Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22121/20.3T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ATIVIDADES PERIGOSAS
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. — O recurso de revista de decisões proferidas nos procedimentos cautelares só é admissível nos casos previstos no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil [cf. art. art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil].

II. — Quando o motivo por que não cabe recurso ordinário seja o art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o art. 629.º, n.º 2, alínea d), decompõe o fundamento da recorribilidade em três requisitos: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. — RELATÓRIO

1. O Condomínio do prédio sito na rua General ……, intentou o presente procedimento cautelar comum, no dia 22 de Outubro de 2020, contra a Generali — Companhia de Seguros, S.A., e o IGFEJ, IP, no qual requereu as seguintes providências:

I. — relativamente à primeira Requerida: que se determine a realização dos trabalhos de construção civil necessários e adequados à neutralização dos danos verticais verificados na estrutura do prédio, nomeadamente reforço e consolidação das suas fundações;

II. — relativamente à segunda Requerida: que se determine a junção aos autos dos elementos relativos à empreitada de construção do edifício sede da Polícia Judiciária, em particular o respectivo projeto de escavação e contenção.

2. O IGFEJ, IP, apresentou oposição, alegando que não se verificam os requisitos necessários para a providência requerida.

3. A Generali - Companhia de Seguros, S.A. apresentou oposição, na qual deduziu as excepções da incompetência absoluta, da ilegitimidade do Requerente para intervir em representação dos moradores, da ilegitimidade da Requerida para intervir como parte principal e da prescrição.

4. Na sequência de convite do Tribunal, a Requerida Generali - Companhia de Seguros, S.A. apresentou articulado de resposta às exceções, na qual pugnou pela sua improcedência.

5. O IGFEJ foi absolvido da instância, por cumulação ilegal de pedidos.

6. Os autos prosseguiram para a apreciação da primeira providência cautelar, requerida contra a Generali - Companhia de Seguros, S.A..

7. O Tribunal de 1.ª instância proferiu sentença, na qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade e julgado procedente o procedimento cautelar.

8. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar o presente procedimento procedente e condenar a requerida a proceder às medidas necessárias e adequadas para eliminar os deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente proceder ao reforço da estrutura de contenção instalada em Agosto de 2020 e proceder aos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e consolidação das suas fundações. (…)”.

9. Inconformada, a Requerida Generali – Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso de apelação.

10. O Tribunal da Relação de Lisboa julgou a apelação parcialmente procedente.

11. O dispositivo do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação é do seguinte teor.

“Nestes termos, julga-se a apelação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:

a) revogar parcialmente a decisão recorrida;

b) substituí-la por outra que:

— condena a Requerida a custear as obras de reparação necessárias e adequadas à eliminação dos deslocamentos verticais verificados na estrutura do prédio do Requerente, designadamente através do reforço da estrutura de contenção instalada em agosto de 2020 e dos trabalhos que se mostrem necessários para o reforço e a consolidação das suas fundações;

— mediante a entrega das quantias monetárias necessárias ao Requerente, dentro dos limites do seguro e até ao montante de 750 000,00 € (setecentos e cinquenta mil euros) indicado no requerimento inicial.

Mais se decide condenar a Apelante e o Apelado no pagamento das custas do recurso e do procedimento cautelar, na proporção de 4/5 para aquela e de 1/5 para este.

12. Inconformada, a Requerida Generali – Companhia de Seguros, S.A. interpôs recurso de revista.

13. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1 – O Acórdão recorrido alterou parcialmente a decisão proferida em primeira instância, mas manteve, contudo, a condenação da requerida com fundamento no contrato de seguro celebrado com a sociedade Opway Engenharia, SA, uma das empreiteiras da obra em causa nos autos e por ter considerado que a actividade desenvolvida por esta empreiteira na dita obra, consubstancia uma actividade perigosa.

2 – A Recorrente não se conforma com tal decisão.

3 - Prevê o artigo 370º, nº 2 do Código de Processo Civil que “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”

4 - Ora, nos termos do preceituado no artigo 629º, nº 2, al. d) do Código de Processo Civil, é sempre admissível recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

5 - Das disposições conjugadas das referidas normas resulta, pois, que, sempre que se verifique a situação em concreto do preceituado na al. d) do artigo 629º do CPC, cabe de recurso de revista “normal” do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no âmbito de um procedimento cautelar, neste sentido, vide, designadamente Ac. do STJ de 19.10.2020, Relatora Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt

6 – Termos em que o presente recurso é admissível.

7 - No caso sub judice o Acórdão recorrido considerou que a actividade desenvolvida pela segurada da Recorrente se enquadrava no conceito de actividade perigosa, nos termos do artigo 493º, nº 2 do CPC e, sem mais, condenou a ora Recorrente ao abrigo do contrato de seguro vigente.

8 - Tal acórdão está em clara contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10.07.2019, disponível em www.dgsi.pt e que se junta em anexo, nos termos do qual:

"I - O art. 493º, n.º 2, do Código Civil estabelece uma presunção de culpa sobre quem exerce uma atividade perigosa (por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados), com a inerente inversão do ónus da prova, de acordo com o estatuído no art. 344º do CC, pois que ao lesante se passa a exigir a demonstração de que adotou todos os cuidados (regras técnicas e deveres ditados pelas regras da experiência comum) que as concretas circunstâncias exigiam para evitar o dano.

