Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | OLIVEIRA ABREU | ||
| Descritores: | REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA REDUÇÃO ADMISSIBILIDADE VALOR DA AÇÃO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PRINCÍPIO DA IGUALDADE ESPECIAL COMPLEXIDADE BOA-FÉ PROCESSUAL DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA | ||
| Sumário : |
I. O art.º 6º n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais permite que, em ações de valor superior a €275 000,00, seja desconsiderado, no todo ou em parte, o valor da taxa de justiça remanescente que, de outro modo, as partes teriam de pagar a final. II. É lícito ao Tribunal dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fração ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa e/ou do recurso exceder o patamar de €275.000,00, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade da tramitação processual, comportamento processual das partes e complexidade substancial das questões a decidir), à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 17561/21.3T8LSB.L1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Novo Banco, SA., Caixa Geral de Depósitos, SA., e o Banco Comercial Português, SA., intentaram a presente ação comum contra AA, Kento Holding Limited e Unitel Internacional Holdings, BV, apresentando petição inicial com 179 artigos, pedindo que, em consequência da desconsideração da personalidade jurídica da 2.ª e 3.ª Rés, sejam estas solidariamente condenadas no pagamento de €26.269.078,61 [€25.000.00 de capital], acrescidos de juros de mora vencidos no valor de €713.943,18, e juros vincendos desde a data da petição inicial até integral pagamento. Articularam, com utilidade, que se dedicam à atividade bancária, no âmbito da qual financiaram a aquisição, pela Ré, AA, de uma participação social na Efacec, tendo emprestado €40.000.00 (46,80% o NB; 37,90% a CGD; e 15,30% o BCP – doc.19) a duas sociedades pela mesma constituídas (que não são as outras Rés), ficando a Ré, AA avalista do mútuo; as sociedades mutuárias não pagaram a totalidade dos valores devidos, pelo que os Autores preencheram as livranças [uma subscrita a favor do NB no valor de €12.293.928,78, outra a favor da CGD no valor de €9.955.980,79, e uma terceira a favor do BCP no valor de €4.019.169,04] e interpelaram a avalista (Ré, AA) para pagamento; até à presente data não foi efetuado qualquer pagamento, tendo-se frustrado as penhoras sobre bens das sociedades mutuárias e da Ré, AA; esta última é titular de facto e beneficiária efetiva de participações sociais, que não detém em nome pessoal, utilizando sociedades comerciais com a única finalidade de serem “cabides” desses ativos, como é o caso da Ré, Kento e da Ré, Unitel; por isso, para garantia do pagamento da dívida devem ser desconsideradas as personalidades jurídicas da Ré, Kento e da Ré, Unitel, por forma a que os respetivos patrimónios respondam, em solidariedade com a Ré, AA, por esse pagamento. 2. Mais tarde a CGD veio informar ter cedido o crédito - €9.955.980,79 e juros de mora correspondentes - e dizer que a lide se tinha tornado inútil quanto a ela. 3. Por despacho judicial julgou-se extinta a instância, “por inutilidade superveniente da lide relativamente à 2.ª Autora, com custas por esta (a inutilidade não é imputável às Rés”). 4. A citação das Rés esteve à espera da realização do arresto determinado no apenso A. 5. A 27 de janeiro de 2021, os Autores vieram requerer a citação da Ré, AA, para “assegurar uma maior celeridade e economia processual”, através de carta enviada para a morada indicada no contrato referido - a que na PI chamam “domicílio convencionado” -, por ser a morada registada na segurança social portuguesa, apesar de os Autores terem dito que a Ré “residi[a] parte do ano num edifício de luxo, no Dubai, localizado no Almas Tower Jumeirah Lakes Tower, 20ª”; a secção de processos remeteu então carta registada com a/r para a morada em questão; a 10 de fevereiro de 2022 o a/r retornou com assinatura de terceiro com data de 4 de fevereiro de 2022. 6. A Ré, AA não constituiu advogado nem contestou. 7. Quanto à Ré, Unitel Internacional Holdings, BV Unitel foi enviada carta registada com a/r a 3 de fevereiro de 2022, que veio devolvida; foi enviada nova carta registada para nova morada (que não é a da sede, mas uma morada postal) indicada pelos Autores a 2 de maio de 2022, tendo o a/r da mesma retornado aos autos a 23 de junho de 2022, com assinatura não identificada datada de 25 de maio de 2022. 