Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1158/14.7TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OFENSA DO CASO JULGADO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
CONHECIMENTO OFICIOSO
ABUSO DO DIREITO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE PROCESSUAL
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 11/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Nos termos do art. 682.º, n.os 2 e 3, do CPC, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada pelo STJ, salvo o caso excepcional do n.º 3 do art. 674.º.

II - O contrato celebrado entre duas partes para a realização de trabalhos de levantamento topográfico é um contrato de prestação de serviços atípico, regulado pelo regime do contrato de mandato.

III - A ré celebra um subcontrato da mesma natureza se ajusta com outra sociedade a realização dos mesmos trabalhos que lhe foram adjudicados pela autora.

IV - Se, ulteriormente, mediante solicitação da ré, a autora se compromete a pagar directamente à sociedade subcontratada os serviços que esta vem prestando, verifica-se (recorrendo ao critério do art. 236.º do CC) uma cessão tácita da posição contratual da ré para a autora, que conta com o consentimento tácito da sociedade cedida, manifestado através das facturas que passou a remeter à autora e do recebimento dos respectivos pagamentos.

V - Com essa cessão e com a contratação directa da sociedade terceira por parte da autora opera-se, por sua vez, uma revogação tácita do primeiro contrato entre a autora e a ré, nos termos conjugados dos arts. 1171.º e 1156.º do CC, que implica a improcedência da pretensão de indemnização da autora.

VI - Aliás, ainda que se entendesse que não tinha havido qualquer cessão da posição contratual da ré nem qualquer revogação tácita do primeiro contrato, sempre se deveria considerar que a autora teria agido com abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio de posições jurídicas, por desproporção manifesta entre o benefício que auferiria e o sacrifício por ela imposto à ré, uma vez que, tendo pago a esta apenas duas prestações em Março de 2010, no valor de € 11 149,00 pelos serviços por ela subcontratados, se apresentou, posteriormente, a reclamar dela indemnização de € 25 000,00 por danos relacionados com os defeitos do serviço que foi também prestado, depois de Março de 2010 e até 2012, pela sociedade cedida, e pelo qual a ré nada cobrou à autora.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:




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    Em 21 de Julho de 2014, a Adductio - Ambiente e Informática, Lda. veio intentar a presente acção de condenação, em processo declarativo comum, contra a Limpersado Limpeza, Máquinas e Transportes, S.A .

  Alegou em síntese que: contratou a R. para a realização do trabalho de levantamento da informação cadastral de cerca de 4000 caixas de visita de águas pluviais do concelho de ..., bem como a limpeza e vídeo inspecção dos colectores, tendo a R., logo na primeira reunião de trabalho, após a adjudicação, apresentado a G...,  ; a G...,  iniciou a obra e os dois primeiros autos de medição de trabalho foram enviados para a R. que, por sua vez, elaborou a respectiva factura e a enviou à A. para pagamento; que, a dada altura, passou a disponibilizar directamente as verbas à sub-contratada G...; porém, nem o trabalho da ré nem o da G..., teve qualquer préstimo, pelo que considerando que a A. pagou à G...,  €29.084,35, a que acrescem os €12.000,00 inicialmente pagos à R., pela execução de um trabalho que não teve qualquer préstimo, entende ter direito ao reembolso desses valores no quadro dos art.s 1208°, 1222° e 1223° do C.C., além do risco em o atraso na realização da obra por parte da A. colocou em risco a sua reputação técnica junto da dona da obra, cujo ressarcimento contabiliza em €5.000,00.

   Em conformidade, concluiu pedindo a condenação da R. a pagar à A. a quantia de €46.084,35, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

    Citada a R. veio contestar, confirmando os termos em que foi estabelecida a relação contratual entre as partes, tendo subcontratado a G...,  para os trabalhos de topografia e aceitando ainda ter recebido da A. os primeiros 2 pagamentos, que oportunamente foram facturados pela R., tendo esse trabalho sido pago posteriormente à G..., , negando que tal tenha ocorrido com qualquer atraso ou por razões relativas às suas condições administrativas para esse efeito.

   Sustentou que quem afinal pediu ou decidiu ou se comprometeu a efectuar os pagamentos directamente à G...,  foi a A., tendo a partir de então ficado decidido entre A. e R. que seria a primeira quem passaria a trabalhar directamente no terreno com os técnicos da G..., , deixando a aqui R. de acompanhar os trabalhos e a responsabilidade pelos mesmos.

  Defendeu ainda que esta acção seria uma mera retaliação pelo facto da R. ter demandado a A. no 1 ° Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., Proc. nº 5534/13...., onde reclamou o pagamento de facturas por serviços por si prestados, tendo a A. sido aí condenada e a R., nessa sequência, instaurado a correspondente acção executiva.  Concluiu pela sua absolvição.

Após julgamento, prolatou-se sentença que julgou a acção improcedente, com custas pela Autora.

