Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
954/06.3TCLRS.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: TERCEIRO
REGISTO COMERCIAL
OPONIBILIDADE
INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO
AGRUPAMENTO COMPLEMENTAR DE EMPRESAS
CREDOR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NAGADA A REVISTA
Sumário : I - Quanto à oponibilidade a terceiros, a regra, contida no art. 14.º do CRgCom, é a de que não são oponíveis, isto é, não produzem efeitos contra terceiros, os factos sujeitos a registo se não depois da data do respectivo registo (do mesmo modo, os factos sujeitos a registo e a publicação obrigatória só produzem efeitos contra terceiros depois da data da sua publicação).

II - A noção de terceiros para efeitos de registo comercial não se confunde com a que é feita no sentido técnico-registral (de terceiros com direitos ou interesses incompatíveis entre si e recebidos de autor comum).

III - É terceiro, para efeitos de registo comercial, quem não seja parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante.

IV - Sendo a autora simples credora do réu ACE, estranha ao facto sujeito a registo (a exoneração do réu/recorrente como membro do réu ACE), deve considerar-se como terceiro, para efeitos de registo comercial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No Tribunal Judicial da Comarca de Loures, AA GÁS NATURAL, S.A., anteriormente designada "BB - Sociedade Portuguesa de Gás Natural, S.A., intentou contra:
CC - CENTRAIS DE COGERAÇÃO, S.A.";
DD - DESENVOLVIMENTO DE PROJECTOS DE ENERGIA, LDA.;
EE; e
FF, FIBRAS, ENERGIA, ACE, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe, solidariamente:
a) A quantia de € 959.718,90, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, liquidando os primeiros, até à data da propositura da acção, em € 152.457,53, a título de indemnização, devida por incumprimento contratual;
b) A quantia de € 575.244,47, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, liquidando os primeiros, até à data da propositura da acção, em € 162 432,62, correspondente ao preço, ainda não pago, do gás que forneceu e a que se reportam as facturas juntas com a petição inicial.
Alegou, nomeadamente, os seguintes fundamentos:
Como concessionária, do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento, celebrou com "FF, Fibras, Energia, ACE" os seguintes contratos:
Um, em 14 de Dezembro de 1998, pelo qual se obrigou a fornecer a este “ACE”, que - por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em Dezembro de 1998 -, uma quantidade de gás natural correspondente a 4 000 000 GJ (tarifa B);
Outro, em 23 de Julho de 1999, pelo qual se obrigou a fornecer ao mesmo “ACE" - que, por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em 1 de Fevereiro de 1999 -, uma quantidade de gás natural correspondente a 600 000 GJ (tarifa A).
Estipulou-se, em cada um desses contratos, que, caso o cliente não cumprisse a obrigação de consumo das referidas quantidades de gás natural, pagaria uma indemnização cujo valor seria determinado no momento da cessação do contrato, de acordo com a fórmula prevista na al. B) da cláusula 1.2 das Condições Particulares do Contrato de Fornecimento.
Acontece que, da quantidade de gás (tarifa B) que o Réu “ACE” se obrigou a consumir (4 000 000 GJ), apenas consumiu, efectivamente, 2 778 691,43 GJ até à data da cessação do contrato.
Por isso, recorrendo à fórmula contratualmente prevista, a Autora tem direito à indemnização de € 959 718,90.
Por outro lado, há muito que o Réu ACE deixou de pagar as facturas correspondentes aos fornecimentos de gás, e que, nos termos convencionados, deveriam ser pagas no prazo máximo de 20 dias.
Com efeito, estão vencidas e a pagamento as seguintes facturas:
factura n.º FMIN-10865, vencida a 20 de Junho de 2004, no montante de € 245.466,48;
factura n.º FMIN-1172, vencida a 20 de Julho de 2004, no montante de € 232.107,37, e
factura n.º FMIN-11204, vencida a 20 de Agosto de 2004, no montante de € 255.025,91.
Por não ter cumprido obrigações financeiras que contraiu, os activos do Réu “ACE” foram objecto de uma venda de penhor por parte da HH Depósitos.
Esses activos foram adquiridos por "GG Energia, S.A", que passou a assumir a responsabilidade pela gestão operacional da unidade cogeração que esses activos integravam.
A "GG Energia, S.A." assumiu o pagamento parcial da factura n.º FMIN-1l204, de 31.07.2004, tendo pago a quantia de € 157 355,29, pelo que ficou por satisfazer o pagamento da quantia € 97 670,62.
As Rés "CC - Centrais de Cogeração, SA" e "DD - Desenvolvimento de Projectos de Energia, SA" são membros do Réu “ACE”.
O Réu EE foi membro do mesmo ACE.
O Réu “ACE” não possui capital social e, em virtude da venda do penhor, ficou desprovido de bens.
Todos os Réus foram interpelados extrajudicialmente para pagar a dívida (quer da quantia correspondente à dita indemnização, quer do preço do gás fornecido e não pago).
Na sequência dessa interpelação, o Réu “ACE” comunicou à Autora que o Réu EE já não era seu membro desde 20.03.2001, por virtude de deliberação social de que juntou cópia.
Porém, as exonerações de membros e administradores do ACE estão sujeitas a registo e os factos sujeitos a registo só produzem efeitos em relação a terceiros depois da data do registo.
Sucedendo que Réu EE figurava no registo comercial como membro e administrador daquele “ACE”.

A acção deu entrada na Secretaria do Tribunal de 1.ª instância em 31 de Janeiro de 2006, conforme carimbo aposto na petição inicial.