8. A Ré, Unitel Internacional Holdings, BV não constitui advogado nem contestou. 9. Quanto à Ré, Kento Holding Limited foi citada editalmente, com anúncios de 13 de novembro de 2023. 10. Citado o Ministério Público em representação da ausente, não foi oferecida contestação. 11. (no apenso A, de arresto, a requerida AA foi notificada na morada do contrato referido abaixo, tendo o a/r retornado a 25 de maio de 2022 com assinatura de terceiro, mas a carta veio devolvida a 30 de maio de 2022 com a menção de que se tinha mudado; quanto à Unitel a 18 de maio de 2022 foram enviadas duas cartas registadas com a/r para notificação, a/rs que nunca retornaram com a assinatura; depois, sem notificação edital, a Unitel foi notificada na pessoa do MP a 23 de maio de 2024; a Kento foi notificada editalmente com anúncios publicados a 13 de outubro de 2023 e depois na pessoa do MP a 23 de fevereiro de 2024; a 17 de junho de 2024, sem mais, foi proferido o seguinte despacho: “Não tendo sido deduzida oposição por qualquer das requeridas nada a determinar. Aguarde-se o trânsito da decisão a proferir nos autos principais.”). 12. Foi proferido despacho saneador tabelar (não havendo lugar à audiência prévia porque a ação não foi contestada), tendo-se enunciado o objeto do litigio, qual seja, “Cumpre decidir se os RR devem pagar aos 1º e 3º AA as quantias peticionadas pelos mesmos decorrentes de livranças subscritas a favor de tais AA.”, e consignados os temas da prova: “1) O contexto que precedeu e emissão das livranças a favor dos 1º e 3º AA; 2) A insuficiência do património das subscritoras da livrança e da avalista; 3) A participação social na ZOPT, SGPS, S.A. e a relação da 1ª Ré com as demais Rés.” 13. Depois de realizada a audiência final, que ocorreu em uma única sessão, entre as 9,30h e 11,30 h do dia 13 de dezembro de 2024, com a audição de três testemunhas, foi proferida sentença julgando o pedido procedente contra a Ré, AA que foi condenada a pagar ao NB €12.293.928,78, acrescidos de €2.095.020,19 de juros vencidos, e a pagar ao BCP €4.019.169,03 de capital, acrescido de €684.910,45 de juros vencidos, em ambos os casos acrescidos ainda de juros de mora vincendos, à taxa legal, até integral pagamento; e as Rés Kento e Unitel foram absolvidas dos pedidos. As custas da ação ficaram a cargo dos autores (pois que já tinham título executivo contra a Ré, AA). 14. Na sentença proferida o Tribunal de 1ª Instância consignou, com pertinência para o conhecimento do mérito da demanda: “Face ao pedido formulado na ação e à causa de pedir para ele escolhida pelos Autores, a decisão de mérito depende da dilucidação das seguintes questões: I. Determinar se da Ré AA está obrigada ao pagamento aos Autores da quantia de capital reclamada, acrescida de juros de mora vencidos desde 9 de novembro de 2020 e juros vincendos até integral pagamento. II. Se para garantia do pagamento dessa obrigação devem ser desconsideradas as personalidades jurídicas das Rés Kento Holding Limited e Unitel International Holdings, BV (respetivamente Kento e Unitel International), por forma a que os respetivos patrimónios respondam, em solidariedade com aquela outra Ré, por esse pagamento. 15. Os Autores apelaram do decidido em 1ª Instância pedindo que fosse revogada a sentença na parte que absolveu as Rés sociedades, e substituída por outra que as condene no pedido solidariamente com a Ré, AA, sustentando, para o efeito, a impugnação de parte da decisão da matéria de facto e a não condenação das Rés sociedades. 16. Apenas a Ré, Kento Holding Limited contra-alegou, através do Ministério Público, defendendo a improcedência do recurso, com adesão à sentença. 