II - Essa presunção só funciona após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa.

III - Esse ónus de prova (do facto que serve de base à presunção de culpa) cabe ao lesado (art. 342º, n.º 1, do Código Civil).”

9 - De resto, é vasta a jurisprudência no sentido do acórdão-fundamento, designadamente, Ac.TRG, de 31.10.2019 ou Ac.RC. de 10.02.2015, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

10 - No caso dos autos, foi dado como provado, tão só, o seguinte, quanto às causas concretas do actual estado do edifício do Recorrido:

- A Opway - Engenharia, S.A. foi uma das empreiteiras da obra que constitui o atual edifício da Polícia Judiciária;

- A construção do edifício da Polícia Judiciária implicou a intervenção de diversas entidades no âmbito das respetivas especialidades.

- Previamente à execução da obra, existiu um projeto de construção da mesma, um projeto de escavação e contenção do edifício da Polícia Judiciária para a construção das respetivas fundações, estudos geológicos sobre as características do terreno e sobre o impacto da construção na estabilidade do mesmo e dos prédios contíguos, enfim, inúmeros trabalhos preparatórios, que não estiveram a cargo da segurada da Requerida, Opway - Engenharia, S.A..

- A demolição do muro no topo da Rua General Garcia Rosado, entretanto efetuada, poderá ter contribuído para a perda de contraventamento do edifício do Requerente.

- A A2P, por e-mail de 23.9.2020, remetido ao Requerente (fls. 108), reitera que «(…) os deslocamentos ocorridos nos alvos podem estar associadas (sic) a assentamentos verticais das fundações, provocados por um deficiente desempenho da estrutura de contenção da polícia judiciária».

- A JETSJ, a pedido da Requerida, elaborou a nota técnica de 20.7.2020, que consta de fls. 86 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, em que conclui que a origem dos danos no prédio residiria em «(…) alterações estruturais no interior das frações do edifício, sem que tenham sido avaliadas as respetivas consequências no comportamento global do mesmo edifício, roturas em condutas junto às fundações do edifício, em particular quando as mesmas mobilizam materiais de maior fração arenosa e mais sensíveis à ação da água e ainda e eventualmente, perda de contraventamento do edifício pela demolição de muro no topo da Rua General Garcia Rosado (…)».

11 - Como facilmente se verifica, da prova produzida apenas se apurou que os problemas estruturais actualmente existentes no prédio do Recorrido podem ter resultado de assentamentos verticais das fundações, provocados por um deficiente desempenho da estrutura de contenção da polícia judiciária, de alterações estruturais no interior das frações do edifício, sem que tenham sido avaliadas as respetivas consequências no comportamento global do mesmo edifício, roturas em condutas junto às fundações do edifício, em particular quando as mesmas mobilizam materiais de maior fração arenosa e mais sensíveis à ação da água e ainda e eventualmente, de perda de contraventamento do edifício pela demolição de muro no topo da Rua General Garcia Rosado…

12 - Por outro lado, não se conhecendo o projecto de fundações e sabendo-se que a Opway foi uma das empreiteiras da obra, ficámos também a saber que a construção do edifício da Polícia Judiciária implicou a intervenção de diversas entidades no âmbito das respetivas especialidades e que previamente à execução da obra, existiu um projeto de construção da mesma, um projeto de escavação e contenção do edifício da Polícia Judiciária para a construção das respetivas fundações, estudos geológicos sobre as características do terreno e sobre o impacto da construção na estabilidade do mesmo e dos prédios contíguos, enfim, inúmeros trabalhos preparatórios, que não estiveram a cargo da segurada da Requerida, Opway - Engenharia, S.A….

13 - Perante tudo o supra exposto, temos de concluir que o Recorrido não fez prova, nem mesmo indiciária, de que o actual estado do seu edifício se ficou a dever à actividade da Opway.

14 - Antes pelo contrário, a única coisa que se provou foi que várias são as causas que podem estar na origem do actual estado do edifício, nomeadamente, um deficiente desempenho da estrutura de contenção do edifício da Polícia Judiciária (não sabemos quem o projectou e quem teve intervenção na sua construção), alterações estruturais no interior das frações do edifício do Recorrido (alheias ao marco de actuação da Opway) ou perda de contraventamento do edifício pela demolição de muro no topo da Rua General Garcia Rosado (alheia ao marco de actuação da Opway).

15 - A acrescer, também constatamos que a única coisa que se provou quanto à eventual imputação dos danos invocados, foi que várias foram as empresas intervenientes na obra, quer previamente à sua execução, quer aquando da construção.

16 - Não se tendo demonstrado, nem mesmo indiciariamente, que foi a concreta intervenção da Opway que provocou os problemas estruturais do prédio do Recorrido.

17 - Ora, como bem se refere no Acórdão-fundamento, “embora o art. 493º, n.º 2, do CC, estabeleça efetivamente uma presunção de culpa que favorece o lesado, tal presunção só opera após a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa [”Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade” perigosa (por sua natureza ou pela natureza dos meios utilizados)]”. O ónus da prova (do facto que serve de base à presunção de culpa) cabia ao lesado.

