Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18853/17.1 T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: TIBÉRIO NUNES DA SILVA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
TAXA DE JUSTIÇA
MULTA
FALTA DE PAGAMENTO
DESENTRANHAMENTO
ALEGAÇÕES DE RECURSO
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no nº1 do art. 642º do CPC, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação apresentada, não se aplicando, nesta situação, o disposto no art. 139º, nºs 5 e 6 do mesmo Código.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


- A -



1. Foi, em 15-07-2022, pelo relator, proferido o seguinte despacho:

«Nas suas contra-alegações, MAPFRE – Seguros Gerais, S. A. levantou a questão prévia do não pagamento atempado da taxa de justiça e multa, por parte do Recorrente, relativamente à interposição do presente recurso de revista, referindo, entre o mais, que o Recorrente não procedeu ao pagamento da guia que foi emitida no prazo devido (até ao dia 31/01/2022), tendo apenas no dia 03/02/2022 remetido aos autos um DUC e comprovativo de pagamento, correspondente ao pagamento de Autoliquidações Diversas, Depósitos Autónomos, no valor 1.275,00€.

Fez, em seguida, menção ao disposto no art. 642º, nº2, do CPC, no qual se dispõe que:

«Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.»

Requer, em consequência, que seja determinado o desentranhamento das alegações de revista do Recorrente, o que implica o não conhecimento do objecto do recurso.


*


Ouça-se o Recorrente sobre esta matéria.»

*


O Recorrente veio, em resposta, dizer o seguinte:

«AA, devidamente identificado nos autos em epígrafe, tendo sido notificado para o efeito, vem esclarecer que se mostra efectuado o pagamento do montante da guia que foi emitida para o efeito, no montante de €1.275,00, e, não obstante o disposto no art.º 642.º n.º 2 do CPC, seria sempre de aplicar o disposto no art.º 139.º do mesmo diploma, designadamente no seu n.º 6, pelo que não deve ser determinado o desentranhamento da referida alegação.»


2. Na sequência, em 14-10-2022, foi proferida decisão em singular, na qual se considerou o seguinte:

«Verifica-se que o acórdão proferido no Tribunal da Relação foi notificado às partes em 22-11-2021 (data da certificação Citius).

O A. interpôs recurso de revista em 12-01-2022.

 Foi, em 18-01-2022, emitida guia para pagamento de taxa de justiça e multas ao abrigo do disposto no art. 139º e 642º do CPC, com advertência de que o montante em dívida (€1.275,00) era pagável até 31-01-2022 e com notificação efectuada nos seguintes termos:

«Assunto: Pagamento de taxa de justiça e multa – art.º 642.º nº 1 CPC + 139º CPC

Com referência ao processo acima identificado, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Recorrente AA, para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento da taxa de justiça devida acrescida de uma multa de igual montante - artº 642º, nº 1, bem como da multa prevista no artº 139º, nºs 5 e 6.

Limites da multa:

1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.

2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 5 UC, a multa terá o valor de 5 UC.

Pagamento da taxa de justiça e da multa

O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.

Prazo de pagamento

O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.

Cominação

A falta de pagamento da taxa de justiça e da multa no prazo assinalado implica o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentada pela parte em falta.»


O Recorrente veio, em 03-02-2022, juntar o comprovativo do pagamento do montante em causa, o que fez para além do limite fixado, que era, como se[1] viu, o de 31-01-2022.

A guia emitida dizia respeito, como dela se extrai, à multa prevista no art. 139º (resultante da apresentação das alegações de recurso nos três dias úteis subsequentes ao prazo estabelecido para a prática do acto) e do art. 642º (falta de pagamento da taxa de justiça devida pelo recurso), ambos do CPC, neste último artigo se preceituando o seguinte:

«1 - Quando o pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício do apoio judiciário não tiverem sido comprovados no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.

2 - Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no número anterior, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação, do requerimento ou da resposta apresentado pela parte em falta.

3 - A parte que aguarde decisão sobre a concessão do apoio judiciário deve, em alternativa, comprovar a apresentação do respetivo requerimento.»


A Secretaria, face à apresentação do recurso nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo, deu cumprimento ao art. 139º, nº 6 do CPC e, dado que o Recorrente, além disso, não pagou atempadamente a taxa de justiça devida, deu cumprimento ao disposto no art. 642º, nº1.

Não pondo em causa que tenha ultrapassado o prazo de 10 dias que lhe foi concedido, defende o Recorrente que seria de aplicar o art. 139º, nº6, do CPC, ou seja, considera (é o que se retira da posição assumida) que, tendo apresentado o comprovativo de pagamento nos três úteis subsequentes ao termo do prazo – resultante já do cumprimento dos ditos artigos –, maxime do art. 642º, deveria a Secretaria notificá-lo, de novo, com nova penalização.