Dessa sentença recorreu a A., tendo o Tribunal da Relação de ..., após decisão singular, proferido acórdão, nos termos do qual julgou a apelação por procedente, dando sem efeito a decisão de facto e a de mérito, ordenando-se que novamente sejam prolatadas tendo em consideração a função positiva do caso julgado material das matérias decididas no processo n° 5534/13.....

Para tanto, considerou que o juiz da 1ª instância não devia olvidar a junção aos autos da sentença proferida no processo nº 5534/13 no sentido de dela retirar o que fosse pertinente do ponto de vista de facto e de direito, referindo mais adiante: “ não se vê que na decisão recorrida, quer na fundamentação de facto, quer na de direito, se tenha considerado, como cabia, a função positiva do caso julgado material das matérias decididas no processo nº 5534/13...”.

A Ré recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que julgou extinta a instância recursiva, por não haver que conhecer, por então, do seu objecto.

O processo voltou à 1a instância, tendo sido aí proferida nova sentença (sendo o julgamento o mesmo, pois não havia sido anulado).

Inconformada, recorreu a Autora para a Relação, que proferiu a seguinte decisão: “Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e por isso se revoga a sentença proferida, a qual, na parte dispositiva, vai substituída pela seguinte: Julga-se procedente em parte a acção e por via disso se condena a Ré - Limpersado - Limpeza, Máquinas e Transportes, S.A., a pagar à Autora Adductio - Ambiente e Informática, Lda., a quantia de 25.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal para as operações meramente civis, quanto a € 20.000,00 vencidos e vincendos desde a citação, e quanto a € 5.000,00, vincendos desde o trânsito do acórdão, e quanto a ambas as parcelas até integral e efectivo pagamento. Do mais peticionado vai a Ré absolvida.

Custas nas duas instâncias, por Autora e Ré, em partes iguais.

Valor da causa: € 46.084,35”

 A Relação de ..., no recurso de apelação, alinhando, embora na al. A) os factos dados como provados na acção n° 5534/13 ( que não considerou provados na presente acçã0), dissecou a prova testemunhal e documental produzida na presente acção, figurando a subcontratação pela ré (encarregada dos trabalhos de limpeza e de inspecção de caixas de drenagem de águas pluviais no concelho de ...) de uma sociedade chamada G... para realizar os trabalhos de topografia ajustados também com a autora. E, depois, com exclusivo fundamento na prova testemunhal e documental produzida nos autos, conheceu concretamente da impugnação de diversos pontos da matéria de facto. De seguida  subsumiu os factos dados como provados em função dos meios de prova produzidos na presente acção ao direito aplicável, sem qualquer referência à dita sentença. acção n° 5534/13

Irresignada, recorreu a ré/apelada de revista, alinhando, para o efeito, as seguintes conclusões:

1. Recorrente e Recorrida, mantêm um litígio desde 2013, altura em que a ora Recorrente introduziu acção em Tribunal, pretendendo reaver os seus créditos, face a trabalhos de limpeza e inspecção vídeo de colectores prestados, não tendo liquidado atempadamente os valores em divida á Recorrida á ora Recorrente, motivo pelo qual se introduziu acção em juízo, que correu termos no ... Juízo cível do Tribunal Judicial da ... sob o proc. n°. 5534/13..... sendo reclamado o valor em divida de 3.479.00 €,

2. A Recorrida contestou, alegando factos novos que em nada tinham a ver com os autos, nomeadamente justificando que não havia pago por existir outros trabalhos a correr entre ambos, sendo que teriam sido mal executados, reclamando uma compensação de créditos, situação nunca falada entre ambas as partes.

3. A ora Recorrente veio a ser dada razão, tendo a Recorrida sido condenada naquele pagamento, tendo o Tribunal "a quo" qualificado a relação contratual entre ambos, de contrato de empreitada.

4. Passados cerca de 15 meses, veio a Recorrida a introduzir em juízo, desta feita no Tribunal Judicial da ..., acção de condenação, em processo comum, reclamando uma indemnização pela execução de trabalhos defeituosos, no valor de 46.084,35 €, sendo 5.000 € relativos a danos emergentes. A acção correu termos no Tribunal Judicial da ..., ..., .... Central - ... - J5.

5. A aqui Recorrida, alegava que existiram deficiências insanáveis praticadas pela firma G..., , empresa subcontratada pela ora Recorrente para a execução de trabalhos topográficos, devendo esta ultima vir a ser responsabilizada por esses defeitos e gastos adicionais despendidos com as reparações dos erros detectados, estimados em 20.000 €.

6. A ora recorrente contestou, alegando entre outras, que a partir de certo momento, logo de início dos trabalhos, deixou de coordenar essa obra, de fiscalizar os trabalhos e de os executar, bem como de efectuar os relatórios de medição, atendendo a que, por acordo entre as partes, a aqui Recorrida substituiu-se á ora Recorrente, quer nos pagamentos á G..., , feitos directamente pela aqui Recorrida à G..., , bem como passando a ser ela. a aqui Recorrida, a dar ordens e a acompanhar os técnicos da G...,  no terreno, executando, fiscalizando e tudo o mais fazendo relativamente á execução da obra.