18 - O caso dos autos, quer no seu acervo fáctico, quer quanto à questão fundamental de direito, é em tudo semelhante ao do Acórdão fundamento, esta questão foi alegada pela ora Recorrente no recurso de apelação interposto e o Acórdão recorrido não acolheu este entendimento, mantendo a imputação da responsabilidade à Opway.

19 - Não nos conformamos com o assim decidido, pelo que, com respeito por opinião diversa, consideramos que a situação tem que ser submetida a esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça, para que, de uma vez por todas clarifique a questão jurídica, com as implicações legais daí advenientes e por essa via sejam também alcançadas a segurança e certeza jurídicas necessárias.

20 - Cumprindo ainda salientar que não foi ainda proferido qualquer acórdão de uniformização de jurisprudência sobre a questão.

21 - Decidida esta questão no sentido o Acórdão fundamento, como entendemos que deverá ser decidida, não poderá igualmente ser ignorado o clausulado do contrato de seguro, mormente, as exclusões aplicáveis, o qual sempre foi dado como assente.

22 - E sendo certo que o Recorrido não alegou nem provou que os problemas do prédio se devem à concreta actividade perigosa da Opway (que se desconhece qual foi), certo é, também, que a Recorrente não poderia antes, ter suscitado a questão das exclusões contratuais, como (mais um) argumento para o não decretamento da providência.

23 - Termos em que, deverá admitir-se a presente revista, por forma a serem dirimidas as questões solvendas, não só pela flagrante oposição de julgados, mas também para uma melhor aplicação do direito, dadas as interpretações e consequências jurídicas díspares que o caso dos autos comporta, seja por reporte a decisões judiciais pretéritas sobre o mesmo objecto, seja por confronto contra decisões judiciais proferidas noutras acções judiciais, cuja jurisprudência é contrária à vertida no douto acórdão recorrido, não descurando, finalmente, o princípio da confiança, como princípio ético-jurídico fundamental da ordem jurídica.

Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser dado provimento ao Recurso de Revista apresentado pela Recorrente em conformidade com as presentes alegações, revogando-se o Acórdão recorrido e substituindo-se por outro que não decrete a providência a cargo da Recorrente, assim se fazendo como sempre JUSTIÇA

14. O Requerente Condomínio do Prédio sito na rua General Garcia Rosado, n.ºs 24-26, em Lisboa, contra-alegou, pugnando pela improcedência de recurso.

15. Finalizou a sua contra-alegação com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto do art.° 62972, d) do C.P.C.

2. A Recorrente funda o seu recurso na alegação de que o Recorrido não teria feito prova do nexo de causalidade entre os danos sofridos no prédio dos autos e a construção do edifício sede da Polícia Judiciária, em Lisboa - o que impediria a aplicabilidade da presunção de culpa do art.° 49372 do C.C.

3. A indagação sobre se determinada realidade foi, ou não, demonstrada, para que seja executada e discutida em todas as suas vertentes e todo o seu alcance, constitui averiguação de matéria de facto, cuja apreciação não poderá ser consumada por via de recurso de revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos constantes do art.° 67473 do C.P.C.

4. No primeiro processo (o dos autos), o demandante sofre, passivamente, os danos, tentando apurar-se se os mesmos provêm, ou não, de uma causa previamente detectada; no segundo (o do acórdão-fundamento), existe um confronto de acções com origem em diferentes sujeitos - empreiteiro / condutor do veículo - das quais o Tribunal extrai uma conclusão quanto à produção dos danos verificados.

5. Da Conclusão 4a, resulta que as decisões judiciais invocadas pela Recorrente não versam sobre a mesma questão fundamental de direito.

6. Na sua alegação apresentada em sede de recurso de apelação, o Recorrido demonstrou ter ficado demonstrado, de forma indiciária, como exigido pelo art.° 36871 do C.P.C., o nexo de causalidade entre os danos verificados no edifício dos autos e as obras de grande envergadura levadas a cabo em terreno contíguo, por empreiteiro cuja actividade foi segurada pela Recorrente - com recurso às alíneas o), y), z), ff), hh), ii), rr) e xii) da factualidade provada.

7. O Tribunal da Relação de Lisboa acolheu e confirmou a existência desta prova, também com fundamento nas alíneas g) e j) da matéria de facto provada.

8. O acórdão-fundamento citado pela Recorrente não é contraditório com a decisão consagrada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido nestes autos, uma vez que ambos tomaram como ponto de partida da aplicação da previsão do art.° 49372 do C.C., a demonstração de que a culpa aí presumida se reporta a danos provocados pelo sujeito em que a incidência de tal culpa se presume.

9. O presente recurso de revista é inadmissível, devendo ser rejeitado, por não estarem reunidos os pressupostos da disposição legal que a Recorrente invoca para a sua interposição - o art.° 62972, d) do C.P.C.

