Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO LEONES DANTAS | ||
Descritores: | COMISSÃO DE SERVIÇO CATEGORIA PROFISSIONAL IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/24/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA EM PARTE | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / TERMO RESOLUTIVO / ADMISSIBILIDADE DO CONTRATO /PRESTAÇÃO DO TRABALHO / DURAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO / REGISTO / LIMITES À DURAÇÃO DO TRABALHO / LIMITES MÁXIMOS DOS PERÍODOS NORMAIS DE TRABALHO. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / ABUSO DO DIREITO. | ||
Doutrina: | -ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, 10.ª Edição, pág. 544 e ss.; -BERNARDO XAVIER, A Mobilidade Funcional e a Nova Redação do art. 22.º da LCT, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXIX, 1997, p. 92; -CASTANHEIRA NEVES, Questão de Facto - Questão de Direito, I, p. 513 e ss.; -IRENE GOMES, Principais aspetos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, p. 241 e ss.; -LUÍS MIGUEL MONTEIRO, Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, p. 506 e ss. ; Anotação ao artigo 162.º do Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2016, p. 430; -MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, p. 279 ; Parte II, Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, 2014, Almedina, p. 192, 193, 347, 351, 460 e 461; -MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 665; -MONTEIRO FERNANDES, A categoria profissional o objeto do contrato de trabalho, Questões Laborais, 1998, n.º 12, p. 136 e 456; -PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 297; -VAZ SERRA, Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil), Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, abril de 1959, p. 253. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 129.º, N.º 1, ALÍNEA D), 162.º E 163.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 10-12-2008, PROCESSO N.º 2563/08; - DE 23-09-2009, PROCESSO N.º 3843/08, SUMÁRIO IN HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/SOCIAL/SOCIAL2009.PDF; - DE 17-03-2010, PROCESSO N.º 435/09.3YFLSB, IN WWW.DGSI.PT; - DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 2/08.9TTLMG.P1S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 19-03-2013, PROCESSO N.º 5/11.6TTGRD.C1.S1. | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I – Não tendo sido reduzido a escrito o contrato relativo ao desempenho de funções de natureza diretiva, em comissão de serviço, nos termos do artigo 162.º do Código do Trabalho, não é aplicável à cessação do exercício dessas funções o disposto no artigo 163.º do mesmo código. II – O reconhecimento do direito a uma categoria profissional pressupõe a demonstração do exercício das tarefas que preenchem o núcleo fundamental dessa categoria profissional. III – Atento o disposto no artigo 129.º, n.º 1, al. d), do Código do Trabalho, salvo as exceções previstas naquele código, ou em instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, não é lícita a diminuição da retribuição devida ao trabalhador, nem por decisão unilateral do empregador, nem mesmo por acordo. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I AA intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB – …, pedindo: a) Que se reconheça o seu direito à categoria profissional de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta a título definitivo, e não em regime de comissão de serviço; b) Que se reconheça que o valor da retribuição que lhe é efetivamente devida pelo exercício de tais funções totaliza a quantia de € 2.783,06, que não poderá ser unilateralmente reduzida pelo Réu; c) Tendo em consideração a reestruturação operada pelo Réu, que se reconheça o seu direito (dela, Autora) a ser colocada numa categoria profissional na nova estrutura compatível com a sua posição hierárquica no Réu (Diretora de Serviços de Respostas Sociais e dos Serviços de Gestão); d) Que se declare ilegal a sua despromoção, bem como a redução da sua retribuição; e) Que se declare ilegal a alteração do seu horário de trabalho, condenando o Réu a manter o anterior horário de trabalho; f) Que se condene o Réu no pagamento de todas as diferenças salariais que lhe sejam devidas; g) Que se condene o Réu a ressarci-la de todos os prejuízos que possa sofrer em virtude da redução ilícita da retribuição, nomeadamente no pagamento da diferença do valor do subsídio de doença e outros que lhe venham a ser pagos pela segurança social com base nas remunerações de declarações que venham a ser apresentadas pelo Réu. Alegou para o efeito, em síntese, que foi admitida ao serviço do Réu em 12 de fevereiro de 1993, para exercer as funções de fisioterapeuta, que o vínculo laboral sofreu diversas alterações no conteúdo funcional, sendo que em janeiro de 2007 o Réu a promoveu à categoria de Diretora Técnica e em julho de 2015 exercia simultaneamente as funções correspondentes a essa categoria e a de Diretora Executiva Adjunta, cumulando, por isso, essas duas categorias profissionais: todavia, a partir dessa data, sem o seu consentimento, o Réu alterou-lhe as funções e categoria profissional, a retribuição, o horário de trabalho, bem como outras condições de trabalho. Além disso, procedeu a diversas divulgações em que pôs em causa o seu (dela, Autora) bom nome e imagem, o que levou a que se sentisse humilhada, triste e deprimida, assim se justificando uma indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 5.000,00. O Réu contestou a ação instaurada alegando, em síntese, que os cargos que a Autora exerceu ao longo dos anos foram-lhe atribuídos por convite da direção, que esses cargos deixaram entretanto de existir e que por estarem em causa cargos de confiança e de natureza transitória poderia pôr-lhes termo, tal como sucedeu, não só em relação à Autora mas também em relação a outros trabalhadores seus que desempenhavam cargos de direção e confiança. Negou que tivesse procedido à redução da retribuição da Autora, designadamente por virtude da cessação da isenção de horário de trabalho, uma vez que esta só era válida por um ano, renovando-se automaticamente por igual período caso nenhuma das partes denunciasse esse acordo, sendo que (o Réu) comunicou à Autora a denúncia de tal acordo, assim impedindo a renovação. Sustentou quanto ao horário de trabalho que nada tendo sido acordado nessa matéria, competia-lhe como empregador fixar o mesmo; e quanto à alegada alteração das condições de trabalho, tendo a Autora deixado de exercer o cargo de Diretora Executiva Adjunta, foi-lhe atribuído outro gabinete, que oferece as condições necessárias e adequadas ao exercício das funções de fisioterapeuta que a Autora passou a desempenhar. Finalmente, quanto aos alegados danos não patrimoniais da Autora, limitou-se a dar conhecimento da existência do procedimento de inquérito prévio a “nível institucional”, designadamente à Assembleia Geral, sem mencionar o nome dos visados, assim concluindo pela inexistência de fundamento para o pedido indemnizatório formulado pela Autora. A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 20 de junho de 2016, que integrou o seguinte dispositivo: «Nos termos de facto e de direito expostos julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e consequentemente declaro ilegal a alteração de horário de trabalho imposta à Autora AA e consequentemente condeno o Réu BB – …, a repor-‑lhe o anterior horário de trabalho e mais condeno o Réu no pagamento à Autora da quantia de € 2.500,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.» A sentença julgou improcedente os pedidos da Autora relativos ao reconhecimento da categoria profissional de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta, bem como os pedidos de reconhecimento do direito de ser colocada numa categoria profissional na nova estrutura do Réu compatível com a sua posição hierárquica e de declaração da ilegalidade da despromoção da Autora. A sentença julgou igualmente improcedente, para além do mais, os pedidos da Autora relativos à reposição do pagamento de qualquer uma das importâncias que deixou de auferir em face da cessação da comissão de serviço e da declaração de ilegalidade da redução da retribuição. Inconformada com esta decisão dela apelou a Autora para o Tribunal da Relação de Évora que veio a conhecer do recurso por acórdão de 30 de março de 2017, que integrou o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto por AA, e, em consequência, condena-se o Réu/recorrido BB – … a reconhecer em definitivo àquela a categoria profissional de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, devendo, face à reestruturação orgânica que implementou, colocá-la na categoria-função atualmente correspondente. Mais se condena o Réu/recorrido a reconhecer que o valor da retribuição devida àquela pelo exercício de tais funções é de € 2.783,06, condenando-se o mesmo no respetivo pagamento, com efeitos rectroactivos à data em que deixou de o pagar à recorrente. Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida. Custas em ambas as instâncias pelo Réu/recorrido.» Não satisfeito com esta decisão, veio o Réu recorrer de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «I. A Sentença proferida em l.ª Instância não merece qualquer reparo; II. O Douto Tribunal da Relação não fez uma correta interpretação e aplicação do direito. III. As funções de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta, consubstanciam cargos de chefia, e não categorias profissionais. IV. Tais funções não estão previstas no descritivo de qualquer categoria profissional da CCT aplicável (Contrato coletivo celebrado entre a CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE, n.° 6 Vol. 79, de 15 de fevereiro de 2012), no entanto, prendem‑se com cargos de chefia exercidos no regime de comissão de serviço (cláusula 23.° CCT, art.° 161.° Código do Trabalho). V. Nos termos do art.° 6.° da CCT: "1 - Os trabalhadores abrangidos na presente convenção serão classificados nas profissões e categorias profissionais constantes do anexo I, tendo em atenção a atividade principal para que sejam contratados. 2 - As carreiras profissionais dos trabalhadores abrangidos pela presente convenção são regulamentadas no anexo II, sendo que a fixação de períodos de exercício profissional para efeitos de progressão na carreira não impede que as instituições promovam os seus trabalhadores antes do seu decurso." VI. O Acórdão recorrido não pode inviabilizar o cumprimento da CCT. Sendo que, não resultando da matéria de facto dada como provada que o Réu instituiu internamente um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, não pode o Douto Tribunal da Relação afirmá-lo como faz indevidamente. VII A relação laboral estabelecida entre Autora e Ré rege-se pelo Código do Trabalho e pelo contrato coletivo celebrado entre CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE - Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE, n.° 6, vol. 79 de 15/02/2012, pelo que não pode o Douto Tribunal da Relação obstar à aplicação da CCT aplicável e do Código do Trabalho. VIII. A Autora foi contratada para exercer as funções inerentes à categoria de Fisioterapeuta e não de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta ou Diretora Técnica. IX. Apesar de os cargos de Direção constituírem cargos existentes no organigrama da Instituição, o Réu aplica a Convenção Coletiva de Trabalho, a qual corresponde ao Contrato Coletivo celebrado entre a CNIS e a FNE, recorrendo às categorias profissionais previstas por esta. X. Para além disso, de acordo com a cláusula n.° 23 da supra mencionada CCT, o exercício de cargos de Direção podem ser exercidos em regime de comissão de serviço, regime que é adotado na instituição. XI. Por tudo o exposto, tendo em conta que os cargos de Diretora Técnica e de Diretora Executiva Adjunta não consubstanciam verdadeiras categorias profissionais, a destituição da Autora destes cargos, não pressupõe uma despromoção e desvalorização profissionais. XII. A figura da comissão de serviços começou por ter consagração no âmbito do contrato individual de trabalho com o DL n.° 404/91, de 16/10, possibilitando a atribuição ao trabalhador de certas funções a título reversível, sem produzir o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade. XIII. Do preâmbulo do referido diploma, o pressuposto que esteve na base da criação deste regime de prestação de trabalho em comissão de serviço assenta na "necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais o que implica soluções adequadas à salvaguarda da elevada e constante lealdade, dedicação e competência em que se traduz a confiança que o exercício de certos cargos exige." Logo de seguida, conclui: "Por outro lado, sendo estes atributos de natureza marcadamente interpessoal, o seu desaparecimento concorre, normalmente, para o desenvolvimento de situações degradadas de relacionamento no trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa." XIV. Estatui o citado D.L. n.° 404/91, que a convenção estabelecida entre o trabalhador e a entidade patronal, quer quanto à sua forma, quer quanto ao seu conteúdo, tem de constar de um acordo escrito, assinado por ambas as partes e do qual devem constar determinadas indicações, nomeadamente o cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviços - n.° 1 do art.º 3.°, do referido diploma. Com a cessação da comissão, o trabalhador regressa à categoria de origem. XV. Estatui, ainda, o n.° 2 do mesmo art.º 3.°, que na falta de redução a escrito da menção relativa ao cargo ou funções a desempenhar, considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com caráter permanente, cominação que deixou de ficar consignada no Código do Trabalho de 2003 (art.º 245.°, n.° 2), assim como no Código do Trabalho vigente (art.º 162.°, n.° 4). XVI. O art. 161° do C.T. de 2009 prevê o exercício do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, impondo a sua redução a escrito. Estamos perante uma norma imperativa cuja violação implica a nulidade do contrato, o que constitui uma questão do conhecimento oficioso (arts. 294.° e 286.° do Código Civil). Assim e por violação de norma imperativa, o contrato de comissão de serviço em apreço deverá ser considerado nulo. XVII. A nulidade não atinge mais do que o estabelecimento do regime de comissão de serviço, deixando intocados os termos da relação contratual que vinculava as partes. E, de acordo com o disposto no art.º115.°, n.° 1 do C.T. de 2003, o contrato de trabalho declarado nulo produz efeitos como se fosse válido durante o tempo em que esteve em execução. XVIII. O regime da comissão de serviço pressupõe um exercício temporário de funções que prevejam uma especial relação de confiança existente entre o empregador e o trabalhador, confiança essa que, ao quebrar-se, não justifica a manutenção do trabalhador no desempenho de tais funções. XIX. A Autora foi convidada para exercer o cargo de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta pela anterior Direção Estatutária do Réu, convite esse que só poderia ser feito com base, não somente nas capacidades, conhecimento, mérito e empenho da Autora, mas sempre numa relação especial de confiança. XX. A Autora foi contratada para exercer as funções de fisioterapeuta, mas desde 2007, passou a desempenhar cargos de chefia, mais concretamente exerceu o cargo de Diretora Técnica afeta ao departamento de Intervenção Precoce, em 2009 passou a exercer o cargo de Coordenadora do Centro de Recursos Para a Inclusão e em outubro de 2014 passou a exercer o cargo de Diretora Executiva Adjunta juntamente com o de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica. XXI. Não obstante, tal relação de confiança existiu com a anterior Direção Estatutária do Réu. XXII. Razão pela qual, a nova e atual Direção Estatutária do Réu tem toda a legitimidade para cessar as comissões de serviços dos trabalhadores que desempenhem funções de Direção, com os quais não estabeleçam a relação de confiança exigida para a função daquele cargo, como aconteceu com a Autora, pois que, não estabeleceu com a Autora a relação de confiança exigida para o exercício daquele cargo. XXIII. A Autora nunca assinou qualquer contrato de comissão de serviço, no entanto, consta das Atas de Direção da Ré a nomeação para os cargos de chefia que desempenhou entre os anos de 2007 e 2015 e a Regulamentação Coletiva aplicável prevê a possibilidade dos cargos de chefia serem exercidos em regime de comissão de serviço. XXIV. A falta de redução a escrito do acordo de comissão de serviço implica que o desempenho das funções pela Autora de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão se tenha de considerar como exercidas com caráter permanente. XXV. Apesar da exigência legal de elaboração de contrato escrito para o exercício de funções em comissão de serviço, há que não ignorar a ratio subjacente ao aparecimento desta figura jurídica, acima exposta, bem assim, a ratio subjacente à exigência de forma. A exigência de forma surgiu com a finalidade de consciencializar o trabalhador para o caráter temporário e precário do cargo. XXVI. A redução a escrito do contrato de comissão de serviço era dispensável, porquanto, os trabalhadores do Réu estavam conscientes do caráter temporário dos cargos de direção. XXVII. À semelhança da Autora, foram a Diretora Executiva e os Diretores Técnicos destituídos, os quais aceitaram tal facto, pois estavam cientes do caráter reversível e temporário, e que, regressariam à sua função de origem. Foi sempre assim na Instituição, nunca tendo esta conhecido nos longos anos de existência cenário diferente. XXVIII. Tanto assim sucedeu que, os mesmos conformaram-se com a decisão do Réu de os destituir daqueles cargos sem contestarem tal decisão, por já ser do conhecimento claro dos mesmos, o caráter temporário daqueles cargos, a semelhança da Autora, uma das trabalhadoras mais antigas da "casa". A Autora é conhecedora do modo de funcionamento da instituição, mormente da anterior Direção estatutária, de quem a Autora acompanhou de muito perto todo o mandato. XXIX. Como consta na matéria de facto dada como provada, os cargos de chefia atribuídos pela Ré são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado. (n.