7. A decisão do Tribunal de ..., mais uma vez foi favorável à ora Recorrente, dando como não provados os factos que a aqui Recorrida trouxe á demanda, absolvendo a ora Recorrente, tendo qualificado a relação jurídica entre ambos de contrato de prestação de serviços.

8. A aqui Recorrida recorre desta sentença alegando divergência de sentenças, justificando com questões de qualificação jurídica da relação contratual entre ambas, e que estando em causa dois processos distintos em que as partes são exactamente as mesmas, a causa de pedir da excepção deduzida coincidia com a causa de pedir da acção de ..., alegando a excepção do caso julgado, pelo que se impunha que a presente acção tivesse sido decidida nos mesmos termos do que o foi a anterior, bem como ainda, dizendo que a decisão da matéria de facto dada por provada na acção anterior deveria ter sido respeitada, sem sofrer alterações.

9. Que, nunca existiu cessão de posição contratual nem consentida nem tácita e que tendo a obra sido defeituosa, deveria ser a ora recorrente a assumir a reparação, não reconhecendo ser a G...,  a responsável.

10. Que, após detectar os erros deu conhecimento á ora Recorrente dos mesmos, promoveu reunião em ..., tendo assumido, face á não reparação, contratar uma empresa externa, no caso a ..., onde despendeu 20.000 € com a rectificação dos erros.

11. O Tribunal da Relação de ... proferiu decisão singular desfavorável à ora Recorrente, concluindo que,

Dos pontos 1) ao 9, não existem base de comparação, por inexistência de fundamentação quanto a esta matéria na acção julgada em ...;

10) em parte coincidente, quanto à altura da contratação da G...,  peia Recorrida;

11. 12, 13, 14, 15. 16 e 17 não existe modo de comparação:

18 coincidente, quanto às dificuldades financeiras suscitadas peia G..., ;

19 não comparável;

20 coincidente, quanto ao conhecimento da A. sobre a passagem aos pagamentos directos:

21, 22, 23, 24, 25 não comparável;

26 coincidente, quanto a erros detectados;

27 e 28 não comparável:

29, 30 e 31 coincidente, relativamente ao conhecimento da existência de erros na reunião realizada em Março de 2012 e á sua não reparação;

32, 33, 34, não comparável:

35 coincidente;

36 á 43 não comparáveis:

44, 45 46 e 47 coincidentes, quanto á responsabilidade da Recorrente quanto aos trabalhos de limpeza e inspecção video de colectores, ao recurso à via judiciai pela Recorrida á condenação da Recorrente e á dívida que ainda hoje não se encontra liquidada;

Acrescentando que, não se vislumbra, pois, efectuada esta amostragem quanto á matéria de facto, qual a motivação contraditória. Toda a matéria probatória avaliada, consta quer numa quer noutra decisão quanto á matéria de facto, com excepção das que não são comparáveis, por se julgar na acção de ... o pagamento de uma divida face á realização de trabalhos de limpeza e inspecção vídeo de colectores e não valores a título indemnizatório como causa de pedir, numa acção de topografia, por erros detectados;

12. A ora Recorrente não concordando com esta decisão, recorre ao STJ, alegando desde logo que as acção não seriam comparáveis e que embora o caso julgado material tenha força obrigatória ele assim o é de facto tratando-se de acções que julguem factos idênticos.

13. O que não seria esse o presente caso das duas acções, pois entendia que a única coincidência será que os sujeitos processuais são os mesmos, ainda que de uma para outra acção em posição diferente, invertendo-se as posições de A. e R.

14. Bastando atentar que na primeira acção estaria em causa o incumprimento de obrigações pecuniárias, em que a aqui Recorrida se defende por excepção relativamente á figura da compensação como forma de reaver créditos por erros em trabalho de topografia, e numa segunda acção, não vai pedir o reconhecimento desses créditos, para aí sim, poder-se argumentar neste sentido quanto ao caso julgado material.

15. Vem o Douto Supremo Tribunal de Justiça a esclarecer algumas questões, nomeadamente que a excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa e verifica-se depois de a primeira ter sido decidida, por sentença que já não admite recurso ordinário, destinando-se a evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, atendo o estipulado pelo art°. 580° n°s. 1 e 2, do CPC;

16. Que consistindo a excepção do caso julgado, no evitar que ações iguais não tenham decisões diferentes, que, transitadas, adquirem força de caso julgado material, nos termos definidos pelo art°. 619°, n°. 1, isto é, que por ter incidido sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória, dentro do processo e fora dele, tutela esta que se aliás falhar, se encontra ainda prevista, no art°. 625°.n°. 1 do CPC, já que a segunda decisão, em qualquer hipótese, será inútil;

17. Que, a força e a Autoridade do caso julgado material, significam que, decidida uma questão de mérito, com força de caso julgado material, não mais a mesma poderá ser apreciada, em acção subsequente, quer nela surja a título principal, quer se apresente, tão-somente, a titulo prejudicial, independentemente de aproveitar ao A. ou ao R.

