Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLIVEIRA ABREU | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO SEGURO FACULTATIVO FURTO FACTO CONSTITUTIVO ÓNUS DA PROVA APÓLICE DE SEGURO INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO CLÁUSULA CONTRATUAL SEGURADORA RISCO OBJETO DO CONTRATO DE SEGURO LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS | ||
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Data do Acordão: | 02/18/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. O contrato de seguro facultativo, seguro de danos, encerra um negócio jurídico por via do qual a seguradora assume o risco, nomeadamente, no caso de apropriação ilícita, garantindo os danos nos bens seguros, em consequência de furto, de acordo com o definido nas condições gerais, especiais e particulares da apólice, recebendo, em troca, o pagamento do respetivo prémio. II. A apólice encerra o documento que titula o contrato de seguro celebrado, de onde constam as respetivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos. III. Da apólice deverão constar o objeto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objeto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações que visam excluir certo tipo de riscos. IV. O risco constitui um elemento essencial do contrato de seguro e traduz-se na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, conforme estabelecido no contrato de seguro, a par de que o sinistro é a ocorrência concreta do risco contratado, devendo reunir as mesmas características com que é ali configurado. V. No âmbito de uma ação em que se pretenda a indemnização pelos danos resultantes de um sinistro coberto por contrato de seguro, incumbe ao segurado o ónus de provar, como factos constitutivos que são do direito invocado, além da ocorrência e circunstâncias do sinistro que preenche o risco, conforme configurado na cláusula de cobertura, a consequente perda ou dano dos bens segurados. VI. A redução a escrito das cláusulas do contrato determina a sujeição da interpretação do contrato às regras gerais estabelecidas no direito substantivo civil - artºs. 236º e seguintes do Código Civil - sendo que o objeto da interpretação é a declaração ou o comportamento declarativo, e o respetivo teor, o ponto de partida, pese embora haja que considerar outros elementos nomeadamente, o contexto das declarações e a sua finalidade, com vista a afinar o sentido juridicamente relevante da declaração em causa. VII. Conquanto o direito substantivo civil não se pronuncie sobre quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação da declaração negocial, dever-se-á considerar todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efetivo, teria tomado em conta. VIII. Impõe-se interpretar as cláusulas contratuais para se aferir se a situação dos autos encerra um sinistro condizente a uma ocorrência concreta do risco contratado, importando, pois, saber qual o valor jurídico da declaração negocial para daí reconhecer se a facticidade adquirida processualmente encerra uma ocorrência concreta do risco contratado, nos mesmos termos em que é configurado no contrato de seguro. IX. Consignando-se nas Condições Gerais da Apólice a cobertura dos danos causados aos bens seguros, nomeadamente, pela ocorrência do risco de furto, enquanto acto intencional de subtrair coisa móvel alheia, com intenção ilegítima de apropriação, para si ou para outra pessoa, quando verificada a introdução ilegítima em habitação, dever-se-á entender que não é exigida a demonstração da dinâmica de acesso à habitação, de arrombamento, escalamento ou chaves falsas, prevenidas em outras alíneas das Condições Gerais da Apólice, sendo suficiente para o preenchimento da previsão que ocorra uma introdução não consentida, com apropriação também não consentida de bens. X. Não se mostrando apurado o valor de alguns bens ilicitamente subtraídos, impõe-se relegar para posterior liquidação o montante global da indemnização a atribuir, sem prejuízo da condenação, desde logo, na importância apurada, relativa aos bens ilicitamente subtraídos. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO
1. AA veio demandar Lusitânia - Companhia de Seguros, SA., com fundamento em contrato de seguro celebrado com a Ré, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de €107.992,80, correspondente ao valor de bens que lhe foram furtados, acrescida de juros de mora vencidos, e ainda juros vincendos. 2. Regularmente citada, contestou a Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA. sustentando que a situação descrita na petição inicial está excluída do contrato de seguro, pois que inexistindo vestígios de escalamento e de arrobamento, a cobertura contratada não cobria qualquer desaparecimento de bens seguros. 3. A Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA.. requereu, entretanto, a intervenção principal provocada da chamada Liberty Seguros SA., alegando a existência de pluralidade de seguros. 4. Foi admitida a intervenção principal da chamada que, citada, contestou, pugnando pela improcedência da ação, ao alegar, com utilidade, inexistir cobertura de objetos de valor elevado, posto que não discriminados ou valorizados aquando da contratação do seguro, outrossim, impugnou a ocorrência do sinistro nos termos contratados que exige que o furto, a ter ocorrido, tenha sido praticado com introdução em residência mediante escalamento, arrombamento ou chaves falsas, o que não se verificou. 5. Os autos foram saneados, tendo-se procedido à fixação do objeto do litígio e enunciados os temas da prova. 6. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA. e a Chamada/ Liberty Seguros, SA., do pedido. 7. Inconformada com o decidido, a Autora/AA interpôs apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo enunciou: “Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, e, consequentemente revogam a sentença recorrida e condenam a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A. a pagar à A. uma indemnização no montante de 86.087,72, acrescida de juros legais, à taxa legal, desde a data da citação e ainda a indemnização que se apurar em incidente de liquidação pela subtração de vários artigos de cosmética e perfume, valor existente no interior do mealheiro, 2 pulseiras de marca …., uma completa e outra meia, em prata e ouro e bijutaria da marca ….., composta por 5 relógios, 1 pulseira, 1 par de brincos, 3 colares e 3 anéis. Custas na primeira instância e nesta instância pela A. e pela R., fazendo-se o rateio a final e fixando-se provisoriamente a repartição de custas em 80% para a R/apelada e 20% para a A/apelante.” 8. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação …., que a Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA. se insurge, interpondo revista, formulando as seguintes conclusões: “1 - A Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, porquanto na mesma não houve uma apreciação correta dos pressupostos de direito constantes dos presentes autos. 