Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
352/07.1TBALQ.L1.S1
Nº Convencional: 2 ª SECÇÃO
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COLIGAÇÃO ACTIVA
LIBERDADE DE IMPRENSA
JORNAL
RADIO
JORNALISTA
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO À HONRA
DIREITO AO BOM NOME
ABUSO SEXUAL
LEGES ARTIS
BOA FÉ
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
NEXO DE CAUSALIDADE
CAUSALIDADE ADEQUADA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECIMENTO EM PARTE DE OBJECTO DO RECURSO E NO RESTANTE NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / DIREITOS DA PERSONALIDADE / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
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DIREITO DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - SUJEITOS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL / EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / JORNALISTAS - REGIME CONSTITUCIONAL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL / DIREITOS FUNDAMENTAIS E A COMUNICAÇÃO SOCIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO / PARTES (LEGITIMIDADE) - PROCESSO / INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Adriano de Cupis, O Dano, p. 765.
- Alberto Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 1.º, pp. 43 a 45; e 3.º volume, pp.. 145 e 146.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., p. 520.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, p. 116.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª ed., p. 788; Das Obrigações em Geral, Vol. I, 5.ª Edição, p. 477 e seguintes, 512, 568, 800/801.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Edição do AAFDL — 1970 —, vol. II, p. 157.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição (Revista e Actualizada), p. 381.
- Iolanda Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, pp. 56 a 58, 67 e 69/70.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª Edição, p. 342.
- Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração — tomo I —, 2.ª Edição, pp. 208 e 209.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito de Personalidade, pp. 76 e 77.
-Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, 4.ª Edição Revista e Actualizada, vol. I, pp. 489, 501.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 70.º, 335.º, 484.º, 494.º, 496.º, N.º3, 497.º, 563.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 30.º, N.º1, 264.º, N.º3, 676.º, N.º2, 678.º, N.ºS1, 2, 3, 4 E 6.
CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS JORNALISTAS PORTUGUESES, APROVADO EM 4-5-1993, NÚMERO 1,CONSULTÁVEL NO SITE DO SINDICATO DOS JORNALISTAS.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º, N.º3, 26.º, N.º1, 37.º, 38.º.
ESTATUTO DO JORNALISTA, APROVADO PELA LEI N° 1/99, DE 1-1: - ARTIGO 14, N.° 1 AL. E).
LEI DE IMPRENSA (LEI N°2/99, DE 15-01): - ARTIGOS 1O, 2O, N.º L, AL. A), N° 2, ALS. C) E F), 3.º, 19.º, N.º1, 20.º, N.º1, AL. A), 22°, ALS. A), B), C) E D), 29.º, N.ºS1 E 2, 31.º, N.º3.
LEI N.º 3/99, DE 13-1, NA REDACÇÃO DO DL N.º 323/2001, DE 17-12: - ARTIGO 24.º, N.ºS 1 E 3.
LEI N.º 4/2001, DE 23-2 (LEI DA RÁDIO): - ARTIGOS 37.º, 63.º N.ºS 1 E 2.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM QUE PORTUGAL (CEDH): - ARTIGO 10.°.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 360/2005, DE 6 DE JULHO (DR., II SÉRIE, DE 03-11-2005).
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13-11-2002 (PROC.º N.º 02S2772, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT), 15-01-2003 (REVISTA N.º 2085/02- 4-ª, IN “SUMÁRIOS”, JANEIRO/2003), 11-12-2003 (PROC.º 03S1542 DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT), 24-09-2003 E 22-06-2005, IN CJ/STJ, ANOS XI — TOMO III, P. 253, E XIII — TOMO II, P. 273, RESPECTIVAMENTE E 10-05-2006 (PROC.º 05S2130, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT ).
-DE 14-12-2006 (PROC.º N.º 06S2573, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT ), 29-03-2007 (PROC.º N.º 07B689, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT ) E DECISÃO NOSSA PROFERIDA A 07-05-2009, NOS AUTOS DE RECLAMAÇÃO SOB O N.º 280/09.6YFLSB-7.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 14-05-2002 (PROC.º N.º 02A267), 09-09-2010 (PROC.º N.º 77/05,2TBARL.E1.S1), 14-02-2012 (PROC.º N.º 5817/07.2TBOER.L1.S1), TODOS DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT, E 24-05-2005 (REVISTA N.º 1410/05-6ª).
-DE 07-02-2008 (PROC.º N.º 07B4403), DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 13-01-2005, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 06-07-2011, DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 3-12-1998, IN BMJ 482, PP. 208 E 209.
-DE 4-11-2004, IN CJSTJ2004 TOMO III, P. 108.
-DE 19-02-2002 (REVISTA N.º 3379/01 - 1.ª).
-DE 13-01-2005 (PROC.º 04B3924), DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 30-09-2008 (REVISTA N.º 2452/08).
-DE 14-02-2012 (PROC.º N.º 5817/07.2TBOER.L1.S1), DISPONÍVEL IN WWW.STJ.PT .
-DE 25-03-2010 (PROC.º N.º 576/05.6TVLSB.S1), DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 14-05-2002 (REVISTA N.º 65/02 – 1.ª).
-DE 16-06-2009 E 31-03-2011, PROFERIDOS NAS REVISTAS N.ºS 2261/03.4TBVRL.S1-1ª E 508/06.4TBPTL.G1.S1, RESPECTIVAMENTE.
-DE 09-12-2008, REVISTA N.º 2613/08 -6.ª.
-DE 22-10-2009 (PROC.º N.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1),
-DE 15-02-2007 (PROC.º 07B302), DISPONÍVEL IN WWW.DGSI.PT .
-DE 23-10-2012 (REVISTA N.º 2398/06.8TBPDL.L1).
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM:
-SENTENÇAS: JANOWSKI C. POLÓNIA [GC], N.° 25716/94, § 30, CEDH 1999-1; NILSEN ET JOHNSEN C. NORUEGA [GC], N.° 23118/93, § 43, CEDH 1999- VIII); SUNDAY TIMES C. REINO UNIDO (N.° 1), DE 26 DE ABRIL DE 1979, SÉRIE A N.° 30, P. 38, § 62; OBSERVE RAND GUARDIAN V. THE UNITED KINGDOM -1995
Sumário :

I - Traduzindo-se a coligação activa numa acumulação de várias acções, a aferição dos requisitos de admissibilidade do recurso ordinário – a que reporta o art. 678.º,n.º 1, do CPC –, deve ser feita em função do valor de cada uma das acções cumuladas e da, em cada uma, ocorrida decadenza.

II - O consentimento do lesado (anterior à lesão) constitui causa justificativa do facto, consistindo aquele na aquiescência do titular do direito à pratica de acto que, sem aquela, constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse.

III - A publicação de uma carta enviada pelo autor ao director do jornal onde se reporta a caluniosos boatos que circulam e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou a difundir a notícia, afasta qualquer consentimento por parte do autor quanto à notícia publicada no jornal.

IV - O director de uma publicação periódica que permite a publicação de notícia cujo conteúdo lese gravemente o bom nome e reputação de alguém preenche a previsão do art. 484.º do CC, sendo solidariamente responsável – juntamente com os autores do escrito e a empresa jornalística proprietária – pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo demandante (art. 497.º do CC), verificados que estejam todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.

V - À liberdade de transmitir informações contrapõe-se o dever de informação e de cumprimento das leges artis, isto é, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na aferição da credibilidade respectiva antes da sua publicação.

VI - Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso.

VII - Embora se reconheça o interesse publico de uma notícia que denuncia publicamente situações de abuso sexual (por forma a evitar o cometimento de outros actos de igual natureza) bem com a necessidade de divulgar a identidade dos (alegados) autores dos factos para a prossecução daquele fim, deveriam os autores da notícia ter ouvido o jovem, ou pelo menos tentado fazê-lo, e assim aferido da sua credibilidade.

VIII - A obrigação de indemnizar só existe quando ocorre um nexo de causalidade entre o acto ilícito do agente e o dano produzido, tendo o nosso sistema acolhido a teoria da causalidade adequada, ao consignar no art. 563.º do CC, que a tal obrigação só se verifica em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

IX - Tendo-se apurado que (i) algumas pessoas que ouviram e leram as notícias difundidas e publicadas, ou tiveram conhecimento através de quem o fez, ficaram convencidas que o autor tinha praticado os factos nelas referidos; (ii) nas semanas que se seguiram à divulgação e propagação das notícias houve pessoas na rua e no estabelecimento que se dirigiram ao autor dizendo “maricas”, “paneleiro”, e escreveram na montra do seu estabelecimento «olha o Bibi cá da vila» e «O Bibi de A...»; (iii) o autor é pessoa sensível, de bom relacionamento, trabalhadora, respeitadora e respeitada por todos quantos o rodeiam; (iv) antes da divulgação da notícia era uma pessoa alegre e bem disposta, tendo –em consequência da mesma – sofrido abalo psicológico, depressão, desgosto, vergonha, humilhação e tristeza; (v) a filha do autor foi alvo de comentários na escola que frequenta, e por via disso o autor deixou de a levar e buscar à escola; (vi) depois da divulgação das notícias o autor tentou suicidar-se; e sendo previsível, para um homem médio, que da publicação das notícias poderiam resultar os danos referidos em (i) a (vi), considera-se verificado o nexo de causalidade.

X - A vertente negativa do nexo de causalidade não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano.

XI - A determinação indemnizatória dos danos não patrimoniais deve ser efectuada segundo um juízo de equidade, que mais não é do que a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso.

XII - Tendo em atenção os factos referidos em VIII afigura-se adequado o montante indemnizatório de € 22 500 – a título de danos não patrimoniais – atribuído pela Relação ao autor.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. a) AA e “BB, Comércio de Flores, Ld.ª” intentaram acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra CC, DD, EE, FF e “GG – Comunicação Social, Unipessoal, Ld.ª”, impetrando a condenação solidária dos réus no pagamento dos seguintes “quantuns”, todos acrescidos de juros moratórios, à taxa legal, vincendos desde a citação até integral pagamento:

1. € 120.000,00, ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

2. € 10.000,00 e € 2.890,32, à autora, a título de indemnização por danos não patrimoniais e patrimoniais, respectivamente.

Ancoraram a bondade das suas pretensões, em síntese, na alegação de factos consubstanciadores de danos não patrimoniais e patrimoniais, por si sofridos, em consequência da facticidade seguinte:

a’) Divulgação, a 19-03-2004, no noticiário das 18H00 da “Rádio ...”, propriedade da 5.ª ré, pelo jornalista daquela, CC, com consentimento de DD, à data, director de informação de tal rádio, de notícia referenciando o autor, proprietário da “BB, Comércio de Flores, Ld.ª”, como autor, reiteradamente, em A... e L..., de abusos sexuais, ofendido sendo um jovem deficiente mental, bem sabendo os 1.º e 2.º réus que a produção e permissão de difusão de tal notícia levavam os ouvintes a dar como certo que o autor havia praticado os factos criminosos relatados e que de tal adviriam consequências negativíssimas para os autores, notícia essa que, nos mesmos termos, ainda por intermédio do 1.º réu, foi difundida, designadamente, no noticiário das 13H00 da citada rádio, no dia 20-03-2004, tendo-o ainda sido, posteriormente, várias vezes, a várias horas, na mesma rádio.

b’) Publicação, na pág. 8 da edição de 01-04-2004 do jornal quinzenário “...”, propriedade da 5.ª ré, de texto elaborado e subscrito por EE e CC, jornalistas, com os dizeres que fls. 27 evidencia, publicação essa permitida pela ré FF, então directora do jornal “...”, os 1.º, 3.º e 4.º réus conhecendo que ao assim agirem levavam o público leitor a dar como certo que o autor havia praticado os já aludidos ilícitos, assim causando danos aos demandantes.