18. Que as partes não pretenderem obter o mesmo efeito jurídico, inexistindo o requisito da identidade do pedido, e por consequência, não ocorre a excepção dilatória do caso julgado material.

19. Ainda que os requisitos denominados de tríplice para o julgamento destas questões, possa ser dispensada, conforme art°. 576°, n°. 3 do CPC.

20. E, importando aferir quanto á autoridade do caso julgado, importa averiguar se a decisão em causa foi decisiva para a procedência ou improcedência da acção, pois que. se o foi, não pode o tribunal da segunda acção decidi-la em sentido contrário.

21. E que deste modo, assiste-se á vinculação do tribunal da acção posterior em relação a uma decisão essencial proferida na acção anterior, definindo-se essa essencialidade pela importância que a decisão em causa teve para o julgamento da acção inicial.

22. Que, confrontada a factualidade mais relevante, independentemente da qualificação jurídica que foi dada - contrato de empreitada ou contrato de prestação de serviços - mas que aqui não releva, importa considerar que é idêntica a materialidade invocada pelas partes, em ambas as acções...

23. E, que, não cabe recurso para o STJ do Acórdão da relação que anule a decisão do tribunal de Ia instância, com base no disposto pelo art°. 662° n°s. 1, c) e 4 do CPC, estando ainda vedado ao STJ apreciar se a relação extravasou os poderes que a lei lhe comete, nomeadamente se poderia determinar á Ia instância a ampliação da matéria de facto, ou antes deveria, oficiosamente, realizá-lo, com base no teor do documento autêntico (certidão de sentença) em ordem a dele retirar o que fosse pertinente, do ponto de vista de facto, tomando em consideração a função positiva do caso julgado material.

24. E, assim, julgou extinta a instância recursiva, por não haver de conhecer-se, por ora, do seu objecto.

25. Nesse sentido, a ora Recorrente vem a aproximar-se do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, pois entende que em primeiro lugar a qualificação jurídica divergente em ambas as acções julgadas na 1a instância, pouco releva para o caso em concreto, seja um contrato de empreitada, seja um de prestação de serviços, pois não é este o centro da questão, não é este o ponto fulcral, para ser dirimido, face ao recurso interposto pela aqui Recorrida.

26. Estará assim em causa uma análise extensiva, relativamente á excepção do caso julgado.

27. Referindo-se conforme o estipulado pelo art°. 580° n°s. 1 e 2. do CPC, que pressupondo-se a repetição de uma causa, o objectivo primordial, será evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Que a causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica á outra, quanto aos sujeitos, ao pedido e á causa de pedir,

28. Evitando-se assim, com a excepção do caso julgado, evitar que ações iguais ou idênticas e decisões diferentes, que, transitada, adquire força de caso julgado material, nos termos definidos pelo art°. 619°, n°. 1, isto é, que por ter incidido sobre a relação material controvertida, fica a ter força obrigatória, dentro do processo e fora dele, tutela esta que se aliás falhar, se encontra ainda prevista, no art°. 625°.n°. 1 do CPC, já que a segunda decisão, em qualquer hipótese, será inútil;

29. Que, a força e a Autoridade do caso julgado material, significam que, decidida uma questão de mérito, com força de caso julgado material, não mais a mesma poderá ser apreciada, em acção subsequente,

30. Ora, neste sentido, visou a A. Adducctio, uma condenação da R. Limpersado ao pagamento da quantia de 46.084,35 €, não tendo na primeira acção a Adducttio deduzido reconvenção exigindo quaisquer pagamento, enquanto na primeira ação a A. Limpersado visou a condenação da R. Adducttio, no pagamento da quantia de 3.985,01 €, considerando-se assim, ambas as partes não pretenderem obter o mesmo efeito jurídico, inexistindo o requisito da identidade do pedido, e por consequência, não ocorre a excepção dilatória do caso julgado material.

31. Esta é a posição da Ora Recorrente.

32. Nesse sentido, o presente recurso visa anular o Acórdão proferido pela Relação, nas partes que foram alteradas á sentença inicial, por entender que as mesmas para além de serem injustificadas face a todo o referido anteriormente. ainda constituem nalguns casos, incorreções, imprecisões e factos que poderão ou não ter ocorrido, pois não se encontram provados, quer em sede de audiência e julgamento ocorrida, quer em prova documental, bastando referir, meramente a título de exemplo e em sentido contrário ás conclusões do Acórdão, que em declarações da própria testemunha arrolada pela aqui Recorrida, o prof. AA, o mesmo foi categórico em afirmar que "a Limpersado não sabia das irregularidades", "...que a sub-contratada é que era irresponsável...",

33. Bem como inexiste em qualquer dos processos, referência documental a quaisquer valores, citando-se os 20.000 € que a aqui Recorrida refere ter despendido, o que até se convidaria a fazer, a fim de verificar a autenticidade desta afirmação.