° 52 dos factos provados). XXX. Não se venha dizer, pois não se aceita, que uma funcionária ligada à instituição tem mais de 20 anos - o seu contrato de trabalho foi celebrado a 12 de fevereiro de 1993 - (n.° 1 dos factos provados) não tem conhecimento de tal circunstancialismo, não tem conhecimento dos usos e costumes da instituição, não tem conhecimento que os cargos de chefia atribuídos pela Ré são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado, pois enfermam tais declarações de inequívoca falsidade. XXXI. Não se olvide que os usos e costumes também constituem fonte de direito. Ademais, se não sabia, tinha obrigação de não desconhecer, atendendo aos cargos que tinha anteriormente assumido. XXXII. A Autora, durante os muitos anos que colabora com a instituição, desempenhou cargos de confiança, desde 2007 a 2015, bem sabendo que se tratam de cargos temporários e transitórios. Não pode a Autora negar tal conhecimento porquanto no exercício do cargo de Diretora Técnica da Intervenção Precoce, Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão e Diretora Executiva Adjunta teve contacto com essa realidade. Exemplificativamente, num olhar sobre a ata da Direção Estatutária, datada de 14 de janeiro de 2009, a fls. dos autos, podemos verificar tal conhecimento por parte da Autora, pois que a mesma é convidada para o cargo de Coordenadora do Centro de Recursos para a inclusão (n.° 5 dos factos provados), em substituição de uma outra trabalhadora, exatamente, como resulta da matéria dada como provada (n.° 52 dos factos provados). XXXIII. Mais, sendo a Autora uma pessoa com formação superior de fisioterapeuta, impõe-se da mesma um discernimento que não o do trabalhador comum, ou seja, um discernimento superior à altura da sua formação. XXXTV. Sempre assim atuou o Réu, durante a anterior Direção Estatutária, ao longo dos anos, nomeando e destituindo, o que sempre foi do conhecimento da Autora. No caso em apreço, a falta de redução a escrito do desempenho de funções em regime de comissão de serviço, não implica no caráter permanente do seu exercício. XXXV. A declaração negocial emitida é válida, tendo a Autora (.) por via daquela, passado a desempenhar as funções de Diretora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão e de Diretora Executiva Adjunta. Encontrando-se acauteladas todas as razões que guiam o legislador na imposição de uma determinada forma, à qual as partes não se quiseram submeter, por esclarecidas quanto, aqui no essencial, à precaridade do cargo. XXXVI. No entanto, resultando da regulamentação coletiva aplicável que os cargos de chefia, não se inserem nas categorias profissionais aí previstas, podem ser exercidos em regime de comissão de serviço e tendo o Réu logrado provar que os cargos de chefia que são atribuídos aos seus funcionários são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foram contratados, estando os trabalhadores do Réu cientes destes factos, pois para além de resultarem da convenção coletiva, tais factos resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, pode-se afirmar com segurança que o trabalhador investido/nomeado para exercer cargo de direção sabia que o estava a exercer em comissão de serviço, o que aconteceu com a Autora. XXXVII. A exigência legal de uma determinada forma como requisito legal de validade do negócio jurídico, visa promover um complexo de interesses públicos e privados: a defesa contra precipitações das partes, a clareza a respeito do conteúdo do contrato e do momento, do momento exato da sua celebração, a publicidade e o acautelar da posição de terceiros, a facilitação da prova e em geral a segurança e a certeza jurídicas. XXXVIII. Por outro lado a "ratio" da exigência do documento escrito prescrito no citado artigo 162° do C.T. reside precisamente na necessidade de consciencializar as partes, sobretudo o trabalhador, da precariedade do cargo, sancionando-se a falta, com a permanência do trabalhador no cargo. XXXIX. O facto de os trabalhadores estarem cientes de que os cargos de chefia e de direção técnica são cargos que são desempenhados por convite do Réu e de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, conjugado, com o facto do IRCT aplicável prever que tais cargos podem ser exercidos em regime de comissão de serviço e sendo certo que o Réu sempre assim atuou ao longo dos anos nomeando e destituindo, os seus funcionários nos termos que consta das atas de Direção do Réu, nas quais a Autora estava presente, entendemos que a Autora exerceu as funções de chefia para as quais foi sendo nomeada em regime de comissão de serviço, sendo certo que para a validade da comissão em causa não seja de exigir a existência de um documento escrito, que nada acrescentaria às garantias advindas do facto dos cargos de chefia atribuídos pelo Réu serem de exercício temporário. XL. No caso em apreço, a redução a escrito da comissão de serviço no âmbito dos cargos de direção e chefia previstos no IRCT, nos quais se incluem os cargos para os quais a Autora foi nomeada, pode ser considerada dispensável, pois para além de estar prevista no IRCT aplicável, e ser do conhecimento de todos os trabalhadores o âmbito em que se encontravam a exercer tais funções, acrescendo o facto de todas as chefias terem sido destituídas pela atual direção, em julho de 2015, que fez cessar o regime de comissão de serviço, tendo os trabalhadores do Réu aceite tal decisão, com exceção da Autora, podemos concluir que os trabalhadores do Réu estavam perfeitamente cientes do tipo de cargo e funções que eram exercidos ao abrigo da figura da comissão de serviço, e bem sabiam que estavam a desempenhar funções reversíveis, findas as quais voltariam à sua função e estatuto remuneratório anterior. Se todas as outras chefias das demais valências sabiam, sentiam que aquelas funções de direção eram provisórias, por maioria de razão, com mais clarividência o devia saber a Autora na qualidade de Diretora Executiva Adjunta. XLI. A Autora não logrou provar que as funções para as quais foi nomeada tivessem caráter permanente, nem logrou provar que desconhecia que a sua nomeação era temporária, pois não constando os cargos para os quais foi nomeada inseridos em qualquer uma das categorias profissionais constantes do IRCT, e tendo os mesmos um caráter só por si precário, isto no que respeita ao cargo de Diretora Executiva Adjunta, que a qualquer altura poderia vir a revelar-se de desnecessário, não se pode concluir que o Réu ao atribuir-lhe tais cargos estava a promovê-la a qualquer outra categoria superior diferente daquela para a qual havia sido contratada de fisioterapeuta. XLII. Em resumo e conforme resulta do artigo 234° do C.C, preceito aplicável aos atos jurídicos por força do disposto no artigo 295° do C.C, no caso em apreço a Autora ao desempenhar os diversos cargos de chefia e de direção na estrutura organizacional do Réu, que sabia serem cargos de responsabilidade de confiança e com caráter temporário, constitui uma clara intenção da Autora na aceitação da proposta negocial do Réu, que se traduz no desempenho de funções de chefia em regime de comissão de serviço. XLIIL A declaração negocial pode ser tácita, não impedindo o caráter formal da declaração que a ela seja tacitamente emitida, desde que a forma escrita tenha sido observada quanto aos factos donde a declaração se deduz (ato de nomeação e subsequente aceitação do desempenho do cargo) - ver artigo 217° n.° 1 e 2 do C.C. XLIV. Por isso, tendo sido à autora atribuídas estas funções de chefia, sabia que tal exercício ocorre necessariamente em comissão de serviço, pelo que a atribuição de tais cargos não envolve de forma alguma a sua nomeação para uma categoria profissional superior, não se podendo por isso considerar uma promoção irreversível. XLV. Podendo a comissão de serviço ser denunciada por qualquer das partes, nomeadamente pelo empregador, voltará o trabalhador ao desempenho das suas funções correspondentes à categoria profissional que detinha antes da sua nomeação para os cargos de chefia. XLVI. Destarte, o regresso à anterior categoria não significa baixa da categoria, pois o exercício das funções de chefia tem carater temporário não determinando qualquer promoção do trabalhador. XLVII. Não conferindo o desempenho destes cargos de chefias o direito a uma nova categoria, tanto mais que em face do IRCT o desempenho destas funções não se integra em nenhuma das categorias profissionais institucionalizadas, o regresso da Autora à sua categoria anterior constitui um ato legal, uma vez que não envolve a violação do princípio da irreversibilidade do estatuto profissional. XLVIII. Aborda o Douto Tribunal da Relação o instituto do abuso de direito para concluir que "não detetamos, face à matéria de facto dada como assente na l.ª instância e que não vem impugnada, que a Autora/recorrente tenha excedido os limites impostos pela boa-fé na pretensão que se arroga." XLIX. Ora não pode o Réu estar mais em desacordo com o Douto Tribunal da Relação, porquanto, L. A Autora tem consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico. E, objetivamente, tais limites foram excedidos de forma evidente. LI. Pois para além de estar prevista no IRCT aplicável, e ser do conhecimento de todos os trabalhadores o âmbito em que se encontravam a exercer tais funções, acrescendo o facto de todas as chefias terem sido destituídas pela atual direção, em julho de 2015, que fez cessar o regime de comissão de serviço, tendo os trabalhadores do Réu aceite tal decisão, com exceção da Autora, podemos concluir que os trabalhadores do Réu estavam perfeitamente cientes do tipo de cargo e funções que eram exercidos ao abrigo da figura da comissão de serviço, e bem sabiam que estavam a desempenhar funções reversíveis, findas as quais voltariam à sua função e estatuto remuneratório anterior. LII. A Autora estava bem ciente [do] tipo de cargo e funções que eram exercidos ao abrigo da figura da comissão de serviço, e bem sabiam que estavam a desempenhar funções reversíveis, findas as quais voltariam à sua função e estatuto remuneratório anterior, bem conhecendo os usos e costumes enraizados na instituição. LIII. Assim, por outro motivo não seja, impõe-se em face ao exercício abusivo pela Autora de um direito, o não reconhecimento em definitivo à Autora da categoria de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, e assim, não sendo de a colocar na categoria correspondente na atual estrutura orgânica do Réu. LIV. Outra solução revelar-se-ia completamente injusta, por permitir o aproveitamento pela Autora da falta de uma mera formalidade para lhe ver reconhecimento um direito em definitivo - a categoria de Diretora Executiva Adjunta e Diretora Técnica -, do qual sempre foi conhecedora do seu caráter reversível e transitório; por permitir a quebra de confiança que caracteriza tais cargos, i.e., a elevada e constante lealdade, dedicação e competência; e, por permitir a degradação do relacionamento do trabalho, com consequências prejudiciais para ambas as partes e para os outros trabalhadores, dada a especial responsabilidade dos cargos em causa. LV. O reconhecimento em definitivo à Autora da categoria de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta causa ao Réu um prejuízo patrimonial elevado, traduzido não apenas no acréscimo remuneratório mas no que implica uma alteração à estrutura organizativa existente. LVI. Face ao supra exposto, impõe-se a revogação do Douto Acórdão da Relação, devendo manter-se in totum a Sentença proferida pelo Tribunal de l.ª Instância. Sem prescindir, LVII. As quantias que a Autora auferia a título de subsídio de transporte, compensação e ajudas de custo, as quais consubstanciam a quantia total de € 1.037,58 (mil e trinta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), foram atribuídas no âmbito das funções que exercia enquanto Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta. (n.° 39 dos factos provados - "Tais quantias destinavam-se a compensar a Autora pelo exercício das funções de Diretora Executiva Adjunta, pela sua disponibilidade e por alguma eventual despesa de deslocação que tivesse de realizar.") LVIII. Assim sendo, cessando a comissão de serviço inerente às funções de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, tais quantias deixam de ser devidas. Não revestem aquelas quantias a natureza retribuição, mas uma compensação pela disponibilidade da Autora para o exercício do cargo de Diretora Executiva Adjunta, as quais aliás lhe foram atribuídas em novembro de 2014, ou seja, com o convite para o cargo de Diretora Executiva Adjunta. LIX. Como afirma a doutrina e a jurisprudência dominante, a irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com determinadas condições específicas do modo de prestação de trabalho, quando essas condições específicas sejam também elas suprimidas. É o caso, por exemplo de subsídios de turno, de risco, de transporte de valores, da compensação por atribuição de determinada função e da isenção de horário de trabalho. LX. Tendo as funções de chefia desempenhadas pela autora sido exercidas ao abrigo do regime de comissão de serviço, sendo este um desenvolvimento meramente transitório da relação de trabalho, este condicionalismo retira as prestações remuneratórias que eram pagas por tal desempenho o carater de regularidade e de habitualidade que, nos elementos componentes da retribuição criam no trabalhador a expetativa normal de ganho, a expectativa de poder contar com elas, no futuro, para satisfazer necessidades permanentes e periódicas do seu orçamento individual ou familiar. O pagamento destas prestações não podia criar na Autora qualquer expectativa em relação ao futuro, pois ela sabia que o exercício dessas funções e o pagamento dessas parcelas eram meramente temporárias, durariam apenas enquanto durasse a comissão de serviço. LXI. Desta forma, não foi violado o princípio da irredutibilidade da retribuição, porquanto não existiu qualquer redução da retribuição devida à Autora, pois que, esses montantes decorriam do exercício dos cargos de Direção. LXII. Logo, andou mal o Douto Acórdão da Relação ao condenar o Réu a reconhecer que o valor da retribuição devida à Autora pelo exercício das funções de Diretora Executiva Adjunta e Diretora Técnica é de € 2.783,06, condenando-se o mesmo no respetivo pagamento, com efeitos retroativos à data em que deixou de pagar à Autora. LXIIL. Por tudo o exposto, impõe-se a revogação do Douto Acórdão da Relação, devendo manter-se in totum a Sentença proferida pelo Tribunal de l.ª instância.» Termina referindo que «deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão da Relação de Évora, e repristinando-se a sentença proferida pelo Tribunal de l.ª instância». A Autora respondeu ao recurso interposto, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões: «1. Ao contrário do Recorrente, a Recorrida entende que é da decisão do Tribunal da Relação de Évora que se retira a interpretação correta dos factos e da lei, aplicando-se o Direito em conformidade com os imperativos de justiça, o que não acontece com a decisão de l.ª Instância, exigindo-se a revogação desta. 2. A respeito da argumentação referente à categoria profissional, refira-se que o facto de as funções exercidas pela Recorrida não estarem associadas a uma categoria profissional não implica que estas não correspondam a verdadeiros cargos, refletidos na estrutura organizativa do Recorrente. 3. As alterações internas levadas a cabo pelo Recorrente, posteriores à atribuição de funções à Recorrida, não podem servir de fundamento para vir agora invocar que não integram categorias profissionais previstas no CCT. Tratou-se de uma decisão adotada discricionariamente pela entidade empregadora, o que não poderá ser imputável à Recorrida e, muito menos, prejudicar direitos legitimamente constituídos. 4. Acresce que o próprio n.° 2 do art. 115.° do Código do Trabalho prevê que a determinação da atividade para que o trabalhador foi contratado pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa. Trata-se de uma possibilidade; não de uma obrigação legal. 