17. O Tribunal recorrido, conhecendo do objeto do recurso, proferiu acórdão, consignando com utilidade: “Ou seja, perante a improcedência, no essencial, da impugnação da matéria de facto, não se mostram refutadas as conclusões da sentença recorrida, ou seja, de que não há prova de que aquelas sociedades tenham sido constituídas exclusivamente para evitar que a ré AA tivesse património em nome próprio ou para segregar, do património pessoal daquela, o risco inerente à actividade que desenvolvem; ou de que tenham sido constituídas e subsistam com o propósito de defraudar terceiros; e de que não constitui fraude ou violação grave das normas e princípios gerais a detenção de participações sociais noutras sociedades através de outras sociedades. O recurso diz respeito ao capital de 16.313.097,82€ e juros de mora correspondentes. Os juros de mora vencidos no valor de 713.943,18€ respeitavam a 26.269.078,61€. Pelo que os correspondentes a 16.313.097,82€ são de 443.358,72€. Com o total: 16.756.456,54 (= 16.313.097,82€ + 443.358,72€). A taxa de justiça remanescente, a pagar apenas pelos autores, pelo recurso, é de: 16.756.456,54€ - 275.000€ = 16.481.456,54€: 25.000€ = 660 x 1,5 UC = 990 UC x 102€ a UC = 100.980€. O valor da taxa de justiça remanescente, para o recurso, apesar de o trabalho implicado ter sido superior ao que ocorre em relação a processos normais), é, ainda assim, manifestamente excessivo. Assim, sem esquecer que, de qualquer modo, (i) se tem de respeitar a proporcionalidade pressuposta pelo sistema legal das taxas de justiça e (ii) o facto de que as partes em acções com o valor de 275.000€, por maior que tenha sido a simplicidade do processo e por maior que possa ser, proporcionalmente em comparação com o caso dos autos, o sacrifício que lhes é imposto, não têm a possibilidade de qualquer dispensa), dispensa-se essa taxa em apenas 50% (art. 6/7 do RCP). Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente. Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pelos autores. Dispensam-se os autores de metade da taxa de justiça remanescente por eles devidas pelo recurso, sendo que o valor do recurso é de 16.756.456,54€.” 18. Os Autores, NOVO BANCO, S.A. e BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., notificados do acórdão proferido a 11 de Setembro de 2025, e não se conformando com o mesmo, vêm, ao abrigo do disposto nos artigos 627.º, 629.º, n.º1 e 631.º, n.º1 do Código de Processo Civil, interpor recurso na parte em que decide dispensar apenas 50% do remanescente da taxa de justiça, que deverá ser processado como apelação com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, nos termos dos artigos 645.º e 647.º, n.º 1 do mesmo diploma, e, subsidiariamente, e apenas para o caso de o presente recurso não vir a ser admitido – no que não se concede, mas se equaciona apenas por cautela de patrocínio –, as Recorrentes, por estarem ainda em prazo, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 616.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, requerer a reforma do acórdão proferido a 11 de Setembro de 2025 na parte em que decide dispensar apenas 50% do remanescente da taxa de justiça, aduzindo as seguintes conclusões: “1. No presente processo, foi proferido acórdão, a 11 de Setembro de 2025, que, além de julgar a apelação das Recorrentes improcedente, as condenou no pagamento de 50% da taxa de justiça remanescente para o recurso, que corresponde à quantia de 50.490,00€ – ao contrário da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, que dispensou as Recorrentes do pagamento do remanescente. 2. Não se ignorando o disposto no artigo 616.º do Código de Processo Civil, a respeito do pedido de reforma, a referida decisão de condenação no pagamento de 50% da taxa de justiça remanescente é passível de recurso. 3. Em primeiro lugar, pelas normas gerais de recorribilidade das decisões, mormente do artº 627º n.º 1, do artº 629º n.º 1 e do artº 631.º, n.º 1, não se tratando de questão de mero expediente ou que cabe nos poderes discricionários do Tribunal, conforme resulta da vasta jurisprudência existente em matéria de dispensa do remanescente da taxa de justiça. 4. Em segundo lugar, por se tratar de uma decisão com total autonomia que é proferida pela 1.ª vez quanto ao objecto sobre a qual incide – o Tribunal da Relação de Lisboa, ao proferi-la, não o fez em sede de apelação, decidindo sobre a decisão da 1.ª instância, mas sim com total iniciativa sua, e tendo como objecto apenas os trâmites processuais que correram nesse Tribunal. 5. Em terceiro lugar, por ter condenado as Recorrentes ao pagamento de 50.490,00€ – valor que, tanto para efeitos de sucumbência como para efeitos de alçada, supera os limiares mínimos da recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 297.º, n.