Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | GARCIA CALEJO | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO MORA DO DEVEDOR ATRASO NA RESTITUIÇÃO DA COISA PRAZO PEREMPTÓRIO INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA INDEMNIZAÇÃO AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO CAUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/20/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO / RECURSOS | ||
Doutrina: | - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 9ª edição, p. 353. - Pinto Furtado, Arrendamento Urbano, Vol. I, 4ª edição, p.554. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado Vol. II, 3ª edição, p. 406. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC). – ARTIGOS 804º Nº 2, 805.º, N.ºS 1E 2, AL. A), 1038.º, AL. I), 1043.º, Nº 1, 1045.º, N.ºS 1 E 2, 1051.º, AL. A), 1053.º, 1094.º, N.º1, 1095.º, N.ºS 1 E 3, 1096.º, N.º 1. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 646.º N.º 4, 729.º, N.º 3, 730.º, N.º 1. NOVO REGIME DE ARRENDAMENTO URBANO (LEI 6/2006 DE 27/2). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: -DE 4-5-2006, EM WWW.DGSI.PT . ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 6-2-2007, COL. JUR. ACS. STJ. 2007, TOMO I, PÁG. 68. -DE 27-4-2005, EM WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | I - O art. 1045.º do CC prevê duas situações diversas. No primeiro caso (n.º 1 da disposição) o locador, não existindo mora na entrega da coisa por banda do locatário, fica com o direito de receber deste (que continua a fruir do locado) uma indemnização correspondente ao valor do arrendamento convencionado até ao momento da entrega da coisa. No segundo (n.º 2 do art.) existindo mora na entrega do locado, então o senhorio terá o direito a receber do locatário o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efectiva entrega do locado. II - No caso vertente o contrato, como foi pacificamente considerado, foi celebrado por tempo determinado (arts. 1094.º, n.º 1, e 1095.º, n.ºs 1 e 3) e sem renovação automática (art. 1096.º, n.º 1), pelo que cessou no dia 31-12-2009, como decorre do disposto no art. 1051.º, al. a). III - Tendo o negócio prazo fixo e porque à arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art. 1038.º, al. i)), a mora ocorreu no dia 01-01-2010, de harmonia com o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. a), do CC. IV - Não seria necessária a interpelação da arrendatária para a entrega da coisa locada, dado que este art. 805.º, n.º 2, al. a), exclui a necessidade de interpelação a que alude o n.º 1 deste artigo (todos os arts. do CC). V - Os autos não contêm os necessários elementos fácticos com vista à decisão sobre a compensação de créditos, pelo que terá que se anular na parte indicada o acórdão, para se ampliar a matéria de facto nos termos expostos, devendo o processo regressar ao tribunal recorrido (art. 729.º, n.º 3, do CPC). VI - Se o autor não lograr demonstrar que o valor da caução já foi descontada nos termos que referenciou, deve operar-se a compensação e, assim, o montante em dívida (dos réus ao autor) será de € 31 200 (32 200 – 2000) e já não os aludidos € 33 200 (art. 730.º, n.º 1, do CPC). | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I- Relatório: 1-1- AA, residente na Calle ... - Urbanização ..., … ..., … Madrid, em Espanha, propôs a presente acção com processo ordinário contra BB, com última morada conhecida na Rua ..., nº …, Edifício …, entrada … – .., … e contra ..., Lda., com sede na Rua Dr. ... - Edifício ... - Loja nº …, em Carcavelos, pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 34.000,00, a título de indemnização pela mora na restituição do locado, acrescida do valor de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou um contrato de arrendamento para habitação com a R. BB, a favor da qual a sociedade R. prestou fiança, contrato que vigorava pelo prazo de um ano, renovável por acordo, o qual terminou no dia 31.12.2009, não tendo a primeira procedido à entrega do locado, só o fazendo em Setembro de 2010.
Contestaram as RR. dizendo que o locado foi entregue ao A. em 9 de Setembro, reconhecendo não ter sido paga qualquer quantia desde 31 de Dezembro de 2009, mas sustentando que apenas é devida indemnização em singelo, correspondente aos meses que decorreram entre o termo do contrato e a restituição do locado, deduzida do valor da caução prestada, aquando da celebração do contrato.
Findos os articulados, foi proferido despacho a conferir a validade formal da instância e a conhecer do mérito da acção, julgando-a parcialmente procedente e condenando as RR. a pagar, solidariamente entre si, a quantia de € 33.200,00 a título de indemnização pela mora na entrega do locado, acrescida de juros vencidos e vincendos a partir da citação e até integral pagamento.
1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram as RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado a apelação procedente revogando-se a sentença, condenando-se as RR. a pagar ao A. a quantia de € 14.600,00 e juros sobre tal montante desde 22/3/2011 até efectivo pagamento.
