Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE JULGADOS TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES MEDIDAS DE COAÇÃO PRISÃO PREVENTIVA IDENTIDADE DE FACTOS REJEIÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | I - Se no acórdão recorrido estamos perante uma actividade de trafico de droga vendendo-a a consumidores que o procuram para o efeito, tendo sido acusado por idênticos factos anteriores, existindo perigo de continuação da actividade criminosa se for aplicada a medida de coação da OPHVE, e se no acórdão fundamento estamos perante um único acto de retirar droga do avião no aeroporto, e em que o perigo de continuação da actividade criminosa é debelado se lhe for aplicada a medida de coação da OPHVE não estamos perante situações idênticas II - Não sendo idênticas as situação de facto, não há oposição de julgados que permita a fixação de jurisprudência | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam, em conferência, os Juízes Conselheiros na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. No Processo Comum nº 90/25.3SGPRT que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 3 e em que é arguido AA Na sequência do primeiro interrogatório judicial em 9/5/2025 pelo Mº Juiz de instrução foi proferida a seguinte decisão: “Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos art.ºs 191.º a 193.º, 196.º, 202.º, n.º 1 al. a) e c) e 204.º, n.º 1, ai. c), todos do CPP, determino que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeitos, para além do termo de identidade e residência já prestado, à medida de coação de Prisão Preventiva.” Interposto recurso pelo arguido para o Tribunal da Relação do Porto por acórdão de 10/7/2025 foi decidido: “em negar provimento ao recurso interposto por AA, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.” Arguida a nulidade deste acórdão pelo arguido, foi por acórdão da Relação do Porto de 13/8/20251 decidido: “em julgar não verificada qualquer nulidade do Acórdão proferido em 10/07/2025 por este Tribunal de recurso e, em consequência, julgar improcedente a pretensão do requerente AA.” 2.O arguido em 26/9/2025 veio ora interpor recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, alegando estar em oposição com um outro proferido pela Relação de Lisboa de 19/12/2024, proferido no âmbito do 519/23.5JELSB-B.L1-9, publicado no site www.dgsi.pt, alegando: “O crime indiciado nos processos é o crime de tráfico de estupeficante. Os recursos foram interpostos das decisões que aplicaram aos arguidos a medida de coação mais gravosa prisão preventiva, afastado a aplicação de obrigação de permanência na habitação, com o fundamenta da continuidade da atividade criminosa. Nos processos os arguidos não foram indiciados pela pratica de actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. O acórdão recorrido relativamente a este pressuposto refere que “ No caso, nem mesmo a aplicação da medida coactiva de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica se julga suficiente para prevenir adequadamente também o perigo em equação. Com efeito, não se olvide que nessa situação estão sempre disponíveis os contactos, pelas mais diversas formas (v.g. através de telefone ou pessoalmente), do arguido com outras pessoas, nomeadamente aquelas com cuja colaboração (necessariamente) vinha praticando os factos. Nesta perspectiva, a medida em causa não o impediria de continuar a desenvolver a partir de uma habitação a actividade de tráfico, até concretizada por colaboração com terceiros.” Contudo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 Dezembro 2024 defende que “ O perigo de continuação da atividade criminosa é aferido em função de um juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz a avaliação de tal perigo. “ Aditando que “ Inexiste qualquer indício que permita inferir que o aqui recorrente tenha alguma vez praticado actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. Nada permite concluir que, ficando o arguido sujeito à medida de permanência na habitação, ou seja, confinado à sua residência, o mesmo poderia prosseguir com a mesma actividade, pois que necessariamente lhe não será possível praticar factos de natureza similar e com contornos semelhantes àqueles que em concreto se mostram fortemente indiciados. No condicionalismo fáctico indiciado, a medida de permanência na habitação com vigilância electrónica, será suficiente para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa em concreto constatado. Reflexo da natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva, é que tal medida seja revogada ou substituída por outra menos gravosa, sempre que a mesma não assente em pressupostos substantivos que a justifiquem, de onde decorre a oficiosidade que assim seja determinado quando se constate a possibilidade da sua substituição por medida mais favorável, como é a obrigação de permanência na habitação.” O acórdão recorrido negou provimento ao recurso por considerar ser de afastar a medida de obrigação