10.A decisão constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29.4.2021 deverá manter-se integralmente.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

16. O acórdão recorrido deu como indiciariamente provados os factos seguinte — depois de alterar a redacção das alíneas e), g) e k), na sequência da decisão sobre a impugnação da matéria de facto:


a) O Condomínio Requerente foi constituído para administração do prédio urbano sito na rua General Garcia Rosado, n.º s 24 e 26, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 2158 da freguesia de São Jorge de Arroios e inscrito na matriz predial da freguesia de Arroios sob o art.º 605.

b) O edifício que constitui a nova sede da Polícia Judiciária, e que para tais fins é utilizado por essa autoridade policial, sito na rua Gomes Freire, em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 3211 da freguesia de São Sebastião da Pedreira e inscrito na matriz predial da freguesia de Arroios sob o art.º 2433, é propriedade do IGFEJ.

c) O edifício identificado na alínea anterior confina com o prédio, cuja empena se encontra encostada ao muro de separação daquele edifício.

d) O edifício identificado em b) foi construído, entre 2011 e 2014, pela empreiteira Opway - Engenharia, S.A., entretanto declarada insolvente.

e) A referida Opway, S.A. celebrou com a 1.ª Requerida um contrato denominado contrato de seguro de «Todos os riscos empreiteiros construção», mediante a apólice n.º 014510001428, emitida em 28.9.2011, com o capital seguro total de 50 000 000,00 €, constando das condições gerais e especiais o seguinte:


Condições Gerais

(…) ART. 2.º OBJECTO E GARANTIAS DO CONTRATO

1. Nos termos, condições e exclusões do presente contrato e relativamente aos períodos, local e objectos seguros expressamente designados nas Condições Particulares, a Seguradora obriga-se ao ressarcimento dos prejuízos resultantes de sinistro abrangido no âmbito da cobertura da apólice (…).

SECÇÃO IIRESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL

(…) 3.2. Âmbito da Cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual

Mediante convenção expressa nas Condições Particulares esta apólice poderá garantir as indemnizações que, em conformidade com a lei vigente, o Segurado seja legalmente obrigado a pagar a Terceiros no âmbito da RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, por motivo de acidente directamente relacionado com o objecto seguro, de harmonia com o disposto na respectiva Condição Especial.

ART.º 3.º EXCLUSÕES

(…) 2. EXCLUSÕES ESPECÍFICAS DA COBERTURA DE DANOS MATERIAIS SECÇÃO I

Salvo convenção expressa em sentido contrário nas Condições Particulares não fica garantido:

a) Reparação ou substituição necessária devido a faltas, defeitos, erros ou omissões do projecto, desenho, cálculo ou especificação. (…)

ART. 4.º INÍCIO E TERMO DO CONTRATO

(…) 4 - A cobertura deste contrato cessa, em relação ao conjunto ou parte do objecto seguro, independentemente da data indicada como termo da apólice, logo que:

4.1 - Terminem os trabalhos de montagem e construção (...)»


Condições Especiais

(…) CONDIÇÃO ESPECIAL 01

SECÇÃO II — RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL

ART. 1.º ÂMBITO DA COBERTURA

A responsabilidade civil, de natureza extracontratual, assumida pela Seguradora, através desta Condição Especial, é limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local de risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares.

ART. 2.º PRESTAÇÕES DA SEGURADORA

1. A quantia fixada nas Condições Particulares que a Seguradora se compromete a satisfazer é o máximo da soma de todas as indemnizações e despesas procedentes de sinistros ocorridos durante a vigência do seguro, salvo o disposto no n.º 1 do Art.º 18.º, independentemente do montante das reclamações apresentadas.

ART. 3.º EXCLUSÕES

(…) 2. Salvo convenção expressa em contrário nas Condições Particulares a Seguradora não responde por:

a) Danos legalmente imputáveis a proprietário, sub-empreiteiros do segurado, outros empreiteiros ou sub-empreiteiros que trabalham no local do risco ou seus empregados efectivos ou contratados temporariamente. (…)

c) Danos devidos a vibrações, utilização de explosivos, remoção ou enfraquecimento de fundações ou alterações do nível freático»].


f) Antes do início das obras de construção do edifício-sede da Polícia Judiciária, cerca de maio de 2011, foi efetuada uma vistoria ao edifício, não tendo sido então reportada ao Requerente qualquer anomalia estrutural do edifício.

g) A partir do ano de 2012, após o início de escavações para a construção do edifício com seis níveis de cave, começou a verificar-se o aparecimento de rachas e fendas, quer na fachada do prédio, quer no interior das frações que o compõem, tendo sido efetuada uma vistoria da CML em 23.5.2012, cujo auto consta de fls. 22, no qual se conclui que:

«Face ao exposto e do que foi dado observar, os técnicos que efectuaram a vistoria emitem, por unanimidade, o seguinte parecer:

O edifício é recuperável.

Além de outras patologias verificadas, constata-se a existência de fendilhação de carácter recente, com maior incidência no lado direito do edifício, devido à ocorrência de assentamentos diferenciais das fundações ou a eventuais vibrações transmitidas à estrutura do prédio, que poderão ter ocorrido aquando dos trabalhos de escavação e de contenção de terras para a construção de um novo edifício de grandes proporções que se encontra em curso no terreno contíguo.