1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo
O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1- O Acórdão do T R de Lisboa ora em recurso reduziu o valor da obrigação de indemnização que as RR haviam sido condenadas a satisfazer ao A pela 1ª instância, de 33.200,00 euros, para 14.600,00 euros, com base, resumidamente, em dois argumentos: - não ser exigível ás mesmas RR, inquilinas, o pagamento ao A, senhorio, do valor das rendas em dobro, pela mora na restituição do locado, e pelo período que vai de 1-1-10 a 9-9-10, ao abrigo do art° 1045°, n° 2 do Código Civil; - e haver lugar e direito á compensação (desconto) sobre o valor da indemnização devida pelas RR ao A (determinada em função das rendas em singelo devidas por aquelas R a este) ao abrigo do art° 1045°, n° 1 do CC, do montante de 2.000,00 euros, quantia por aquela inicialmente entregues a título de caução, por se verificarem os requisitos legais para o efeito previstos no art° 847° do Cód. Civil. 2- Como resulta da matéria fixada nos autos, o contrato de arrendamento celebrado entre o A e as RR, era um contrato por tempo determinado (e para fins transitórios), celebrado ao abrigo dos art° 1095°, n° 3, 1094°, n° 1 e 1096°, n° 1 do C Civil, e tinha como data prevista para a sua cessação de vigência o dia 31-12-2009. 3- Assim, o referido contrato caducou a sua vigência findo o prazo nele estipulado, ou seja, em 31.12.2009, face ao previsto no art° 1051° do Cód. Civil, e de acordo com o princípio geral em matéria de Direito das Obrigações previsto no art° 406°, n° 1 do C C ("pacta sumt servanda"). 4- Cessando o contrato era obrigação automática da R. inquilina restituir ao senhorio e A. o locado nos termos dos art° 1038°, alínea i), e 1043°, n° 1 do CC, sendo que, tratando-se de caducidade pelo decurso do prazo, tal obrigação de restituição deve ser cumprida no dia imediatamente seguinte, ou seja, no dia 1-1-2010 (art° 1053° "á contrariu"). 5- Aliás, este regime do Contrato de Locação, em matéria de caducidade do contrato e da obrigação de restituição por parte do inquilino, surge em consonância com o regime geral do Direito das Obrigações, segundo o qual a exigibilidade das obrigações com prazo certo não carece de prévia interpelação para o efeito por parte do credor (art° 805°, nº 2 a) do CC). 6- Ou seja, não tendo procedido a R inquilina à entrega do imóvel entrou em mora quanto a esta obrigação de restituição ao A, independentemente de prévia interpelação para o efeito (art° 804°, n° 2 a) do CC), ao contrário do alegado no Acórdão em recurso. 7- E o mesmo se dirá, no que à determinação do valor da obrigação de indemnizar o senhorio, ora A, pelo não pagamento das rendas devidas durante o período em que esteve em mora quanto á restituição do locado (ou seja de 1.1.10 a 9.9.10). Com efeito; 8- Para além do elemento sistemático supra citado previsto no Código Civil, em matéria de Direito das Obrigações em geral, e no que ao Prazo do Cumprimento diz respeito, os quais não podem deixar de ser considerado pelo interprete, designadamente pelo Julgadores a quo e ad quem (art° 9°, n° 1 do Código Civil), 9- Na interpretação da norma deve também o intérprete começar por tomar em conta a letra da lei, e não extrair da mesma uma regra jurídica com um sentido que não tenha a mínima correspondência com o teor literal daquela (art° 9°, n° 2 do Código Civil). 10- Ora, estabelece o artº 1045°, n° 1 do CC que "se a coisa não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a titulo de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado ( ... )". E o n° 2 do mesmo art° prevê que, "logo que o locatário se constitua em mora, a indemnização é levado ao dobro". 11- Quer isto dizer, que a atual redação do n° 1 do art° 1045° do Cód Civil, operada pela revisão do regime do arrendamento de 2006, fixa claramente, e de forma objetiva (independentemente do dano): 1- o valor da indemnização suportar pelo inquilino durante o período em que está em mora relativamente á data em que devia entregar o locado ao senhorio (ou seja, entre a data do termo da vigência do contrato, e a data posterior em que, já em mora, efetivamente procede ao cumprimento da obrigação de restituição do locado); 2 - e que tal obrigação de indemnização (de pagamento da mesma) deve ser cumprida até ao momento da restituição (ou seja, até á data da entrega efetiva do locado ao senhorio); - e isto, seja qual for a causa porque finde o contrato de arrendamento. 12- Ou seja, a obrigação de indemnizar o senhorio pelo valor correspondente ás rendas em singelo (ao valor estipulado no contrato), é valor ou limite que só tem aplicação quando, simultaneamente com a restituição atrasada do locado ao senhorio (face á data em que estava obrigado afazê-lo), o inquilino proceda, também, ao pagamento do valor daquelas rendas. 13- Se não fizer, tal pagamento em simultâneo (ou seja, naquela data em que restituiu), tem então aplicação o regime do n° 2 do are 1045° do CC, e a consequente majoração do valor da indemnização, através do seu calculo em função do dobro do valor das rendas estipuladas. 