de permanência na habitação dado que em geral e abstrato o arguido podia continuar a praticar, a partir de casa, o crime de que vinha indiciado. Por sua vez o acórdão fundamento concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e alterou parcialmente o despacho recorrido, determinando que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, por considerar que ser suficiente para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa no caso em concreto constatado.” Apresentando as seguintes conclusões após convite para o efeito: “1. O presente recurso tem por objeto o acórdão datado 10.07.2025 ( e de 13.08.2023) que transitou em julgado no dia 2 de Setembro de 2025, por o mesmo estar em oposição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 Dezembro 2024. 2. O crime indiciado nos processos é o crime de tráfico de estupefacientes. 3. Os recursos foram interpostos das decisões que aplicaram aos arguidos a medida de coação mais gravosa, prisão preventiva, afastando a aplicação de obrigação de permanência na habitação, por continuidade da atividade criminosa. 4. Nos processos em causa nenhum dos arguidos foi indiciado pela prática de actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. 5. O acórdão recorrido relativamente a este pressuposto refere que “ No caso, nem mesmo a aplicação da medida coactiva de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica se julga suficiente para prevenir adequadamente também o perigo em equação. Com efeito, não se olvide que nessa situação estão sempre disponíveis os contactos, pelas mais diversas formas (v.g. através de telefone ou pessoalmente), do arguido com outras pessoas, nomeadamente aquelas com cuja colaboração (necessariamente) vinha praticando os factos. Nesta perspectiva, a medida em causa não o impediria de continuar a desenvolver a partir de uma habitação a actividade de tráfico, até concretizada por colaboração com terceiros.” 6. Contudo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 Dezembro 2024 defende que “ O perigo de continuação da atividade criminosa é aferido em função de um juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz a avaliação de tal perigo. “ 7. Aditando que “Inexiste qualquer indício que permita inferir que o aqui recorrente tenha alguma vez praticado actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. Nada permite concluir que, ficando o arguido sujeito à medida de permanência na habitação, ou seja, confinado à sua residência, o mesmo poderia prosseguir com a mesma actividade, pois que necessariamente lhe não será possível praticar factos de natureza similar e com contornos semelhantes àqueles que em concreto se mostram fortemente indiciados. No condicionalismo fáctico indiciado, a medida de permanência na habitação com vigilância electrónica, será suficiente para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa em concreto constatado. Reflexo da natureza excepcional e subsidiária da prisão preventiva, é que tal medida seja revogada ou substituída por outra menos gravosa, sempre que a mesma não assente em pressupostos substantivos que a justifiquem, de onde decorre a oficiosidade que assim seja determinado quando se constate a possibilidade da sua substituição por medida mais favorável, como é a obrigação de permanência na habitação.” 8. O acórdão recorrido negou provimento ao recurso por considerar ser de afastar a medida de obrigação de permanência na habitação dado que, em geral e abstrato, o arguido podia continuar a praticar, a partir de casa, o crime de que vinha indiciado. 9. Por sua vez o acórdão fundamento concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e alterou parcialmente o despacho recorrido, determinando que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, por considerar ser suficiente para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa no caso em concreto constatado. 10. Analisados o acórdão recorrido e o acórdão fundamento verifica-se uma manifesta oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, que é a seguinte: O perigo de continuação da atividade criminosa é aferido em função de um juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crime da mesma espécie e natureza do indiciado no processo em que se faz a avaliação desse perigo ou forma geral e abstrata sem ter em conta esses indícios. 