34. Que se poderá concluir com alguma certeza, que foi lançado o valor de 20.000 € como poderia ter sido dito 50.000 €. pois não existiram pagamentos,

35. Feitos pela aqui recorrida á ..., por provados.

36. Bem como não apresentou a mesma quaisquer factos que pudesse de alguma forma comprovar que a sua posição contratual haja ficado afectada com o dono da obra,

37. Tendo de ser mais uma vez o Acórdão da relação a concluir que tal se ficou a dever á afectação da imagem da aqui Recorrida,

38. Questão esta da imagem nunca suscitada sequer pela própria Recorrida.

39. Que se poderá concluir com alguma certeza, que foi lançado o valor de 20.000 € como poderia ter sido dito 50.000 €, pois não existiram pagamentos.

40. Feitos pela aqui recorrida á ..., por provados.

41. Bem como não apresentou a mesma quaisquer factos que pudesse de alguma forma comprovar que a sua posição contratual haja ficado afectada com o dono da obra,

42. Tendo de ser mais uma vez o Acórdão da relação a concluir que tal se ficou a dever à afectação da imagem da aqui Recorrida

43. Questão esta da imagem nunca suscitada sequer pela própria Recorrida”

Pede a revogação do acórdão.”

Convidada a recorrente esclarecer as conclusões 25ª (138ª na numeração do recorrente) e segs., completar a 32ª (145ª na mesma numeração)  e, ainda, indicar, de forma clara, as normas jurídicas violadas pelo acórdão recorrido, tudo no prazo de 5 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (art. 639º, nº 3 do CPC), a recorrente veio transpor para as conclusões (que estendeu ao longo de 10 páginas) os motivos pelos quais pretendia a alteração de determinados factos (21, 22, 27, 36, 43, 4), já referidos nas alegações de recurso e especificar algumas normas do CPC (artigos 580º, 619º, 662º do CPC) que justificavam tal alteração.

De seguida, este Supremo, no acórdão reclamado, após conhecer das diversas imprecisões de factos invocadas, deixou, ainda, escrito o seguinte:

“Natureza do contrato:

Na sentença considerou-se que os trabalhos topográficos faziam não parte de um contrato de empreitada celebrado entre a autora e a ré, por tais trabalhos não se poderem subsumir ao conceito de obra, mas de um contrato de prestação de serviços, celebrado, inicialmente, entre a ré e uma sociedade comercial denominada G..., . Todavia, observou-se que, como a autora deixou de pagar os trabalhos de topografia à ré e passou a pagá-los directamente à G..., , a ré deixou de ser parte desse contrato, tendo sido, portanto, absolvida do pedido.

Por sua vez, a Relação considerou: que a autora e a ré celebraram um contrato de empreitada nos termos do art. 1207º do CC; que a ré subcontratou ( e não cedeu qualquer posição contratual) a G...,  relativamente aos trabalhos de levantamento topográfico e respectivas caixas de esgotos, o que constituiu esta em sub-empreiteira da ré ao abrigo do art. 1213º do CC; que dos factos provados em 18, 19 e 20 e porque a G...,  invocava dificuldades e necessidade de liquidez, para resolver a situação, a autora  se comprometeu a pagar directamente à G...,  antes da elaboração dos autos de medição da ré e de a autora receber as verbas da ..., recebendo directamente a G...,   da autora os pagamentos referentes às facturas que lhe emitia (21); que a obra foi executada com defeitos; que no final dos trabalhos, a autora solicitou à G...,  que procedesse à correcção dos defeitos encontrados (26) e deu conhecimento deles à Limpersado (27 e 29), defeitos que, depois de atempadamente denunciados nos termos do art. 1220º do CC à Limpersado, não foram reparados (31), o que levou a que a autora tivesse resolvido o contrato com a ré nos termos do art. 1222º do CC, através da contestação oferecida no processo nº 5534/13 (43); que esses defeitos foram, depois, reparados por um terceiro, tendo a autora suportado para o efeito um custo de € 20.000 (34 a 36), devendo ser indemnizada nesse montante, mais € 5.000 de indemnização por danos na sua imagem (facto 42); que não existe lugar à compensação do crédito de € 4.535, 39 da ré sobre a autora, reconhecido na acção processo 5534/13.

Nos termos do art. 1207º do Código Civil, empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.

Assim, referem Pires de Lima e Antunes Varela, em CC anotado, volume II, 2ª edição, a pág. 703, que “essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra (…)” E mais adiante: “Por realização de uma obra deve entender-se não só a construção, como a reparação, a modificação ou a demolição de uma coisa: do que não pode prescindir-se é dum resultado material, por ser esse o sentido usual, normal do vocábulo obra e tudo indicar que é esse o sentido visado no art. 1207 do Código Civil”

Assim, o contrato de empreitada só se circunscreve a coisas corpóreas, tem por objecto a realização de certa obra corpórea e material E, como assinala Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume III, 12ª edição, pág.498, “todo e qualquer resultado do trabalho intelectual ou manual, que não possa ser reconduzido a uma obra, já não corresponderá a uma empreitada, mas antes a uma prestação de serviços atípica, regulado pelo regime do mandato ( art. 1156º )” ( ver, ainda, no mesmo sentido , o Ac. STJ de 14.12.2016, proc. 492/10.0TBPTL.G2.S1, em www.dgsi,pt)

Ora revertendo ao caso concreto, estamos perante um serviço de levantamento topográfico, ou seja, perante um trabalho que tem tradução apenas em documento, que não se destina à realização de uma obra (cfr. Ac. STJ de 17.6.98, BMJ 478º-351).