Os Réus "CC -Centrais de Cogeração, S.A" e "FF, Fibras, Energia, ACE" apresentaram contestação conjunta, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

O Réu EE contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, o Réu invocou a sua ilegitimidade, alegando:
Foi um dos membros fundadores do Réu "FF, FIBRAS, ENERGIA, ACE, mas a sua participação nesta sociedade foi transmitida à Ré "DD, Lda" em 1999.
Essa transmissão foi objecto de deliberação em assembleia-geral do Réu “ACE”, apenas, em 20.03.2001 e o respectivo registo na Conservatória do Registo Comercial de Cascais veio a ser feito em 2004.
Ora, a confirmar-se o alegado direito de indemnização pelo não consumo de gás natural, este constituiu-se somente em Dezembro de 2003, em relação á tarifa B e em Fevereiro de 2004, em relação á tarifa A.
Por outro lado, o vencimento das facturas reclamadas pela Autora ocorreu respectivamente nos dias 20 de Junho, 20 de Julho e 20 de Agosto de 2004.
Donde resulta que os direitos de que a Autora se arroga se constituíram em momento ulterior à exoneração do recorrente como membro do “ACE”.
Tal facto, apesar de não registado à data da alegada constituição dos direitos da Autora, pode ser invocado contra a Autora.
Com efeito, a Autora não é terceiro para efeitos registrais.
Acresce que Autora tinha conhecimento de que o Réu/recorrente já não era membro do Réu “ACE”, por tal facto lhe ter sido comunicado por este, por carta de 23 de Dezembro de 2004.
Concluiu pela sua absolvição da instância ou, em todo o caso, pela improcedência da acção, sendo absolvido do pedido.

A Ré DD – Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda. não contestou.

Os Réus contestantes requereram o incidente de intervenção principal provocada de “GG – Energia, SA” e da “HH Depósitos, SA”.

A Autora replicou, respondendo à excepção de ilegitimidade deduzida pelo Réu EE.
Não se opôs ao chamamento.

Foi admitido o chamamento, como intervenientes principais, de "GG - Energia, S.A." e da "HH Depósitos, S.A.".

A chamada "GG Energia, S.A." contestou, concluindo pela improcedência da acção quanto a si.

A chamada "HH Depósitos, S.A." (CGD) contestou, defendendo-se por excepção (invocando as excepções da sua ilegitimidade passiva, da prescrição e do caso julgado), e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção, quanto a si.

No saneador, declararam-se improcedentes as excepções invocadas.

Realizou-se a audiência de julgamento.

Proferiu-se sentença, que julgou a acção procedente, condenando solidariamente os Réus “FF Fibras Energia, ACE”, CC – Centrais de Cogeração, SA, DD – Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda e EE a pagar à Autora “AA Gás Natural, SA”:
a) a quantia de € 575.244,47, correspondente ao preço, ainda não pago, do gás que forneceu e a que se reportam as facturas n.º FMIN-10865, vencida a 20.06.2004, FMIN-11072, vencida a 20.07.2004 e FMIN-11204, vencida a 20.08.2004, de Agosto de 2004 – acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, á taxa legal, a contar das datas de vencimento de cada um dos créditos parcelares e até integral satisfação do crédito total;
b) a quantia de € 959.718,90, a título de indemnização por incumprimento contratual, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos a contar de 31.05.2004 e até integral pagamento.
Absolveu as chamadas do pedido.

Inconformado, o Réu EE apelou para a Relação de Lisboa, que, na parcial procedência da apelação, revogou a sentença recorrida, na parte em que na al. b) do dispositivo, fixou a contagem de juros de mora a partir de 31.05.2004, determinando que os juros de mora vencidos e vincendos se contem a partir de 26.11.2004 até integral pagamento, confirmando, no mais, a sentença.

