Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM HOMICÍDIO QUALIFICADO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I. Pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão e 10 meses de prisão, peticionando agora a redução para pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução. II. As actuações dirigidas à ofensa do bem supremo – a vida – são sentidas, em sede comunitária, como especialmente ofensivas e geram um justificado e compreensível alarme. As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes. III. No caso, estamos perante factos de acentuada gravidade, já que o arguido colaborou activamente num plano que envolveu atrair uma mulher, que nem sequer conhecia e com a qual não tinha qualquer relação, para fora de sua casa, restringir-lhe os seus movimentos, cabendo-lhe a si a manietação dos seus braços e mãos, regar a vítima com gasolina e atear fogo, fugindo e deixando-a a arder, sem qualquer tipo de auxílio, actuação esta realizada com o intuito de queimar a cabeça e a parte superior do corpo da ofendida, a fim de lhe provocar dores intensas, lesões graves, representando o arguido que com tal actuação resultaria como possível a morte da ofendida e conformando-se com a sua realização. IV. Acresce que a motivação do arguido para agir deste modo, centrou-se na promessa de daí lhe advirem ganhos económicos, já que iria ser pago por esta sua actuação. V. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois o arguido agiu movido pela exclusiva procura de obtenção de benefícios económicos rápidos e significativos VI. Uma das razões que justificam e exigem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência radicam, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que o arguido protagonizou, isto é, é absolutamente essencial que seja entendido que o exercício de uma actividade de agressor a soldo, com tão nefastas consequências societárias e que permite obter, com muito pouco esforço, retribuição monetária, não é tolerada. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça * I – relatório 1. Por acórdão de 11 de Abril de 2025, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de homicídio qualificado, a título de dolo eventual, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 22.°, 23.°, 73.°, 131.° e 132.° n.° s 1 e 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão. Foi ainda condenado no pagamento da quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) à ofendida BB, acrescido de juros de mora computados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento. 2. Inconformado, veio o arguido apresentar recurso, considerando que a pena imposta deve ser reduzida para 5 anos de prisão e suspensa na sua execução. 3. O recurso foi admitido. 4. O Ministério Público respondeu à motivação apresentada, defendendo a improcedência do recurso. 5. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se em idêntico sentido. II – questão a decidir. Da redução da pena imposta. iii – fundamentação. 1. O tribunal “a quo” deu como assente a seguinte matéria fáctica: 1- CC e BB residem na Suíça e tiveram uma relação amorosa entre si, a qual cessou. 2- Na sequência e com o intuito de se vingar, CC delineou um plano, com a cooperação do arguido, no sentido de se deitar gasolina na cabeça da ofendida BB e de seguida atear fogo. 3- Para levar a cabo tal plano, CC propôs, em data não concretamente apurado, que tal fosse executado pelo ora arguido AA e com DD e, em contrapartida, o primeiro pagaria o montante de, pelo menos, a cada um, € 5,000,00 (cinco mil euros). 4- AA e DD aceitaram, em data não concretamente apurada, a proposta de CC, concordando deitar gasolina na cabeça e no corpo da ofendida, ateando fogo, a troco de dinheiro. Sendo que o ora arguido não conhecia a ofendida. 5- No dia 03/10/2022, AA e DD que se encontravam em Portugal, chegaram à Suíça, onde permaneceram até ao dia 20/10/2022. 6- No lapso temporal em que esteve na Suíça, AA pernoitou em casa de CC, (7-sic) 8- AA e DD vigiavam BB, inclusivamente quando esta ia ou estava em casa dela; 9- CC disse a AA e a DD para queimarem os olhos de BB, porque esta lhe devia dinheiro, o que eles também aceitaram colocando gasolina e ateando fogo na cabeça da ofendida. 