5. Exige-se, antes, sim, que exista correspondência entre as categorias internas e as categorias profissionais previstas na CCT e que sejam respeitados os ditames daí resultantes na estruturação hierárquica arquitetada pela entidade empregadora. 6. Partindo desta premissa, apenas se pode concluir, ao contrário do Recorrente, que a Recorrida foi despromovida, em clara violação da lei. 7. Aliás, foi por iniciativa da Direção do Recorrente que a Recorrida foi sendo sucessivamente nomeada para os cargos que ocupou na Instituição, tendo a mesma aceite estas alterações ao seu contrato de trabalho (nomeadamente nos pontos 4, 5, 6 e 7 da fundamentação de facto, já definitivos). 8. Nos termos do disposto no art. 119.° do Código do Trabalho, a mudança do trabalhador para categoria inferior àquela para que se encontra contratado pode ter lugar mediante acordo, com fundamento em necessidade premente da empresa ou do trabalhador, devendo ser autorizada pelo serviço com competência inspetiva do ministério responsável pela área laboral no caso de determinar diminuição da retribuição. 9. Nenhuma destas condições se verificou, pelo que não se poderá considerar que a mudança da Recorrida para uma categoria inferior àquela para que se encontrava contratada seja válida. 10. Nem ficou demonstrado que a Recorrida tenha celebrado um acordo de comissão de serviço com o Recorrente, nem que tenha dado o seu consentimento à mudança para uma categoria inferior. 11. Essa prova competia ao Recorrente e não à Recorrida. 12. Relativamente ao regime da comissão de serviço, é de sublinhar que a regra que resulta de forma expressa do n.° 4 art. 161.° do Código do Trabalho é a seguinte: não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior. 13. Trata-se de uma formalidade ad substanciam, já que o não cumprimento da mesma leva a que não se considere que o contrato de trabalho tenha sido celebrado em regime de comissão de serviço. 14. A consequência da violação de uma formalidade ad substanciam apenas pode ser uma: a atribuição de funções a título permanente. 15. Trata-se, aliás, de uma garantia constitucionalmente consagrada no artigo 53.° da Lei Fundamental: "E garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos." 16. Questiona-se com legitimidade: se a cominação legal é a da nulidade e a recolocação do trabalhador nas funções iniciais, por que razão entendeu o legislador estabelecer um requisito formal se as consequências são idênticas? Bastaria ao legislador fazer depender a constituição da comissão de serviço das tão repetidamente referidas "relações de confiança" que lhe são subjacentes. No entanto, não é isso que resulta da lei. 17. Para além disso, refira-se que do disposto no n.° 4 do artigo 162.° do CT não resulta que a comissão de serviço seja nula, mas tão só que "não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior" Não considerar o contrato em regime de comissão de serviço significa que se mantém o contrato atual celebrado e não que o mesmo é nulo, retomando-se o inicial. 18. O legislador expressamente determinou que não se considera em comissão de serviço, o que é manifestamente distinto de a comissão de serviço é nula, assim se afastando o disposto no artigo 294.° do CC. 19. Assim sendo, entende a Recorrida que o Tribunal da Relação de Évora decidiu conforme à lei ao considerar que o não cumprimento da formalidade ad substanciam determina a atribuição de funções a título permanente. 20. No que respeita aos cargos de chefia, não se pode retirar da CCT aplicável ou da lei que a atribuição dos referidos cargos apenas pode ser feita em regime comissão de serviço e, por conseguinte, a título temporário e que tal circunstância é reconhecida por todos os trabalhadores. 21. Em primeiro lugar, conforme doutamente referido pelo Tribunal da Relação de Évora, "Não pode olvidar-se que face ao CCT aplicável, supra referido, maxime a cláusula 23.ª, n.° 1, os cargos de direção técnica e as funções de chefia 'podem' (é esta a expressão constante do clausulado) ser exercidos em comissão de serviço, mas, concluímos nós face à redação em causa, não têm necessariamente de o ser". 22. Quer a CCT quer a lei conferem às entidades empregadoras a faculdade, e não um direito potestativo ou inclusivamente uma sujeição, de atribuir funções de direção e de chefia através do regime da comissão de serviço: "Podem ser exercidos". 23. Em segundo lugar, a Recorrente não logrou demonstrar que a Recorrida tivesse sido selecionada para exercer os cargos que lhe foram atribuídos por a entidade empregadora tem com a mesma uma especial relação de confiança. 24. Pelo contrário, resultou provado que a Recorrida foi convidada para exercer estes cargos ao longo dos anos face ao seu perfil, das suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar, por mérito e pelo seu empenho (pontos 23, 25 e 26 da fundamentação de facto, já confirmada, porque não impugnada pelo Recorrente em sede de recurso de apelação). 25. Não tendo a existência de uma relação de confiança sido determinante para a nomeação da Recorrida para o exercício destes cargos, não poderá o seu afastamento dos mesmos ser justificado desta forma. 26. Em terceiro lugar, o Recorrente também não logrou demonstrar que a Recorrida tivesse conhecimento de que estava a exercer estes cargos em regime de comissão de serviço, ou que a Recorrida tivesse conhecimento que estes cargos eram de exercício temporário, ou ainda que a Recorrida soubesse que poderia ser destituída deste cargo a qualquer momento, o que é falso. 27. De acordo com as regras do ónus da prova, era ao Recorrente que competia alegar e provar que as funções da Recorrida tinham um caráter temporário e que a mesma tinha conhecimento disso, e não o contrário. 28. Em quarto lugar, se o Recorrente tinha, de facto, vontade que estes cargos chefia fossem exercidos de forma temporária deveria ter celebrado um acordo de comissão de serviço com a Recorrida. 29. Não o fez porque não quis, já que à data em que as referidas nomeações tiveram lugar já estava legalmente previsto este regime legal. 30. O cargo de Diretora Executiva Adjunta só foi criado aquando da nomeação da Recorrida para o mesmo, não tendo qualquer relação com os cargos dos Diretores Técnicos, até porque estes já existiam há muitos anos na instituição e o tipo de responsabilidades em causa é completamente diferente. 31. A Recorrida nunca celebrou qualquer acordo de comissão de serviço com o Recorrente, quer verbalmente, quer por escrito. Tanto assim é que o Recorrente nem sequer invocou este facto no âmbito desta ação. 32. Em quinto lugar, não se pode concluir que ficou demonstrado que a Recorrida tivesse conhecimento do caráter temporário das suas funções e da especial relação de confiança com fundamento no facto de nenhum dos restantes trabalhadores ter reagido contra a destituição operada pelo Recorrente. 33. Por um lado, e conforme referido anteriormente, trata-se de cargos distintos pelo que a apreciação dos factos não pode ser idêntica. Por outro lado, duas das trabalhadoras do recorrente confirmaram que se resignaram perante a decisão do Recorrente. 34. Resignação não significa convicção do exercício das funções em comissão de serviço, nem confirmação de que todos os cargos de Direção eram exercidos por via deste regime, mas sim medo de arriscar e de defrontar a entidade empregadora face a ilegalidades evidentes, que a Recorrida não teve, fazendo valer os seus direitos, aliás reconhecidos - e bem - pelo Tribunal da Relação de Évora. 35. Em relação à atuação em abuso de direito, do facto provado 52, resulta única e exclusivamente que os cargos de chefia atribuídos são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento por iniciativa da entidade empregadora ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado. 36. Nada resulta no que respeita ao conhecimento dessa situação pela Recorrida, nem à convicção do próprio Recorrente aquando da atribuição das funções à Recorrida. 37. Assim sendo, não se encontrando demonstrado que a Recorrida sabia que a atribuição de funções diretivas era realizada através do regime da comissão de serviço e a título temporário - prova que cabia à Recorrente -, não se poderá considerar que a mesma agiu em abuso de direito. 38. Por fim, no que respeita ao valor da retribuição devida a Recorrida, nunca se poderá considerar que o valor das compensações auferidas quando exercia estes cargos lhe deixou de ser devido, já que estes cargos eram ocupados a título definitivo, sendo ilegal a destituição levada a efeito pelo Recorrente. 39. Em consequência, apenas se pode concluir que continuam a ser devidas à Recorrida as quantias que auferia anteriormente a título de subsídio de transporte, compensação e ajudas de custo, que totalizam a quantia de € 1.037,58 (mil e trinta e sete euros e cinquenta e oito cêntimos), desde logo por estes montantes fazerem parte da retribuição da Recorrida e não estarem, de forma nenhuma, condicionados à realização de quaisquer despesas - como resulta do ponto 38 da fundamentação de facto.» Termina referindo que o recurso deverá ser rejeitado «confirmando-se o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da relação de Évora, assim se fazendo JUSTIÇA!». Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido da negação da revista e da confirmação da decisão recorrida, parecer que tendo sido notificado às partes não motivou qualquer tomada de posição. Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber: a) – Se deve ser reconhecido à Autora o direito às categorias profissionais de Diretoria Técnica e de Diretora Executiva Adjunta e à sua colocação na categoria no cargo correspondente na nova estrutura orgânica do Réu; b) – Se à Autora deve ser reconhecido o direito à retribuição que auferia no desempenho das funções referidas na alínea anterior; c) – Se o Autora atuou com abuso do direito ao instaurar a presente ação tendente ao reconhecimento dos direitos referidos na alínea anterior. II As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto: «1 - A Autora celebrou com o Réu um contrato de trabalho, inicialmente a termo certo, em 12 de fevereiro de 1993, tendo sido contratada para exercer as funções de Fisioterapeuta (alínea A) dos factos assentes). 2 – O Réu é uma Instituição de Solidariedade Social (IPSS) (alínea B) dos factos assentes). 3 - A relação laboral estabelecida entre Autora e o Réu rege-se pelo Código do Trabalho e pelo contrato coletivo celebrado entre CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE – Federação Nacional da Educação e outros, publicado no BTE, n.º 6, vol. 79 de 15/02/2012 (alínea C) dos factos assentes). 4 - Da ata da reunião de Direção do Réu que teve lugar no dia 22 de janeiro de 2007, foi aprovada uma proposta de reafectação dos Técnicos Superiores da Instituição, passando a Autora a desempenhar as funções de Diretora Técnica afeta ao departamento da Intervenção Precoce (alínea D) dos factos assentes). 5 - Em 14 de janeiro de 2009, a Direção do Réu deliberou nomear a Autora, para Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão (alínea E) dos factos assentes). 6 - Em 15 de maio de 2014, a Direção do Réu deliberou atribuir uma compensação ao vencimento dos trabalhadores com a categoria profissional de Diretores Técnicos/Gestores de Processo da Instituição, de valor equivalente a 10% da respetiva remuneração, não sendo esta compensação cumulável com qualquer outra, tendo os Diretores Técnicos/Gestores de Processo prescindindo do banco de horas e da remuneração de faltas justificadas não contempladas na Lei Geral do Trabalho (alínea F) dos factos assentes). 7 - Em 2 de outubro de 2014, a Direção do Réu deliberou proceder a alterações no mapa de pessoal da Instituição, com efeitos a partir de 1 de setembro de 2014, passando a Autora a assumir funções de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão (alínea G) dos factos assentes). 8 - Em 1 de setembro de 2014, a Autora e o Réu celebraram um acordo de isenção de horário de trabalho com a duração de 1 ano, considerando-se automaticamente renovado por igual período, caso não seja denunciado por qualquer das partes com aviso prévio mínimo de 30 dias, do qual constava ainda a atribuição de um acréscimo de 20% do vencimento da Diretora Executiva (alínea H) dos factos assentes). 9 - Em abril de 2015, a A. auferia de vencimento base € 1.661,48, de subsídio de refeição € 4,27, por dia útil; de diuturnidades € 84,00, de compensação € 487,38, de subsídio de transporte € 500,00, de isenção de horário de trabalho € 487,38 e de ajudas de custo € 50,20 (alínea I) dos factos assentes). 10 - Em 6 de janeiro de 2015, foi eleita uma nova lista e os membros da Direção do Réu (alínea J) dos factos assentes). 11 - Em 18 de julho de 2015, a Direção do R. deliberou cessar o regime de isenção de horário da Autora e na mesma altura decidiu proceder a uma “reorganização da estrutura orgânica da R., mormente no que se refere à existência e funções da Direção Executiva”. (alínea L) dos factos assentes). 12 - A Direção Executiva era composta pela Diretora Executiva, CC e a Diretora Executiva Adjunta, a ora aqui Autora (alínea M) dos factos assentes). 13 - Em 18 de julho de 2015, decidiu a Direção do R. que “…as funções ora no âmbito da Direção Executiva podem e devem ser realizadas, com vantagem, em dois cargos autónomos que coordenem e chefiem duas grandes áreas de serviço, que diferenciem e autonomizem funções, competências, responsabilidades”: os Serviços de Respostas Sociais e os Serviços de Gestão. Nessa ocasião a Direção do Réu decidiu cessar unilateralmente as “comissões de serviço” dos membros da Direção Executiva, ou seja, da Autora, e determinou que esta regressasse “aos seus lugares de origem na instituição”. Deliberou igualmente que terminar “todas as compensações, subsídios e outros, referidos em deliberações ou em prática, relativos e conexos com o exercício das funções referidas”. Mais ainda, deliberou “considerar como findas as comissões de serviço decorrentes de anteriores nomeações e, consequentemente, destituir todo os atuais nomeados em exercício nas funções designadas de Direções Técnicas”, onde se inclui a Autora (alínea N) dos factos assentes). 14 - Na mesma ocasião a Direção do Réu nomeou a A. para o cargo de Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão, através de “uma comissão de serviço pelo período de três anos”, determinando ainda a assinatura de um “contrato de comissão de serviço, entre a direção e os funcionários agora nomeados” (alínea O) dos factos assentes). 15 - Em 23 de julho de 2015, o R. enviou por carta registada com aviso de receção para o domicílio da A. uma comunicação, a informar a “cessação das suas funções de Diretor Técnica do Centro de Recursos para a Inclusão exercidas em comissão de serviços, com efeitos ao 60 (sexagésimo) dia posterior à data de receção da presente missiva”. O Réu justificou esta decisão com a reestruturação que estava a ser levada a cabo pela nova Direção, resultante da eleição dos novos órgãos estatutários e comunicou igualmente à A. que a mesma se deveria manter “no exercício das funções que desempenhava antes do início da comissão de serviço, qual seja, Fisioterapia” (alínea P) dos factos assentes). 16 - Na mesma data, enviou outra comunicação à A. onde informou a A. da “cessação das suas funções de Diretor Adjunta Executiva exercidas em comissão de serviços, com efeitos ao 60 (sexagésimo) dias posterior à data de receção da presente missiva”, alicerçando a Ré a sua decisão na “quebra de confiança que caracteriza o exercício de tais funções, em face à nomeação dos novos órgãos estatutários, E mesmo que por mera hipótese assim não fosse, justifica o termo da presente comissão a reestruturação orgânica levada a cabo pela nova Direção e a suspeita da prática de comportamentos irregulares suscetíveis de rever o juízo sobre as capacidades do trabalhador” (alínea Q) dos factos assentes). 17 - Durante o período em que a autora esteve ausente do trabalho, o Réu atribuiu o gabinete onde esta exercia as suas funções desde meados de julho de 2014, a outros trabalhadores, DD e EE, por este motivo, em 21 de outubro de 2015 a A. enviou uma interpelação para a Direção da R. a informar que iria regressar ao trabalho no dia 26 de outubro de 2015 e a pedir esclarecimentos acerca das suas condições de trabalho, nomeadamente no que respeita ao seu gabinete, tendo a Direção mantido a decisão de não atribuir o mesmo à Autora (alínea R) dos factos assentes). 18 - Em 27 de outubro de 2015, data em que a A. se apresentou ao trabalho, o Réu atribuiu à mesma as funções de Fisioterapeuta e comunicou-lhe um novo horário (alínea S) dos factos assentes). 19 - A Autora enviou de imediato uma interpelação à Direção do Réu a solicitar que o seu horário não fosse alterado, mantendo o mesmo período normal de trabalho que sempre teve, confirmando que as demais colegas haviam concordado com a manutenção do seu horário habitual e a solicitar que, tal como sucedia com as demais, a R. permitisse que as horas de trabalho “indireto” não fossem fixas, como sempre sucedeu. A Ré não acedeu a nenhum dos pedidos da A. e manteve o novo horário (alínea T) dos factos assentes). 