José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 2021, p. 296, referem que, antes da revisão de 1995-1996, foi questionado se o pagamento de preparos e custas podia ser feito, com multa, nos três dias subsequentes (naturalmente, ao termo do prazo inicialmente previsto para o efeito), estando assim sujeito ao mesmo regime dos prazos processuais, o que dividiu opiniões, entendendo estes Autores que a questão está hoje ultrapassada pelo regime especial do art. 145º, nº 3, do CPC, aqui se prevendo que:

«Sem prejuízo das disposições relativas à petição inicial, a falta de comprovação do pagamento referido no n.º 1 ou da concessão do benefício do apoio judiciário não implica a recusa da peça processual, devendo a parte proceder à sua comprovação nos 10 dias subsequentes à prática do ato processual, sob pena de aplicação das cominações previstas nos artigos 570.º e 642.º»

A notificação que foi feita ao Recorrente já o foi em consequência de não ter, por um lado, apresentado as alegações no prazo estabelecido por lei e, por outro, por não ter pago, também atempadamente, a taxa de justiça. Ou seja, já estamos numa fase de admissão da prática do acto mediante a aplicação das sanções previstas na lei, razão por que, findo o prazo suplementar, com essas penalizações, não sendo, neste prazo (sem mais acréscimos), efectuado o pagamento, a consequência é a de ficarem sem efeito as alegações e de não se conhecer do objecto do recurso. Não há, assim, que, através de outra notificação, com outra cominação, renovar a possibilidade da prática do acto.

Pelo exposto, por não ter o Recorrente pago, em devido tempo, o aludido quantitativo, ordena-se o desentranhamento das alegações, não se conhecendo do objecto do recurso.

Custas pelo Recorrente.»



- B -


O Recorrente veio reclamar para a conferência, concluindo o seguinte:

«1. Com data de 18.01.2022, foi emitida guia no montante de €1.275,00, pagável até 31.01.2022.

2. Com data de 03.02.2022, mediante requerimento foi junto aos autos o DUC n.º ...14, no montante de €1.275,00 e o respectivo comprovativo do seu pagamento.

3. Efectuado no terceiro dia útil após a última data supra referida.

4. Pelo que ao invés do ordenado desentranhamento, sempre seria de aplicar o disposto no art.º 139.º do CPC, designadamente no seu n.º 6.

Termos em que a douta Decisão Singular sob reclamação deverá ser revogada e, por via disso, notificado o Recorrente para os termos do n.º 6 do art.º 139.º do CPC e consequentemente admitido o Recurso e as Alegações apresentadas, por tempestivas, e conhecido o objecto do mesmo.»

O Reclamante não acrescentou argumentação à que já oferecera aquando da audição anterior à prolação do despacho reclamado, razão por que também não se imporia aditar fundamentos aos que já constam daquele despacho.

Mesmo assim, dir-se-á ainda o seguinte:

No Ac. da Rel. do Porto de 23-03-2020, Rel. Ana Paula Amorim, Proc. 5326/19.0YIPRT-A.P1 , publicado em www. dgsi.pt, concluiu-se, relativamente ao art. 570º, nº5, do CPC, que:

«A multa aplicada, com fundamento no art. 570º/5 CPC, constitui uma consequência da omissão do pagamento atempado da taxa de justiça e por isso, o prazo para o seu pagamento deve obedecer ao mesmo regime previsto para a mera omissão do pagamento da taxa de justiça, por se tratar, ainda, de ato conexo com ato processual de natureza tributária e por isso, não beneficia do regime do art. 139º/5 CPC.»

Na fundamentação deste acórdão, trouxe-se à colação o disposto no art. 40º do Regulamento das Custas Processuais, no qual se preceitua que salvo disposição especial em contrário, aos prazos previstos para pagamentos no presente Regulamento não se aplica o disposto no n.º 5 do artigo 139.º do Código de Processo Civil, entendendo-se estar-se perante uma regra geral para os actos de natureza tributária.

Citou-se jurisprudência nesse sentido, designadamente o Ac. da Rel. de Coimbra de 10-07-2019, Rel. Carlos Moreira, Proc. 296/04.9TBPMS-E.C1, e de 24-03-2015, Rel. Maria Inês Moura, Proc. nº 9/10.6TBSJP-A.C1, ambos em www.dgsi.pt., sendo o último reportado ao art. 642º do CPC. Citou-se também Salvador da Costa (Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª edição, Almedina, 2013, pp. 406 e 407).

Considera-se que a previsão do art. 145º, nº3, em associação com os arts. 570º e 642º, do CPC, consubstancia um regime especial que permite dispensar aquela discussão, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, e que é claro ao prever um prazo de (apenas) 10 dias subsequentes à prática do acto processual, sob pena das cominações previstas nos arts. 570º e 642º. Ora, o que se segue ao esgotamento dos 10 dias sem pagamento, no âmbito do acto processual praticado, é a aplicação da cominação (no caso, desentranhamento da alegação), não tendo cabimento, salvo o devido respeito, defender a concessão de novo prazo, por força do cumprimento (até quando?) do disposto no art. 139º, nº6, do CPC, como pretende o Recorrente.

Pelo exposto, é de desatender a reclamação.


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Sumário (da responsabilidade do relator)


Quando, no termo do prazo de 10 dias referido no nº1 do art. 642º do CPC, não tiver sido comprovado o pagamento da taxa de justiça devida e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina o desentranhamento da alegação apresentada, não se aplicando, nesta situação, o disposto no art. 139º, nºs 5 e 6 do mesmo Código.



- C -


Pelo que ficou dito, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão proferida pelo relator.

- Custas pelo Recorrente/Reclamante.


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Lisboa, 15-12-2022


Tibério Nunes da Silva (Relator)

Nuno Ataíde das Neves

Sousa Pinto

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[1] Corrige-se aqui uma gralha, substituindo “de” por “se”.