*

b) Contestaram os réus, consoante flui de fls. 55 a 70, concluindo no sentido da improcedência da acção, com consequente absolvição sua do pedido.

*

c) Prolatado despacho saneador tabelar, foi seleccionado o acervo fáctico considerado como assente e organizada a base instrutória.

*

d) Observado o na lei prescrito, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, sentenciado tendo vindo a ser:

1. A absolvição da ré FF “do pedido”.

2. A condenação dos demais réus a pagar:

a’) À autora, € 2.890,32 e juros de mora, à taxa legal sobre tal quantitativo, vencidos desde a citação até integral pagamento.

b’) Ao autor, € 15.000,00 e juros de mora sobre tal importância, à taxa legal, vincendos desde o dia seguinte à notificação da sentença e até integral pagamento.

3. Que os réus CC e “GG – Comunicação Social, Unipessoal, Ld.ª “respondem solidariamente pela totalidade da indemnização concedida”, os demandados DD e EE respondendo, “solidariamente, até ao limite de metade da indemnização global concedida”.


*

e) Inconformados com a sentença, dela apelaram o autor e todos os réus condenados.

*

f) O TRL, por acórdão com o teor que ressuma de fls. 608 a 651, doravante como “acórdão”, tão só, apelidado:

1. Julgou improcedente o recurso interposto pelos réus.

2. Na parcial procedência da apelação instalada por AA, alterou para € 22.500,00 o valor da indemnização devida àquele, por danos não patrimoniais e condenou a ré FF “no pagamento ao autor de  metade dessa indemnização, solidariamente com os restantes réus”, no demais confirmando a sentença recorrida.


*

g) Irresignados com o predito acórdão, trazem revista os réus, os quais remataram a sua alegação com a formulação das seguintes conclusões:

“1ª. As questões que merecem a discordância dos Recorrentes são as seguintes:
•      A questão da ilicitude e da culpa;
•      O consentimento do A. quanto à notícia publicada no Jornal ...;
•      O nexo de causalidade entre os alegados danos sofridos pelos A.A. e as notícias radiodifundidas e publicadas;
•      A responsabilidade civil da R. FF;
•      O valor da indemnização atribuída ao A. a título de danos não patrimoniais.

2ª. Relativamente à questão da ilicitude da conduta dos recorrentes, considerou a sentença proferida em 1a instância, considerações estas que foram subscritas na íntegra no Acórdão da Relação aqui recorrido, que "é nossa convicção que a omissão que se revela absolutamente essencial do ponto de vista do não cumprimento dos deveres estatutários e deontológicos por banda dos jornalistas, é mesmo a que respeita ao facto de não ter sido ouvido o jovem cujos pais diziam que havia sido alvo da comissão dos abusos sexuais. (....) Verifica-se, portanto, a ilicitude da radiodifusão e publicação das notícias nos termos em que foram efectuadas", do que se retira que foi considerado em ambas as Instâncias que o que confere a ilicitude à conduta dos RR. é o facto de não terem ouvido o jovem HH previamente à radiodifusão e publicação das notícias.

3ª. Quanto à notícia radiodifundida na Rádio ..., o recorrente CC transmitiu a notícia da forma exacta como os pais do jovem lha haviam relatado, e quanto à notícia publicada no Jornal ..., esta é construída reproduzindo ipsis verbis passagens das declarações dos pais do jovem em questão, sendo que o que é noticiado é o facto de os pais do jovem acusarem o recorrido e outra pessoa de terem abusado sexualmente do seu filho.

4ª. Resultou claro que, previamente à divulgação das notícias em questão, os factos nelas relatados já circulavam publicamente na vila de A... e outros locais desse concelho e de concelhos limítrofes. Factos esses que eram de relevante interesse público, tendo sido, inclusivamente, levados a uma sessão de Câmara.

5ª. As notícias radiodifundida e publicava visavam, afinal, esclarecer os rumores que já circulavam (conforme resulta, aliás, do próprio comunicado elaborado pelo recorrido AA), rumores esses levantados pelos Pais do jovem HH que acusavam o recorrido e uma outra pessoa de terem praticado abusos sexuais sobre o seu filho.

6ª. Consideram os recorrentes que deram integral cumprimento ao disposto no artigo 14°, n° 1, alínea e) do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n° 1/99, de 1 de Janeiro, segundo o qual “Constitui dever fundamental dos jornalistas exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional, competindo-lhes, designadamente: e) procurar a diversificação das suas fontes de informação e ouvir as partes com interesses atendíveis nos casos de que se ocupem.”.

7ª. Consideraram, e consideram ainda, os recorrentes, que ouviram as partes com interesses atendíveis no caso em questão (os Pais do jovem HH, que acusavam dois indivíduos de abusar sexualmente do seu filho, o Sr. II e o aqui recorrido AA).

8ª. Embora não tenha sido considerado provado que os recorrentes ouviram o recorrido AA previamente à radiodifusão da notícia, resultou claramente provado que o ouviram antes da publicação da notícia no Jornal ..., onde, aliás, consta reproduzido o comunicado por este subscrito. Contudo, o Acórdão recorrido, bem como a sentença proferida em primeira instância, não fizeram qualquer distinção entre ambas as situações, quando o deveriam ter feito...

9ª. Considerou a sentença proferida em 1ª instância, considerações estas que também foram subscritas no Acórdão da Relação aqui recorrido que, no conflito latente entre o direito à liberdade de expressão e de imprensa e o direito ao bom nome e reputação de terceiros, a não audição do recorrido AA e, fundamentalmente, a não audição do jovem HH configura uma violação do artigo 14°, n° 1, alínea e), do Estatuto do Jornalista e, consequentemente, inquina de ilicitude a conduta dos recorrentes.

10ª. Considerou este Supremo Tribunal de Justiça recentemente que, para condenar civilmente os jornalistas é exigida a negligência grosseira, no Acórdão de 14/02/2012, com o n° de processo 5817/07.2TBOER.L1.S1, no qual doutamente se decidiu que "A tutela civil da honra abrange a globalidade deste bem, não se limitando ao sancionamento das condutas dolosas, compreendendo, igualmente, as condutas meramente negligentes, sendo indiferente que o facto ou opinião informativa sejam ou não verdadeiros, desde que os mesmos sejam susceptíveis, dadas as circunstâncias do caso, de abalar o prestígio de que a pessoa goze ou o bom conceito em que seja tida [prejuízo do bom-nome], no meio social em que vive ou exerce a sua actividade. Mas deve exigir-se a negligência grosseira, consubstanciada na violação grave dos deveres mais elementares, concretamente, impostos e que regem o exercício da profissão de informar o público”.

11ª. Ainda segundo este mesmo Acórdão, “No âmbito da responsabilidade civil dos jornalistas, em que o titulo de imputação do facto ao agente se basta com a mera culpa, deve exigir-se a negligência grosseira, consubstanciada na violação grave dos deveres mais elementares que regem o exercício da profissão, como a ausência total dos cuidados básicos, concretamente, impostos, hipótese em que, em conjugação com a falsidade das imputações, se exclui a «exceptio iuris veritatis»”.

12ª. No presente caso, a conduta ilícita imputada aos recorrentes foi-o a título negligente, nada se referindo a que tipo de negligência. Contudo, da interpretação feita a ambas as decisões (da 1ª Instância e da Relação), não se retira minimamente que os recorrentes tenham sido grosseiramente negligentes.

13ª. Não se verificou no presente caso uma violação grave dos deveres mais elementares que regem o exercício da profissão de jornalista nem uma ausência total dos cuidados básicos, pelo que, deve considerar-se que não se verificou a negligência grosseira por parte dos recorrentes e, como tal, não se encontra preenchido um dos requisitos da responsabilidade civil: a imputação a título de, pelo menos, negligência grosseira.

14ª. Ao não ter seguido este entendimento, o Acórdão recorrido infra-graduou o direito dos recorrentes à sua liberdade de expressão, violando os artigos 2º, 3º, 18°, 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa, que não consentem qualquer infra-graduação da mesma

15ª. Mais violou o Acórdão do Tribunal a quo as normas contidas nos artigos 483° e 484° do Código Civil, porquanto não estão preenchidos os requisitos da ilicitude e da culpabilidade para que se verifique a obrigação de indemnizar os aqui recorridos.

16ª. O Acórdão recorrido (também) considerou que o recorrido AA não consentiu expressamente a publicação das notícias em causa.

17ª. Importa reproduzir na íntegra o comunicado escrito pelo recorrido.

"Exmo. Senhor Director,

Na sequência do amável convite formulado por V. Exas., facultando-me a possibilidade de comentar rumores que se me referem, venho informar que sinto não dever comparecer pessoalmente porque considero que, de momento, este não é o meio nem o modo adequados para abordar assuntos desta gravidade

Não quero, todavia, desperdiçar a oportunidade para, através de V. Exas., veicular, pela presente missiva, a minha completa inocência e afirmar peremptoriamente o meu não envolvimento e o total alheamento quanto à matéria que consta dos caluniosos boatos que circulam.

Aproveito ainda o ensejo para manifestar o meu penhorado agradecimento pelo apoio que me têm prestado todos os que me conhecem e relativamente àqueles que me conhecem mal ou desconhecem garantir que tudo não passa de um lamentável e grave equívoco.

Espero que as suspeições de que sou alvo - que são altamente lesivas para a minha honra, dignidade e consideração e que têm repercussões negativíssimas na minha vida pessoal, familiar e profissional - sejam rapidamente ultrapassadas e clarificadas, até com o V. Apoio.

Estou determinado a, relativamente àqueles que inventaram tal falsidade e a todos quantos os que, por algum modo, a ajudaram e ajudam a espalhar ou difundir, agravando as suspeições, responsabilizá-los em sede judicial.

Com os melhores cumprimentos e agradecendo, desde já, a difusão da presente,

Sou, atentamente,

AA" (nosso sublinhado).

18ª. Da leitura integral deste comunicado, resulta claro que se trata de um texto amigável, escrito por alguém que não tem qualquer animosidade para com os recorrentes. Recorde-se, aliás, que este comunicado foi elaborado após a radiodifusão das notícias na Rádio ...

19ª. O Acórdão recorrido não teve em conta as expressões utilizadas pelo recorrido atrás sublinhadas, mas tão somente as restantes.

20ª. Expressões como.