2 - Não concorda a Recorrente com o entendimento do tribunal a quo que considerou que é suficiente para o acionamento da cobertura Furto Qualificado, no âmbito do contrato de seguro celebrado, a introdução ilegítima em habitação, não se exigindo, em consequência, que essa introdução tenha de ser feita por escalamento, arrombamento ou chave falsas. 3 - Nos termos contratualmente fixados no nº 2.6.4 al b) das mesmas Condições Gerais, “Consideram-se excluídos desta cobertura: b) O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravio bem como subtracções de qualquer espécie ou furtos ou roubos cometidos por pessoas ligadas ao segurado por laços familiares ou contrato de trabalho ou por qualquer pessoa que com ele habite” 4 - O que ficou provado nos autos foi o desaparecimento de determinados bens da casa da Autora, não se apurou o porquê, a causa, a razão, dos bens terem desaparecido. 5 - O risco seguro tem que incidir sobre algo demonstrado objetivamente. 6 - O seguro não cobre desaparecimentos. 7 - Para a clausula do furto qualificado funcionar, necessita da prova de vestígios de escalamento, arrombamento, ou que, pelo menos, a utilização das chaves falsas seja constatada por inquérito policial, sendo que nenhuma das situações ocorreu nestes autos. 8 - Concorda a R. com a sentença da 1ª instância quando refere que a participação policial ou auto de notícia não está dotada de força probatória plena nos termos do art.º 371 nº1 do CC, relativamente aos factos nela descritos, com base nas declarações do denunciante/queixoso/testemunha. 9 - As clausulas do contrato de seguro, relativas ao Furto Qualificado, têm de ser interpretadas como um todo, e contrariamente ao juízo do tribunal a quo, exigindo sempre vestígios de que ocorreu um furto, ou a sua constatação por inquérito policial, sob pena de um eventual desequilíbrio contratual decorrente da circunstância de a seguradora não poder sindicar a real ocorrência do sinistro participado. 10 - Existe fundamento sério e atendível para que o contrato faça depender de determinados requisitos, não só a introdução ilegítima na habitação, a cobertura dos danos decorrentes de furto. 11 - Tendo o furto ocorrido sem deixar vestígios cabia à recorrente fazer prova da sua existência e, ainda, da sua constatação por inquérito judicial (art.º 342º do Código Civil). 12 - Os prejuízos sofridos pela autora não se encontram abrangidos pela cobertura do contrato de seguro, concordando a R. totalmente com o teor da sentença da 1º instância. 13 - Nos termos do art.º 342 nº1 do C.C competia á A. prova que houve uma introdução ilegítima na sua propriedade o que não aconteceu. 14 - Do exame lofoscópico apenas resultou o aparecimento das impressões digitais da A. 15 - De acordo com as Declarações de Parte da A., a casa já tinha sido assaltada em 2011, após ter tirado ao ex-marido as chaves que este até então possuía, sendo que dois meses antes já lhe tinham assaltado o carro. 16 - De acordo com a convicção da testemunha BB, agente da PSP, que se deslocou ao local, no dia do desaparecimento dos bens, é que era muito difícil ter ocorrido um furto nas circunstâncias que observou, porque, não foi constatado na porta de entrada do prédio e da habitação, qualquer dano ou sinais de arrombamento, tendo verificado as janelas e varandas, sem quaisquer sinais de intrusão. 17 - Pode muito bem a R. ponderar, até porque não existe prova, ou indícios mínimos do contrário, de que o desaparecimento dos bens pode estar relacionado com pessoas ligadas á A, que entraram com autorização em casa. 18 - Era ónus da Autora, nos termos do art.º 342 nº1 do CC, provar que ocorreu uma introdução total do corpo do(s) suposto(s) autor(es) do furto na habitação da A. o que não aconteceu. 19 - É legitimo ponderar que o alegado furto pode muito bem ter acontecido sem a introdução total do corpo do perpetrador na habitação da A. 20 - Considerou o tribunal a quo condenar a R. no que se liquidar em incidente de liquidação quanto aos valores dos bens indicados no ponto b) da sentença, contudo, olvidou o tribunal a quo que nas alegações apresentadas pela A. no tribunal da Relação a mesma refere: “A Recorrente reconhece que não fez prova do valor exato dos bens indicados sobre o ponto b) dos factos não provados” (Conclusão 1), sendo que tal reconhecimento configura uma confissão judicial por parte da A., nos termos dos arts 355 e 356 do C.C., pelo que o incidente deve ser indeferido. 21 - Desconhece a R. como foi apurado pelo tribunal a quo o valor líquido de €86.087,72, uma vez que o mesmo não tem qualquer suporte no pedido formulado pela A, sendo que, não existindo prova do valor dos bens indicados em B na sentença, resta somente o valor de €83.200,00, de acordo com o pedido. 22 - Pugna a ora Recorrente pela revogação do Acórdão proferido pelo tribunal a quo, mantendo-se o teor da sentença da 1ª instância.” 9. Foram apresentadas contra-alegações pela Autora/AA pugnando pela improcedência da revista, mantendo-se o acórdão recorrido. 10. Foram dispensados os vistos. 11. Cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pela Recorrente/Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA., consistem em saber se: (1) A facticidade apurada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, (i) uma vez que existe fundamento sério e atendível para que o contrato de seguro ajuizado faça depender de determinados requisitos, não só a introdução ilegítima na habitação, a cobertura dos danos decorrentes de furto, donde, tendo o furto ocorrido sem deixar vestígios cabia à Autora/AA fazer prova da sua existência, o que não se verificou, pelo que, os prejuízos sofridos e reclamados nos autos não se encontram abrangidos pela cobertura do articulado contrato de seguro, (ii) outrossim, o valor líquido vertido no dispositivo do acórdão recorrido (€86.087,72) não tem qualquer suporte no pedido formulado pela Autora/AA, (iii) a par de que não existe prova do valor dos bens indicados, relegados para liquidação de sentença, não devendo, por isso ser considerados, importando repristinar o decidido em 1ª Instância? II. 2. Da Matéria de Facto Factos provados: “1. A autora celebrou com a ré Lusitânia SA um contrato de seguro do ramo “Multirriscos Habitação” (que entre outros, cobre o ressarcimento dos prejuízos com consequência direta de furto ou roubo), cujo objeto de seguro é o recheio da sua habitação, sita na Rua … . 2. Tal contrato é titulado pela apólice nº …15 3. Entre outros riscos e capitais seguros, tal contrato de seguro abrange um capital total do recheio na quantia de 150.000.00€. 4. No dia …-05-2014, entre as 09:10h e as 14:15h, a autora desconhecendo a forma como entraram na residência, reparou que o interior da sua habitação encontrava-se remexido, portas de armários e gavetas abertas e objetos no chão. 5. De tal facto a autora deu conhecimento à Polícia de Segurança Publica, logo no próprio dia …-05-2014, bem como através de um aditamento feito no dia seguinte. 