14- Parece-nos meridiamente claro que, no contexto normativo em causa, a expressão do legislador "logo que o locatário se constitua em mora ( ... )", do n° 2 daquele preceito, se refere á mora relativamente à obrigação de pagamento da indemnização prevista no seu n° 1. 15- Ou seja, ao facto do inquilino quando da restituição atrasada do locado, não haver, desde logo e como obriga a lei, liquidado e pago as rendas devidas durante tal período intermédio (entre a data da cessação da vigência do contrato, e a data da entrega efetiva do locado). 16- A obrigação que aqui está em causa - e em mora - não é a obrigação de restituição do locado mas, a obrigação de indemnizar o senhorio em função do valor das rendas estipuladas (em singelo), até, ou Quando da data da entrega efetiva do mesmo. 17- Obrigação de indemnizar esta (em função o valor das rendas em singelo), cujo prazo de cumprimento (ou vencimento) é determinado em função da entrega efetiva (embora tardia) do imóvel, pelo n° 1 do art° 1045° do CC. 18- A qual, se não for cumprida até tal momento (data da restituição efetiva do imóvel), implica que a obrigação de indemnizar, embora continue a ser calculada até tal data (da restituição efetiva), seja liquidada, não já em função do valor das rendas estipuladas (em singelo) mas, em função do dobro do respetivo valor, de acordo com o n° 2 do mesmo art° 1045°. 19- Dai que, se o contrato de arrendamento terminava, e terminou, no dia 31.12.2009, o valor da renda mensal á data e estipulada pelas partes, era de 2.000,00 euros, que após a cessação do contrato a inquilina, ora R, tinha a obrigação de restituir o locado ao A, e não o fez, só tendo feito no dia 9.9.2010, e que, simultaneamente com tal entrega e naquela data (9.9.10), não liquidou, nem pagou ao A, a indemnização prevista no art° 1045°, n° 1 do CC (ou seja, o correspondente a 8 meses e 9 dias de rendas mensais = 16.600,00 euros). 20- Tinha, e tem, o ora Recorrente, o direito de exigir, como exigiu, que o valor da obrigação de indemnizar das ora recorridas seja liquidado nos termos do art° 1045°, n° 2, face á mora no cumprimento da obrigação de indemnização prevista no n° 1 (que devia ser paga em simultâneo com a entrega do imóvel). 21- Em termos jurídico-aritméticos tinha, e tem, o A direito ao valor da indemnização tal como lhe foi liquidado e decido pela 1ª Instância, ou seja, ao montante de 33.200,00 euros (2 x 16.600,00 euros = 2.000,00 euros x 8 meses e 9 dias). 22- À cautela, e por mero dever de patrocínio, e que por mera hipótese se admite, mesmo que procedesse a exceção das RR no que tange á compensação com o valor da caução inicial de 2.000,00 euros, tal como foi deferida pelo Tribunal a quo, teria o A pelo menos, direito a ser indemnizado ao abrigo daquele mesmo preceito pelo valor de 31.200,00 euros (= 33.200,00 euros - 2.000,00 euros). 23- Para além do exposto em defesa da pretensão e direito do A, só por si suficiente, sempre se acrescentaria ainda que, no que tange aos argumentos expendidos pelo Tribunal a quo com recurso aos pretéritos Acórdão do STJ de 6.2.2007, e do T R Lx de 4.5.2006, os mesmo não procedem. 24 - E isto porque, o que versa ao Ac. do STJ a situação que subjaz ao mesmo não é idêntica á causa de pedir que sustenta o presente caso, por um lado, e tratando-se o caso presente de um contrato de arrendamento com prazo certo de vigência e termo, a constituição da obrigação de restituição do locado não dependia de prévia interpelação do senhorio (ora A) à R, inquilina. 25- Já no que respeita ao Ac. do T R Lx de 2006, salvo melhor opinião, o mesmo só concorre no seu discurso para ratificar o entendimento ora advogado, e não o contrário, face aquilo que é a causa de pedir e os factos fixados nesta ação. 26- E, por outro lado, a culpa da devedora, inquilina, no cumprimento das suas obrigações no domínio da relação contratual em causa, é algo que se presume nos termos do art° 799°, n° 1 do C C, e não tem de ser alegada e demonstrada pelo A, que é o senhorio e credor de tais obrigações; 27- Finalmente, admitindo por mera e absurda hipótese que procedesse a tese da necessidade de prévia interpelação do R inquilina, pelo A senhorio, para efeito de se considerar existir uma situação de mora desta, legitimadora do pedido de pagamento de indemnização liquidada nos termos do art° 1045°, n° 2 do C C (valor das rendas em dobro), como advoga o Tribunal a quo, ainda assim, não procederia semelhante argumento no caso vertente. 28- E isto pela simples e singela razão, decorrente de, no âmbito da referida execução a execução para entrega de coisa certa (correspondente ao processo n° 2295/l0.2TBCSC do 4° Juízo Cível do mesmo Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais), a R. inquilina, então executada, haver sido citada para a mesma, tanto que aí deduziu Oposição, o que só é possível por virtude e na sequência da citação da mesma (art° 928° do CPC) 30- Mas, mesmo que assim não se entendesse, e houvesse duvidas quanto á efetiva citação (interpelação) da ora R naquela ação executiva para entrega de coisa certa, o certo é que face ao alegado pelo A. nos art° 3° a 5° da sua Réplica (fls .. dos autos), o Tribunal não podia ter presumido e decido como decidiu. 