De novo inconformado, o Réu recorreu, de revista, para este Supremo Tribunal, formulando na sua alegação, as seguintes conclusões:
a) O acórdão da Relação de Lisboa radica numa má interpretação e aplicação do artigo 168 do Código das Sociedades Comerciais e artigo 14 do Código do Registo Comercial.
b) Ao contrário do entendimento do Tribunal a quo, o caso dos autos não se subsume no artigo 168 do Código das Sociedades Comerciais, pois não é a sociedade que está a tentar opor a falta de registo à Autora/Recorrida, mas sim o Réu/Recorrente, a pessoa que não tinha a responsabilidade legal de proceder ao registo da sua exoneração.
c) A noção de terceiros prevista no artigo 14 do Código do Registo Comercial não compreende toda e qualquer pessoa com a excepção das partes, respectivos herdeiros e seus representantes.
d) A noção de terceiros prevista no artigo 14 do Código do Registo Comercial deve corresponder à noção de terceiros prevista no disposto no n. 4 do artigo 5 do Código do Registo Predial, que define terceiros, para efeitos de registo, como as pessoas" ... que tenham adquirido de um autor comum direito incompatíveis entre si". Logo, a interpretação correcta de conceito é a seguinte: Terceiros para efeitos de registo, deverão ser considerados como sendo aqueles que não intervindo nem participando em determinado facto jurídico têm, relativamente ao seu objecto, direito oposto ou incompatível com o daqueles que no mesmo facto intervieram ou participaram.
e) É notório que a Autora/Recorrida não tem, pela sua natureza ou conteúdo do acto (entenda-se para estes efeitos a exoneração do ora Recorrente, enquanto membro do Réu FF, Fibras, Energia, ACE e respectiva transmissão da sua posição à Ré DD), interesse no acto/negócio jurídico objecto da inscrição. Nesta medida, a falta de registo em crise é oponível à Autora/Recorrida, porquanto esta não se pode considerar terceira para efeitos registrais.
f) A interpretação do conceito de terceiro defendida quer pelo Tribunal de 1.ª instância quer pelo Tribunal a quo, contrariam expressamente o entendimento consagrado, sobre esta matéria, no acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.o 3/99, de 18-05-1999, que veio adoptar um conceito de terceiros bastante mais restritivo, a fim de evitar a prossecução de graves injustiças, como a dos presentes autos.
g) Resulta do facto provado 22 que foi transmitido à Autora/Recorrida que o Recorrente já não era membro do Réu ACE, pelo que a Autora/Recorrida sabia, quando deu entrada da acção, que o Recorrente não era responsável pela dívida que reclama, cessando assim a sua boa-fé em todo este processo.
h) Tendo presente o conceito de terceiro adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, conclui-se que a Autora/Recorrida não pode integrar nesse conceito, para efeitos da exoneração do Réu/Recorrente, enquanto membro do Réu ACE, pelo que a falta de registo ser-lhe-á sempre oponível.
i) Se nem o exequente/penhorante pode ser considerado terceiro para efeitos registrais, por maioria de razão se deve excluir a Autora/Recorrida do grupo de terceiros para esse efeito.
j) A ratio do artigo 14 do Código do Registo Comercial não foi observada na decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal a quo.
k) A falta de registo não condicionou a actuação da Autora/Recorrida, porquanto o contrato dos autos, do qual resultou a dívida reclamada nos mesmos, foi celebrado em 1998. Acresce que o ora Réu/Recorrente não só é uma pessoa individual, como nunca participou no Réu FF, Fibras, Energia, ACE com mais de 1 %, pelo que é por de mais evidente que a Autora/Recorrida não conformou a sua vontade em contratar com o Réu FF, Fibras, Energia, ACE com base na participação do ora Recorrente naquela. No entanto, conforme se demonstrou, ainda que a sua vontade em contratar tivesse resultado do facto de o Réu/Recorrente ser membro do Réu ACE, tal seria manifestamente irrelevante, atendendo a que o Réu/Recorrente tinha a faculdade de se exonerar de imediato.
l) A segurança do comércio jurídico é uma falsa questão nos presentes autos. Não há nada de relevante a publicitar à Autora/Recorrida. Devemos, por isso, entender que a exoneração material do Réu/Recorrente de membro do Réu ACE deve prevalecer, sob pena de os prejuízos causados àquele serem manifestamente superiores aos eventuais prejuízos da falta de publicitação dessa exoneração resultantes para a Autora/Recorrida.
m) Não existe uma única razão para que se possa defender a inoponibilidade da falta de registo à Autora/Recorrida. A inoponibilidade da falta de registo à Autora/Recorrida fere de morte a máxima suum quique tribuere.
n) Os princípios subjacentes à inoponibilidade da falta de registo não se verificam no nosso caso, razão pela qual se propugna igualmente que a interpretação do conceito de terceiros tenha de ser necessariamente restritiva, sob pena de se cometer uma enorme injustiça.
o) A Autora/Recorrida está a beneficiar de um regime, pelas razões que não serviram à sua consagração. A publicitação da exoneração do Réu/Recorrente em nada garantia a segurança do comércio jurídico, no que respeita a sua relação com a Autora/Recorrida.
p) Tal inoponibilidade tem como único efeito agarrar uma pessoa à obrigatoriedade de subsidiariamente fazer face às dívidas do ACE, quando na verdade, em termos substanciais, já não o teria de fazer, uma vez que cessou a sua ligação ao ACE, muito antes de a dívida ter emergido.
q) A decisão de que se recorre tem de ser necessariamente revogada, sob pena de produzir um efeito que não foi, na verdade, visado pelos artigos 1 e 14 do Código do Registo Comercial.
r) Caso se considere a Autora/Recorrida um terceiro, para efeitos do artigo 14 do Código do Registo Comercial, o que não se concede, sempre teria que se que entender abusivo, nos termos do artigo 334 do Código Civil, o exercício do direito de invocar a inoponibilidade da falta de registo, porquanto tal excede manifestamente os limites impostos pelo fim social e económico desse Direito; porquanto a Autora/Recorrida aproveita-se de um formalismo para tomar o Réu/Recorrente devedor de uma quantia para a qual nada contribuiu e relativamente a uma pessoa colectiva com a qual não tinha qualquer ligação no momento do nascimento da dívida.
s) A atribuição da responsabilidade pelo pagamento de uma dívida para a qual não se contribuiu e que não foi assumida pela parte em questão consubstancia uma violação do artigo 62 da Constituição da República Portuguesa. Logo, a interpretação conjunta do artigo 14 do Código de Registo Comercial e da Base II n.o 2 da Lei n.º 4/73, da qual resulte que um membro de um ACE que se tenha exonerado, mas cuja exoneração não tenha sido registada antes do nascimento de uma determinada dívida, seja responsável por essa dívida é inconstitucional, por violação do Direito de Propriedade.
t) O Réu/Recorrente não poderá responder por obrigações contraídas pelo Réu FF, Fibras, Energia, ACE depois do dia 20 de Março de 2001, data a partir da qual o ora Recorrente deixou de ser membro Réu FF, Fibras, Energia, ACE.
u) A interpretação do art. 168 do Código das Sociedades Comerciais e art. 14 do Código de Registo Comercial foi incorrecta, pelo que o ora Réu/Recorrente deverá poder opor a falta de qualidade de membro à Autora/Recorrida.
v) A decisão proferida pelo Tribunal a quo deverá ser revogada.