6. Do interior da habitação da autora desapareceram os seguintes bens: - Um televisor da marca …., no valor de 325,20€; - Uma máquina fotográfica da marca ….., no valor de 121,87€; - Um computador da marca …., no valor de 340.65€; - Uma carteira ….., no valor de 300.00€; - Uma panela da marca ……., no valor de 900.00€; - Vários artigos de cosmética e perfumes, de valor não concretamente apurado; - 3 garrafas de Wisky, ….. de 30 anos, no valor de 900.00€; - Um mealheiro, contendo valor não concretamente apurado no seu interior; - 2 pulseiras da marca … - uma completa e outra meia-, em prata e ouro, de valor não concretamente apurado; - Bijutaria da marca …, composta por 5 relógios, 1 pulseira, 1 par de brincos, 3 colares e 3 anéis, de valor não concretamente apurado; - Peças em ouro e com brilhantes, descriminadas nas fotos anexas à apólice de seguros que foram avaliados num montante global de 83.200.00€. 7. A ré Lusitânia foi instada para pagar a quantia de 94.180.00€, por carta, telefone e através dos seus representantes, e recusou fazê-lo. 8. A apólice referida em 2 foi contratada em conformidade com a proposta de seguro junta a fls. 29 e 30. 9. Ao contrato de seguro aplicam-se as Condições Gerais juntas a fls. 30 verso-47 verso. 10. Da cláusula 2ª das referidas condições consta: “Objecto e garantias do contrato-Cobertura Base O presente contrato tem por objecto a cobertura dos danos causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos riscos constituintes da Cobertura Base: a) As indemnizações por danos directamente causados aos bens seguros identificados nas Condições Particulares - bens móveis (conteúdo) e/ou imóveis (edifício); (…) As coberturas que, no seu conjunto, constituem a Cobertura Base desta apólice, são as que a seguir se enumeram: (…) 6- Furto ou Roubo; (…). 6 - Furto ou Roubo 1 - Garantindo os danos nos bens seguros em consequência de roubo ou furto qualificado (tentado, frustrado ou consumado) praticado no interior do local ou locais de risco, numa das circunstâncias abaixo mencionadas. P. Único: Desde que garantidos os bens móveis (conteúdo) fica também abrangido por esta cobertura o dinheiro que se encontre fechado em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança, até ao montante indicado nas Condições Particulares; 2 - Para efeitos de garantia deste risco entende-se por: Roubo Acto intencional de subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outra pessoa, contra a vontade do legítimo proprietário ou detentor, por meio de violência, de ameaça com perigo eminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-o na impossibilidade de resistir. Furto Qualificado Acto intencional de subtrair coisa móvel alheia, com intenção ilegítima de apropriação, para si ou para outra pessoa, numa das seguintes circunstâncias: a) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; b) Penetrando em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial). Arrombamento O rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada exterior de edifício ou de lugar fechado dele dependente. Escalamento A introdução em edifício ou lugar fechado dele dependente por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar a entrada ou passagem. Chaves falsas - as imitadas, contrafeitas ou alteradas; - as verdadeiras, quando, fortuita ou sub-repticiamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar; - as gazuas ou quaisquer instrumentos que possa servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança. (…) 4 - Consideram-se excluídos desta cobertura: a) O furto ou roubo caracterizados de formas diferentes do atrás referido; b) O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravio bem como subtracções de qualquer espécie ou furtos cometidos por pessoas ligadas ao segurado por laços familiares ou contrato de trabalho ou por qualquer pessoa que com ele habite; (…).” 11. Não foram detetados indícios de escalamento. 12. Não foram detetados quaisquer indícios de arrombamento. 13. Não foram detetados quaisquer indícios de estroncamento, quer nas fechaduras quer nos perfis de batente da porta principal, quer na porta que dá acesso à garagem coletiva e escadaria de acesso às habitações. 14. A porta blindada da habitação da autora era dotada de um sistema de fechadura de segurança em três pontos e a mesma não apresentava quaisquer indícios de estroncamento ou arrombamento, quer ao nível do canhão, quer ao nível dos perfis de batente. 15. As janelas não apresentavam quaisquer vestígios de arrombamento. 16. A Autora declarou que no dia 05 de maio de 2014 saiu da sua habitação por volta das 9h e 15, tendo fechado a porta do apartamento à chave e referiu que quando chegou não havia sinais de estroncamento ou arrombamento. 17. Do exame lofoscópico apenas resultou o aparecimento das impressões digitais da autora. 18. Não foram verificados quaisquer danos na fechadura e porta de entrada do apartamento. 19. Na proposta de seguro a autora não respondeu à pergunta do questionário se, à data do preenchimento da proposta de seguro, o risco proposto estaria seguro por outra seguradora. 20. A autora não participou o sinistro à chamada Liberty. 21. A autora e a Genesis Seguros Generales – - S.A.S.R. celebraram entre si, a 26 de janeiro de 2011, um contrato de seguro do ramo MULTIRRISCOS LAR, titulado pela apólice nº …84 22. Contrato de seguro esse que na referida data iniciou a sua respetiva vigência, regendo-se pelas Condições particulares, Gerais e Especiais juntas a fls. 89 verso-91 e 94-108 verso. 23. Nos termos do mesmo contrato foi escolhido o capital a segurar de €37.500, para cobertura do risco de furto, que pudessem advir a bens que, nos termos do contrato de seguro fossem considerados como “recheio” coberto ou garantido. 24. A Liberty tomou a posição contratual de Genesis no contrato de seguro, passando a assumir perante a autora os direitos e obrigações que para a Genesis advinham do supra referido contrato de seguro, em consequência do que a apólice foi renumerada para ….84 25. Por a autora ter contratado com a Genesis a cláusula de atualização automática do capital seguro que aquela exclusivamente escolheu para a cobertura contratual (recheio), tal capital seguro era, em 05-05-2014, na referida data de €39.551,36, mantendo-se no mais tudo o que regulava as relações contratuais entre autora e seguradora. 