- “Na sequência do amável convite formulado por V. Exas., facultando-me a possibilidade de comentar rumores que se me referem”;

- “Não quero, todavia, desperdiçar a oportunidade para, através de V. Exas., veicular, pela presente missiva, a minha completa inocência”;

- “Espero que as suspeições de que sou alvo (...) sejam rapidamente ultrapassadas e clarificadas, até com o V. Apoio.”;

-“(...) agradecendo, desde já, a difusão da presente,”

revelam claramente que o recorrido AA tinha perfeito conhecimento do conteúdo da notícia que iria ser publicada no Jornal ... (até porque a mesma notícia já tinha sido previamente radiodifundida na Rádio ...) e consentiu expressa e esclarecidamente na mesma, requerendo até que o seu comunicado fosse difundido.

21ª. Da expressão “Estou determinado a, relativamente àqueles que inventaram tal falsidade e a todos quantos os que, por algum modo, a ajudaram e ajudam a espalhar ou difundir, agravando as suspeições, responsabilizá-los em sede judicial." não resulta que o recorrido estivesse a referir-se aos aqui recorrentes até porque, repita-se, já era do conhecimento do recorrido que os recorrentes tinham radiodifundido a notícia na Rádio ...

22ª. Não só o recorrido consentiu na publicação da notícia, como agradeceu o   “amável  convite   formulado  por   V.   Exas.,   facultando-me   a possibilidade de comentar rumores que se me referem”, isto porque a notícia não era mais que o esclarecimento dos rumores que já circulavam publicamente. O recorrido pediu ainda o apoio dos recorrentes no esclarecimento dos factos que lhe eram imputados, sendo que foi isso que os mesmos fizeram!

23ª. A posição assumida pelo recorrido no seu comunicado integra o consentimento na publicação da notícia, e afasta qualquer ilicitude da notícia publicada pelos recorrentes, nos termos do artigo 340° do Código Civil.

24ª. Assim, pelo menos quanto à notícia publicada no Jornal ..., estava excluída a ilicitude de qualquer facto praticado pelos recorrentes, nos termos do artigo 340° do Código Civil, uma vez que o próprio recorrido consentiu na publicação da notícia, através do seu comunicado. Ao não seguir este entendimento o Acórdão recorrido violou o disposto no artigo 340° do Código Civil.       

25ª. Não estando assim preenchido o requisito da ilicitude para que se verifique a obrigação de indemnizar os recorridos, pelo que, também nesta questão, violou a decisão do Tribunal a quo as normas contidas nos artigos 483° e 484° do Código Civil.

26ª. Ainda que os factos praticados pelos recorrentes fossem considerados ilícitos, o que não se concede, não se encontra preenchido o requisito do nexo de causalidade entre o dano e o facto porquanto, conforme resulta da decisão recorrida, as acusações ao recorrido já circulavam em A... e outros locais desse concelho e de concelhos limítrofes

27ª. Não resulta claro que os (alegados) danos sentidos pelos A.A. foram causados apenas pelas notícias divulgadas pelos recorrentes ou que se devessem totalmente ou em exclusivo à acção jornalística dos aqui recorrentes.

28ª. Também não ficou provado que todas as pessoas que ouviram e leram as notícias radiodifundidas e publicada ou que delas tiveram conhecimento através de outras pessoas, tenham ficado convencidas de que o A. praticou os factos nelas referidos.

29ª. Pode afirmar-se que o recorrido iria sempre sofrer os alegados danos, uma vez que os factos que lhe eram imputados já circulavam publicamente, independentemente da divulgação das notícias. Aliás, sempre se dirá que a divulgação das notícias serviu sim para clarificar a situação e até para difundir o comunicado escrito pelo recorrido, no caso da notícia publicada no Jornal ....

30ª. Veja-se que, aquando a elaboração do seu comunicado, já o recorrido invocava alguns dos danos alegados no presente processo, e não os imputou aos aqui recorrentes naquela altura.

31ª. E em concreto quanto à recorrida BB, Lda., não resultou provado que esta tenha perdido crédito e prestígio ou ficado com má reputação, ou deixado de ser recomendada por clientes e fornecedores.

32ª. Não tendo também ficado provado que o resultado negativo da recorrida em 2004 se tenha devido à radiodifusão e/ou à publicação das notícias em questão. Várias são as situações que podem influir ou reflectir-se nos resultados obtidos pelas empresas, como a conjuntura económica e financeira do país e da própria região, a abertura de outros estabelecimentos comerciais concorrentes na região, etc...

33ª. Ao contrário do referido no Acórdão recorrido, a situação de crise económica e financeira global teve início precisamente em 2004.

 34ª. Pelo que falha também o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o (alegado) dano, exigido pelos artigos 483° e 563° do Código Civil, sendo que ao não ter decido desta forma, violou o Acórdão recorrido estas normas.

35ª. Não sendo o facto ilícito e não havendo dolo ou culpa dos agentes, nem se encontrando demonstrado o nexo de causalidade entre o dano e o facto, não estão reunidos os elementos cumulativos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, pelo que devem os recorrentes ser absolvidos dos pedidos contra eles formulados.

36ª. Porque assim não decidiu, a decisão recorrida violou as normas dos artigos 2°, 3°, 18°, 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 483°, 484° e 563° do Código Civil, pelo que deve ser revogada, proferindo-se decisão que absolva os ora recorrentes dos pedidos contra eles formulados.

37ª. A decisão recorrida considerou a R. FF responsável solidária pelos danos causados ao recorrido AA, ao contrário do que havia sido decidido em 1a instância, na qual a recorrente FF havia sido absolvida.

38ª. Nesta questão, perfilham os recorrentes o entendimento constante na decisão da 1a Instância, entendimento este que foi perfilhado por este mesmo Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 17/12/2009, com o n° de processo 4822/06.OTVLSB, no qual se decidiu que “em acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa, os responsáveis, de acordo com o n° 2 do art. 29° da Lei 2/99, de 13 de Janeiro, são, para além do autor do escrito ou imagem, a empresa jornalística e não o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa”.

39ª. O Acórdão recorrido afastou este entendimento com base numa interpretação extensiva do artigo 29°, n° 2, da Lei de Imprensa que, com o devido respeito, no entendimento dos recorrentes desvirtua por completo o exposto naquela norma, violando-a.

40ª. Efectivamente, no caso da Lei da Rádio e da Lei da Televisão, está expressamente prevista a responsabilidade civil dos Directores, ou responsáveis pela transmissão.

41ª. No artigo 63° da Lei da Rádio, aprovada pela Lei n° 4/2001, de 23 de Fevereiro (actual artigo 64° da Lei n° 54/2010, de 24 de Dezembro com pequenas alterações) estipula-se que “1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através da actividade de radiodifusão observa-se o regime geral. 2 - Os operadores radiofónicos respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de programas previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo dos direitos de antena, de réplica política ou de resposta e de rectificação."

42ª. Já no artigo 70° da Lei da Televisão, aprovada pela Lei n° 27/2007, de 30 de Julho, “1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos através de serviços de programas televisivos ou de serviços audiovisuais a pedido observam-se os princípios gerais. 2 - Os operadores de televisão ou os operadores de serviços audiovisuais a pedido respondem solidariamente com os responsáveis pela transmissão de materiais previamente gravados, com excepção dos transmitidos ao abrigo do direito de antena, de réplica política, de resposta e de rectificação ou no decurso de entrevistas ou debates protagonizados por pessoas não vinculadas contratualmente ao operador.

43ª. Como facilmente se constata, as duas redacções são muito semelhantes. Ora, se o legislador pretendesse responsabilizar civilmente o director, no caso da Imprensa, da mesma forma que responsabiliza os responsáveis pela transmissão de materiais no caso da Rádio e da Televisão, não faria sentido que redigisse a norma do artigo 29°, n° 2, da mesma forma? Veja-se que a Lei da Imprensa foi recentemente alterada (pela Lei n° 19/2012, de 8 de Maio) e a redacção do artigo 29°, n° 2 mantém-se exactamente a mesma.

44ª. Consideram assim os recorrentes que a interpretação dada pelo Acórdão recorrido à norma do artigo 29°, n° 2, da Lei da Imprensa é violadora da mesma, não devendo a recorrente FF ser responsabilizada solidariamente pelos danos causados ao recorrente AA, porquanto a sua responsabilidade não está prevista na Lei.

45ª. Ao ter decidido noutro sentido, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 29°, n° 2, da Lei da Imprensa.

46ª. Como acima ficou exposto, consideram os recorrentes não estarem reunidos os elementos cumulativos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual, sendo que, no caso da recorrente FF, nem tão pouco está prevista na Lei a sua responsabilidade civil.

47ª. Caso Vossas Excelências assim não o entendam, o que não se concede, deve ser decidido ser o montante indemnizatório fixado manifestamente excessivo perante os danos que os apelados alegam ter sofrido, reduzindo-se, substancialmente, os montantes daquelas indemnizações.

48ª. O Acórdão recorrido veio alterar o valor da indemnização devida ao recorrido AA pelos danos não patrimoniais para o montante de 22.500,00€, aumentando assim o valor a que os recorrentes já haviam sido condenados em 1a Instância, de 15.000,00€. Já aquando a interposição de recurso para o Tribunal da Relação os recorrentes consideram este valor excessivo, pelo que não podem conformar-se com a alteração deste valor para um montante tão elevado quanto os 22 500,00€.

49ª. Desde logo, também agora no Acórdão recorrido não foram tidos em conta os critérios legalmente previstos para o cálculo do montante da indemnização, nomeadamente os critérios da equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e titular da indemnização, etc.

 

50ª. Na indemnização  a  atribuir  ao  lesado  a  título  de  danos  não patrimoniais, deve atender-se ao poder económico do grupo onde se insira o meio de comunicação social, às tiragens médias e à difusão designadamente no meio social a que respeite o visado, bem como aos potenciais lucros obtidos com as notícias.

51ª. A Rádio ... e o Jornal ... são meios de comunicação social de âmbito regional, ouvidos e lidos na região de A... e zonas limítrofes, sendo que o Jornal ... teve uma tiragem de 4.500 exemplares, aquando a edição que continha a publicação da notícia em questão e o preço de venda ao público era de 0,50€.

52ª. Decidiu o Acórdão recorrido que a conduta foi imputada aos recorrentes a título de negligência, tendo valorado a circunstância de não se ter provado que os danos sofridos pelos recorridos se devessem totalmente à acção jornalística dos recorrentes.

53ª. Contudo, após estas considerações, o Acórdão recorrido acaba por calcular um montante deveras excessivo face às mesmas e até face ao que tem vindo a ser decidido nos Tribunais Portugueses, nomeadamente neste Supremo Tribunal.

54ª. No Acórdão de 10 de Julho de 2008, do Supremo Tribunal de Justiça, processo n° 08A1824, considerou-se ajustada a indemnização civil de 25.000,00€ por ofensa à honra e ao bom nome de um Advogado e gestor conhecido, quando praticada por um jornal de grande divulgação, com dolo eventual. O caso ali referido assenta numa publicação do Jornal..., que é um meio de comunicação social de âmbito nacional, de grande divulgação, com uma tiragem média diária de 137.486 exemplares, e o lesado era um advogado reputado na praça pública.