31- Em tal caso e situação, constatada a falta de matéria de facto necessária para tomar conhecimento desta questão (duvidas sobre a prévia interpelação da R por via da citação para os termos daquela execução), o que devia ter feito o TRLx e não fez, era: - anular a decisão da 1ª Instância por deficiência daquela, - e mandar baixar o processo para que o Tribunal da 1ª instancia tomasse conhecimento (respondesse) a tal(ais) facto(s), - e se pronunciasse sobre tal questão em conformidade, nos termos e ao abrigo do previsto nos art° 712°, n° 4 do CPC. 32- Questão esta que, aqui e agora, e à cautela, não deixa de se suscitar, atento tratar-se de uma questão de direito (a suficiência, ou não, da matéria fixada nos autos para decisão de mérito por parte das instâncias), e não de simples decisão sobre matéria de fato e, portanto, objeto passível de pronuncia por parte deste STJ, sem sede de Revista (art° 722°, n° 1, a) e b) e 729°, n° 3 do CPC). 33- No que tange a esta vertente da questão, embora se esteja de acordo que a improcedência da mesma não poderá resultar - como consagrou o Tribunal da 1ª instância -, do facto dos créditos em confronto para efeito compensatórios terem a mesma matriz genética, ou que tenham qualquer espécie de conexão entre si, o certo é que a decisão do Tribunal da Relação também não procede de todo. 34- Nem foi por ai que o A, ora recorrente, contra-excepcionou na sua Réplica semelhante argumento das RR. 35- Na verdade, nesta vertente da questão o que, na nossa modesta opinião, prejudica a pretensão compensatória é o ab initio alegada nos autos pelo A. Mais concreta e objetivamente, o alegado nos art° 6°, 9° e 10° da Réplica do mesmo, em resposta aquela exceção deduzida pelas RR. 36- Dando o alegado naquela Réplica por reproduzido, se o A já havia descontado o valor da caução inicial de 2.000,00 euros, no montante total correspondente ao valor da acção executiva para pagamento da renda de Dezembro de 2009 e da indemnização dos 50% relativamente ás rendas pagas em atraso na vigência do mesmo contrato de arrendamento, e intentada ao abrigo do previsto nos art° 15°, n° 2 do NRAU, art° 46° do CPC, não ia, nem podia o mesmo, nem deve ser descontado pelo Tribunal, tal valor na obrigação de indemnização peticionada ao abrigo do art° 1045° do CC em causa nesta ação declarativa ! .. 37- Sob pena de, assim não sendo, o Tribunal consentir que as RR se locupletassem à conta de semelhante decisão ! .. ; Ou seja, descontavam tal valor da caução duas vezes !!! ... Como é que isto é possível e passa na Relação? ! .. Mais ainda; 38- Cumpre ter presente que o Tribunal da 1ª Instancia não considerou o alegado naqueles art° da Réplica como importante para a decisão da causa e, por isso, não os levou a Saneador (quando fixou a matéria de facto para efeitos do art° 510°, n° 1, b) e n° 3 in fine do CPC), nem os fez objeto da Matéria Assente ou da Base Instrutória nos termos do art° 508°-B, n° 2, 510°, n° 4 e 511° do CPC, uma vez que não seguiu essa via. 39- Pelo que, se o Tribunal da Relação considerava semelhante questão como pertinente, não a devia ter resolvido com base no fundamento alegado para o efeito mas, face á insuficiência da matéria de facto fixada nos autos, era mandar o processo baixar á 1ª Instancia para que ai fosse proferido Despacho com a organização de Base Instrutória sobre aquela matéria de facto alegada pelo A (art° .... das Réplica), para que este se pronunciasse, ou pudesse pronunciar, em conformidade, ao abrigo do já citado art° 712°, n° 4 do CPC. 40- Questão esta que, de novo, agora e á cautela, não deixa de se suscitar, atento tratar-se de uma questão de direito (a suficiência, ou não, da matéria fixada nos autos para decisão de mérito por parte das instâncias), e não de simples decisão sobre matéria de fato e, portanto, objeto passível de pronuncia por parte deste STJ, sem sede de Revista (art° 722°, n° 1, a) e b) e 729°, n° 3 do CPC). Nestes termos, e nos demais de Direito, se advoga que seja revogada e anulada a decisão do Tribunal da Relação em recurso, e a mesma substituída por superior e diversa decisão desse Tribunal que, represtinanda a decisão da 1ª Instância considere procedente e provado o presente Recurso de Revista, e condene as RR a pagar ao A a quantia de 33.2000,00 euros, acrescidos dos correspetivos juros moratórios, e assim decidindo o fazendo com Mérito e Justiça ! ..
Não foram produzidas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação: 2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 684º nº 3 e 685º A nº 1 do C.P.Civil). Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir: - Se o A. senhorio tem direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega do locado calculada nos termos do n°2 do artigo 1045° do C.Civil (em dobro) ou se apenas lhe assiste o direito de receber a indemnização em razão do mesmo atraso, de harmonia com o disposto no n°1 do mesmo artigo (em singelo). - Se haverá lugar à compensação do valor da caução prestada.
