Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
| Descritores: | NULIDADE DO ACÓRDÃO FACTOS PROVADOS SANAÇÃO DANO MORTE DANO FUTURO DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
| Data do Acordão: | 05/10/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / RESPONSABILIDADE PELO RISCO / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO EM GERAL / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM / PROCEDIMENTOS CAUTELARES ESPECIFICADOS / RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO. | ||
| Doutrina: | -Andreia Marisa Rodrigues, Análise Jurisprudencial da Reparação do Dano de Morte, Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização, Abril de 2014; -Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 1.ª Edição, Almedina, 1980, p. 314 a 317; -Diogo Leite Campos, A indemnização do Dano da Morte, Almedina, Coimbra, 1980, p. 24 ; A Indemnização pelo Dano de Morte, Boletim da Faculdade de Coimbra, Volume. I, Coimbra 1974, p. 261 a 297; -Jordi Nieva Fenoll, La Valoración de la Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2010, p. 129 a 140; -Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, p. 248; -Teresa Magalhães, Diogo e Pinto da Costa Magalhães, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Avaliação do Dano na Pessoa em sede de Direito Civil. Perspectivas Actuais, p. 419 a 452. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 2, 496.º, 503.º, N.º1, 506.º, N.º1, 566.º, N.ºS 2 E 3. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 4.º, 374.º, N.º 2, 379.º, N.º 1, ALÍNEA A); 684.º, N.º 1. | ||
| Jurisprudência Nacional: | | ||
| Jurisprudência Internacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 17-03-1971, ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA; - DE 10-06-2008, PROCESSO N.º 08B2101; - DE 06-05-1999, PROCESSO N.º 99B222; - DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 1359/0; - DE 24-05-2007, PROCESSO N.º 07A1187; - DE 04-10-2007, PROCESSO N.º 07B2957; - DE 10-05-2008, PROCESSO N.º 08B1343; - DE 09-10-08, PROCESSO N.º 08B2686, IN WWW.DGSI.PT.; - DE 22-01-2009, RELATOR RODRIGUES DA COSTA; - DE 27-10-2009, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS; - DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 381-2002-S1; - DE 03-12-2009, RELATOR PIRES DA GRAÇA; - DE 03-12-2009, RELATOR ALVES VELHO; - DE 20-06-2010, RELATOR ALVES VELHO; - DE 07-10-2010, PROCESSO N.º 457/07.9TCGMR.G1.S1; - DE 16-12-2010, PROCESSO N.º 270/06.0TBLSD.P1.S1; - DE 20-10-2011, PROCESSO Nº 428/07.5TBFAF.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.; - DE 17-04-2012, PROCESSO N.º 4797/07.9TVLSB.L2.S1; - DE 24-09-2013, RELATOR MÁRIO MENDES; - DE 29-01-2014, RELATOR AZEVEDO RAMOS, IN WWW.DGSI.PT; - DE 21-01-2016, RELATOR LOPES DO REGO; - DE 28-01-2016, RELATOR MARIA GRAÇA TRIGO. | ||
| Sumário : | I - A plena omissão da enumeração dos factos provados e não provados no acórdão recorrido constitui uma nulidade do acórdão, nos termos do art. 379, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, ambos do CPC, que pode ser sanada, suprida ou colmatada pelo tribunal de recurso, ao amparo, ou por aplicação (subsidiária, para integração lacunar) do estatuído no nº 1 do art. 684º do CPC, aplicável por socorro do art. 4.º do CPC, mediante a integração na decisão a proferir da factualidade adquirida e que não foi objecto de impugnação por qualquer das partes. II - O dano de morte constitui um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do “de cujus” transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do CC. III - Não tendo o condutor do motociclo falecido instantaneamente, a morte que sobreveio ao condutor do motociclo após o embate com o veículo ligeiro de mercadorias é indemnizável e transmitiu-se aos peticionantes no pedido cível enxertado no processo criminal. IV - Não merece censura o valor de € 65.000, fixado pela Relação a título de dano morte, decorrente do embate, sem culpa da parte de qualquer dos intervenientes, entre o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, carregando no tejadilho uma canoa - conduzido pelo arguido e segurado na demandada - e o motociclo, conduzido pela vítima, de que resultaram lesões traumáticas torácicas e do membro inferior esquerdo do motociclista que, ficou totalmente amputado na zona média da coxa, lesões que foram causa directa e necessária da sua morte por choque hemorrágico decorrentes das mesmas, incidindo sobre o referido valor de dano morte a proporção de risco para a produção do resultado danoso fixada por ambas as instâncias com uma percentagem de 80% para o veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) e 20% para o motociclo, atenta a potencialidade com que cada um dos veículos intervenientes pode ter contribuído para o evento. V - Têm-se por ajustados, por recurso à equidade, os valores de € 25.000,00 para a assistente e € 10.000.00 para cada dos filhos, a título de indemnização por dano futuro decorrente da morte do marido e pai dos demandantes menores, respectivamente, considerando que: (a) desde o momento do acidente até ao momento em que faleceu, hiato de cerca de 12 horas, o ofendido, mercê das lesões sofridas, mormente, a amputação da perna esquerda, a que se seguiram os necessários procedimentos de socorro, sofreu dores excruciantes"; (b) mantendo-se consciente; (c) sofreu profunda angústia perante a possibilidade de vir a falecer; (d) à data do acidente tinha 46 anos de idade; (e) era casado com a assistente; (f) tinha dois filhos, de 14 anos e 10 anos de idade, respectivamente, com quem residia, que sofreram e sofrem até hoje profunda tristeza e desgosto e abalo emocional; (e) o ofendido era servente de construção civil, estando inactivo devido a problema de saúde de que padeceu nos últimos anos de vida, e auferia de rendimento social de inserção e que desde o decesso do ofendido, a assistente beneficia do valor mensal de 227 euros, a título de pensão de sobrevivência. VI - Atenta a idade do lesado (46 anos) não fora o sinistro poderia este obter rendimento de trabalho até aos 70 anos, o que equivale a dizer por um período de 24 anos, correspondendo esse período àquele que a assistente e os filhos se verão privados do sustento qua o lesado apartaria para a esfera do agregado familiar. VII - Na atribuição da indemnização por danos não patrimoniais, deverá atender-se à gravidade dos efeitos da acção desvalorativa do lesante, pois só a afectação grave e desproporcionada do estado emocional, psicológico e /ou físico do lesado é passível de obter um grau de valoração ético-jurídica reconhecida pela ordem jurídica e por ela tutelada e protegida. VIII - No montante a atribuir, o tribunal deverá usar de critérios de equidade, como factores de ponderação e de equação socialmente relevantes, fazendo intervir os elementos ético-socialmente censuráveis e reprováveis inerentes ao desvalor das acções lesivas, havendo que atender, ao grau de culpabilidade do lesante, ao modo como a acção lesiva foi consumada e/ou reiterada, aos efeitos e consequências que essa acção provocou no lesado e nas perturbações/alterações que provocaram na vivência e nos estados psicológicos, emotivos e/ou físico do lesado. IX - Face aos referidos factores de ponderação, mostram-se ajustados os valores de € 20.000,00, para a assistente/demandante, e de 15.000 euros, para cada um dos filhos menores, fixados pela 1.ª instância a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios. | ||
| Decisão Texto Integral: | I. – Relatório. AA, por si e na qualidade de legal representante dos menores, BB e CC, recorre da decisão do Tribunal da Relação do Porto, prolatada a fls. 577 a 583, que, alterando/modificando a decisão que havia sido proferida na primeira (1ª) instância – cfr. fls. 441 a 468 [[1]] – condenou a recorrida a pagar à demandante “(…) a quantia de € 58.000,00 a título de indemnização pela perda do direito à vida do ofendido DD; “(…) a pagar aos Autores a quantia de € 10.000,00 a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro”, no mais mantendo a sentença recorrida. Irresignada com o julgado, recorre a demandante tendo dessumido a argumentação com que pretende contraminar o julgado, com o quadro conclusivo que a se deixa transcrito. I.a). – Quadro Conclusivo. “I. Nos termos do disposto no artigo 506.º do CC, no caso do choque de veículos, sempre haveriam de ser somados todos os danos resultantes da colisão, para cada um dos veículos, repartindo-se a responsabilidade na proporção em que cada um daqueles veículos haja contribuído para a produção dos danos produzidos. II. No caso vertente, é facto provado que existiu um choque entre o veículo ligeiro de mercadorias, segurado pela recorrente, tripulado pelo absolvido arguido EE e o motociclo tripulado pelo ofendido de cujus, quando ambos se cruzaram na via e, em circunstâncias não apuradas chocaram, choque do qual resultou a morte no condutor do motociclo. III. Porquanto a matéria de facto, assente por considerada provada, não permite ao tribunal a quo atribuir a culpa na produção do acidente a qualquer dos condutores, pelo que haverá que assacar os danos verificados aos riscos inerentes à circulação dos veículos e ao posicionamento daqueles, bem como às circunstâncias do ocorrido. IV. A verdade é que é absoluta a maior potencialidade do veículo ligeiro para causar danos, e a menor estabilidade de um motociclo, cuja utilização é dotada de uma maior perigosidade em relação à do automóvel, não se enquadra nos factos em análise. V. Atendendo à gravidade das consequências para o condutor do motociclo, que o conduziram à morte, decidiu o tribunal a quo, em fixar o grau de comparticipação do risco em 80% para o veículo segurado pela recorrente e 20% para o motociclo, atentas todas as circunstâncias já descritas. VI. No concernente ao valor da indemnização destinada a ressarcir a perda da vida pelo decesso, a sentença da primeira instância entendeu considerar: «adequado fixar a indemnização pelo dano da morte em 65.000 euros, já actualizada ao presente momento e depois de ponderada, como atrás referido, a contribuição causal do próprio ofendido para a eclosão do acidente que lhe ceifou a vida». E ainda, como se retira da prova gravada, da excruciante circunstancia que precedeu a morte daquele, VII. Entende o douto acórdão agora recorrido que houve um lapso na fixação indemnizatória do valor pela perda do direito à vida, concluindo por uma diminuição desse valor em € 13.000,00. VIII. Em sentido precisamente inverso, no respeitante à indemnização pela supressão do direito à vida, em sede jurisprudencial, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.04.2009. IX. Sendo até, por certo, que o circunstancialismo do que ali ocorreu foi menos pesaroso do que o corrido no caso presente. X. Consideramos, acompanhando a sentença da primeira instância que, depois do facto lesivo e a partir dele, haverá um direito de indemnização pelo dano da morte, isto é, um direito de indemnização por danos futuros, subordinado embora à condição suspensiva da verificação da morte, e que se transmite aos herdeiros do seu titular depois do falecimento. XI. Assistindo à assistente/recorrente e filhos menores do ofendido o direito a tal indemnização, e valorizando os sobreditos critérios, os valores recorrentemente praticados pela jurisprudência, e atendendo ainda a que a compensação pelo dano da morte deve ter um alcance significativo, e não meramente simbólico, pesando a idade do ofendido, considerou o tribunal a quo adequado fixar a indemnização pelo dano da morte em 65.000 euros – justiça se fez com a prolação de tal decisão. XII. Pois que, a vida é o bem supremo, a fonte de todos os direitos e a perda do direito à vida contende com a violação do mais importante e valioso bem da pessoa. XIII. Consideramos que a dignificação que merece a vida humana, não justifica, no caso concreto, a redução do valor de € 65.000,00 atribuído para compensação pela perda do direito à vida da vítima, apesar deste já ter 46 anos de idade. XIV. Basta atentar à actual idade da reforma, com tendência para estender, atento o aumento da esperança de vida. XV. Estando em «causa a fixação do valor de um bem tão intangível, como é a vida de uma pessoa…» - nas boas palavras da recorrente, entendemos que a douta sentença, ora recorrida, foi assertiva na fixação desta indemnização, do montante de € 81.250,00, aplicando-se-lhe os pontos percentuais respectivos à divisão do risco, deverá ascender este montante indemnizatório a €65.000,00, mantendo-se o valor fixado. XVI. Sobre a invocação de que de um lapso se tratou, e com o devido respeito, não se pode aceitar que se dê como certa esta presunção que tem por base um simples palpite, que entende que o número 81.250,00 “é estranho e inusitado”.. XVII. Como já foi dito esta presunção esteve na base e serviu de fundamento à alteração feita ao valor indemnizatório. XVIII. E desse modo, a ilição que agora se faz de tal presunção deve de imediato proceder, e ser tal presunção desconsiderada. XIX. Uma decisão que contrarie o douto acórdão recorrido, e que mantenha a correta decisão da primeira instância, entendendo como valor final a indemnizar o montante de € 65.000,00, sempre estará de acordo com os parâmetros propostos, e que serviram para balizar a decisão dos venerandos juízes da relação, uma vez que, tal como aí vem defendido, “o STJ vem definindo para esta matéria que se situa hoje – para vítimas sem nenhum predicado – entre os € 50.000,00 e os € 70.000,00”. XX. A indemnização destinada a ressarcir o dano patrimonial futuro dos demandantes civis/recorridos deverá manter-se nos exactos termos em que foi quantificada pelo tribunal de primeira instância, i.e., para a assistente a quantia de €35.000,00, e para os filhos a quantia de € 20.000,00, para cada um. Deve dar-se provimento ao recurso, mantendo os valores indemnizatórios, ab initio, fixados (…).” I.b). – Questão a merecer apreciação. No recurso sob apreciação, ressaltam como temas a merecer disquisição: a) – Nulidade da decisão recorrida por total ausência de fundamentação de facto; b) – Responsabilidade pelo risco. Proporção/contribuição de cada um veículos para a produção dos danos. c) – Indemnização do dano de Morte; d) – Danos patrimoniais (futuros) decorrentes da perda de contribuição do decesso para a economia familiar, designadamente da obrigação de alimentos . II. – FUNDAMENTAÇÃO. II.A. – DE FACTO. Para a decisão a proferir está adquirida, por inalterabilidade da decisão de facto oriunda do tribunal de primeira instância, a factualidade que a seguir queda transcrita. “a) O arguido, porque conduzia desatento e sem que nada o justificasse, ao efectuar a curva invadiu ligeiramente a hemifaixa esquerda de rodagem, atendendo ao sentido ... circulando contra a sua mão de trânsito, barrando inopinadamente a circulação ao motociclo de matrícula ...-ER-..., conduzido pela vítima. b) O motociclo conduzido pela vítima, que circulava em sentido contrário, na sua mão de trânsito, em velocidade não superior a 50 km horários e próximo do eixo da sua hemi-faixa de rodagem, foi colhido violentamente na parte frontal pela parte frontal esquerda do veículo conduzido pelo arguido. c) Em virtude de tal colisão frontal, o arguido foi projectado para o solo, já com o membro inferior esquerdo amputado pela coxa e o seu motociclo tombou, tendo este ficado imobilizado dentro da sua via de sentido ... e o corpo da vítima caído do lado direito da via, com a parte inferior do corpo dentro da faixa de rodagem e a parte superior fora. d) O veículo automóvel conduzido pelo arguido imobilizou-se com a roda esquerda traseira dentro da via de sentido contrário ao que circulava, antes tendo ficado demonstrado apenas o vertido em 8). e) O arguido ao não circular pelo lado mais à direita possível da sua hemifaixa, ao efectuar a curva à esquerda de ângulo fechado, perdeu o controlo do seu veículo, invadindo parcialmente a hemifaixa contrária, no sentido ..., onde circulava o motociclo conduzido pela vítima mortal, cortando a sua trajectória e provocando a colisão frontal entre ambos. f) O arguido conduzia com manifesta falta de atenção, desrespeitando sem justificação as injunções decorrentes das regras que regem a circulação automóvel, não adequando a sua condução ao traçado sinuoso da via, não circulando pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível da berma, violando assim as mais elementares normas de prudência e segurança rodoviária. g) O arguido podia e devia ter previsto a ocorrência do evento, tendo confiado que este não se produziria. h) O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a descrita conduta é proibida e punível por lei. i) O valor do motociclo apresentava, à data do acidente, o valor de mercado médio de 1500 euros. j) O ofendido, à data do acidente, tinha expectativas de vir a trabalhar no exterior em virtude um convite que lhe foi dirigido. k) À data do acidente, o ofendido contava com 31 anos de descontos realizados para a Segurança Social. l) A assistente e o ofendido, à data do acidente, já tinham pago integralmente a respectiva casa de habitação. m) A assistente foi trabalhadora por conta de outrem, tendo realizado trabalhos de limpeza da via pública, de lavoura e na sociedade de confecções HH e num salão de cabeleireiro, tendo, juntamente com o ofendido, e em 10 anos, amealhado mais de 100.000 euros. n) Por força do decesso do ofendido, o filho mais velho BB, sofreu um decréscimo do rendimento escolar tendo que repetir o 8.º ano de escolaridade. o) Por força do decesso do ofendido, a assistente viu-se privada da possibilidade de trabalhar, em Portugal e no estrangeiro, de forma a garantir o apoio devido aos seus filhos menores, p) Tendo-se verificado uma drástica redução dos níveis de rendimento do agregado familiar da assistente.” II.B. – DE DIREITO. II.B.1. – Nulidade da decisão recorrida por ausência total da fundamentação de facto. A decisão sob sindicância é total omissa de fundamentação de facto. Ao acórdão é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 379º e 380º do Código Processo Civil. Nos termos no nº 1, alínea a) do artigo 379º do Código Processo Civil, é nula a sentença quando não contiver as menções referidas no nº2 do artigo 374º, que dispõe, enquanto requisito da sentença para a sua parte fundamentadora, e enumeração dos factos provados e não provados. A plena omissão da enumeração dos factos provados e não provados no acórdão recorrido constitui nulidade do acórdão que, em nosso juízo, pode ser sanada, suprida ou colmatada pelo tribunal de recurso, ao amparo, ou por aplicação (subsidiária, para integração lacunar) do estatuído no nº 1 do artigo 684º do Código Processo Civil, aplicável por socorro do artigo 4º do Código Processo Civil. O suprimento ou sanação da nulidade é possível, em nosso juízo, por duas ordens de razões: (i) o recurso para o tribunal da Relação não versou a impugnação da decisão de facto; (ii) não se verificam anomalias que sejam susceptíveis de ervar a decisão da matéria de facto (artigo 410º do Código Processo Civil); (iii) a decisão de facto está consolidada e constitui base inarredável para a decisão a proferir. Assente neste quadro endoprocessual e estimando uma intervenção processual reparadora do erro processual cometido, afigura-se-nos que nada obsta a que o tribunal de recurso lance mão do mecanismo de substituição para reparação do erro cometido pelo tribunal do aluimento processual. Com a intervenção sanadora do tribunal de recurso e porque as partes não suscitaram a questão, obvia-se a um retrocesso na marcha do procedimento recursivo e alcança-se, por isso , uma decisão num espaço mais curto. No rigor talvez fosse de lançar mão de uma prévia notificação aos intervenientes processuais para pronunciamento sobre esta questão, no entanto, como não houve de qualquer das partes noticia da nulidade, adergamos da sua desnecessidade pela não tomada de posição expressa nas respectivas peças alegatórias. Porque assim, proceder-se-á a sanação da nulidade detectada e envidaremos por integrar a decisão a proferir neste Supremo Tribunal com a facticidade adquirida e que não foi objecto de impugnação por qualquer das partes. II.B.2. – Responsabilidade pelo risco. Proporção/contribuição de cada um veículos para a produção dos danos. A decisão sob recurso apreciou a proporção de cada um dos veículos intervenientes no acidente que produziu o resultado danoso (danos patrimoniais e não patrimoniais) que foram objecto de petição por banda da demandante cível, e que havia sido posta em crise no recurso da demandada cível, da forma seguinte: “Como se sabe no domínio dos acidentes causados por veículos, vale a regra da “responsabilidade pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo”, cfr. artigo 503.º/1 CCivil e assim, em situação de colisão de veículos, dispõe o artigo 506.º/1 C Civil que, a responsabilidade se reparta “na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos.” Com refere Dário Martins de Almeida in Manual de Acidentes de Viação, 3ª edição, 370, apud acórdão do STJ de 30.6.2016, in site da dgsi, "na prática, para a determinação da proporção do risco, haverá que lançar mão de um critério de equidade, embora na base do respectivo juízo esteja a realidade concreta" e "a relatividade do risco ajuda a determinar a sua proporção. Um automóvel não será muito perigoso para uma locomotiva ou um eléctrico, sendo, porém, perigoso para um velocípede a pedais ...". Atentemos, então, nas consequências verificadas, a nível dos danos a que alude o n.