10- CC, AA e DD planearam de forma concretizada como estes dois últimos iriam deitar gasolina na cabeça e demais corpo da ofendida e atear fogo, desde logo, numa altura em que o primeiro estava a trabalhar, para não desconfiarem dele e, ainda, para não serem interceptados pelas autoridades suíças e não serem responsabilizados, a fuga dos dois executores após os factos, da Suíça para França, onde e mais concretamente em .... 11- Assim, na execução do plano para deitar gasolina na cabeça da vítima e atear fogo, no dia 19/10/2022, na estação de ..., na Suíça, DD encheu uma garrafa de água PET com gasolina que CC adquiriu; (12-sic) 13- No dia 20/10/2022, pouco antes das 20 horas e 36 minutos, AA e DD dirigiram-se a casa de BB, na Rua 1 – Suíça, onde esta se encontrava; 14- Aí chegados, AA ficou a aguardar escondido, perto da porta de entrada da residência, pela vítima; 15- DD convenceu BB a sair de casa, alegando que ele tinha embatido no carro dela, o que ela acatou; 16-Tendo visualizado AA que DD e BB, estavam juntos, saiu do local onde se encontrava escondido e, aproximando-se por trás da ofendida, colocou um pano à frente da boca da ofendida para a fazer desmaiar, 17- DD agarrou as mãos de BB; 18- Após, AA ou o DD (não se tendo apurado quem o efectuou) derramou a gasolina que estava naquela garrafa, não se tendo apurado se a despejou na íntegra, na cabeça e na parte superior do corpo da ofendida; 19- A ofendida caiu ao chão; 20- Encontrando-se caída no chão, AA ou o DD (não se tendo apurado quem o efectuou) ateou, com recurso a um isqueiro, fogo à ofendida, queimando-a; 21- Em consequência da actuação conjunta de AA e DD, BB sofreu ferimentos na cabeça, na face e na parte superior do corpo e correu risco de vida. 22- A ofendida BB em consequência da conduta levada a cabo sofreu queimaduras sendo que 27% foram registadas na face, no tronco e nos membros superiores (4% de 3° grau, 5% de 2° grau, 12% de 2° grau e 3% de 1° grau). 23- BB foi transferida extubada para o serviço de urgência do CHUV e esteve hospitalizada no Centro IS/Burns, nos cuidados intensivos a 21/10/2022. 24- Foram efectuadas as seguintes intervenções: A 21/10/2022: Duche e escarrotomias D1 a D5 mão direita. A 22/10/2022: Duche. A 24/10/2022: Duche. A 26/10/2022: Duche. A 28/10/2022: Duche com enxertos de pele fina (GPM) em todo o pescoço e malha no membro superior direito. A 2/11/2022: Duche + desbridamento + enxerto da mão direita (GPM) + braço direito + pescoço e tronco direito + mão esquerda + braço esquerdo + pescoço e tronco esquerdos. A 7/11/2022: Duche + bloco com desbridamento + GPM braço direito + pescoço direito. A 9/11/2022 foi transferida para o serviço de cirurgia plástica e reconstrutiva onde permaneceu até ao dia 6/12/2022. No dia 6/12/2022 foi transferida para a Clínica de reabilitação SUVA em .... BB tem como consequências actuais das lesões sofridas: cicatrizes pós queimadura e múltiplos enxertos de pele. A mobilidade cervical será limitada durante o tratamento. 25. Após o cometimento dos factos, AA e DD fugiram de imediato da Suíça para França, sendo que o primeiro acabou por vir para Portugal, onde permaneceu, com o intuito de evitar ser responsabilizado pela conduta supra descrita. 26. O arguido AA tinha plena consciência de que na cabeça e na parte superior do corpo de um ser humano se encontram alojados órgãos vitais e que, sendo a gasolina um produto inflamável, caso fosse derramada na cabeça e na parte superior do corpo da ofendida e se fosse ateado fogo, a ofendida iria sofrer dores e ferimentos, sabendo que, com tal circunstância, resultaria como possível a sua morte, conformando-se com a sua realização. 27. Não obstante AA quis actuar do modo que efectuou e supra descrito, em conjugação de esforços e de vontades, com o intuito de queimar a cabeça e a parte superior da ofendida, a fim de lhe provocar dores intensas e lesões graves, sabendo que com tal circunstância resultaria como possível a sua morte, conformando-se com a sua realização. 29. Por seu turno, AA e DD quiseram aderir ao plano de CC, pretendo aceitar a proposta que CC lhes fez, a troco de dinheiro, ou seja de derramar gasolina na cabeça e na parte superior do corpo da ofendida e atear fogo, com o intuito de queimar a cabeça e a parte superior do corpo da ofendida, a fim de lhe provocar dores intensas, lesões graves, representando o arguido AA que com tal actuação resultaria como possível a morte da ofendida, conformando-se com a sua realização. 