20 - No recibo de vencimento do mês de outubro o Réu fez constar como categoria profissional da Autora Fisioterapeuta Principal e deixou de lhe liquidar a compensação no valor mensal de € 487,38, Ajudas de Custo no valor de € 50,20 e o Subsídio de Transporte no valor de € 500,00, além do subsídio pela isenção do horário de trabalho, no valor de € 487,38 que deixou de ser paga à A. quando a R. denunciou unilateralmente o acordo existente (alínea U) dos factos assentes). 21 - Em 27 de outubro de 2015, o Réu afixou no placard da instituição cópia da reunião da Direção ocorrida em 28 de setembro de 2015 a que fez referência da última comunicação enviada à A. e que contém a “resposta” a algumas das interpelações anteriormente enviadas pela Autora. O ponto 2 da ordem de trabalhos desta reunião correspondeu à resposta à carta da A. enviada em 10 de setembro de 2015, limitando-se o R. a referir que não compreende o teor da mesma uma vez que não é mencionado o nome da A. na publicação apresentada. O ponto 3 da ordem de trabalho correspondeu à resposta às cartas da A. de 15 de setembro de 2015, opondo-se o R. às pretensões da A. invocando que o cargo de Diretora Executiva Adjunta não é uma categoria profissional prevista no CCT aplicável, alegando que estava em causa um cargo temporário e, por outro lado, o facto de ter havido uma alteração do Organigrama da instituição que resultou na extinção do mesmo (alínea V) dos factos assentes). 22 - Na mesma data o Réu publicou no seu perfil do Facebook um gráfico com o novo Organigrama da instituição, onde abaixo do Conselho Fiscal e da Direção, e reportando diretamente aos mesmos, constam apenas o departamento dos Serviços de Respostas Social e o de Serviços de Gestão (alínea X) dos factos assentes). 23 - Os diversos cargos que a autora desempenhou ao longo dos anos foram-lhe sendo atribuídos em face do seu perfil, das suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar. 24 – Em setembro de 2014, data em que passou a estar isenta de horário de trabalho, a autora assumiu uma majoração do seu período normal de trabalho para 35 horas semanais, ao invés das 25 horas a que se encontrava contratualmente obrigada. 25 – Os cargos que a autora foi desempenhando ao serviço do Réu, foram por mérito e empenho da autora na execução do seu contrato e são reveladores do grau de confiança que o Réu depositava na Autora. 26 – Em julho de 2014, a Autora cumulava as funções de Diretora Técnica com as de Diretora Executiva Adjunta. 27 – A Autora encontrava-se diretamente subordinada à Direção do Réu, reportando diretamente à Diretora Executiva, CC e à própria Direção. 28 - Na reunião de Direção do BB realizada em 29 de junho de 2015, foi deliberada a abertura de um processo de inquérito prévio por um instrutor externo à instituição. 29 - Em meados de julho de 2015, a autora foi inquirida no âmbito do referido processo, momento em que tomou conhecimento de que havia comportamentos que lhe estavam a ser imputados no âmbito do mesmo, os quais segundo o Réu poderiam consubstanciar infrações laborais. 30 – O Réu sem ter concluído as investigações publicitou através de diversos meios o levantamento de um inquérito prévio. 31 – Na Assembleia Geral de Sócios realizada em 7 de outubro de 2015, o Réu decidiu expor a todos os presentes as supostas irregularidades, que levaram à instauração de um inquérito prévio, tendo exibido diapositivos dos quais constavam todas as componentes da retribuição auferida pela diretora executiva adjunta. 32 – Fê-lo na presença da Autora. 33 – Antes de ter instaurado qualquer processo disciplinar à Autora, o Réu não hesitou naquela Assembleia Geral, perante a maior audiência possível, dar a entender que a autora teria uma retribuição elevada, que representava um custo elevado para a instituição. 34 – Nessa Assembleia estiveram presentes mais de 80 sócios, perante os quais a imagem da Autora ficou afetada. 35 - A autora ficou sem vontade de sair de casa, nomeadamente para ir ao café ou ao supermercado, por saber que todas as pessoas tinham conhecimento das acusações que o Réu lhe dirigia. 36 - A Autora perdeu a vontade de conviver com pessoas, mesmo da sua família, mantendo-se isolada das mesmas, chorando periodicamente e sem ânimo para fazer nada. 37 - A generalidade dos colegas de trabalho da autora e a anterior direção do Réu tinha conhecimento que a Autora tinha outros compromissos profissionais, que sempre foi mantendo em paralelo com as funções que desenvolvia na Ré. 38 - As quantias que passaram a ser liquidadas à autora, a partir de novembro de 2014, a título de subsídio de transporte e de ajudas de custo, eram liquidadas independentemente de a mesma efetuar quaisquer deslocações ao serviço da Ré. 39 - Tais quantias destinavam-se a compensar a Autora pelo exercício das funções de Diretora Executiva Adjunta, pela sua disponibilidade e por alguma eventual despesa de deslocação que tivesse de realizar. 40 - O horário de trabalho inicialmente atribuído à autora foi fixado por acordo com a mesma para permitir que esta pudesse exercer outra atividade profissional em paralelo, como era do conhecimento de todos. 41 - Em 27 de outubro de 2015, data em que a autora se apresentou ao trabalho, o Réu atribuiu à mesma as funções de Fisioterapeuta e decidiu alterar o horário de trabalho que a Autora executou enquanto desempenhou as funções de fisioterapeuta. 42 - Em 5 de novembro de 2015, a A. enviou uma comunicação a informar que se opunha e não aceitava o novo horário que lhe tinha sido unilateralmente imposto, alegando que o mesmo era incompatível com outros compromissos profissionais que sempre manteve em paralelo com as funções que exercia no Réu, tal como era de conhecimento geral. 43 – O Réu afixou no placard da instituição cópia da reunião da Direção ocorrida em 28 de setembro de 2015 a que fez referência da última comunicação enviada à Autora e que contém a “resposta” a algumas das interpelações anteriormente enviadas pela Autora. 44 - A atual Direção optou por atribuir o cargo de Diretor dos Serviços de Respostas Sociais ao Técnico FF e a representação dos Serviços de Gestão à trabalhadora GG. 45 - Ambos os trabalhadores já eram trabalhadores do Réu, o FF ocupava o cargo de Diretor Técnico do Rendimento Social de Inserção e a GG ocupava o cargo de Ajudante de Ação Direta. 46 - Entre fevereiro e maio de 2015, a autora frequentou um Programa de Gestão de Organizações Sociais na .... 47 – A autora desempenhou, por convite da Direção em exercício nessa altura, que aquela aceitou, os cargos de Diretora Técnica da Intervenção Precoce, Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão e Diretora Executiva Adjunta, 48 – Os quais deixaram de existir com a atual Direção na sequência de uma alteração ao organigrama da instituição. 49 – Na comunicação enviada pelo Réu à autora, datada de 23 de julho de 2015, a autora foi informada que lhe havia sido retirada a confiança e consequentemente deixava de exercer de Diretora Executiva Adjunta e Diretora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão, com reingresso ao seu posto de origem, ou seja, fisioterapeuta. 50 – Quer a Diretora Executiva, quer todos os demais Diretores Técnicos que desempenhavam tais cargos, por convite da Direção em exercício nessa altura, foram destituídos dos respetivos cargos. 51 – Também por falta de confiança da atual direção, foi posto termo ao desempenho da Autora do cargo de Diretora Adjunta. 52 – Os cargos de chefia atribuídos pelo Réu são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado. 53 – A atual direção do BB remeteu à Autora uma comunicação a denunciar o acordo de isenção de horário de trabalho, deixando assim a Ré de liquidar à Autora a remuneração correspondente a tal isenção. 54 – A autora enquanto ocupou o cargo de Diretora Executiva Adjunta ocupava a sala destinada na instituição a quem ocupasse tal cargo. 55 – Na medida em que deixou de exercer tal cargo foi-lhe designado um novo gabinete, o qual oferece as condições adequadas ao exercício das suas funções de Fisioterapeuta. 56 – Na Assembleia Geral realizada a 7 de outubro de 2015, na qual esteve presente a Autora, que se encontrava em período de baixa médica por “novo episódio depressivo major, neste caso associado a problemas laborais”, foi dada a palavra aos associados que a solicitaram, sendo certo que a Autora não a solicitou. 57 – Na sequência do Relatório do Conselho Fiscal, resultaram indícios da prática de comportamentos irregulares por parte de alguns trabalhadores, razão pela qual o Réu procedeu a um processo de averiguações, com a propositura de processos disciplinares precedidos de procedimento de inquérito prévio, bem como de auditoria externa à contabilidade do BB. 58 – Estatutariamente a direção responde perante a assembleia Geral, pelo que foi aquela informada da existência dos processos prévios de inquérito, sem contudo se mencionar o nome dos trabalhadores visados. 59 – Em 4 de março de 2016, foi proferida decisão final no âmbito do processo disciplinar instaurado à autora tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, pelo prazo de 15 dias, nos termos conjugados doo artigo 328º n.º 1 al. e) e da alínea c) do n.º 3 do C.T., com produção de efeitos imediatos. 60 – No recibo de vencimento do mês de outubro de 2015, o Réu fez constar como categoria da Autora Fisioterapeuta Principal, enquanto anteriormente por determinação da Autora foi feito constar do recibo de vencimento como categoria da Autora, Diretora Executiva Adjunta.» III 1 – As instâncias dividiram-se relativamente à resposta a dar à questão do reconhecimento à autora do direito às categorias profissionais reclamadas. A 1.ª instância respondeu negativamente àquela questão, fundamentando-se, em síntese, no seguinte: «Tendo em atenção o regime geral e sendo certo que a Autora nunca assinou qualquer contrato de comissão de serviço, apenas constando as Atas de Direção da Ré a nomeação para os cargos de chefia que desempenhou entre os anos de 2007 e 2015 e sendo ainda certo que a Regulamentação Coletiva aplicável prevê a possibilidade dos cargos de chefia serem exercidos em regime de comissão de serviço, importa indagar se a falta de redução a escrito do acordo de comissão de serviço implica que o desempenho das funções pela Autora de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão se tenha de considerar como exercidas com caráter permanente. Resultando da regulamentação coletiva aplicável que os cargos de chefia, não se inserem nas categorias profissionais aí previstas, podem ser exercidos em regime de comissão de serviço e tendo o Réu logrado provar que os cargos de chefia que são atribuídos aos seus funcionários são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foram contratados, estando os trabalhadores do Réu cientes destes factos, pois para além de resultarem da convenção coletiva, tais factos resultaram da prova produzida em audiência de julgamento, podemos afirmar com segurança que o trabalhador investido/nomeado para exercer cargo de direção sabia que o estava a exercer em comissão de serviço. Contudo será que podemos, no caso em apreço, excluir a aplicação deste regime apenas pelo facto do mesmo não ter sido reduzido a escrito?» Debruçando-se sobre esta questão o Tribunal referiu: «A exigência legal de uma determinada forma como requisito legal de validade do negócio jurídico, visa promover um complexo de interesses públicos e privados: a defesa contra precipitações das partes, a clareza a respeito do conteúdo do contrato e do momento, do momento exato da sua celebração, a publicidade e o acautelar da posição de terceiros, a facilitação da prova e em geral a segurança e a certeza jurídicas. No caso em apreço a autora passou a exercer as funções de Diretora Técnica da Intervenção Precoce e Centro de Recursos para a Inclusão e de Diretora Executiva Adjunta em regime de comissão de serviço, tratando-se duma comissão de serviço interna, modalidade em que o empregador recorre aos trabalhadores da empresa para o desempenho de funções de especial confiança pessoal, sofrendo o contrato de trabalho destes trabalhadores uma vicissitude modificativa, por acordo das partes, enquanto durar a comissão de serviço. Por outro lado a “ratio” da exigência do documento escrito prescrito no citado artigo 162º do C.T. reside precisamente na necessidade de consciencializar as partes, sobretudo o trabalhador, da precariedade do cargo, sancionando-se a falta, com a permanência do trabalhador no cargo. O facto de os trabalhadores estarem cientes de que os cargos de chefia e de direção técnica são cargos que são desempenhados por convite do Réu e de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, conjugado com o facto do IRCT aplicável prever que tais cargos podem ser exercidos em regime de comissão de serviço e sendo certo que o Réu sempre assim atuou ao longo dos anos nomeando e destituindo, os seus funcionários nos termos que consta das atas de Direção do Réu, entendemos que a Autora exerceu as funções de chefia para as quais foi sendo nomeada em regime de comissão de serviço, sendo certo que para a validade da comissão em causa não seja de exigir a existência de um documento escrito, que nada acrescentaria às garantias advindas do facto dos cargos de chefia atribuídos pelo Réu serem de exercício temporário. Considerarmos assim, no caso em apreço, que a redução a escrito da comissão de serviço no âmbito dos cargos de direção e chefia previstos no IRCT, nos quais se incluem os cargos para os quais a autora foi nomeada, pode ser considerada de dispensável pois para além de estar prevista no - IRCT aplicável, e ser do conhecimento de todos os trabalhadores o âmbito em que se encontravam a exercer tais funções, acrescendo o facto de todas as chefias terem sido destituídas pela atual direção, em julho de 2015, que fez cessar o regime de comissão de serviço, tendo os trabalhadores do Réu aceite tal decisão, com exceção da Autora, podemos concluir que os trabalhadores do Réu estavam perfeitamente cientes do tipo de cargo e funções que eram exercidos ao abrigo da figura da comissão de serviço, e bem sabiam que estavam a desempenhar funções reversíveis, findas as quais voltariam à sua função e estatuto remuneratório anterior.» Vindo a concluir nos seguintes termos: «Em resumo e conforme resulta do artigo 234º do C.C., preceito aplicável aos atos jurídicos por força do disposto no artigo 295º do C.C. no caso em, apreço a Autora ao desempenhar os diversos cargos de chefia e de direção na estrutura organizacional do Réu, que sabia serem, cargos de responsabilidade de confiança e com carater temporário, constitui uma clara intenção da Autora na aceitação da proposta negocial do Réu, que se traduz no desempenho de funções de chefia em regime de comissão de serviço. A declaração negocial pode ser tácita, não impedindo o caráter formal da declaração que a ela seja tacitamente emitida, desde que a forma escrita tenha sido observada quanto aos factos donde a declaração se deduz (ato de nomeação e subsequente aceitação do desempenho do cargo) - ver artigo 217º n.º 1 e 2 do C.C. Por isso, tendo sido à autora atribuídas estas funções de chefia, sabia que tal exercício ocorre necessariamente em, comissão de serviço, pelo que a atribuição de tais cargos não envolve de forma alguma a sua nomeação para uma categoria profissional superior, não se podendo por isso considerar uma promoção irreversível. Podendo a comissão de serviço ser denunciada por qualquer das partes nomeadamente pelo empregador, voltará o trabalhador ao desempenho das suas funções correspondentes à categoria profissional que detinha antes da sua nomeação para os cargos de chefia. Em face do exposto podemos afirmar que o regresso à anterior categoria não significa baixa da categoria, pois o exercício das funções de chefia tem carater temporário não determinando qualquer promoção do trabalhador. Não conferindo o desempenho destes cargos de chefias o direito a uma nova categoria, tanto mais que em face do IRCT o desempenho destas funções não se integra em nenhuma das categorias profissionais institucionalizadas, o regresso da Autora à sua categoria anterior constitui um ato legal, o que desde já declaro, uma vez que não envolve a violação do princípio da irreversibilidade do estatuto profissional.» O Tribunal da Relação orientou-se em sentido inverso. Na verdade, debruçando-se sobre a omissão de redução a escrito do acordo entre as partes relativo ao exercício em comissão de serviço dos cargos para que o Réu nomeou a Autora, o Tribunal considerou o seguinte: «Mas seja no âmbito do regime originário da comissão de serviço (artigo 3.º), seja no âmbito do Código do Trabalho de 2003 (artigo 245.º), ou do Código do Trabalho de 2009 (artigo 162.º, n.º 3), o acordo relativo ao exercício de cargos em comissão de serviço está sujeito a forma escrita. Com efeito, estatui o referido n.º 3 do artigo 162.º que «[o] contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita (…)», devendo conter, entre o mais, a «[i]ndicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço», explicitando o n.º 4 do mesmo artigo, à semelhança do que estatuía o n.º 2 do artigo 245.