º 1 e 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, bem como 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário. 6. Por último, estando em causa uma condenação em valor de 50.490,00€, a não admissão de recurso violaria o princípio constitucional de acesso à justiça, previsto no artigo 20.ª da Constituição da República Portuguesa, na vertente de acesso a um segundo grau de jurisdição. 7. Ora, na apreciação da dispensa do remanescente da taxa de justiça, o Tribunal não teve em consideração as normas constitucionais do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e proporcionalidade (artigos 18.º, n.º 2, 20.º e 266.º da Constituição da República Portuguesa), nem tão pouco os critérios da complexidade da causa e da conduta processual das partes, previstos no n.º 1 7 do art 6.º do Regulamento das Custas Processuais. 8. Desde logo, não se ignorando que a questão concreta em análise no presente processo se possa revestir de alguma complexidade, o critério legal da complexidade da causa reporta-se à complexidade da tramitação considerada como um todo – e, nesta medida, é inegável que a instância recursiva não foi complexa, delimitada que estava pelas alegações de recurso apresentadas, às quais não foram opostas quaisquer contra-alegações, mas apenas uma “resposta” tabelar do Ministério Público. 9. De resto, em primeira instância, onde a causa envolveu diversos requerimentos das ali Autoras, despachos do Tribunal, e-mails, comunicações, ofícios, editais, citações e notificações, num total de mais de 100 actos processuais, a que se seguiu a realização da audiência final de julgamento com a inquirição de testemunhas, algumas presentes por videoconferência, o Tribunal decidiu, através de despacho de 10.03.2025, que “tendo presente a pouca complexidade da causa e o comportamento regular dos Autores, dispenso estes do pagamento do remanescente da taxa de justiça quanto à tramitação que teve lugar na 1.ª instância”. 10. Quanto à “conduta processual” das Recorrentes, a que o Tribunal a quo não faz referência, a mesma foi absolutamente correcta, resumindo-se à interposição de recurso, a 31.03.2025, e à apresentação de um requerimento de 1 (uma) página, a 03.06.2025, com o qual as Recorrentes juntaram a certidão de uma decisão judicial, o que aliás fizeram tendo em vista o princípio da cooperação previsto no artigo 7.º do Código de Processo Civil! 11. Ainda a respeito do critério da conduta processual, importa ter presente, por um lado, a decisão de 1.ª instância que, como já referido, dispensou o remanescente correspondente, referindo a pouca complexidade da causa e “o comportamento regular dos Autores” e, por outro lado, o acórdão de 14.07.2021, proferido no procedimento cautelar apenso, e no qual o Tribunal dispensou do pagamento do remanescente, referindo nada haver a apontar de negativo à conduta processual das Recorrentes. 12. Por fim, a imposição às Recorrentes do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça, no valor de 50.980,00€, excede de forma desproporcional os serviços prestados pelo Tribunal, em desconsideração do princípio da equivalência, segundo o qual a obrigação de pagamento da taxa de justiça deve evitar que se imponham à parte custos acrescidos que não correspondam à efectiva prestação de serviços que os justifique. 13. Note-se que as taxas cobradas pelo Estado, na qual se inclui também a taxa de justiça, têm por base uma relação sinalagmática não perfeita entre o benefício recebido (in casu, o serviço prestado pelo Tribunal a quo) e a quantia pagar, que pode não corresponder a uma equivalência económica rigorosa entre ambos (sendo as taxas, por regra, inferiores ao real valor do serviço prestado, o que as distingue dos preços), e que nunca pode levar a uma desproporção de tal modo elevada que se transforme num imposto. 14. No caso concreto, foi precisamente isto o que aconteceu. É inegável que o montante de 50.490,00€ não só não equivale ao custo real do presente recurso, como o supera em larga medida, pois os meios despendidos na sua elaboração nunca poderão ter atingido tal valor. 15.Termos em que deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a decisão de dispensa de apenas 50% do valor do remanescente da taxa de justiça, sendo a mesma substituída por outra que dispense o pagamento da totalidade do valor do remanescente da taxa de justiça, com o que V. Exas. farão a habitual Justiça!” 