30. AA agiu sempre de forma livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta é criminalmente punida. 31. O arguido não tem antecedentes criminais. 32.No mês de Outubro de 2022, AA encontrava-se na Suíça com os coarguidos CC e DD, onde permaneceu cerca de três semanas. 33. No decorrer desse período manteve consumos de estupefacientes, nomeadamente haxixe, iniciados em Portugal alguns meses antes. 34. AA é natural de ..., tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido junto do agregado familiar materno. 35. O relacionamento intrafamiliar é adequado e funcional, com uma pratica educativa oriental para um quotidiano pró-social. 36. Os progenitores estão separados desde infância do arguido, o pai encontra-se emigrado, visitando AA quando se desloca a Portugal. 37. AA antes de se deslocar para a Suíça integrava o agregado da avó, EE, de 88 anos, com quem habita desde os seus 18 anos de idade, tendo vivido anteriormente integrado no agregado familiar da sua progenitora, que, entretanto, iniciou nova relação afetiva, tendo o arguido dois irmãos uterinos. 38.Esta mudança deveu-se ao facto de AA pretender ter mais liberdade e autonomia na gestão do seu quotidiano. 39. Existe uma relação de afeto e preocupação mútua entre o arguido e a avó. 40. O arguido iniciou o seu percurso escolar em idade regulamentar, concluiu o 3° ciclo de ensino básico no Curso de Pré-impressão, tendo posteriormente frequentado o Curso de Técnico Profissional de Animação Socio Cultural, com equivalência ao 12° ano de escolaridade, que concluiu com cerca de 19 anos. 41. Iniciou a sua vida profissional com 17 anos, aos fins de semana numa churrasqueira, atividade que manteve a tempo integral após conclusão dos estudos. 42. Experienciou também outras atividades, tais como empregado fabril, servente na construção civil, intercalando com atividades no sector da restauração, como ajudante de cozinha em ... e empregado de balcão. 43. Após o seu regresso da Suíça reintegrou o agregado familiar da avó, retomando a atividade laboral na ...”, em ..., a cerca de 200 metros de sua casa, auferindo um montante médio de 800€ mensais, situação que vivenciava à data da reclusão. 44. Não obstante se encontrar no estabelecimento prisional mantém contactos regulares com a família, sendo a progenitora e os tios materna presença constante nas visitas, constituindo a sua família um importante suporte psicoafectivo e socioeconómico, a qual se encontra disponibilizada para o apoiar no seu processo de reinserção social. 45. O arguido é descrito na localidade onde reside como uma pessoa educada e inserida no seio familiar e comunitário. 46. AA encontra-se preso preventivamente no Estabelecimento Prisional do Porto desde 10-07-2024 à ordem do presente processo. 47. Recluído pela primeira vez, tem registado comportamento de acordo com o normativo institucional, evidenciando motivação na manutenção de rotinas e hábitos laborais, aguardando ainda colocação. 48. Quando em meio livre, o arguido projeta o futuro centrado no exercício de uma atividade laboral e na reintegração no agregado da avó. Factos não provados: i) O plano levado a cabo a 1. e 2., ao qual o arguido acabou por aceitar, foi com a intenção de matar BB. ii) O pagamento a AA e a DD referido em 3. seria respetivamente, a cada um, de cinco mil francos suíços e, ainda, mensalmente, quinhentos francos suíços; iii) O arguido AA aceitou a proposta de CC, concordando matar a vítima, nos termos exarados em 4. iv) CC deu vinte francos suíços diariamente a AA e a DD. v) CC depois de sair do trabalho se juntaria a AA e DD em França nos termos referenciados em 10. vi) CC encheu a garrafa com gasolina nos termos exarados em 11. vii) O ocorrido em 13. sucedeu pelas 20 horas e 55 minutos viii) De seguida, CC entregou a AA e a DD aquela garrafa que continha gasolina bem como um isqueiro. ix) AA na posse da garrafa e de um isqueiro ficou escondido atrás de um arbusto, nos termos exarados em 14. e 16. x) O arguido no circunstancialismo referido em 10., 16 a 21, 27. e 29. agiu com o intuito de que a ofendida falecesse. 2. O tribunal “a quo” fundamentou a dosimetria e a tipologia da pena que aplicou, nos seguintes termos: De acordo com os art.s° 22.°, 73.°, 131.° e 132.° do Código Penal a pena a aplicar, ao crime de homicídio qualificado é a pena de 12 (doze) a 25 (vinte e cinco) anos de prisão Contudo, o arguido cometeu tal crime na forma tentada, o que nos remete para o disposto nos art.