26. A cláusula 2ª B das Condições Gerais dispõe que se entende como recheio: “1. O conjunto de objetos de uso doméstico e de uso pessoal propriedade do segurado, dos seus familiares, ou de empregados ao seu serviço doméstico que com ele coabitem e desde que se encontrem dentro do edifício e/ou fração segura ou em dependências anexas da mesma; 2. Os Objetos de Valor Elevado adiante identificados na alínea c), cujo valor unitário não exceda €1.000, ou, no conjunto, não exceda 30% do capital seguro para o recheio (no caso €39.865,41 x 30% = €11.865,41). No caso dos Objetos de Valor Elevado ultrapassarem estes limites, deverão ser seguros na garantia de Objetos de valor Elevado, mediante o pagamento do respetivo sobre-prémio (…)”. 27. Por seu turno, a alínea C da referida cláusula, estabelece que se consideram única e exclusivamente como objetos de valor elevado, aqueles cujo valor unitário seja superior a €1.000, ou no seu conjunto, excedam 30% do capital seguro para recheio, dos que a seguir vão discriminados: “1. As peles 2. As antiguidades os quadros e obras de arte cujo valor especial seja devido á idade, estilo, mérito artístico, incluindo: pinturas, gravuras, desenhos e fotografias, tapeçarias, tapetes, manuscritos, porcelanas e esculturas, relógios e barómetros; 3. Objetos de prata 4. Aparelhos de som, vídeo, DVD, televisão, material de filmar, projetar e fotografar, 5. Equipamentos informáticos 6. Equipamentos de radioamador 7. Armas de fogo 8. Coleções (filatélicas, numismáticas e outras) – estas coleções serão consideradas como um único objeto 9. Joias: consideram-se como tal os objetos de ouro ou platina, as pérolas e as pedras preciosas em geral, e os relógios de bolso ou pulso a partir de €150. Estes objetos só ficam cobertos se forem expressamente identificados e valorizados na proposta contratual e aceites pelo segurador.” 28. A autora, ao contratar com a Genesis o contrato que ficou inicialmente titulado pela apólice .….84, posteriormente renumerado na Liberty para ……84: a) - não solicitou a cobertura de objetos de valor elevado; b) - não discriminou (individualizou), nem valorizou (isto é, não atribuiu valor) às joias de valor superior a €1.000. 29. No ponto da cláusula 4º das Condições Gerais e Especiais do referido contrato consta: “10.1 Para efeito das presentes garantias entende-se por: Furto: a subtracção, sob a forma tentada ou consumada, dos bens seguros, realizada no local de risco por terceiros, sem o emprego de violência ou intimidação sobre as pessoas e sempre que os autores tiverem entrado no interior empregando alguns dos seguintes meios: Escalamento: a introdução no edifício/fracção segura ou em lugar fechado dele dependente por telhados, portas, janelas, paredes ou qualquer outra construção que sirva para fechar ou impedir a entrada ou passagem e, bem assim, por abertura subterrânea não destinada a entrada; Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de qualquer elemento ou mecanismo que servir para fechar ou impedir o acesso ao local de risco. Chaves falsas: tais como as imitadas, contrafeitas ou alteradas; as verdadeiras, quando fortuita ou sub-repticiamente, estejam fora do poder de quem tiver o direito de as usar; as gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança. Roubo: a subtracção, sob a forma tentada ou consumada, dos bens seguros, realizada por terceiros, mediante o emprego de violência ou intimidação sobre as pessoas que se encontrem no local de risco. 10.2 A presente garantia inclui ainda, até aos limites abaixo indicados, os danos causados como consequência de Furto ou Roubo, ou sua tentativa. 10.3 A presente garantia só funcionará desde que a utilização de qualquer destes meios tenha deixado vestígios inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial. 10.4 Ficam excluídos do âmbito de cobertura desta garantia: a) O desaparecimento inexplicável, perdas ou extravios, bem como o furto ou roubo em que intervenham como autores ou cúmplices pessoas ligadas ao segurado por laços familiares, ou de qualquer outra pessoa que com ele coabite; b) O furto ou roubo não participados à autoridade policial; (…)”. Factos não provados: “i) O televisor da marca …. valia 380.00€; ii) A máquina fotográfica da marca …. valia 200.00€; ii) O computador da marca ….. valia 450.00€; iii) A carteira … valia 550.00€; iv) A panela da marca …. valia 1000.00€; v) Os artigos de cosmética e perfumes valiam 600.00€; vi) O mealheiro tinha 400.00€ no seu interior; vii) As duas pulseiras da marca …. valiam 3.000.00€; viii) A bijutaria da marca …. valia 3.500,00 €.” II. 3. Do Direito O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente/Ré/Lusitânia - Companhia de Seguros, SA., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil. II. 3.1. A facticidade apurada importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, (i) uma vez que existe fundamento sério e atendível para que o contrato de seguro ajuizado faça depender de determinados requisitos, não só a introdução ilegítima na habitação, a cobertura dos danos decorrentes de furto, donde, tendo o furto ocorrido sem deixar vestígios cabia à Autora/AA fazer prova da sua existência, o que não se verificou, pelo que, os prejuízos sofridos e reclamados nos autos não se encontram abrangidos pela cobertura do articulado contrato de seguro, (ii) outrossim, o valor líquido vertido no dispositivo do acórdão recorrido (€86.087,72) não tem qualquer suporte no pedido formulado pela Autora/AA, (iii) a par de que não existe prova do valor dos bens indicados, relegados para liquidação de sentença, não devendo, por isso ser considerados, importando repristinar o decidido em 1ª Instância? (1) Considerando a facticidade demonstrada nos autos, o Tribunal recorrido concluiu no segmento decisório: “Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação, e, consequentemente revogam a sentença recorrida e condenam a Ré Lusitânia Companhia de Seguros, S.A. a pagar à A. uma indemnização no montante de 86.087,72, acrescida de juros legais, à taxa legal, desde a data da citação e ainda a indemnização que se apurar em incidente de liquidação pela subtracção de vários artigos de cosmética e perfume, valor existente no interior do mealheiro, 2 pulseiras de marca …, uma completa e outra meia, em prata e ouro e bijutaria da marca …., composta por 5 relógios, 1 pulseira, 1 par de brincos, 3 colares e 3 anéis. Custas na primeira instância e nesta instância pela A. e pela R., fazendo-se o rateio a final e fixando-se provisoriamente a repartição de custas em 80% para a R/apelada e 20% para a A/apelante”. A questão que nesta revista se coloca, coincide com aqueloutra colocada ao Tribunal recorrido, qual seja, saber se a factualidade adquirida processualmente permitia, ou não, a qualificação do ocorrido, como sinistro, tendo em conta os termos do contrato de seguro outorgado, concretamente, a cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice que dispõe sobre o objeto e garantias do contrato - Cobertura Base. Importa, assim, a qualificação jurídica do ajuizado contrato que contribuirá para a interpretação da estipulada cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice. Conquanto o nosso ordenamento jurídico não estabeleça uma noção de contrato de seguro, decorre do art.