A Autora apresentou as suas contra-alegações, concluindo pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Deu-se como provado que:
1.A autora é concessionária do serviço público de importação de gás natural e do seu transporte e fornecimento, nos precisos termos do contrato de concessão assinado com o Estado em 14 de Outubro de 1993, formalizado pelo escrito de que está uma reprodução a fls. 15 e segs. dos autos.
2.As rés "CC - Centrais de Cogeração, S.A." e "DD ­Desenvolvimento de Projectos de Energia, S.A." são membros do agrupamento complementar de empresas que adoptou a denominação FF, Fibras, Energia, ACE".
3.O réu EE foi membro do mesmo agrupamento "FF, Fibras, Energia, ACE".
4.Entre a autora e o réu" FF, Fibras, Energia, ACE" foram celebrados os seguintes contratos:
a)um, em 14 de Dezembro de 1998, formalizado pelo escrito particular de que está uma reprodução a fls. 100 e seguintes dos autos, pelo qual a "AA Gás Natural, S.A." se obrigou a fornecer a " FF, Fibras, Energia, ACE", que, por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em Dezembro de 1998, uma quantidade de gás natural correspondente a 4.000.000 GJ (tarifa B);
b)outro, em 23 de Julho de 1999, formalizado pelo escrito particular de que está uma reprodução a fls. 121 e seguintes, pelo qual a "AA Gás Natural, S.A." se obrigou a fornecer a "FF, Fibras, Energia, ACE", que, por seu turno, se obrigou a consumir e a pagar o respectivo preço, durante o período de 60 meses, com início em 1 de Fevereiro de 1999, uma quantidade de gás natural correspondente a 600.000 GJ (tarifa A);
5.Nesses contratos, as partes estipularam que, caso o cliente não cumprisse a obrigação de consumo das referidas quantidades de gás natural, pagaria uma indemnização cujo valor seria determinado no momento da cessação do contrato, de acordo com a fórmula prevista na al. B) da cláusula 1.2 das Condições Particulares do Contrato de Fornecimento.
6.Por não ter cumprido obrigações financeiras que contraiu, os bens do réu "FF, Fibras, Energia, ACE", foram objecto de uma venda de penhor por parte da HH Depósitos, formalizada pelo escrito datado de 30.06.2004 que constitui fls. 150-152 dos autos.
7.Nos termos desse contrato, a HH vendeu à GG, e esta comprou, os bens que lhe foram dados em penhor, mencionados na cláusula segunda, e no estado em que se encontravam na data da celebração do contrato.
8.Ainda nos termos desse contrato, os bens objecto do penhor e da compra e venda efectuada integravam a central de cogeração sita na Estrada Nacional 246, Quinta da Ribeira de S. Vicente, freguesia da Ribeira de Nisa, Portalegre, e são os descritos no Anexo l.
9.O réu "FF, Fibras, Energia, ACE" não tem, desde a sua constituição, capital social.
10.Foi registado em 02.12.2004 (Ap. .../20041202) o facto da exoneração do réu EE como membro do réu "FF, Fibras, Energia, ACE".
11.Além da deliberação que aprovou a exoneração, como seu membro, de EE, a assembleia-geral do ACE "FF, Fibras, Energia, ACE" aprovou a transmissão da posição daquele para a sociedade "DD - Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda", nos termos que constam da acta de que está uma reprodução a fls. 280-281.
12.No seguimento da aquisição referida, a "GG Energia, S.A." assumiu o pagamento parcial da factura n.º FMIN-11204, emitida em 31.07.2004, no montante de € 255 025,91, tendo pago a quantia de € 157.355,29.
13.O réu "FF, Fibras, Energia, ACE", apenas, consumiu 2.778.691,43 GJ, ao abrigo do contrato de fornecimento da Tarifa B, até cessação desse contrato, data a partir da qual aquele ACE deixou, em definitivo, de poder continuar a consumir o gás natural.
14.As partes estipularam, ainda, em ambos os contratos referidos no n.º 4, que o pagamento dos valores das facturas pelos consumos de gás fornecido pela autora seria efectuado no prazo de 20 dias a contar da sua apresentação.
15.Estão vencidas e a pagamento as seguintes facturas correspondentes aos consumos de gás efectuados pelo réu "FF, Fibras, Energia, ACE":
a)factura n.º FMIN-10865, vencida a 20 de Junho de 2004, no montante de € 245.466,48;
b)factura n.º FMIN-11072, vencida a 20 de Julho de 2004, no montante de € 232.107,37, e
c)factura n.º FMIN-11204, vencida a 20 de Agosto de 2004, no montante de € 255.025,91, de que a "GG Energia, S.A." já pagou € 157355,29.
16.Os contratos referidos no n.º 4 já haviam sido denunciados pela autora através das cartas que constituem fls. 159 e 160 dos autos.
17.Na sequência da aquisição referida no n.º 7, em 20.08.2004, a "GG Energia, S.A." passou a assumir a responsabilidade pela gestão operacional da unidade de cogeração, anteriormente explorada por "FF, Fibras, Energia, ACE".
18.A "GG, S.A." assumiu o pagamento referido no n.º 12 para assegurar a continuação do fornecimento de gás, uma vez que a "BB, S.A." havia ameaçado interromper esse fornecimento.
19.A "GG, S.A." debitou ao réu "FF, Fibras, Energia, ACE" o valor pago à autora, a que se refere o n.º 12.
20.Em resultado da venda referida nos n.º 6 e 7, o réu "FF, Fibras, Energia, ACE" ficou desprovido de bens.
21.A autora interpelou os réus, por carta registada, para efectuarem o pagamento dos montantes em dívida relativos ao fornecimento de gás, não pago, bem como da indemnização pelo não cumprimento dos consumos mínimos acordados, que liquidou em € 1.041.233,00.
22.Na sequência dessas interpelações, por carta datada de 23.12.2004, o "FF, Fibras, Energia, ACE" comunicou à autora que o réu EE não era seu membro desde 20.03.2001, em função de deliberação social que aprovou o seu pedido de exoneração como membro do referido ACE.
23.A transmissão referida no n.º 11 já havia sido efectuada em 1999.
24.Todos os valores cujo pagamento é reclamado pela autora e que estão titulados pelas facturas mencionadas no n.º 3 se referem a fornecimentos de gás feitos pela autora ao ACE e em data anterior à assunção, pela "GG, S.A." da responsabilidade pela gestão operacional da unidade de cogeração.
25.O incumprimento das obrigações financeiras do réu "FF, Fibras, Energia, ACE" para com a "HH Depósitos, S.A." ocorreu em Outubro de 2001.