2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto: A) Por acordo escrito, datado de 16.12.2008 e denominado "contrato de locação por tempo determinado para utilização temporária e transitória", o A. cedeu à R. BB o uso e fruição, para habitação desta, do apartamento sito na Rua …, Condomínio ... (correspondente à actual Rua ..., nº …), Edifício …, Entrada … – …, em Cascais, mediante o pagamento da contrapartida monetária mensal de € 2.000,00, a pagar no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que disser respeito. B) O referido acordo foi celebrado pelo prazo de um ano, com início em 01.01.2009 e termo em 31.12.2009. C) De acordo com o ponto 12 do aludido acordo, este "destina-se a um fim transitório, neste caso à necessidade de um domicílio eventual do segundo outorgante pelo período máximo referido no parágrafo primeiro em virtude de se encontrar a exercer temporariamente a sua actividade profissional em Portugal" D) A R. sociedade comercial "..., Lda.", pessoa colectiva nº …, com sede na Rua Dr. ..., Edifício ..., loja nº .., em Carcavelos, assinou o acordo referido em A), na qualidade de terceiro outorgante, principal pagador e fiador da ré BB, ficando a constar do ponto 9 do aludido contrato o seguinte: "O terceiro outorgante fica por fiador e principal pagador do inquilino com ele solidariamente se responsabilizando pelo pagamento das rendas e demais condições inerentes no presente contrato. A fiança é extensiva a qualquer incumprimento por parte do inquilino, designadamente a recusa em deixar o imóvel livre e devoluto no termo do contrato". E) R. BB entregou ao A. uma caução inicial no valor de € 2.000,00. F) O imóvel foi entregue pela R. BB ao autor no dia 9 de Setembro de 2010 na sequência de uma acção de execução para entrega de coisa certa e do respectivo apenso cautelar de restituição provisória da posse, que correram termos no 4º Juízo Cível do Tribunal de Família e Menores de Cascais, sob os processos nº 2295/10.2TBCSC e nº 2295/10.2TBCSC-B. G) Nem no momento da entrega do imóvel nem em momento posterior, a R. inquilina pagou ao A. o valor das contrapartidas monetárias correspondentes ao período de Janeiro inclusive, até ao dia 9 de Setembro de 2010. -------------------
2-3- Na 1ª instância, no saneador/sentença, após se fixar a matéria de facto, considerou-se, em síntese, aplicar ao caso as normas do Novo Regime de Arrendamento Urbano (Lei 6/2006 de 27/2), afirmando-se que dos factos provados se retira que o contrato de arrendamento em questão foi celebrado com prazo certo de um ano que se iniciou em 1-1-2009 e terminou em 31-12-2009, não se operando a renovação automática (arts. 1094º, 1095º e 1096º do C.Civil – diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem -). Tendo cessado o contrato em 31-12-2009 e estando o locatário obrigado à restituição no dia seguinte ao dia em que terminou o contrato (arts. 1038º al. i) e 1043º nº 1), não o tendo feito nesse dia, mas apenas meses depois, em 9 de Setembro de 2010 (na sequência de uma acção de execução para entrega de coisa certa e do respectivo apenso cautelar de restituição provisória da posse), concluiu-se que, nos termos do art. 1045º nº 1, tem o arrendatário a obrigação de pagar ao senhorio o valor das rendas de Janeiro até 9 de Setembro de 2010 (16.600 €). Acrescentou-se que nos termos do nº 2 deste artigo, em caso de mora do locatário, tem o senhorio o direito de receber a indemnização em dobro. Considerou-se depois que, no caso, a arrendatária se constituiu em mora, pelo que, de harmonia com a dita disposição, terá que pagar ao 33.200 € (16.600 x 2) ao A.. Através do recurso de apelação dos RR., a Relação, através do douto acórdão recorrido, entendeu, sobre o tema, que do disposto no art. 1045º resulta evidente que findo o contrato, a não entrega imediata do locado pelo locatário, não o faz incorrer em mora, pois se assim fosse o n°1 quedaria sem campo de aplicação nas situações como a presente. Claro que se um contrato for resolvido por sentença e determinada a entrega imediata do locado ao senhorio, o locatário fica constituído em mora se não faz a entrega no prazo que lhe foi consignado. Mas, no caso, o contrato cessou por caducidade pois foi celebrado pelo período de um ano, com início em 1/1/2009 e termo em 31/12/2009, sendo porém certo que a locatária continuou a fruir o locado até 9/9/2010. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente. O locatário, findo o contrato, tem a obrigação de restituir a coisa locada e se o não fizer, tem de suportar a indemnização prevista no artigo 1045° do CC. Mas enquanto a indemnização prevista no n°1 visa compensar a privação do uso a do nº 2 visa ressarcir o locador pela não restituição do bem locado por culpa do locatário. No caso o A. limita-se a dizer que o contrato terminou a sua vigência em 31/12/2009 e que o imóvel só lhe foi entregue em Setembro de 2010 "na sequência de execução para entrega de coisa certa". Claro que a citação para os termos da execução sempre teria de ser relevada como interpelação para a entrega o que determinaria a convolação do atraso na entrega para mora na entrega, nos termos supra referidos, fazendo incorrer a locatária na indemnização prevista no n°2 do artigo 1045° relativamente ao lapso temporal subsequente. Porém, à míngua de alegação de tal facto (a citação) não pode o tribunal servir-se dele ou presumi-lo efectuado, o que vale por dizer que a indemnização deva ser calculada em harmonia com a regra fixada no n°1 do artigo 1045°. Em consequência, proferiu o acórdão recorrido a decisão supra-referida. O recorrente, através da presente revista mostra o seu inconformismo em relação a este entendimento já que, no seu entender, o contrato findou no prazo nele estipulado, ou seja, em 31.12.2009 e, tendo cessado o contrato, era obrigação automática da R. inquilina restituir ao senhorio e A. o locado, nos termos dos art° 1038°, alínea i), e 1043°, nº 1 no dia seguinte, ou seja em 1-1-2010. É que tratando-se de caducidade pelo decurso do prazo, tal obrigação de restituição deve ser cumprida no dia imediatamente seguinte. Este regime do contrato de locação, aliás, em matéria de caducidade do contrato e da obrigação de restituição por parte do inquilino, surge em consonância com o regime geral do direito das obrigações, segundo o qual a exigibilidade das obrigações com prazo certo não carece de prévia interpelação para o efeito por parte do credor (art° 805°, nº 2 a)). Ou seja, não tendo procedido a R. inquilina à entrega do imóvel entrou em mora quanto a esta obrigação de restituição ao A, independentemente de prévia interpelação para o efeito (art° 804° nº 2 a)), ao contrário do decidido no acórdão em recurso. Por isso, se justifica a condenação proferida em 1ª instância.