º do CT de 2003, que «[n]ão se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior». Como de modo impressivo escreve Luís Miguel Monteiro (in Código do Trabalho Anotado, Pedro Romano Martinez, et alii, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 410), «[a] falta de redução a escrito do contrato ou a ausência neste de expressa referência ao regime de comissão de serviço tem efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitem – o empregador não pode pôr termo ao exercício de funções em comissão de serviço por simples declaração unilateral». Assim, a forma escrita constitui uma formalidade ad substantiam do contrato de trabalho em comissão de serviço, pelo que a sua inobservância não pode ser suprida por outro meio. Por isso, ressalvado o devido respeito, não se pode acompanhar o entendimento da 1.ª instância no sentido de que houve uma declaração tácita do Réu quanto ao exercício pela Autora das funções em comissão de serviço, que foi aceite por esta e, assim, se bem se depreende, que as funções foram exercidas pela Autora em regime, válido, de comissão de serviço. Não sendo válida a comissão de serviço, haverá que concluir que a trabalhador beneficia da tutela geral da categoria profissional que a lei estabelece, pelo que adquiriu o direito à categoria-estatuto ou categoria normativa correspondente às funções (categoria-função) de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica, sendo, pois, ilícita a sua colocação na categoria originária de fisioterapeuta [cfr. artigo 129.º, n.º 1 alínea e) do CT e cláusula12.ª alínea d)].» Constatando seguidamente que as categorias profissionais reconhecidas não tinham consagração no instrumento de regulamentação coletiva aplicável, o Tribunal abordou essa questão nos seguinte termos: «As funções em causa desempenhadas pela Autora/recorrente, tendo em conta o IRCT aplicável, parecem corresponder à categoria (normativa) de “Diretor de Serviços”: e isto porquanto, de acordo com o descrito funcional de tal categoria que consta do anexo I daquele, o «Diretor de serviços. — Estuda, organiza e dirige, nos limites dos poderes de que está investido, as atividades da instituição; colabora na determinação da política da instituição; planeia a utilização mais conveniente da mão-de -‑obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orienta, dirige e fiscaliza a atividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adotada e as normas e regulamentos prescritos; BB e mantém uma estrutura administrativa que permita explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz; colabora na fixação da política financeira e exerce a verificação dos custos». Todavia, importa assinalar que, como se afirmou no acórdão do STJ de 23-09-2009 (Recurso n.º 3843/08 - 4.ª Secção, com sumário disponível em www.stj), ainda que não estabelecida no instrumento de regulamentação coletiva do setor respetivo, quando as funções de que o trabalhador é incumbido correspondem a uma designação profissional com caráter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta a designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador, podendo existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projeção no plano remuneratório e noutros aspetos do estatuto profissional. Tal significa que tendo o recorrido/empregador atribuído à recorrente/trabalhadora “o cargo” correspondente a Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, e pretendendo esta essa categoria profissional, deverá a mesma ser-lhe reconhecida.» IV 1 – Tal como decorre da matéria de facto dada como provada, a relação de trabalho entre as partes iniciou-se em 12 de fevereiro de 1993, tendo o Réu contratado a autora para desempenhar as funções de fisioterapeuta. Resulta ainda da factualidade provada que a Autora passou a desempenhar a partir de 22 de janeiro de 2007, as funções de Diretora Técnica no Departamento de Intervenção Precoce do Réu e que, em 14 de janeiro de 2009, o Réu nomeou a Autora para desempenhar as funções de Coordenadora do Centro de Recursos para a Inclusão. Resulta igualmente da matéria de facto que a partir de 1 de setembro de 2014, a Autora passou a assumir as funções de Diretora Executiva Adjunta, em acumulação com as funções de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão. Em 18 de julho de 2015, o Réu fez cessar o desempenho pela Autora das funções de Diretora Executiva e deliberou considerar como findas as comissões de serviço dos Diretores Técnicos, e, em 23 de julho do mesmo ano, comunicou à Autora a cessação das comissões de serviço de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica. Deste modo, mau grado a relação de trabalho se tenha iniciado ainda na vigência do regime jurídico anterior ao Código de Trabalho de 2003, foi já vigência deste código e do Código do Trabalho em vigor que ocorreu a prestação de funções pela Autora nos sucessivos cargos, alegadamente de natureza diretiva, que lhe foram atribuídos pelo Réu e que estão na base do litígio a resolver. Para além do regime jurídico que emerge dos Códigos do Trabalho, face ao disposto no artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto e artigo 7.º do Código do Trabalho em vigor, à relação entre as partes é aplicável também o CCT celebrado entre a CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE – Federação Nacional de Educação e Outros, publicada no BTE, n.º 6, de 15 de fevereiro de 2012. 2 – A comissão de serviço como forma específica de contrato de trabalho, depois de consagração em instrumentos de regulamentação coletiva foi introduzida no regime jurídico português, com caráter geral, através do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro. Sobre o regime emergente deste diploma, que nas suas linhas gerais se manteve no Código do Trabalho de 2003 e no código em vigor, nomeadamente nos artigos 161.º a 164.º deste código, referiu-se no acórdão desta Secção de 19 de fevereiro de 2013, proferido no processo n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1[1], o seguinte: «Efetivamente, constatando que o regime do contrato individual de trabalho não apresentava qualquer especialidade para o exercício de funções que pressupõem uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, o legislador veio consagrar a figura da “comissão de serviço”, face à necessidade de assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais. Por isso, com vista à salvaguarda da lealdade, dedicação e competência em que assenta a confiança que o exercício de certos cargos exige, e constatando o legislador que o desaparecimento destes atributos de caráter interpessoal concorre para a eclosão de situações degradadas de relacionamento laboral, para as quais o regime legal do contrato individual de trabalho não apresentava uma solução satisfatória, veio aquele diploma a admitir a figura da comissão de serviço. Na verdade, vigorava então o princípio da correspondência entre a atividade exercida e a categoria/estatuto do trabalhador, conforme resultava do art. 22º, nº 1 do D.L. nº 49 408 de 24 de novembro de 1969, e que aprovou o regime do contrato individual de trabalha (também conhecido por LCT), e que só admitia as exceções decorrentes do “ius variandi”. Donde resultava que, verificando-‑se, cumulativamente, os requisitos previstos no seu nº 2, ao desempenho de funções nestes casos não correspondia o direito à respetiva categoria profissional, embora se tivesse que atribuir ao trabalhador retribuição superior, se esta correspondesse ao desempenho das novas funções. Por outro lado, estava absolutamente vedado à entidade patronal baixar definitiva ou temporariamente a categoria para que o trabalhador tinha sido contratado ou a que fora, entretanto, promovido, conforme decorria dos artigos 21º, nº1, al. d) e 23º da LCT. Por isso e perante esta proteção legal da categoria profissional, o legislador, na sequência do que já estabeleciam alguns instrumentos de regulamentação coletiva para responder a necessidades específicas das empresas, veio consagrar um regime excecional para o desempenho de cargos de “direção”, cuja disciplina se afastava daqueles princípios estruturantes do Direito do Trabalho. Foi neste enquadramento que foi consagrada a comissão de serviço, que estabelecia que o exercício de funções neste regime é de caráter precário, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respetiva, possibilitando-se às empresas o desempenho de certas funções ao trabalhador sem que se produzisse o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.» 3 – O artigo 161.º do Código do Trabalho de 2009, na sua versão em vigor, define as situações em que se pode recorrer à comissão de serviço, referindo que «pode ser exercido, em comissão de serviço, cargo de administração ou equivalente, de direção ou chefia diretamente dependente da administração ou de diretor-geral ou equivalente, funções de secretariado pessoal de titular de qualquer desses cargos, ou ainda, desde que instrumento de regulamentação coletiva de trabalho o preveja, funções cuja natureza também suponha especial relação de confiança em relação a titular daqueles cargos e funções de chefia». Por sua vez, o artigo 162.º do mesmo diploma concretiza o «regime do contrato de trabalho em comissão de serviço», referindo no seu n.º 1 que o cargo ou funções em comissão de serviço pode ser exercido por um trabalhador da empresa ou outro admitido para o efeito, dando origem às figuras da comissão de serviço interna ou externa, especificando o n.º 2 deste artigo que «no caso de admissão de trabalhador para exercer cargo ou funções em comissão de serviço, pode ser acordada a sua permanência após o termo da comissão». O n.º 3 daquele artigo disciplina a forma e o conteúdo do contrato, referindo que «o contrato para exercício de cargo ou funções em comissão de serviço está sujeito a forma escrita e deve conter: a) Identificação, assinaturas e domicílio ou sede das partes; b) Indicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço; c) No caso de trabalhador da empresa, a atividade que exerce, bem como, sendo diversa, a que vai exercer após cessar a comissão; d) No caso de trabalhador admitido em regime de comissão de serviço que se preveja permanecer na empresa, a atividade que vai exercer após cessar a comissão». De acordo com o disposto no n.º 4 deste artigo 162.º, «não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior». Por outro lado, de acordo como disposto no n.º 5 deste dispositivo, «o tempo de serviço prestado em regime de comissão de serviço conta para efeitos de antiguidade do trabalhador como se tivesse sido prestado na categoria de que este é titular». No artigo 163.º o Código do Trabalho disciplina a cessação de comissão de serviço, resultando no n.º 1 que «qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respetivamente, até dois anos ou período superior» e resulta do n.º 2 do mesmo dispositivo que «a falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401.º», afastando-se radicalmente do regime geral de cessação do contrato de trabalho. Conforme refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, o «princípio subjacente à figura da comissão de serviço e que orienta o seu regime jurídico é o do reconhecimento do caráter fiduciário de algumas situações jurídicas laborais. Não obstante, a fidúcia, não ser de aceitar como característica geral dos contratos de trabalho, (…), em alguns casos o vínculo laboral baseia-se, efetivamente, numa relação de confiança pessoal entre o empregador e o trabalhador, que decorre do tipo de função que é o segundo chamado a desempenhar (uma função de chefia ou uma função de secretariado pessoal), e é esta circunstância que justifica o enquadramento especial deste tipo de vínculos de trabalho. Deste princípio geral decorre também a maior especificidade do regime da figura da comissão de serviço, que é possibilidade de pôr termo ao vínculo de comissão de serviço independentemente de ocorrência de justa causa (arts. 163 e 164.ºdo CT)».[2] Tal como se referiu, à relação de trabalho entre as partes é aplicável o Contrato Coletivo entre a CNIS — Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e a FNE — Federação Nacional da Educação e outros, publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 6, de 15 de fevereiro de 2012. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 4.ª desse contrato, dedicada ao «objeto do contrato de trabalho», «Cabe às partes definir a atividade para que o trabalhador é contratado» e «a definição a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para uma das categorias profissionais constantes do anexo I». De acordo com o n.º 1 da cláusula 6.ª desse Contrato Coletivo, com a epígrafe “Categorias e carreiras profissionais”, «os trabalhadores abrangidos na presente convenção serão classificados nas profissões e categorias profissionais constantes do anexo I, tendo em atenção a atividade principal para que sejam contratados» e, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, «as carreiras profissionais dos trabalhadores abrangidos pela presente convenção são regulamentadas no anexo II, sendo que a fixação de períodos de exercício profissional para efeitos de progressão na carreira não impede que as instituições promovam os seus trabalhadores antes do seu decurso». Por outro lado, aquele instrumento de regulamentação coletiva do trabalho dedica à comissão de serviço a sua cláusula 23.ª que era do seguinte teor: «Cláusula 23.ª 1 — Podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes, de direção técnica ou de coordenação de equipamentos, bem como as funções de secretariado pessoal relativamente aos titulares desses cargos e ainda as funções de chefia ou outras cuja natureza pressuponha especial relação de confiança com a instituição.Comissão de serviço 2 — Gozam de preferência para o exercício dos cargos e funções previstos no número anterior os trabalhadores já ao serviço da instituição, vinculados por contrato de trabalho por tempo indeterminado ou por contrato de trabalho a termo, com antiguidade mínima de três meses. 3 — São diretamente aplicáveis ao exercício da atividade em comissão de serviço as normas legais em vigor relativas às formalidades, à cessação e efeitos da cessação da comissão de serviço, bem como à contagem de tempo de serviço que as instituições promovam os seus trabalhadores antes do seu decurso.» Destaca-se o disposto no n.º 3 deste dispositivo que manda aplicar o regime geral da comissão de serviço que resulta do Código do Trabalho, relativamente «às formalidades, à cessação e efeitos da cessação da comissão de serviço, bem como à contagem de tempo de serviço que as instituições promovam os seus trabalhadores antes do seu decurso». Está em causa no presente processo saber quais as consequências decorrentes do facto de o desempenho pela Autora, a partir de 1 de setembro de 2014, das funções de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica do “Centro de Recursos para a Inclusão”, em acumulação, para que foi nomeada pelo Réu, não ter sido reduzida a escrito pelas partes, em conformidade com o disposto no artigo 162.º do Código do Trabalho. Com efeito, apesar da deliberação da Direção do Réu que nomeou a Autora ter sido reduzida a escrito, as partes não formalizaram nos termos daquela disposição legal as condições em que tal exercício ocorreria. 4 - Tal como se referiu, resulta do n.º 4 do artigo 162.º do Código do Trabalho que «Não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita ou a que falte a menção referida na alínea b) do número anterior». Esta alínea b) refere-se à «Indicação do cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço». Este dispositivo tem sido objeto de particular atenção da Doutrina. MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, referiu sobre o mesmo o seguinte: «O contrato de trabalho ou o acordo para prestações em função de regime de comissão e serviço deve ser reduzido a escrito, nos termos do art. 162.º, n.º 3 do CT, e dele devem constar as menções referidas nessa mesma norma. A não redução a escrito, e bem, assim, a não referência das funções a desempenhar e do regime da comissão de serviço aplicável determinam a conversão automática do contrato em contrato de trabalho comum (art. 162.º, n.º 4). Trata-se, em suma, da manifestação do princípio da proteção do trabalhador na matéria da forma quando estejam em causa regimes menos favoráveis para o trabalhador do que o regime comum».[3] Por outro lado, esta autora, a propósito da forma e das formalidades do contrato de trabalho em geral, afirmou o seguinte: «Em primeiro lugar, cumpre referir que, nos casos em que o contrato de trabalho seja sujeito a exigências legais de forma (i.e, quando seja um negócio formal), a forma a seguir é a forma escrita. Trata-se contudo, de uma forma qualificada, porque do documento contratual devem constar certas menções obrigatórias. Algumas destas menções obrigatórias são comuns a todas as situações em que a lei exija forma escrita (assim a identificação e assinatura das partes), enquanto outras variam consoante as especificidades do contrato de trabalho em questão – assim, vejam-se, no Código do Trabalho, (…) o art. 162.º, n.