19. O Ministério Público apresentou contra-alegações, enunciando as seguintes conclusões: “1- Aceita-se a admissibilidade do recurso (artigos 671.º, n.º 1 e 629.º, n.º 1 do CPC e Acórdão do STJ de 26.01.2021, processo 17908/16.4T8LSB-C.L1-A.S1 em www.dgsi.pt.) 2- O Acórdão recorrido limitou a dispensa do remanescente da taxa de justiça em 50% às custas do presente recurso, pelo que as decisões quanto a custas proferidas em 1ª instância e na Relação no procedimento cautelar apenso: i) em nada conflituam com o aqui decidido, nem vinculam este tribunal a decidir de forma idêntica; ii) não podem nem devem ser chamadas à colação porque foram proferidas em contextos processuais distintos, sendo inúteis as comparações que os recorrentes fizeram. 3- Resulta do texto do artigo 6.º, n.º 7 do RCP que a possibilidade de dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente é de aplicação com caracter excecional. 4- Com efeito, o normal é o pagamento da totalidade da taxa de justiça (a considerar na conta final de custas), fazendo a lei depender a aplicação da possibilidade de dispensa, de despacho fundamentado do juiz atendendo à especificidade da situação aferida por dois aspetos: i) complexidade da causa e ii) conduta processual das partes. 5- No caso dos autos, se relativamente ao requisito conduta processual das partes, não se nos oferece dúvidas a conduta processual das partes. Não vislumbramos má fé processual, condutas desadequadas ou requerimentos desnecessários. 6- Já o mesmo não se pode dizer quanto ao requisito complexidade da causa. 7- Com efeito, e tendo presente os critérios orientadores do n.º 7 do art.º 530.º do CPC, podemos dizer que se verificam os das alíneas b) e c), embora em graus diferentes, uma vez que: 8- O recurso incidiu sobre a impugnação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, e sobre a matéria de direito e embora o tribunal não tenha tido que analisar um número muito elevado de factos e de meios de prova, podemos dizer que tal implicou um esforço médio/elevado em face das matérias. 9- A principal matéria de direito trazida pelos AA diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica em sentido inverso (pretendiam as AA alcançar o património das sociedades rés, considerando-o como parte do património da pessoa singular AA), assunto esse que é de elevada e melindrosa complexidade, do qual não podemos sequer dizer que haja um tratamento aturado e consistente na jurisprudência e na doutrina de que o tribunal se tenha podido socorrer (artigo 530,º n.º 7 b) do CPC). 10- Em suma, embora não podendo afirmar-se que o presente processo revestiu uma muito elevada complexidade, não deixou de revestir um grau de complexidade acima da média, razão pela qual não se justifica a dispensa total do pagamento da taxa de justiça, sendo perfeitamente adequada e proporcional a dispensa em 50% tal como foi decidido pelo tribunal. Em face ao exposto, e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão: Deve o recurso ser jugado totalmente improcedente e ser mantido o acórdão recorrido na íntegra. JUSTIÇA” 20. Foram cumpridos os vistos. 21. Cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. A questão a resolver, recortadas das alegações dos Recorrentes/Autores/NOVO BANCO, S.A. e BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A. consiste em saber se: (1) O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, fundamentando e fixando a redução da taxa de justiça remanescente em metade do seu valor, sem assegurar qualquer proporcionalidade entre o valor da taxa devida e o custo/utilidade do serviço judiciário efetivamente prestado, impondo-se uma dispensa total do valor da referida taxa? II. 2. Da Matéria de Facto A facticidade relevante para a apreciação da enunciada questão consta do precedente relatório. II. 3. Do Direito O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Recorrentes/Autores/NOVO BANCO, S.A. e BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil. II. 3.1. O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente, fundamentando e fixando a redução da taxa de justiça remanescente em metade do seu valor, sem assegurar qualquer proporcionalidade entre o valor da taxa devida e o custo/utilidade do serviço judiciário efetivamente prestado, impondo-se uma dispensa total do valor da referida taxa? A prestação dos serviços de administração de justiça exige, como não poderia deixar de ser, uma contrapartida, impondo-se, contudo, ao legislador a conceção de um sistema que assegure uma certa paridade económica entre o custo do serviço e a quantia a suportar por quem usufrui do serviço de justiça. Tendo-se em consideração que não se pode acolher um sistema de custas processuais, de tal modo gravoso, que barre o cidadão de aceder à justiça, impõe-se que o valor da taxa de justiça que importe suportar, não deve ser intolerável tomando por referência a capacidade contributiva do cidadão médio, neste sentido, Acórdão n.