º 1 do artigo 506º, bem como, na contribuição de cada um dos veículos para a sua verificação, para o que há que ter presente a estrutura dos veículos envolvidos e as consequências resultantes da colisão. Como se refere, no acórdão de 7.10.2010 do STJ, apud acórdão do mesmo tribunal de 17.5.2012, in site da dgsi, “será, porém, lícito, nos casos em que a dinâmica do acidente permaneça indeterminada, inferir essa percentagem dos riscos típicos de circulação das características estruturais de cada um dos veículos intervenientes – e, desde logo, da sua dimensão relativa e peso? Considera-se que a resposta não poderá deixar de ser afirmativa, se se tiver em conta que a medida do risco causado com a circulação rodoviária de certa viatura se deve fixar em função da sua vocação ou apetência para, em caso de colisão, provocar danos acrescidos no outro ou outros intervenientes no sinistro: note-se que a maior fragilidade e menor grau de segurança de um dos veículos intervenientes numa colisão, enquanto determina efectivamente uma maior apetência para provocar danos relevantes ao seu próprio utilizador, implica uma típica redução do risco de lesão grave nos outros utilizadores da via pública que conduzam viaturas mais sólidas, pesadas ou estáveis. Ora, sendo este segundo o factor decisivo, é evidente que – como decidiu o acórdão recorrido e constitui, aliás, solução jurisprudencial corrente – é substancialmente maior a capacidade de um veículo automóvel infligir danos relevantes ao utilizador de um motociclo ou ciclomotor com o qual colida em circunstâncias indeterminadas do que a apetência para o segundo lesar gravemente o condutor do automóvel envolvido na colisão (…)”. Cremos bem que, no caso, se tem que ter como adequada a repartição efectuada na decisão recorrida. Com efeito e, desde logo, em primeiro lugar, por ter atribuído uma maior percentagem de responsabilidade ao condutor do veículo automóvel, como resultado da ponderação da estrutura dos veículos envolvidos. Por outro lado, porque estamos perante um veículo automóvel ligeiro de mercadorias - vulgarmente conhecido como carrinha - e, para mais, carregando no tejadilho uma canoa - conduzido pelo arguido e segurado na demandada e, por outro, um motociclo, conduzido pela vítima Quanto às circunstâncias, o que se apurou foi que o veículo do arguido foi atingido na zona lateral e frontal esquerda e como consequência, o motociclista sofreu lesões traumáticas torácicas e do membro inferior esquerdo que, resultou totalmente amputado na zona média da coxa, lesões que foram causa directa e necessária da sua morte por choque hemorrágico decorrentes da mesma e que após o embate, o motociclo ficou imobilizado, tombado de forma perpendicular ao eixo da via, sensivelmente no centro da respectiva hemi-faixa, e a vítima, mais a jusante, junto da berma, tendo o seu membro inferior esquerdo amputado sido projectado para a zona do parque de estacionamento que se encontra do lado esquerdo da via e, que após o embate, o veículo conduzido pelo arguido se imobilizou na via, com a roda do lado esquerdo dianteira, junto ao eixo da via, calcando-a, com a direcção afectada, tendo sido necessário recorrer a reboque para o transportar até à oficina de reparação. Estes factores/circunstâncias são significativas de uma relevante – mais do que o tido por normal e paradigmático, a pressupor um veículo automóvel ligeiro e sem carga - contribuição por parte do veículo conduzido pelo arguido para os danos verificados. Se usualmente se considera uma percentagem a rondar os 30%-70% ou 25%-75%, cremos bem que as concretas circunstâncias do caso demandam, apontam, mesmo de forma clara, para a fixação de uma proporção mais intensa, por parte do veículo conduzido pelo arguido Não se justifica, pois, a alteração da percentagem fixada de 20%-80%. A lei – artigo 483º, nº 2 do Código Civil – prescreve que só existe a obrigação de indemnizar independentemente da culpa nos casos especificados na lei. “A responsabilidade civil por factos ilícitos, nos termos do art. 483, nº1, do Cód. Civil, depende da verificação dos seguintes pressupostos: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo da causalidade entre o facto e o dano. A responsabilidade objectiva ou pelo risco tem natureza excepcional, em face do disposto no art. 483, nº2, do C.C., onde se estabelece que só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Tal responsabilidade caracteriza-se por não depender de culpa do agente, brotando a obrigação de indemnizar do risco próprio de certas actividades. No caso específico dos acidentes causados por veículos, estabelece o art. 503, nº1, do Cód. Civil: “Aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”. Ou seja, na ausência de culpa, responde com base no risco quem tiver a direcção efectiva do veículo e o utilizar no seu próprio interesse. Tem correntemente a direcção efectiva do veículo o proprietário, o usufrutuário, o adquirente com reserva de propriedade, o comodatário, o locatário, o que o furtou, o condutor abusivo e, de um modo geral, qualquer possuidor em nome próprio. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 513) “ ter a direcção efectiva do veículo destina-se a abranger todos aqueles casos em que, com ou sem domínio jurídico, parece justo impor a responsabilidade objectiva, por se tratar de pessoas a quem especialmente incumbe, pela situação de facto em que se encontram investidas, tomar as providências para que o veículo funcione sem causar dano a terceiro. A direcção efectiva do veículo é o poder real (de facto) sobre o veículo e constitui o elemento comum a todas as situações referidas, sendo a falta dele que explica, em alguns casos, a exclusão da responsabilidade do proprietário. Tem a direcção efectiva do veículo aquele que, de facto, goza ou frui as vantagens dele, e quem, por essa razão, especialmente cabe controlar o seu funcionamento”. O segundo requisito (utilização no próprio interesse) visa afastar a responsabilidade objectiva daqueles que, como o comissário utilizam o veículo, não no seu próprio interesse, mas em proveito ou às ordens de outro.” [[2]] «É difícil definir com precisão o que sejam os riscos próprios do veículo. Estamos aqui perante aquilo que, de algum modo é possível arrumar na categoria de conceito normativo, de fronteiras pouco definidas, funcionando portanto como conceito indeterminado a preencher, na sua revelação concreta, por processos casuísticos. No sentido corrente, o risco tende a confundir-se com o perigo. O próprio caso fortuito, relativo à viatura, caracteriza uma dimensão do risco. Daí que o perigo, como situação potencial no caminho do dano, se desdobre em fenómenos cujas forças funestas acabam por escapar à acção do homem. O carácter perigoso do veículo reside mais no seu uso (o risco-actividade) do que o seu dinamismo próprio. Em abstracto, o velocípede a pedais será, pois, uma coisa muito menos perigosa do que um automóvel, embora, em concreto, possa nalguns casos ser mais perigosa. No risco, compreende-se tudo o que se relacione com a máquina enquanto engrenagem de complicado comportamento, com os seus vícios de construção, com os excessos ou desequilíbrios da carga do veículo, com o seu maior ou menor peso ou sobrelotação, com a sua maior ou menor capacidade de andamento, com o maior ou menor desgaste das suas peças, ou seja com a sua conservação, com a escassez de iluminação, com as vibrações inerentes ao andamento de certos camiões gigantes, susceptíveis de abalar os edifícios ou quebrar os vidros das janelas. É o pneu que pode rebentar, o motor que pode explodir, a manga do eixo ou a barra de direcção que podem partir, a abertura imprevista de uma porta em andamento, a falta súbita de travões ou a sua desafinação, a pedra ou gravilha ocasionalmente projectadas pela roda do veículo (há mesmo casos em que pode aqui haver culpa); até a alta velocidade constituiu um risco, ao mesmo tempo que pode representar um acto culposo. Enquanto em circulação, a própria estrada pode emprestar à viatura riscos graves. Mas não são apenas estas situações dependentes da viatura ou a ela inerentes que preenchem os riscos por ela representados; dentro do quadro de hipóteses subjacentes ao preceito estão igualmente os riscos relacionados com o próprio condutor: é do binómio veículo-condutor que se parte para se integrar a responsabilidade pelo risco. Ter-se-á neste terreno o caso do acidente devido a colapso físico do condutor do veículo (uma vertigem momentânea, um súbito colapso cardíaco). A perda súbita da consciência é mesmo considerada caso de força maior inerente ao funcionamento do veículo. Neste sentido se pronunciaram os acórdãos do S.T.J., de 4 de Maio de 1971 (Bol. 207, p. 134) e de 27 de Julho de 1971 (Bol. 209, p. 120). A própria febre alta pode ocasionar um desastre não culposo. Todavia, em regra, poderá constituir um daqueles estados transitórios de inimputabilidade, para os quais não funciona o artigo 503º; tratar-se-á normalmente de situações de culpa, enquanto ligadas à condução e entram na sede das actiones liberae in causa (artigo 488º nº 1). De resto - já ficou salientado – até o risco pode estar, na sua origem, condicionado pela culpa (o caso da derrapagem culposa, o caso do pneu que rebenta pela grave incúria ou inconsideração relativa à sua conservação). Todavia, difícil será prová-lo. [[3]/[4]] O tribunal de primeira (1ª) – cfr. fls. 455 a 461 –, no que foi coonestado pela decisão recorrida, considerou que os danos provocados pela colisão entre o veículo com a matrícula ... -QV e o motociclo ocorreram sem culpa da parte de qualquer dos intervenientes do embate, pelo que, depois de ter discorrido sobre a potencialidade de cada um dos veículos intervenientes possa ter contribuído, ou participado, para a resultado danoso, rematou com uma percentagem de 80% para o veículo automóvel (ligeiro de mercadorias) e 20% para o motociclo – cfr. fls. 460. Impugnada esta percentagem – cfr. alegações de fls. 482 a 489 (máxime conclusão I.) – o tribunal recorrido acabaria por confirmar a percentagem estabelecida pelo tribunal de primeira (1ª) instância. Ficou definitivamente estabelecida proporção de risco com que cada dos veículos intervenientes no embate contribuíram para a produção do resultado danoso. II.B.3. – Dano de Morte. Quantum Indemnizatório. A lei consagra um direito de indemnização, autónomo, pela supressão (biológica) do bem jurídico constitucionalmente reconhecido que é vida de uma pessoa, mais concretamente, quando essa ablação (da vida) surge, não por razões da própria natureza humana, da ordem natural da vida, mas por uma acção, natural ou humana, que ocorre de forma inopinada no curso normal da vida de um individuo. [[5]] O assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 1971, [[6]] resolveu de forma definitiva a questão que se debatia até aí sobre que tipo de dano a atribuir em caso de morte. (“I. A perda do direito à vida, por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação pela acção ou omissão e que a morte é consequência. II. – O direito a essa reparação integra-se no património da vítima e, coma morte desta, mantêm-se e transmite-se.” – BMJ nº 205, pág. 150. [][7] Após essa definição jurisprudencial, mostra-se unanimemente aceite que o dano de morte se constitui como um dano autonomamente indemnizável. [[8]] Ainda que não seja objecto de dissidio argumentativo no recurso em apreciação, por razões didácticas abordar-se-á a questão do direito ao dano de morte enquanto dano que surge na esfera pessoal do decesso, transmitindo-se aos herdeiros, ou se é atribuído iure proprio aos herdeiros. “Esta questão foi, de há muito, e nem sempre do forma unânime, objecto de muito e aprofundado tratamento por parte da doutrina e da jurisprudência (v. Antunes Varela “Das Obrigações em Geral – 10ª edição – páginas 608 a 616) sendo interessante, dentro deste processo de tomada de decisão, referir que o reconhecimento da perda da vida como direito não patrimonial autónomo – indemnização pela supressão do bem vida - foi pela primeira vez efectuado na jurisprudência deste STJ pelo acórdão de 17/3/1971 (tomado em Plenário de Secções, nos termos do artigo 728º nº 3 CPC, na redacção então vigente, uma vez que por anterior acórdão – de 12/2/1969 – se perfilhou a tese de que a supressão do bem da vida não constitui dano cuja reparação se transmita aos herdeiros da vitima), defendendo-se ali que a perda do direito à vida é, em si mesma passível do indemnização e que o direito à reparação pecuniária se integra no património da vitima transmitindo-se mortis causa aos seus sucessores. A doutrina subjacente ao acórdão reconhece o direito à vida como um direito inato que respeita ao indivíduo pelo simples facto de ter personalidade e centrando o momento da violação do direito no inicio da acção vitimante (à semelhança do que ocorre no domínio do direito penal) faz incorporar o direito à indemnização pelo dano na esfera jurídica da própria vitima. Numa ligeira análise, que aqui afloramos por meras razões de curiosidade intelectual, a tese do acórdão parece, no quadro específico de protecção, pelo direito privado, do direito à vida aproximar-se das teses relativas à determinação dogmática da função de imperativo de tutela e da proibição da insuficiência do direito privado na tutela dos direitos fundamentais. Na tese dos recorrentes a garantia de protecção do Fundo abrangerá (também) a indemnização pelo dano morte da vítima, seu filho, uma vez que para efeitos indemnizatórios esse dano se traduz ou tem a natureza de um direito próprio (que radica na sua esfera jurídica por força do disposto no artigo 496º nº 2 CC) e não a natureza de um direito que lhes tenha advindo por serem herdeiros da vítima segundo a lei sucessória. A posição defendida pelos recorrentes encontra, numa primeira leitura e análise e conforme a apresentam, sustentação nos acórdãos deste STJ de 7/10/2003 (relator Conselheiro Afonso Correia – www.dgsi.pt) e de 10/2/1998 (CJ/STJ, 1998, 1º - 65) e de 18/9/2012 (relator Conselheiro Azevedo Ramos – www.dgsi.pt), nos quais se refere, acompanhando-se, entre outras, a posição defendida pelo Professor Antunes Varela, que a reparação do dano morte (ou supressão da vida) é tratada na nossa lei civil como um caso especial de indemnização atribuindo, nesta situação, os artigos 495º e 496º nº 2 CC um direito próprio à indemnização, abstraindo-se, assim (acrescenta) do recurso às regras sucessórias. Com todo o respeito por todas as opiniões em contrário, entendemos que as teses que na doutrina e na jurisprudência lêem o disposto no artigo 496º nº 2 no sentido de se consagrar, às pessoas ali indicadas, o direito à indemnização por supressão do direito à vida como um direito próprio e originário dessas mesmas pessoas se baseiam (reforçamos que no que exclusivamente respeita à indemnização por supressão do direito à vida e fundamentalmente na parte em que qualificam esse direito à indemnização como um direito originário das pessoas indicadas nessa disposição legal) numa interpretação demasiado restritiva do que ali se estatui com um fundamento que admitimos esteja suportado numa injustificada sobrevalorização do argumento literal, esquecendo possivelmente que ao tempo da entrada em vigor do Código ainda se não colocava (pelo menos na nossa jurisprudência) a questão da indemnização pela supressão do bem vida como dano não patrimonial autónomo, sendo desta realidade eloquente exemplo as posições contraditórias reflectidas nos acórdãos deste STJ, de 12 de Fevereiro de 1969 e de 17 de Março de 1971, e a discussão doutrinária gerada a partir das anotações do Professor Vaz Serra a esses dois acórdãos, publicadas nas RLJ nºs 103 e 105º. Não havendo hoje dúvidas que a violação por acto ilícito do direito à vida, entendida como privação desse direito gera um dano não patrimonial autónomo indemnizável, entendemos porém que tal direito nasce na esfera jurídica da própria vitima no preciso momento em que é praticado o acto ou verificada a omissão que tem como resultado a morte, venha esta a ocorrer imediatamente ou em momento cronologicamente posterior, não nos merecendo, neste preciso aspecto acordo a posição que já acima referimos, manifestada no voto de vencido do Conselheiro Arala Chaves (a cuja memória prestamos homenagem) ao acórdão deste STJ, de Março de 1971; com efeito ocorrendo a morte sempre e necessariamente num momento temporal distinto e posterior ao acto ou omissão causal (tal como ocorre no domínio do direito penal a sanção civil (indemnização por facto ilícito) castiga o acto causal servindo o resultado/consequência como elemento decisivo para a fixação do quantum indemnizatório) existe sempre um momento temporal – por ínfimo que seja – em que o direito à indemnização por violação do (seu) direito à vida incorporou a sua esfera jurídica. Sendo o direito à vida um direito inato na medida em que respeita ao individuo pelo simples facto de ele ter personalidade tal direito permanece sempre na esfera do próprio, razão esta que reforça a nossa posição no sentido que a violação desse direito fundamental, a supressão do direito à vida, ocorre na esfera jurídica do lesado transmitindo-se mortis causa o direito à indemnização. Como refere Galvão Telles, Direito das Sucessões, Lisboa, 1973, páginas 86/87, se um direito surge no momento da morte, no primeiro momento da inexistência de personalidade também nasce no ultimo momento de existência dessa personalidade, podendo portanto ser adquirido por quem falece. Acrescenta aquele ilustre Professor que para alguém adquirir um direito inter vivos não é necessário que sobreviva ao facto determinante da aquisição, bastando que exista quando este se dá. Diferente da tese de Galvão Telles, que acompanhamos na linha do que fica acima referido, mas conduzindo ao mesmo resultado prático, é a tese defendida por Diogo Leite de Campos (A Indemnização do Dano Morte – Coimbra, 1980) que, parecendo em nossa opinião ignorar a existência de momentos temporais distintos, defende a construção de uma teoria de aquisição do direito post mortem como ainda uma manifestação da personalidade jurídica do de cujus. Conduz tudo o que deixamos referido a que concluamos, na linha aliás da jurisprudência que fez vencimento no acórdão deste STJ de 17 de Março de 1971, que produzindo-se o dano na esfera jurídica da vitima (na esfera inata e intransmissível do seu direito à vida), o direito à indemnização pela supressão do direito à vida enquanto dano não patrimonial autónomo radica originariamente na esfera jurídica dessa mesma vitima. Colocado, assim, este primeiro aspecto da questão e concluindo em conformidade que o dano resultante ou consequente da supressão do direito à vitima e o consequente direito à indemnização (artigo 483º CC) integram originariamente a esfera jurídica do lesado, perguntar-se-á como se compatibiliza esta mesma conclusão com o disposto no artigo 496º nº 2. Com todo o respeito, reforçamos, pelas posições que vêm sendo assumidas em contrário na doutrina e na jurisprudência, entendemos que não existe qualquer espécie de incompatibilidade entre a posição subjacente à conclusão a que chegamos e o conteúdo daquele mencionado normativo. Sem entrarmos na questão controversa de saber se a transmissão (mortis causa) do direito ali prevista se opera por via sucessória ou por aquisição directa e originária das pessoas indicadas naquele nº 2 (esta questão e a sua solução não cabe no âmbito do recurso) consideramos claro que a razão de ser a justificação do ponto de vista teleológico do disposto naquela norma se limita ao estabelecimento de um regime de transmissão do direito à compensação por danos não patrimoniais e respectivo exercício, não encontrando qualquer suporte uma interpretação no sentido de que às pessoas ali mencionadas é ali conferido um direito passível de ser considerado originário (no sentido de ter nascido originariamente na sua esfera jurídica), sendo mesmo e em contrário de se sublinhar que se situa ali o momento da aquisição do direito (morte da vitima) e se refere que tal direito cabe em conjunto ás pessoas ali mencionadas e na falta destas às pessoas que ali seguidamente se mencionam, mostrando clara esta formulação que não há nessas pessoas um direito originário mas sim um direito adquirido por morte da vitima, ou seja mortis causa. Tendo por certo, na linha do que deixamos referido, que os AA enquanto pais da vitima, que era simultaneamente proprietário da viatura interveniente no acidente e incumpridor da obrigação legal de segurar, apenas poderiam obter a condenação do Fundo no pagamento da indemnização correspondente aos danos, no caso não patrimoniais, pessoalmente sofridos com a morte do filho (só relativamente a estes danos têm real e efectiva qualidade de terceiros) e assim necessariamente terá que ser afastada a possibilidade de reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica da vitima como é o caso da indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida. No caso presente estamos perante uma situação em que apenas é possível o que no direito francês se designa por action personnele des victimes par ricochet na qual as vitimas, que o são em razão de uma proximidade familiar com o de cujus, exigem os seus prejuízos pessoais resultantes da morte (préjudices personneles induits par le décès).” [[9]] De forma mais exaustiva, dir-se-ia “aplastante”, discorreu-se no acórdão proferido no processo n.