11. Face ao exposto encontram-se preenchidos os pressupostos para a admissão do presente recurso, pelo que o recorrente aguarda a notificação nos termos e para o efeitos do artigo 442º do CPP. 3. O Mº Pº respondeu ao recurso, defendendo a rejeição do recurso por ausência da identidade de factos. Não houve outras respostas Neste Supremo Tribunal o ilustre PGA, suscita questões formais a suprir se achado conveniente e emitiu parecer no sentido de o recurso de fixação de jurisprudência ser rejeitado por não ser única a questão suscitada, por ausência de oposição de julgados, por ser diversa a situação de facto; O arguido requerente respondeu ao parecer no sentido de que o que se pretende “é decidir se a medida de coação de obrigação de permanência na habitação sob vigilância eletrónica pode ser afastada mesmo que não conste no processo qualquer indício de que o crime posso continuar a ser praticado de ou partir de casa” Foi junta certidão do acórdão fundamento com nota de transito em julgado Procedeu-se à conferencia com observância do formalismo legal 4. Cumpre conhecer. O recurso de fixação de jurisprudência é um meio extraordinário que tem como escopo a uniformização da jurisprudência, com a eliminação da contradição causada por duas decisões opostas a propósito da mesma questão jurídica (de direito) e no domínio da mesma legislação Como resulta dos artºs 437º e 438º CPP a admissibilidade de tal recurso extraordinário está dependente da verificação de requisitos formais que consistem na legitimidade do recorrente; na interposição de recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido; na identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (o acórdão fundamento), a menção à sua publicação se estiver publicado e o trânsito em julgado também do acórdão fundamento, e como requisitos materiais ou substanciais que: a existência dos dois acórdãos respeitem à mesma questão de direito (acórdão recorrido e o acórdão fundamento); sejam ambos tirados no domínio da mesma legislação, isto significando que durante o intervalo da sua prolação, não haja ocorrido modificação no texto da lei que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão controvertida; e assentem em soluções opostas, ou seja, soluções em que haja uma posição patentemente divergente sobre a mesma questão de direito, ou de outro modo, quando as soluções sejam de sinal contrário, sendo que a oposição deve dizer respeito à decisão e não aos fundamentos; a oposição deve ser expressa, e ainda, como requisito complementar deve existir identidade de factos (ac. STJ 27/9/2006 Proc. 06P2925 Cons. Armindo Monteiro in www.dgsi.pt Ac. STJ de 2012.10.31, proc 224/06.7TACBC.G2-A.S1 Cons Pires da Graça in www.dgsi.pt, ac. de 9/4/2025 proc. nº 165/13.1GAMMV-A.C1-A.S1 Cons. José Carreto, in www.dgsi.pt) pois, como expressa o STJ no ac.2/10/2008 Proc 08P2484, Cons. Simas Santos www.dgsi.pt, “A expressão “soluções opostas” pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita ás decisões e não aos fundamentos, se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do nº1 do artº 437º do CPP”2 5. O que está em causa neste recurso de acordo com o recorrente tem a ver com a aplicação da medida de coação da prisão preventiva em detrimento da “aplicação de obrigação de permanência na habitação, com o fundamenta da continuidade da atividade criminosa” porque no acórdão recorrido se entendeu “nem mesmo a aplicação da medida coactiva de obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica se julga suficiente para prevenir adequadamente também o perigo em equação. Com efeito, não se olvide que nessa situação estão sempre disponíveis os contactos, pelas mais diversas formas (v.g. através de telefone ou pessoalmente), do arguido com outras pessoas, nomeadamente aquelas com cuja colaboração (necessariamente) vinha praticando os factos. Nesta perspectiva, a medida em causa não o impediria de continuar a desenvolver a partir de uma habitação a actividade de tráfico, até concretizada por colaboração com terceiros.” e por isso foi-lhe aplicada a prisão preventiva, e no acórdão fundamento se ponderou que “Inexiste qualquer indício que permita inferir que o aqui recorrente tenha alguma vez praticado actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. Nada permite concluir que, ficando o arguido sujeito à medida de permanência na habitação, ou seja, confinado à sua residência, o mesmo poderia prosseguir com a mesma actividade, pois que necessariamente lhe não será possível praticar factos de natureza similar e com contornos semelhantes àqueles que em concreto se mostram fortemente indiciados. No condicionalismo fáctico indiciado, a medida de permanência na habitação com vigilância electrónica, será suficiente para acautelar o perigo de continuação da actividade criminosa em concreto constatado.” e por isso lhe foi aplicada a medida da obrigação da permanência na habitação em detrimento da prisão preventiva 6. Vejamos: Quanto aos requisitos formais constata-se que: - o recorrente tem a qualidade de arguido, pelo que é parte legitima (artº 437º5 CPP) - o trânsito em julgado de ambos os acórdãos (o acórdão fundamento transitou em 03/1/2025 e o acórdão recorrido em 28/8/2025), o que se mostra certificado. - o recurso foi interposto em 26/9/2025 pelo que é tempestivo (interposição de recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido); - a identificação e publicação do acórdão fundamento, que se mostra efetuado; - a divergência deve ocorrer entre acórdãos (decisões de natureza coletiva) o que é o caso, e não decisões singulares (v.g. decisões sumárias) - não existir sobre a matéria acórdão