Atendamos, ainda, a que:
A acta de que foi junta cópia a fls. 280 e 281, para que remete o ponto n.º 11, supra indicado, é de 20 de Março de 2001, dela constando, designadamente, que:
“ (…).
Colocado à votação, o pedido de exoneração do membro Senhor Engenheiro EE foi aprovado por unanimidade nos termos supra descritos.
De seguida, passou-se ao ponto dois da ordem de trabalhos tendo sido aprovada por unanimidade a transmissão da posição á sociedade já membro do ACE, DD-Desenvolvimento de projectos de Energia, Lda., a qual expressamente aceitou e aderiu, sem reservas nem condicionantes, ao contrato assinado pelos membros da FF Fibras Energia, ACE, em 28 de Outubro de 1997, e ao contrato de constituição de ACE.
Foi ainda deliberado por unanimidade que o membro DD-Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda assumirá as obrigações que estavam cometidas ao membro Senhor Engenheiro EE no âmbito do ACE, mantendo-se este solidariamente responsável com a DD-Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda pelo cumprimento dessas obrigações.
Passando ao último ponto da ordem de trabalhos foi aprovado por unanimidade a alteração ao artigo 4, n.º 1 do contrato de ACE que passará a ter a seguinte redacção:
Artigo 4.º
Composição, Participações e Capital Próprio
O ACE é composto pelas seguintes entidades, detendo respectivamente as participações a seguir descriminadas, correspondentes aos votos indicados:
_ CC-Centrais de Cogeração, SA - noventa e cinco por cento.
_ DD-Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda. - cinco por cento”.
(inalteradas, as restantes).

A interpelação do Réu, ora recorrente, a que se alude no ponto n.º 21 dos factos provados, teve lugar, por carta registada, de 26 de Novembro de 2004 (de que foi junta cópia, com a petição inicial, como documento n.º 17).

Das cartas a que se alude no ponto n.º 16 dos factos provados, endereçadas pela Autora ao Réu FF FIBRAS, ENERGIA, ACE, consta, no essencial, que:
Carta de fls. 159, datada de 26 de Fevereiro de 2004:
“Nos termos da Cláusula 3.2 do Contrato de Fornecimento de Gás natural que celebrámos com V.Exas a 14 de Dezembro de 1998, vimos por este meio notificar V. Exas da nossa decisão de denunciar esse Contrato.
Assim, o Período de Fornecimento do actual Contrato de Fornecimento de Gás Natural terminará no próximo dia 31 de Maio de 2004, dado que o início de fornecimento à V/unidade foi no dia 1 de Junho de 1999”.
Carta de fls. 160, datada de 5 de Agosto de 2004:
“Nos termos da Cláusula 3.2 do Contrato de Fornecimento de Gás Natural que celebrámos com V. Exas a 23 de Julho de 1998, vimos por este meio notificar V. Exas da nossa decisão de denunciar esse Contrato.
Assim, o Período de Fornecimento do actual Contrato de Fornecimento de Gás Natural terminará no próximo dia 2 de Dezembro de 2004, dado que o inicio de fornecimento à V/unidade foi no dia 3 de Dezembro de 1999”.

Delimitado o recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso do tribunal, passemos a apreciar os seus fundamentos, todos de carácter jurídico.

A questão que, fundamentalmente, vem sendo controvertida, ao longo do processo, prende-se com o conceito de terceiro para efeitos de registo comercial.

Discute-se, em concreto, se a exoneração do Réu/recorrente, como membro e administrador do Réu “ACE”, aprovada por deliberação social, de 20 de Março de 2001, mas cujo registo só veio a ser efectuado em 2 de Dezembro de 2004, ou seja, posteriormente à interpelação do primeiro, realizada em 26 de Novembro de 2004, é inoponível à Autora, por esta dever ser considerada como terceiro, para efeitos de registo comercial, tal como foi considerado nas instâncias.

O registo comercial é, como se sabe, disciplinado, fundamentalmente, pelo Código de Registo Comercial que, aprovado pelo DL n.º 403/86, de 3 de Dezembro, foi objecto de inúmeras modificações. Tendo sido alterado e republicado pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, foi, de novo, alterado pelo DL n.º 8/2007, de 17 de Janeiro.(1)
A sua finalidade consiste em “dar publicidade à situação jurídica dos comerciantes individuais, das sociedades comerciais, das sociedades civis sob forma comercial e dos estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada, tendo em vista a segurança do comércio jurídico” (art. 1, n.º 1 do CRC).
A lei sujeita ainda ao registo comercial factos relativos a outras entidades, tais como as cooperativas, as empresas públicas, os agrupamentos complementares de empresas e os agrupamentos europeus de interesse económico (art. 1, n.º 2 do CRC).
Sujeitos a registo obrigatório são os factos mencionados no art. 15 do CRC (e, eventualmente, noutros preceitos fora do CRC).
Por outro lado, alguns actos de registo são obrigatoriamente publicados (art. 70 e ss. do CRC).
O registo efectua-se, em regra, a pedido dos interessados (princípio da instância); só não é assim nos casos de oficiosidade previstos na lei (cfr. 28 do CRC).