Estamos, pois, face a um contrato de prestação de serviços atípico, regulado pelo regime do contrato de mandato, nos termos do art. 1156º do Código Civil.

            Cessão da posição contratual;

   Posteriormente, a ré celebrou com a G..., outro contrato para a realização por parte desta do mesmo trabalho de topografia (10). Celebrou, assim, um subcontrato, que é definido como um "negócio jurídico bilateral, pelo qual um dos sujeitos, parte em outro contrato, sem deste se desvincular e com base na posição jurídica que daí lhe advém, estipula com terceiro, quer a utilização, total ou parcial, de vantagens de que é titular, quer a execução, total ou parcial, de prestações a que está adstrito…” (Pedro Romano Martinez, O Subcontrato", Coimbra, 1989, pág. 188). E no cumprimento desse contrato, a G...,  apresentou os dois primeiros autos de medição do trabalho à ré Limpersado que, por usa vez, elaborou as respectivas facturas e as enviou à autora, que lhas pagou (cfr. 14 a 17).

    Porém, provou-se que: “18.  Posteriormente a G...,  começou a invocar dificuldades para continuar a execução dos trabalhos, por ser uma empresa pequena que necessitava de liquidez imediata para pagar aos seus colaboradores, fazendo pressão junto da A. para passar a receber com maior celeridade os montantes devidos por cada auto de medição - (Por referência aos Artigos 14° e 17° da petição inicial); 19. A manterem-se os procedimentos financeiros normais - elaboração do auto de medição pela R., emissão de facturas ao dono da obra (...) e posteriores pagamentos - sempre demorados, decorreria um prazo incompatível para as necessidades sentidas pela G..., ; 20. Para resolver a situação, por solicitação da Eng.a BB, que a A. aceitou, esta comprometeu-se a pagar directamente à G..., , mesmo antes de receber as verbas do dono da obra, a ..., tendo sido esse o procedimento que se passou a verificar nas facturas subsequentes; 21. Apenas que a G...,  passou a receber directamente pela A. os pagamentos referentes às facturas que lhe emitia”. Ou seja: devido a necessidades de liquidez imediata da G...,, e mediante solicitação da ré (pela Eng.º BB), a autora passou a pagar directamente à G...,  e a receber desta as respectivas facturas (18 a 21).

   Argumenta a recorrente que ocorreu uma cessão da posição contratual da ré para a autora.

     E cremos que tem razão: não terá ocorrido cessão expressa, mas uma cessão tácita.

    Com efeito, recorrendo ao critério do art. 236º, nº 1 do Código Civil, o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário (a autora), podia deduzir do comportamento do declarante (a ré) era o de que a ré estava, no fundo, a proceder à cessão da posição contratual. Na verdade, não fazia sentido que a ré deixasse de pagar à G..., os trabalhos de topografia e continuasse a manter a sua posição contratual relativamente a esta sociedade. Não é o que um declaratário normal, colocado na posição da autora, deduziria. Pergunta-se: para que efeito a ré manteria a sua posição contratual se a autora deixava de lhe pagar pelos mesmos serviços e passava a pagar directamente à G...,?

   Verificou-se, assim, uma cessão da posição contratual nos termos do art. 424º do Código Civil: a cessão da posição contratual, que a ré tinha no subcontrato celebrado com a G...,, para a autora, mediante o consentimento posterior do cedido (a G..., ), tacitamente manifestado através das facturas remetidas à autora e do recebimento dos respectivos pagamentos.

     Revogação tácita do primeiro contrato:

   Pode observar-se que a cessão da posição contratual não prejudica, por si, a subsistência do primeiro contrato da autora, que terá dois contratos, um com a ré e outro directo com a subcontratada G..., .

   Sucede, porém, que, com a referida cessão da posição contratual e a contratação directa da G...,  por parte da autora se operou uma revogação tácita do primeiro contrato, nos termos conjugados dos arts. 1171º e 1156º do Código Civil (Ac. STJ de 12.7.2018, proc. 216/15.5T8GRD.C1.S1,em www.dgsi.pt). O que implica a improcedência da pretensão de indemnização por danos da autora, com fundamento nesse contrato.