55ª. No Acórdão de 9 de Setembro de 2010, também do Supremo Tribunal de Justiça, processo n° 77/05.2TBARL.E1.S1, entendeu-se que a indemnização de 20.000,00€ se mostra ajustada à ofensa feita à honra e bom nome da Autora, feita numa revista semanal de âmbito nacional, de grande 30 divulgação, sendo a lesada uma personalidade com um vasto currículo, incluindo até a ocupação de cargos públicos com relevo, como vereadora e deputada da Assembleia da República.

56ª. No já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 2012, processo n° 5817/07.2TBOER.L1.S1, consta um caso em que foi atribuída uma indemnização de 30.000,00€ por ofensa (dolosa) feita à honra e bom nome de pessoa que já tinha exercido diversos cargos públicos e que era, à data da prática dos factos, Primeiro-Ministro, tendo a ofensa sido feita por uma revista nacional, com periodicidade semanal, com uma tiragem mensal de 40.000 exemplares e disponibilizada a todo o Mundo através da sua versão electrónica na Internet.

57ª. Por último, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Março de    2012,    processo    n°    3976/06.0TBCSC.L1.S1,     manteve    a indemnização por danos não patrimoniais de 15.000,00€ atribuída ao Autor, por ofensa à honra e bom nome feita pelo Jornal ..., com uma média de vendas diárias de 85.103 exemplares e publicação online, sendo que o A. era um antigo jogador de futebol internacional português

58ª. Nas situações atrás expostas foram atribuídos montantes muito semelhantes ao atribuído ao aqui recorrido, sendo alguns até inferiores. Contudo, e com o devido respeito, as situações ali relatadas em nada se assemelham à dos presentes autos, porquanto foram perpetradas por órgãos de comunicação social de índole nacional (e não regional) e contra figuras públicas a nível nacional, sendo que no primeiro e terceiro casos atrás relatados as condutas foram imputadas a título doloso.

59ª. Face ao exposto, o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 494° e 496° n°s 1 e 3 do Código Civil, porquanto o montante atribuído ao recorrido não foi calculado segundo os critérios de equidade ali estipulados

60ª. Face a tudo o que supra ficou exposto e se concluiu, decidindo como decidiu o Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 2º, 3º, 18°, 37° e 38° da Constituição da República Portuguesa; artigos 483°, 484°, 494°, 496° n°s 1 e 3 e 563° do Código Civil e artigo 29°, n° 2, da Lei da Imprensa.

61ª. Nesta conformidade, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revogar-se o douto Acórdão recorrido, substituindo-se por outro que tenha em consideração o expendido no presente recurso e que julgue a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente, que absolva os Recorrentes de todos os pedidos formulados pelos Recorridos.”


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h) Contra-alegaram os autores, batendo-se pela confirmação do julgado.

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i) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Eis como se perfila a materialidade fáctica dada como provada no “acórdão”:

“1. A autora é uma sociedade comercial, com sede no Mercado Municipal de A..., cujo objecto é a venda de flores, da qual o autor é sócio gerente - alínea A) dos factos assentes.

2. No dia 19 de Março de 2004, na Rádio ..., durante o noticiário das 18.00 horas, o réu CC divulgou a notícia que consta do suporte magnético junto aos autos, cujo teor se dá por reproduzido - alínea B) dos factos assentes.

3. Nessa notícia é difundida uma entrevista efectuada a JJ e LL, referidos como pais de um jovem deficiente mental que teria sido abusado sexualmente em A... alínea C) dos factos assentes.

4. Nessa notícia o réu CC, além do mais, diz:

"Um jovem deficiente de A... foi alegadamente violado na madrugada de sábado para domingo (...) o abuso sexual ocorreu nas instalações do Mercado Municipal de A... e acusa o guarda daquela infra-estrutura e o proprietário da florista do mercado.

Os pais do jovem ( ... ) contaram à Rádio ... a sua versão dos acontecimentos".

Nesta altura, ouve-se a referida mãe do jovem deficiente dizer:

"Na noite de sábado para domingo, ele chegou a casa, chegou aqui, estava todo borrado (...) o que é que tu tens HH?( ... ) Foi o gordo. ( ... ) Qual gordo HH? (...) Aquele de bigode que está lá na praça."

De seguida ouve-se o referido pai do jovem deficiente dizer:

"É aquele que está lá na praça a fazer as contas, a cobrar as contas”. E depois ouve-se de novo a mãe do jovem deficiente dizer:

"Ele diz tudo. ( ... ) Fechou-me dentro da praça e violou-me lá na praça.” E o réu CC diz:

"Os dois (...) Ainda de acordo com os pais do jovem deficiente, há um mês o jovem havia sido alegadamente violado pelas mesmas pessoas (...)

Contactado pela Rádio ... outro dos acusados (...) AA, proprietário da florista do Mercado Municipal, escusou-se por enquanto a comentar as acusações e pondera uma posterior tomada de posição."- alínea D) dos factos assentes.

5. No dia 20 de Março de 2004, na Rádio ..., durante o noticiário das 13.00 horas, o réu CC voltou a divulgar a notícia referida em B), C) e D), a qual depois voltou a ser difundida várias vezes a várias horas nessa Rádio alínea E) dos factos assentes.

6. Aquando da divulgação dessa notícia o réu DD era o director de informação da Rádio ... e permitiu a mesma - alínea F) dos factos assentes.

7. No dia 1 de Abril de 2004, no jornal quinzenário ... foi publicada uma notícia, acerca da qual consta na sua Ia página, em letras bem visíveis, o título "Acusações de abusos sexuais no mercado municipal” e na sua 8ª página o texto da notícia, elaborado e subscrito pelos réus EE e CC, que constam do original junto a fls. 26-27, cujo teor se dá por reproduzido -alínea G) dos factos assentes.

8. Nesse texto consta, além do mais:

“Um jovem deficiente de A... foi alegadamente violado nas instalações do Mercado Municipal de A.... A família do jovem acusa o guarda daquela infra-estrutura e o proprietário da florista do mercado. (..) os abusos terão começado há cerca de um mês e meio (...) os alegados abusos tiveram lugar em L... ( ... ) o jovem terá sido levado numa carrinha vermelha com letras verdes que a identificam como a viatura de serviço da florista do mercado (..)Os pais contam que na noite de 13 para 14 de Março o jovem começou a ser alvo de abusos sexuais por parte das mesmas pessoas (...) O jovem em causa tem 18 anos e sofre de uma deficiência mental tendo sido internado recentemente numa instituição especializada.”- alínea H) dos factos assentes.

9. Nessa mesma 8ª página e em caixa é integralmente publicada uma carta enviada pelo autor ao Director do Jornal, conforme o original junto a fls. 26-27, cujo teor se dá por reproduzido - alínea I) dos factos assentes.

10. Nessa carta, além do mais, o autor afirma a sua “completa inocência”, afirma o seu “não envolvimento e o total alheamento quanto à matéria que consta dos caluniosos boatos que circulam”, alerta para as consequências negativas, a nível pessoal, familiar e profissional advindas da difusão pública da notícia e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou e ajuda a difundir a notícia - alínea J) dos factos assentes.

11. Aquando da publicação dessa notícia a ré FF era a directora do jornal ... e permitiu a mesma - alínea K) dos factos assentes.

12. Previamente às referidas divulgação radiofónica e publicação impressa, os réus EE e CC não ouviram o jovem HH acerca dos factos nelas referidos - alínea L) dos factos assentes.

13. A Rádio ... como o Jornal ... são meios de comunicação social ouvidos e lidos, respectivamente, por milhares de pessoas, designadamente na região de A... e zonas limítrofes, sendo aquele difundido a partir de A..., para esta Vila, o Ribatejo, o Alto Alentejo, etc, enquanto este tem a sua redacção em A..., sendo distribuído e vendido nesta Vila, em Paredes, no Carregado, na Ota, na Abrigada, na Labrugeira, na Merceana, em Cheganças, em Arranho, em Arruda dos Vinhos e em Sobral de Monte Agraço, entre outras localidades, sendo disponibilizado ao público em cafés e restaurantes, em organismos públicos, em bibliotecas ..., tendo sido de 4.500 exemplares a tiragem do dia 01/04/2004 - alínea M) dos factos assentes.

14. O autor é casado com MM, com a qual é pai de três filhos, nascidos em ..., ... e ... - alínea N) dos factos assentes.

15. A ré GG Comunicação Social, Unipessoal, Lda. é operadora radiofónica e empresa jornalística, proprietária da Rádio ... e do Jornal ... - alínea O) dos factos assentes.

16. Previamente à referida divulgação radiofónica, os réus CC e EE não ouviram o autor acerca dos factos nela referidos e procederam à divulgação radiofónica e à publicação impressa com base naquilo que os pais do jovem HH lhes disseram em entrevista - artigos 1.° e 2.° da Base Instrutória.

17. Nessa entrevista os pais do jovem HH apenas se referiram a um "gajo AA da carrinha encarnada com as letras verdes", e mais adiante, "aquele que vende lá flores", como autor dos factos referidos nas notícias radiodifundidas e publicada - artigo 3.° da Base Instrutória.

18. A mãe do jovem HH não presenciou qualquer facto difundido e publicado pelos réus EE e CC e apenas relatou o que esse seu filho, que sofre de deficiência mental, lhe terá dito - artigos 4.° a 6.° da Base Instrutória.

19. Algumas pessoas que ouviram e leram as notícias difundidas e publicada e algumas daquelas que delas tiveram conhecimento através de outras pessoas que as ouviram e leram, ficaram convencidas de que o autor praticou os factos nelas referidos - artigo 7.° da Base Instrutória.

20. Nas semanas que se seguiram à divulgação e propagação dessas notícias, houve pessoas que na rua ou no estabelecimento, se dirigiram ao autor dizendo: "maricas", "paneleiro", "olha o mercado dos pandeiros", e expressões semelhantes; e escreveram na montra do seu estabelecimento comercial "olha o Bibi cá da vila", "o Bibi de A..." - artigos 8.° e 9.° da Base Instrutória.

21. O autor é pessoa sensível, de bom relacionamento, íntegra, trabalhadora, respeitadora e

respeitada por todos quantos o rodeiam - artigo 10.° da Base Instrutória.

22. Antes da divulgação das referidas notícia o autor era uma pessoa alegre e bem disposta - artigo 11.° da Base Instrutória.

23. Em consequência do referido em 2.19. e 2.20., o autor sofreu abalo psicológico e depressão, e sentiu desgosto, vergonha, humilhação e tristeza - artigo 12.° da Base Instrutória.

24. Perdeu a alegria de viver e passou a andar angustiado e ansioso, com crises de choro e dificuldades em adormecer, evitando lugares públicos - artigo 13.° da Base Instrutória.

25. Os familiares do autor (mãe, mulher e filhos) tiveram conhecimento das notícias e dos factos referidos em 2.19. e 2.20. - artigo 14.° da Base Instrutória.

26. A filha do autor NN foi alvo de comentários na escola que frequenta, onde os colegas lhe diziam "O teu pai é paneleiro", "És filha de um maricas" - artigo 15.° da Base Instrutória.