°s 23.° n.°2 e 73.°, ambos do Código Penal. Pelo que a moldura penal aplicável será a de 2 (dois) anos, 4 (quatro) meses e 24 (vinte e quatro) dias a 16 (dezasseis) anos e 8 (oito) meses de prisão. Nos termos ao art.° 71.° n.°1 do Código Penal, a determinação concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo mormente, às circunstâncias mencionadas no n.°2 do art.° 71.°. Não se atenderá na aplicação da medida concreta da pena às circunstâncias que fazem parte do tipo legal de crime, sob pena de ser violado o princípio “ne bis in idem”. Assim, ponderando: - A elevada ilicitude dos factos, atendendo às consequências e sofrimento que a ofendida padeceu: queimaduras sendo que 27% foram registadas na face, no tronco e nos membros superiores (4% de 3° grau, 5% de 2° grau, 12% de 2° grau e 3% de 1° grau). Foi transferida extubada para o serviço de urgência do CHUV e esteve hospitalizada no Centro IS/Burns, nos cuidados intensivos a 21/10/2022, onde foram efectuadas diversas intervenções (cf. ponto 24). Sendo que correu perigo de vida. - As condições pessoais e sociais do arguido conforme descrito na factualidade dada como provada, não se podendo olvidar que o relacionamento intrafamiliar é adequado e funcional, com uma prática educativa orientada para um quotidiano pró-social. Não obstante se encontrar no estabelecimento prisional mantém contactos regulares com a família, sendo a progenitora e os tios maternos presença constante nas visitas, constituindo a sua família um importante suporte psicoafectivo e socioeconómico, a qual se encontra disponibilizada para o apoiar no seu processo de reinserção social. Recluído pela primeira vez, tem registado comportamento de acordo com o normativo institucional, evidenciando motivação na manutenção de rotinas e hábitos laborais. Quando em meio livre o arguido projeta o futuro centrado no exercício de uma atividade laboral e na reintegração no agregado da avó. Todas estas circunstâncias, auxiliam o arguido na sua ressocialização, bem como em termos de prevenção especial. -Contudo, as necessidades de prevenção geral são elevadas, existindo, obviamente, um grande receio sentido pela sociedade na prática do crime imputado ao arguido. Nos crimes de homicídio (e sua tentativa) as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas, porque não se poderá olvidar que foi praticado um crime contra o bem jurídico por excelência (a vida humana!!!). - O Tribunal, por seu turno, ponderará a inexistência de antecedentes criminais do arguido, o que o beneficia. - Não se ignorará que o arguido agiu com dolo eventual (sendo a forma de dolo mais mitigada no nosso ordenamento jurídico). O que se atenderá pois o grau de culpa seria muito superior se tivesse agido com dolo directo ou necessário, com as inerentes consequências na medida da pena. Sopesando o atrás mencionado atendendo às exigências de prevenção geral e especial, bem como a necessidade de ressocialização do arguido, não olvidando que a pena nunca poderá ultrapassar a medida da culpa imputada ao arguido (art.º 40 n.º 2 do Código Penal), consideramos adequado e proporcional a aplicação ao arguido de uma pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão. 3. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte: 1. O Arguido foi condenado nos presentes autos pela prática de um crime de de homicídio qualificado, a título de dolo eventual, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 22.º, 23.º, 73.º, 131.º e 132.º n.º s 1 e 2 al. e), todos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de prisão de prisão efetiva. 2. O Recorrente, conforma-se com o pagamento da quantia de 20.000,00€ (vinte mil euros) à ofendida BB, acrescido de juros de mora computados desde a presente decisão até efectivo e integral pagamento da mesma, tanto assim é que deposita desde já a quantia de 5.000,00, por conta dessa mesma indemnização que consegui reunir de familiares e amigos, apresentando recurso apenas quanto à pena de prisão aplicada. 3. Assim, não se conformando com o teor da Douta decisão, vem apresentar o presente recurso, que versa sobre as seguintes matérias relativas ao acórdão proferido pelo Tribunal a quo: · Da medida da pena aplicada, violadora do disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal, bem como do número 2 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. 