), de 12/7/05 ( Proc. n.º 2315/05 – 5.ª Secção) e de 7/12/05 ( Proc. n.º 2963/05. 3ª. Secção).
[40]  Ou seja, quando, não reconhecendo o tribunal recorrido essa dúvida, ela resultar evidente do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, naqueles casos em que se possa constatar que a dúvida só não foi reconhecida em virtude de erro na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP. Cfr., entre outros, os Acórdãos de 30/10/01 ( Proc. n.º 2630/01 – 3.ª, de 6/12/2002, Proc. n.º 2707/02 – 5.ª e de 24/11/05, Proc. n.º 2831/05 – 5ª ).
[41]  Cfr. Maria João Antunes, in,  “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Janeiro-Março de 1994, pág. 121.
[42] In “Código de Processo Penal, Anotado”, II Volume, 2ª edição, Edição Rei dos Livros, 2004, p. 740.

[43] In, parecer “ Homicídio Qualificado-Premeditação-Imputabilidade- Emoção Violenta”, publicado na CJ, ano XII, 1987, tomo IV, págs 49 a 55.
[44] In “Comentário Conimbricense”, tomo I, pág.26.  
[45] A este propósito, cfr. o já citado Acórdão do STJ, de 17.04.2013 e toda a jurisprudência aí citada.
[46] Neste sentido, Augusto Silva Dias “Crimes contra a vida e a integridade física”, pág. 27.
[47] In, “Homicídio Qualificado. Tipo de Culpa e Medida da Pena”, Almedina, 1998, págs. 63 e 64.
[48] In, “Direito Penal Especial, Crimes contra as Pessoas”, Quid Juris, 2008, 2ª edição, págs. 52 e 53.
[49] In, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, tomo I, pág. 32)
[50] In, “Direito Penal”, Vol. III, pág. 135.
[51] Ambos relatados pelo Conselheiro Santos Cabral e publicados em www.dgsi.pt.
[52] In CJ/STJ, Ano XXIII, Tomo II, 2015, pág. 175
[53] Cfr. Claus Roxin, in, “Culpabilidad y prevención en derecho penal” (tradução de Muñoz Conde – Madrid, 1981, pág. 93. 
[54] In, “A medida da pena”, Lisboa,  pág. 62.
[55] Cfr. H.H. Jescheck, in, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, Barcelona, 1981, pág. 1190, nota 5.
[56] Cfr. Hans. Heinrich. Jescheck,  in, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, Barcelona, 1981, pág. 1201.
[57] In “Evolución del Concepto Jurídico Penal de Culpabilidad en Alemana Y Austria”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, ISSN 1695-0194 05-01(2003).

[58] In “Schuld und Prävention”, Tübingen, 1976, pág. 8 e segs.
[59] Cfr. Claus Roxin,in “ Culpabilidad Y Prevención en Derecho Penal” (tradução de Muñoz Conde – 1981), págs 96-98. 
[60] Publicados in www. dgsi.pt.
[61] In, “Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, págs. 109 e ss.
[62] Cfr. . Hans. Heinrich. Jescheck,  in “Evolución del Concepto Jurídico Penal de Culpabilidad en Alemana Y Austria”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia, ISSN 1695-0194 05-01(2003).
[63] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ, de  06.01.2010 ( proc. nº 99/08.1SVLSB.L1.S1).
[64] In, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, págs. 148- 163.
[65] In, 2 A determinação da medida da pena privativa de liberdade”, pág. 371.
[66] Neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 2007, Vol. I, págs. 446 e 447.
[67] Relatado pelo Juiz Conselheiro Sousa Fonte e publicado in www.dgs.pt.
[68] Relatado pelo Juiz Conselheiro Santos Cabral e publicado in www.dgs.pt.
[69] In, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 2005, págs. 291 e 292.
[70] In, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 2005, págs. 291 e 292.
[71]  citando Cristina Líbano Monteiro,  em Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.07.05, Pº nº 2521/05-5ª, na RPCC, Ano 16, Nº 1, 162 e segs.
[72] Relatado pelo Juiz Conselheiro Oliveira Mendes, n, www.dgsi.pt.