27. Por isso o autor deixou de a levar e buscar à escola como antes fazia - artigo 16.° da Base

28. Depois da divulgação das referidas notícias o autor tentou suicidar-se - artigo 17.° da Base Instrutória.

29. E parte dos clientes do seu estabelecimento comercial deixaram de o ser - artigo 18.° da Base Instrutória.

30. Durante os anos de 2000 a 2003, a autora teve resultados positivos, respectivamente, de € 122,96; € 1.706,04; € 1.604,00 e € 2.534,39 - artigos 20.° da Base Instrutória.

31. Em 2004 a autora obteve um resultado negativo de 390,32€ - artigo 21.° da Base Instrutória.

32. Nos autos de inquérito com o n.° 8/04.7GBALQ que correram termos na 6." Secção do DIAP de Lisboa, em que figuram na qualidade de denunciantes JJ e HH, e na qualidade de denunciado AA, foi proferido despacho de arquivamento em 07/09/2006, conforme certidão que faz fls. 252 a 258 dos autos, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.

33. Nesse despacho, para além do mais, consta:

“O ofendido apesar da sua deficiência relata os factos que lhe aconteceram, no entanto e em relação aos autores dos mesmos, tal já não acontece.

Efectivamente o ofendido apenas refere um indivíduo que lhe disse chamar-se AA, o que leva a crer que não o conhece - vd. fls. 49.

Ora, o arguido de acordo com a mãe do ofendido é conhecido do TT, pelo que tudo leva a crer que não seja a mesma pessoa.

Por outro lado, e cfr. melhor resulta de fls. 37, o TT nessa altura pareceu insistir que o «AA» que refere não é o «AA das Flores».”


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III. Não sendo caso para fazer jogar o estatuído nos art.ºs 722.º n.º 2 e 729.º n.º 3 do CPC (redacção a considerar, a vigente à data da propositura da acção — 08-03-2007 —, tal como a dos demais comandos de tal corpo de Leis que se vierem a citar, visto o disposto nos art.ºs 11.º n.º 1 e 12.º n.º 1, ambos do D.L. n.º 303/2007, de 24 de Agosto), a factualidade que como definitivamente fixada se tem é a elencada em II.

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IV. O Direito:

1. Estamos ante hipótese de coligação activa (art.º 30.º n.º 1 do CPC), já que os autores formularam, discriminadamente, pedidos diferentes contra todos os réus, cfr., sobre a temática, entre outros, Alberto Reis, in “Comentário ao Código de Processo Civil”, vols. 1.º, págs. 43 a 45, e 3.º, págs. 145 e 146, Castro Mendes, in “Direito Processual Civil”, Edição do AAFDL — 1970 —, vol. II, pág. 157, e Paulo Cunha, in “Processo Comum de Declaração” — tomo I —, 2.ª Edição, págs. 208 e 209.

Traduzindo-se a coligação activa numa acumulação de várias acções, a aferição dos requisitos de admissibilidade do recurso ordinário, como o vertente (art.º 676.º n.º 2 do CPC), a que se reporta o art.º 678.º n.º 1 do CPC, deve ser feita em função do valor de cada uma das acções cumuladas e da, em cada uma, ocorrida “decadenza” — cfr., entre outros, acórdãos do STJ, de 13-11-2002 (Proc.º n.º 02S2772/ITIJ/Net), 15-01-2003 (Revista n.º 2085/02- 4-ª, in “Sumários”, Janeiro/2003), 11-12-2003 (Proc.º 03S1542/dgsi/Net), 24-09-2003 e 22-06-2005, in CJ/STJ, Anos XI — Tomo III, pág. 253, e XIII — Tomo II, pág. 273, respectivamente e 10-05-2006 (Proc.º 05S2130.dgsi.Net), bem como Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª Edição, pág. 116.

Também o T.C., pelo acórdão n.º 360/2005, de 6 de Julho (DR., II Série, de 03-11-2005), não julgou inconstitucional a norma do n.º 1 do art.º 678.º do CPC, quando interpretada no sentido de que, no foro laboral, em caso de coligação de autores, o valor da acção, para efeitos de recurso, é determinado autonomamente em relação a cada um dos pedidos cumulados.

Por seu turno, uma vez que, conforme jurisprudência pacífica deste Tribunal, com vista a apurar se se verificam, ou não, os requisitos de admissibilidade de recurso ordinário a que alude o art.º 678.º, n.º 1 não relevam os juros moratórios vencidos na pendência da acção — vide, v. g., acórdãos do STJ, de 14-12-2006 (Proc.º n.º 06S2573, dgsi.Net), 29-03-2007 (Proc.º n.º 07B689.dgsi.Net) e decisão nossa proferida a 07-05-2009, nos autos de reclamação registados sob o n.º 280/09.6YFLSB-7.ª Secção, disponível in www.stj.pt) temos:

O valor da acção intentada pela autora é o de € 12.890,32 (= € 10.000,00+ € 2890,00), e o da sucumbência dos recorrentes, no que àquela concerne, cifrou-se em € 2890,32.

Sendo o valor da acção proposta por “BB, Comércio de Flores, Ld.ª” inferior ao da alçada da Relação, à data relevante, a da propositura da acção — € 14.963,94 (art.º 24.º n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, na redacção do DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e n.º 3 de tal artigo de lei) — e bem inferior a metade de tal alçada, outrossim, o valor da sucumbência dos demandados, no que toca à causa intentada pela autora, não se estando, ainda, ante hipótese contemplada nos n.ºs 2, 3, 4 e 6 do art.º 678.º do CPC, não se toma conhecimento do objecto do recurso, no que tange à, no “acórdão”, confirmada condenação no pagamento à autora do referido em I. d) 2.a’), dada a sua inadmissibilidade, atento, como urge, ainda, vazado no art.º 678.º n.º 1 do CPC.

Prosseguindo:


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2. Afora as de conhecimento oficioso, são as questões versadas nas conclusões da alegação do recorrente, extraídas da respectiva motivação, que delimitam o âmbito do recurso (art.º 684.º n.º 3 e 690.º n.º 1 do CPC).

Atentando nas tiradas pelos réus, dir-se-à, indúbio como é que com a propositura desta acção intentou AA efectivar a responsabilidade civil extracontratual dos réus, repousante no já noticiado, pressupostos daquela sendo, na lição de Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral” – Vol. I -, 5.ª Edição, págs. 477 e seguintes: facto voluntário do lesante, ilicitude, nexo de imputação do facto ao lesante (culpa), dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano:

a) Conclusões 16.ª a 25.ª:

Não colhe, flagrantemente, o invocado consentimento do lesado, a que alude o art.º 340.º C.C., em ordem a excluir a “ilicitude de qualquer facto praticado pelos recorrentes”, “pelo menos quanto à notícia publicada no Jornal ...”, em tal, sem mais, se filiando o acerto da, “in totum”, concessão da revista, na óptica dos réus.

Na verdade:

Se, como referido por Antunes Varela, in obra citada, pág. 512, o “consentimento do lesado (anterior à lesão) constitui causa justificativa do facto”, consistindo na “aquiescência do titular do direito à prática de acto que, sem ela, constituiria uma violação desse direito ou uma ofensa da norma tuteladora do respectivo interesse”, é vítreo que ao subscrever a carta citada em II. 9. e 10, transcrita, na íntegra, na conclusão 17.ª, sopesadas, também, como importa, as expressões sublinhadas pelos recorrentes, não consentiu o autor a publicação da notícia referida em II. 7 e 8, com toda a pertinência se sublinhando no “acórdão:

“Ora, da mera publicação de uma carta enviada pelo autor ao Director do Jornal onde o mesmo se reporta a “caluniosos boatos que circulam” e adverte da sua intenção de responsabilizar judicialmente quem ajudou e ajuda a difundir a notícia”, não se pode inferir uma anuência do mesmo à publicação de uma nova notícia, independentemente do seu teor.

Devendo o consentimento ser esclarecido, não se concebe sequer a prestação de um consentimento (válido) para a publicação de uma notícia sem que se tivesse apurado ter o visado prévio conhecimento do conteúdo da mesma”.

Efectivamente, insiste-se:

Ao arrepio do defendido pelos recorrentes, as expressões destacadas na conclusão 20.ª estão longe, muito longe, de revelarem que o “recorrido AA tinha perfeito conhecimento do conteúdo da notícia que iria ser publicada no Jornal ...” e que “consentiu expressa e esclarecidamente na mesma”.


*

b) Da, no “acórdão”, sustentada responsabilidade civil extracontratual de FF, directora do Jornal “...” aquando da publicação da notícia citada em II. 7. e 8., publicação essa que permitiu (cfr. II. 11.):

Insurgem-se os réus contra a condenação de tal demandada (conclusões 37.ª a 46.ª), a qual, proclamam, encerra, desde logo, entorse ao art.º 29.º n.º 2 da Lei n.º 2/99, de 13 de Janeiro (Lei de Imprensa), diploma legal este a que pertencem os normativos que, sem indicação de outra fonte, se vierem a chamar à colação, em abono do valimento da sua tese chamando o defendido em acórdão deste Tribunal, de 17-12-09 (Proc.º n.º 4822/06.0TVLSB), disponível in www.dgsi.pt, também J. M. Coutinho Ribeiro, adita-se, in “A Nova Lei de Imprensa”, pág. 47, nota 2, face ao vertido no art.º 24.º n.º 2 do DL n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, diploma legal este revogado (art.º 40.º a)), dispondo em termos idênticos aos do art.º 29.º n.º 2, se pronunciando no sentido, sufragado na sentença apelada, de que em “acção cível para ressarcimento dos danos provocados por factos cometidos através da imprensa”, responsável “não é o director do periódico ou o seu substituto legal, mesmo que se prove que tiveram conhecimento prévio da publicação do escrito ou imagem em causa”.

Não merece censura o “acórdão” por ter decretado a responsabilidade solidária da ré FF “pelos danos causados ao autor, nos mesmos termos em que o são a ré EE e a empresa proprietária do Jornal”, pelo ademais a dissecar, outro não sendo o entendimento expresso em acórdãos deste Tribunal, de 14-05-2002 (Proc.º n.º 02A267), 09-09-2010 (Proc.º n.º 77/05,2TBARL.E1.S1), 14-02-2012 (Proc.º n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1), todos disponíveis in www.dgsi.pt, e 24-05-2005 (Revista n.º 1410/05-6ª).

Também no acórdão do STJ, de 07-02-08 (Proc.º n.º 07B4403), no citado site disponível, com relato do, ora, 1.º Adjunto, se decidiu que “se dos factos não resultar que o director da publicação teve conhecimento e não se opôs à publicação das notícias, não deve ser condenado”.

Vejamos:

As publicações periódicas devem ter um director (art.º 19.º n.º 1), ao qual compete orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (art.º 20.º n.º 1 a)).

O comportamento do director da publicação periódica traduzido na permissão da publicação de notícia cujo conteúdo lese gravemente o bom nome e reputação do autor preenche a previsão do art.º 484.º do C.C., a responsabilidade civil daquele, subjectiva, com base na mera culpa, decorrendo do art.º 29.º n.º 1, o qual remete para os princípios gerais.