º 585/05.0TASTR.E1.S1, relatado pelo Conselheiro Raúl Borges, e em que interviemos como adjunto que (sic): “(..,) O legislador não fornece uma definição de danos não patrimoniais, mas indica os requisitos de ressarcibilidade deste tipo de dano, regula a legitimidade no caso de morte e os específicos critérios de avaliação do dano. Como refere Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, II volume, Indemnização dos Danos Corporais, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Edições Almedina, SA, Fevereiro, 2007, pronunciando-se sobre a indemnização do dano-morte e dos danos morais dos familiares: “Pondo de lado a velha polémica acerca da ressarcibilidade autónoma do dano-morte, mais concretamente, sobre a legitimação para a atribuição de uma indemnização correspondente à perda da vida, extrai-se do art. 496 o reconhecimento de que, em casos de morte, é reconhecido às categorias de familiares aí referidos, e pela ordem indicada, direito de indemnização envolvendo duas parcelas autónomas: - A indemnização pela perda da vida, como bem absoluto que, apesar de irrecuperável, deve ser compensado; - E a indemnização pelos danos morais que a morte de alguém é susceptível de provocar naqueles familiares”. Em nota de rodapé acrescenta: “Sem prejuízo ainda do direito de indemnização por danos morais suportados em vida pelo falecido (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil-Parte Geral, tomo III, pág. 139”. Afirma, de seguida: “Em qualquer dos casos não se encontram na lei positiva parâmetros objectivos para a sua quantificação, tendo o legislador remetido para os tribunais essa tarefa, com recurso às regras da equidade”. Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, a regra geral é a de que a indemnização cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado pela violação de disposição legal destinada a protegê-lo - artigo 483.º do Código Civil. Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso. O terceiro, que só reflexa ou indirectamente seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização. Excepcionalmente, a indemnização, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também (no caso de lesão corporal), ou apenas (no caso de morte) a terceiros, e no que tange a danos não patrimoniais, no caso de morte da vítima, apenas a terceiros, sendo o artigo 495.º, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, n.º 3, regulando a “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, e o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, justamente, esses casos excepcionais. Como decorre do artigo 496.º a indemnização pelo dano morte é concedida conjuntamente e de forma sucessiva aos grupos de familiares ali indicados Há quem extraia da norma uma situação de litisconsórcio necessário activo, identificando outros uma regra de direito material que não impede uma actuação ut singuli. Dano da perda da vida Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime, após o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 1971, processo n.º 33.142, tirado em reunião conjunta das então três Secções deste Supremo Tribunal, nos termos do n.º 3 do artigo 728.º do Código de Processo Civil, com 14 votos, incluindo 5 vencidos, constituindo o que o Professor João de Castro Mendes apelidava de “precedente persuasivo”, publicado no BMJ n.º 205, págs. 150 a 164, comentado na Revista dos Tribunais, Ano 90 (1972), n.º 1872, págs. 274 a 279 e na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º (1972-1973), n.º 3469, págs. 53 a 63, aqui seguida, a págs. 63/4, de anotação concordante com a solução, por parte de Vaz Serra, “não obstante os cinco votos de vencido”, que, em caso de morte, do artigo 496.º, n.º s 2 e 3, do Código Civil, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: - O dano pela perda do direito à vida; - O dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; - O dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não, e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer. Passou assim a ser reconhecido na jurisprudência que o dano não patrimonial da perda da vida, em sentido estrito, isto é, a própria perda da vida em si mesma considerada, é autonomamente indemnizável (independentemente dos outros danos não patrimoniais que a vítima tenha padecido). No acórdão de 17 de Março de 1971 aceitou-se que a perda do direito à vida (na espécie, por morte ocorrida em acidente de viação), é, em si mesma, passível de reparação pecuniária e que o direito a essa reparação se integra no património da vítima e que por morte desta mantém-se e transmite-se aos seus herdeiros. Aí se pondera que “Não é a morte, em si, como resultado, que gera a obrigação; é, na fórmula do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, a acção ou omissão que virá ater como consequência a morte, através de todo o processo que a ela conduz, desde que essa acção ou omissão seja reconhecida como ilícita”. Contra, maxime, o acórdão de 12 de Fevereiro de 1969, proferido no processo n.º 32.873, publicado no BMJ n.º 184, pág. 156, cujo relator apôs um dos cinco votos de vencido naquele acórdão de 1971, de acordo com o qual o artigo 496.º não fundamenta o direito à indemnização no facto da supressão da vida, mas no sofrimento sofrido pelos titulares do direito à indemnização. O acórdão perfilhou a tese de que, em face do artigo 496.º, a «supressão do bem da vida» não conta como um dano cuja reparação se transmita aos herdeiros. O acórdão foi igualmente publicado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103.º (1970-1971), n.º 3416, págs. 166 a 171, seguido de comentário desfavorável de Vaz Serra, a págs. 172 a 176. Ponto comum nos dois acórdãos é que, por força da conjugação do artigo 495.º, n.º 3 e do artigo 496.º, n.ºs 2 e 3, ambos aceitam, que, no caso de lesão ou agressão mortal, o agente é obrigado a indemnizar não só o dano patrimonial sofrido pelas pessoas com direito a exigir alimentos ao lesado ou por aquelas a quem este, de facto, os prestava em cumprimento de uma obrigação natural, mas também os danos não patrimoniais que tenham sofrido quer a própria vítima da lesão ou agressão, quer o seu cônjuge ou parentes mais próximos. A diferença está em que o acórdão de 1971 entende que a perda da vida, em si mesma considerada, constitui um dano cuja reparação confere aos herdeiros, por transmissão mortis causa, um direito a indemnização. Abordando as teses em confronto, Antunes Varela considerava que nenhuma das argumentações se mostrava convincente e nenhuma das soluções propostas se podia considerar inteiramente exacta (Das obrigações em geral, Almedina, volume I, 10.ª edição, 2000, pág.610). Conquanto o acórdão de 17 de Março de 1971 não fosse um Assento, veio provocar uma relativa uniformização das decisões sobre esta matéria. E assim, no mesmo sentido, pronunciaram-se os acórdãos de 7-03-1972, processo n.º 63.876, BMJ n.º 215, pág. 218; de 9-05-1972, processo n.º 63.896, BMJ n.º 217, pág. 86; de 22-12-1972, BMJ n.º 222, pág. 392 (pronunciando-se em caso de morte imediata não prevista no acórdão de 17-03-1971); de 16-03-1973, processo n.º 64.462, BMJ n.º 225, pág. 216 e anotado favoravelmente por Vaz Serra na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107.º, págs. 137 a 143 (Este acórdão subscreve a tese de que a lesão do direito à vida obriga o responsável a indemnizar os danos a ela inerentes, integrando-se a reparação no património da vítima e transmitindo-se com a morte desta imediata ou não); de 16-01-1974, processo n.º 34090, in BMJ n.º 233, pág. 55 (neste caso versando crime de homicídio previsto e punido pelo artigo 59.º, alínea b), 2.ª, do Código da Estrada de 1954); de 23-01-1974, processo n.º 34.092, BMJ n.º 233, pág. 82 (como no anterior); de 16-04-1974, BMJ n.º 236, pág. 138; de 07-03-1975, BMJ n.º 245, pág. 486; de 15-12-1976, BMJ n.º 262, pág. 150 (onde se afirma: “A lesão do direito à vida é indemnizável, mesmo quando a morte seja imediata. Embora o direito à vida se extinga com a morte, não sendo transmissível como direito de personalidade que é, isso não impede que se transmita a indemnização pela ilícita supressão da vida”); de 17-05-1978, processo n.º 67045, in BMJ n.º 277, pág. 253 (citando os acórdãos de 23-01-1974 e de 15-12-1976, afirma que a perda do direito à vida por morte ocorrida em acidente de viação, é, em si mesma, passível de reparação pecuniária, transmitindo-se essa reparação aos sucessores da vítima) e de 15-01-1980, BMJ n.º 293, pág. 285. Com uma diferença quanto aos destinatários/beneficiários da compensação, pronunciou-se o acórdão de 13 de Novembro de 1974, publicado no BMJ n.º 241, pág. 204, em que se afirma que a perda do direito à vida é passível de reparação pecuniária, sendo a obrigação gerada pela acção ou omissão de que a morte resultou e que o direito a essa reparação transmite-se, com a morte da vítima, não aos seus herdeiros em geral, mas às pessoas indicadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil. Este acórdão foi publicado e anotado na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109.º, Maio de 1976, n.º 3562, págs. 36 a 45, por Adriano Vaz Serra, que diz concordar com a primeira proposição, concordante com a do acórdão de 17-3-1971, e no mais termina, afirmando (após mudança expressa na Revista de Legislação e Jurisprudência Ano 107.º, pág. 143) que “o problema da transmissão do crédito de indemnização deve ser resolvido segundo a regra geral do artigo 2024.º do Código Civil, isto é, no sentido de tal crédito se transmitir aos herdeiros da vítima”. De igual forma se pronunciou o acórdão de 7-03-1975, proferido no processo n.º 65507, no BMJ n.º 245, pág. 486. A questão da titularidade activa do direito a indemnização do dano de perda de vida Aquisição por transmissão mortis causa Aquisição originária – direito próprio A este propósito destacam-se duas posições, defendendo uma a titularidade encabeçada na pessoa da vítima transmitida por via sucessória [aqui se distinguindo entre quem defenda que a transmissão sucessória opera para os herdeiros da vítima, entendendo outros que a transmissão do direito se faz para as pessoas mencionadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil] e outra, a configuração de um direito originário, nascido ex novo, na esfera jurídica das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, através, pois, de uma aquisição directa e originária. Vejamos as posições da doutrina. Defendendo a transmissão mortis causa para os herdeiros, desde logo Adriano Vaz Serra nas anotações supra referidas na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103.º (págs. 172/6), Ano 105.º (págs. 63/4) e Ano 109.º (págs. 36/45) e já antes na mesma Revista, Ano 98.º, págs. 74 e 84, em anotação ao acórdão de 17-07-1964, e em Requisitos da responsabilidade civil, BMJ n.º 92, págs. 37 a 136, nota 79, na pág. 87 [Cfr. ainda BMJ n.º 83, pág. 106 e n.º 101, pág. 138]. Na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º, pág. 63, começa por afirmar parecer-lhe exacta a observação, feita no acórdão, de que o direito à vida se extingue com a morte e de que, como direito da personalidade, não é transmissível, mas é transmissível o direito de indemnização do dano de supressão da vida. A págs. 64, refere: “O direito de indemnização dos danos não patrimoniais causados à vítima transmite-se, por morte desta, aos seus sucessores, que são os indicados no n.º 2 do artigo 496.º, os quais têm, assim, direito de indemnização desses danos (direito a eles transmitido) e direito de indemnização dos seus próprios danos”. (Sublinhado nosso). Acrescentava: “O que pode ser duvidoso é se, também no caso de morte imediata, instantânea, da vítima, esta adquire direito de indemnização e se, portanto, há um direito de indemnização dela que se transmita aos seus sucessores. Mas, na hipótese do acórdão, não foi esse o caso, conforme nele se refere”. [No que toca à definição dos beneficiários, houve uma alteração quanto às pessoas chamadas a suceder ao direito de indemnização referente à perda do direito à vida, o que, como se referiu, aconteceu com a anotação na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107.º, pág. 140, pronunciando-se agora o Professor no sentido de essas pessoas serem os herdeiros, em geral, da vítima (art. 2024.º do Código Civil), e não apenas as indicadas no n.º 2 do artigo 496.º. Dessa alteração dá conta o acórdão de 13-11-1974, o que é “confirmado” pelo mesmo Professor na acima aludida anotação a este acórdão, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109.º, págs. 44-5]. A Revista dos Tribunais, Ano 90 (1972), n.º 1872, págs. 274 a 279, em anotação ao acórdão de 17-3-1971, expressou concordância com a posição de Vaz Serra, maxime, a págs. 279, concluindo igualmente que, no caso de morte instantânea, a sucessão dos herdeiros da vítima do acidente de viação não foi aceita pelo novo Código. Inocêncio Galvão Telles, Direito das Sucessões-Noções fundamentais, 4.ª edição, Coimbra Editora, Lda. 1980, ao abordar a “Transmissibilidade do direito de indemnização”, a págs. 75-6 [pág. 75 na edição de 1978], defende que, tais direitos de indemnização cabem primeiramente ao de cujus e depois transmitem-se sucessoriamente para os seus herdeiros legais ou testamentários. Isto porque, não obstante tratarem-se de direitos que surgem no momento da morte, eles nascem no último momento de existência da personalidade jurídica, verificando-se assim as condições necessárias para que se constitua a favor do lesado o direito à indemnização, podendo, por isso, ser adquirido por quem falece, ingressando na sua esfera jurídica. Defende o Autor que mesmo na hipótese extrema de morte imediata a vítima chega a adquirir direito a indemnização por danos não patrimoniais, direito que se transmite aos seus herdeiros. António Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, AAFDL, 1.ª edição 1980, Reimpressão, 1986, 2.º volume, págs. 291/2, pondera: “Em rigor, a morte duma pessoa pode causar desgosto a um número indeterminado de pessoas. O Código sentiu, então, a necessidade de delimitar, precisamente, quem sofreu danos, para efeitos de direito, sob pena de se perder qualquer indemnização útil, esvaída num sem fim de prejudicados. A tal delimitação procede o n.º 2 do artigo 496.º, que refere, em conjunto, o cônjuge não separado, os filhos e outros descendentes e, na falta deles, os pais e outros descentes [sic, em vez de ascendentes] surgindo, finalmente, os irmãos ou sobrinhos que os representem”. (…) A págs. 292/3, refere: “Nos termos gerais do fenómeno sucessório, as indemnizações a que tais danos dêem lugar transmitem-se aos sucessores do morto que podem coincidir ou não, com as pessoas referidas no n.º 2 do artigo 496.º. Quando haja coincidência, essas pessoas acumularão indemnizações: directamente, pelos danos por elas sofridos e a título de sucessão, pelos danos suportados pelo morto”. A págs. 293/4, face à questão de saber se, entre os danos sentidos pelo morto que se transmitem aos sucessores, na óptica da indemnização, se compreende a própria morte, conclui que a morte duma pessoa é, para esta, um dano que pode dar lugar a imputação. O destino da indemnização é, depois, questão de Direito das Sucessões. E acrescenta, de seguida: “A solução encontrada para o dano-morte, no último aspecto focado, é a que nos parece mais adequada, face aos problemas em causa, para além da sua justeza técnica. Efectivamente, o artigo 496.º, n.º 2, visa, apenas, delimitar os beneficiários iure proprio, de determinadas indemnizações por morte de pessoa próxima. É, contudo, um mapa rígido, que escapa, inclusive, à própria vontade do morto, o qual, por testamento, por exemplo, poderá querer indicar o beneficiário da indemnização pela sua morte. A consagração de uma indemnização ao próprio morto permite reforçar o dispositivo do artigo 496.º, n.º 2, tornando-o mais maleável e permitindo à vítima, nos esquemas do Direito das Sucessões, beneficiar quem entender”. O Autor repete estes pontos de vista em Tratado de Direito Civil, VIII, Direito das Obrigações, Almedina, 2014 (Reimpressão da 1.ª edição do Tomo III da Parte II de 2010), seguindo, a págs. 518 a 521, o texto com pequenas alterações de escrita, mas mantendo a referência a “e outros descendentes” a seguir a pais, em vez de “e outros ascendentes” – págs. 292 e 519 – pese embora a “Advertência” de fls. 5. Em suma, o Autor segue a orientação da transmissão da indemnização pelo dano da supressão do direito à vida do próprio lesado que segue, depois, por via hereditária, como clarifica a págs. 523, referindo depois pressões sobre os julgadores, o que constitui afirmação, com o devido respeito, descabida porquanto estas indemnizações não são equacionadas apenas em acidentes de viação, mas igualmente em crimes dolosos, sem intervenção de seguradoras (cfr. pág. 524). Dario Martins de Almeida (citado no acórdão de 17-03-1971), Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, Coimbra, 2.ª edição, 1980, toma posição, a págs. 165/6, no sentido de que em caso de morte da vítima, têm direito a indemnização, por dano não patrimonial, resultante da lesão do direito à vida (e pelo dano não patrimonial sofrido pela própria vítima, quando caso disso), os sucessores jure hereditário (artigos 496.º, n.º 3 e 2014.º e 2025.º). Esta posição vai sendo repetida, como na pág. 168, onde se refere que para além da dor moral porventura sofrida pela própria vítima há o “dano não patrimonial emergente da lesão do seu direito à vida”. “A compensação pecuniária para estes danos não patrimoniais reveste-se de natureza patrimonial e transfere-se aos herdeiros da vítima”. Reconhecendo que o direito à vida é um direito pessoal inerente à personalidade, e como tal, obviamente, não transmissível, avança para a perspectiva de que coisa diferente é a violação ou lesão desse direito e a indemnização que venha a corresponder-lhe, a qual se reveste de natureza patrimonial, afastando a visão naturalística ou materialista da personalidade e do tempo more geométrico, numa escala de mais ou menos minutos ou segundos após a morte, defendendo que a aquisição do direito é automática. Seguindo-se à própria violação do direito, acabando por coincidir com ela, tal como a correspondente obrigação de indemnização está logo envolvida na consumação do facto danoso que é a perda daquele direito. Manuel de Oliveira Matos no Código da Estrada Anotado, 3.ª edição actualizada e ampliada, Livraria Almedina-Coimbra, 1979, págs. 371 a 375, versou o tema, ao comentar o artigo 496.º do Código Civil, maxime, na rubrica “Danos morais por morte. Legitimidade”, citando a págs. 373, do acórdão de 17-03-1971 a seguinte passagem: “Embora o direito à vida se extinga com a morte, não sendo transmissível como direito de personalidade que é, isso não impede que se transmita a indemnização pela ilícita supressão da vida”. E acrescenta, na pág. 373, penúltimo parágrafo, o seguinte trecho: “No entanto, Antunes Varela (Obrigações, 2. ª ed., I, pág. 148) entende que a perda do direito à vida não é passível de reparação pecuniária”, o que é repudiado pelo Autor citado, considerando uma imputação infundada, na pág. 614, nota 2, em Das Obrigações em geral, 2000. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição revista e actualizada, Almedina, Abril de 2008, em nota de rodapé, na pág. 602, afirma propender para a solução dada pelo acórdão de 17-03-1971, em contraponto com a constante do acórdão de 12-02-1969, ou seja, ser a perda da vida em si mesma passível de reparação pecuniária, como dano não patrimonial autónomo (o chamado dano da morte), transmitindo-se o respectivo direito de indemnização aos sucessores da vítima. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, 14.ª edição 2017, Almedina págs. 332 a 335 (na 8.ª edição, págs. 342/3), aderindo à tese da indemnizabilidade do dano morte, afirma: “A perda da vida constitui assim claramente um dano autónomo, cujo direito à indemnização se transmite aos herdeiros da vítima, com fundamento no art. 2014.º, e de acordo com as classes de sucessíveis referidas no art. 2133.º. Esta posição parece, aliás, hoje indiscutível, em face do que dispõe o art. 3.º, n.º 2, do D.L. 291/2007, de 21 de Agosto, para efeitos do qual “a morte integra o conceito de dano corporal”, referindo ainda o art. 2.º a) da Portaria 377/2008, de 26 de Maio, a violação do direito à vida entre os danos indemnizáveis em caso de morte, para além dos danos morais dela decorrentes”. E mais à frente – págs. 334/5 – “o dano-morte em sentido próprio gera um direito à indemnização que se transmite aos herdeiros da vítima. O art. 496.º, n.ºs 2 e 3, refere-se, por isso, a uma outra situação: aos danos não patrimoniais sofridos por outras pessoas, em consequência da morte da vítima”. No mesmo sentido Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direito das Sucessões, 2.ª edição, Lisboa, 2001, págs. 71 e segs. Considerando aquisição de direito próprio. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 3.ª edição, 1980, aborda o tema de págs. 503 a 511 [na 10.ª edição, Almedina, 2000, págs. 608 a 613], retirando da leitura do artigo 496.º, quer isoladamente considerada, quer analisada à luz dos respectivos trabalhos preparatórios duas conclusões importantíssimas, como explicita a págs. 507/8 [613]: “A primeira é que nenhum direito de indemnização se atribui, por via sucessória, aos herdeiros da vítima, como sucessores mortis causa pelos danos morais correspondentes à perda da vida, quando a morte da pessoa atingida tenha sido consequência imediata da lesão. A segunda é que, no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no n.º 2 do artigo 496.”. E mais à frente, na pág. 511 [págs. 616/7], refere: “Nos danos transmissíveis por via hereditária poderão ser incluídas as despesas feitas com o tratamento do agredido, bem como as dores físicas ou morais que a agressão lhe tenha causado; mas não o dano específico da perda da vida, desde que se não confundam os planos distintos em que actuam, no domínio da responsabilidade, o direito criminal e o direito civil. O facto de se atribuir como direito próprio às pessoas discriminadas no n.º 2 do artigo 496.º a faculdade de exigir a reparação por um dano relativo a um bem pertencente a outra pessoa nada tem de anómalo. Basta referir o que ocorre com a titularidade da indemnização pelos danos relativos a direitos de personalidade, tendo já falecido o titular destes (cfr. o art. 71.