Assim, deverão ser executadas todas as obras de reparação, de consolidação e de conservação no edifício com vista à correção das patologias verificadas, assim como todos os trabalhos que no decorrer das obras se venham a verificar necessários, para garantir as devidas condições de segurança e de salubridade»] (acrescentado)

h) O Requerente contactou, por isso, a 1.ª Requerida, tendo em vista a reparação de tais fendas e rachas, tendo a dita 1.ª Requerida incumbido a sociedade RTS International INC, Sucursal em Portugal, de proceder ao levantamento, in loco, dos danos produzidos no prédio (partes comuns e frações) e comunicados, por este e pelos condóminos, à 1.ª Requerida, para que, posteriormente, se procedesse à indemnização de cada um dos lesados.

i) As obras de reparação dos danos no prédio foram realizadas a partir de abril de 2013, tendo os condóminos lesados sido indemnizados pela 1.ª Requerida pelos custos incorridos nessas reparações e tendo sido levadas a cabo obras nas partes comuns, nomeadamente na cobertura do prédio.

j) O edifício-sede da Polícia Judiciária foi inaugurado em 11.3.2014.

k) A partir de janeiro de 2015, o Requerente procurou obter orçamentos, por indicação da 1.ª Requerida e da RTS, em nome daquela, para reparação da empena lateral do prédio e reforço da estrutura do mesmo [, ou seja, para reparação de fendas e rachas, sem intervenção ao nível da estrutura do prédio.] (acrescentado)

l) Em junho de 2015, foram colocados alvos no prédio, para monitorização e leitura dos deslocamentos verificados na estrutura do mesmo.

m) No ano de 2016, em virtude da insistência do Requerente em realizar obras de maior vulto no prédio, devido às fendas da fachada que se agravavam, consequência dos deslocamentos verificados na leitura dos alvos, a sociedade RTS comunicou ao Requerente a necessidade de levar a cabo um estudo estrutural do edifício.

n) Por e-mail de 25.1.2017, a RTS comunicou ao Requerente que iria adjudicar o estudo referido no artigo anterior à sociedade A2P Consult Estudos e Projectos, Lda., sendo os custos do mesmo suportados pela 1.ª Requerida, o que o Requerente aceitou.

o) O estudo realizado pela mencionada A2P ficou completo em junho de 2017, tendo concluído que «De uma forma geral, verifica-se que as obras levadas a cabo para execução da sede da PJ tiveram influência clara no estado de conservação do edifício em questão, levando ao assentamento da empena, que se traduziu no aparecimento de fendilhação de dimensão razoável e orientação bem definida nas frações direitas. Estas fendas agravaram localmente o estado de conservação do edifício, facilitando a entrada de água nessa zona e acelerando a velocidade de degradação de revestimentos e elementos estruturais (…)

Os deslocamentos na parede de empena, na última campanha de monitorização (2015-2016) ainda não se encontravam estabilizados, pelo que se torna necessário averiguar se estes ainda se ainda se encontram activos (…)».

p) Apenas em março de 2020 o Requerente teve acesso às conclusões do relatório referido em o).

q) Em setembro de 2017, a RTS comunicou ao Requerente que o estudo levado a cabo pela A2P seria «inconclusivo», nomeadamente quanto às causas dos danos observados no prédio.

r) Por e-mail de 2.11.2017 (fls. 37v), a RTS voltou a comunicar ao Requerente o carácter supostamente inconclusivo do relatório da A2P, mencionando a necessidade de realizar sondagens no terreno do prédio, a levar a cabo pela sociedade JETSJ.

s) Em novembro de 2017, os relatórios de monitorização dos alvos colocados em 2015 demonstraram a passagem a nível de alerta amarelo, quanto aos deslocamentos verificados no prédio.

t) Desde 2013 e até 2017, foram realizadas no prédio sucessivas reparações, de carácter meramente superficial, embora urgentes, face à visível degradação do edifício, sem qualquer intervenção na respetiva estrutura, quer nas partes comuns, quer nas frações, tendo sido todas custeadas pela 1.ª Requerida, depois de verificadas pela já referida RTS.

u) Em 6.2.2019, a C.M.L. levou a cabo vistoria ao prédio, tendo colocado no mesmo novos testemunhos, para monitorização dos deslocamentos verificados.

v) Posteriormente, e na sequência de nova vistoria, ocorrida a 17.4.2019, a C.M.L. elaborou o auto que consta de fls. 38v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, que termina referindo que «as patologias verificadas indiciam a ocorrência de presumíveis assentamentos diferenciais das fundações».

w) Por e-mail de 25.5.2019, remetido pelo Requerente à RTS (fls. 44), esta sociedade foi informada de que os testemunhos colocados em fevereiro pela C.M.L. se haviam rompido.

x) Em novembro de 2019, os relatórios de monitorização dos alvos colocados em 2015 demonstraram a passagem a nível de alerta vermelho, quanto aos deslocamentos verificados no prédio.

y) A 10 e 11.2.2020, a C.M.L. realizou vistoria ao prédio, tendo, em consequência da mesma, elaborado o auto que consta de fls. 46v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, de que resulta, em suma, a verificação de fendas verticais, na empena e na fachada, de fendilhação acentuada com diversas orientações e ângulos, nas partes comuns e nas frações, afastamento alarmante da parede da empena esquerda e da fachada dos vários pavimentos dos vários pisos, de que decorre um risco de colapso dos elementos estruturais do prédio, com possibilidade de derrocada do mesmo.