º 421/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, que consignou a propósito “os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois (…) zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito”. O legislador ordinário, enformado das enunciadas diretrizes, enunciou, no preâmbulo do diploma que aprovou o Regulamento das Custas Processuais (Decreto Lei n.º 34/2008 de 26 de Fevereiro), a relevância em se ajustar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores”. Donde, estatui o n.º 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais “Nas causas de valor não superior a €275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”. Anote-se que a dispensa consagrada no n.º 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais não importa qualquer exceção à regra, antes impondo-se proceder sempre, oficiosamente ou a requerimento das partes, a um juízo de adequação entre o valor que decorreria da aplicação da Tabela I anexa do Regulamento das Custas Processuais e a grandeza do serviço prestado, determinando sempre correção, verificada que seja a desproporção entre o valor que decorre da aplicação da aludida Tabela I anexa do Regulamento das Custas Processuais e a dimensão do serviço prestado. Assim sendo, torna-se relevante considerar todo o contexto em que se desenvolve a demanda, todas as particularidade inerente ao caso trazido a Juízo, com vista à adequação entre o valor que resultaria da aplicação da Tabela I anexa do Regulamento das Custas Processuais e a dimensão do serviço prestado, designadamente, a natureza jurídica, mais ou menos complexa, da demanda, na vertente substantiva e adjetiva, a extensão dos articulados, natureza e quantidade dos documentos apresentados e juntos aos autos, a apreciação dos meios de prova apresentados em Juízo, a realização de diligências, concretamente, a realização, ou não, de audiência prévia e audiência final, número de sessões efetuadas, a apresentação, ou não, de alegações, outrossim, e em todo o caso, a apreciação da conduta processual das partes, o tempo despendido pelo Tribunal na preparação, estudo e decisão da demanda trazida a Juízo, o valor económico da pretensão jurídica arrogada pelas partes, o tempo despendido pelos serviços da secção e secretaria, tudo isto a acolher, por forma a confirmar que as custas a suportar são ajustadas ao serviço prestado. Respigamos do acórdão sob escrutínio, a propósito da fundamentação da redução da taxa de justiça remanescente, apenas e só: “O recurso diz respeito ao capital de 16.313.097,82€ e juros de mora correspondentes. Os juros de mora vencidos no valor de 713.943,18€ respeitavam a 26.269.078,61€. Pelo que os correspondentes a 16.313.097,82€ são de 443.358,72€. Com o total: 16.756.456,54 (= 16.313.097,82€ + 443.358,72€). A taxa de justiça remanescente, a pagar apenas pelos autores, pelo recurso, é de: 16.756.456,54€ - 275.000€ = 16.481.456,54€: 25.000€ = 660 x 1,5 UC = 990 UC x 102€ a UC = 100.980€. O valor da taxa de justiça remanescente, para o recurso, apesar de o trabalho implicado ter sido superior ao que ocorre em relação a processos normais), é, ainda assim, manifestamente excessivo. Assim, sem esquecer que, de qualquer modo, (i) se tem de respeitar a proporcionalidade pressuposta pelo sistema legal das taxas de justiça e (ii) o facto de que as partes em acções com o valor de 275.000€, por maior que tenha sido a simplicidade do processo e por maior que possa ser, proporcionalmente em comparação com o caso dos autos, o sacrifício que lhes é imposto, não têm a possibilidade de qualquer dispensa), dispensa-se essa taxa em apenas 50% (art. 6/7 do RCP).” Revertendo ao caso trazido a Juízo distinguimos, sendo pacifica a afirmação, ter sido