º). T ambém neste caso o direito à indemnização é conferido a pessoas diferentes do titular dos bens da personalidade atingidos; e é atribuído por direito próprio, visto se tratar de ofensas póstumas”. Deste Autor pode ver-se a anotação ao acórdão do STJ de 25-5-1985, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123.º (1990-1991), n.ºs 3795-6-7-8, págs. 189 a 192, 251 a 256 e 278 a 281 (perda de feto). Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda., 1987, pág. 500, referem no ponto 4, que o direito cabe não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares, por direito próprio e nos termos e segundo a ordem do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil. No mesmo sentido José de Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, 1967, pág. 29 e 5.ª edição, 2000, págs. 243 e ss.. Pereira Coelho, Direito das Sucessões, II, Coimbra, 1974, abordando o “dano da privação da vida”, pág. 65, dizia: “o direito de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima não se transmite iure hereditario às pessoas mencionadas no art. 496, n.º 2, mas pertence-lhes iure proprio como lhes pertence iure proprio o direito de indemnização dos danos não patrimoniais que a morte da vítima pessoalmente lhes causou. É este o modo como hoje nos inclinamos a ler a lei”. Da mesma forma na edição de 1992, (Composição e impressão João Abrantes, Taveiro, Coimbra), pág. 174, e enunciando interesse prático dessa interpretação na pág. 176 (se os familiares referidos no art.º 496.º n.º 2 adquirem iure proprio o direito de indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima, a respectiva indemnização não fará parte da herança e, portanto, não será responsável pelos encargos hereditários segundo o princípio geral do art. 2071.º), e mais à frente, a pág. 180, afirma: “O direito de indemnização do dano da privação da vida não chegou a existir, efectivamente, no património da vítima e esta não o transmite à sua morte; a lei, porém, atribui esse direito iure proprio aos familiares mencionados no art. 496.º, n.º 2, permitindo, no art. 496.º, n.º 3, 2.ª parte, que no pedido de indemnização formulado por esses familiares sejam atendidos os danos não patrimoniais sofridos pela vítima – em que se compreende o “dano da morte” –, ao lado dos danos por eles próprios pessoalmente sofridos”. Rabindranath Capelo de Sousa, em Lições de Direito das Sucessões, I, Coimbra Editora, Limitada, 1978/1980, págs. 276 a 288 [págs. 298 a 304 na 3.ª edição], versando a aquisição do direito de indemnização pelo dano da morte do «de cujus», traça a ideia de que o artigo 496.º, na sua versão definitiva, teve a intenção de afastar a natureza hereditária do direito à reparação pela perda da vida da vítima da lesão, e que a indemnização dos danos não patrimoniais por morte da vítima é de qualificar como um direito próprio e originário, que nasce na titularidade dos familiares designados por lei naquele n.º 2 do artigo 496.º (preceito integrado em capítulo de responsabilidade civil e não em direito sucessório), sendo o direito de indemnização atribuído directamente a tais pessoas, especialmente ligadas à vida do falecido, não respondendo pelos encargos da herança. Nuno Espinosa Gomes da Silva, Direito das sucessões, Lisboa, 1978, pág. 82, afirmando embora não ter o assunto suficientemente amadurecido, de maneira a pronunciar-se com um mínimo de convicção, adianta: “Assim, o n.º 2 do artigo teria a finalidade de marcar que, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe (é a própria expressão da lei) ao cônjuge e parentes, iure proprio, não se verificando qualquer transmissão hereditária”. Delfim Maya de Lucena, Danos não patrimoniais, com o subtítulo Danos não patrimoniais - O Dano da morte, Interpretação do artigo 496.º do Código Civil, em escrito de 14 de Novembro de 1980, com o qual o Autor se apresentou a concurso para Assistente Estagiário da Faculdade de Direito de Lisboa, conforme Nota Prévia de pág. 9 e pág. 72, publicado pela Livraria Almedina-Coimbra, 1985, ponto 7.3, pág. 66, inclina-se “a considerar que o direito à indemnização pelo «dano morte» é atribuído, ex-novo, às pessoas (familiares da vítima), mencionadas no n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil”, expondo de seguida as várias razões que alicerçam esta posição. E mais à frente, indicando o sistema que julga estar consagrado no artigo 496.º do Código Civil, a págs. 69/70, afirma: “No n.º 2, ao afirmar-se que o direito à indemnização «por morte da vítima» cabe, em conjunto, a determinados familiares, está-se a declarar a indemnizabilidade autónoma do «dano-morte», pois só quanto a este é lógico afastar o normal regime sucessório e indicar um conjunto de pessoas com direito à indemnização, dado que, não sendo já possível atribuí-lo ao morto, não seria viável a sua transmissão «mortis causa» e, à míngua de titular, não podendo o direito ser accionado, frustrar-se-ia a intenção da lei de não deixar impune, de um ponto de vista patrimonial, a enorme lesão causada pelo autor da conduta ilícita, violadora do mais sagrado dos direitos: o direito à vida”. Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, na obra colectiva Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, Limitada, 2007, págs. 495 a 559, versando a legitimidade para pedir a compensação dos danos não patrimoniais por morte da vítima, expende a págs. 523/4: “De acordo com uma jurisprudência consolidada, os titulares do direito de indemnização em caso de morte da vítima (imediata) têm direito a obter compensação pelo sofrimento que padeceram, pelo sofrimento causado à vítima antes de morrer e pelo próprio dano da perda de vida. A escolha dos titulares atendeu não à ordem de sucessão, mas aos vínculos de afeição que se supõe existirem entre familiares. Fala-se a este propósito de uma presunção dos afectos, correspondendo a seriação dos titulares a uma “ordem decrescente de proximidade comunitária e afectiva”, na fórmula bene trovata de Capelo de Sousa”. Interpretação da expressão «em conjunto» do artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil Em causa está a questão de saber se tal expressão tem um significado adjectivo, exigindo a figura do litisconsórcio necessário activo, ou não, isto é, se o preceito impossibilita a demandante de deduzir pedido de indemnização por danos não patrimoniais baseado no dano morte, isoladamente, desacompanhada do marido da mãe, ou ainda, independentemente da solução a dar ao problema, se não se estará face a caso de declaração de titularidade única quanto a tal direito por parte da demandante, por impossibilidade de exercício do direito por parte do arguido demandado. Seguiremos de perto o acórdão acórdão de 16-12-2010, no processo n.º 231/09.8JAFAR.E1.S1, proferido em caso de uxoricídio, em que a demandante era filha da falecida e do autor do homicídio qualificado. Em anotação ao acórdão de 14 de Julho de 1965, publicado no BMJ n.º 149, pág. 185, estando então em apreciação a norma do artigo 56.º, n.º 1, parte 3, último período, do Código da Estrada de 1954, o Professor Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 99.º, pág. 56, dizia: «Quando a lei diz que o direito de indemnização pertence, «em conjunto», ao cônjuge e aos filhos, não quer dizer que a indemnização seja uma só, mas apenas que tanto o cônjuge como os filhos têm direito a indemnização, sem que aquele exclua estes ou estes excluam aquele». De acordo com o acórdão de 12 de Outubro de 1966, processo n.º 32 182, in BMJ n.º 160, pág. 182, versando caso de homicídio, p. e p. pelo artigo 59.º, última parte, do Código da Estrada de 1954, “A transmissão conjunta ao cônjuge e aos filhos do direito à indemnização estabelecida na parte final do n.º 1 do artigo 56.º do Código da Estrada (de 1954), significa que o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas aí referidas têm um direito sucessivo, mas, no caso de economias separadas, cada um deve ser indemnizado de harmonia com os danos materiais e morais efectivamente sofridos. Interpretando a expressão em conjunto, constante então do último período do n.º 1 do citado artigo 56.º do Código da Estrada, após afirmar que o fim e o espírito do preceito não era que a indemnização devesse ser dividida em partes iguais pela viúva e pelos filhos, explicitava tal acórdão: “O que se pretende dizer é que o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas que podem receber indemnização têm um direito sucessivo, em que as primeiras preterem as seguintes, e assim sucessivamente. Bem se compreende a regra que pretende colocar no mesmo grau o cônjuge e os filhos. Mas isso não implica que, no caso de economias separadas, as indemnizações não sejam divididas de acordo com os danos ou prejuízos efectivos. O que a lei pretende dizer é apenas que o pedido do cônjuge sobrevivo não afasta o direito dos filhos, e, inversamente, o pedido feito por estes não prejudica o do cônjuge. Isto, e mais nada!”. E concluía: “Por isso, se só a viúva sofreu, averiguadamente, prejuízos ou danos materiais e o filho, por viver em economia separada, só teve de suportar os danos morais resultantes da morte do pai, é manifesto que as indemnizações não podem ser iguais”. No dizer do acórdão de 12 de Fevereiro de 1971, proferido no processo n.º 63.321, publicado no BMJ n.º 204, pág. 149, e Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105, págs. 37 a 42, versando caso de acidente simultaneamente de viação e de trabalho, em acção com processo especial ao abrigo do artigo 68.º do Código da Estrada de 1954, “A locução «em conjunto» significa apenas que o cônjuge sobrevivo e os filhos participam simultaneamente na titularidade do direito, ao passo que as demais pessoas que podem receber a indemnização têm um direito sucessivo em que as primeiras preterem as segundas, e assim sucessivamente. Isto é, o cônjuge e os filhos têm igual direito a ser ressarcidos, enquanto os mais têm um direito sucessivo”. E citando o acórdão de 12-10-1966, acrescenta “Mas, em certos casos, o quantum indemnizatório é dividido de acordo com os danos efectivos”. O Professor Adriano Vaz Serra, comentando a solução deste acórdão na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 105.º, n.º 3468, págs. 42/8, disse estar certo o afirmado. E adiantou então, na pág. 43: “O artigo 496.º, n.º 2, quando reconhece direito de indemnização, por danos não patrimoniais, ao cônjuge e aos descendentes, em conjunto, quer naturalmente dizer que, havendo cônjuge e descendentes, todos têm direito de indemnização, não sendo, portanto, o direito daquele excluído pelo destes, e vice-versa. Assim, desde que ao cônjuge e aos descendentes tenham sido causados danos não patrimoniais, e estes, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1), o responsável é obrigado a reparar tais danos, tanto os causados ao cônjuge como os causados aos descendentes. O dano de cada um dos titulares do direito à indemnização deve ser apreciado independentemente do dos outros, não podendo, por isso, considerar-se aceitável que só no caso de economias separadas cada um deva ser indemnizado de harmonia com os danos não patrimoniais efectivamente sofridos”. Manuel de Oliveira Matos no Código da Estrada Anotado, 3.ª edição actualizada e ampliada, Livraria Almedina-Coimbra, 1979, pág. 373, refere: “A expressão «em conjunto», tal como na legislação anterior, não estabelece qualquer forma de parcelamento da indemnização, significando apenas que o cônjuge sobrevivo e os filhos participam simultaneamente na titularidade do direito, «ou têm igual direito a ser indemnizados, ao passo que as demais pessoas que podem receber a indemnização têm um direito sucessivo em que as primeiras preterem as segundas, e assim sucessivamente» (STJ, 12-10-66, BMJ, 160-188; 12-7-77, BMJ 269-123). Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Lda., 1987, pág. 501 referem: “7. O facto de a lei afirmar (no n.º 2) que a indemnização cabe, em conjunto, ao cônjuge e aos descendentes da vítima não significa que o tribunal não deva discriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários, de acordo com os danos por eles sofridos. Terem direito à indemnização em conjunto significa apenas que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2.º e 3.º grupos indicados no n.º 2, para as quais vigora o princípio do chamamento sucessivo”. A Jurisprudência tem entendido, seguindo a orientação de Antunes Varela, expressa em Das Obrigações em geral, volume I, 6.ª edição, pág. 585 (e 9.ª edição, 1998, págs. 630 a 639) e na RLJ, Ano 123.º, pág. 191, e de Capelo de Sousa, em Lições de Direito das Sucessões, volume I, 3.ª edição, págs. 298 a 304, e a ideia de que o artigo 496.º, na sua versão definitiva, teve a intenção de afastar a natureza hereditária do direito à reparação pela perda da vida da vítima da lesão, que a indemnização dos danos não patrimoniais por morte da vítima é de qualificar como um direito próprio e originário, que nasce na titularidade dos familiares designados por lei naquele n.º 2 do artigo 496.º. Segundo o acórdão de 24-04-1997, recurso n.º 156/97, Secção Criminal, in CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 186, em caso de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal; o direito a indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pela vítima com a perda da sua vida não se transmite por via sucessória, mas por direito próprio, como titulares originários do direito a indemnização, citando Antunes Varela na RLJ, Ano 123.º, pág. 191 e R. Capelo de Sousa em Lições de Direito das Sucessões, vol. I, pág. 287, em suma afirma a natureza originária e não por via sucessória do direito à indemnização pelo dano morte da vítima. A tese da aquisição iure proprio é acolhida, i. a., nos acórdãos do STJ de 07-10-2003, revista n.º 2692/03 da 6.ª Secção; de 21-01-2003, revista n.º 3671/02, da 1.ª Secção; de 16-06-2005, revista n.º 1612/05, da 7.ª Secção; de 24-05-2007, revista n.º 1359/07, da 7.ª Secção; de 29-01-2008, revista n.º 07B4397, da 2.ª Secção (Trata-se de um caso especial de indemnização, nos termos do artigo 496.º, n.º 2, do C. Civil, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio a serem reparadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias, revestindo aquela norma natureza excecional); de 5-02-2009, processo n.º 4093/08; de 17-12-2009, revista n.º 77/06.5TBAND.C1.S1, da 1.ª Secção (o direito à indemnização por supressão do direito à vida deve ser entendido como um direito próprio dos familiares do falecido e não como um direito da vítima que se transmite por via sucessória); de 22-06-2010, revista n.º 3013/05.2TBFAF.G1.S1, da 1.ª Secção (o direito à indemnização por morte da vítima consagrado no n.º 2 do artigo 496.º do CC cabe originariamente às pessoas nele indicadas, por direito próprio; desaparecido, pela produção do dano-morte, o sujeito do direito de personalidade violado, a quem pelos princípios gerais da responsabilidade civil caberia o direito à indemnização, a lei elege como titulares originários desta certos terceiros em atenção às suas relações familiares com a vítima, deferindo esse direito a indemnização «em termos hierarquizados, a grupos de pessoas, em conjunto, mas não simultânea ou indistintamente a todas as pessoas nelas indicada»); de 18-09-2012, revista n.º 973/09.8TBVIS.C1.S1, da 6.ª Secção (defende que “o problema da reparação, em caso de morte, é tratado como um caso especial de indemnização, nos arts. 495.º e 496.º, n.º 2, do CC, respectivamente, para os danos patrimoniais e não patrimoniais, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio de serem indemnizadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias). Extrai-se do acórdão de 30-04-2015, revista n.º 1380/13.3T2AVR.C1.S1, CJSTJ 2015, tomo 1, págs. 190/2 e Sumários Abril 2015, pág. 51, apud Código Civil Anotado, de Abílio Neto, Janeiro de 2016, 19.ª edição reelaborada, Ediforum, pág. 545: “No caso de morte da vítima a titularidade do direito à indemnização por dano não patrimonial pela perda da vida é atribuída ex lege aos familiares referidos no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, afastando a lei a aplicabilidade do regime sucessório que decorreria de se considerar que o direito à indemnização pelo dano moral se integrou com a morte na esfera jurídica do de cujus.” Afastando-se da posição do acórdão de 24-09-2013, da 1.ª Secção, que considera que o direito de indemnização por danos não patrimoniais radica na esfera jurídica da vítima, seguindo a lição de Antunes Varela e a posição do acórdão de 18-09-2012, da 6.ª Secção, que igualmente cita, refere no ponto 15: “A lei, no artigo 496.º/2 do Código Civil, no que respeita ao dano morte ou dano de perda de vida, atribuindo-o aos familiares, exclui-o do regime sucessório, pois, não fora tal atribuição ex lege, sempre seria de contar que a morte origina um dano – porventura o maior que cada um de nós pode sofrer – que é o da extinção da própria vida”. E no ponto 16, adianta: “Resultando da essência das coisas que o ressarcimento do dano morte será necessariamente atribuído a terceiros, o que para a lei importou foi determinar quem da indemnização pode beneficiar e quem não pode. Daí o critério fixado no artigo 496.º/2 do Código Civil que, no que toca a esse dano, delimita os titulares”. O acórdão considerou que a indemnização pelos danos morais devia ser atribuída na totalidade à autora, progenitora do jovem de 19 anos, incluindo a parcela respeitante à perda do direito à vida, nada atribuindo ao pai, que abandonou o filho e foi inibido de exercer o poder paternal. No acórdão de 14-10-2016, no processo n.º 160/12.8GAPNI.C1.S1, da 3.ª Secção, estava em causa a interpretação do n.º 2 do artigo 496.º do Código Civil, nomeadamente quanto a saber se o direito indemnizatório previsto neste artigo, decorrente da perda do direito à vida e dos danos não patrimoniais sofridos em consequência de tal perda, deve ser entendido como direta e originariamente adquirido pelas pessoas indicadas naquele n.º 2. No caso estava em apreciação pedido de indemnização por parte dos pais por perda da vida do filho e por dano desgosto, havendo cônjuge sobreviva. O acórdão de 24 de Setembro de 2013, proferido na revista n.º 294/07.0TBETZ.E2.S1, da 1.ª Secção, in CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 55, afasta a possibilidade de os pais da vítima em acidente de viação reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica da vítima seu filho, falecido no estado de solteiro, na vertente de indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida, os quais defendiam tratar-se de um direito próprio. Demarcando-se da jurisprudência maioritária, acompanhando a posição de Galvão Telles (se um direito surge no momento da morte, no primeiro momento da inexistência de personalidade também nasce no último momento de existência dessa personalidade, podendo portanto ser adquirido por quem falece) e a tese de Diogo Leite de Campos, (na medida em que defende a construção de uma teoria de aquisição do direito post mortem como ainda uma manifestação da personalidade jurídica do de cujus), convocando Einstein na Teoria da Gravidade Geral e a fixação pelo investigador da Universidade de Stanford, Francis Everitt, do menor dos intervalos de tempo no miliarcosegundo (correspondente ao tempo que se demora para percorrer uma distância equivalente à espessura de um cabelo), entende que o direito a tal indemnização nasce na esfera jurídica da própria vítima no preciso momento em que é praticado o acto ou verificada a omissão que tem como resultado a morte, venha esta a ocorrer imediatamente ou em momento cronologicamente anterior posterior, afastando-se da posição de Arala Chaves no acórdão de 17-03-1971 (considerando, em voto de vencido, “inadmissível” a tese consagrada por maioria no acórdão no sentido de “reconhecer o nascimento do direito com o facto jurídico de que deriva, para o pretenso titular, a incapacidade para o adquirir”). Conclui na linha da jurisprudência que fez vencimento no acórdão de 17 de Março de 1971, que produzindo-se o dano na esfera jurídica da vítima (na esfera inata e intransmissível do seu direito à vida), o direito à indemnização pela supressão do direito à vida enquanto dano não patrimonial autónomo radica originariamente na esfera jurídica dessa mesma vítima. No caso, a vítima havia incumprido a obrigação de segurar imposta pela sua qualidade de proprietário do veículo causador do acidente, não beneficiando da normal garantia assegurada pelo Fundo de Garantia Automóvel (FGA), e daí que os pais não pudessem exigir do FGA qualquer indemnização por danos patrimoniais ou não patrimoniais sofridos na esfera jurídica da vítima, indemnização a que teriam direito por eventual direito por transmissão mortis causa, podendo ter direito a indemnização pelos danos próprios sofridos enquanto terceiros, pessoalmente sofridos com a morte do filho (dano por ricochete), sendo afastada a possibilidade de reclamarem indemnização pelos danos sofridos na esfera jurídica do vítima, como é o caso da indemnização pelo dano não patrimonial autónomo supressão da vida. No mesmo sentido, e do mesmo relator, o acórdão de 15 de Abril de 1997, Revista n.º 208/97 - 1.ª Secção, BMJ n.º 466, pág. 450 e CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 42, em acção proposta contra o Estado por acidente nas águas da praia de Salvaterra de Magos, que vitimou o filho do demandante, intervindo mais tarde a Mãe. “Por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais não envolve um problema de legitimidade ou de litisconsórcio necessário e assim é de deferir o requerido incidente de intervenção principal espontânea. No acórdão discute-se se a expressão “em conjunto” tem um sentido adjectivo (exigindo a figura do litisconsórcio necessário activo) ou não. Começa por reportar o acórdão de 12-2-1971, BMJ n.