Tanto assim é que o art.º 31.º n.º 3 consagra mesmo a responsabilidade criminal do director da publicação periódica, director-adjunto, subdirector ou de quem concretamente os substitua que não se oponha, através da acção adequada, à comissão de crime através da imprensa, podendo fazê-lo.

O director de publicação periódica que procede como enunciado, como sucedido, enfim, com a ré FF, é solidariamente responsável com os autores do escrito e com a empresa jornalística proprietária daquela pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo demandante (art.º 497.º do CC), verificados que estão todos os já nomeados pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, como, sem mácula, afirmado no “acórdão”.

Assim:


*

c) Deixou-se, nomeadamente, com acerto, frise-se, consignado no “acórdão”, transcrevendo alguns trechos da sentença apelada, com vista à evidenciação da ocorrência de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual o seguinte:

“A questão essencial a dirimir no recurso interposto pelos réus é a da delimitação da chamada liberdade de imprensa, com a consequente liberdade de informação e de expressão, quando em confronto com o direito ao bom nome e reputação.
Ambos possuem consagração constitucional: o primeiro nos arts. 37° e 38° e o segundo no art. 26°, n.°  l, da CRP.

Assim, prescreve o n.° 1 do art. 26° que a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”.

O direito ao bom nome e reputação consiste essencialmente no direito a não ser ofendido ou lesado na sua honra, dignidade ou consideração social.

Na lei ordinária a personalidade moral, o bom-nome e consideração social das pessoas, são valores tutelados (artigos 70° e 484° do Código Civil).

No que toca ao direito à liberdade de expressão, de informação e de ser informado, estabelece o art.° 37°, no n° l, da Constituição que todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, também como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento ou descriminações. E o n° 4 acrescenta que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de reposta ou de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Estabelece depois o art.° 38° a garantia da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social.
A Lei de Imprensa em vigor (Lei n°2/99, de 15/01), contém disposições similares -vide arts. 1o, 2o, n.°l, al. a), e 22°, als. a), b), c) e d).
O direito dos cidadãos a serem informados, de forma correcta, é também aí garantido, além do mais, pelo reconhecimento do direito de resposta e de rectificação e de respeito pelas regras deontológicas no exercício da actividade jornalística (art.° 2o, n° 2, als. c) e f) da Lei de Imprensa).
Os limites à liberdade da imprensa são os que decorrem da lei - fundamental e ordinária - de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação e a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da vida privada, à imagem e às palavras dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática (art.° 3o da citada Lei).

Ora, tal como se assinalou na sentença recorrida, o conflito entre os dois direitos constitucionalmente garantidos - o direito à liberdade de informação e o direito à honra e ao bom nome - terá que ser resolvido, nos termos do art. 335° do CC, pela cedência do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
E, sendo os direitos em causa, em abstracto, de igual hierarquia constitucional, há que procurar a sua harmonização, o que obriga à existência de limitações e condicionamentos mútuos, em ordem a lograr alcançar uma solução de concordância prática.
Essa solução não pode ser encontrada de forma apriorística, mas de acordo com as especificidades do caso.
No processo de ponderação dos direitos conflituantes, o princípio da proporcionalidade em sentido amplo ou da proibição do excesso apresenta-se como um metaprincípio direccionado a garantir a maximização da tutela de cada um dos bens jurídico-constitucionais em colisão, salvaguardando-se o núcleo essencial de cada direito (art. 18°, n.° 3, da CRP) - cfr. Iolanda Rodrigues de Brito, Liberdade de Expressão e Honra das Figuras Públicas, Coimbra Editora, pags. 56 a 58.
A definição dos limites deste direito à liberdade de expressão por via da comunicação social, - em atenção também ao relevante papel que esta normalmente desempenha no sentido de denunciar, e consequentemente limitar para o futuro, abusos e ilegalidades -, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência, nomeadamente do S.T.J., do Tribunal Constitucional, bem como da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sempre dependendo da análise das circunstâncias do caso - cfr. Ac. STJ de 13/01/2005, relatado pelo Cons. Moutinho de Almeida, in www.dgsi.pt.
Na dirimência do conflito de direitos haverá ainda ter presente o estatuído na Convenção Europeia dos Direitos do Homem que Portugal assinou em 22/11/76 e que a Assembleia da República ratificou pela Lei 65/78, de 13/10, e a interpretação desenvolvida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) a partir do disposto no art. 10° daquela Convenção.
Estatui-se nesse normativo:
(Liberdade de expressão)

1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem vindo a consolidar doutrina no sentido de que o exercício desta liberdade de expressão está sujeito a formalidades, condições, restrições  e  sanções  que  todavia devem  ser estritamente  interpretadas,  devendo  a  sua necessidade ser estabelecida de maneira convincente (ver, entre outras, as seguintes sentenças: Janowski c. Polónia [GC], n.° 25716/94, § 30, CEDH 1999-1; Nilsen et Johnsen c. Noruega [GC], n.° 23118/93, § 43, CEDH 1999- VIII). A verificação do carácter «necessário numa sociedade democrática» da ingerência litigiosa impõe ao Tribunal que examine se a ingerência correspondia a uma «necessidade social imperiosa», se era proporcionada à finalidade legitima prosseguida e se as razões aduzidas pelas autoridades nacionais para a justificar são pertinentes e suficientes (Sentença Sunday Times c. Reino Unido (n.° 1), de 26 de Abril de 1979, série A n.° 30, p. 38, § 62) - cfr Ac STJ de 06 de Julho de 2011, relatado pelo Cons. Gabriel Catarino.
O TEDH tem entendido que os deveres e responsabilidades, inerentes ao exercício da liberdade de expressão por parte dos jornalistas, implicam que estes estejam sujeitos à condição de actuarem de boa fé no tratamento da informação, de acordo com a ética jornalística (caso Observe rand Guardian v. The United Kingdom -1995). “Não se pode exigir à imprensa que publique apenas factos provados ou prováveis, porque, se assim fosse, estaria impedida de publicar praticamente tudo. Por outro lado, a liberdade de imprensa está protegida mesmo quando o seu exercício implica um dano na reputação de outrem (...)" - cfr. Iolanda Rodrigues de Brito, ob. cit. pags. 67 e 69/70.
A boa fé veio compensar a exigência de verdade, bastando que haja um considerável esforço da parte do jornalista para verificar os factos, ainda que posteriormente se venha a apurar serem estes falsos.
Esse é o preço a pagar pela sociedade pela liberdade jornalística
O que é decisivo não é a boa fé subjectiva, mas a boa fé objectivamente fundada quanto a uma verdade que seria igualmente admitida por qualquer pessoa de consciência recta e de pensamento equitativo se colocada na mesma situação.

Como consagração destes princípios, estabelece-se no art. 180°, n.° 2, do C. Penal que se exclui a ilicitude se se provar que as imputações tiverem sido feitas para prosseguir interesses legítimos e se os factos imputados forem verdadeiros ou que o agente teve fundamento sério para, em boa fé, os reputar verdadeiros
Com este pano de fundo conhecer-se-á do recurso interposto pelos réus.

Da questão da ilicitude e da culpa:
Na bem elaborada sentença recorrida, depois de se enquadrar juridicamente o conflito latente entre o direito à liberdade de expressão e de imprensa e o direito ao bom nome e reputação de terceiros, considerou-se, em essência, que a não audição do ora autor, previamente à publicação da notícia radiofónica, e, fundamentalmente, a não audição do jovem TT, alegada vítima de abuso sexual, objecto da notícia, configuram uma violação dos preceitos estatutários e deontológicos dos jornalistas (arts. 14, n.° 1 al. e) do Estatuto do Jornalista)

Na apelação interpostas pelos réus estes sustentam:

- que nâo estão preenchidos todos os pressupostos de que depende a obrigação de indemnizar por responsabilidade civil extra-contratual porque não há ilicitude nem culpa;
- que, quanto à notícia publicada no Jornal ..., esta é construída reproduzindo ipsis verbis passagens das declarações dos pais do jovem em questão, da outra pessoa envolvida nos alegados factos e ainda do senhor vereador da Câmara Municipal de A... aquando da sua intervenção numa sessão pública daquele órgão, mais tendo sido publicado, juntamente com aquela notícia, o escrito da autoria do A.

- que, enquanto jornalistas, se limitaram a investigar factos que já circulavam publicamente na Vila de A...;
- que os réus com a radiodifusão e publicação das notícias pretendiam apenas eliminar os boatos que já circulavam em A...
- que esses factos eram de interesse público, tanto assim que foram levados a uma sessão de câmara;
- que não ouviram o jovem TT porque tinham a convicção que era menor, e quando lhes foi dado a conhecer que o jovem já nâo era menor o mesmo estava internado numa instituição;
- que o A. e o seu estabelecimento comercial foram identificados nas notícias porque não podiam usar a expressão "AA das flores", pois que não é propriamente um termo jornalístico, e porque floristas AA em A... e no mercado municipal só havia um.
Vejamos.
Como bem se consignou na sentença recorrida:
"(...) tendo entrevistado sobre os alegados abusos sexuais os pais do jovem deficiente, o jornalista CC, não ouviu sobre a matéria o jovem que à data dos factos já tinha completado 18 anos de idade (...).

Poderá dizer-se que não o fez porque lhe foi relatado pelos pais do mesmo que o jovem sofria de deficiência mental. Porém, tal alegação também não se revela suficiente para se considerarem cumpridos os deveres profissionais que sobre si impendiam.
Efectivamente, resulta da própria entrevista aos pais do jovem que este "diz tudo", e tornava-se também evidente do contexto da mesma que os pais nada haviam presenciado e que relatavam o que o filho lhes teria dito.

Assim sendo, e considerando que se tratava de assunto concernente à intimidade da vida privada do jovem alegadamente abusado (...) impunha que aquele tivesse sido ouvido.
(...)

O mesmo ocorreu relativamente à notícia publicada no Jornal ... e subscrita pelos jornalistas CC e EE, que não ouviram o jovem ofendido  e  decidiram  difundir  a  informação  que  tinham,   estribando-se  no  direito  à informação, apesar da carta enviada pelo autor dando conta da inocência que clamava quanto aos boatos que sobre o assunto circulavam.

(…)

No caso dos autos é manifesto que os jornalistas não cuidaram de ouvir a principal fonte da notícia, o jovem TT, não se tendo preocupado com a confirmação da informação que lhes foi veiculada pelos pais daquele, isto mesmo sabendo que ele já havia atingido a maioridade e que aqueles nada haviam visto e apenas estavam a transmitir o que alegavam que o filho lhes dissera.
Ao invés, bastaram-se com considerar suficiente ouvir os pais do jovem e publicar as notícias referindo agora nos autos que as mesmas se limitam a reproduzir a denúncia feita pela mãe do jovem que acusava o ora autor da prática dos factos, e assim consideraram ter ficado feita a investigação quanto aos boatos que alegaram já circularem na Vila de A....