º 3, quanto às menções do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço (…). O ponto importante a reter nesta matéria é que, tal como sucede em relação à falta de forma, a omissão das menções mais importantes pode importar a consequência, acima indicada, da conversão do contrato (…). Estas menções obrigatórias mais importantes têm assim valor ad substantiam para o contrato em questão.»[4] Segundo a mesma autora, «o recurso à comissão de serviço fora dos casos previstos na lei, comina uma situação de nulidade, por contrariedade à lei».[5] LUÍS MIGUEL MONTEIRO, por seu turno, afirmou que «a comissão de serviço tem origem obrigatória num acordo entre empregador e trabalhador, necessariamente escrito e contendo a identificação dos contraentes, a cargo ou funções a desempenhar com menção expressa do regime de comissão de serviço. Tratando-se de trabalhador já ligado à empresa, o acordo deve mencionar a sua categoria ou funções exercidas. A menção destina-se a tornar clara a situação do trabalhador após a cessação da comissão de serviço, pois a hipótese normal envolverá o regresso ao posto de trabalho ocupado antes da comissão»[6]. E que «a falta de redução a escrito do contrato ou a ausência neste de expressa referência ao regime de comissão de serviço tem efeito idêntico ao recurso à comissão para provimento de cargos que a não admitem – o empregador não pode pôr termo ao exercício das funções contratadas por simples declaração unilateral».[7] Por outro lado, IRENE GOMES, pronunciando-se sobre o regime emergente do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro, referiu que «A forma exigida assume-se como ad substantiam não podendo a falta de redução a escrito ser substituída, nos termos do art. 364.º, n.º 1 do Código Civil, por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior. De facto, no caso da comissão de serviço não estamos perante uma situação em que a exigência de documento escrito vise apenas a prova das declarações. Aqui, a forma escrita tem em vista possibilitar uma maior reflexão das partes, uma formulação mais precisa e completa das declarações negociais e um maior elevado grau de certeza sobre os termos contratuais, afastando, consequentemente, o regime do n.º 2 do art. 364.º do Código Civil. Quanto à inobservância da forma e formalidades legais impostas para o trabalho exercido em comissão de serviço, a lei só se pronuncia expressamente relativamente a um ponto concreto – falta de redução a escrito da menção de que o cargo ou funções a desempenhar são efetuados em comissão de serviço (art. 3.º, n.º1, al. b) e n.º 2). Nesse caso, e de acordo com o n.º 2 do art. 3.º, “considera-se que o cargo ou as funções são exercidas com caráter permanente. Assim, na falta de referência de que o cargo ou função é exercido em Comissão de Serviço, permanece intacto o contrato de trabalho, ou seja a comissão de serviço é nula, por inobservância de forma, mas essa parte contratual não afeta a validade do negócio jurídico em causa, verificando-se a sua manutenção forçada, sem possibilidade de afastamento pela vontade hipotética das partes. (…) De facto, a necessidade de controle da legitimidade do recurso da comissão de serviço explica a razão da exigência formal da figura e da severidade do regime perante a sua inobservância.»[8] 5 – Esta Secção debruçou-se sobre as consequências da omissão de sujeição à forma escrita do desempenho de funções de natureza diretiva em comissão de serviço no acórdão proferido na revista n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1, datado de 19 de março de 2013, já acima referido. Considerou-se nesse aresto, tendo em conta o regime decorrente do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro e a disciplina emergente do Acordo de Empresa aplicável ao caso, que a não sujeição a forma escrita da comissão de serviço não afastava a aplicação ao caso do específico regime de cessação daquela forma de contrato de trabalho, com os seguintes fundamentos: «Na verdade, deve indagar-se através da interpretação das disposições legais que prescrevem certas formalidades qual o escopo que visam atingir, de modo a que se possa concluir que, sempre que este seja assegurado no caso concreto, a pretensão legal ficará satisfeita. De acordo com a finalidade clássica, a exigência legal de uma determinada forma como requisito legal de validade do negócio jurídico, visa promover um complexo de interesses públicos e privados: a defesa contra precipitações das partes, a clareza a respeito do conteúdo do contrato e do momento exato da sua celebração, a publicidade e o acautelar da posição de terceiros, a facilitação da prova, e, em geral, a segurança e a certeza jurídicas. Contudo, a forma que nalgumas áreas era tradição exigir-se, veio a ser aligeirada por via legislativa (direito comercial e direito civil), por força da necessidade de maior celeridade das transações. Noutros domínios, pelo contrário, assistiu-se a um movimento de «neo-formalismo» ou «renascimento da forma», para a proteção da parte mais fraca do negócio jurídico, por exemplo, na venda ao domicílio e na venda por correspondência, negócios que a lei quis dificultar, por razões sociais. A nível judicial e doutrinário, assiste-se também ao fenómeno da «redução teleológica» da norma que prevê a forma legal ou à paralisação da invocação da nulidade pela parte que a invoca, quando o seu comportamento configura um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium[4]. No caso vertente, o trabalhador recorrido passou a exercer as funções de RAD em regime de comissão de serviço, tratando-se duma comissão de serviço interna, modalidade em que o empregador recorre a trabalhadores da empresa para o desempenho de funções de especial confiança pessoal, sofrendo o contrato de trabalho destes trabalhadores uma vicissitude modificativa, por acordo das partes, enquanto durar a comissão de serviço. Por outro lado, a “ratio” da exigência do documento escrito prescrito pelo artigo 3º, nº 1 do DL n.º 404/91, de 16 de outubro, reside na necessidade de consciencializar as partes, sobretudo o trabalhador, da precariedade do cargo (ou do vínculo laboral, no caso de se tratar de comissão de serviço externa), sancionando-se a falta de forma com a permanência do trabalhador no cargo. Ora, com o processo concursal acordado no AE para os trabalhadores da recorrente que pretendam desempenhar cargos de chefia, ficam igualmente satisfeitos os valores da certeza e da segurança, bem como o escopo protetor que o documento escrito exigido pela mencionada norma teve em vista.» Referiu-se ainda no mesmo aresto o seguinte: «Em 1998, ano em que o A foi colocado no desempenho das funções de RAD, o AE então em vigor, publicado no BTE nº 21/96 de 8/6, continuava a estabelecer no nº 1 da cláusula 69ª que os cargos de direccção e chefia, dada a sua especificidade, não farão parte dos grupos profissionais e serão exercidos em comissão de serviço. Por seu turno, o nº 2 consagrava que o preenchimento destes cargos é da competência da empresa, sendo os cargos de chefia 1, 2, 3 e 4 precedido de concurso, sendo feito, prioritariamente por recrutamento interno (nº 3), e mantendo os trabalhadores nestes cargos o direito às promoções previstas na cláusula 77ª, nº 2 (nº 4). Além disso, a empresa estava obrigada a anunciar a abertura do processo de candidatura no “Noticiário Oficial”, devendo constar do anúncio o respetivo prazo de candidatura, a especificação das atribuições do cargo e do tipo de provas de seleção (71ª , nºs 1 e 2), devendo os candidatos apresentar currículo geral, currículo profissional CTT, e trabalhos relacionados com a função a desempenhar. Terminado o prazo de receção das candidaturas o serviço competente verificará o cumprimento dos requisitos e formalidades exigidas no anúncio, com exclusão imediata dos candidatos que não os satisfaçam (72ª/1), ficando a apreciação das candidaturas a pertencer a um júri que, depois de ponderar todas as circunstâncias específicas de cada candidato e de o entrevistar, apresentava à hierarquia a relação dos candidatos aprovados pela respetiva ordem de adequação ao cargo (72ª/ 2,3 e 5). Seguia-se por fim a nomeação para o cargo, cuja competência é da empresa, sob proposta da hierarquia e de acordo com os resultados da seleção feita pelo júri (nº 1 da cláusula 73ª). Trata-se portanto dum processo concursal complexo, a que o A teve que se candidatar, e por fim foi nomeado pela empresa para o cargo a que se tinha candidatado. Na verdade, com a candidatura ao concurso publicitado pela empresa no seu “Noticiário Oficial”, e onde devia constar a especificação das atribuições do cargo (necessariamente escrita), bem como com a nomeação do candidato para o cargo a que se havia proposto (também necessariamente escrita), temos de concluir pela existência dum encontro de vontades inequívocamente expresso, suscetível por isso de ser equiparado ao documento escrito exigido pelo DL nº 404/91. Entendemos por isso, que para a validade da comissão de serviço agora em causa, não seja de exigir, para além desse processo concursal previsto e imposto pelo AE, um documento escrito, que nada acrescentaria às garantias advindas do concurso (necessariamente escrito) a que o A se teve que submeter. Na verdade, era dispensável esta redução a escrito da comissão de serviço para os cargos de direção e chefia previstos no AE/CTT, pois face a esta convenção coletiva era claro que aqueles cargos só podiam ser preenchidos através duma comissão de serviço, tanto mais que o desempenho das funções que as integram não faz parte dos grupos profissionais clausulados no dito instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, conforme foi expressamente acordado pelas partes outorgantes (clª 69ª /1).» Tendo-se concluído naquele aresto nos seguintes termos: «Tratando-se assim duma nomeação para um cargo de chefia, e que passou por todas estas fases (anúncio do cargo e respetivas funções; candidatura e frequência dum estágio de formação; e por fim nomeação), e resultando da contratação coletiva que estes cargos de chefia só podiam ser preenchidos através de comissão de serviço, a exigência do documento escrito referido no artigo 3º do DL nº 404/91 mostra-se plenamente satisfeita face ao formalismo do recrutamento, candidatura e nomeação do trabalhador, pois deste processo formal resulta um inequívoco encontro de vontades, por um lado do trabalhador (ao candidatar-se e por fim ao aceitar o desempenho do cargo) e por outro da empresa, ao nomeá-lo. Por isso, não pode o Autor, ao ser nomeado para este cargo de direção ou chefia (RAD) e tendo aceite tal nomeação, vir invocar que desconhecia que o exercia em comissão de serviço, só porque não havia um documento escrito, pois face ao AE não podia ser doutra forma, pois estes cargos apenas podiam ser exercidos em comissão de serviço, o que não podia ignorar, tanto mais que já anteriormente tinha exercido funções de chefia, nomeadamente entre 19… e 19…, em que desempenhou as funções de Supervisor de Distribuição do Centro de Distribuição Postal da ...., e a que correspondia o grau de “chefia nível 2”. E entre 19… e fins de 19…, em que desempenhou as funções de chefia, nível 3, da principal Estação de Correios da ...., passando, a partir de …/…/19…, ao nível 4. Donde decorre que este desempenho de cargos em comissão de serviço, em si, não tem de ser objeto de um contrato com redução a escrito, porquanto é o AE que impõe que essas funções apenas podem ser exercidas em comissão de serviço, após um complexo processo concursal a que o trabalhador se sujeitou depois de se ter candidatado e de ter efetuado um estágio de formação ministrado pela R, a que se seguiu a sua nomeação com consequente aceitação e desempenho do cargo. Deste modo e conforme resulta do artigo 234º do Código Civil, preceito aplicável aos atos jurídicos por força do artigo 295º, temos de concluir que, face às circunstâncias do caso, o simples desempenho do cargo pelo trabalhador após submissão ao aludido processo concursal, constitui uma clara intenção da aceitação da proposta negocial da R, nos termos em que tinha sido publicitada – desempenho de funções de chefia em regime de comissão de serviço. Por outro lado, a declaração negocial pode ser tácita, não impedindo o caráter formal da declaração que ela seja tacitamente emitida, desde que (como foi o caso) a forma escrita tenha sido observada quanto aos factos donde a declaração se deduz (processo concursal do trabalhador, ato de nomeação e subsequente aceitação do desempenho do cargo), conforme resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 217º do CC. Por isso, atribuídas estas funções de chefia, o trabalhador já sabia que tal exercício ocorre necessariamente em comissão de serviço, pelo que a atribuição destes cargos não envolve a sua nomeação para uma categoria profissional superior, não se considerando por isso, uma promoção irreversível. E assim sendo, podendo a comissão de serviço ser denunciada por qualquer das partes, nomeadamente pelo empregador, voltará o trabalhador ao desempenho das funções correspondentes à categoria profissional que detinha antes da sua nomeação para o cargo de chefia. Pelo exposto, o regresso à anterior categoria não significa baixa da categoria, pois o exercício de funções de chefia tem caráter temporário, não envolvendo qualquer promoção do trabalhador.» Considerou-se neste aresto que a redução a escrito contrato para desempenho de funções em comissão de serviço era dispensável no caso, porque a nomeação do trabalhador ocorreu no contexto de um procedimento de natureza concursal que realizava por inteiro os objetivos subjacentes à redução a escrito do acordo relativo ao desempenho das funções de chefia em comissão de serviço, nos termos do artigo 162.º do Código do Trabalho. São as específicas condições de transparência que caracterizam este procedimento de seleção e nomeação, com a objetivação das condições em que a função é exercida, que na ótica do aresto em causa garantem as razões subjacentes à norma relativa à relativa à forma do contrato, hoje resultante do n.º 4 do artigo 162.º do Código do Trabalho em vigor, ao tempo, do artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-lei n.º 404/91, de 16 de outubro. 6 – A comissão de serviço introduz na dinâmica da relação laboral uma situação de precaridade pondo em causa a estabilidade que caracteriza a relação de trabalho subordinado, vista em geral. Esta precaridade justificada na especificidade das tarefas desempenhadas no quadro da comissão de serviço (cargos de direção e de secretariado pessoal que exigem confiança entre as partes) BB um quadro de instabilidade que o sistema jurídico pretende minorar através das exigências de natureza formal impostas. Tais exigências prendem-se com a própria natureza e razão de ser da comissão de serviço que é algo excecional relativamente ao contrato de trabalho. Trata-se de um facto modificativo do contrato de trabalho, no caso das comissões internas, mas com natureza transitória, que há de resultar inexoravelmente de um acordo das partes e como tal, os seus contornos têm que ser precisos e as suas exigências formais observadas, para que sob a capa da comissão de serviço não se ocultem outras situações de fraude à lei, frustrando as garantias constitucionais e legais relativas à estabilidade da relação laboral. As exigências de natureza formal impostas visam a concretização e a caracterização das tarefas desempenhadas a coberto daquele contrato e, no caso das comissões internas, exige-se igualmente a concretização da situação anterior. A subordinação do contrato a forma escrita visa a materialização destas condições, o efetivo conhecimento das mesmas pelas partes, visando-se, sobretudo, concretizar a situação do trabalhador no momento em que o empregador pretenda por termo à comissão de serviço. A referência que resulta do n.º 4 do artigo 162.º no sentido de que «não se considera em regime de comissão de serviço o contrato que não tenha a forma escrita», visa impedir a aplicação do regime da cessação da comissão de serviço, nomeadamente, do artigo 163.º daquele código nas situações em que o desempenho de funções em comissão de serviço não tenha sido rodeado das exigências de natureza formal que garantem a realização dos objetivos acima referidos. Ao afastar o regime específico da comissão de serviço, nomeadamente, o da sua cessação, o sistema jurídico transforma a relação de trabalho em causa numa relação normal de trabalho subordinado, com todas as consequências que daí advém em termos de estabilidade da relação e do reconhecimento dos direitos emergentes do desempenho das tarefas efetivamente desempenhadas. Carece deste modo de qualquer sentido a pretensão do recorrente de que seria aplicável a esta relação de trabalho o regime do nulidade do contrato de trabalho decorrente do artigo 122.º do Código do Trabalho. No caso dos autos, mau grado se tenha provado que «52 – Os cargos de chefia atribuídos pelo Réu são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado», a verdade é que a nomeação da Autora para o desempenho das funções não foi objeto de qualquer contratualização formal, com redução a escrito das condições em que aquelas funções seriam desempenhadas, sendo a deliberação da direção do Réu que a nomeou completamente omissa sobre tais condições. Deste modo, apenas essa deliberação foi reduzida a escrito, não existindo qualquer procedimento formalmente assumido que tenha preparado aquela deliberação e que tenha objetivado em condições em que as funções seriam exercidas, o que, na linha do acórdão desta Secção acima referido, poderia dispensar a sujeição a forma escrita do contrato. Torna-se assim forçoso concluir que não pode aplicar-se ao desempenho das funções em causa, o regime da cessação da comissão de serviço, decorrente do artigo 163.