de fixação de jurisprudência, e não temos conhecimento que exista. No que respeita aos requisitos materiais ou substanciais. Vejamos a situação de facto dos acórdãos em confronto. - Atenta a data das decisões em confronto e não tendo ocorrido alteração legal entre um e outro acórdão, que se repercuta sobre a questão jurídica, verifica-se que foram ambos tirados no domínio da mesma legislação. - ambos respeitam à mesma questão de direito (acórdão recorrido e o acórdão fundamento) qual seja a da integração dos factos no crime de tráfico de estupefacientes; - assentem em soluções opostas, ou seja, soluções em que haja uma posição patentemente divergente sobre a mesma questão de direito, ou de outro modo, quando as soluções sejam de sinal contrário, sendo que a oposição deve dizer respeito à decisão e não aos fundamentos - e no acórdão recorrido considerou-se que a medida de coação da obrigação de permanência na habitação não era suficiente para evitar o perigo da continuação da actividade criminosa, e no acórdão fundamento entendeu-se que esta medida de coação era suficiente para o efeito, e por isso revogou a medida da prisão preventiva aplicada e naquele (recorrido) manteve-a. - a oposição deve ser expressa, e é-o pois no acórdão recorrido considerou-se essa medida de coação OPH insuficiente para evitar o perigo de continuação da actividade criminosa e no acórdão fundamento considerou-se suficiente, e por isso naquele se manteve a prisão preventiva e neste foi revogada. - a tais requisitos acresce como requisito complementar deve existir identidade de factos. 7. Vejamos se ocorre tal requisito, sendo que em nenhum dos casos nos cabe pronunciar sobre a bondade da decisões recorridas e seu enquadramento jurídico, e portanto se julgou bem ou mal, pois a tal não se destina o presente recurso extraordinário, mas apenas analisar o seu conteúdo fáctico em vista da possibilidade de ocorrer motivo / fundamento para fixar jurisprudência de caracter vinculativo. 7.1 No acórdão fundamento3 o que estava em apreciação era a conduta do arguido (e outros) cuja ação consistiu em descarregar e retirar do porão do avião no aeroporto de duas malas com mais de 51Kg de cocaína e entregá-las a terceiros, e que “a jurisprudência vem maioritariamente entendendo que continuação da actividade de tráfico de estupefacientes é, em princípio, insusceptível de ser cerceada através da aplicação da medida de coacção de permanência na habitação”, mas no caso em concreto “inexiste qualquer indício que permita inferir que o aqui recorrente tenha alguma vez praticado actos de tráfico de estupefaciente na sua residência ou partir dela. Efectivamente, os factos indiciados respeitam a uma única conduta, ocorrida num único dia, nas instalações do aeroporto de Lisboa. Além disso, como atrás se enfatizou, nada foi apreendido na residência do arguido com conexão com a actividade de tráfico de estupefacientes. Logo, a conduta em questão, conexionou-se directamente e apenas com a circunstância de o aqui recorrente ser funcionário da ..., empresa responsável pelo “handling” das bagagens no Aeroporto …, em …, cabendo-lhe, além do mais, proceder à retirada das bagagens do interior das aeronaves, como consta fortemente indiciado sob o ponto 1..” pelo que “nada permite concluir que, ficando o arguido sujeito à medida de permanência na habitação, ou seja, confinado à sua residência, o mesmo poderia prosseguir com a mesma actividade, pois que necessariamente lhe não será possível praticar factos de natureza similar e com contornos semelhantes àqueles que em concreto se mostram fortemente indiciados”. 7.2 No acórdão recorrido, a conduta do arguido no âmbito dos factos indiciados, o arguido foi encontrado a vender numa rua do Bairro do Cerco no Porto a pessoas que ali o procuram e nessa sua ação tinha na sua posse cocaína 38,95 g (190,45 doses), heroína 36,41 g (364,10 doses) e canábis 1,49g (2,98 doses), sendo que o arguido tinha “ vários processos pendentes por crime de idêntica natureza, lembrando que foi sujeito a primeiro interrogatório de arguido detido no passado 28-03-2025 no âmbito do proc. n.º 62/25.BSGPRT (cfr. fls. 25 a 27), sendo certo que contra si já havia sido proferida acusação em 07-11-2024 no proc. n.0 3597/24.6T9PRT ( fls. 28 a 30), tendo sido ainda sujeito a primeiro interrogatório de arguido detido realizado em 29-10-2024 no âmbito do proc. n.