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro o conteúdo típico deste negócio jurídico aí se enunciando que “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”. O segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a entregá-lo ao tomador do seguro - art.º 32º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - e desta deve constar todas as condições estipuladas entre as partes, sendo que nos termos do direito substantivo civil - art.º 37º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - a apólice deverá conter os riscos contra que se faz o seguro, outrossim, em geral, todas as circunstâncias cujo conhecimento possa interessar o segurador, a par de todas as condições estipuladas entre as partes. A apólice é, pois, o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora, de onde constam as respetivas condições gerais, especiais, se as houver, e particulares acordadas, sendo que o âmbito do contrato, consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos. Como sabemos, na fixação do conteúdo de qualquer negócio jurídico interessa, antes do mais, analisar os termos do acordo que os seus outorgantes firmaram ao abrigo da liberdade contratual ditada pelo art.º 405º do Código Civil, termos esses que, no contrato de seguro, reiteramos, terão de constar da respetiva apólice. Assim, da apólice deverão constar o objeto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado, importando, pois, para aferição do conteúdo do contrato, atender ao objeto do seguro e aos riscos cobertos na apólice, havendo igualmente que ter em conta as estipulações negociais que visam delimitar ou excluir certo tipo de riscos, donde, como defende, Romano Martinez, in, Direito dos Seguros, páginas 91 e seguintes, e José Vasques, in, Contrato de Seguro, páginas 355 e 356, o âmbito deste tipo contratual passa pela definição das garantias, dos riscos cobertos e dos riscos excluídos. A concretização dos riscos cobertos resultará de os mesmos serem indicados na apólice, integrada por condições gerais, especiais e particulares, ou de, pelo contrário, se evidenciarem na apólice os riscos excluídos, caso em que se considerarão cobertos todos os restantes, pelo que, impõe-se desde já adiantar, que o contrato de seguro está abrangido, na sua génese, pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro. Revertendo ao caso sub iudice, o ajuizado contrato (A Autora/AA celebrou com a Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. um contrato de seguro do ramo “Multirriscos Habitação”, titulado pela apólice nº …15 [que entre outros, cobre o ressarcimento dos prejuízos em consequência direta de furto ou roubo], cujo objeto é o recheio da casa de habitação, sita na Rua …, sendo de €150.000,00 o capital total do recheio) consubstancia um contrato de seguro facultativo, em razão do qual a Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., assume o risco no caso de apropriação ilícita, garantindo os danos nos bens seguros, em consequência de furto ou roubo, de acordo com o definido nas condições gerais, especiais e particulares da apólice, recebendo, em troca, o pagamento do respetivo prémio. O contrato de seguro em causa é, assim, um contrato de seguro facultativo, subsumível á tipologia dos contratos de seguro enunciada no Regime Jurídico do Contrato de Seguro integrando o denominado seguro de danos - artºs. 123º e seguintes do Regime Jurídico do Contrato de Seguro - . É na transferência do risco que se encontra o elemento unificador do contrato de seguro. Porque se trata de um seguro facultativo vigora o princípio da liberdade contratual, e, assim, desde que se contenham nos limites legais podem ser introduzidas no contrato quaisquer cláusulas. Todavia há que observar e sublinhar, que à questão em causa, como já adiantamos, importa reconhecer que este tipo contratual ajuizado, qualificado como contrato de seguro facultativo, seguro de danos, está abrangido, na sua génese, pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, integrando, pois, cláusulas às quais se aplica o aludido regime das cláusulas contratuais gerais. Esta questão está, inegavelmente, relacionada com os apelidados contratos de adesão, entendidos como aqueles negócios jurídicos em que “um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado”, neste sentido, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, 7ª edição, página 262. Estes contratos contêm, por via de regra, “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão”, neste sentido, Galvão Telles, in, Direito das Obrigações, 6ª edição, página 75. Os contratos de adesão suprimem a liberdade de negociação, e correspondem a necessidades de contratação em massa, estando de um lado, empresas de grande envergadura económica - no caso seguradoras - que assumem riscos, e, do outro lado - consumidores mais ou menos informados -. Haverá, pois, que reconhecer, ser desta natureza, o ajuizado contrato de seguro facultativo, seguro de danos, que contem cláusulas uniformes e também específicas, de harmonia com os interesses dos outorgantes em presença. Consabidamente, é por vezes difícil, perante um determinado contrato, reconhecer quais as normas que concretamente resultaram de um acordo específico ou têm a natureza de predeterminadas e de pura adesão. Porém, sabemos que é a própria lei - art.º 1.º n.º 3, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de Julho, e pelo Decreto-Lei n.o323/2001, de 17 de Dezembro - que resolve o impasse ao estatuir que “O ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”. Conforme resulta da decisão sobre a matéria de facto, está adquirido processualmente que o objeto e garantias do ajuizado contrato de seguro - Cobertura Base - decorre da cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice, consignada no articulado contrato de seguro, e, como tal, não foi negociada pelos outorgantes, sendo considerada no âmbito de cláusulas pré-determinadas ou de pura adesão, enquanto cláusulas que se repetem, sistematicamente, em contratos da mesma índole, assumidas e não negociadas, reconhecidamente excluídas de qualquer discussão e acordo entre as partes. Assim, concebendo e concedendo a aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais, importa saber, em que circunstâncias é que a Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., assume o risco no caso de apropriação ilícita, garantindo os danos nos bens seguros, em consequência de furto, que importa ao caso sub iudice, de acordo com o definido nas condições gerais, concretamente, a aludida cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice, consignada no ajuizado contrato de seguro. Sublinhamos, para o efeito, e neste particular, que o risco constitui um elemento essencial do contrato de seguro e traduz-se na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, conforme estabelecido no contrato de seguro, a par de que o sinistro é a ocorrência concreta do risco contratado, devendo reunir as mesmas características com que é ali configurado, importando reconhecer, outrossim, que é o segurado que tem o ónus da alegação e prova de que o sinistro preenche o risco previsto na cláusula de cobertura. Na verdade, conforme decorre do direito substantivo civil - art.