º do Código do Trabalho, pelo que carece de fundamento legal a imposição à Autora do exercício das funções de fisioterapeuta para as quais tinha sido contratada e o seu afastamento das funções que lhe estavam anteriormente atribuídas através das categorias profissionais de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica. V 1 - Tendo a Autora desempenhado durante o período em causa as funções correspondentes ao cargo de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica, apesar de contratada para o desempenho de fisioterapeuta, cumpre então ponderar as consequências que derivam desse exercício, nomeadamente, se estão preenchidas as condições legais para que à Autora sejam reconhecidas as categorias profissionais cujo reconhecimento reclama. A caracterização da posição do trabalhador na organização da empresa é encontrada a partir do conjunto de serviços e tarefas que constituem o objeto da prestação laboral, a que aquele contratualmente se obriga, e que se aglutinam no âmbito da categoria profissional que lhe corresponde. O conceito de categoria profissional é utilizado em vários sentidos, nomeadamente, os de categoria-função e os de categoria- estatuto. O conceito de categoria-função «descreve em termos típicos, i. e, com recurso aos traços mais impressivos, a atividade a que o trabalhador se encontra adstrito»[9]. Por sua vez, a categoria-estatuto, também designada categoria normativa, «corresponde à designação formal dada pela lei ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho a determinado conjunto de tarefas, com vista à aplicação do regime laboral previsto para essa situação»[10]. A categoria profissional do trabalhador é assim determinada em função do «binómio classificação normativa/funções exercidas», correspondendo ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho. «O conceito de categoria profissional é anterior e exterior ao contrato de trabalho e à integração do trabalhador na organização, mas pode ter uma relevância direta no contrato, designadamente quando o exercício de uma certa atividade profissional dependa da posse da carteira profissional ou de outro título de habilitação, cuja falta determine, (…), a nulidade do contrato ou, se aquele título vier a ser retirado durante a execução do contrato, a sua caducidade»[11]. Segundo BERNARDO XAVIER, a atribuição da categoria «normativa» que de acordo com aquele autor corresponde «à posição do trabalhador para efeitos de um certo estatuto», «coloca-se em três planos. Um resulta da descrição o mais completa possível da situação de facto e, portanto, da análise das funções desempenhadas, dos seus requisitos profissionais e das características do posto de trabalho. Outro, que releva da interpretação do IRCT e das grelhas classificativas. E o terceiro, que supõe a justaposição destes planos para detetar a congruência classificatória operada em face da situação dada como verificada»[12]. Na determinação do concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional, apela-se, tal como se referiu no acórdão desta Secção de 17 de março de 2010, proferido na revista n.º 435/09.3YFLSB[13], «à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas» e prosseguiu-se nesse acórdão referindo que «tenha-se ainda presente [como refere o Acórdão desta secção de 10/12/2008, na Revista n.º 2563/08] que, exercendo o trabalhador diversas atividades enquadráveis em diferentes categorias profissionais, a sua classificação deve fazer-se tendo em consideração o núcleo essencial das funções por ele desempenhadas ou a atividade predominante e, sendo tal diversidade indistinta, deve o trabalhador ser classificado na categoria mais elevada que se aproxima das funções efetivamente exercidas, ou seja, em caso de dúvida quanto à categoria profissional, a atração deve fazer-se para a categoria profissional mais favorável ao trabalhador.» [14]. Decorre desta jurisprudência que na determinação da categoria profissional correspondente a um trabalhador, se destaca, em primeiro lugar, a necessidade de caracterização do «núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas» por esse trabalhador, uma vez que é a partir deste núcleo que se encontrará a categoria correspondente, por comparação entre as funções efetivamente desempenhadas e a descrição do conteúdo funcional da categoria em causa, tal como abstratamente se mostre definido. 2 - Da análise do Anexo I ao contrato de coletivo referido nos autos constata-se que ali não são descritas quaisquer categorias profissionais que tenham as denominações que enquadraram o exercício de funções pela autora em causa nos presentes autos: Diretor Executivo Adjunto e Diretor Técnico. Por outo lado, não decorrem da matéria de facto dada como provada quaisquer elementos que permitam concretizar o conteúdo funcional que as partes teriam atribuído a essas categorias, ou seja a matéria de facto dada como provada não concretiza as tarefas executadas pela Autora no âmbito das categorias profissionais cujo reconhecimento reclama. Acresce que da análise da petição inicial apresentada se conclui que a Autora não especificou no âmbito da factualidade invocada como fundamento da presente ação as tarefas que teria executado como suporte do reconhecimento das categorias profissionais em causa. O Tribunal da Relação debruçou-se sobre a não correspondência das categorias reclamadas com as categorias descritas no Anexo I da Convenção Coletiva de Trabalho nos seguintes termos: «As funções em causa desempenhadas pela Autora/recorrente, tendo em conta o IRCT aplicável, parecem corresponder à categoria (normativa) de “Diretor de Serviços”: e isto porquanto, de acordo com o descrito funcional de tal categoria que consta do anexo I daquele, o «Diretor de serviços. — Estuda, organiza e dirige, nos limites dos poderes de que está investido, as atividades da instituição; colabora na determinação da política da instituição; planeia a utilização mais conveniente da mão-de -‑obra, equipamento, materiais, instalações e capitais; orienta, dirige e fiscaliza a atividade da instituição segundo os planos estabelecidos, a política adotada e as normas e regulamentos prescritos; BB e mantém uma estrutura administrativa que permita explorar e dirigir a instituição de maneira eficaz; colabora na fixação da política financeira e exerce a verificação dos custos». Todavia, importa assinalar que, como se afirmou no acórdão do STJ de 23-09-2009 (Recurso n.º 3843/08 - 4.ª Secção, com sumário disponível em www.stj), ainda que não estabelecida no instrumento de regulamentação coletiva do setor respetivo, quando as funções de que o trabalhador é incumbido correspondem a uma designação profissional com caráter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta a designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador, podendo existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projeção no plano remuneratório e noutros aspetos do estatuto profissional. Tal significa que tendo o recorrido/empregador atribuído à recorrente/trabalhadora “o cargo” correspondente a Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, e pretendendo esta essa categoria profissional, deverá a mesma ser-lhe reconhecida.» O acórdão proferido por esta Secção em 23 de setembro de 2009, no processo a que coube neste Tribunal o n.º 3843/08-4[15], debruçou-se efetivamente sobre um caso de atribuição no âmbito de uma instituição bancária de uma categoria profissional com um estatuto específico que não tinha correspondência com as categorias decorrentes do instrumento de regulamentação coletiva aplicável. Referiu-se nesse acórdão, como fundamento do decidido, o seguinte: «Com efeito a definição da posição funcional do trabalhador na organização empresarial não é matéria exclusiva da autonomia privada individual, desde que obviamente, o feixe de direitos e deveres que emergem dessa posição não se traduza num tratamento de menor favor do trabalhador, quando em confronto com o que resultaria da lei ou do instrumento d regulamentação coletiva aplicável (…). Cabe naturalmente às partes, em primeira mão, definir o objeto do contrato de trabalho e elas poderão fazê-lo de modo tão preciso e excludente que nenhuma margem fique para determinações heterónomas. Quando as funções de que o trabalhador é incumbido (e que se obriga a realizar) no desenvolvimento das relações contratuais, correspondem a uma designação profissional com caráter normativo conferido pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador. Como escreve Monteiro Fernandes[16], a essencial função jurídico-prática da categoria profissional é “classificar o trabalhador, inserindo-o num conjunto a que é aplicável um particular regime” (remuneratório, apenas, ou também respeitante a outros aspetos da relação de trabalho). Este regime, que é “padrão vinculativo” para o empregador, pode não resultar de uma norma jurídica em sentido técnico (estabelecida em instrumento de regulamentação coletiva), “mas de uma regulamentação interna que estabeleça os parâmetros da organização do trabalho e da gestão de pessoal, incorporando uma hierarquia categorial e respetivos conteúdos funcionais” (.). E continua, não se exclui, naturalmente, esta hipótese de existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projeção no plano remuneratório e noutros aspetos de o estatuto profissional, através de um quadro normativo internamente estabelecido que é vinculativo para o trabalhador e para o empregador. O “agregado funcional” que a designação (ou rótulo categorial) adotado pelas partes (…) há de querer sinalizar, pode assim ser evidenciado pelo recurso aos concretos modos de organização e divisão do trabalho praticados na empresa e o seu significado contratual emergirá da própria execução do trabalho, isto é, do exercício efetivo de funções que, em última analise, é o único suporte seguro da classificação profissional»(.). 3 - Aceite a liberdade das partes de, por referência às concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador, criarem categorias profissionais sem correspondência com as que estejam previstas em regulamentação coletiva que seria aplicável, e de densificarem para as mesmas um estatuto autónomo, diverso do que resulta da referida regulamentação coletiva, tal liberdade, tem como limite o princípio favor laboratoris que tem expressão, entre outros, no artigo 476.º do Código do Trabalho. Decorre deste dispositivo que «as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador». A autonomia das partes na definição do contrato não pode deste modo ser usada em prejuízo dos direitos de trabalhadores que lhes estejam reconhecidos por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleçam tratamento mais favorável. Conforme refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «a lei permite que o contrato de trabalho se afaste do regime disposto pela convenção, mas apenas para estabelecer um regime mais favorável ao trabalhador»[17]. Face ao estatuto correspondente a categorias profissionais criadas pelas partes, em áreas onde existam categorias emergentes de regulamentação coletiva de trabalho, torna-se sempre necessário indagar da relação das categorias criadas com as categorias correspondentes às tarefas desempenhadas no âmbito da regulamentação coletiva, para aferir do respeito pelo princípio do tratamento mais favorável consagrado no dispositivo acima citado. As cláusulas de contrato de trabalho que criem categorias profissionais e definam o respetivo estatuto, dando origem a uma situação de prejuízo para o trabalhador, quando se compare o estatuto que emerge daquelas categorias com o que resulta dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicável, são nulas por contrariarem disposições legais de caráter imperativo. No caso dos autos, tal como acima se referiu, não resultam da matéria de facto dada como provada quaisquer elementos que permitam concretizar as tarefas efetivamente desempenhadas e definir o núcleo funcional das categorias profissionais a coberto das quais essas funções foram desempenhadas. Sem essa concretização não é possível reconhecer à Autora o direito a essas categorias profissionais e ao estatuto que lhes foi associado e nomeadamente aferir se as cláusulas do contrato de trabalho nos termos gerais em que essas funções foram desempenhadas são válidas e se não colidem com o disposto no supra citado artigo 476.º do Código do Trabalho. A Autora não provou pois, em conformidade com o disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil «os factos constitutivos do direito alegado», ou seja, os elementos integrativos das categorias profissionais que reclama. Por outro lado, não se mostram preenchidos os requisitos definidos no artigo 682.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para ampliação da matéria de facto dada como provada «em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito». Com efeito, nos termos daquele dispositivo e do n.º 1 do artigo 683.º do Código de Processo Civil, o Supremo pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito». Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, em consonância com o prevenido no artigo 5.º do Código de Processo Civil. No caso, tal como acima se referiu, para além dos factos já considerados pelas instâncias, não se descortina na petição inicial apresentada pelo Autora outra factualidade com relevância para a subsunção jurídica dos factos em apreço e que possa fundamentar a aludida ampliação da matéria de facto. Assim, não há fundamento para se fazer uso da faculdade de ordenar a ampliação da matéria de facto ao abrigo do n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil. Improcede, pois, a revista no que se refere ao reconhecimento à Autora das categorias profissionais em causa. 4 - Nas conclusões LVII a LXII insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que o condenou a pagar à Autora os quantitativos peticionados relativos à retribuição correspondentes aos cargos de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica. O Tribunal da Relação, tendo reconhecido à Autora o direito a essas categorias profissionais, reconheceu-lhe igualmente o direito à retribuição correspondente no valor de € 2 783,06. Para tanto fundamentou-se no seguinte: «2. Quanto a saber se a Autora recorrente tem direito a manter o valor de retribuição de € 2.783,06 que auferia, tendo em conta as funções que exercia. Tendo-se concluído que a Autora adquiriu o direito à categoria de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica, parece ser pacífico que, por consequência, o Réu não podia diminuir a sua retribuição [cfr. artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT e cláusula 12.ª, alínea d) do CCT]. A controvérsia poderá colocar-se em saber quais as prestações que integram a retribuição. Atente-se que nos termos do n.º 1 do artigo 258.º do CT se considera retribuição a prestação a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho; a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas, presumindo-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo). Idêntico é o regime que decorre dos n.ºs 1 a 3 da cláusula 56.ª do CCT. Como assinala Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 456), retira-se daquela norma que a retribuição é constituída pelo «conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, de força do trabalho por ele oferecida)». Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade. Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este. Vejamos o caso dos autos. Em abril de 2015 a Autora auferia (facto n.º 9): - € 1.661,48 de retribuição base; - € 84,00 de diuturnidades; - € 487,38 de compensação; - € 500,00 de subsídio de transporte; - € 487,38 de isenção de horário de trabalho; - € 50,20 de ajudas de custo; - € 4,27 de subsídio de refeição por cada dia de trabalho. Em outubro de 2015, após o Réu ter retirado à Autora as funções de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora do Centro de Recursos para a Inclusão Técnica e ter feito constar do respetivo recibo de vencimento a categoria profissional de fisioterapeuta principal, deixou de lhe pagar a compensação no valor mensal de € 487,38, ajudas de custo no valor de € 50,20, o subsídio de transporte no valor de € 500,00 e o subsídio de isenção de horário de trabalho no valor de € 487,38 (facto n.º 20). Não vem posto em causa no recurso este último subsídio, que foi retirado, mas apenas os outros indicados, que totalizam € 1.037,58 (€ 487,38 + € 50,20 + € 500,00); adicionando tal valor à retribuição base (€ 1.661,48) e às diuturnidades (€ 84,00), obtém-se o valor total de € 2.783,06, aquele que a recorrente pretende que lhe seja reposto. E quanto àquelas prestações, verifica-se que as quantias pagas à Autora a partir de novembro de 2014, a título de subsídio de transporte e de ajudas de custo, o foram independentemente de ela efetuar quaisquer deslocações ao serviço do Réu, destinando-se tais quantias a compensá-la pelo exercício das funções de Diretora executiva Adjunta, pela sua disponibilidade e por alguma eventual despesa de deslocação que tivesse que efetuar (facto n.