z) Mais refere o auto o carácter recente das patologias encontradas, nomeadamente do afastamento/abertura da empena esquerda e da fachada do prédio.

aa) Em consequência das conclusões desta vistoria, a C.M.L. ordenou a evacuação de todos os habitantes do prédio, especificando que a mesma deveria durar por todo o período em que decorressem as obras de reparação das patologias detetadas.

bb) A saída dos habitantes do lado direito do prédio consumou-se logo a 11.2.2020, tendo a dos condóminos do lado esquerdo sido executada a 14.2.2020.

cc) O teor do auto da vistoria de 10 e 11.2.2020 foi comunicado pelo Requerente à 1.ª Requerida e à RTS.

dd) A Requerida comunicou ao Requerente, por carta de 15.9.2020, que consta de fls. 98, que não assumiria as consequências do sinistro que lhe fora participado em 4.3.2020.

ee) Em 11.3.2020, o Requerente adjudicou à sociedade A2P o estudo da origem das patologias existentes no prédio, bem como a elaboração do projeto de consolidação do edifício.

ff) A dita A2P elaborou, nessa sequência, e entregou ao Requerente o relatório que consta de fls. 52 dos autos datado de 20.3.2020, e que inclui a cópia do relatório da mesma A2P, datado de junho de 2017, tendo sido então comunicado à Requerida.

gg) A JETSJ, a pedido da Requerida, elaborou a nota técnica de 20.7.2020, que consta de fls. 86 dos autos e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido, em que conclui que a origem dos danos no prédio residiria em «(…) alterações estruturais no interior das frações do edifício, sem que tenham sido avaliadas as respetivas consequências no comportamento global do mesmo edifício, roturas em condutas junto às fundações do edifício, em particular quando as mesmas mobilizam materiais de maior fração arenosa e mais sensíveis à ação da água e ainda e eventualmente, perda de contraventamento do edifício pela demolição de muro no topo da Rua General Garcia Rosado (…)».

hh) A demolição do muro de topo da rua General Garcia Rosado foi efetuada por ocasião da obra de construção do edifício-sede da Polícia Judiciária.

ii) Desde, pelo menos abril de 2020, que existe um risco sério de desmoronamento do prédio, em virtude, sobretudo, do afastamento da empena esquerda e da fachada dos pavimentos.

jj) A monitorização dos alvos indicadores de deslocamentos revelou, no mesmo sentido, valores que ultrapassam o adequado tendo-se, aliás, os testemunhos colocados pela C.M.L. em fevereiro de 2019, rompido em maio do mesmo ano.

kk) A C.M.L. autorizou, a 24.4.2020, a execução de trabalhos de contenção, ao abrigo do estado de necessidade

ll) Tais trabalhos começaram a ser preparados no final do mês de março de 2020, juntamente com as sociedades JETSJ (projeto dos maciços de betão), CARLDORA (projeto de estrutura) e DRILLGO (empreiteiro), indicadas ao Requerente pela RTS, em nome da 1.ª Requerida.

mm) A 1.ª Requerida comprometeu-se perante o Requerente a suportar todos os custos relativos à contenção do prédio, pelo que o Requerente celebrou, em 29.6.2020, com a aludida 1.ª Requerida e com a sociedade DRILLGO, na qualidade de empreiteira para a obra de contenção do prédio, o contrato que consta de fls. 100v.

nn) Com base nesse contrato, a estrutura de contenção do prédio foi colocada entre os dias 1 e 15.8.2020.

oo) Contudo, e apesar dessa medida de urgência, os deslocamentos continuaram a verificar-se na estrutura do prédio.

pp) Em vistoria levada a cabo pela C.M.L. em 7.9.2020, concluiu-se não estarem reunidas as condições de segurança para o regresso dos habitantes do prédio ao mesmo.

qq) As sociedades CARLDORA e DRILLGO, que estiveram envolvidas diretamente na montagem da estrutura de contenção, emitiram o parecer que consta de fls.107v, cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.

rr) A A2P, por e-mail de 23.9.2020, remetido ao Requerente (fls. 108), reitera que «(…) os deslocamentos ocorridos nos alvos podem estar associadas (sic) a assentamentos verticais das fundações, provocados por um deficiente desempenho da estrutura de contenção da polícia judiciária».

ss) Os habitantes do prédio não foram, até à data, realojados no mesmo, por falta de segurança na permanência de pessoas no seu interior.

tt) A estrutura de contenção instalada no prédio no mês de agosto de 2020 não assegurou, portanto, a estabilidade do mesmo até ao momento.

uu) A Generali suportou os custos da estrutura de contenção da fachada do prédio dos autos.