4. O Recorrente entende que deve a pena aplicada ser reduzida no seu quantum e ser a mesma suspensa na sua execução. 5. O artigo 70º do Código Penal preceitua que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 6. A pena não privativa da liberdade deverá ser a preferida sempre que esta puder realizar a recuperação social do delinquente e as particulares exigências de prevenção não imponham a aplicação de pena privativa da liberdade. Assim, podemos falar num princípio da prevalência das penas não privativas da liberdade, sendo a pena de prisão sempre a última ratio que o julgador poderá lançar mão para aplicar a pena. 7. A pena de prisão deve ser aplicada apenas quando todas as restantes medidas se revelem inadequadas, face às necessidades de prevenção, presidindo à determinação da pena aplicável os princípios da Necessidade, da Proporcionalidade e da Adequação. 8. Acresce que “O momento relevante para o apuramento das necessidades preventivas é o do julgamento e não o da prática do facto, razão pela qual o tribunal pode ponderar factos novos que tenham ocorrido entre a prática do facto e a audiência de julgamento que revelem uma atenuação ou um agravamento das necessidades preventivas (...)” 9. Assim, deveria ter tido em conta o Tribunal a quo que o arguido Recorrente AA é ingénuo e facilmente manipulável e, no caso, foi manipulado pelo arguido DD que se aproveitando dessa ingenuidade o convenceu com uma falsa promessa de trabalho na Suíça para usar no plano que tinha delineado com CC. 10. O Recorrente, revelou em sede de julgamento apenas ingenuidade, tal como o referido pela testemunha FF, que ainda afirmou que o arguido AA seria incapaz de tal comportamento. 11. A atitude humildade e inocente do Recorrente. 12. O Arguido junta por ora a quantia de 5.000,00€ , que juntou junto de amigos e familiares para pagar a BB. 13. Nos termos do artigo 71º, nº 1, do Código Penal a “determinação da medida da pena, dentro dos limites legais definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2 do Código Penal). 14. Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral e os fins de prevenção especial. 15. O arguido teve uma postura colaboradora e certo modo confessou parcialmente os factos, dessa forma contribuindo para a descoberta da verdade material. 16. O Recorrente é uma pessoa totalmente inserida no meio social e familiar, sendo que no meio social residencial do arguido inexistem sentimentos de rejeição à sua presença. 17. O agregado familiar do Recorrente é composto por si e pela sua avó, residindo numa moradia, localizada em zona periurbana sem especial associação a problemáticas sociais ou criminais, com adequadas condições de habitabilidade. 18. A nível familiar, o arguido conta com o apoio da sua avó materno, da mãe e do companheiro, bem como dos antigos patrões, que lhe garantem emprego, com quem tem um relacionamento sólido, vivendo numa união estável e de cumplicidade mútua. 19. Como atividade profissional, o arguido trabalhava numa churrasqueira e tem emprego garantido, com contrato de trabalho, onde exercerá as suas funções com zelo e responsabilidade e denotando hábitos de trabalho e uma conduta adequada. 20. O arguido, pode assim Indemnizar/compensar a vitima pelos danos que lhe causou num curto espaço de tempo, que prevê fazer em 1 ano e 6 meses, trabalhando até porque trabalhava numa churrasqueira e tem emprego garantido, com contrato de trabalho, onde exercerá as suas funções com zelo e responsabilidade e denotando hábitos de trabalho e uma conduta adequada. 21. Acresce, que o Recorrente não tem registo criminal anterior. 22. O período decorrido desde a ocorrência dos factos pelos quais vem condenado e a presente ameaça da prisão são motivos mais que suficientes para a interiorização da ilicitude e censurabilidade da conduta por parte do arguido, que, aliás, se mostra angustiado com a iminente privação da Liberdade. 23. São ainda motivos suficientes para acautelar as necessidades de prevenção especial. 24. Assim, o Recorrente beneficiaria de uma execução de pena na comunidade, onde está bem inserido, podendo manter-se como cidadão ativo a trabalhar para pagar a BB num para de 1 ano 6 meses. 