Vejamos: As partes não colocam em causa a cessação do contrato de arrendamento celebrado no dia 31-1-2009, terminus que ocorreu em 31-12-2009. Também não é controverso que o locado só foi entregue ao A., senhorio, em 9-9-2010. Não se discute também que o regime jurídico aplicável à situação é o decorrente das alterações introduzidas no arrendamento urbano pelo Novo Regime de Arrendamento Urbano (Lei 6/2006 de 27/2). O que é discutido é somente saber-se se o A. senhorio terá direito a receber a indemnização pelo atraso na entrega da coisa, de harmonia com o disposto no n°1 do mesmo art. 1045º (indemnização em singelo), ou nos termos do nº 2 da mesma disposição (indemnização em dobro). Como se viu, as instâncias tiveram posições diferentes sobre o assunto.
Decorre da al. i) do art. 1038° que constitui obrigação do locatário restituir a coisa locada logo que findo o contrato. Também o art. 1043º nº 1 impõe ao locatário a obrigação de restituir o locado (no estado em que o recebeu). Daqui resulta que a R. locatária, logo no dia 1-1-2010, tinha o dever de restituir o imóvel ao A. senhorio. Nos termos do art. 1045º nº 1 “se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida”. Acrescenta o nº 2 do dispositivo que “logo, porém, que o locatário se constitua em mora a referida indemnização é elevada ao dobro". Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[1] “se, findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada, nem fundamento para este consignar em depósito, o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador”. Acrescentam estes autores em relação ao nº 2 da disposição que “nesse caso, a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior…”. Sobre os mesmos dispositivos escreve Pinto Furtado[2] “se o prédio não for restituído por qualquer causa, logo que finde o contrato, o arrendatário é obrigado a pagar ao senhorio, a título de indemnização, a renda que estava estipulada, como resulta do disposto no art. 1045º-1 CC. Quer dizer que a quantia correspondente à renda terá sempre de continuar a ser satisfeita, enquanto a entrega … não for realizada, agora a título de indemnização. Se, porém, a entrega não se realizar, constituindo-se o arrendatário em mora, a indemnização “é elevada ao dobro” (art. 1045º-2 CC)”. Ainda a propósito destas disposições disse-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 4-5-2006[3] que “a indemnização prevista no nº1 visa compensar o locador da privação do uso da coisa e é alheia a situação de mora do locatário. Neste caso, admite-se, o fundamento da indemnização será unicamente o de obstar ao enriquecimento sem causa do locatário…Já a indemnização prevista no nº2 visa ressarcir o locador pela não restituição do bem locado por culpa do locatário… O valor dos prejuízos está fixado por lei”. Quer dizer, o art. 1045º prevê duas situações diversas. No primeiro caso, o locador, não existindo mora na entrega da coisa por banda do locatário, fica com o direito de receber deste (que continua a fruir do locado) uma indemnização correspondente ao valor do arrendamento convencionado até ao momento da entrega da coisa. No segundo, existindo mora na entrega do locado, então o senhorio terá o direito a receber do locatário o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efectiva entrega do locado[4]. Isto, independentemente dos prejuízos efectivos que o senhorio sofra[5]. Através do disposto do nº 1 visa-se compensar o senhorio pela privação do uso do locado. Já pelo determinado no n°2 pretende-se retribuir o locador pela não restituição do bem locado em devido tempo por culpa do locatário.