º 204, pág. 149, anotado favoravelmente por Vaz Serra na RLJ 105/42-8, onde se pode ler: «Peticionar a indemnização pelo dano da morte pode ser feita por qualquer um dos titulares do direito. (Pág. 43, 2.ª coluna, in fine). Questão diversa desta (que tem natureza processual) é a da sua valoração (esta sim de natureza substantiva) e esta depende de prova. p 44. A expressão “em conjunto” tem o sentido de afastar as regras sucessórias e estabelecer norma específica, dizendo que se procede a uma atribuição e a uma repartição conjunta. Não há litisconsórcio necessário nem conveniente (C.P.Civil/28). A esta mesma conclusão se deve chegar se se adoptar a tese de Vaz Serra (que considerava que o art. 496.º n.º 2 C. Civil afastou a regra do art. 2024 C. Civil)”. O que o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil diz, e pela doutrina e jurisprudência é atendido, é que há chamados sucessivos, preterindo o cônjuge sobrevivo e os filhos os outros parentes. A interpretação da expressão em conjunto não pode ser a de que a mesma quis ter um significado adjectivo, processual (…) mas apenas um substantivo e esse vem indicado no n.º 7 da anotação ao artigo 496.º do Código civil Anotado, de A. Varela e P. Lima I, pág. 501. O dano de cada um dos titulares do direito à indemnização deve ser apreciado independentemente do dos outros. Há direito a ser atribuída indemnização. Importa estimá-la, valorá-la, mas isso nada tem que ver com a interpretação da expressão “em conjunto” nem com a figura do litisconsórcio necessário (p. 44, 2.ª coluna). No mesmo sentido, e ainda do mesmo relator, partindo igualmente da tese do direito próprio e originário à indemnização por parte das pessoas indicadas no preceito, pronunciaram-se os acórdãos de 11-11-1997, proferido no processo n.º 716/97, e de 16-05-2000, na revista n.º 392/00 – a expressão «em conjunto» do artigo 496.º, n.º 2, do CC, não tem significado adjectivo, processual - não há litisconsórcio necessário nem conveniente. O acórdão de 14 de Outubro de 1997, recurso n.º 225 – 2.ª Secção, in CJSTJ 1997, tomo 3, págs. 61-65, versando acidente de viação mortal, na sequência de colisão não culposa de veículos, afastando no caso o direito a indemnização do consorte marital, quanto a alimentos, na vertente que ora importa (necessidade ou não de habilitação), afirma: «Não obstante se não encontrarem na acção todas as pessoas com direito a indemnização a que alude o artigo 496.º, n.º 2, do CC, tal não obsta a que o Tribunal fixe, desde logo, a quota indemnizatória dos presentes». «É que, apesar da lei, no artigo 496.º, n.º 2, usar a expressão “em conjunto”, tal não quer dizer que “o tribunal não deva descriminar a parte que concretamente cabe a cada um dos beneficiários, de acordo com os danos sofridos”, já que “terem direito à indemnização em conjunto” significa que os descendentes não são chamados só na falta do cônjuge, como sucede com os beneficiários do 2.º e 3.º grupos indicados no mesmo n.º 2 para os quais vigora o princípio do chamamento sucessivo (Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 1, 4.ª edição, 1987, pág. 501)». E no acórdão de 16 de Março de 1999, processo n.º 22/99, da 2.ª Secção, in BMJ n.º 485, pág. 386, versando caso em que estava em discussão saber se o neto do sinistrado falecido tem legitimidade ad causam para peticionar indemnização por danos não patrimoniais, tendo o avô deixado cônjuge e filhos, a quem competiria a exercitação prioritária desse direito, afirma-se: “O direito à indemnização caberá em conjunto, não ao cônjuge, aos filhos «e» outros descendentes, mas sim ao cônjuge e aos filhos e também (ou) a outros descendentes que eventualmente hajam sucedido a algum desses filhos pré - falecidos por direito de representação”. O acórdão de 16 de Janeiro de 2002, proferido no processo n.º 3011/01, da 3.ª Secção, in CJSTJ 2002, tomo 1, págs. 165/6, em caso de homicídio qualificado, apreciando a legitimidade da demandante, neta da vítima, relativamente ao segmento da indemnização pelos danos não patrimoniais produzidos à vítima antes de ocorrer a morte desta, que foi negada na 1.ª instância, com fundamento na preterição de litisconsórcio necessário/legal activo, resultante de ter deduzido o pedido desacompanhada do outro sucessor da vítima, irmão da demandante, começa por afirmar: “Segundo a doutrina e a jurisprudência hoje dominantes, toda a indemnização por danos morais prevista no artigo 496.º, n.º 2, do CC, cabe, não aos herdeiros da vítima, por via sucessória, mas, por direito próprio, em conjunto, aos familiares aí indicados. E cabe-lhes em conjunto, na expressão desse preceito. Também conforme entendimento uniforme, que perfilhamos, essa expressão não significa a exigência legal de um litisconsórcio necessário activo para o peticionamento da indemnização por aqueles danos. Tem apenas o sentido de que, relativamente à primeira linha de beneficiários - cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e filhos e outros descendentes - todos são chamados conjuntamente, sem aplicação do princípio do chamamento sucessivo, a vigorar só relativamente aos beneficiários do 2.º e 3.º grupos. Não havendo um limite legal do quantitativo indemnizatório global e sendo possível a individualizada determinação da indemnização a que tem direito cada um dos beneficiários (com recurso à disposição do n.º 3 do art. 496.º do CC), a decisão que conheça só da parte da indemnização que cabe à beneficiária peticionante produzirá o seu efeito útil normal, porque regulará definitivamente a situação entre peticionante e peticionada, verificando-se, pois, uma situação de litisconsórcio voluntário”, concluindo pela não verificação da declarada ilegitimidade da peticionante, não sendo caso de absolvição da instância, mas antes de conhecer do pedido. O acórdão de 17-12-2016, processo n.º 366/13.2TNLSB.L1.S1, da 2.ª Secção, dizendo prevalecer na jurisprudência deste Supremo Tribunal a tese que nega o litisconsórcio necessário activo (Acs. de 15-04-97 na CJSTJ tomo II, pág. 42, de 23-3-95, na CJSTJ, tomo I, pág. 230 e de 16-01-2002), afirma: “O preceituado no n.º 2 do art. 496.º do CC não representa uma situação de litisconsórcio necessário activo, antes constitui uma norma que atribui a indemnização, de forma escalonada, a um conjunto de interessados, de acordo com o grau de parentesco considerado relevante. Abstraindo da natureza jurídica da indemnização pela perda da vida, como direito próprio da vítima que se transmite para os familiares identificados ou como direito que se constitui directamente na esfera dos familiares em consequência da morte, o legislador assumiu naquele preceito, de forma autónoma e fora do quadro do direito sucessório, uma determinada regra atributiva e distributiva da indemnização. Ora, tal não colide com a possibilidade de ser reclamada por cada um dos sujeitos a quota-parte da indemnização que lhe caiba, matéria que se integra no mérito da pretensão e que não colide com a legitimidade activa. (…) Com esta clarificação, para além de não estarmos perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário activo, o facto de o A. peticionar a indemnização pelo direito à vida do seu pai sem estar acompanhado da mulher da vítima e mãe do A. não se reconduz a uma situação de ilegitimidade processual, antes a uma questão de mérito que será decidida oportunamente consoante as regras do art. 496.º do CC” Noutra perspectiva, segundo o acórdão de 9-05-1996, recurso cível n.º 88.357, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 58, e BMJ n.º 457, pág. 275, versando caso de morte em acidente de viação, refere-se a direito próprio, na titularidade das pessoas indicadas no artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil e que não é uma questão de legitimidade processual saber quem são os titulares do direito de receber a indemnização por danos não patrimoniais, por morte da vítima. Em sentido adverso, pronunciando-se diferentemente destas posições, podem ver-se dois acórdãos das Secções Criminais: Acórdão de 23-10-1997, processo n.º 715/96 - 3. ª Secção, cujo sumário é:«O art. 496.º, n.º 2, do CC, ao referir que o direito a indemnização é atribuído, em conjunto, a determinadas categorias de pessoas, tem desde sempre sido interpretado no sentido de que esse “em conjunto”, corresponde a uma exigência de um litisconsórcio necessário, por ser isso o que o art.º 28, do CPC, determina. Tal expressão utilizada pela lei, não quer assim referir-se à existência de uma obrigação conjunta, mas sim a uma situação em que os direitos dos diversos interessados têm de ser exercidos “em conjunto”, isto é, por todos simultaneamente, o que é a característica das obrigações solidárias». No mesmo registo, o acórdão de 05-02-2009, proferido no processo n.º 3181/08, da 5.ª Secção, em caso de transporte de passageiro na caixa de carga de veículo de mercadorias, onde se afirma que «Conforme é jurisprudência pacífica, a expressão «em conjunto» do n.º 2 do artigo 496.º do CC significa que os herdeiros participam simultaneamente na titularidade do direito, pelo que devem propor a acção em litisconsórcio necessário activo». O dano de morte constitui-se, pois, como um direito autónomo que se transmite por via sucessória aos herdeiros da vítima. Ainda que se nos afigurem com pertinência algumas das objecções que se mostram levantadas numa tese de mestrado [[10]] a propósito da tese de que o dano de morte não pode ser configurado como um dano autónomo e não seja descartável e desprezível a argumentação aí adiantada para conferir o dano de morte de iure proprio aos familiares da vítima, o facto é que, por razões que não caberão numa decisão judicial, mantemos a posição de que o dano de morte se constitui como um dano indemnizável autonomamente e que se radica na esfera do de cujus transmitindo-se por via sucessória aos herdeiros referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. [[11]] Na aferição do quantum a atribuir pelo dano de morte deve atender-se, na esteira do sumariado no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, que (sic): “II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 - 1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória.IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 - 5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.).” [[12]] A morte que sobreveio ao condutor do motociclo após o embate com o veículo ligeiro de mercadorias é indemnizável e transmitiu-se aos peticionantes no pedido cível enxertado no processo criminal. Não tendo o condutor do motociclo falecido instantaneamente, ocorre o caso referido no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2010, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, que exprimia a ideia de que (sic). “Tais danos surgem e radica-se ainda na titularidade da própria vítima, pressupondo sempre a morte não instantânea. Ora, crê-se que, também quanto a este ponto, não sendo o direito exercido pelo próprio lesado antes da morte, haverá de ser no n.º 2 do art. 496º que terá de se encontrar a determinação do sujeito da titularidade da indemnização devida, nomeadamente no tocante à ordem por que se opera a transferência do direito originariamente da vítima. Efectivamente, por um lado, o n.º 2 do art. 496º alude ao direito à indemnização «por danos não patrimoniais”, sem quaisquer limitações ou restrições, em abrangência de todos os danos originados «por morte da vítima», enquanto, por outro lado, o n.º 3 refere que «no caso de morte» podem ser atendidos os danos «sofridos pela vítima» e também os sofridos pela pessoas referidas no n.º 2. Parece, pois, que se quis englobar num mesmo regime, auto-suficiente, todos os danos não patrimoniais inerentes a um acto lesivo que tenha conduzido à morte do lesado. Assim, como nota CAPELO DE SOUSA (ob. cit., pg. 298 e nota (433)), foi alterado o Projecto VAZ SERRA, “estendendo aos familiares ora referidos no art. 496º-2 do Código Civil o direito à indemnização pelos danos morais sofridos pela própria vítima (n.º 2 e 3 do art. 498º da 2ª Ver. Min.), para além do direito de indemnização por danos morais que eles mesmos tenham sofrido pela morte do de cujus (o que já constava do n.º 2 do art. 759º do art. de VAZ SERRA e do n.º 3 do art. 476º da 1ª Rev. Min.)”. Consequentemente, também neste caso, o direito compensatório cabe às pessoas eleitas pelo legislador de entre as ligadas por certas relações familiares ao falecido, mediante uma transmissão de direitos da personalidade extinta, transmissão que não corresponde a um chamamento à titularidade desses direito segundo as regras do direito sucessório. Numa palavra, o direito à indemnização pelos danos não patrimoniais que a vítima tenha sofrido antes do seu decesso transfere-se para as pessoas indigitadas no n.º 2 do art. 496º e pela ordem aí indicada.” Têm, valendo-nos da factualidade adquirida, os herdeiros da vítima – cônjuge e filhos – direito a ser indemnizados pelo dano de morte. Na decisão proferida em primeira (1ª) instância foi atribuído aos destinatários (herdeiros) do direito à indemnização pelo dano de morte da vítima a quantia de sessenta e cinco mil euros (€ 65.000,00). Já a decisão recorrida ponderou que (sic): “Assim, da mesma forma, o valor fixado a este título, € 65.000,00, não é o resultado do valor correspondente, tão só, a 80% - o que equivalia ao estranho e inusitado valor de € 81.250,00 - como seria de supor, mas sim a totalidade e, então há que sobre ele fazer incidir a redução na percentagem da contribuição para o risco dada pelo veículo conduzido pela vítima. (…) Em suma, há que fazer incidir, então, sobre o valor de € 65.000,00 a percentagem da responsabilidade da demandada por força da medida da contribuição do veículo conduzido pelo seu segurado para os danos que se verificaram.” A operação efectuada pela decisão recorrida, ainda que possa ser objecto de equacionamento, aceita-se, como modo de repartição da contribuição de cada um dos veículos para a produção do resultado danoso, pelo que se confere o valor aceite pela Relação. II.B.4. – Dano patrimoniais futuros e danos não patrimoniais. Quantum da Indemnização. II.B.4.a) – Danos Patrimoniais Futuros. Não vem colocado em crise que, por força de um contrato de seguro, o condutor do veículo ligeiro de mercadorias, comparticipante no sinistro donde adveio o decesso do cônjuge demandante, havia transferido para a esfera de responsabilidade da seguradora a obrigação de ressarcir os danos causados na esfera patrimonial/pessoal de terceiro, pela circulação, do veículo com a matricula ...-QV, de que era detentor efectivo o arguido. [[13]] Genericamente, a indemnização por danos futuros tem sido tratada na jurisprudência deste Supremo Tribunal como uma questão atinente ao dano biológico que vem sendo definido como um estado de danosidade físico-psíquico-pessoal representando “[…] uma diminuição somático-psíquica do individuo, com natural repercussão na vida de quem o sofre.” [[14]] E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial.” Na doutrina, o dano corporal vem sendo definido como um morbo ou patologia que afecta capacidade anátomo-fisiológica do individuo que sofreu uma lesão no seu corpo, sendo que essa afecção se percute não só a nível bio-fisiológico mas também no plano da subjectividade ou do bem estar psico-somático da pessoa. [[16]/[17]] O dano futuro constitui-se como uma projecção previsível de um estado de morbidez já verificado e que, tendo em conta o estado da patologia anátomo-fisiológica patenteada, é passível de poder vir a sofrer um agravamento com repercussão na capacidade de ganho, de progressão profissional e de compensação por desempenhos melhorados (prémios de produtividade, etc.) . [[18]] “O objectivo principal da reparação deverá, pois, ser ajudar a vítima, de uma forma não estandardizada mas adaptada às particularidades do seu estado, de modo a repor a sua situação de vida tal como era antes do evento. Desta forma, o dano indemnizável deverá residir muito menos nas sequelas anátomo-fisiológicas do que nas suas múltiplas consequências no plano da vida quotidiana, da vida afectiva, familiar e da vida profissional ou de formação. Considerando que o "bem estar físico, mental e social", a reintegração (familiar, social e profissional) e a qualidade de vida, são (ou devem ser) o objectivo de todas as acções para reduzir o dano na pessoa, a insuficiência de recursos económicas não deveria constituir um obstáculo à aquisição de ajudas técnicas e aos trabalhos de adaptação do domicílio, assim como do posto de trabalho, sobretudo nos casos de handicap grave, que merecem todos os esforços possíveis para os solucionar; daí não considerarmos que esta nova concepção de reparação seja uma utopia, mas, antes, uma hipótese entre muitas outras que possam surgir e que merecem ser lidas em conta dada a importância de se alterar a actual abordagem do problema da reparação. Deste modo, a avaliação do dano na pessoa no âmbito do Direito Civil visa orientar, cientificamente, a reparação desse dano, de forma justa e adequada às reais necessidades das vítimas. Tal está de acordo com dois princípios fundamentais contemplados nos diversos ordenamentos jurídicos dos países da União Europeia: todos gozamos plenamente dos mesmos direitos; no caso de dano corporal, a situação deve ser reposta o mais próximo possível daquela que existiria se o evento não tivesse tido lugar.” [[19]] Este tipo de dano (biológico) assume, relativamente aos tradicionais e correntes tipos de danos patrimoniais e extrapatrimoniais, uma feição de dano autónomo, atribuindo-lhe a doutrina e a jurisprudência uma função reparadora ao nível da perda de capacidade do lesado em manter um exercício funcional idêntico ou com a mesma amplitude e desenvoltura que faria se não tivesse sofrido a lesão corporal que determina a obrigação de indemnizar. Está em causa, quando se pretende efectuar o cálculo indemnizatório por este tipo de dano, não a incapacidade permanente geral que o individuo passará a sofrer em virtude da fixação de acordo com a tabela nacional de incapacidades, mas sim a reparação por uma perda ou merma de capacidade funcional (geral) que o lesado terá que suportar em todos os domínios da sua vida, isto é, independentemente da actividade profissional que ela desenvolva ou venha desenvolver. [[20]] Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade permanente geral para o trabalho ou, o que vale dizer para a actividade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma actividade funcional normal enquanto pessoa. É a capacidade funcional normal do corpo, enquanto factor produtor de uma energia e actividade corporal e anímica que se referencia e parametriza como factor aferidor do dano biológico, e que releva para efeitos de ressarcimento deste tipo de dano. Exemplo do que acaba de ser dito será traduzível um acréscimo de esforço na realização de determinadas tarefas, numa maior penosidade no desempenho de actividades que se não fora a lesão desenvolveria com naturalidade, numa dificuldade acrescida em percepcionar e compreender os estímulos e fenómenos exteriores e desencadear as respectivas respostas. Não obsta, pois, que o lesado não tenha sofrido, no momento, qualquer perda ou compressão do rendimento que auferia, mas sim que o dano sofrido possa, previsivelmente, no futuro, a afectar de forma significante a sua capacidade de desenvolvimento normal de uma actividade. [[21]/[22]]. A lei – cfr. artigo 566.º, n.º 2 do Código Civil - acolheu, como forma de indemnização, quando não seja possível a reconstituição natural, a indemnização em dinheiro sendo esta quadrada pela teoria de diferença, traduzível na diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos; se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos. Como medida temperadora da indemnização e sempre que não seja possível averiguar o valor exacto dos danos “o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados.” - cfr. n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil. [[23]/[24]/[25]] A incapacidade, por impossibilidade de aferimento da exacta extensão e intensidade futura dos efeitos que um dano haja provocado no estado físico-psíquico de um lesado, de o tribunal fixar um quantitativo indemnizatório arrimado a valores pecuniários extractáveis da evolução segura das condições vivenciais do lesado, exsurge a necessidade de recurso a critérios probabilísticos e informes, segundo juízos de equidade. Estando em causa projecções de perda de rendimentos no futuro, é prudente que o tribunal, à míngua de elementos seguros, fiáveis e sustentáveis lance mão de regras e critérios com assento nas técnicas de probabilidade e de cálculo matemático, com vista a minorar os defeitos de uma operação meramente aleatória e a esmo, sem o mínimo de suporte em critérios ou factores raciocínio lógico-matemático. Significa isto que aquela Portaria n.