correta a conduta processual das partes, não se vislumbrando má fé processual, condutas desadequadas ou requerimentos desnecessários. Ademais, identificámos a apresentação da petição inicial com 179 artigos; sem qualquer contestação deduzida; com dispensa de audiência prévia, por virtude dessa mesma ausência de contestação em demanda em que um dos demandados, foi citado editalmente; com elaboração de despacho saneador tabelar, enunciação dos objeto do litigio e consignação dos termas da prova, com audiência final que decorreu em uma única sessão de duas horas, período em que foram inquiridas três testemunhas e apreciada a documentação junta. No que tange à complexidade da causa importa dizer que em 1º Instância a principal matéria de direito trazida pelos demandantes diz respeito à desconsideração da personalidade jurídica das 2ª e 3ª Rés, pretendendo os Autores alcançar o património das sociedades rés, considerando-o como parte do património da pessoa singular, Ré, AA, questão jurídica precedida da avaliação do acervo probatório trazido aos autos, sendo que na 2ª Instância a apelação incidiu sobre a impugnação da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto, e sobre a matéria de direito, não tendo a Relação que analisar um número muito elevado de factos e de meios de prova, podemos dizer-se que 00 conhecimento do objeto do recurso implicou um esforço a merecer destaque com algum significado em face das matérias suscitadas, a par de que a principal matéria de direito trazida à discussão, respeitante à desconsideração da personalidade jurídica das 2ª e 3ª Rés, com vista a alcançar o respetivo património, considerando-o como parte do património da pessoa singular da Ré, AA, conquanto seja uma temática com complexidade a merecer relevo, não podemos deixar de atentar que cada vez mais é matéria debatida na jurisprudência e doutrina. Na esteira do que vimos de discorrer, tornar-se relevante considerar todo o contexto em que se desenvolveu a demanda, todas as particularidades inerentes ao caso trazido a Juízo, daí que, tendo presente as especificidades em que se desenvolveu a demanda, entendemos que a taxa de justiça remanescente, encontrada pelo Tribunal recorrido, reduzindo-a a metade, é desproporcionada ao serviço judiciário prestado. Considerando os Tribunais envolvidos, na conjunção de todos os elementos que sustentam o desenvolvimento do litígio, trazido a Juízo, reconhecendo todo o trabalho, material e intelectual, com algum relevo, quer em razão da natureza das questões jurídicas abordadas no processo, quer da dimensão dos articulados e meios de prova produzidos, cremos que a atividade judiciária não justifica o valor de €50.490,00, encontrado pelo Tribunal recorrido, condizente à operada redução para metade do valor de €100.980,00 atinente à taxa de justiça remanescente. Não deixando de enfatizar a subjetividade que a questão encerra, partindo do princípio de que, na prática, é impossível a correspetividade absoluta, entre o custo do serviço e a taxa de justiça, reconhecemos (em razão da natureza e complexidade jurídica da causa, pela grandeza do processo e pela conduta processual dos litigantes) como razoável, uma redução em 75% da taxa de justiça remanescente, suportando os Autores, por conseguinte, 25% da taxa de justiça remanescente, relativamente ao serviço de justiça prestado. Tudo visto, reconhecemos parcial procedência, às conclusões de recurso, atinentes à reclamada isenção da taxa de justiça remanescente, importando revogar-se, neste segmento, o acórdão recorrido. Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar parcialmente procedente a revista interposta, e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido, em razão da reconhecida redução da taxa de justiça remanescente, sendo os litigantes dispensados do pagamento de 75% da taxa de justiça remanescente, mantendo-se, no mais, o dispositivo do acórdão recorrido. Custas pelos Recorrentes/Autores/NOVO BANCO, S.A. e BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A., na proporção do respetivo decaimento, reduzindo-se em 75% o valor do remanescente da taxa de justiça a pagar. Notifique. Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 29 de outubro de 2025 Oliveira Abreu - (Relator) Nuno Pinto Oliveira Ferreira Lopes
III. SUMÁRIO (art.º 663º n.º 7 do Código de Processo Civil) |