º 342º n.º 1 do Código Civil - é ao segurado que cabe a prova da realidade do sinistro e do valor das coisas (que perdeu) à data do sinistro, neste sentido, entre outros, José Vasques, obra citada, página 306, o que, de resto, é sufragado pela Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Janeiro de 2018 (Processo n.º 1714/16.9T8LSB.L1.S1), in, www.dgsi.pt, que por sua vez cita o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 2017 (Processo nº 5232/13.9TBMTS.P1.S1), também disponível em www.dgsi.pt, reproduzindo-se aqui parte do respetivo sumário “I - No âmbito de uma ação em que se pretenda a indemnização pelos danos resultantes de um sinistro coberto por contrato de seguro, incumbe ao segurado o ónus de provar, além da ocorrência e circunstâncias do sinistro, a consequente perda ou dano dos bens segurados, como factos constitutivos que são do direito invocado, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC e como decorre, de resto, do artigo 100.º, n.º 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04.” Vejamos, pois, se a Autora/AA, conforme lhe incumbia, acentuamos, alegou e demonstrou, não só que a Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. assumiu a possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, decorrente da celebração de um contrato de seguro (o que, de resto, está pacificamente aceite pelas partes), mas também que o sinistro é a ocorrência concreta do risco contratado, reunindo as mesmas características com que é configurado no articulado contrato de seguro. Relembremos a cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice: “Ao contrato de seguro aplicam-se as Condições Gerais juntas a fls. 30 verso-47 verso. Da cláusula 2ª das referidas condições consta: “Objeto e garantias do contrato-Cobertura Base O presente contrato tem por objeto a cobertura dos danos causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos riscos constituintes da Cobertura Base: a) As indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros identificados nas Condições Particulares - bens móveis (conteúdo) (…) As coberturas que, no seu conjunto, constituem a Cobertura Base desta apólice, são as que a seguir se enumeram: (…) 6- Furto ou Roubo; (…). 6 - Furto ou Roubo 1 - Garantindo os danos nos bens seguros em consequência de roubo ou furto qualificado (tentado, frustrado ou consumado) praticado no interior do local ou locais de risco, numa das circunstâncias abaixo mencionadas. P. Único: Desde que garantidos os bens móveis (conteúdo) fica também abrangido por esta cobertura o dinheiro que se encontre fechado em gaveta, cofre ou outro recetáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança, até ao montante indicado nas Condições Particulares; 2 - Para efeitos de garantia deste risco entende-se por: Roubo (…) Furto Qualificado Ato intencional de subtrair coisa móvel alheia, com intenção ilegítima de apropriação, para si ou para outra pessoa, numa das seguintes circunstâncias: a) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; b) Penetrando em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial). Arrombamento (…) Escalamento (…) 4 - Consideram-se excluídos desta cobertura: a) O furto ou roubo caracterizados de formas diferentes do atrás referido; b) O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravio bem como subtrações de qualquer espécie ou furtos cometidos por pessoas ligadas ao segurado por laços familiares ou contrato de trabalho ou por qualquer pessoa que com ele habite; (…)”.
A redução a escrito das cláusulas do contrato determina a sujeição da interpretação do contrato às regras gerais estabelecidas no direito substantivo civil - artºs. 236º e seguintes do Código Civil - . De acordo com o prevenido no art.º 236º n.º 1 do Código Civil “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Consagra-se a chamada “teoria da impressão do destinatário”. O Professor Vaz Serra ensina que esta teoria deve ser entendida do seguinte modo: “(…) a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário, a interpretaria, como o que se procura, num conflito entre o interesse do declarante no sentido que atribuiu a sua declaração e o interesse do declaratário no sentido que podia razoavelmente atribuir-se a esta, dar preferência a este, que se julga merecedor de maior protecção, não só porque era mais fácil ao declarante evitar uma declaração não coincidente com a sua vontade do que ao declaratário aperceber-se da vontade real do declarante, mas também porque assim se defendem melhor os interesses gerais do tráfico ou comércio jurídico. Mostra isto que a interpretação das declarações negociais não se dirige (salvo o caso no nº.2 do artigo 236º do Código Civil) a fixar a um simples facto o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração, mas a fixar o sentido jurídico, normativo da declaração” in, Revista Legislação e Jurisprudência, ano 103º, página 287. O objeto da interpretação é a declaração ou o comportamento declarativo, sendo o respetivo teor, o ponto de partida, pese embora haja que considerar outros elementos nomeadamente, o contexto das declarações e a sua finalidade, com vista a afinar o sentido juridicamente relevante da declaração em causa. Conquanto o direito substantivo civil não se pronuncie sobre quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação da declaração negocial, dever-se-á considerar todos os elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta. A Doutrina, no que é secundado pela Jurisprudência, tem assumido como critérios que presidem à interpretação da declaração negocial “(i) o contexto negocial em que a declaração aparece; (ii) eventuais antecedentes próximos ou elementos preparatórios; (iii) o ambiente ou contexto externo, de facto e jurídico, em que a declaração é emitida; (iv) a finalidade da declaração (ou negócio); (v) o tipo de negócio em causa, bem como os valores e interesses em jogo; (vi) a anterior e subsequente prática negocial entre declarante e declaratário, se existir; (vii) o modo como a declaração ou o negócio em que se integra vem sendo executado”, neste sentido, Evaristo Mendes e Fernando Sá, Anotação ao artigo 236.