25. Na determinação da medida da pena foram violados os artigos 70º e 71º do Código Penal, e ainda o artigo 18º nº2 da Constituição da República Portuguesa, uma vez que se aplica ao arguido uma pena que excede o grau de culpa e é demasiado penalizadora perante os factos por si praticados e todas as circunstâncias que militam a seu favor. 26. Deve ser aplicada uma pena mais justa, proporcional e que possibilite a manutenção do seu papel na sociedade e no seio do seu agregado familiar, e assim de uma forma mais célere compensar a vitima através de rendimento por si auferido. 27. É possível, diga-se, efetuar um juízo de prognose favorável, atenta a inserção familiar e profissional do arguido, bem como o espírito crítico demonstrado ao confessar parcialmente os factos, onde até pediu desculpa as BB. 28. Assim, deverá reduzir-se a pena no seu quantum e ponderar-se uma suspensão da sua execução, uma vez que face ao período de tempo decorrido e à reclusão a que se encontrou sujeito o arguido, a ameaça da prisão será suficiente para acautelar a prevenção especial. 4. Da redução da pena imposta. Peticiona o recorrente a alteração da dosimetria da pena imposta, pugnando pela imposição de pena não superior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução. Pela prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, foi o arguido condenado na pena de 6 anos de prisão e 10 meses de prisão. A moldura penal prevista para este ilícito é a de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão. 5. Em primeira sede cabe realçar que, a respeito da determinação da pena, rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. A pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal. 6. Estabelece ainda o artº 40 do C. Penal que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, bem como que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade 7. Importa pois, desde logo, atender, para além da intensidade da culpa, que delimitará a fronteira máxima punitiva, às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas. Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva. Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade. 8. Acresce que, consubstanciando-se o instituto do recurso num remédio jurídico, no sentido de permitir a colmatação de eventuais erros de apreciação, imputáveis aos tribunais hierarquicamente inferiores, daqui decorre que a alteração das penas que se mostram já definidas só deverá ocorrer se, de facto, um erro assinalável, a reclamar reparação, se venha a constatar existir (a este respeito veja-se, por todos, o acórdão do STJ, processo nº19/08.3PSPRT, 3ª secção, relator Raúl Borges, de 14-05-2009 e acórdão do STJ, de 29.02.2024, no processo 122/20.1PAVPV.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt). 9. Apreciemos, então, o caso presente. Alega o recorrente que o tribunal “a quo” não atendeu: Ao facto de o arguido ser ingénuo e facilmente manipulável, para além de humilde; Ter tido uma postura colaborante, confessando parcialmente os factos e dessa forma contribuindo para a descoberta da verdade material, manifestando arrependimento; Ser uma pessoa socialmente inserida, inexistindo sentimentos de rejeição à sua presença. Não ter antecedentes criminais; Bem como que, estando em liberdade, poderá trabalhar e pagar a BB a indemnização por si devida, num prazo de 1 ano 6 meses. 10. Vejamos então. No que toca à putativa ingenuidade e fácil manipulação, salvo o devido respeito é factualidade que se mostra por demonstrar, por se não mostrar vertida na matéria de facto dada como assente, sendo certo que o arguido com o teor da mesma se conformou, já que não interpôs recurso no que toca à matéria de facto. Assim, não pode imputar ao tribunal “a quo” a ausência de ponderação de uma circunstância que, efectivamente, se não mostra dada como provada. 11. O mesmo se diga em relação à sua postura de colaboração e de arrependimento que, em bom rigor, se mostram também por demonstrar, sendo certo que, analisando a motivação da convicção quanto à matéria de facto, vertida pelo tribunal “a quo”, se conclui que, entre as declarações que prestou em sede de 1º interrogatório judicial e as prestadas em audiência, se constata uma grande disparidade no que toca à eventual assumpção das suas responsabilidades, no sentido de pretender agora – em audiência – desvincular-se do sucedido, minimizando e menorizando a sua intervenção no incidente. Não se espanta, pois, nem merece crítica, que o tribunal “a quo” não tenha ponderado tais circunstancialismos, em sede atenuativa, pois os mesmos, efectivamente, mostram-se por demonstrar. 