º 211/24.3PDPRT (fls. 31 a 34) e no qual foi deduzida acusação 04-04-2025 no mesmo processo. Não obstante, tais condenações e sucessivas medidas de coação que vem sendo impostas (que incluem apresentações diárias no OPC e proibição de se deslocar e permanecer nos bairros sociais), o arguido insiste em dedicar-se ao tráfico de droga, sendo impressiva a facilidade com que opta pela violação da lei, nos meios utilizados para atingir os seus fins e o forte alarme social de insegurança” em face do que “A conduta do arguido revela um vincado grau de reiteração, com total indiferença pelas medidas de coação anteriormente fixadas, revelando outrossim sentimento de impunidade, impondo-se assim terminar com a continuação da actividade criminosa neste caso, repondo assim a paz social e acautelar os demais perigos assinalados.” Da análise dos factos concluiu a Relação tal como na decisão recorrida acontecera que existia o perigo de continuação da actividade criminosa enunciando que “A respeito da afirmada existência do perigo enunciado, diga–se que este não se confunde, necessariamente, com a certeza de reiteração na consumação de actos criminosos, devendo antes o respectivo grau ser aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por neles revelada…” e “Esta condição, que deve igualmente ser concretizada, tem, assim, em vista a salvaguarda futura da paz social, que foi afectada com a conduta criminosa revelada pelo arguido e que tem potencialidades, objectivas (natureza e circunstâncias) ou subjectivas (personalidade), para continuar a alarmar ou mesmo para manter essa actividade delituosa. Para o efeito torna-se necessário efectuar um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, atendendo às circunstâncias anteriores ou contemporâneas à sua indiciada actividade delituosa. Ora, no presente caso o perigo de continuação da actividade criminosa julga–se patente, quer em face da sua conduta concreta em causa nos presentes autos, quer em face de quanto decorre da caracterização da sua personalidade que se revela apta a incorrer em situações propícias à reiteração de ocorrências como a dos autos, que será mais uma no percurso do arguido.” 8. Do exposto resulta que para aquilatar da verificação do perigo de continuação da actividade criminosa, ambos os acórdãos são concordantes no sentido de que este “é aferido em função de um juízo de prognose realizado relativamente à continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam no processo em que se faz a avaliação de tal perigo”4 pelo que não há, neste particular, oposição entre eles. O que ocorreu é que existe uma diversa situação de facto: - no acórdão fundamento estamos perante um único acto, de contacto com a droga onde não ocorrem quanto ao arguido, actos de distribuição da mesma, nem contacto com distribuidores de droga ou consumidores, sendo o acto restrito ao aeroporto, aqui o acórdão considerou que não ocorreu perigo de continuação da actividade criminosa, pelo que era suficiente a medida de coação de OPHVE - no acórdão recorrido, estamos perante um traficante de rua que exerce uma actividade de venda da droga a consumidores com quem contacta pessoalmente ou é contactado; aqui o acórdão considerou que existe perigo de continuação da atividade criminosa, pelo modo como exerce a sua actividade e pelos processos que tem pendentes, e em que a OPHVE não afasta esse perigo e só o faz a prisão preventiva. De tudo decorre que a situação de facto não é a mesma; é diverso o juízo fáctico sobre a existência do perigo de continuação da actividade criminosa, o que levou a decisões distintas mas com aplicação da mesma regra / juízo/ entendimento jurídico. É assim de concluir que não se se verifica a oposição de julgados, o que impõe a rejeição do recurso (artº 441º1CPP) + Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide: Ao abrigo do artº 441º 1 CPP rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA Condena o recorrente no pagamento da taxa de justiça de 5UCs e nas demais custas Notifique DN + Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12/11/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Maria da Graça Silva António Augusto Manso ___________
1. Data certificada- assinatura digital 2. Identidade de factos “entendida esta, contudo, «não como uma identidade absoluta entre dois acontecimentos históricos mas que eles se equivalham para efeitos de subsunção jurídica a ponto de se poder dizer que, pese embora a solução jurídica encontrada num dos processos assente numa factualidade que não coincide exactamente com a do outro processo, esta solução jurídica continuaria a impor-se para o subscritor mesmo que a factualidade fosse a do outro processo» (Ac STJ de 2014.06.26, proc 1714/11.5GACSC.L1.S2)”, apud Ac STJ 9/7/2020 Proc. cons. Gomes da Silva 3. Acórdão da Relação de Lisboa 19/12/2024 proc. 519/23.5JELSB-B.L1-9, acessível em “https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/96710721d298c5bb80258c14004a62a5?OpenDocument onde se decidiu: “Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, alterando parcialmente o despacho recorrido: 4.1. Determinar que o arguido AA aguarde os ulteriores termos do processo sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, nos termos do disposto nos art.s 191º, 193º e 201º, todos do Código de Processo Penal, e art.s 1º, al. a), 7º, 8º e 16º da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro, desde que sejam verificadas as condições previstas nesta Lei (a averiguar na primeira instância), aguardando o mesmo em prisão preventiva enquanto não for exequível tal medida;” |