º 377/2008 veio fixar, tão-só, os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente de automóvel proposta razoável para indemnização de dano corporal, não estando os tribunais limitados nem vinculados aos valores indemnizatórios ali previstos. (…)”. Tendo como critérios balizadores o que jurisprudencialmente vem sendo decidido para ressarcimento por este tipo de danos, haverá o tribunal, com base nos factos adquiridos, procurar encontrar uma justa e equitativa quantia que, com um grau de probabilidade possível seja passível de repor a situação (ideal) em que o sujeito lesado se encontraria se o avento danoso não houvesse ocasionado as mazelas que o acompanharão para o resto da sua pessoal e profissional e lhe provocarão, certamente, desmerecimentos pessoais e sociais e entropias funcionais razoáveis. Já se deixou dito supra que não enfileiramos na carreira dos convertidos ao programa de Excel. Pretende-se significar que, não acolhemos a corrente da matematização da capitalização dos danos, ou seja de que é possível, ou programável e desejável, para se afastar da discricionariedade e da aleatoriedade que encerra o subjectivismo do ser humano, que tudo se reconduza a uma fórmula matemática em que os factores são estáveis e fixos e os valores a recolher se encontram num final de operações mecanizadas. [[26]] Seja-nos permitido a este propósito citar um acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça relatado pelo Conselheiro Gregório de Jesus em que se ponderou em conchavo com o que vimos defendendo: “A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho [[27]]. As referidas fórmulas não se conformam, porém, com a própria realidade das coisas, com a dinâmica da vida avessa a operações matemáticas, pelo que devem ser entendidas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta[28], não sem que do mesmo passo se afirme em alguns acórdãos a prescindibilidade de tais fórmulas ou tabelas [[29]]. “Mas, como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, em concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas. Todavia, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho [[30]]. É, pois, a força de trabalho perdida ou diminuída que se deve ter em conta e não a previsibilidade da esperança de vida.”, como se considerou no Acórdão deste Supremo de 17/12/2009, Proc. 340/03.7TBPNH.C1.S1, no ITIJ. (…) Está-se perante um défice funcional de utilização do corpo nas actividades do dia-a-dia, tornando-a mais difícil mas sem consequências tão negativas quanto as da perda imediata da capacidade do ganho [[31]]. A questão da indemnização por danos futuros, com se alcança dos arestos recenseados, não pode ficar dependente de fórmulas matemáticas, de valores imponderáveis como taxas de juro – a oscilação das taxas de juro são uma constante e dependem, como as diversas crises financeiras vêm atestando, não de factores de racionalidade ou sequer do jogo de forças do incensado mercado, mas de um jogo aleatório, imprevisível e irracional (ou nem tanto) em que os especuladores financeiros se divertem a jogar com as economias do dito mercado (com incidências desastrosas, como também já se encontra demonstrado, nas economias mais débeis) –, de regras de progressões de carreiras (veja-se o congelamento em que se encontram as carreiras e os condicionamentos do mercado do trabalho com a consequente abaixamento dos salários para aqueles que pretendam obter novos empregos) ou de outros factores do xadrez ou tabuleiro económico. A irracionalidade do sistema não confere o mínimo de previsibilidade onde seja possível fazer intervir e introduzir factores de lógica racional e prudencial. Como já expressamos noutros arestos, a sociedade, tal como se encontra economicamente organizada, é um guinhol onde os actores que ganham foros de orientadores (políticos) da sociedade não passam de uns títeres a quem forças ocultas determinam as orientações e os sentidos acéfalos de um rumo que escapa à razoabilidade do que deveria ser uma sociedade organizada segundo regras alinhadas com o individuo e a pessoa humana. O direito a uma indemnização pela perda do contributo do lesado para a economia familiar e para a as despesas normais e correntes para com os que vivem integrados nessa economia necessitam tem sido afirmado em diversos arestos deste Supremo Tribunal de que respigamos os mais recentes, com as justificação de que os dependentes do dever de alimentos, vale dizer, aqueles que teriam direito a exigir alimentos do decesso, têm direito a pedir o ressarcimento pelo que poderiam receber caso o evento supressor não tivesse ocorrido. A temática da obrigação de indemnização dos familiares da vítima – esposa e filhos – pela perda de capacidade futura de manutenção do nível de vida que lhe era propinada antes da morte do obrigado a alimentos (pai) foi objecto de estrénua análise no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Outubro de 2003, relatado pelo Conselheiro Serra Batista, tendo-se escrito (sic): “Tendo sido longa a polémica doutrinal – cfr., a propósito, explanação efectuada na fundamentação do acórdão deste STJ de 7/10/2003, in www.dgsi.pt (Pº 03A2692) e Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, p. 297 - que a respeito se gerou na elaboração do actual Código Civil, defendendo Vaz Serra a tese sucessória e A. Varela a do direito próprio de terceiros, acabou por vingar, ao que se julga, a posição por este perfilhada – cfr., ainda, Ac. do STJ de 29/1/2008, in www.dgsi.pt (Pº 07B4397). Sempre sendo, porem, de entender que só excepcionalmente é que o falado direito de indemnização cabe a terceiros, assim sucedendo nos casos previstos nos arts 495º (danos patrimoniais) e 496º (danos não patrimoniais) – cfr. autores e obras atrás citadas, a propósito de tal direito não se radicar nestes, em princípio. Explicando-nos, a propósito e com a sua proverbial clareza, A. Varela, in ob. e vol. cit, p. 617: “É aos danos assim causados a terceiros (aqueles que só reflexa ou indirectamente os hajam prejudicado), sem violação de nenhuma relação negocial ou para-negocial e sem infracção de nenhum dever geral de abstenção ou omissão … e que não encontram, realmente, por razões óbvias, cobertura directa, nem na responsabilidade aquiliana, nem na responsabilidade contratual. Excepcionalmente, porem, a indemnização pode competir também ou caber apenas a terceiros. Assim sucede nos casos versados no art. 495º (…) Se a vítima falece no próprio momento da agressão ou da lesão, o instituto da sucessão não chegaria para assegurar o direito à indemnização por parte dos seus herdeiros, pois dificilmente se poderia sustentar a tese do nascimento desse direito no seu património. E, todavia, não seria justo que, em tais circunstâncias, os sucessores ou familiares do lesado não tivessem direito a nenhuma indemnização, e o tivessem quando a vítima houvesse sobrevivido alguns escassos segundos ao momento da lesão.” Dizendo um pouco mais adiante: “Há na concessão deste direito de indemnização (do direito aos danos patrimoniais consagrado no art. 495º) uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante. Com efeito, a obrigação alimentar, quer a fundada na lei, quer (…) constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito.” Sendo manifestamente razões de certeza e segurança que levaram o legislador a restringir a indemnização, em tais casos excepcionalmente previstos na lei, às pessoas nela enumeradas e pela ordem das respectivas precedências – A. Costa, ob. cit., p. 401. Cabendo, pois, à autora BB direito de indemnização por perda de rendimentos futuros derivada da morte do lesado, mas apenas – e considerando a hipótese sobre a qual nos debruçamos – decorrentes da privação de alimentos que aquele, por certo lhe viria a prestar, não fora a ocorrência do nefasto evento – art. 495º, nº3, primeira parte. Bem andando, assim, nesta parte, a Relação ao restringir tais danos à obrigação alimentar da vítima (arts 1878º, 1879º, 1880º e 1885º) e que ela, com base nos rendimentos que viria a auferir previsivelmente à autora viria a proporcionar. Não lhe cabendo, com o respeito devido por contrária opinião (o mencionado acórdão deste STJ, de 18/12/03, em que também se estriba a decisão da 1ª instância, aflora a hipótese da morte ter ocorrido posteriormente à lesão, que não é aquela que aqui ficou demonstrada) face ao atrás sucintamente exposto, em termos gerais, direito a indemnização por perda de rendimentos futuros (cfr. arts 483º, 562º, 563º e 564º, nº 3). Mas – e avancemos agora – será aqui de manter a indemnização a respeito atribuída pelo acórdão recorrido? Bem, já vimos que a menor BB, nascida em 1999, e assim já após a morte de seu pai, que ocorreu em 16/10/98, tem direito a indemnização pelo facto de poder exigir alimentos ao lesado (citado art. 495º, nº 3). Bem podendo a própria necessidade de alimentos ser futura. Apenas tendo que ser previsível. Não devendo o lesante suportar condenação em prestação posterior, seja no montante, seja na duração, àquela que provavelmente o lesado suportaria se fosse vivo – A. Varela, ob. e vol. cit., p. 619. Pois, com efeito, sendo os alimentos essenciais para a sobrevivência do seu titular, quer a existência, desde logo, de um crédito de alimentos, quer a possibilidade do seu surgimento futuro, que vem a ser frustrada pela conduta do lesante, constitui um prejuízo que prejudica a atribuição de tal indemnização. Sendo suficiente para a sua atribuição a simples previsibilidade futura de que iriam ser exigidos alimentos ao lesado (art. 564º, nº 2) – Menezes Leitão, ob. e vol. cit., p. 379 e Ribeiro Faria, Obrigações, vol. I, p. 527, nota 3. Sendo essencial para o apuramento de tal dano, correspondente aos réditos futuros de cuja fonte a A. se viu privada, o recurso à equidade – art. 566º e Ac. do STJ de 12/10/06, in www.dgsi.pt (Pº 06B2520). Havendo que conseguir a sua quantificação imediata, mau grado a dificuldade do seu cálculo, valorizando no essencial os juízos de equidade, sem prejuízo de, para tal conseguir e procurar atingir a justiça do caso concreto, nos socorrermos de operações matemáticas que, tal com vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar por frustração de ganhos futuros, permitam representar um capital produtor de um rendimento que se extinga - para que não haja locupletamento do seu beneficiário, in casu da autora menor – no final do período em que esta auferiria, a título de alimentos, dos proventos do falecido. Devendo ponderar-se aqui factores, e já que se trata de rendimentos futuros, como os proventos económicos da vítima à data da sua morte, a natureza do trabalho que realizava (apenas se sabendo que trabalhava por conta de outrem), o dispêndio devido com as suas necessidades próprias (nada se sabendo a propósito, a não ser que, por certo, de acordo com os seus baixos rendimentos, deveria ser modesto o seu nível de vida), a natural evolução do seu salário (sem se anteverem significativas mudanças em relação ao salário mínimo nacional) e as taxas de juro do mercado financeiro – Ac. do STJ de 18/12/03 (Pº 03B4120), in www.dgsi.pt. (…) Ora, dúvidas não restarão que os requeridos danos não patrimoniais são graves e, como tais, merecedores da tutela do direito – art. 496º, nº 1. Sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar caso a caso, de acordo coma realidade fáctica apurada. Devendo, de qualquer modo, tal gravidade medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado – A. Varela, ob. e vol. cit., p. 600. Devendo o montante da indemnização – e sendo certo que tais danos, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização – ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc – art. 496º, nº 3. Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equitativa - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossível a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização (Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, 1, p. 491 e seg.). Salientando, a propósito, o Prof. A. Varela: "O facto de a lei através da remissão feita no art. 496°, n° 3 para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer á culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório " - Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs. Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida. "- Ac. do STJ de 10/2/98, CJ S. T. 1, p. 65. Devendo tal compensação ser proporcionada á gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida - P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501. Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente á União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações. Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do nosso STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art. 496°, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabilizando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo neste mesmo sentido, Ac. do STJ de 25/6/2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134.” [[32]] Em similar sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2008, relatado pelo Conselheiro Moreira Camilo, “II - Excepcionalmente, em casos de morte, a lei reconhece o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros iure proprio às pessoas que podiam exigir alimentos do lesado directo ou àquelas pessoas a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural - art. 495.º, n.º 3, do CC. III - Nesta situação se encontra o cônjuge de uma vítima mortal, tendo em conta o dever de assistência resultante do casamento (arts. 1672.º, 1675.º e 1676.º do CC) IV - Para exercitar tal direito, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente, os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564.º, n.º 3, do CC. V - O cálculo da perda de alimentos, a fazer com recurso à equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC), constitui uma operação delicada, de difícil solução, na medida em que obriga a fazer apelo a situações hipotéticas e tem de se alicerçar em dados problemáticos, tais como a idade da vítima, o tempo provável da sua vida activa, a evolução das despesas alimentares em função do aumento do custo de vida, a evolução dos salários, a taxa de juro e a própria idade do beneficiário dos alimentos.” Ou de 2 de Outubro de 2007, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos, em que se sumariou: “I- A indemnização pelos danos futuros, resultante de frustração de ganhos, em consequência da morte da vítima, deve representar um capital produtor de rendimentos que se extinga no fim do previsível período de vida activa e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho. II – Tais danos futuros devem ser fixados com a segurança possível e o recurso à equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas.” Para se afirmar no acórdão de 29 de Janeiro de 2008, relatado pelo Conselheiro Fonseca Ramos, que; “VIII - O facto de a Autora à data da morte ser casada com a vítima e esta ter um salário que, por força do regime matrimonial do casamento, é bem comum, a respectiva privação constitui a perda de um ganho futuro; ademais, por força do dever matrimonial de assistência - art. 1675.º, n.º 1, do CPC - tem de concluir-se que, mesmo que a relação conjugal estivesse em crise, a privação dos rendimentos salariais do falecido marido constitui a perda de um ganho futuro. O facto de não se saber qual a exacta medida da contribuição do salário auferido para a vida familiar não impede que se fixa a indemnização por dano patrimonial, com base na equidade - art 566.º, n.º 3, do CC. IX - Considerando que, à data do acidente, o marido da Autora tinha 21 anos de idade e auferia o vencimento mensal de 548,68 €, que o período de vida laboral activa se prolongaria até aos 65 anos, mais 44 anos, tendo em conta a idade da vítima, e que durante ele seria expectável a contribuição para as despesas da economia do casal, sendo usual em termos de equidade, fixar-se essa contribuição em 2/3 dos réditos auferidos, considerando a provável actualização do salário durante o tempo de vida activa, consideramos equitativo fixar em 74.819,68 € os danos futuros (perda de rendimentos) do casal.” [[33]] O lesado, no momento do sinistro, tinha 46 anos de idade e, à altura, auferia, por se estar a restabelecer de uma doença, o rendimento social de inserção., sendo que a sua profissão era servente da construção civil. Como se deixou expresso supra a idade do lesado era de 46 anos e não fora o sinistro poderia obter rendimento de trabalho até aos 70 anos, o que equivale a dizer por um período de 24 anos. Esse período corresponde aquele que a assistente e os filhos se verão privados do sustento qua o lesado aportaria para a esfera do agregado familiar. Se atentarmos ao que era recebido pelo lesado no momento do acidente e sem esquecer que o recurso a quaisquer fórmulas, com se asseverou supra, é meramente indiciário e adjuvante, e que o julgador deve considerar o critério do nº 3 do art. 566º do Código Civil, com a correcção do valor assim obtido segundo juízos de equidade, que não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade que implica a procura de uma uniformização de critérios, tomando em consideração o quadro acima descrito temos por ajustado o valor de € 25.000,00 para a assistente e € 10.000.00 para cada dos filhos. II.B.4.a) – Danos não Patrimoniais. Já quanto aos danos não patrimoniais sofridos pela assistente e por cada um dos filhos achamos que os valores atribuídos na decisão de primeira (1ª) instância se encontram prudencialmente aferidos – cfr. fls. 463 e 464 – pelo que se coonestam e ratificam. Para aferição do direito à indemnização pelos danos não patrimoniais convocar-se-á o que vem estatuído no artigo 496º do Código Civil, onde se preceitua que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3. Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4. O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.” Constitui jurisprudência firme e doutrina inconcussa [[34]] que apenas são passiveis de ressarcimento ou compensação os aleijões morais ou espirituais-sentimentais que pela sua relevância, pertinência e repercussão na vida do lesado se tornem, espelhem e projectem num estado de ânimo depreciativo de um viver salutar e conforme a um padrão de vida ausente de compressão e angústia intelectual. Os danos morais ou não patrimoniais, insusceptíveis de avaliação pecuniária, visam proporcionar ao lesado uma compensação que lhe proporcione algumas satisfações decorrentes da utilização de uma soma pecuniária [[36]]. A obrigação de indemnização neste âmbito decorre do disposto no art. 496.º, nº 1 do Código Civil que estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, e o critério da sua fixação é a equidade (nº 3, do mesmo artigo [[37]], devendo ser “proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” [[38]]. Como escreveu Vaz Serra, “a satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no estado anterior à lesão, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação do dano, que não é susceptível de equivalente. É, assim, razoável, que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” [[39]]. Tal compensação deverá, então, ser significativa e não meramente simbólica. A prática deste Supremo Tribunal vem cada vez mais acentuando a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Importa, no entanto, vincar que indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O juiz deve procurar um justo grau de “compensação”. Tem vindo a ser advogado em diversos arestos deste Supremo Tribunal que a intervenção deste alto Tribunal só deverá ocorrer quando os montantes fixados se revelem em notória colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm sendo adoptados. Como se afirma no Acórdão deste Supremo de 7/10/10, Proc. nº 457/07.9TCGMR.G1.S1, disponível no IGFEJ, “Assentando o cálculo da indemnização destinada a compensar o lesado por danos não patrimoniais essencialmente num juízo de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor a arbitrar, já que a aplicação da equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se move o referido juízo equitativo a formular pelas instâncias face à individualidade do caso concreto «sub juditio” [[40]]. De facto, não se trata aqui de aplicação de critérios normativos a que a revista deva dar resposta (art. 671.º do NCPC), pelo que não havendo aquela oposição, uma vez que o julgador se situou na margem da discricionariedade que lhe é consentida, a ponderação casuística das circunstancias do caso deve ser mantida. Ainda, como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 17/04/12, Proc. nº 4797/07.9TVLSB.L2.S1, desta Secção, disponível no IGFEJ, “(...) não podem ser postergados, como critério de valoração, os referidos valores de igualdade de tratamento e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas conhecidas. É, de resto, a este nível que colhe justificação a intervenção do STJ, como Tribunal de revista, pois que como já se escreveu nos acórdãos de 28/10/2010 e de 05/11/2009 (proc. 272/06.7TBMTR.P1.S1 e 381-2009.S1), respectivamente, “quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, ao Supremo não compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar em função da ponderação das circunstâncias concretas do caso, - já que a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», - mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação da individualidade do caso concreto «sub juditio»”, sendo que esse “juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade“. Como se afirmou no intróito deste apartado, os valores encontrados pelo tribunal de primeira (1ª) instância mostram-se ajustados e conforme com os padrões que vêm sendo adoptados pela jurisprudência pelo que se coonestam. III. – DECISÃO. Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 3ª secção criminal, do Supremo Tribunal de Justiça, em: - Conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, mantendo os valores contidos nas alíneas c); d) e f), referidos no dispositivo da sentença – cfr. fls. 467 e 468 - alteram-se ao valores contidos: (i) na alínea b) para o valor atribuído no acórdão recorrido; e na alínea e) atribuindo à assistente o montante de vinte e cinco mil euros (25.000,00) e para cada um dos filhos o montante de dez mil euros (€ 10.000,0) para indemnização dos danos futuros resultantes da morte do lesado. - Custas pelos recorrentes e recorridos na proporção do vencimento.