        Abuso de direito:

    Ainda que se entendesse que não tinha havido qualquer cessão da posição contratual nem qualquer revogação tácita do mandato, sempre se deveria considerar que a autora teria agido com abuso de direito, na modalidade de desequilíbrio de posições jurídicas,  por desproporção manifesta entre o benefício da titular exercente do direito e o sacrifício por ela imposto à ré, uma vez que, tendo pago a esta duas prestações apenas em Março de 2010, no valor de € 11.149,00 (15 a 17), por serviços por ela subcontratados, se apresentou, posteriormente. a reclamar dela indemnização de € 25.000 por danos relacionados com os defeitos do serviço que foi também prestado, depois de Março de 2010 e até 2012, pela sociedade G...,, sem que a ré tenha cobrado à autora qualquer retribuição por tal serviço (pontos 21 a 29, 34 a 36 e 42) ( Menezes Cordeiro, Litigância de Má Fé, Abuso de Direito de Acção e Culpa “In Agendo”, 2ª edição, pág. 104, , Tratado de Direito Civil Português I – Parte Geral, Tomo I, 1999, págs. 211-212; cfr. ainda, na jurisprudência, Ac. STJ de 16.4.2018, proc. 2037/13.0TBPVZ.P1.S1, Ac. STJ de 11.2.2015, proc. 174/12.8TBLGS.E1.S1 e Ac. STJ de 18.3.2010, proc. 387/1993.S1, todos em www.dgsi.pt ); o que redundaria igualmente na improcedência do pedido de indemnização da autora.”

   Em conformidade com o exposto, concedeu-se a revista e repristinou-se a sentença da primeira instância que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.

      Arguição de nulidades:

   Veio, agora, a autora/recorrida/requerente arguir a nulidade do acórdão, com o fundamento de que este violou o caso julgado instituído pela sentença proferida na acção nº 5534/13...., que a Relação, em acórdão anterior, mandou observar.

    É verdade que a Relação, no acórdão proferido em recurso da primeira sentença, considerou que o juiz da 1ª instância não devia olvidar a junção aos autos da sentença proferida no processo nº 5534/13 no sentido de dela retirar o que fosse pertinente do ponto de vista de facto e de direito, acrescentando que não via que na decisão recorrida, quer na fundamentação de facto, quer na de direito, se tivesse considerado, como cabia, “a função positiva do caso julgado material das matérias decididas no processo nº 5534/13...”.

    Todavia, não definiu o âmbito do caso julgado; deu apenas sem efeito a decisão de facto e a de mérito, ordenando que novamente fossem prolatadas tendo em consideração a função positiva do caso julgado material das matérias decididas no processo n° 5534/13...., que não identificou.

   Acresce que  a Relação, após recurso da autora da segunda sentença proferida, não retirou quaisquer efeitos do qualquer caso julgado formado pela acção nº 5534/13, quer na definição da matéria de facto (que avaliou em função da prova testemunhal e documental) quer na de direito, não fazendo qualquer menção à decisão de direito da acção nº 5534/13 ou aos seus pressupostos lógicos fácticos ou de direito indispensáveis (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs 578-579; cfr. Ac. STJ de 8.11.2018, proc. n.º 478/08.4TBASL.E1.S1, Ac. STJ de 30.3.2017, proc. nº 1375/06.3TBSTR.E1.S1, Ac. STJ de 17.11.2015, proc. nº 34/12.2TBLMG.C1.S1, todos em www.dgsi.pt; Ac. STJ, de 23.10.86, BMJ 360º, pág. 609). Não se pronunciou, portanto, sobre quaisquer efeitos resultante da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção n° 5534/13, subsumindo os factos, dados como provados apenas em função dos meios de prova produzidos na presente acção, ao direito que considerou aplicável, sem qualquer referência à dita sentença proferida na acção nº 5534/13. Não se pronunciou, enfim, sobre a existência e sobre o âmbito da autoridade do caso julgado. E, se entendesse que ela se verificava, teria de o dizer expressamente, justificando a transposição dos fundamentos da decisão que constituía caso julgado, que fossem reputados de antecedentes lógicos, indispensáveis à emissão da parte dispositiva (v. Ac. STJ de 17.10.2017, proc. 1204/12.9TVLSB.L1.S, em www.dgsi.pt). Assinale-se, ainda, que a autora não ofereceu contra-alegações, advertindo para a existência do caso julgado nem arguiu qualquer nulidade do acórdão (no sentido de que é possível essa arguição, subsidiariamente, ao abrigo do art. 636º, nº 2 do CPC, cfr. Ac. STJ de 2.10.2003, proc. 03B2666, no site do IGFEJ).

   Em resumo, o Supremo não omitiu, neste aspecto, o conhecimento de qualquer questão que devesse conhecer, improcedendo, por isso, a arguida nulidade por omissão de pronúncia.

     Considera, ainda, a arguente que o acórdão é nulo, desta vez por excesso de pronúncia, porque decidiu sobre uma questão para a qual a recorrente não solicitou pronúncia nas conclusões das suas alegações, pois em nenhuma delas se pronuncia sobre a qualificação do contrato ou sobre a existência de uma cessão da sua posição contratual.