Dos efeitos do registo, realcemos, agora, estes:
O efeito presuntivo do registo:
“O registo definitivo constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida” (art. 11 do CRC, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo DL n.º 76-A/2006, de 29/03, como os restantes artigos a seguir citados, do CRC).

O efeito indutor de eficácia:
Sob a epígrafe “oponibilidade a terceiros”, o art. 14 do C. R. Com., dispõe que:
“1.Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo.
2.Os factos sujeitos a registo e publicação obrigatória nos jornais oficiais só produzem efeitos contra terceiros depois da data da publicação.
3.A falta de registo não pode ser oposta aos interessados pelos seus representantes legais.
4.O disposto neste artigo não prejudica o estabelecido no Código das Sociedades Comerciais”.
Este artigo é complementado pelo art. 13, n.º 1, nos termos do qual:
“Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros”.

Segundo o Prof. António Menezes Cordeiro, o efeito indutor de eficácia manifesta-se em duas proposições:
_ a publicidade negativa: o acto sujeito a registo e não registado não produz os seus efeitos ou todos os seus efeitos;
_ a publicidade positiva: o acto indevida ou incorrectamente registado pode produzir efeitos, tal como emerja da aparência registral.(2)
Reportando-se á publicidade negativa, escreve o mesmo Autor que:
“O art. 14, n.º 1 não teve o cuidado de completar “…só produzem efeitos contra terceiros que, sem culpa, os desconhecessem, depois da data do respectivo registo” ou, pela negativa, “…não produzem efeitos perante terceiros de boa fé…”. Não obstante, parece-nos que essa solução se impõe, dadas as claras exigências do sistema”.
Adoptando, deste modo, a teoria da publicidade negativa: “os actos sujeitos a registo não produzem efeitos, enquanto não estiverem registados, contra terceiros de boa fé, ou seja, terceiros que, sem culpa, os ignorassem. Em suma, ficciona-se que aquilo que não consta do registo, não existe”. (3)

Quanto á oponibilidade a terceiros, a regra é, assim, a de que não são oponíveis a terceiros, isto é, não produzem efeitos contra terceiros os factos sujeitos registo senão depois da data do respectivo registo; do mesmo modo, os factos sujeitos a registo e a publicação obrigatória só produzem efeitos contra terceiros depois da data da sua publicação. (4)


O Réu/recorrente vem demandado, viu-se já, como responsável pelas mencionadas dívidas do Réu “ACE” - responsabilidade ilimitada, subsidiária e solidária -, enquanto sujeito deste agrupamento complementar de empresas (cfr. Base II, n.º 2, “ab initio” e n.º 3 da Lei n.º 4/73).

A figura do Agrupamento Complementar de Empresas (ACE) foi instituída pela Lei n.º 4/73, de 4 de Junho, complementada pelo DL n.º 430/73, de 26 de Agosto.
“As pessoas singulares ou colectivas e as sociedades podem agrupar-se, sem prejuízo da sua personalidade jurídica, a fim de melhorar as condições de exercício ou de resultado das suas actividades económicas” (Base I, n.º 1 da Lei n.º 4/73).
“As empresas agrupadas respondem solidariamente pelas dívidas do agrupamento, salvo cláusula em contrário do contrato celebrado por este com um credor determinado” (Base II, n.º 2).
“O agrupamento adquire personalidade jurídica com a inscrição do seu acto constitutivo no registo comercial” (Base IV).
“Para fins de registo, o agrupamento é equiparado às sociedades comerciais” (art. 4 do DL n.º 430/73).
“O membro do agrupamento pode exonerar-se nos termos autorizados no contrato, ou …” (art. 12, n.º 1).
“No caso de omissão da lei e deste regulamento, são aplicáveis aos agrupamentos complementares de empresas as disposições que regem as sociedades comerciais em nome colectivo” (art. 20).

A exoneração de um membro do agrupamento complementar de empresas é, sem dúvida, um facto sujeito a registo obrigatório (cfr. art. 6, al. d) e 15, n.º 1 do C. Reg. Com).

Dito isto.
Defende, no essencial, o Recorrente que o acórdão recorrido teria partido de um conceito errado de terceiro, não interpretando devidamente o normativo do art. 14 do C. Reg. Com., contra a doutrina que foi firmada pelo Acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n.º 3/99, de 18-05-1999:
“Terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5 do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”.
Tendo ficado definido no n.º 4, do art. 5, do Cód. do Registo Predial, na redacção dada pelo DL n.º 533/99, de 11 de Dezembro, que “terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”.
A nosso ver, não lhe assiste razão.

É certo que, por força do art. 115 do C. do Reg. Com., “são aplicáveis, com as necessárias adaptações, ao registo comercial, na medida indispensável ao preenchimento das lacunas da regulamentação própria, as disposições relativas ao registo predial que não sejam contrárias aos princípios informadores do presente diploma”.
Todavia, o entendimento, que acolhemos, prevalecente na doutrina, tem sido o de que a noção de terceiros para efeitos de registo comercial não deve ser confundida com a que é feita no sentido técnico-registral (de terceiros com direitos ou interesses incompatíveis entre si e recebidos de autor comum), mas entendida antes num conceito mais amplo, de modo a abranger quaisquer pessoas, incluindo os próprios interessados com interesses incompatíveis. (5)