º 38 e 39). Ou seja, tendo em conta a noção de retribuição que se deixou referida, as prestações em causa constituíam uma contrapartida, constante, do exercício da atividade pela trabalhadora, não tendo qualquer causa específica (por exemplo, pagamento de despesas, já que este era no caso meramente eventual) diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este, o mesmo é dizer que estão em causa prestações que integram a retribuição da trabalhadora. E o mesmo se verifica em relação à “compensação”, equivalente a 10% da respetiva retribuição, que em 15 de maio de 2014 o Réu deliberou atribuir aos trabalhadores com a categoria profissional de Diretores Técnicos/Gestores de Processo da Instituição (facto n.º 6): trata-se de uma prestação regular como contrapartida do trabalho prestado pela Autora, pelo que a mesma integra a retribuição da Autora. E assim sendo, como se entende, e tendo em conta que a Autora/recorrente mantém o direito à categoria de Diretora Executiva Adjunta e de Diretora Técnica, deverá o Réu ser condenado no pagamento de tais prestações, com efeitos à data em que os retirou indevidamente à recorrente. Procedem, por isso, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.» Considerou-se acima que não estão preenchidos os pressupostos do reconhecimento das categorias profissionais reclamadas pela Autora, mas esse facto não impede que lhe seja reconhecido o direito à retribuição que auferia no desempenho daquelas funções, por força do disposto no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do Código do Trabalho e Cláusula 12.ª, alínea d), do CCT aplicável. Na verdade, tal como decorre da matéria de facto, o Réu alterou unilateralmente as funções atribuídas à Autora e deixou de lhe pagar algumas das componentes retributivas que integravam a sua situação anterior e que se tornaram parte da retribuição que lhe é devida, no âmbito da relação de trabalho que a liga ao Réu. À luz da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, pontos n.º s 38 e 39, tendo em conta o caráter retributivo dos quantitativos pagos à Autora, esta tem efetivamente o direito a que seja reconhecido que o valor da retribuição que lhe é devida pelo Réu é de € 2.783,06, enquanto se mantiver a relação de trabalho entre as partes, e que o Réu seja igualmente condenado a reconhecer aquele direito e também no pagamento daquele montante, com efeitos retroativos à data em que deixou de o pagar. Impõe-se, pois, a confirmação deste segmento da decisão recorrida, embora com fundamentação parcialmente diversa. 5 – Nas conclusões XLVIII a LVI insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que não havia abuso do direito na instauração da presente ação por parte da Autora. A decisão recorrida fundamentou-se nesta parte no seguinte: «A questão que se poderá colocar consiste em saber se tendo a Autora exercido os cargos de chefia no Réu, sabendo que eram cargos de responsabilidade e de confiança, age em abuso de direito ao pretender que por falta de forma escrita da comissão de serviço se considere que deve assumir a categoria inerente e a tais cargos de forma permanente. Tenha-se presente que, como decorre do artigo 334.º do Código Civil, o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em atuação, por parte do respetivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito. Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta, pois, que cause prejuízos a outrem; é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça. Dito ainda de outro modo: para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade; quando esses limites decorrem do fim económico e social do direito impõe-se apelar para os juízos de valor positivo consagrados na própria lei (Antunes Varela, das Obrigações em geral, 10.ª edição, pág. 544 e segts.). Ora, não detetamos, face à matéria de facto que assente ficou na 1.ª instância e que não vem impugnada, que a Autora/recorrente tenha excedido os limites impostos pela boa-fé na pretensão a que se arroga. Com efeito, o que resulta, no essencial, a este respeito da matéria de facto é que os diversos cargos que a Autora exerceu ao longo dos anos foram-lhe atribuídos em face do seu perfil, das suas capacidades e competência para os desempenhar, sendo reveladores do grau de confiança que o Réu em si depositava (n.ºs 23 e 25): se a partir de tal factualidade se admite que se possa extrair que a Autora estava ciente que exercia um cargo que exigia especial relação de confiança, o mesmo já não se pode afirmar quanto à natureza necessariamente temporária desse cargo. Não pode olvidar-se que face ao CCT aplicável, supra referido, maxime a cláusula 23.ª, n.º 1, os cargos de direção técnica e as funções de chefia “podem” (é esta a expressão constante do clausulado) ser exercidos em comissão de serviço, mas, concluímos nós face à redação em causa, não têm necessariamente que o ser. Ora, não bastando o mero exercício de funções diretivas para que se considere constituída uma comissão de serviço, nem resultando da lei ou regulamentação coletiva aplicável que tais funções apenas possam ser exercidas em comissão de serviço, tendo em conta as regras que se deixaram referidas quanto à categoria profissional e a matéria de facto assente, impõe-se reafirmar que não se vislumbra que na presente ação a Autora tenha incorrido em abuso do direito.» 5.1 – Resulta do artigo 334.º do Código Civil, que «é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito». Consagra-se neste dispositivo um princípio fundamental da ordem jurídica, qual seja o de que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício. Por um lado, o exercício dos direitos está limitado pela boa fé e pelos bons costumes, e, por outro lado, pelas finalidades de natureza económica e social subjacentes à conformação desse direito. Deste modo, «o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico»[18], pelo que «os sujeitos de determinada relação jurídica devem agir como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuírem, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica»[19]. Assim, «serão excedidos limites impostos pela boa fé, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objetivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito», e «outro tanto se poderá dizer dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta no meio social onde se mostram integradas»[20]. De acordo com VAZ SERRA[21], «há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se não tivesse direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito contratual», e de acordo com o mesmo autor, quanto a saber quando haveria «ofensa clamorosa do sentimento jurídico», existiriam duas orientações fundamentais: «a subjetiva, segundo a qual há abuso quando o direito é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem (ato emulativo); a objetiva, segundo a qual o abuso se manifesta, objetivamente, na grave oposição à função social do direito, no facto de se exceder o uso normal do direito ou em circunstâncias mais ou menos equivalentes.» Por seu turno, segundo PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, «para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às conceções ético-jurídicas dominantes na coletividade» e no que respeita «ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei»[22]. Ainda segundo estes autores, «a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito o do contexto em que ele deve ser exercido.»[23] Na síntese do acórdão desta Secção, de 15 de dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1S1[24], poderá dizer-se que «existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado». 5.2 – Da matéria de facto provada, resulta que a Autora desempenhou vários cargos de natureza diretiva sem que o exercício dessas funções fosse reduzido a escrito como comissão de serviço. Além disso, resulta igualmente da matéria de facto dada como provada, que «os cargos de chefia atribuídos pelo Réu são de exercício temporário, podendo cessar a qualquer momento, por iniciativa do empregador ou do trabalhador, voltando este a retomar as funções para as quais foi contratado». Apesar de a Autora ter aceite o desempenho dessas funções neste contexto, ou seja, sem que o contrato fosse formalizado como comissão de serviço e sabendo da relatividade de tal exercício, não se pode considerar que seja abusiva a reivindicação do direito às categorias correspondentes ao exercício dessas funções e ao estatuto remuneratório que lhes estava associado. Como igualmente resulta da matéria de facto dada como provada, «os diversos cargos que a autora desempenhou ao longo dos anos foram-lhe sendo atribuídos em face do seu perfil, das suas capacidades, conhecimentos e competência para os desempenhar», o que evidencia uma avaliação positiva das suas qualidades profissionais, avaliação esta que se terá alterado com a mudança da direção da instituição, o que originou as alterações na situação profissional da Autora que integram o litígio a resolver. A alteração imposta à Autora, nomeadamente o regresso às funções de fisioterapeuta, poderá ter sido entendida pela Autora como ofensiva das suas expectativas profissionais no âmbito da instituição e como discriminatória, face à situação adotada pela nova direção com os demais profissionais, a quem também estavam confiadas funções de natureza diretiva. Ao reagir perante as mudanças na relação de trabalho que lhe foram impostas e ao reclamar direitos cuja titularidade acaba em parte por lhe ser reconhecida, a Autora não ultrapassou os limites ao exercícios dos direitos decorrentes do artigo 334.º do Código Civil, não podendo afirmar-se que tenha atuado em abuso do direito. IV Em face do exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista revogando-se o acórdão recorrido na parte em que condenou o Réu BB – Centro de Recuperação e Integração de ... a reconhecer em definitivo à Autora a categoria profissional de Diretora Técnica e Diretora Executiva Adjunta, e, face à reestruturação orgânica que implementou, em colocá-la na categoria-função atualmente correspondente, sendo o mesmo absolvido desses pedidos. Mantém-se, no mais, a decisão recorrida, embora com fundamentação diversa. Custas nas instâncias e na Revista, pela Autora e Réu, em função do decaimento. Junta-se sumário do acórdão. Lisboa, 24 de janeiro de 2018 António Leones Dantas (Relator) Júlio Gomes Ribeiro Cardoso ______________________ [1] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI. [2] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II. Situações Laborais Individuais, 5.ª Edição, 2014, Almedina, p. 347. [3] Obra citada, p. 351: [4] Obra citada, págs. 192 e 193. [5] Obra citada, pág. 351. [6] “Regime Jurídico do Trabalho em Comissão de Serviço”, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, pp. 506 e ss. [7] Em anotação ao artigo 162.º do Código do Trabalho Anotado, Almedina, 2016, pág. 430. [8] “Principais aspetos do regime jurídico do trabalho exercido em comissão de serviço”, Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof. Manuel Alonso Olea, Almedina, 2004, pp. 241 e ss. [9] MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 665. [10] MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Obra citada, Parte II – Situações Laborais Individuais, p. 461. [11] MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Obra citada, p. 460. [12] “A Mobilidade Funcional e a Nova Redação do art. 22.º da LCT”, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXIX, 1997, a p. 92. [13] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI. [14] “A Mobilidade Funcional e a Nova Redação do art. 22.º da LCT”, Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXXIX, 1997. [15] Inédito de que foi extraído o sumário disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/social/social2009.pdf, do seguinte teor: «I - (…). II - A resposta à questão de saber se a designação “Diretor Coordenador” corresponde a uma categoria profissional é uma conclusão jurídica a extrair da factualidade apurada, uma vez que a existência, ou não, de determinada categoria numa organização empresarial deve aferir-se pela análise de factos concretos suscetíveis de permitir a individualização de um conjunto de funções desempenhadas por um sujeito capazes de se reconduzir às designações que naquela organização são utilizadas e a que nelas se faz corresponder um tratamento profissional específico. III - A categoria profissional é objeto de proteção legal e convencional que se manifesta no princípio geral da correspondência entre a atividade exercida e a categoria contratual estabelecida, ou posteriormente atribuída e na proibição da baixa definitiva ou temporária da categoria para a qual o trabalhador foi contratado ou a que foi promovido. IV - Em termos gerais, a categoria profissional corresponde ao modo de identificação, por referência a uma fórmula ou a um nomen, das funções que um trabalhador pode ser obrigado a realizar, mas como a definição da posição funcional do trabalhador na organização empresarial não é matéria excluída da autonomia individual (desde que o feixe de direitos e deveres que emergem dessa posição não se traduza num tratamento de menor favor do trabalhador), as partes podem definir o objeto do contrato. V - Assim, ainda que não estabelecida no instrumento de regulamentação coletiva do setor respetivo, quando as funções de que o trabalhador é incumbido correspondem a uma designação profissional com caráter normativo conferida pelo empregador e aceite (ainda que tacitamente) pelo trabalhador, será esta a designação a que identifica a categoria profissional do trabalhador, podendo existir na empresa um critério interno de classificação de funções e postos de trabalho, com eventual projeção no plano remuneratório e noutros aspetos do estatuto profissional. VI - É de afirmar a existência da categoria profissional de “Diretor Coordenador”, quando está demonstrado que, ao nível da organização interna da R., existe essa designação profissional e a mesma se concretiza no exercício de funções diretivas e de coordenação e a que corresponde um estatuto profissional e remuneratório específico. VII - Estando provado que na R. a posição dos designados “Diretores Coordenadores” revestia-se de especificidade face aos demais diretores, na medida em que detinham funções de coordenação, sendo os primeiros responsáveis de um departamento, essas funções de coordenação constituem o núcleo da posição funcional do A. na execução do contrato, após ter sido nomeado “Diretor Coordenador”, situando-o, a partir de então, num determinado ponto da organização e conferindo-lhe um determinado “estatuto” que perdurou no tempo, correspondendo a este conteúdo funcional uma posição específica e a um tratamento remuneratório próprio, sendo assim de reconhecer essa categoria profissional ao A desde a data em que foi nomeado pela R para exercer essas funções. VIII - O exercício de funções de chefia que correspondam a uma categoria profissional em regime de comissão de serviço é de caráter precário, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respetiva, pelo que não estando demonstrada a existência de acordo entre a R. e o A no sentido de que o exercício laboral deste, enquanto investido daquela categoria profissional de “Diretor Coordenador”, podia a qualquer momento cessar por livre iniciativa de qualquer das partes, revertendo o A. para a categoria de “Diretor” que anteriormente detinha, não se pode equiparar a sua situação à comissão de serviço, por falta de preenchimento dos pressupostos da aplicação do respetivo regime jurídico. IX - Tendo o A adquirido, de acordo com os princípios do reconhecimento e da irreversibilidade, vertidos nos art.ºs 21., nº 1, al. a); 22.º, nº 1 e 23.º da LCT (lei aplicável à data dos factos), o direito à categoria profissional de “Diretor Coordenador”, não pode o mesmo ser dela retirado ou despromovido, não podendo passar a exercer no âmbito da empresa funções inerentes a uma categoria correspondente a uma posição estatutária inferior, ainda que decorrente da sua reestruturação, mantendo-se a R obrigada a respeitar o estatuto funcional e remuneratório emergente para o A. da titularidade dessa categoria profissional. X a XVI - (…).» [16] [Monteiro Fernandes, no seu estudo “A categoria profissional o objeto do contrato de trabalho”, in Questões Laborais, 1998, n.º 12, p. 136 e nota 33.] [17] Obra citada, Parte I, Dogmática Geral, p. 279. [18] Acórdão desta Secção, de 15 de dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI. [19] Ibidem. [20] Ibidem. [21] Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil), Boletim do Ministério da Justiça, n.º 85, abril de 1959, p. 253. [22] Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 1982, p. 297. [23] Ibidem, citando CASTANHEIRA NEVES, Questão de Facto - Questão de Direito, I, pp. 513 e ss. [24] Disponível em www.dgsi.pt. |