   É verdade que a arguente não o fez de forma clara, enredando-se, de forma sinuosa (através do relato exaustivo dos termos do processo), na demonstração de que não havia caso julgado (pressupondo que a Relação o tinha observado) e pedindo o regresso ao enquadramento jurídico da sentença.

   Todavia, nas confusas conclusões, interpretadas em conjunto com a contestação (em que configurou a cessão da posição contratual, cfr. relatório do presente acórdão e conclusões 6ª, 9ª , 12ª, 25ª , 30ª, 32ª do recurso atrás elencadas) e com o teor das alegações de recurso (ver, por exemplo, os arts. 101 e seg. do respectivo corpo das mesmas), é possível lobrigar que a recorrente se insurgiu não apenas contra a decisão da matéria de facto mas também, ainda que de forma dificilmente perceptível, contra a interpretação e enquadramento jurídico que a Relação fez dessa mesma matéria.

     E, por isso, legitimado para conhecer de direito, e sem se limitar à estrita apreciação das questões delimitadas pelo acórdão recorrido e pela recorrente, o Supremo conheceu livremente de direito, como lho permitia, aliás, os arts. 5º, nº 3 e 682º, nº 1 do CPC (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, págs. 117 a 120; do mesmo autor e outros, Código de Processo Civil anotado, volume I, pág. 30, em anotação ao artigo 5º do CPC), sem que estivesse a incorrer, com isso, em excesso de pronúncia (cfr. Ac. STJ de 14.7.2020, proc. 2359/18.4T8GMR.G1, em www.dgsi.pt).

   Improcede, assim, e também, a nulidade por excesso de pronúncia prevista no art. 615º, nº 1, al, d), segunda parte, do CPC.

     Sustenta, ainda, a recorrente que a questão da existência de um eventual abuso de direito por parte da recorrida não foi discutida nos autos, pelo que incumbia ao tribunal disso dar conhecimento às partes para que elas se pudessem pronunciar, nos termos do art. 3º, nº 3 do CPC.

     E, na verdade, teria razão, se se desse o caso de o Supremo ter enveredado por aí, proferindo, desse modo, uma decisão-surpresa, em resultado do não cumprimento do princípio do contraditório previsto no art. 3º, nº 3 do CPC. Nesse caso, o Supremo teria incorrido em nulidade por excesso de pronúncia, de acordo com o entendimento que já expressámos no acórdão de 13.10.2020, proferido no proc. nº 392/14.4T8CHV-A.G1.S1, e disponível em www.dgsi,pt. Em tal situação, a arguida nulidade por excesso de pronúncia procederia, então, não de acordo com dois dos acórdãos que a recorrente citou, que configuraram a violação do princípio do contraditório do art. 3º, nº 3 do CPC como uma nulidade processual nos termos do art. 195º do CPC mas com o terceiro aresto que a enquadrou como nulidade do próprio acórdão por excesso de pronúncia.

   Acontece, no entanto, que se deixou escrito no acórdão reclamado, o seguinte: “Ainda que se entendesse que não tinha havido qualquer cessão da posição contratual nem qualquer revogação tácita do mandato, sempre se deveria considerar que a autora teria agido com abuso de direito”.

   Ou seja: o argumento do abuso de direito não concorre para a decisão, não constitui um verdadeiro fundamento da decisão vinculativo para as partes. Trata-se, na verdade, do chamado obiter dictum, um argumento acessório que é apenas de reforço argumentativo (cfr. Ac. STJ de 17.10.2017, proc. 1204/12.9TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt).

     Aliás, ainda que assim não entendesse, a nulidade que daí adviria não contenderia com o sentido da decisão. O suprimento da nulidade, a que o Supremo ficaria vinculado nos termos do art. 684º, nº 2 do CPC, implicaria apenas a supressão do segmento em causa, sem prejuízo para o sentido da decisão.

   Finalmente, ainda no mesmo domínio da decisão-surpresa, a requerente arguiu a nulidade do acórdão por violação dos princípios constitucionais da confiança (art. 2º da CRP) e do contraditório (art. 20º da CRP).

   Porém, não se pode confundir a nulidade processual com a inconstitucionalidade: os acórdãos não ficam afectados de nulidade processual por violação dos princípios constitucionais; aliás, não são os acórdãos que podem padecer de inconstitucionalidade mas apenas as normas e a interpretação que delas se faz.

   De todo o modo, indemonstrada a violação do princípio do contraditório, previsto no art. 3º, nº 3 do CPC – em virtude de o Supremo não ter decidido com base na questão do abuso de direito - fica por demonstrar, também, a violação dos referidos princípios constitucionais, invocados com base na violação desse princípio processual do contraditório.

     Improcede, pois, a arguida nulidade por excesso de pronúncia, no que respeita ao abuso de direito.

     Pelo exposto, acorda-se em indeferir as arguidas nulidades e confirmar o acórdão proferido neste Supremo Tribunal.

   Custas pela requerente/recorrida, com a taxa de justiça de 2(duas) UC.


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Lisboa, 30 de Novembro de 2021


António Magalhães (relator)

Fernando Jorge Dias

Maria Clara Sottomayor