Sobre este aspecto teórico da questão, a nosso ver, não se levanta qualquer controvérsia. A divergência resulta de se saber se, no caso, a locatária incorreu em mora, designadamente a partir de 31-12-2009 quando cessou o contrato, sendo que quanto a este aspecto as instâncias, como se viu, assumiram posições distintas. Diz-se no acórdão recorrido que "o vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá de imediato, no momento em que termina o contrato. (...) Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente". E mais adiante “o autor limita-se a dizer que o contrato terminou a sua vigência em 31/12/2009 e que o imóvel só lhe foi entregue em Setembro de 2010, "na sequência de execução para entrega de coisa certa". Claro que a citação para os termos da execução sempre teria de ser relevada como interpelação para a entrega o que determinaria a convolação do atraso na entrega para mora na entrega, nos termos supra referidos, fazendo incorrer a locatária na indemnização prevista no n°2 do artigo 1045° relativamente ao lapso temporal subsequente. Porém, à míngua de alegação de tal facto (a citação) não pode o tribunal servir-se dele ou presumi-lo efectuado, o que vale por dizer que a indemnização deva ser calculada em harmonia com a regra fixada no n°1 do artigo 1045° do CC”. Por sua vez na douta decisão de 1ª instância, considerou-se que “encontrando-se a locatária BB obrigada a restituir o locado ao Autor (art. 1038°, ai. I), e 1053°, ã contrário, do CC), e não o tendo efectuado no tempo devido - ou seja, até ao dia 01.01.2010 -, constituiu-se, dessa forma, em mora, nos termos do art. 804°, nº 2, alínea a), do Código Civil, ficando a mesma obrigada a reparar os prejuízos causados ao Autor”. Isto é, segundo aquele entendimento extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário para este restituir a coisa, entrando em mora se o não fizer e, nesta circunstância, terá de pagar o dobro da renda devida contratualmente. Como no caso não houve interpelação, não há mora. Já conforme o entendimento de 1ª instância a locatária constituiu-se em mora em 1-1-2010, por força do disposto no art. 804º nº 2 al. a), não havendo necessidade de interpelação Somos em crer, ser correcto este entendimento. Nos termos do art. 804º nº 2 “o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuado no tempo devido”. Quer dizer, o devedor incorre em mora quando a prestação, ainda possível, não for realizada no prazo convencionado. Como afirma Antunes Varela “a mora traduz, assim, não uma falta definitiva (hoc sensu) de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento ou dilação no cumprimento da obrigação”[6]. Por outro lado, nos termos do art. 805º nº 1, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir. Porém, haverá, mora do devedor, independentemente de interpelação “se a obrigação tiver prazo certo” (nº 2 al. a) do mesmo artigo). O contrato de arrendamento dos autos, como foi pacifica e correctamente considerado, foi celebrado por tempo determinado[7] (arts. 1094º nº 1 e 1095º nºs 1 e 3) e sem renovação automática (art. 1096º nº 1). Quer dizer que o contrato de locação cessaria, como cessou (por convenção) no dia 31-12-2009, como resulta do disposto no art. 1051º al. a)[8]. Decorre a contrario do disposto do art. 1053º que a restituição do prédio poderia ser exigida logo após o terminus do contrato (a caducidade prevista nas als. b) e segs. do art. 1051º é que só poderá ser exigida passados seis meses sobre o facto que a determina). Por outro, compete ao arrendatário, findo o contrato restituir a coisa locada (art. 1038º al. i)). Nesta conformidade, tendo o negócio prazo fixo e porque sobre a arrendatária incumbia a restituição do locado, a nosso ver, a mora ocorreu logo no dia 1-1-2010, de harmonia com o disposto no dito art. 805º nº 2 al. a). Salvo do devido respeito pela opinião contrária, no caso, não seria necessária a interpelação da arrendatária para entrega da coisa locada, dado que este art. 805º nº 2 al. a) exclui a necessidade de interpelação a que alude o nº 1 da disposição. Significa isto tudo que o entendimento sobre o tema da 1ª instância foi correcto. Assim, como a renda mensal estipulada foi de 2.000 € mensais e como o imóvel foi entregue m 9-9-2010, a indemnização a considerar será de 33.200 € (2000 x 8 meses x 9 dias x 2).
2-4- Entremos agora na outra questão questionada no presente recurso e que diz respeito à compensação em razão da caução prestada pela R. arrendatária. Sobre o assunto referiu-se no saneador/sentença de 1ª instância que “relativamente à caução inicial de € 2.000,00 prestada pela Ré BB, não procede a alegação desta quanto à obrigação de deduzir deste valor na quantia a fixara título de indemnização, uma vez que as partes estipularam no contrato que a mesma se destinava "a provisionar a boa e pontual regularização das últimas despesas e eventuais prejuízos imputáveis à referida Ré, durante o período de vigência do contrato". Ora, como vimos, os prejuízos que aqui estamos a analisar não dizem respeito ao período de vigência do contrato. Por outro lado, este tipo de cauções tem como função servir de garantia num eventual incumprimento por parte do inquilino no pagamento das rendas devidas (Cfr. art. 1076°, n.° 2, e 624°, n.