12. No que concerne à ausência de antecedentes criminais e ao apoio familiar de que dispõe, o tribunal “a quo” atendeu a ambas as circunstâncias, ponderando-as adequadamente, em termos atenuantes, sendo certo que, no caso, as mesmas não se revelam particularmente valiosas, para este fim, uma vez que o não cometimento de crimes é o que a sociedade espera dos seus cidadãos, por um lado e, por outro, porque o entorno familiar e laboral do arguido, não serviram qualquer propósito de que este se abstivesse de praticar os actos que praticou. 13. Resta então perguntar se, tendo em atenção as considerações acabadas de enunciar, se poderá concluir que as demais circunstâncias que invoca – a possibilidade de, em liberdade, poder pagar mais rapidamente a indemnização em que foi condenado - serão de molde a determinarem imposição de pena mais próxima do limite mínimo do que a fixada pelo tribunal “a quo”? 14. A resposta é claramente negativa, desde logo atentas as exigências em sede de prevenção geral. Na verdade, as actuações dirigidas à ofensa do bem supremo – a vida – são sentidas, em sede comunitária, como especialmente ofensivas e geram um justificado e compreensível alarme. As exigências de prevenção geral mostram-se, pois, neste contexto, especialmente prementes. No caso, estamos perante factos de acentuada gravidade, já que o arguido colaborou activamente num plano que envolveu atrair uma mulher, que nem sequer conhecia e com a qual não tinha qualquer relação, para fora de sua casa, restringir-lhe os seus movimentos, cabendo-lhe a si a manietação dos seus braços e mãos, regar a vítima com gasolina e atear fogo, fugindo e deixando-a a arder, sem qualquer tipo de auxílio, actuação esta realizada com o intuito de queimar a cabeça e a parte superior do corpo da ofendida, a fim de lhe provocar dores intensas, lesões graves, representando o arguido que com tal actuação resultaria como possível a morte da ofendida e conformando-se com a sua realização. E mais: a motivação do arguido para agir deste modo, centrou-se na promessa de daí lhe advirem ganhos económicos, já que iria ser pago por esta sua actuação. 15. Assim, não só se verificam fortes exigências de prevenção geral como, igualmente, graves necessidades de prevenção especial, pois o arguido agiu movido pela exclusiva procura de obtenção de benefícios económicos rápidos e significativos. Diga-se, aliás, que uma das razões que justificam e exigem o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e com algum grau de consistência radicam, precisamente, na imperiosa necessidade de se desmotivar o tipo de actuação que o arguido protagonizou, isto é, é absolutamente essencial que seja entendido que o exercício de uma actividade de agressor a soldo, com tão nefastas consequências societárias e que permite obter, com muito pouco esforço, retribuição monetária, não é tolerada. Não fosse a circunstância de o tribunal “a quo” ter entendido ter o arguido agido com dolo eventual e as pouco relevantes circunstâncias atenuantes acima enunciadas, seguramente não lhe teria sido imposta uma pena que foi fixada significativamente abaixo do meio da moldura penal (que rondaria os 9 anos de prisão), já que a ilicitude se mostra realmente elevada. 16. Face a tudo o que se deixa dito, conclui-se que na fixação da pena foram atendidas e sopesadas todas as circunstâncias legalmente previstas, incluindo as de natureza atenuante, mostrando-se a mesma adequada e proporcional, pelo que não nos merece censura o seu quantum, razão pela qual deve ser mantida. Não ocorreu, pois, violação dos dispositivos legais que o recorrente invoca, mostrando-se, dada a dosimetria da pena, afastada a possibilidade de apreciação do pedido de suspensão formulado, atento o vertido no artº 50 do C. Penal. iv – decisão. Pelo exposto, acorda-se em considerar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Condena-se o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 5 UC. . Dê imediato conhecimento ao tribunal “a quo” do teor deste acórdão, advertindo que a decisão ainda se não mostra transitada em julgado. Lisboa, 1 de Outubro de 2025 Maria Margarida Almeida (relatora) Antero Luís Carlos Campos Lobo |