LISBOA, 10 de Maio de 2017 Gabriel Catarino (relator) ----------- [1] O dispositivo da decisão da primeira procedeu à condenação da demandada “GG- Companhia de Seguros, S.A.” a pagar aos demandantes, AA, por si e na qualidade de legal representante dos filhos menores, BB e CC, “a título de indemnização pela perda do direito à vida do ofendido DD, a quantia de € 65.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento; - a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo ofendido, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento; - a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos próprios, a quantia de € 20.000,00, para a primeira, e de 15.000 euros, para cada um dos filhos menores, acrescida de juros de mora contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento; - a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, a quantia de € 75.000,00, na proporção de € 35.000,00 para aquela e € 20.000,00 para cada um destes acrescido de juros de mora contados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento; - a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais, a quantia de € 600,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.” [4] Cfr- Ac. STJ de 22 de Janeiro de 2009, relatado pelo Conselheiro Rodrigues da Costa. “I -Num caso de colisão de dois veículos em que não se prova a culpa de nenhum dos condutores, estando em causa a responsabilidade civil pelos danos causados na esfera jurídica de terceiro (responsabilidade civil extracontratual), actua o princípio da responsabilidade pelo risco, que constitui uma excepção ao princípio da responsabilidade com base na culpa, intervindo aquele nos casos especialmente previstos (art. 483.º, n.º 2, do CC). II - Esta última responsabilidade funda-se na ocorrência de um facto ilícito não culposo ou simplesmente na prática de um facto stricto sensu (isto é, não ilícito), do qual derive um dano reparável na esfera jurídica de terceiro, existindo um nexo de causalidade entre o facto e o dano. III - Este nexo de causalidade vem a traduzir-se na relação que intercede entre o facto e o dano em termos de causalidade adequada, isto é, o dano tem de ter promanado do facto do agente como uma consequência adequada, o que significa que o facto tem de ser idóneo a produzir o resultado danoso, não bastando que tenha sido uma simples conditio sine qua non. Na eclosão de um dano pode ter intervindo um acervo de causas que acabaram por produzi-lo, mas de entre esse complexo de circunstâncias, algumas podem ser consideradas como essenciais à verificação do dano e outras, como meramente acidentais. As primeiras são essenciais, porque sem elas o resultado não se teria produzido, e as outras são acidentais, porque são indiferentes para a ocorrência de tal resultado, na medida em que não aptas, em termos adequados, para o seu desencadeamento. IV - É esta a solução consagrada legalmente e decorrente do disposto no art. 563.º do CC: «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». Ou seja, o facto tem de ser uma causa provável ou adequada do dano. V - A responsabilidade pelo risco, constituindo uma excepção ao princípio da culpa, está especialmente regulada, no que diz respeito a acidentes de viação, nos arts. 503.º a 508.º do CC. No caso de colisão de veículos, rege o art. 506.º. VI- No caso sub judice, estamos em face de um veículo automóvel ligeiro de passageiros e de um motociclo. Em princípio o veículo automóvel haveria de contribuir com maior proporção de risco para a produção do acidente, dado o seu maior volume, maior peso e maior dimensão. Todavia, será de considerar no caso, que ambos os veículos contribuíram em igual medida para o risco de produção do acidente. Isto, porque o veículo automóvel, não obstante as características apontadas, estava a iniciar a manobra de mudança de direcção para a esquerda, depois de se ter imobilizado no eixo da via, e o motociclo vinha em movimento, a uma velocidade que rondava os 60 km por hora. Estas circunstâncias fazem aumentar o risco deste veículo, aproximando-o, assim, do risco representado pelo veículo automóvel. Consequentemente, as responsabilidades pelos danos produzidos têm de ser repartidas em proporção idêntica para ambos os intervenientes, ou seja, 50% para cada um deles. VII - Os pressupostos da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco estão presentes no caso, pois da colisão de veículos resultaram para o demandante danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que são consequência adequada daquela, não se tendo apurado a culpa de nenhum dos condutores. (…) X - No que respeita a danos futuros, certa jurisprudência do STJ, de que é exemplo o Ac. de 18-01-79 (BMJ 83.º, pág. 275), tem considerado que a indemnização por danos futuros deve ser «calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação correspondente ao juro anual». Este critério seria, no entanto, corrigido com recurso à equidade. XI - As disposições legais aplicáveis à matéria são as decorrentes dos arts. 562.º a 566.º do CC. O princípio básico vem enunciado no primeiro dos arts. referidos, nos termos do qual «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». «Na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior» (n.º 2 do art. 564.º). Sendo a indemnização fixada em dinheiro, dado que a reconstituição natural não é possível, tal indemnização «tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos» (art. 566.º, n.º 2). No caso de não poder ser averiguado o valor exacto dos danos, «o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» (n.º 3 do mesmo art. 566.º). XII - O critério fundamental, no caso de danos futuros, concretiza-se, portanto, pelo recurso à equidade, mais do que pela utilização de critérios financeiros e fórmulas matemáticas. XIII - A indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho. (…) XV - Dispõe o art. 496.º, n.º 1, do CC que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». O montante da indemnização é fixado equitativamente (ainda nos termos do referido n.º 3), atendendo às circunstâncias referidas no art. 494.º do CC. Este manda atender ao grau de culpa – havendo, por consequência, que ter em conta a forma de culpa (dolosa ou negligente) –, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem. XVI - No caso, os danos não patrimoniais merecem, pela sua relevância, a protecção do direito. Simplesmente a sua quantificação, tendo de atender a diversos factores, não tem, evidentemente que levar em conta a culpa de nenhum dos intervenientes, por a responsabilidade pelo risco se basear, justamente, na ausência de culpa. XVII - Há que atender: -à permanência do demandante no hospital (por um curto período de duas horas), as dores que sofreu em consequência do embate e as limitações de que passou a padecer, bem como as sequelas, que lhe provocam sofrimento; -quanto ao aspecto económico, o demandante é um trabalhador de modestos rendimentos e a demandada Companhia de Seguros é uma empresa comercial que se dedica à actividade de seguros, gozando de folgada capacidade económica; nesta perspectiva, mostra-se ajustada a quantia de € 8000, tendo o demandante apenas direito à quantia de € 4000..” [11] Cfr. no sentido de que se trata de um direito iure proprio, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Acórdão de 16-06-2005, proferido no Processo nº 1612/05, relatado pelo Conselheiro Neves Ribeiro “o direito à indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela vítima, antes de falecer, e o dano decorrente da sua perda do direito à vida, ambos em consequência de acidente de viação, cabe, em conjunto, e pela precedência indicada no art. 496,2 do CC, às pessoas que, também nesta disposição, se mencionam. Mas não se trata de um direito sucessório relativo a danos provocados por lesão da personalidade do falecido, não revestindo um chamamento à titularidade das suas relações jurídicas patrimoniais, e consequente devolução dos bens que lhe pertenciam, segundo o art. 2024º do CC, não havendo assim, por conseguinte, lugar à repartição da indemnização, como se uma herança se tratasse”; e o acórdão deste mesmo Tribunal de 24-05-2007, Processo nº 1359/07, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho, em que se doutrina que: “a indemnização pela perda do direito à vida cabe, não aos herdeiros da vítima por via sucessória, mas aos familiares referidos e segundo a ordem estabelecida no n.º 2 do art. 496º do CC, por direito próprio. Ao lado do dano morte e dele diferente, há o dano sofrido pela própria vítima no período que mediou entre o momento do acidente e a sua morte; o dano vivido pela vítima antes da sua morte é passível de indemnização, estando englobado nos danos não patrimoniais sofridos pela vítima a que se refere o n.º 3 do mencionado art. 496º; estes danos nascem ainda na titularidade da vítima; mas, como expressivamente refere a lei, também o direito compensatório por estes danos cabe a certas pessoas ligadas por relações familiares ao falecido; há aqui uma transmissão de direitos daquela personalidade falecida, mas não um chamamento à titularidade dos bens patrimoniais que lhe pertenciam, segundo as regras da sucessão; quis-se chamar essas pessoas, por direito próprio, a receberem a indemnização pelos danos não patrimoniais causados à vítima de lesão mortal e que a ela seria devida se viva fosse. Do teor literal do n.º 2 do art. 496º do CC, decorre que esse direito de indemnização cabe, em simultaneidade, ao cônjuge e aos filhos e, representativamente, a outros descendentes que hajam sucedido a algum filho pré-falecido (…).” [13] “(…) O princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562º, do CC). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações do nº 1, do art. 566º, do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. A indemnização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes (art. 564º, nº 1, do CC) e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença, prevista no nº 2, do art. 566º, do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”). Contudo, se o montante dos danos for indeterminado e, por isso mesmo, a fórmula da diferença não puder ser aplicada, “o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados” (nº 3, do art. 566º, do CC); - A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496º, nº 1, do CC), não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença. Deve antes ser decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade (art. 496º, nº 4, primeira parte, do CC), tendo em conta as circunstâncias previstas na parte final do art. 494º, do CC; - Como tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr., por exemplo, o acórdão de 6 de Abril de 2015, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o acórdão de 28 de Outubro de 2010, proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, e para o acórdão de 5 de Novembro de 2009, proc. nº 381/2002.S1, todos em www.dgsi.pt), “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”; - A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição”. Exigência plasmada também no art. 8º, nº 3, do CC: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”; No mesmo sentido, para além dos arestos citados no troço transcrito os Acs. deste Supremo de (Ac. de 23-10-2010), relatado pelo Conselheiro Hélder Roque: “II - A lesão da integridade físico-psíquico, uma vez reconhecida a sua existência como dano-evento, deverá sempre ser reparada, ainda que não incida na capacidade de produzir rendimentos e, também, independentemente desta última. III – Da configuração do dano biológico como lesão da saúde, ou seja, da sua qualificação como dano-evento, objectivamente antijurídico, violador de direitos fundamentais, constitucionalmente, protegidos, resulta, como consequência, a atribuição da sua natureza não patrimonial. IV – Verificando-se o dano biológico, deverá o mesmo ser reparado e, eventualmente, deverá ser ressarcido, também, o dano patrimonial da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e o nexo de causalidade com o dano biológico. V – Ficando a autora com uma marcada intensidade, ao nível das sequelas psicossomáticas sobrevindas, como consequência necessária e directa do acidente que sofreu, muito embora sem se ter demonstrado qualquer quebra na sua capacidade de ganho, tendo sido afastado o rebate profissional, o dano biológico ocorrido é catalogável no quadro tipológico do dano moral, desde que um eventual acréscimo de esforço físico e/ou psíquico se não repercuta, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional ou na sua carreira, em si mesma, e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro. VI – O dano biológico pode ser ressarcido como dano patrimonial, ou compensado, a título de dano moral, mas não nas duas vertentes, simultaneamente, devendo a situação ser apreciada, casuisticamente. VII – Inexistindo cálculo actualizado da indemnização a prestar, quanto aos danos de carácter patrimonial, ao contrário do que acontece quanto aos danos de natureza não patrimonial, o início dos juros de mora conta-se, desde a citação, para os primeiros, e da prolação da decisão, quanto aos últimos.”, e de 10-07-2008, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, em que se escreveu: “1. O dano biológico decorrente de incapacidade permanente genérica, sem afectação negativa do salário do lesado, justifica a indemnização por dano futuro, a calcular essencialmente com base na equidade. 2. O causador do dano corporal a pessoa a exercer uma actividade laboral em acidente de viação, ou quem tiver assumido a sua responsabilidade civil, deve indemnizar integralmente o lesado, independentemente da indemnização pelo mesmo dano arbitrada no foro laboral, salvo se o empregador ou a seguradora de acidentes de trabalho intervierem na acção cível e formularem pertinente pedido no exercício do respectivo direito de sub-rogação. 3. Dado o critério da proximidade da causa do dano, o resultado indemnizatório decorrente da acção cível não pode configurar uma situação cumulação, só susceptível de ser perspectivada no foro laboral, em quadro de desvinculação, com base nas normas relativas ao acidente de trabalho.” Ou ainda o Acórdão de 11/11/2010, Proc. 270/04.5 TBOFR.C1.S1: “ (…) tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado deverá, pois, compensá-la, quer da relevante e substancial restrição ou limitação às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e da perda de chance ou do leque oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional corrente, de modo a superar adequadamente as deficiências funcionais que constituem sequelas das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e de rendimento auferido.” [16] Cfr. a este propósito Magalhães, Teresa e Pinto da Costa, Diogo, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, “Avaliação do Dano na Pessoa em sede de Direito Civil. Perspectivas Actuais”, págs. 419 a 452. ““O dano corporal consiste a maior parte das vezes, num prejuízo primariamente biológico (no corpo) que se pode traduzir por perturbações a nível das capacidades, situações de vida e subjectividade da vítima. Em certos casos, poderá tratar-se de um dano a nível psicológico com eventuais repercussões funcionais e situacionais, sem que implique necessariamente, e à partida, a existência de um dano orgânico (Magalhães T, 1998). Não estamos a tratar, como se vê, apenas do dano no corpo mas, sobretudo, de um dano nos diferentes níveis que constituem a pessoa, ou seja, falamos de dano na pessoa. Este conceito deve ser sempre compreendido a partir das seguintes noções essenciais (Didier J.P. e col. 1988): a) o importante não é o que se perdeu, mas o que resta; b) as consequências para a vida real (sequelas situacionais ou handicaps) são uma situação relativa que depende de factores pessoais mas, também, de factores do meio, pelo que poderá ser possível minorá-las alterando o meio; c) a qualidade de vida depende do aproveitamento das possibilidades restantes. Daí que a referência constante ao meio ou ao quadro de vida da pessoa seja uma passagem obrigatória para a avaliação do dano na pessoa. [18] Cfr. a este propósito Magalhães, Teresa e Pinto da Costa, Diogo, in op. loc. cit.. “Haverá lugar à atribuição de DF quando a previsão de agravamento das sequelas é fisiopatologicamente razoável não só admissível como provável, isto é, quando traduz uma evolução lógica, habitual e normal do quadro clínico constitutivo da sequela (Oliveira Sá ( 1992). Trata-se, de facto, de uma IPG que só se manifestará mais tarde, mas que, sendo previsível, se pode avaliar e acrescer à IPG já constatável. No entanto, nem sempre é possível prever com objectividade e rigor a evolução das sequelas em termos de DF, dadas as múltiplas variantes a ter em conta em relação à vítima (idade, estados patológicos tipo de actividades), à lesão (tipo, gravidade e evolução) e aos tratamentos instituídos. Em alguns casos, dada a dificuldade de estabelecer uma estimativa previsível deste dano, pode propor-se uma avaliação posterior, ou a atribuição de uma renda em vez de um capital, para que a IPG e despesas com tratamentos possam ir sendo ajustadas à situação concreta da vítima. Mas a repercussão deste dano a nível da IPG não é, em alguns casos, suficiente para o descrever, dado tratar-se, efectivamente, de uma situação de agravamento associada, podendo haver lugar a outros novos parâmetros de dano temporários e permanentes, patrimoniais e extra-patrimoniais. c) Rebate Profissional Corresponde ao rebate do défice funcional no exercício da actividade profissional da vítima à data do evento e (ou) à data da perícia constituindo, portanto, um dano patrimonial. [20] Cfr. Magalhães, Teresa e Pinto da Costa, Diogo, in estudo supra citado, quanto à distinção que deve ser efectuada entre incapacidade permanente genérica e profissional: "[incapacidade] permanente", de uma forma genérica, corresponde a um dano na integridade físico-psíquica de um indivíduo, de carácter permanente, actual ou futuro, que se repercute em diversas áreas da sua existência: actividades da vida diária; actividades afectivas, familiares, sociais, de lazer e desportivas; actividades de formação actividades profissionais. Por seu turno, a "incapacidade permanente profissional que no domínio do Direito do Trabalho recebe a designação de IPP - Incapacidade Parcial Permanente), tem como objectivo, segundo a Tabela Nacional de Incapacidades, para acidentes de trabalho e doenças profissionais (TNI), descrever o prejuízo funcional sofrido com perda da capacidade de ganho. Ora, este dano principalmente patrimonial, supostamente traduzindo a perda da capacidade de ganho e repercutindo-se, nessa medida, sobre o património do lesado, poderá encerrar, também, uma vertente extra-patrimonial, dado que existem danos orgânicos e (ou) funcionais, indemnizáveis com base na referida Tabela, mas que muitas vezes não têm repercussões patrimoniais. Todavia, no nosso país, em geral, a nível do Direito do Trabalho, estes danos são reparados como de um só tipo se tratasse, in abstracto e tendo em conta a remuneração auferida pelo lesado à data do evento (contrariamente ao que sucede, por exemplo, nos países anglo-saxónicos, em a reparação é efectuada in concreto). De facto, o Código Civil actual, no que respeita aos acidentes