(Da oposição)

i. Com data de 1.10.2020, foi concretizada a inscrição no Registo Comercial da fusão, por incorporação, das companhias Generali - Companhia de Seguros, S.A. e Generali Vida Companhia de Seguros S.A. (sociedades incorporadas) na Seguradoras Unidas, S.A., a qual alterou a sua denominação social.

ii. Previamente à execução da obra, existiu um projeto de construção da mesma, um projeto de escavação e contenção do edifício da Polícia Judiciária para a construção das respetivas fundações, estudos geológicos sobre as características do terreno e sobre o impacto da construção na estabilidade do mesmo e dos prédios contíguos, enfim, inúmeros trabalhos preparatórios, que não estiveram a cargo da segurada da Requerida, Opway - Engenharia, S.A..

iii. A construção do edifício da Polícia Judiciária implicou a intervenção de diversas entidades no âmbito das respetivas especialidades.

iv. A Requerida mantinha com a Opway - Engenharia, S.A., aquando da construção do edifício da Polícia Judiciária, um contrato de seguro titulado pela apólice n.º 0145 10001428000, denominado «Todos os Riscos Empreiteiros Construção», nos termos do qual foi para si por aquela transferida a responsabilidade civil de natureza extracontratual, «limitada às indemnizações que legalmente possam ser exigidas ao Segurado pela reparação de danos patrimoniais e/ou não patrimoniais involuntariamente causados a terceiros em consequência de acidente directamente relacionado com a execução dos trabalhos de construção ou montagem objecto do seguro e ocorridos no local do risco, durante o período do seguro, e até aos limites fixados nas Condições Particulares», conforme Condições Particulares, Condições Gerais e Condições Especiais que constam de fls. 174 a 235 e se dão por integralmente reproduzidas.

v. A Generali, por carta de 15.9.2020, informou o Requerente na pessoa do respetivo mandatário, que «Inexistindo danos resultantes da acção directa em obra do Empreiteiro que seguramos, estamos em presença de uma reclamação que está fora do âmbito de garantias da cobertura de Responsabilidade Civil Extracontratual concedida pela apólice subscrita», como consta de fls. 98 dos autos.

vi. Tendo concluído que, «Face ao que antecede e porque não foi apurada quaisquer responsabilidades do nosso Segurado passível de ser transferida, ficamos impedidos de proceder à liquidação de qualquer indemnização ao abrigo das garantias concedidas pela presente apólice».

vii. A Opway - Engenharia, S.A. foi uma das empreiteiras da obra que constitui o atual edifício da Polícia Judiciária e logo em 2011 foi contactada pelo Requerente, tendo em vista a reparação de fendas e rachas detetadas no imóvel sito na rua General Garcia Rosado, n.ºs 24-26, decorrentes da obra em curso no edifício da Polícia Judiciária.

viii. A Opway Engenharia, SA participou então o ocorrido à ora Requerida que contratou uma empresa de peritagens e averiguações, denominada RTS International INC, Sucursal em Portugal, para apurar os danos ocorridos no imóvel, incluindo nas respetivas frações, bem assim como as causas de tais alegados danos.

ix. Entre 2011 e 2015, ou seja, desde o início da construção do edifício-sede da Polícia Judiciária até cerca de um ano após a inauguração do mesmo, a referida sociedade fez levantamentos nas partes comuns e nas várias frações, dos problemas existentes no imóvel, identificando todos os que, aparentando ser recentes, pudessem resultar das obras em questão.

x. Nessa altura e enquanto decorriam as averiguações sobre as causas do estado do imóvel, a Requerida, bem como a Opway Engenharia, SA suportaram o custo das obras de reparação das rachas e fendas detetadas junto do Requerente e junto dos vários moradores das frações, no que respeita às reparações nas mesmas realizadas.

xi. O prédio em causa nos autos é um prédio com 110 anos.

xii. A demolição do muro no topo da Rua General Garcia Rosado, entretanto efetuada, poderá ter contribuído para a perda de contraventamento do edifício do Requerente.

xiii. A Requerida assumiu o custo parcial de alguns trabalhos de reparação de rachas e fendas no imóvel enquanto decorriam as averiguações sobre as causas do sinistro, como igualmente assumiu o custo orçamentado para a montagem da estrutura de contenção das fachadas, como medida cautelar adotada preventivamente enquanto decorriam as peritagens e averiguações para o apuramento das causas.

17. Em contrapartida, o acórdão recorrido não deu como indiciariamente provados os factos seguintes:


1. A sociedade GAUSS Topometria e Monitorização Estrutural, S.A. levou a cabo, em nome da identificada Opway, S.A., uma vistoria ao Prédio, entre os dias 7 e 12.4.2011, concluindo não ter sido detetada qualquer anomalia estrutural no edifício, apenas pequenas patologias menores.

2.em 2011, o prédio do Requerente apresentava vários problemas estruturais, como infiltrações, rachas e fendas, apodrecimento de vigas, alterações estruturais no interior das frações do edifício que comprometiam a sua estabilidade, ruturas em condutas junto às fundações do edifício, etc..

3. A segurada da Requerida Opway - Engenharia, SA cumpriu escrupulosamente o projeto para a construção do edifício, nos exatos termos que lhe haviam sido adjudicados pelo dono da obra.

O DIREITO

18. A questão da admissibilidade do recurso foi apreciada pela Requerida, agora Recorrente, e pelo Requerente, agora Recorrido, nas suas alegações e contra-alegações, em termos que tornam desnecessário o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil.

19. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é do seguinte teor:

“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

20. O art. 671.º, n.º 1, é correntemente interpretado no sentido de que “[o] âmbito do recurso de revista […] não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito dos procedimentos cautelares” [1] — e, ainda que o art. 671.º, n.º 1, não fosse correntemente interpretado no sentido de que o âmbito do recurso de revista não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito de procedimentos cautelares, sempre a admissibilidade do recurso deveria confrontar-se com o art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cujo teor é o seguinte:

“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível” [2].

21. Os casos em que o recurso é sempre admissível encontram-se no art. 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:

“Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado;

b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre;

c) Das decisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça;

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.

22. A Requerida, agora Recorrente, invoca como fundamento específico de recurso o art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

23. Esclarecido que o motivo por que não cabe recurso ordinário é o art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil e, por consequência, é um motivo estranho à alçada do tribunal recorrido, o art. 629.º, n.º 2, alínea d), decompõe o fundamento da recorribilidade em três requisitos: que o acórdão recorrido esteja em contradição com algum acórdão anteriormente proferido pela Relação, denominado de acórdão fundamento; que os dois acórdãos tenham sido proferidos no domínio da mesma legislação; e que os dois acórdãos tenham sido proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito [3].

 

24. A Requerida, agora Recorrente, alega que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 10 de Julho de 2019 — processo n.º 814/18.5T8GMR.G1 —, quanto à mesma questão fundamental de direito: o ónus da prova da conexão causal entre a actividade perigosa e o dano, actual ou potencial, do Requerente.

25. Alega que no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2019 se considerou que a presunção do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil só funciona desde que haja “a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa” e que no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Abril de 2021, agora recorrido, se considerou que a presunção do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil funcionava ainda que não houvesse a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a actividade perigosa.

 

26. O Supremo Tribunal de Justiça tem exigido, constantemente, que a contradição seja frontal [4].

27. Ora, entre o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2019 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Abril de 2021 não há nenhuma contradição — e, em todo o caso, não há nenhuma contradição frontal.

 

28. O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Abril de 2021, agora recorrido, depois de constatar que “as obras de construção do edifício-sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, constituíram, pela sua dimensão, pelo tipo de escavações que exigiram e pela especificidade do destino do prédio a erigir, actividade perigosa, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 493.º, n.º 2, do Código Civil”, esclarece que “o nexo de causalidade que intercede entre [a] actividade perigosa e os danos e perigo iminente de ruína do prédio do Requerente emerge […] da factualidade provada, como a descrita nas alíneas g), j), o), y), z), ff), hh), ii), rr) e xii)”.

 

29. O critério do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10 de Julho de 2019 — de acordo com o qual a presunção do art. 493.º, n.º 2, do Código Civil só funciona desde que haja “a prova de que o evento se ficou a dever a razões relacionadas com a atividade perigosa” — concilia-se facilmente com a fundamentação e com a decisão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 de Abril de 2021.

30. Seja como for, o Supremo Tribunal de Justiça tem exigido, constantemente, que a questão, sobre que a contradição recai, seja uma questão fundamental ou essencial para a decisão do caso [5]:

“A contradição de julgados relevante para a aplicação do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil […]”, diz-se, p. ex., em acórdão de 2 de Maio de 2019, “tem de referir-se a questões que se tenham revelado essenciais para a sorte do litígio em ambos os processos, desinteressando para o efeito questões marginais ou que respeitem a argumentos sem valor determinante para a decisão emitida”.

31. Face à afirmação do Tribunal da Relação de Lisboa de que “o nexo de causalidade que intercede entre a actividade perigosa e os danos e perigo iminente de ruína do prédio do Requerente emerge […] da factualidade provada, como a descrita nas alíneas g), j), o), y), z), ff), hh), ii), rr) e xii)”, ainda que alguma diferença houvesse, nunca a questão seria essencial ou fundamental para a decisão do caso. 

 IIII. — DECISÃO

Face ao exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente recurso.

Custas pela Recorrente Generali — Companhia de Seguros, S.A.


Lisboa, 30 de Junho de 2021


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos Exmos. Senhores Conselheiros José Maria Ferreira Lopes e Manuel Pires Capelo.

_______

[1] Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 434-436 (435).

[2] Sobre a interpretação do art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, vide por todos António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), cit., pág. 435, ou José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 361.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 48-51 (50).

[3] Como se diz, p. ex., no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Fevereiro de 2015 — processo n.º 9088/05.7TBMTS.P1.S1 —, “[só ocorre] oposição relevante, para efeitos de admissibilidade de revista com o fundamento específico previsto no art.º 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, quando a mesma questão de direito fundamental sobre idêntico núcleo factual tenha sido objecto de análise interpretativa desenvolvida do segmento normativo convocado pelo acórdão-fundamento e, suscitada pelas partes noutro processo, tenha sido decidida em sentido contrário pelo acórdão recorrido, ainda que mediante aplicação quase tabelar do mesmo normativo” .

[4] Cf. designadamente o acórdão do STJ de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 1650/06.7TBLLE.E2.S1 —: “A contradição de julgados relevante para a aplicação do art. 629º, nº 2 d), do CPC tem de ser uma oposição frontal, não bastando uma oposição implícita ou pressuposta…”.

[5] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 7 de Março de 2017 — processo n.º 1512/07.0TBLSD.P2.S1 — e de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 1650/06.7TBLLE.E2.S1.