º, in, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, página 538. Cumpre, pois, interpretar a enunciada cláusula contratual para se aferir se a situação dos autos encerra um sinistro condizente a uma ocorrência concreta do risco contratado, e, nessa medida, determina a responsabilidade da Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. em satisfazer os danos sofridos, em bens seguros, garantidos pela seguradora. Ao cabo e ao resto, impõe-se saber qual o valor jurídico que a consignada declaração negocial (cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice) contém, para daí reconhecer se a facticidade adquirida processualmente encerra uma apropriação ilícita de bens propriedade ou na posse da segurada, ora Autora/AA, enquanto ocorrência concreta do risco contratado, reunindo as mesmas características com que é configurado no articulado contrato de seguro. Como vimos, as Instâncias assumiram divergente sentido interpretativo da declaração negocial (cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice), conquanto laborassem com a mesma facticidade adquirida processualmente. A consignada declaração negocial (cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice), encerra em si mesma uma norma que gere as relações entre a segurada, Autora/AA, e a seguradora, Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., outorgantes do ajuizado contrato de seguro, reconhecidas, pacificamente, como regras de direito, de natureza imperativa, que se impõem às partes que as deverão cumprir, ponto por ponto, nos termos do direito substantivo civil - art.º 406º do Código Civil - cabendo ao Tribunal, em todo o caso, a interpretação e aplicação da enunciada cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice. Ora, de acordo com as regras que presidem à interpretação das declarações negociais, não restam dúvidas, que, do ponto de vista de um declaratário normal, a facticidade adquirida processualmente encerra uma ocorrência concreta do risco contratado, reunindo as mesmas características com que é configurado no articulado contrato de seguro. Na verdade, decorre da cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice, e como bem destaca o aresto em escrutínio, que sufragamos e sublinhamos “o contrato de seguro celebrado com a R. Lusitânia não se limita a definir como furto qualificado o ocorrido através de escalamento, arrombamento ou utilização de chaves falsas. O contrato de seguro celebrado com a R. define como furto qualificado o acto intencional de subtrair coisa móvel alheia, com intenção ilegítima de apropriação, para si ou para outra pessoa, praticado nas circunstâncias previstas nas alíneas a) e b) da cláusula 2.6. que têm a seguinte redação: a) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; b) Penetrando em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial). As situações previstas nestas duas alíneas reproduzem parcialmente duas das circunstâncias qualificadoras do furto no Código Penal a prevista na alíneas f) do nº 1 do artº 204º, cuja redação é “Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar” e na alínea e) do nº 2 do mesmo preceito legal que tem a seguinte redação: “Penetrando em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou outro espaço fechado, por arrombamento, escalamento ou chaves falsas”. A alínea a) da cláusula 2.6.2. do contrato de seguro celebrado com a R., Lusitânia Companhia de Seguros, S.A reproduz, assim, quase na íntegra a alínea f) do nº 1 do artº 204º do CP (deixando de fora a introdução em habitação móvel e em estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, o que bem se compreende quanto a estes últimos, pois que o objecto seguro é o recheio de uma habitação – seguro “Casa Ideal”). (…) Na sentença recorrida entendeu-se que a R. não respondia, não porque não tivesse havido introdução ilegítima na habitação da A. e subtracção não autorizada de bens, mas sim porque a garantia só funcionaria se se apurasse o meio como ocorreu a introdução, como resulta claramente do extracto já transcrito onde é referido que “a ignorância do meio utilizado para a entrada no interior da residência não pode irrelevar para a definição da responsabilidade da ré decorrente do contrato de seguro, tanto mais que foi expressamente excluída a cobertura do risco de furto caracterizado de formas diferentes das contratualmente previstas e os desaparecimentos inexplicáveis”. E um pouco à frente “Todavia, a responsabilidade assumida contratualmente pela ré no confronto da autora depende da dinâmica do acesso à casa em que os bens subtraídos se encontravam”. Ora, se bem que tal dinâmica de acesso seja exigida pela alínea b), face ao disposto na alínea a) cláusula 2ª.6.2 das condições gerais da apólice do contrato de seguro celebrado com a R., esta não é exigida, sendo suficiente para o preenchimento da previsão que ocorra uma introdução não consentida com apropriação também não consentida de bens, constituindo introdução ilegítima em habitação “aquela em se verifique a passagem de todo o corpo para dentro dos espaços aqui definidos”, desde que sem o consentimento do respetivo proprietário.” (sublinhado nosso) A realidade demonstrada nos autos revela uma ocorrência concreta do risco contratado, na interpretação que vimos de discretear, sufragando o enquadramento jurídico vertido no acórdão sob escrutínio, sendo mister concluir que o risco contratado importa a apropriação ilícita, garantindo os danos nos bens seguros, em consequência de furto, sendo suficiente para o preenchimento desta previsão (furto) que ocorra uma introdução na habitação, não consentida, com apropriação também não consentida de bens, por isso ilícita, conforme decorre da alínea a) da cláusula 2ª das Condições Gerais da Apólice, sendo que no caso trazido a Juízo, reiteramos, a Autora/AA, alegou e demonstrou, ao reclamar a indemnização pelos danos resultantes do sinistro coberto pelo seguro, e como lhe incumbia, a ocorrência e circunstâncias do sinistro que encerra uma ocorrência concreta do risco contratado, reunindo as mesmas características com que é configurado no ajuizado contrato de seguro, além do consequente dano pela subtração dos bens segurados, como factos constitutivos que são do direito invocado. Assim, está adquirido processualmente: “1. A autora celebrou com a ré Lusitânia SA um contrato de seguro do ramo “Multirriscos Habitação” (que entre outros, cobre o ressarcimento dos prejuízos com consequência direta de furto ou roubo), cujo objeto de seguro é o recheio da sua habitação, sita na Rua … . 2. Tal contrato é titulado pela apólice nº …15 3. Entre outros riscos e capitais seguros, tal contrato de seguro abrange um capital total do recheio na quantia de 150.000.00€. 4. No dia …-05-2014, entre as 09:10h e as 14:15h, a autora desconhecendo a forma como entraram na residência, reparou que o interior da sua habitação encontrava-se remexido, portas de armários e gavetas abertas e objetos no chão. 5. De tal facto a autora deu conhecimento à Polícia de Segurança Publica, logo no próprio dia 05-05-2014, bem como através de um aditamento feito no dia seguinte. 