Como escreve Alexandre de Soveral Martins:
“Deve ser tido aqui em conta o próprio objectivo primordial do registo comercial. Aquilo que se pretende é assegurar a tutela do comércio em geral. Mais concretamente, e pegando na finalidade indicada no art. 1, 1 do CRCom., “destina-se a dar publicidade à situação (…) das sociedades comerciais (…), tendo em vista a segurança do comércio jurídico”. Por isso, parece adequado afirmar que o terceiro de que se fala no art. 14 do CRCom. e no art. 168 do CSC será aquele que é estranho ao facto sujeito a registo”. (6)
Por sua vez, segundo Jorge Manuel Coutinho de Abreu, “de modo geral, podemos dizer que é terceiro quem não seja parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante (cfr. C.R.Com., arts. 13.º, 1 e 14.º, 3)”. (7)
Refere, por seu lado, Filipe Cassiano dos Santos, obra citada, p. 204, que:
“O registo é simplesmente condição de oponibilidade a terceiros dos factos a ele sujeitos (art. 14; …), o que significa que o sujeito que pode promover o registo (…) não pode invocar o facto face a todos os demais sujeitos (que são terceiros, valendo pois aqui uma noção de terceiros distinta da que se encontra em matéria de registo predial)”.

Cremos, pois, que a Autora, simples credora do Réu “ACE”, estranha ao facto sujeito a registo (a exoneração do Recorrente como membro do Réu ACE), não pode deixar de ser tida, aqui, como terceiro, para efeitos de registo comercial.

Sendo a exoneração do Réu/ recorrente, como membro do Réu “ACE” (aprovada por deliberação social de 20/03/2001), facto sujeito a registo – para cuja promoção, o primeiro tinha legitimidade, enquanto interessado na sua realização -, mas ainda não registado, á data da sua interpelação (de 26/11/2004) - inoponível á Autora (improvado que esta tivesse conhecimento de tal facto, antes da comunicação de 23/12/2004, que lhe foi feita, pelo Réu “ACE”).

Defende, ainda, o Recorrente que, a considerar-se a Autora, como terceiro, para efeito do registo comercial, sempre deveria ter-se, no caso, como abusivo, o exercício do direito de invocar a inoponibilidade do facto não registado, argumentando, designadamente, que o mesmo já tina saído do Réu “ACE”, no momento do nascimento das dívidas accionadas.
Invoca o disposto no art. 334 do Cód. Civil, nos termos do qual, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Neste preceito, consagram-se, como é sabido, os limites da autonomia privada no exercício do direito subjectivo.
Ora, em nosso entender, não ocorre qualquer motivo para qualificar como abusivo o exercício da posição creditória da Autora.
Resulta do art. 175, n.º 2, do CSC, aplicável, ex vi do art. 20 do DL 430/73, de 25/08, aos agrupamentos complementares de empresas, que o membro que sai do ACE (v.g., por virtude da sua exoneração), mantém a responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores á sua saída e torna-se irresponsável por dívidas posteriores.
Conforme se escreve no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, obra coordenada por Jorge M. Coutinho de Abreu, volume III, p. 21:
“Justifica-se a responsabilidade do ex-sócio porque os credores sociais, no momento em que contrataram com a sociedade, contaram com a garantia constituída pelo seu património.
Questão que a lei não resolve é a de saber em que momento deve ser considerada constituída a obrigação da sociedade, para efeitos da responsabilidade do ex-sócio. O momento relevante é o da constituição da obrigação social. Pessoas que sejam sócias nesta data manter-se-ão responsáveis por tal divida, ainda que saiam da sociedade”.
Neste sentido, v.g., Raul Ventura:
“…da data em que a obrigação social se considera contraída, para o efeito da responsabilidade do sócio que saia da sociedade, dever-se-á atender ao momento em que ocorreu o facto jurídico criador da obrigação social e não ao momento do incumprimento dela; é desde o momento em que a obrigação nasce que o sócio responde por ela”. (8)
António Menezes Cordeiro:
“O sócio responde pelas obrigações contraídas (i. é: constituídas, ainda que não vencidas) até à data em que saia (art. 175, 1.ª parte)”. (9)

No caso concreto, as obrigações sociais em causa, devem ter-se como contraídas, para efeitos de responsabilidade do Réu/Recorrente, para com a Autora, não no momento do seu incumprimento, mas antes, no momento da realização de cada um dos dois mencionados contratos de fornecimento de que emergiram: em ambos os casos, anterior, como acima se viu, à data da deliberação social que aprovou a exoneração do Recorrente como sujeito do Réu ACE. (10)


Atente-se, aliás, no teor da acta de 20 de Março de 2001, para que se remete no ponto n.º 11 dos factos provados, na parte em que da mesma consta que:
“Foi ainda deliberado por unanimidade que o membro DD-Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda. assumirá as obrigações que estavam cometidas ao membro Senhor Engenheiro EE no âmbito do ACE, mantendo-se este solidariamente responsável com a DD-Desenvolvimento de Projectos de Energia, Lda pelo cumprimento dessas obrigações”.
A Autora, ao reclamar do Réu/Recorrente o pagamento das dívidas em causa, limitou-se a exercer legitimamente o seu direito de crédito.

Defende, por último, o Recorrente que: “A atribuição da responsabilidade pelo pagamento de uma divida para a qual não se contribuiu e que não foi assumida pela parte em questão consubstancia uma violação do artigo 62 da Constituição da República Portuguesa. Logo, a interpretação conjunta do artigo 14 do Código do Registo Comercial e da Base II n.º 2 da Lei n.º 4/73, da qual resulte que um membro de um ACE que se tenha exonerado, mas cuja exoneração não tenha sido registada antes do nascimento de uma determinada dívida, seja responsável por essa dívida, é inconstitucional, por violação do direito de propriedade” ((conclusão s) das alegações de recurso)).