° 1, ambos do C.C), o que não é manifestamente o caso em análise. Razão pela qual não se procede ao desconto desse valor no montante da indemnização fixada". No acórdão recorrido sobre o tema referiu-se que “a compensação invocada pelas rés tem uma dimensão exceptiva no caso concreto (porque o valor a compensar é inferior ao do pedido), pois o que as contestantes pretendem é que o valor da caução seja deduzido ao valor da indemnização pela entrega tardia do locado. Ora bastará conferir os requisitos da compensação fixados no artigo 847° do CC para se concluir que tal causa extintiva das obrigações não implica que os créditos tenham a mesma "matriz genética" ou qualquer espécie de conexão entre si, bastando que sejam "exigíveis judicialmente e terem por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade". É certo que a inquilina prestou caução no montante de € 2.000,00 "a título de depósito de garantia, que se destina a provisionar a boa e pontual regularização das últimas despesas e eventuais prejuízos imputáveis ao segundo outorgante, durante o período de vigência do presente contrato, importância que será devolvida, por inteiro ou seu remanescente, no prazo máximo de 60 dias após o termo do arrendamento”. Não vem alegado que da utilização do locado pela inquilina tivesse resultado qualquer despesa ou prejuízo para o senhorio a cujo pagamento devesse ser afectado o valor da caução prestada, pelo que o autor estava obrigado a restitui-lo em 60 dias. Ora, sendo a ré credora de tal importância e invocando tal crédito na contestação com vista à sua compensação (art°3°), é óbvio que não existe nenhuma justificação para não se operar a dedução intencionada”. Em razão deste entendimento procedeu-se à compensação de créditos, descontando-se o valor da caução na quantia devida ao senhorio pela entrega tardia do locado. Segundo cremos os autos não contêm os necessários elementos fácticos com vista à decisão. Poder-se-á dar como assente por acordo das partes, nos termos do art. 646º nº 4 do C.P.Civil, embora essa factualidade não conste dos factos provados, que a caução, no montante de € 2.000, foi prestada "a título de depósito de garantia, que se destina a provisionar a boa e pontual regularização das últimas despesas e eventuais prejuízos imputáveis ao segundo outorgante, durante o período de vigência do presente contrato, importância que será devolvida, por inteiro ou seu remanescente, no prazo máximo de 60 dias após o termo do arrendamento” (vide ainda documento de fls. 7 a 9). Também nos parece certo, como se diz no acórdão da Relação, que estaria o A. obrigado a restituir o respectivo montante. Mas isto só em caso de não se verificarem as despesas e prejuízos que a caução visou acautelar. Neste sentido, o A. alegou na réplica (art. 9º), em resposta à excepção, que “tal valor, para o pretendido efeito compensatório (tal como alegado pelos RR.), só o poderia ser de forma procedente no que respeita à obrigação de pagamento de rendas em mora, que são objecto e causa de pedir na execução supra referida e ainda pendente e caso o ora A. – exequente naquele processo – não o tivesse descontado logo à cabeça como fez”. Ou seja, alegou o A. que o valor da caução já havia sido levada em conta no desconto que realizou na execução que terá instaurado contra as ora RR. por falta de pagamento de rendas. É certo que o ora recorrente deveria ter sido mais claro e explícito na suas afirmações, designadamente alegando quais as rendas em dívida (de que mês ou meses) e de que forma e em que medida descontou o valor da caução. Seria melhor se fosse tão preciso quanto o foi nas alegações desta revista ao afirmar as circunstâncias acima referidas sob a conclusão nº 36. De qualquer forma, dado o afirmado no art. 9º da réplica, terá que se considerar a respectiva alegação e, consequentemente, anular parcialmente o acórdão, para se ampliar a matéria de facto nos termos expostos, devendo o processo regressar ao tribunal recorrido (art. 729º nº 3 do C.P.Civil). Claro que se o A. não lograr demonstrar que o valor da caução já foi descontada nos termos que referenciou (e que o abatimento foi derivado de falta de pagamento de rendas), pelas razões aduzidas no douto acórdão recorrido, deve operar-se a compensação e, assim, o montante em dívida (das RR. ao A.) será de 31.200 € (33.200 – 2000) e já não a aludida importância de 33.200 € (art. 730º nº 1 do C.P.Civil).
Às ditas importâncias acrescerão juros moratórios, nos termos decididos nas instâncias (decisões que se mantêm porque fora do âmbito dos recursos).
III- Decisão: Por tudo o exposto, concede-se a revista, anulando-se a decisão recorrida nos termos expostos, remetendo-se o processo ao tribunal recorrido para se julgar novamente a causa, nos termos de direito já definidos, com intervenção, se possível, dos mesmos juízes que intervieram no anterior julgamento. Custas pelos recorridos e na acção pela parte vencida a final.
Nos termos dos arts. 713º nº 7 e 726º do C.P.Civil, elabora-se o seguinte sumário: O art. 1045º do C.Civil prevê duas situações diversas. No primeiro caso (nº 1 da disposição) o locador, não existindo mora na entrega da coisa por banda do locatário, fica com o direito de receber deste (que continua a fruir do locado) uma indemnização correspondente ao valor do arrendamento convencionado até ao momento da entrega da coisa. No segundo (nº 2 do art.) existindo mora na entrega do locado, então o senhorio terá o direito a receber do locatário o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efectiva entrega do locado. No caso vertente o contrato de arrendamento, como foi pacificamente considerado, foi celebrado por tempo determinado (arts. 1094º nº 1 e 1095º nºs 1 e 3) e sem renovação automática (art. 1096º nº 1), pelo que cessou no dia 31-12-2009, como decorre do disposto no art. 1051º al. a). Tendo o negócio prazo fixo e porque sobre a arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art. 1038º al. i)), a mora ocorreu no dia 1-1-2010, de harmonia com o disposto no dito art. 805º nº 2 al. a). Não seria necessária a interpelação da arrendatária para entrega da coisa locada, dado que este art. 805º nº 2 al. a) exclui a necessidade de interpelação a que alude o nº 1 deste artigo (todos os artigos do C.Civil). Os autos não contêm os necessários elementos fácticos com vista à decisão sobre a compensação de créditos, pelo que terá que se anular na parte indicado o acórdão, para se ampliar a matéria de facto nos termos expostos, devendo o processo regressar ao tribunal recorrido (art. 729º nº 3 do C.P.Civil). Se o A. não lograr demonstrar que o valor da caução já foi descontada nos termos que referenciou, deve operar-se a compensação e, assim, o montante em dívida (dos RR. ao A.) será de 31.200 € (33.200 – 2000) e já não os aludidos 33.200 € (art. 730º nº 1 do C.P.Civil).
Lisboa, 20 de Novembro de 2012
Garcia Calejo (Relator) Helder Roque Gregório Silva Jesus _____________________ [8] Disposição que estabelece que o contrato cessa “findo o prazo estipulado ou estabelecido na lei”. |