6. Do interior da habitação da autora desapareceram os seguintes bens: - Um televisor da marca …, no valor de 325,20€; - Uma máquina fotográfica da marca …., no valor de 121,87€; - Um computador da marca …, no valor de 340.65€; - Uma carteira …, no valor de 300.00€; - Uma panela da marca …., no valor de 900.00€; - Vários artigos de cosmética e perfumes, de valor não concretamente apurado; - 3 garrafas de Wisky, ….. de 30 anos, no valor de 900.00€; - Um mealheiro, contendo valor não concretamente apurado no seu interior; - 2 pulseiras da marca …. - uma completa e outra meia-, em prata e ouro, de valor não concretamente apurado; - Bijutaria da marca …, composta por 5 relógios, 1 pulseira, 1 par de brincos, 3 colares e 3 anéis, de valor não concretamente apurado; - Peças em ouro e com brilhantes, descriminadas nas fotos anexas à apólice de seguros que foram avaliados num montante global de 83.200.00€. 7. A ré Lusitânia foi instada para pagar a quantia de 94.180.00€, por carta, telefone e através dos seus representantes, e recusou fazê-lo. 8. A apólice referida em 2 foi contratada em conformidade com a proposta de seguro junta a fls. 29 e 30. 9. Ao contrato de seguro aplicam-se as Condições Gerais juntas a fls. 30 verso-47 verso. 10. Da cláusula 2ª das referidas condições consta: “Objeto e garantias do contrato-Cobertura Base O presente contrato tem por objeto a cobertura dos danos causados aos bens seguros, identificados nas Condições Particulares, pela ocorrência de qualquer ou quaisquer dos riscos constituintes da Cobertura Base: a) As indemnizações por danos diretamente causados aos bens seguros identificados nas Condições Particulares – bens móveis (conteúdo) e/ou imóveis (edifício); (…) b) As coberturas que, no seu conjunto, constituem a Cobertura Base desta apólice, são as que a seguir se enumeram: (…) 6- Furto ou Roubo; (…). 6 - Furto ou Roubo 1 - Garantindo os danos nos bens seguros em consequência de roubo ou furto qualificado (tentado, frustrado ou consumado) praticado no interior do local ou locais de risco, numa das circunstâncias abaixo mencionadas. P. Único: Desde que garantidos os bens móveis (conteúdo) fica também abrangido por esta cobertura o dinheiro que se encontre fechado em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança, até ao montante indicado nas Condições Particulares; 2 - Para efeitos de garantia deste risco entende-se por: Roubo (…) Furto Qualificado Ato intencional de subtrair coisa móvel alheia, com intenção ilegítima de apropriação, para si ou para outra pessoa, numa das seguintes circunstâncias: a) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; b) Penetrando em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (desde que a sua utilização tenha deixado vestígios materiais inequívocos ou tenha sido constatada por inquérito policial). Arrombamento (…) Escalamento (…) 4 - Consideram-se excluídos desta cobertura: a) O furto ou roubo caracterizados de formas diferentes do atrás referido; b) O desaparecimento inexplicável, as perdas ou extravio bem como subtrações de qualquer espécie ou furtos cometidos por pessoas ligadas ao segurado por laços familiares ou contrato de trabalho ou por qualquer pessoa que com ele habite; (…).” 16. A Autora declarou que no dia 05 de maio de 2014 saiu da sua habitação por volta das 9h e 15, tendo fechado a porta do apartamento à chave e referiu que quando chegou não havia sinais de estroncamento ou arrombamento.” Tudo visto, ao reconhecermos que o ajuizado contrato de seguro faz depender a cobertura dos danos decorrentes de furto, com consequente obrigação de indemnizar, por parte da Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., nomeadamente, quando verificada a introdução ilegítima na habitação, e subtração não consentida de bens da Autora/AA, enunciados na articulada Apólice de seguro, importa reconhecer a bondade do acórdão escrutinado. Ademais, não se diga, como faz a Recorrente/Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. que o valor líquido vertido no dispositivo do acórdão recorrido (€86.087,72) não tem qualquer suporte no pedido formulado pela Autora/AA, a par de que não existe prova do valor dos bens indicados e relegados para liquidação de sentença, não devendo, por isso ser considerados. Admitindo-se que a prestação devida pela seguradora, Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. está limitada aos danos decorrentes do sinistro, até ao montante do capital seguro, nos termos prescritos nos artºs. 128º e 130º n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, ou seja, obrigada a indemnizar o valor do interesse do seguro, entendido este como a parcela de valor que, com referência ao concreto contrato celebrado, tenha o risco coberto, há que ponderar e validar os danos concretos, no sentido das reais desvantagens sofridas pelo lesado, aqui Autora/AA. No caso trazido a Juízo temos como apurados os danos enunciados no item 6. Dos Factos provados, liquidados na importância de €86.087,72, mencionando-se outros danos, cujo valor ainda não foi possível liquidar, pelo que, para se apurar o montante global indemnizatório é necessário apurar também este valor, em incidente de liquidação de sentença, que acrescerá ao montante já liquidado, sem ultrapassar o montante do capital seguro, conforme decorre do Regime Jurídico do Contrato de Seguro. Assim sendo, não havendo elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o Tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já é líquida - n.º 2 do art.º 609º do Código de Processo Civil - . No caso presente não se mostra apurado o valor de alguns bens, ilicitamente subtraídos, concretamente, de vários artigos de cosmética e perfume; valor existente no interior do mealheiro; 2 pulseiras de marca …, uma completa e outra meia, em prata e ouro; e bijuterie de marca …, composta por 5 relógios, 1 pulseira, 1 par de brincos, 3 colares e 3 anéis, o que impõe, conforme o entendimento do Tribunal a quo, plasmado no acórdão recorrido, que se relegue para posterior liquidação o montante global da indemnização a atribuir à Autora/AA, sem prejuízo de, desde já, se condenar a Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA. na importância apurada (€86.087,72), acrescida de juros legais, à taxa legal, desde a data da citação. Na improcedência da argumentação esgrimida e trazida à discussão pela Recorrente/Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., nas suas doutas alegações de recurso, e na decorrência do consignado enquadramento jurídico normativo, importa concluir pela manutenção do acórdão recorrido, que não merece censura. III. DECISÃO Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA., negando-se a revista. Custas pela Recorrente/Ré/Lusitânia Companhia de Seguros, SA.. Notifique. Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Fevereiro de 2021 Oliveira Abreu (relator) Ilídio Sacarrão Martins Nuno Pinto Oliveira Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respetivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira. |