Ora, esta actuação precipitada dos jornalistas teve neste caso profundas repercussões.
De facto, conforme cabalmente decorre do despacho de arquivamento proferido no inquérito bastaria terem ouvido o jovem TT para poderem constatar, como ali se afirma, que "o ofendido apesar da sua deficiência relata os factos que lhe aconteceram, no entanto e em relação aos autores dos mesmos, tal já não acontece. Efectivamente o ofendido apenas refere um indivíduo que lhe disse chamar-se AA, o que leva a crer que não o conhece. Ora, o arguido de acordo com a mãe do ofendido é conhecido do TT, pelo que tudo leva a crer que não seja a mesma pessoa. Por outro lado, o TT nessa altura pareceu insistir que o «AA» que refere não é o «AA das Flores» ".
Sendo consabido que o tempo das notícias não é o tempo dos processos, o certo é que as mesmas também devem decorrer de uma investigação dos factos ainda que muito mais sumária.

Ainda que num apuramento sumário impunha-se que tivesse sido ouvido o ofendido e, no caso concreto, se tal tivesse ocorrido, com toda a probabilidade que o depoimento prestado pelo mesmo em inquérito evidencia, as notícias veiculadas pela Rádio ... e pelo Jornal ... não teriam sido divulgadas nos moldes em que o foram. E para tal teria bastado que tivesse sido minimamente testada a informação veiculada pelos pais do jovem na entrevista.

Acresce que, ao invés do afirmado na difusão radiofónica da notícia, não se provou que antes da mesma o ora autor AA, ali visado como sendo um dos acusados pelo jovem ofendido, tenha sido efectivamente ouvido pelos jornalistas relativamente às imputações que lhe eram feitas. Aliás, se bem atentarmos na contestação dos réus os mesmos nunca afirmam tal facto expressamente. Só afirmam ter ouvido o ora autor, como aliás a carta deste evidencia, antes da publicação do jornal.
No entanto, no caso em apreço esta nem foi a omissão mais relevante porquanto será razoável prever que alguém a quem é imputada a comissão de um crime que é socialmente tão repudiado, negue as acusações que lhe são imputadas mesmo quando as mesmas são verdadeiras.
Portanto, in casu, é nossa convicção que a omissão que se revela absolutamente essencial do ponto de vista do não cumprimento dos deveres estatutários e deontológicos por banda dos jornalistas, é mesmo a que respeita ao facto de não ter sido ouvido o jovem cujos pais diziam que havia sido alvo da comissão dos abusos sexuais.
(...)
Verifica-se, portanto, a ilicitude da radiodifusão e publicação das notícias nos termos em que foram efectuadas ".
Subscrevem-se na íntegra estas considerações.
Com efeito, à liberdade de transmitir informações contrapõe-se o dever de informação e de cumprimento das leges artis, ou seja, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na aferição de credibilidade respectiva antes da sua publicação.
Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso, como resulta até do n.° 1 do denominado Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, por estes aprovado em 4 de Maio de 1993 e que se pode consultar no site do Sindicato dos Jornalistas.

As empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nelas operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

Ora, embora se reconheça o interesse público da notícia (a denúncia pública de situações de abuso sexual pode evitar o cometimento de outros actos de igual natureza) e a necessidade de divulgar a identidade dos (alegados) autores dos factos para a prossecução daquele fim, deveriam os autores da notícia ter ouvido o jovem, ou pelo menos, tentado fazê-lo, pois que, de acordo com o relatado pelos progenitores deste, foi o jovem quem lhes contou o alegado abuso.
Se o tivessem feito, os jornalistas teriam constatado a deficiência de que o jovem padece e aferido da sua credibilidade.
E, caso o mesmo proferisse declarações similares às prestadas nos autos de inquérito n.° .../04.7... que correram termos na ....a Secção do DIAP de Lisboa, em que figura como denunciado o ora autor e que foi alvo de despacho de arquivamento, porventura a notícia não teria sido publicada e radiodifundida ou sê-lo-ia em moldes diferentes, pois que, de acordo com os fundamentos exarados naquele despacho, o jovem TT não identificou o ora autor como sendo um dos autores dos abusos sexuais de que foi vítima.

Fundando-se no depoimento de parte prestado pelo réu CC em audiência, sustentam ainda os apelantes que:

a.  os jornalistas CC e EE só não ouviram o jovem antes da publicação das notícias por pensarem que era menor e que quando lhes foi dado a conhecer que o jovem já não era menor o mesmo estava internado;
b.  com a publicação da notícia os jornalistas visavam apenas eliminar os boatos que circulavam em A...;
c.  o autor e o seu estabelecimento comercial foram identificados nas notícias porque não podia usar a expressão "AA das flores" e porque floristas AA em A... e no mercado municipal só havia um.
Porém, essa factualidade não foi alegada pelos réus na contestação, nem estes manifestaram na audiência a vontade de se aproveitarem dos factos (complementares) referidos em a) e b), não tendo, por isso, sido levados à base instrutória, pelo que nunca poderiam ser considerados na decisão - art. 264°, n.° 3, do CPC.

De igual modo, não foi considerado em 1a instância ter resultado da instrução e discussão da causa o facto instrumental descrito sob a alínea c).

Por outra via, na apelação, os réus propugnam pela consideração dos factos acima referidos apenas com fundamento no depoimento de parte do réu CC.

Ora, tal depoimento, por si só, configura-se insuficiente para a demonstração daqueles factos, na medida em que os mesmos são favoráveis ao depoente.

Sintetizando: Não tendo os autores da notícia realizado, podendo fazê-lo, todas as diligências tendentes à comprovação da mesma, a boa fé, no sentido objectivo que supra se deixou delineado, deve-se considerar afastada, sendo que, no caso, a velocidade do acontecimento noticiável não impedia os jornalistas de, em tempo útil, verificarem razoavelmente todos os factos.”


***

... “Não tendo os jornalistas em causa cumprido os seus deveres deontológicos, e, nessa medida, actuado com a diligência exigível com vista à recolha de informações, dúvidas não restam que, em face da materialidade provada, é ilícita e culposa a sua actuação.” …

“Em causa está a verificação do requisito da responsabilidade extracontratual: o nexo de causalidade.

A produção de um dano resulta necessariamente de um processo causal, onde podem ocorrer múltiplas circunstâncias.

Sendo assim, e porque a obrigação de indemnizar só tem cabimento quando existe um nexo de causalidade entre o acto ilícito do agente e o dano produzido, a questão que se coloca reside em saber quando é que o resultado lesivo se há-de ter como efeito daquele sobredito comportamento.

Daí que os autores procurem distinguir, no acervo de circunstâncias que concorrem para a produção do dano, entre aquelas sem cujo concurso o dano não se teria verificado e as outras, que também contribuíram para o mesmo evento, mas cuja falta não teria obstado à sua verificação - cfr. Antunes Varela, Das Obrigações Em Geral, Io Vol. 4ª ed., pag. 788.

Ora, como é sabido, o nosso sistema positivo acolheu a “teoria da causalidade adequada”, ao consignar no art. 563° do CC que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

A lei exige, para fundamentar a reparação, que o comportamento do agente seja abstracta e concretamente adequado a produzir o efeito lesivo.

Efectivamente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano comporta uma vertente naturalística e uma vertente jurídica.

Ora, os factos provados não suscitam qualquer dúvida quanto à demonstração de que, em termos naturalísticos, as lesões sofridas pelo autor resultaram das notícias publicada no jornal e difundida na rádio.

Efectivamente apurou-se que

- Algumas pessoas que ouviram e leram as notícias difundidas e publicada e algumas daquelas que delas tiveram conhecimento através de outras pessoas que as ouviram e leram, ficaram convencidas de que o autor praticou os factos nelas referidos - artigo 7.° da Base Instrutória.

- Nas semanas que se seguiram à divulgação e propagação dessas notícias, houve pessoas que na rua ou no estabelecimento, se dirigiram ao autor dizendo: "maricas", "paneleiro", "olha o mercado dos paneleiros"; e escreveram na montra do seu estabelecimento comercial "olha o Bibi cá da vila", "o Bibi de A..." - artigos 8.° e 9.° da Base Instrutória.

- O autor é pessoa sensível, de bom relacionamento, íntegra, trabalhadora, respeitadora e respeitada por todos quantos o rodeiam - artigo 10.° da Base Instrutória.

- Antes da divulgação das referidas notícia o autor era uma pessoa alegre e bem disposta - artigo 11.° da Base Instrutória.

- Em consequência do referido o autor sofreu abalo psicológico e depressão, e sentiu desgosto, vergonha, humilhação e tristeza - artigo 12.° da Base Instrutória.

- Perdeu a alegria de viver e passou a andar angustiado e ansioso, com crises de choro e dificuldades em adormecer, evitando lugares públicos - artigo 13.° da Base Instrutória.

- A filha do autor NN foi alvo de comentários na escola que frequenta, onde os colegas lhe diziam "O teu pai é paneleiro", "És filha de um maricas" - artigo 15.° da Base Instrutória.

- Por isso o autor deixou de a levar e buscar à escola como antes fazia - artigo 16.° da Base Instrutória.

- Depois da divulgação das referidas notícias o autor tentou suicidar-se - artigo 17.° da Base Instrutória.

É certo que não resultou provado que os danos sofridos pelos AA se devessem totalmente ou em exclusivo à acção jornalística dos aqui recorrentes, tanto que não foram considerados totalmente provados os quesitos 7° e 8° da Base Instrutória.

Todavia, e aqui entramos na vertente jurídica do nexo de causalidade, o problema prende-se com a questão de saber se, à luz das regras legais, a publicação das notícias foi causa adequada dos danos sofridos pelo autor.

Ora, como é sabido, a teoria da causa adequada admite duas variantes: a positiva e a negativa.

A variante positiva é mais restrita e conexionada com a valoração ética do facto; a previsibilidade do agente tem que se referir ao facto e à amplitude dos danos que emergem dele; ou seja, o agente só é culpado do que previu quanto ao facto que praticou e quanto aos danos que perspectivou; daí que seja utilizada para a fixação do nexo causal no âmbito do direito criminal.

A variante negativa, mais ampla, mas com uma esfera abrangente mais alargada, com um sentido ético de culpa menos restrito; a previsibilidade do agente reporta-se aos factos, mas não aos danos, pelo que o agente é sempre responsabilizado pelos danos que jamais previu desde que provenham de um facto que ele praticou e visualizou; um facto é causal de um dano quando é uma de entre várias condições sem as quais o dano não se teria produzido; somente na hipótese de o facto ter sido totalmente indiferente para a produção do resultado, segundo as regras da experiência comum, é que o facto não será causal do efeito danoso; daí que esta variante seja utilizada no âmbito do direito civil - cfr. Ac. STJ de 3-12-98, relatado pelo Cons. Noronha Nascimento, in BMJ 482, pags. 208 e 209.

Como sustenta Antunes Varela (ob. cit. pags. 800/801), desde que o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, justifica-se que o prejuízo recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.

"Essa inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado.

Só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano ".

Na mesma linha de pensamento, sustenta Almeida Costa (Direito das Obrigações, 4ª ed., pag. 520) que, no domínio da responsabilidade por factos ilícitos culposos, deverá entender-se que "o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais ".