de viação, não concretiza as modalidades de avaliação do dano corporal em Direito Civil, nem os respectivos métodos de cálculo, tendo a jurisprudência moldado esta prática, inspirada, geralmente, no regime jurídico dos acidentes de trabalho. Não obstante, este "vazio legislativo" relativo às formas de avaliação e reparação do dano corporal não compromete a possibilidade de avaliação da IPG a título de dano extra-patrimonial. Em Portugal, os tribunais e as companhias de seguros não distinguem, na avaliação do dano em Direito Civil, entre incapacidade fisiológica ou funcional (IPG) e incapacidade para o trabalho, sendo que uma e outra carecem de valoração e consequente indemnização, ainda que as regras do processo indemnizatório se ajustem com maior facilidade às situações em que a lesão sofrida foi causa de uma efectiva privação da capacidade de ganho (Dias A., 2001). No entanto, como afirma Álvaro Dias, os critérios indemnizatórios do Direito Civil não fazem apelo às repercussões do sinistro no dia-a-dia profissional do lesado, antes relevando a actividade do lesado como pessoa, e não como trabalhador. Deste modo, e também para aquele autor, um sistema indemnizatório coerente deverá conglobar, numa perspectiva sistémica, a totalidade dos dano e prejuízos causados por qualquer lesão. O mesmo é referido por Oliveira e Sá (1992), assinalando que em Portugal os diversos actores intervenientes 'leste processo de avaliação e reparação dos dano não usam os mesmos conceitos e metodologias, adequados a apurar, no momento da atribuição da indemnização, exactamente quais os parâmetros de dano médico-legais (e respectivas categorias jurídicas) que estão a ser reparados. As ambiguidades terminológicas podem estar a causar sérios prejuízos ao interesse das vítimas e à boa administração da justiça, pelo que é indispensável que sejam superadas, tal como já em 1992 desejava Oliveira Sá. Temos assim que o dano pessoal, quantificado, em grande parte, através da IPG, constituirá um dano extra-patrimonial, não ficando a vítima impedida de ser reparada também numa perspectiva patrimonial relativamente à incapacidade laboral, temporária ou permanente. Portanto, dado que a IPG não tem qualquer relação com a actividade profissional habitual da vítima, não traduzindo a sua perda de capacidade de trabalho, a indemnização não deveria ter em conta a sua profissão e respectiva remuneração.” Daí a suficiência da previsibilidade do dano e do recurso à equidade para efeito do quantum indemnizatório”. No mesmo sentido vai o Ac. deste Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2010, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego), onde se escreveu: “[…] a indemnização a arbitrar pelo dano biológico do lesado – consubstanciado em limitação funcional ao nível dos movimentos do membro inferior – deverá compensá-lo também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. É que a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas. Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais – e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em jovem de 16 anos, cujas perspectivas de emprego e remuneração podem ficar plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas das lesões sofridas.” [23] Cfr. neste sentido o Acórdão do STJ de 19-12-2006, onde se escreveu: “I – Como, aliás, decorre, a contrario sensu, do nº 3 do art. 566º C Civil, a indemnização por danos patrimoniais deve corresponder, sempre que possível, ao valor exacto dos danos. II – Deste modo, a ser possível calcular com segurança a concreta perda patrimonial sofrida pelos interessados desde o decesso do sinistrado, é nesse preciso momento que deve ser quantificada a indemnização devida sem necessidade de recorrer a qualquer outro tipo de cálculo. III – Em causa a fixação da indemnização correspondente aos lucros cessantes futuros determinados pela cessação da contribuição do sinistrado para as despesas da família, mas não referindo com quanto na realidade contribuía para essas despesas, a situação patrimonial do mesmo só releva por forma indirecta, enquanto elemento de terminação do benefício deixado de obter, tendo o tribunal de recorrer à equidade para fixar essa indemnização. IV – Consagrada no art. 566, nº 2 do C Civil a denominada teoria da diferença, a data mais recente que pode ser atendida pelo tribunal aí referida é, de harmonia com a doutrina tradicional, a do encerramento da discussão da causa na 1ª instância, sendo a essa data que necessariamente se reporta o cálculo dos danos futuros previstos no artigo 564,º, nº 2 do C Civil, e efectuar segundo critérios de probabilidade e verosimilhança. V – De harmonia com a teoria da diferença referida, o valor do dano no património de lesado corresponde a diferença entre a situação real em que esse património se encontra em consequência da lesão e a situação hipotética actual em que o mesmo se encontraria se o facto lesivo não tivesse ocorrido. VI – Como assim, e uma vez deduzidos os encargos obrigatórios (e o preciso para si próprio) que o sinistrado efectivamente contribuía para o sustento (em sentido amplo) dos seus, não deve considerar-se, para efeitos de cálculo, o vencimento ilíquido do sinistrado, relevando, antes, para a perda a considerar o efectivamente recebido pelo mesmo – líquido, pois das deduções que a lei impõe.” “VIII - O n.º 3 do art. 496.º do CC manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art. 494.º do CC, levando-se em atenção que com esta indemnização tem-se em vista compensar o(s) lesado(s), proporcionando-lhe(s) os meios económicos que constituam de certo modo um lenitivo para os desgostos e as inibições que sofreu e continuará a ter. IX - Considerando que a vítima vivia com a sua mulher e os três filhos, em ambiente de cordialidade, dedicação e carinho, unidos por laços de afeição e amor, ajudando-se mutuamente e que morte daquele deixou os autores consternados e tristes, em estado de choque e pânico, sofrendo de desgosto e abalo psicológico, afigura-se razoável e equitativo o montante arbitrado pela Relação de € 20 000 para cada um deles, como compensação pelos danos não patrimoniais. X - No caso de lesão de que proveio a morte, o agente é obrigado a indemnizar o dano patrimonial sofrido pelas pessoas com direito a exigir alimentos ao lesado ou por aquelas a quem ele os prestava no cumprimento de uma obrigação natural; para ser exercitado este direito não é necessário estar-se já a receber alimentos, basta demonstrar que se estava em condições que legalmente os poder vir a exigir. XI - Para determinação do valor deste dano é essencial o recurso à equidade, não obstante a utilidade de instrumentos, de mera orientação geral, tais como as tabelas financeiras. – Acórdão de 07-07-2010; Proc. n.º 1207/08.8TBFAF.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Alberto Sobrinho “I - Os filhos menores da vítima podem pedir uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros, com base no disposto no art. 495.º, n.º 3, do CC, indemnização que diz respeito a danos causados aos próprios demandantes/terceiros, por terem ficado desprovidos da possibilidade de exigir alimentos, e não à vítima. II - O n.º 3 do art. 495.º não concede, às pessoas que podem exigir alimentos ao lesado, o direito de pedir uma indemnização por todos os danos patrimoniais que o evento lhes haja causado, mas apenas podem deduzir uma indemnização pelo dano da perda de alimentos que o lesado, não fosse a lesão, teria que lhes prestar. III - A indemnização neste âmbito visa ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria.” – Acórdão de 13-04-2011; Proc. n.º 418/06.5TBMNC.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo “II - Considerando que a morte da vítima foi causa determinante da perda futura de ganhos, com reflexos na esfera patrimonial da viúva e dos três filhos, atendendo à idade do falecido, o tempo provável de vida activa até aos 70 anos de idade, a taxa de juro e a pequena contribuição mensal de € 125 para o sustento do seu agregado familiar, considera-se correcta a indemnização arbitrada pela Relação, de € 70.000, a título de indemnização pelo dano patrimonial futuro.” – Acórdão de 31-05-2011; Proc. n.º 1803/06.8TBVNG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “I - Vindo o autor a falecer, em consequência, directa e necessária, da gravidade das lesões e sequelas provocadas pelo acidente, cerca de sete anos após a sua ocorrência, para efeitos do cômputo do dano patrimonial futuro, importa separar o período da perda da capacidade aquisitiva que decorre entre o momento da eclosão do acidente e a data da sua morte daquele que se inicia com o seu falecimento e se prolonga no tempo, não sendo correcto estabelecer uma unidade de percurso, devido à diversidade dos valores a obter, em cada uma dessas etapas, e às distintas consequências dos respectivos regimes de transmissibilidade. II - A indemnização pelo dano patrimonial futuro devida durante o período de vida da vítima é repartida, com a sua morte, em função das regras da extinção da comunhão conjugal e da divisão da herança. III - A indemnização pelos danos patrimoniais devidos aos parentes, em caso de morte da vítima, reconduz-se, praticamente, à prestação de alimentos, sendo titulares deste direito os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem este os prestava, no cumprimento de uma obrigação natural. IV - Em relação ao viúvo, são-lhe devidos alimentos, até ao final da sua vida, pois que é de presumir que o cônjuge falecido lhos prestaria, até esse momento, porquanto lhe deve assegurar uma situação patrimonial correspondente à que ele teria, se a vida em comum se mantivesse, e, quanto aos filhos menores, pelo menos, até à data da sua maioridade, se melhor prova no sentido da prorrogação desta obrigação não for realizada, sendo equitativo atribuir a cada qual um valor percentual do total da indemnização arbitrada que tome como referência a esperança de vida do primeiro, e a distância que separava os menores da maioridade, à data da morte da vítima. V - O montante da compensação pelo dano não patrimonial da perda da vida, independentemente do período de tempo decorrido entre o evento lesivo e a morte, e bem assim como pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes da sua morte, é transmissível aos herdeiros desta, por direito próprio e originário, e não em função das regras próprias do direito sucessório” – Acórdão de 31-05-2011; Proc. n.º 257/2001.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque (Relator). “I - Uma vez que os cônjuges estão reciprocamente vinculados à obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (arts. 1672.º, 1675.º e 2009.º, n.º 1, al. a), do CC) e que compete aos pais prover ao sustento dos filhos menores (art. 1878.º, n.º 1, do CC), assiste aos autores – respectivamente mulher e filhos da vítima do acidente de viação – o direito a serem indemnizados nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC. II - Uma vez que resultou provado que, à data do acidente, a vítima tinha 29 anos, auferia mensal mente € 366, que no agregado familiar –composto por si e pelos autores – só este trabalhava, sendo de presumir que o seu contributo duraria até aos 65 anos, que pelo menos ¾ do vencimento seria destinado às despesas do agregado, e que a obrigação de alimentos para com os filhos perduraria até à maioridade dos seus filhos, entende-se adequada e equitativa a indemnização de € 70.000, € 17.000 e € 20.000, respectivamente para a viúva e filhos da vítima. III - Atentar contra o respeito à vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica, assumindo a reparação desse dano uma natureza mista, visando não só reparar o prejuízo, como também punir a conduta do autor dessa lesão máxima da personalidade, que é a sua própria extinção. IV - Tendo em atenção que o falecido tinha 29 anos de idade, era saudável e tinha alegria de viver, vivendo em própria harmonia com a sua família, entende-se adequado o valor de € 70 000 (ao invés dos € 60 000, fixados pelo Tribunal da Relação) para compensação da perda do direito à vida. V - Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, razão pela qual a sua ressarcibilidade assume uma natureza mais compensatória do que indemnizatória.” – Acórdão de 12-07-11; Proc. n.º 322/07.0TBARC.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Oliveira Vasconcelos “I - Quando o cônjuge (sobrevivo) reclama indemnização por danos futuros reportados à perda para sempre da contribuição material do outro cônjuge, falecido em acidente de viação, tal significa que está a reclamar junto de terceiro, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, os alimentos, expressão da contribuição para os encargos da vida familiar que podia exigir ao falecido marido e a que este estava vinculado (cf. arts. 1672.º, 1675.º e 2003.º, todos do CC). II - Uma tal indemnização é sempre devida, independentemente da efectiva necessidade do outro cônjuge, pois os cônjuges, no seio da comunhão conjugal, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar, na proporção das respectivas possibilidades. III - Se à data do acidente (17-03-2006) a vítima contribuía com o seu vencimento para o sustento do seu agregado familiar, composto por si e pelas autoras (a sua mulher, de 34 anos de idade, e a sua filha, de 8 anos de idade), perfazendo tal rendimento o montante de € 21 416,04 anuais, a esse valor anual há que abater um terço, montante que se presume que o falecido disporia para os seus gastos pessoais, pelo que restaria a contribuição anual de € 14 277,36 para os encargos da vida familiar. Ponderando que a idade da vítima, à data do acidente, era de 35 anos de idade, sendo de estimar que ainda trabalharia mais 35 anos (vida activa até aos 70 anos), não olvidando que a indemnização arbitrada, representando a entrega imediata de um determinado capital, de uma só vez, é susceptível de produzir rendimentos de que as autoras imediatamente podem usufruir, e atendendo, ainda, às evoluções salariais, às taxas de juro e da inflação e os ganhos de produtividade por progressão na carreira, julga-se equitativa (art. 566.º, n.º 3, do CC) a fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro no valor de € 250 000.” – Acórdão de 10-01-2012; Proc. n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1; relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos. “I - No que respeita ao dano morte, que representa o bem mais valioso da pessoa e simultaneamente o direito de que todos os outros dependem, a compensação atribuída pelo STJ tem oscilado, nos últimos anos, entre € 50.000 e € 80.000, com ligeiras e raras oscilações para menos ou para mais; II - Considerando a juventude da vítima, com 27 anos de idade à data do acidente, e o futuro radioso que tinha à sua frente, e atendendo a que não há, no caso, que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, entende-se que é de elevar para € 75. 000 a compensação de € 60 000, fixada pela 1.ª instância e mantida pela Relação, pelo dano da morte. III - No que respeita às indemnizações por danos morais próprios arbitradas ao viúvo da mencionada vítima e ao pai de uma segunda vítima falecida, com 20 anos, na sequência do mesmo acidente de viação, que o acórdão recorrido fixou em € 25 000 para cada um, considerando que são muito graves os danos morais, quer de um, quer de outro, e que as indemnizações atribuídas a este título pela Relação já se encontram no patamar mais elevado das que no STJ têm sido arbitradas em situações paralelas, não serão as mesmas aumentadas, como pretendido pelos recorrentes. IV - O direito de indemnização excepcionalmente reconhecido no art. 495.º, n.º 3, do CC, não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre a vítima e o credor da indemnização; daí que o prejuízo a indemnizar seja somente o da perda de alimentos decorrente da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo. V - Os cônjuges estão reciprocamente obrigados ao dever de assistência – art. 1672.º do CC –, o qual compreende a obrigação de prestação de alimentos e a de contribuição para os encargos da vida familiar; no entanto, a primeira destas obrigações só tem autonomia em face da segunda quando os cônjuges vivem separados, de direito ou mesmo só de facto; se vivem juntos, o dever de prestação de alimentos toma a forma de dever de contribuição para os encargos da vida familiar. VI - Consequentemente, o cálculo desta indemnização, no caso de morte de um dos cônjuges, não pode obedecer “cegamente” aos parâmetros que em geral são seguidos na respectiva determinação quando está em causa uma incapacidade parcial permanente para o trabalho, até porque os alimentos prestados a terceiro não participam do mesmo grau de previsibilidade que o ganho potencial da própria vítima. VII - Considerando a situação do recorrente que, à data do acidente, era casado com a primeira vítima e se encontrava desempregado, deve partir-se do princípio que esse desemprego não iria perdurar até à idade da reforma de sua falecida mulher, pois isso significaria, em termos práticos, que viveria mais de quarenta anos exclusivamente a expensas dela, hipótese que, por ser irrazoável, não é de conjecturar; deve considerar-se que pelo menos 2/3, senão mais, do vencimento anual da vítima (€ 24 373,10) se destinavam aos encargos normais da sua vida familiar; e deve ainda reputar-se como um facto normal, natural, e nesse sentido previsível, que o recorrente, dada a sua juventude, refaça e reconstrua a sua vida num futuro mais ou menos próximo, voltando a casar e assim constituindo uma nova família. Tudo ponderado, e sem perder de vista que a contribuição da vítima para os encargos familiares tenderia a aumentar se o casal, como era seu desejo, viesse a ter filhos a breve trecho, além de que a indemnização arbitrada será paga de uma só vez (o que representa uma vantagem patrimonial muito relevante), considera-se que o montante de € 80 000 fixado pela Relação é justo e equitativo, não merecendo qualquer censura. VIII - Relativamente à indemnização a este mesmo título fixada ao pai da segunda vítima, viúvo e vivendo desde a morte de sua mulher na companhia da filha – filha, aliás, única e que realizava após a morte da mãe todas as tarefas domésticas indispensáveis ao lar de ambos –, considerando que se viu obrigado a contratar uma empregada doméstica, o que importa um dispêndio de € 300 a € 400 mensais, que à data do acidente que provocou a morte da filha tinha 41 anos de idade, e desconhecendo-se outros aspectos da sua vida que seriam relevantes para melhor apurar o montante indemnizatório devido (por exemplo: que profissão tem, quanto ganha, e de que tempo e condições de saúde dispõe ele próprio para cuidar dos trabalhos domésticos), afigura-se que, num juízo equitativo mais aderente à realidade factual apurada, deverá a indemnização de € 7500 arbitrada pela Relação ser elevada para € 20 000, tendo em atenção que a vítima, se viva fosse, estaria muito provavelmente nesta altura a viver na sua própria casa, independente, e não com o seu pai, tanto mais que à data do acidente já ambos procediam ao restauro dum imóvel encostado à casa dele, imóvel esse que seria a futura habitação da filha.” – Acórdão de 31-01-2012; Proc. n.º 875/05.7TBILH.C1.S1; relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira. |