O art. 62 da Constituição consagra o direito de propriedade privada, entre os direitos fundamentais, nestes termos:
“1.A todos é garantido o direito à propriedade privada e á sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2….”
Como se vê, desde logo, do próprio texto do n.º 1 do art. 62, o legislador constitucional não quis consagrar este direito fundamental em termos absolutos.
Em relação ao conteúdo básico da garantia constitucional da propriedade, enquanto direito fundamental, escreve-se in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., de Jorge Miranda e Rui Medeiros, a p. 1247 que “não sofre dúvidas que a Constituição garante explicitamente no art. 62 três componentes: (i) o direito de aceder à propriedade; (ii) o direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade; (iii) o direito de transmissão da propriedade inter vivos ou mortis causa”.
Já vimos, por outro lado, o que estatuem os arts. 14 do CRCom e da Base II, n.º 2 da Lei n.º 4/73.

O Recorrente não invoca a inconstitucionalidade das normas, do art. 14 do CR. Com. e da Base II, n.º 2, da Lei n.º 4/73, mas sim, mais restritamente, como aliás lhe é permitido, uma determinada interpretação das mesmas.
Sucede, porém, e desde logo, que a aplicação de tais normas não é feita, no caso concreto, com o sentido posto em questão pelo Recorrente.
Na verdade, como acima se considerou, as obrigações sociais em causa, devem ter-se como contraídas, para efeitos de responsabilidade do Réu/Recorrente, para com a Autora, no momento da realização de cada um dos dois contratos de fornecimento de que emergiram: em ambos os casos, anterior à data da deliberação social que aprovou a exoneração do Réu como membro do Réu “ACE”.
Se julgamos bem, não tem fundamento a inconstitucionalidade invocada.

Improcedem, deste modo, todos os fundamentos do recurso.

Conclui-se, no essencial, que:
I- Quanto à oponibilidade a terceiros, a regra, contida no artigo 14 do Código de Registo Comercial, é a de que não são oponíveis a terceiros, isto é, não produzem efeitos contra terceiros, os factos sujeitos a registo senão depois da data do respectivo registo (do mesmo modo, os factos sujeitos a registo e a publicação obrigatória só produzem efeitos contra terceiros depois da data da sua publicação);
II- A noção de terceiros para efeitos de registo comercial não se confunde com a que é feita no sentido técnico-registral (de terceiros com direitos ou interesses incompatíveis entre si e recebidos de autor comum);
III- É terceiro, para efeitos de registo comercial, quem não seja parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante;
IV- Sendo a Autora, simples credora do Réu Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), estranha ao facto sujeito a registo (a exoneração do Réu/Recorrente como membro do Réu ACE), deve considerar-se como terceiro, para efeitos de registo comercial.

Decisão:
Nega-se a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 15 de Março de 2012.

Marques Pereira (Relator)

Azevedo Ramos


Silva Salazar
____________________________
[1] A última das suas modificações teve lugar pelo DL n.º 292/2009, de 13 de Outubro.
Sobre o enquadramento legal do registo comercial, pode ver-se Isabel Quinteiro, Registo Comercial, estudo disponível na net.
[2] Cfr. Direito das Sociedades, I, Parte Geral, 3.ª ed., p. 583.
[3] Cfr. Manual de Direito Comercial, 2.ª ed., p. 401; Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, p. 503; Revista de Direito das Sociedades, Ano I (2009) - Número 2, p. 293 e ss..
[4] Esta regra contém várias excepções, uma das quais, na 2.ª parte do n.º 2 do art. 168 CSC, ressalvada no art. 14, n.º 4 do CRC (o facto não publicado é oponível se a sociedade provar que ele está registado e que o terceiro teve dele conhecimento).
Observe-se, também, que a inoponibilidade é contra terceiros – pelo que, estes, em princípio, podem prevalecer-se dos factos cujo registo e publicação não tenham sido efectuados (cfr. art. 168, n.º 1, do CSC); v. Ac. do STJ de 18-5-1999, BMJ n.º 487, 1999, p. 324, com anotação concordante de M. Henrique Mesquita na RLJ, ano 133, p.p. 312, ss.
[5] Neste sentido, cfr. J. de Seabra Lopes, Direito dos Registos e do Notariado, 6.ª ed., p.183;
António Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, p. 504;
Filipe Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, volume I, p. 204.
Na jurisprudência, entre outros, o Ac. da RC de 12-02-2008, processo 598/07.2TBLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Código das Sociedades Comerciais em Comentário, volume II, p. 719.
[7] Cfr. Curso de Direito Comercial, volume I, 8.ª ed., p. 197.
[8] Novos Estudos sobre sociedades anónimas e sociedades em nome colectivo, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, p.215.
[9] Código das Sociedades Comerciais Anotado, 2009, p. 516.
[10] A qualificação dos contratos de fornecimento de água, gás e electricidade é controvertida:
Como integrados no tipo “contrato de compra e venda”, tendo as obrigações do “vendedor“ e do “comprador” por objecto prestações duradouras em sentido estrito: ao primeiro, exigir-se-ia uma prestação de execução continuada; ao segundo, exigir-se-ia uma prestação reiterada ou com trato sucessivo (Pires de Lima e Antunes Varela);
Como contratos atípicos, “ainda que afins da compra e venda” (Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. III, 2.ª ed., p. 15);
Como contratos-quadro, se a interpretação do contrato a tal se não opuser, no âmbito do qual se celebram múltiplos contratos de compra e venda ou de prestação de serviço (além da eventual integração de uma componente de contrato de acesso á rede de distribuição (Carlos Ferreira de Almeida, Contratos II, 2.ª ed., p. 127).