Ora, como se frisa na sentença recorrida, dúvidas não restam que a divulgação da notícia por via da rádio e do jornal determinaram que a mesma fosse conhecida por um número maior de pessoas do que seria caso tivesse passado "de boca em boca", e determinou também que à mesma fosse atribuída uma credibilidade diferente porquanto é sabido que -precisamente pelos deveres que sobre os jornalistas impendem -, o cidadão que ouve uma notícia na rádio ou que a lê no jornal, atribui-lhe uma seriedade e veracidade completamente distinta daquela que confere ao simples boato de rua que muitas vezes pode atribuir à maledicência.

Era, pois, previsível, para um homem médio, que da publicação das notícias pudessem resultar para o autor os danos apurados.

Considera-se, por isso, verificado o nexo de causalidade entre o facto e os danos provados, tanto mais que a vertente negativa da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano - cfr. Ac. STJ de 4-11-2004, relatado pelo Cons. Ferreira Girão, in CJSTJ2004 tomo III, pag. 108.”


*

Em abono da tese consagrada no “acórdão”, sempre acrescentaremos, recordando a boa doutrina desenvolvida em vários arestos deste Tribunal e tendo presente o teor das conclusões 3.ª a 5.ª, 7.ª, 8.ª e 10.ª a 15.ª da alegação dos réus:

Sem embargo de, como salientado no já citado acórdão de 07-02-08, no “domínio do pensamento, da expressão e da informação”, a regra ser a liberdade, aos jornalistas, de acordo com o acórdão deste Supremo, de 19-02-02 (Revista n.º 3379/01 -  1.ª), “impõe-se, como regra deontológica básica,  a confrontação de versões e opiniões, cumprindo-lhes testar e controlar a veracidade da notícia, recorrendo a fontes idóneas, diversificadas e controladas”.

“Na divulgação da informação deve o jornalista proceder de boa fé, de modo a fornecer informações exactas e dignas de crédito, observando os princípios e deontologia que regem a sua actividade” (acórdão do STJ, de 13-01-2005 – Proc.º 04B3924 -, disponível no site cit.), “a prova da actuação diligente na recolha e tratamento da informação – a actuação segundo as leges artis” -, incumbindo ao jornalista” (Revista n.º 2452/08, de 30-09-08).

Se tal não acontecer, a suceder incumprimento das leges artis, violação grave dos deveres legais elementares que devem nortear o exercício da profissão, em crise não estando que no “âmbito da responsabilidade civil dos jornalistas, em que o título de imputação do facto ao agente se basta com a mera culpa” (acórdão do STJ, de 14-02-2012 – Proc.º n.º 5817/07.2TBOER.L1.S1, disponível no referido site), estamos ante hipótese de negligência grosseira, culpa lata (vide Manuel de Andrade, in “Teoria Geral das Obrigações”, 3.ª Edição, pág. 342), a distinção entre culpa lata, leve e levíssima mantendo aqui actualidade e tendo cabimento, como lembrado no já citado acórdão de 17-12-09, invocando Pires de Lima e Antunes Varela, in obra e vol. já citados, pág. 489.

É patente a, aos réus jornalistas, também no “acórdão”, assacada infracção ao seu Estatuto e Código Deontológico, com culpa grosseira tendo violado o direito ao bom nome, reputação e honra do demandante, graves danos não patrimoniais, merecedores da tutela do direito (art.º 496.º n.º 1 do CPC),a gravidade aferida, como importa, “objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade e não da especial susceptibilidade do visado” (cfr., entre plúrimos, acórdão do STJ, de 25-03-2010 – Proc.º n.º 576/05.6TVLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt), tendo causado, como ressalta do provado - cfr. II. 19. E 28.

Não esqueçamos que, como afirmado por Pedro Pais de Vasconcelos, in “Direito de Personalidade”, págs. 76 e 77:

“O direito à honra, à defesa do bom nome e reputação, insere-se também no âmbito da inviolabilidade moral, assim como a tutela da privacidade e do pudor. Merece uma atenção particular.

O direito à honra é uma das mais importantes concretizações da tutela e do direito da personalidade. A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. A honra é a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas” …

 “ Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É um direito inerente à qualidade e à dignidade humana”.

Nem é de acolher o levado às conclusões 3.ª a 5.ª, 7.ª e 8.ª, em prol da concessão da revista, já que:

Do provado não resulta que quanto à notícia radiodifundida na Rádio ..., o recorrente CC a transmitiu da forma exacta como os pais do jovem lha haviam relatado e que quanto à notícia publicada no Jornal ..., foi construída reproduzindo, “ipsis verbis”, passagens das declarações dos pais do jovem em questão.

Basta atentarmos nas respostas que mereceram os n.ºs 2 e 3 da base instrutória para a tal conclusão chegarmos.

Fizeram mais do que isso, identificando claramente o autor, como agente da prática dos factos radiodifundidos e publicados.

Nem, a ter acontecido mera reprodução ou transcrição das afirmações feitas pelos entrevistados, ficava afastada a ilicitude do comportamento dos jornalistas demandados, assente na não certificação junto do jovem TT do já noticiado, desta sorte, reafirma-se, caindo dentro do que lhe era vedado pelo Código Deontológico, Estatuto dos Jornalistas e art.º 484.º do CC, este prevendo um caso particular de antijuridicidade – cfr. acórdão do STJ, de 14-05-2002 (Revista n.º 65/02 – 1.ª).

Do provado não ressalta, minimamente, que, pelo menos antes da radiodifusão da notícia em causa, tivesse, já, acontecido o referido na conclusão 4.ª da alegação da revista, nem que as notícias, radiodifundida e publicada, visavam o levado à conclusão 5.ª.

Provou-se, insiste-se, que previamente à divulgação radiofónica, os réus CC e EE não ouviram o autor acerca dos factos nela relatados, no “acórdão”, transcrevendo, aliás, o expresso na sentença, não se tendo ignorado que aconteceu audição do autor, antes da publicação do jornal (cfr. fls. 29), explicitando-se, com sageza, qual a omissão “que se revela absolutamente essencial do ponto de vista do não cumprimento dos deveres estatutários e deontológicos por banda dos jornalistas”, a mesma sendo a do “jovem cujos pais diziam que havia sido alvo de comissão dos abusos sexuais”.

Estão, assim, preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar quanto aos réus CC e EE (jornalistas), DD (cfr. II. 6. e artigos 37.º e 63.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 4/2001, de 23 de Fevereiro, Lei da Rádio), FF (vide b) que antecede) e “GG – Comunicação Social, Unipessoal, Ld.ª (cfr. II. 15 e art.º 29.º n.º 2).


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d) Quanto ao montante (€ 22.500,00), no “acórdão”, arbitrado, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo autor:

Propugnam os recorrentes que padece de censurável excesso, por encontrado com olvido dos “critérios de equidade estipulados” nos artigos 494.º e 496.º n.º 3 do CC (vide conclusões 47.ª a 60.ª).

Vejamos se lhes assiste razão, as seguintes considerações, à guisa de liminares, como cabidas se antolhando:

A fixação da justa compensação por danos não patrimoniais ou morais, é questão sobre a qual, não raro, tem vindo o STJ, de há muito, a ser chamado a pronunciar-se, sem dissídio afirmando dever o valor da indemnização por tais danos ter um alcance significativo, que não simbólico ou miserabilista (vide, v.g., acórdãos de 16-06-09 e 31-03-2011, proferidos nas revistas n.ºs 2261/03.4TBVRL.S1-1ª e 508/06.4TBPTL.G1.S1, respectivamente), à ressarcibilidade daqueles, como escrito por Adriano de Cupis, in “O Dano”, pág. 765, rebatendo argumentário de prosélitos da tese adversa, não havendo óbices jurídicos nem morais, em causa não estando, lembra-o Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7.ª Edição (Revista e Actualizada), pág. 381, o “mercadejar bens espirituais”, “fazer comércio com eles”, do que se tratando, isso sim, “é de impor ao ofensor uma sanção em benefício do ofendido: sanção que pela própria natureza das coisas só poderá consistir em facultar a este um substitutivo pecuniário”.

Também Antunes Varela, in obra citada, pág. 568, salienta que no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste “uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”.

A determinação indemnizatória por danos não patrimoniais, devida ao lesado, haja dolo ou mera culpa do lesante, deve ser efectuada segundo um juízo de equidade (art.º 496.º n.º 3 do CC), o qual não é um qualquer exercício de discricionariedade, antes a procura da justiça do caso concreto, assente numa ponderação prudencial e casuística das circunstâncias do caso, sem esquecimento do princípio da igualdade (art.º 13.º da C.R.P.), iluminador da uniformização de critérios, e de que guia de orientação nesta matéria deve, também, ser a ideia da proporcionalidade (cfr. acórdão do STJ, de 09-12-08 – Revista n.º 2613/08 -6.ª), tendo, destarte, em atenção, para além dos padrões de indemnização normalmente adoptados na jurisprudência, máxime, do STJ, em casos similares, até em virtude do plasmado no art.º 8.º n.º 3 do CC, as flutuações do valor da moeda e as circunstâncias enumeradas no art.º 494.º do CC, de modo não taxativo, frise-se, excepção feita à relativa à situação económica do lesado, sob pena de violação do, neste número, já referido princípio constitucional (cfr., para além do já nomeado, de 07-02-2008, acórdão do STJ, de 22-10-09 – Proc.º n.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1), na fixação da indemnização em apreço, “a operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma sensibilidade humana” (cfr. acórdão do STJ, de 15-02-07 – Proc.º 07B302, disponível in www.dgsi.pt), ademais devendo ser tomadas em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4.ª Edição Revista e Actualizada, vol. I, pág. 501), ponderando, “in casu”, que os atentados à honra, reputação e bom nome foram levados a cabo através de órgãos de comunicação social, o que, pese embora a dimensão regional daqueles (cfr. II. 13.), agrava, sobremaneira, as lesões causadas (cfr., entre outros, acórdão do STJ, de 23-10-2012 – Revista n.º 2398/06.8TBPDL.L1).

Em regresso à hipótese vertente, dos parâmetros enunciados não nos afastando, não obliterado o provado — cfr. II. 2. a 5., 7. a 10., 12. a 14., 16. a 29. e 32. e 33., —, tal-qualmente o explanado na antecedente alínea c), não se justifica a minoração do, no “acórdão”, atribuído ao autor, a título de indemnização por danos não patrimoniais — € 22.500,00 —, por como adequado, equitativo, antes tal montante se revelar, mesmo considerando o levado às conclusões 49.ª a 52.ª da alegação da revista, com pertinência, acrescenta-se, tido em conta no “acórdão”.


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V. Conclusão:

a) Não se conhece do objecto do recurso no que concerne ao referido em IV. I.

b) Quanto ao demais, sob recurso, nega-se a revista, confirmando-se o “acórdão”.

c) Custas da revista, pelos recorrentes, as atinentes às instâncias sendo da responsabilidade de autores e réus, na proporção dos respectivos decaímentos (art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 18 de Dezembro de 2012

Pereira da Silva (Relator)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos