Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CONCEIÇÃO GOMES | ||
| Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO TRAFICANTE-CONSUMIDOR MEDIDA DA PENA PENA DE PRISÃO | ||
| Data do Acordão: | 02/09/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
| Sumário : | I - Da matéria factual provada, resulta que o recorrente exerceu a atividade de tráfico de cocaína e heroína durante um período de cerca de dois anos, vendendo a vários consumidores, sendo que a sua atividade era já do conhecimento de um vasto número de toxicodependentes que o procuravam com intenção de lhe adquirir tais substâncias a troco de quantias monetárias. II - Ora, uma vez que da imagem global dos factos supra descritos não resulta que o arguido vendesse os produtos estupefacientes apenas com a finalidade de financiar o seu consumo pessoal, não se mostram preenchidos os elementos que caracterizam o crime de traficante -consumidor, previsto no art. 26.º do DL n.º 15/93, de 22-01. III - As necessidades de prevenção geral do crime de tráfico de estupefacientes são muito elevadas, impostas pela frequência do mesmo e as suas nefastas consequências para a comunidade, pondo em causa uma pluralidade de bens jurídicos como a vida, a integridade física, a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes e a saúde pública. IV - No que respeita às necessidades de prevenção especial, há que destacar que a atividade de tráfico de estupefacientes do recorrente perdurou durante dois anos, transacionando heroína e cocaína, cujos efeitos perniciosos não podia desconhecer, e aproveitando-se do conhecimento que tinha de outros utentes do CAT de ..., mostrando fria indiferença perante as consequências que para aqueles advinham, a sua longa vivência no seio da toxicodependência, bem como a ausência de qualquer inserção laboral. V - Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, e em harmonia com os critérios de proporcionalidade e proibição do excesso, considerando o período temporal em que ocorreram os factos e as exigências de prevenção geral e especial mostra-se justa, necessária, adequada e proporcional, a pena de 6 anos de prisão aplicada ao arguido. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. RELATÓRIO 1.1. No Juízo Central Criminal ... – Juiz ... - foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal coletivo o arguido AA, servente de ... atualmente desempregado, nascido em .../.../1960, ... e BB, ..., filho de CC e de DD, residente na Praceta ..., ..., ..., e por acórdão de 23NOV20 foi deliberado: Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de 1 (um) crime de Tráfico de Estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-A e I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; c) Suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA pelo período de 5 (cinco) anos, sujeita a regime de prova. 1.2. Inconformados com o acórdão dele interpuseram recurso o Ministério Público e o arguido AA para o Tribunal da Relação ..., e por acórdão de 30JUN2021 foi deliberado negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e em consequência, alterar a pena aplicada ao arguido para 6 anos de prisão. 1.3. Inconformado com este acórdão dele interpôs recurso o arguido AA, que motivou concluindo nos seguintes termos: (transcrição) «27.º Não foi apreendida ao arguido mais que 1,78grs de produto estupefaciente, quantidade que daria para 3 doses, 28.º O arguido não tem bens conhecidos, 29.º Do depoimento das testemunhas retira-se apenas que, das dez pessoas a quem terá vendido, vendeu a 2 delas na praça/rotunda em frente ao CAT e á Câmara Municipal de ..., não é claro que se possa classificar este local como “imediações” tendo em conta o elemento teleológico do artigo 24.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro. 30.º Por outro lado resultam dos depoimentos que o Tribunal Recorrido relevou para condenar o arguido pelo crime de tráfico agravado, que foram as testemunhas a abordar o arguido e nunca o arguido a oferecer-lhes…. 31.º Mais, as próprias testemunhas referem que não simpatizavam com o arguido, e só o abordavam quando tinham mesmo necessidade por causa da ressaca, porque sabiam que ele era consumidor e teria produto com ele.. 32.º Parece-nos de uma injustiça atroz, colocar o arguido na cadeia seis anos, depois de passados cinco anos de ter vendido a cerca de dez pessoas, 33.º Atrozmente injusto parece-nos igualmente considerar agravado o crime de tráfico que praticou porque a duas dessas pessoas, vendeu doses diminutas de heroína ou cocaína em local que é tanto imediação do CAT como da Câmara Municipal.. 34.º É lamentável o percurso de vida do arguido, mas emendou-o, não comete crimes há pelo menos cinco anos…a manter-se a decisão do Acórdão de que se recorre, faz-se sentir ao arguido que é inútil e em vão o esforço que fez de reformar as suas condutas, e que o que fez há cinco anos é de tal modo imperdoável que não pode deixar de cumprir pena efectiva de prisão! 35.º Com o máximo respeito que é devido á veneranda Relação, não podemos concordar! Trata-se a pena aplicada no acórdão recorrido de uma franca aberração face á Justiça que é devida ao arguido atendendo á sua culpa de acordo com os critérios do artigo 70.º do CP. 36.º Na verdade, não é expectável nem verosímil, que passados 5 anos sem transgredir, e sabendo o arguido que sobre si impende uma pena de prisão suspensa na sua execução, este volte a cometer crimes … Nestes termos e nos melhores de Direito deve merecer provimento o presente Recurso e em consequência ser o arguido condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, p.e.p no artigo 26.º ou assim não se entendendo 21.º do DL15/93 do CP e nunca numa pena efectiva de prisão . 1.4. O Ministério Público junto do Tribunal “a quo” pronunciou-se pela improcedência do recurso. 1.5. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos: «Mediante acórdão proferido em 30-06-2021 pelo Tribunal da Relação ..., vem o arguido AA, condenado enquanto autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, alínea h), do DL. n º 15 / 93 de 22 de Janeiro, com referência às tabelas anexas I-A e I-B, na pena de seis (06) anos de prisão. 1. Inconformado com o julgado dele traz recurso o arguido, retirando-se das conclusões formuladas a pretensão de que, na procedência do mesmo, seja agora condenado, mas pela prática de um crime p. e p. pelo art.º 26º (traficante-consumidor), do DL n º 15 / 93, de 22.01, «ou assim não se entendendo no art.º 21.º do DL. n º15/93 do CP e nunca numa pena efectiva de prisão». 2. O MP na 2ª instância, na sua resposta não deixa de assinalar que o recorrente continua a suscitar a questão da existência do erro-vício prevenido no art.º 410º, n º 2, alínea c), do CPP, erro notório na apreciação da prova, o qual já foi objecto de decisão da Relação, jurisdição (em princípio) competente para tal apreciação. No mais, os factos já se mostram assentes, sendo o recurso para o STJ circunscrito ao reexame, exclusivo, de matéria de direito. Não deixa também de coonestar a qualificação dos factos provados nos art.º s 21º e 24º, alínea h), do DL n º 15 / 93, de 22 de janeiro, tendo por adequada a medida da pena de prisão aplicada, que é deverá continuar a ser, a seu ver, efectiva. 3. Após ter evidenciado o seu inconformismo no atinente à matéria de facto dada como provada no acórdão proferido em 23-11-2020, pelo Juízo Central Criminal ...-J...-/ Tribunal Judicial da Comarca ..., sem que a pretensão da sua modificação tenha tido qualquer êxito, como se vê da leitura do acórdão recorrido,[1] o recorrente, pese embora estar-se perante um recurso de revista , permite-se, voltar a colocar em causa, de resto patentemente, a matéria de facto assente, para tal revisitando a prova produzida, dando-lhe a non domino uma valoração alternativa conforme ás suas pretensões recursivas. Tudo em nome da reposição da uma alegada justiça posta em causa, pelo que com insuperável elegância de estilo, e pese embora «o máximo respeito devido à veneranda Relação» vem apodado «de uma franca aberração» epíteto referente à pena de 6 anos de prisão, aplicada no acórdão recorrido. O recorrente, por outro lado, extrai ilações da sua leitura da matéria de facto com que tenta alicerçar a sua pretensão de demostrar que a correcta subsunção jurídico-criminal dos factos provada se encontra no tipo legal, privilegiado do art.º 26º do DL 15/ 93, de 22 de janeiro. Para tanto, reduz o tráfico de estupefacientes praticado, à apreensão de quatro pacotes de heroína, com o peso líquido de 1, 597g, fazendo tábua rasa da prova do tráfico de cocaína e heroína num período de cerca de dois anos -2014-2016-. A redução dos factos assentes, passa também por ignorar que são dadas como provadas numerosas vendas junto ao portão do centro de tratamento de toxicodependentes, bem como nas noutros locais das suas imediações. De resto, flui dos factos assentes, que muitos dos consumidores a quem o recorrente vendeu as duas substâncias, eram como ele, toxicodependentes, que conheceu em tal centro, circunstância que não o coibiu, de assim reiteradamente, proceder. Parece também, que o recorrente não tem em conta, que o tipo legal que invoca, exige para a sua perfectibilização, que os réditos do tráfico, sejam unicamente despendidos na compra de estupefacientes para consumo próprio, o que, ostensivamente, não resulta da matéria de facto assente. Não restam dúvidas, que a conduta do arguido preenche o tipo legal dos artigos 21º e 24º, alínea h), Tabelas I-A e I-B,) do DL n º 15/ 93, de 22 de janeiro- tráfico agravado-, cuja moldura penal abstracta, vai de cinco anos a quinze anos de prisão. De resto, o facto do tipo legal preenchido, relevar de uma ilicitude exponenciada, em função in casu da venda de cocaína e heroína, entre outros locais de ... junto do portão das instalações de serviço de tratamento de consumidores de droga local-CAT- bem como nas imediações deste-cf. 16º; 20º; 28ºdo motivação de facto, aproveitando o próprio a sua condição de utente, e o conhecimento doutros toxicodependentes que frequentavam tal serviço, para além da perfectibilização do tipo legal, acentua, por essa condição, o grau de ilicitude de tal conduta-cf. 31º, motivação de facto. Anote-se que o tribunal colectivo na motivação de direito, consignou: “Em face da factualidade assente, no caso em apreço este juízo de censura acrescida pode seguramente fazer-se pois que temos a intenção de disseminação de produto estupefaciente junto ao portão do CAT de .... Na verdade, o arguido AA, aproveitando-se da fragilidade dos consumidores que se encontravam em tratamento, que se dirigiam ao CAT de ... para fazerem a toma da Metadona, e porque estes se encontravam muitas vezes a ressacar, vendia-lhes heroína ou cocaína, sendo que as vendas ocorriam junto ao portão do CAT, ou seja, nas imediações deste centro de tratamento. Note-se que algumas das testemunhas inquiridas que confirmaram que o arguido AA lhes vendeu heroína à porta do CAT, sendo que estas testemunhas, igualmente confirmaram que viram o arguido AA a vender heroína ou cocaína a outros consumidores que ali se encontravam à porta do CAT para ir fazer o tratamento. Na verdade, o facto de o arguido AA chegar um pouco antes ao CAT (da hora marcada para os tratamentos) e aproveitar o momento da espera, antes da toma da Metadona, quando as pessoas estavam a ressacar para lhes vender heroína e cocaína, demonstra uma censurabilidade deveras acrescida. De referir que o arguido AA procedeu a algumas vendas de heroína e cocaína junto do CAT de ..., quando nem sequer se encontrava a consumir produtos estupefacientes, pois não olvida o Tribunal que segundo informação do CRI do ... (facto provado em 34.), datada de 5 de Maio de 2016, o arguido AA já em Fevereiro de 2016 se encontrava a frequentar o Programa de Redução de Danos e Minimização de Riscos, fazendo toma diária de Metadona, com a dose diária de 70 mg (e por isso se tinha de deslocar ao CAT de ...), sendo que nessa data (Fevereiro de 2016) efectuou a última análise de controlo toxicológico e estava negativo a heroína e cocaína. Ou seja, pelo menos desde data anterior a Fevereiro de 2016 até Maio de 2016 o arguido estava abstinente do consumo de substâncias estupefacientes, pelo que algumas das vendas que efectuou ao portão do CAT a consumidores, o fez quando já nem sequer ele próprio consumia, porquanto agrava consideravelmente a ilicitude da sua conduta.” Aliás, diga-se, por mera hipótese teórica, que nem se vê como se possa congeminar uma diversa incriminação, ainda que fora do tipo privilegiado do traficante consumidor, porquanto uma conduta não pode ser qualificada, para efeitos de tipicidade, como qualificada e ao mesmo tempo privilegiada.[2] O recorrente, contudo, passa à margem de todas estas nucleares questões, conquanto a sua pretensão de que seja alterada a qualificação jurídica dos factos, como vimos supra, surge alicerçada, «numa mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma» para citar o título da obra de Irene Lisboa. Ou talvez, pior, em amplas transcrições da prova testemunhal…. No mais, só se pode recensear alguns elementos pessoais, colhidos do relatório social. Quanto á medida da pena, das conclusões retira-se que o arguido dissente do seu quantum – em primeiro lugar porque diz discordar da qualificação dos factos, como vimos- mas nada aduz para evidenciar o porquê do alegado desacerto. a não ser que os factos já remontam a 2016, o que convenhamos é muito pouco. Mostra-se também, ostensivamente, violado o art.º 412º, n º 2, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Penal. Ainda assim, dir-se-á, sumariamente, que no período de cerca de dois anos em que o recorrente traficou heroína e cocaína, cujos efeitos perniciosos conhecia, necessariamente, aproveitando-se do conhecimento que tinha doutros utentes do CAT de ..., actuou com dolo persistente, mostrou fria indiferença perante as consequências para aqueles advinham, bem como a sua longa vivência no seio da toxicodependência e bem assim a ausência de qualquer inserção laboral, permitem considerar que a pena que se mostra aplicada resulta de uma correcta ponderação dos factores relevantes para a sua determinação, sendo, ao demais, de assinalar, para além das consabidas necessidades de prevenção geral positiva, as fortes exigências de prevenção especial de socialização que, se verificam. Somos assim de parecer, que o recurso deve ser julgado improcedente. 1.6. Foi cumprido o art. 417º, do CPP. 1.7. Com dispensa de Vistos legais, e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência. *** 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos: Da Acusação: 1 - AA, conhecido pelas alcunhas “Zé”, “AA” e “...”, desempregado, nascido em .../.../1960, ocupa casas devolutas e as instalações da Fonsecas, e dava como morada para notificação o CAT de ..., não trabalha e como fonte de rendimento apenas recebia o RSI no valor de 189,99€. 2 - Para fazer face às despesas da vida quotidiana, pelo menos a partir do ano de 2014, o arguido AA, passou a dedicar-se à comercialização a terceiros consumidores de produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína em troca de quantias pecuniárias. 3 - O arguido AA no exercício da actividade ilícita era utilizador do telemóvel da rede ... com o número ...01. 4 - Fazia uso do mesmo para entrar em contacto com os seus fornecedores e para ser contactado pelos compradores, consumidores de tais substâncias, a qualquer hora do dia ou da noite. 5 - O arguido AA procedia à venda de heroína e cocaína na residência situada na Rua ..., ..., ..., C, ..., e ainda noutros pontos da cidade ..., nomeadamente, em vários locais no centro da cidade ..., como no mercado, no ..., junto aos CTT e junto às ... da ..., no ..., como infra ficará mencionado, onde se encontrava com os compradores consumidores, conforme previamente combinado com estes, a quem entregava o produto estupefaciente e recebia destes o preço respectivo. 6 - Para adquirir os produtos estupefacientes em causa, heroína e cocaína regularmente, o arguido AA deslocava-se a ..., ao Bairro ..., onde tinha contactos com fornecedores deste tipo de produtos para aí comprar a terceiros, cujas identidades não se lograram apurar. 7 - Após transportava o produto estupefaciente para a cidade ..., onde revendia, por um preço superior à sua aquisição, a pessoas que o contactavam pessoalmente com esse objectivo. 8 - Pelo menos duas vezes por semana, o arguido AA deslocava-se a ..., sozinho no autocarro ou acompanhado à boleia de terceiros consumidores, com o intuito de adquirir produtos estupefacientes - heroína e cocaína. 9 - Para o efeito, o arguido deslocava-se em veículos automóveis de terceiros, a quem pedia para o levarem aos respectivos locais e voltar a .... Como retribuição pela colaboração prestada, o arguido entregava ao condutor produto estupefaciente para seu consumo - um pacote de heroína pelo valor de 10€, o que este aceitava e tinha conhecimento do destino e objectivo da viagem que efectuava. 10 - No dia 26 de Abril de 2016, pelas 17h12m, o arguido AA e o arguido EE chegaram às instalações da Fonsecas, sitas no ..., no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-NG, conduzido pelo arguido EE, que estacionou na Rua ..., paralela à linha férrea. 11 - Após, os arguidos AA e EE entraram nas instalações e dirigiram-se ao .... Aí, o arguido AA sentou-se e do interior do bolso da camisa retirou um pequeno pacote de heroína que consumiu. 12 - No dia 4 de Maio de 2016, pelas 14h40m, nas ... de abastecimento de combustível da ..., da Auto-Estrada ..., sentido ..., em ..., no parque de cargas e descargas, os elementos da PSP FF e GG abordaram o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de cor ..., de matrícula IN LC .... conduzido por HH, onde seguia o arguido AA, sentado no lugar do pendura. 13 - Aí, efectuada uma revista ao arguido AA, os agentes da PSP encontraram na posse do arguido, no interior do bolso da camisa que trajava, 3 pacotes de produto estupefaciente heroína e ainda junto da consola interior do veículo, local onde o mesmo havia depositado, 1 pacote de produto estupefaciente heroína, os quais apreenderam, com o peso bruto de 1,78gr, a que corresponde o peso líquido de 1,597 gr, com um grau de pureza de 20,9% (THC), correspondente a três doses diárias. 14 - No Largo ..., em ..., o arguido AA convidou o HH para se deslocar a ... e dar-lhe boleia com o intuito de adquirir produto estupefaciente e, em troca, entregar-lhe-ia produto para consumir - um pacote de heroína no valor de 10€, o que este aceitou. Pelas 13 horas, o arguido AA e HH saíram de ... e dirigiram-se ao .... Aí, AA saiu do veículo, dirigiu-se a um prédio e adquiriu produto estupefaciente heroína. 15 - Na posse do arguido AA foi ainda encontrado e apreendido o telemóvel de marca ..., de cor ..., com o ... ...93 com o cartão da ... ...01. 16 - No período compreendido entre o ano de 2014 e o ano de 2016, o arguido AA, por diversas vezes dirigiu-se às imediações do CAT de ..., nomeadamente junto ao portão, onde procedeu à venda de heroína e cocaína a diversos consumidores que aí se deslocavam em tratamento, o que sucedeu, nomeadamente, com HH, II e JJ, como infra ficará mencionado. 17 - Desde o ano de 2015 até ao ano de 2016, pelo menos por três vezes, junto ao portão do CAT de ..., o arguido AA vendeu a HH pacotes de € 10,00, € 20,00 ou € 50,00 de heroína. 18 - O arguido AA igualmente ofereceu a KK uma prata de cocaína no valor de 10€, e após este trocou a mesma por heroína. 19 - No ano de 2014, pelo menos por duas vezes, o arguido AA vendeu a II pacotes de cocaína no valor de 10 € e por uma vez vendeu um pacote de cocaína no valor € 20,00. 20 - Em data não concretamente apurada do ano de 2014, uma única vez, junto ao CAT de ..., o arguido AA vendeu a II, um pacote de heroína, em valor não concretamente apurado. 21 - Entre o ano de 2014 e o ano 2016, por 2 vezes, nas ... da ..., no ..., o arguido AA vendeu a LL pacotes de 10€ e 20€ de heroína. 22 – Entre o ano de 2014 e o ano de 2016, uma vez por semana, o arguido AA vendeu a MM, junto às ... da ..., no ..., no ... ou na Rua ..., ..., ..., C, ..., pacotes de heroína no valor de € 10,00 ou € 20,00. 23 – Desde o ano de 2015 até ao ano de 2016, uma vez por dia, na Rua ..., ..., ..., C, ..., ... o arguido AA entregou a NN pacotes de heroína no valor de 10 € para pagamento de serviços sexuais. 24 - Entre os anos de 2015 e 2016, durante cerca de um ano, o arguido AA vendeu a OO, diariamente, um pacote de heroína a € 20,00. 25 - No ano de 2016, no Largo ..., em ..., PP adquiriu ao arguido AA um pacote de heroína pelo valor de 10 €, entregando-lhe o valor respectivo. 26 – Pelo menos no ano de 2014, dia sim dia não, durante o dia, o arguido AA vendeu a QQ dois pacotes de heroína pelo preço de € 10,00 cada, sendo que pelo menos três vezes por semana o arguido AA também vendia a QQ ao final do dia mais um pacote de heroína pelo preço de € 10,00. 27 – Entre o ano de 2014 e o ano de 2015, uma vez que 15 em 15 dias, durante cerca de pelo menos 5 meses, o arguido AA vendeu a RR um pacote de heroína pelo preço de € 20,00. 28 - Entre os anos de 2014 e 2016, pelo menos durante 4 meses, uma vez por dia, o arguido AA vendeu a JJ, junto ao CAT, no mercado ou na Rua ..., ..., ..., C, ..., um pacote de heroína pelo valor de 10€, recebendo em troca a quantia monetária. 29 - Entre os anos de 2014 e 2015, o arguido AA vendeu a SS por quatro vezes, pacotes de heroína pelo valor de 10€ e 20€, recebendo em troca a quantia monetária. 30 - Entre o ano de 2014 e final do ano de 2015, diariamente, pelo menos durante 4 meses, o arguido AA vendeu a TT pacotes de heroína pelo preço de 10€ ou 20€, procedendo à entrega do produto estupefaciente no ... ou em ..., no Bairro ... ou na Rua ..., ..., ..., C, .... 31 - O arguido AA vinha agindo deste modo, de forma reiterada e habitual, tanto assim que a actividade era já do conhecimento de um vasto número de toxicodependentes que o procuravam com intenção de lhe adquirir tais substâncias – heroína e cocaína a troco de quantias monetárias, o que conseguiu fazer ao longo daquele supra-mencionado período de tempo. 32 - Mais sabia o arguido AA que a detenção, venda e cedência de tais substâncias estupefacientes era proibida e punida por lei, o que quis fazer e conseguiu. 33 - Agiu o arguido AA de forma livre e voluntária, consciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mais se provou que: 34 – Segundo informação do CRI do ..., datada de 5 de maio de 2016, o arguido AA já em fevereiro de 2016 se encontrava a frequentar o Programa de Redução de Danos e Minimização de Riscos, fazendo toma diária de Metadona, com a dose diária de 70 mg, sendo que nessa data (fevereiro de 2016) efetuou a última análise de controlo toxicológico e estava negativo a heroína e cocaína. 35 – O arguido AA é acompanhado no CRI do ... desde dezembro de 2005, sendo que atualmente se encontra integrado em programa de substituição opiácea, medicado em conformidade, e tem cumprido com o seu plano de tratamento, encontrando-se abstinente do uso e abuso de substâncias psicoactivas. - Provou-se ainda que: Dos antecedentes criminais dos arguidos: 36 - O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado: a) Por sentença do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ..., datada de 05.04.2016, o arguido foi condenado pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário p.p. pelo artigo 347.º, n.º 2 do CP, praticado em .../.../2015, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo. 37. (…) - Das condições socioeconómicas e pessoais do arguido AA: 38 - O arguido AA é um dos três filhos de um casal de baixa condição social, o pai vendedor em feiras e mercados e a mãe doméstica. 39 - Segundo o arguido, a infância e adolescência decorreram junto destes familiares, num quadro de relativa suficiência económica e num ambiente que recorda como afetivo. 40 - Pouco motivado para as atividades letivas, registou duas retenções durante a frequência escolar, que descontinuou aos dezasseis anos de idade com apenas o oitavo ano de escolaridade. 41 - Aos vinte e um anos de idade iniciou uma relação conjugal, de que resultou o nascimento de um filho, descontinuada seis anos mais tarde por desentendimentos do casal. 42 - Retornou ao agregado de origem, tendo o filho ficado entregue aos cuidados do ex-cônjuge. 43 - Após o abandono escolar, coadjuvou o pai na atividade de venda em feiras e mercados durante alguns anos. 44 - Com trinta e nove anos começou a exercer atividade operária na área da construção civil, mantida durante cerca de seis anos até à falência da empresa para a qual trabalhava. 45 - Desde então, tem permanecido numa situação de desemprego e dependência de prestações sociais e dos pais para satisfação de necessidades básicas. 46 - Iniciara, entretanto, o consumo de cannabis, com evolução para heroína a partir dos trinta anos, por alegada influência de um irmão, já falecido, e de pares com idêntica prática. 47 - Em 2007, num quadro de dependência aditiva e motivado pelos pais, recorreu aos serviços de apoio a toxicodependentes em ..., mantendo-se integrado, desde essa data, num programa de substituição de opiáceos. 48 - Na sequência do falecimento dos pais com quem coabitava, AA ficou sem suporte familiar a partir de 2012. 49 - Numa fase inicial residiu com um dos co-arguidos no presente processo - UU, situação descontinuada devido a alegados problemas de saúde mental deste arguido. 50 - Passou então a viver em casas devolutas na cidade ..., em condições de precaridade habitacional, situação subsistente à data do envolvimento no presente processo. 51 - À data dos factos pelos quais está acusado, o arguido integrava um programa de substituição opiácea por metadona, assegurado pela Equipa de Tratamento de ..., situação que se mantém, com cumprimento dos requisitos desse programa. 52 - Após uma fase de precaridade habitacional, passou a residir há cerca de dois anos num quarto alugado, na cidade ..., onde ainda permanece. 53 - Familiarmente isolado, não tem contacto com o único irmão ainda vivo, atribuindo tal situação ao distanciamento desse familiar devido à problemática aditiva do arguido. 54 - Desempregado de longa duração e sem uma ocupação estruturada do tempo livre, a sua empregabilidade está condicionada por problemas de saúde de natureza ortopédica, evidenciando dificuldades de locomoção. 55 - Está inscrito para cirurgia nesta especialidade médica, a realizar no Centro Hospitalar .... 56 - Apresenta uma situação económica carenciada, dependendo de rendimento social de inserção no valor de 189 euros mensais, complementado com apoio alimentar disponibilizado pela Cantina Social da Santa Casa da Misericórdia de ..., para satisfação de necessidades básicas. 57 - As suas despesas estão circunscritas à renda do quarto onde reside (100 euros mensais). 58 - O arguido manifesta uma atitude resignada face a presente situação jurídico-processual e de expectativa em relação a consequências penais que dela venham a decorrer. 59 - Da sua atual situação jurídico-processual não mencionou impactos negativos dessa situação, conhecida dos proprietários da habitação onde reside sem que tal tenha suscitado, até à data, reações adversas em relação ao arguido. *** 3. O DIREITO 3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com as seguintes questões: - O enquadramento jurídico-penal - A dosimetria da pena.
3.1.1. Analisando a primeira questão suscitada pelo recorrente - o enquadramento jurídico-penal. Insurge-se o recorrente contra o enquadramento jurídico-penal a que se procedeu no acórdão recorrido, alegando que deve ser condenado pelo tráfico de menor gravidade p. e p pelo art. 25º al a) do D.L 15/93 de 22JAN em vez do crime de tráfico p. e p pelo art. 21º do referido diploma, porquanto «Não foi apreendida ao arguido mais que 1,78grs de produto estupefaciente, quantidade que daria para 3 doses, O arguido não tem bens conhecidos». Acrescenta ainda que do depoimento das testemunhas retira-se apenas que, das dez pessoas a quem terá vendido, vendeu a 2 delas na praça/rotunda em frente ao CAT e á Câmara Municipal de ..., não é claro que se possa classificar este local como “imediações” tendo em conta o elemento teleológico do artigo 24.º do DL 15/93 de 22 de janeiro. Sobre o depoimento das testemunhas não pode este Supremo Tribunal conhecer dessa matéria na medida em que se trata de valoração da prova feita pelas instâncias, cujo conhecimento está vedado a este Supremo Tribunal, uma vez que conhece apenas de direito, como impõe o art. 434º, do CPP que define os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, consagrando que «Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito».
O art 21º, nº1 do D.L nº 15/93 de 22JAN consagra que “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artº 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”. Este preceito constitui o crime matricial do crime de tráfico de estupefacientes, onde cabem, o verdadeiro tráfico, grande e médio, permitindo distinguir entre os casos «graves» (art. 21.°), os muito graves (art. 24.º) e os pouco graves (art. 25.º) [3] Com efeito, conforme se afirma no AC do STJ de 17ABR08, processo nº 08P571, Relator Henriques Gaspar,[4] «O artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93 contém, pois, a descrição fundamental - o tipo essencial - relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efetivamente determine: a lei faz recuar a proteção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta. A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade (a potencialidade) do perigo (um perigo que é abstracto-concreto) para os bens jurídicos protegidos. De contrário, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afetação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas. Por isso, a fragmentação por escala dos crimes de tráfico (mais fragmentação dos tipos de ilicitude do que da factualidade típica, que permanece no essencial), respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador: a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei no 15/93), para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º) e para os traficantes-consumidores (artigo 26º) (Cfr.. v. g., LOURENÇO MARTINS, “Droga e Direito”, ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre vários, o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na “Colectânea de Jurisprudência”, ano IX, tomo I, pág. 234)». O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo, já que o legislador não exige para a respetiva consumação, a efetiva lesão dos bens jurídicos tutelados. Trata-se de um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de caráter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública. Por outro lado, é um crime de perigo abstrato, porque não pressupõe nem dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da ação para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos.[5] Por outro lado, tem vindo a entender a jurisprudência e a doutrina, nesta linha de argumentação, que o crime de tráfico de estupefacientes é um “crime exaurido”, “crime de empreendimento" ou "crime excutido",[6] que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único ato conducente ao resultado previsto no tipo. Isto quer dizer que o "primeiro passo" dado pelo agente na senda do "iter criminis" já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor.
O art. 26º do DL nº 15/93 de 22JAN, sob a epígrafe “Traficante Consumidor” dispõe: «1 - Quando, pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21.º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV. 2 - A tentativa é punível. 3 - Não é aplicável o disposto no n.º 1 quando o agente detiver plantas, substâncias ou preparações em quantidade que exceda a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias.
O AC do STJ de 27JUL2006, processo nº 06P2815, Relator Santos Carvalho[7], afirma que I- Tal como não basta para configurar o tipo privilegiado do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente, para que não exista, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável. II - O crime do art. 26.º exige que o agente, ao praticar qualquer dos factos indicados no art. 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal; em consonância com a lei, o STJ, em unanimidade de jurisprudência, não considera preenchido este tipo legal quando se prove que o agente com o dinheiro obtido com a venda da droga visava essencialmente, mas não exclusivamente, financiar o seu próprio consumo.
E, conforme se refere no AC do STJ de 07JUN2017, processo nº 15/16.7GTABF.E1.S1, Relator Maia Costa, I - Como a epígrafe sugere, o tipo legal do art. 26.º do DL 15/93, de 22-1, destina-se a abranger as situações em que o agente trafica estupefacientes com a intenção de financiar o consumo pessoal. O agente do crime é necessariamente um dependente do consumo de estupefacientes e essa dependência, limitando a sua capacidade de autodeterminação, atenua a culpa; ou seja, o fundamento do privilegiamento do crime relativamente ao tipo fundamental do art. 21.º reside na mitigação da culpa. II - Contudo, a previsão típica é muito restrita, pois há duas cláusulas fortemente limitativas: é necessário que aquela finalidade seja exclusiva; e ainda que a quantidade de estupefacientes detida pelo agente não seja superior a cinco doses diárias individuais. III - Esta dupla limitação estreita significativamente a previsão típica, tornando a incriminação de alcance muito restrito, como o comprovam as estatísticas criminais. IV - Sendo clara e inequívoca essa intenção restritiva do legislador, que obviamente há que respeitar (sendo certo que estamos num domínio legislativo em evolução e em que Portugal tem assumido algum protagonismo inovador a nível internacional), em todo o caso é incontestável que a letra do preceito exige alguma flexibilidade interpretativa para responder às situações que a realidade, sempre mais complexa do que a pressuposta pelos textos legislativos, impõe à consideração do julgador, que é afinal sobre quem recai o ónus de “concretizar” a lei, de a afeiçoar aos casos da vida. V - Esta flexibilidade deve incidir especialmente no elemento “finalidade exclusiva”, que deverá atender tanto quanto possível à realidade criminológica da figura do traficante-consumidor, geralmente em situação social e financeira extremamente precária, muitas vezes próxima da sobrevivência, assumindo o tráfico então uma função de satisfação não só do “vício”, como também das necessidades básicas. Nessas situações extremas não se deve excluir a subsunção ao art. 26.º só porque em bom rigor nem todos os proventos do tráfico são afetados ao financiamento do consumo. VI - E também a quantidade de droga estipulada no preceito deverá funcionar sobretudo em termos indiciários de um tráfico diminuto, que não como quantitativo rígido e inflexível. VII - Aliás, há que considerar parcialmente derrogado o n.º 3 do art. 26.º pelo art. 2.º da Lei 30/2000, de 29-11, e assim ampliada a quantidade de estupefaciente nele prevista para 10 doses diárias. VIII - É esta sumariamente a caracterização do crime de traficante-consumidor previsto no art. 26.º, do DL 15/93». No caso resulta da matéria de facto provada, que o arguido exerceu a atividade de tráfico de cocaína e heroína num período de cerca de dois anos -2014-2016, a vários consumidores, sendo que a sua atividade era já do conhecimento de um vasto número de toxicodependentes que o procuravam com intenção de lhe adquirir tais substâncias – heroína e cocaína a troco de quantias monetárias, o que conseguiu fazer ao longo daquele supramencionado período de tempo. Na imagem global dos factos supra descritos que o arguido destinava apenas os produtos estupefacientes apenas para com a finalidade de financiar o seu consumo pessoal, pelo que não se mostram preenchidos os elementos que caracterizam o crime de traficante-consumidor, previsto no art. 26º, do Código Penal. Aliás, como salienta o Tribunal Coletivo, «o arguido AA procedeu a algumas vendas de heroína e cocaína junto do CAT de ..., quando nem sequer se encontrava a consumir produtos estupefacientes, pois não olvida o Tribunal que segundo informação do CRI do ... (facto provado em 34.), datada de 5 de Maio de 2016, o arguido AA já em Fevereiro de 2016 se encontrava a frequentar o Programa de Redução de Danos e Minimização de Riscos, fazendo toma diária de Metadona, com a dose diária de 70 mg (e por isso se tinha de deslocar ao CAT de ...), sendo que nessa data (Fevereiro de 2016) efetuou a última análise de controlo toxicológico e estava negativo a heroína e cocaína. Ou seja, pelo menos desde data anterior a fevereiro de 2016 até Maio de 2016 o arguido estava abstinente do consumo de substâncias estupefacientes, pelo que algumas das vendas que efetuou ao portão do CAT a consumidores, o fez quando já nem sequer ele próprio consumia, porquanto agrava consideravelmente a ilicitude da sua conduta.” Aliás, diga-se, por mera hipótese teórica, que nem se vê como se possa congeminar uma diversa incriminação, ainda que fora do tipo privilegiado do traficante consumidor, porquanto uma conduta não pode ser qualificada, para efeitos de tipicidade, como qualificada e ao mesmo tempo privilegiada.[8] Do exposto se conclui que se mostram preenchidos o elementos objetivos e subjetivos do tipo de crime de tráfico de estupefacientes tal como se encontra definido no art. 21º, do DL nº 15/93, de 22JAN: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
Por seu turno o art. 24º, alínea h), consagra que: «As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: «A infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de ação social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de atividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações». A propósito desta alínea o AC do STJ, de 19 de maio de 2021, processo nº 888/19.1JAPDL.S1, Relator Nuno Gonçalves, defende o seguinte: «O agravamento do tráfico cometido no EP, visa especificamente conferir proteção reforçada a um grupo determinado de pessoas, foi estabelecida precisamente para proteger a saúde e a reinserção social da população prisional, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, portanto alvo fácil da oferta, aquisição, guarda e consumo de estupefacientes e num ambiente fechado, onde, pela apertada vigilância exercida, os valores ou as vantagens dos traficantes facilmente se exponenciam. Acresce que a prisão é sempre uma estação de trânsito, onde se deve refletir e preparar o reingresso na vivência livre, responsável e socialmente útil para a comunidade das mulheres e homens fiéis ao direito. Plano de reinserção social que não pode tolerar com consumos de estupefacientes. Consequentemente, o tráfico de drogas em estabelecimento prisional porque confere gravidade acrescida ao ilícito e acentua o desvalor da ação tem de punir-se no âmbito de moldura penal mais severa. Este Supremo Tribunal tem sido frequentemente convocado a resolver as duas questões suscitadas pela recorrente: - a do não funcionamento automático da agravação, pela verificação daquele facto (tráfico em EP); - se a verificação de uma circunstância agravante do crime obsta a que a ilicitude possa ter-se por consideravelmente diminuída. Quanto à primeira impõe-se salientar que o legislador, na tipificação do art.º 24º do DL n.º 15/92 de 22 de janeiro, utilizou um proémio e uma fórmula sem qualquer cláusula geral. Nem tão-pouco se socorreu da expressão utilizada no direito convencional que transpôs para o regime interno. Simplesmente e secamente agrava a moldura penal do crime de tráfico tipificado no art.º 21º, quando no caso se verifique um dos factos que, taxativamente, enuncia. Sem que tenha exposto as razões, utilizou técnica diferente para tipificar o tráfico de menor gravidade. Ademais da cláusula geral – consideravelmente diminuição da ilicitude -, socorreu-se também da prática dos exemplos padrão. Técnica legislativa não muito diferente da adotada no Cód. Penal e em alguma legislação penal extravagante. Naquele e nestas serviu-se indistintamente das duas práticas. Com a particularidade de em algum caso ter estabelecido expressamente que a atenuação especial opera na moldura do tipo agravado – cfr. art.º 294º n.º 3. Alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal tem interpretado que os factos tipificados no art. 24º do DL n.º 15/93 tornam, de per si, imediatamente, a ilicitude do tráfico especialmente grave. Foi esse o entendimento adotado no acórdão recorrido. Também assim se entende, ainda que se admitam situações excecionalmente raras que tornem excessivamente insuportável, do ponto de vista da justa medida, a aplicação da moldura penal agravada, como adiante se justifica. Por ora, adianta-se que compreendemos com dificuldade a interpretação que afirma não operarem automaticamente os factos catalogados no art. 24º. Com grande respeito, não é essa, manifestamente, a adjetivação apropriada. Os factos – de factos realmente se trata - ou se provam ou não se provam. Uma vez julgados provados têm as consequências jurídicas legalmente firmadas. Não pode o tribunal ignora-los ou deixar de considerar os efeitos jurídicos que a lei lhes prescreve, desde logo e sobretudo porque não está investido no poder de derrogar a lei, mas também pelo perigo real de a justiça penal se desligar do facto e se transformar na perigosa justiça do agente. Aquela interpretação pressupõe uma cláusula geral implícita na norma do art.º 24º. Entende que embora não escrita na letra da lei, a agravação ali estabelecida, só ocorre quando a ilicitude do tráfico assumir gravidade acrescida em relação ao tipo base. Não ignorando os factos provados que agravam a punição, entende que, em determinadas situações, podem não alcançar densidade suficiente para provocar o efeito agravante que o legislador estabeleceu. Na variante mais extremada, com alguns seguidores, afasta-se qualquer efeito jurídico ao facto agravante da ilicitude, acabando, num “duplo salto”, a desqualificar o crime de tráfico. Por outras palavras, em patente contradição dos termos - como se exprime o acórdão recorrido -, entende que o facto agravante seria absolutamente irrelevante, a tal ponto que não impede que a ilicitude do tráfico agravado assim cometido possa, de qualificado pelo facto exasperante, transmutar-se em consideravelmente diminuída. Entendemos que a interpretação mencionada em último lugar é manifestamente contrária ao espirito do legislador e às regras da melhor hermenêutica jurídica conforme, aliás, bem demonstra a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Julgando recurso em processo no qual o arguido vinha condenado por um crime de tráfico de menor gravidade, o Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 11.04.2002, sustentando: “4 - Quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime-tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos, privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. 5 - Mas para tanto deve partir-se do tipo mais grave, para aferir da sua verificação, só devendo ser convocado novamente o tipo simples ou o tipo privilegiado em caso de resposta negativa. Os tipos legais protegem bens jurídicos, pelo que se uma conduta concreta preencher vários tipos legais que defendem o mesmo bem jurídico, como é o caso, se deve eleger o tipo que melhor o protege, o mesmo é dizer o tipo agravado ou qualificado. 6 - Mesmo a entender-se que as circunstâncias das alíneas do art. 24.º não são automáticas, gerando inevitavelmente o efeito agravativo especial, impõe-se a consideração de que uma circunstância como a da al. h) do art. 24.º do DL n.º 15/93 (no caso, tráfico em estabelecimento prisional), com forte pendor objectivo e ligada à ilicitude, impede a que, no caso de ser afastada se declare consideravelmente diminuída a mesma ilicitude”[4], julgando procedente recurso do Ministério Público, revogou a decisão recorrida, alterando a qualificação jurídica para o crime de tráfico agravado. No Ac. de 13.09.2018, versando sobre situação em que o recorrente, recluso, levava consigo canabis no regresso ao EP, foi condenado por tráfico agravado, confirmou-se a qualificação jurídica, sustentando que, da leitura do art. 24º alª h) do DL n.º 15/93, “resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta”. “No caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa a agravação dos factos derivará (,,,) da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos”. Por isso, “a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º”. Entendeu-se que “a situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito”. Alinhado na interpretação que rejeita a automaticidade da agravação, recusa a variante extrema, expendendo: “difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos”[5]. Admitindo-se que o tráfico de muito baixa importância ou dimensão no qual concorre um facto agravante, possa, muito excecionalmente e no limite, não ser punido no âmbito da moldura agravada, entende-se não poder, de modo nenhum, ser desqualificado e punido como tráfico de menor gravidade. Este Supremo Tribunal – e coletivo – tem vindo a sustentar que a verificação de uma circunstância qualificativa obsta ao privilegiamento do crime fundado na considerável diminuição da ilicitude. Como evidencia a jurisprudência citada e o acórdão recorrido seguiu, seria um intolerável absurdo que o tribunal, não somente desconsiderasse completamente um facto que o legislador tipificou como indicador da gravidade considerável da ilicitude de um crime agravado, como seria um patente desrespeito da vontade e do espirito do legislador, expressamente plasmado na letra da lei, que o tribunal pudesse substituir ao critério daquele, a sua “vara de medir” o grau de gravidade da ilicitude dos factos, mesmo por cima da verificação, em cada caso, de circunstâncias agravantes tipificadas. Assim sucederia no caso dos autos se prosperasse a pretensão da recorrente de ser punido por tráfico de menor gravidade». Da matéria de facto provada na parte que aqui releva consta o seguinte: 2 - Para fazer face às despesas da vida quotidiana, pelo menos a partir do ano de 2014, o arguido AA, passou a dedicar-se à comercialização a terceiros consumidores de produtos estupefacientes, designadamente heroína e cocaína em troca de quantias pecuniárias. 3 - O arguido AA no exercício da actividade ilícita era utilizador do telemóvel da rede ... com o número ...01. 4 - Fazia uso do mesmo para entrar em contacto com os seus fornecedores e para ser contactado pelos compradores, consumidores de tais substâncias, a qualquer hora do dia ou da noite. 5 - O arguido AA procedia à venda de heroína e cocaína na residência situada na Rua ..., ..., ..., C, ..., e ainda noutros pontos da cidade ..., nomeadamente, em vários locais no centro da cidade ..., como no mercado, no ..., junto aos CTT e junto às ... da ..., no ..., como infra ficará mencionado, onde se encontrava com os compradores consumidores, conforme previamente combinado com estes, a quem entregava o produto estupefaciente e recebia destes o preço respetivo. 6 - Para adquirir os produtos estupefacientes em causa, heroína e cocaína regularmente, o arguido AA deslocava-se a ..., ao Bairro ..., onde tinha contactos com fornecedores deste tipo de produtos para aí comprar a terceiros, cujas identidades não se lograram apurar. 7 - Após transportava o produto estupefaciente para a cidade ..., onde revendia, por um preço superior à sua aquisição, a pessoas que o contactavam pessoalmente com esse objetivo. 8 - Pelo menos duas vezes por semana, o arguido AA deslocava-se a ..., sozinho no autocarro ou acompanhado à boleia de terceiros consumidores, com o intuito de adquirir produtos estupefacientes - heroína e cocaína. 9 - Para o efeito, o arguido deslocava-se em veículos automóveis de terceiros, a quem pedia para o levarem aos respetivos locais e voltar a .... Como retribuição pela colaboração prestada, o arguido entregava ao condutor produto estupefaciente para seu consumo - um pacote de heroína pelo valor de 10€, o que este aceitava e tinha conhecimento do destino e objectivo da viagem que efetuava. 10 - No dia 26 de abril de 2016, pelas 17h12m, o arguido AA e o arguido EE chegaram às instalações da Fonsecas, sitas no ..., no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-..-NG, conduzido pelo arguido EE, que estacionou na Rua ..., paralela à linha férrea. 11 - Após, os arguidos AA e EE entraram nas instalações e dirigiram-se ao .... Aí, o arguido AA sentou-se e do interior do bolso da camisa retirou um pequeno pacote de heroína que consumiu. 12 - No dia 4 de maio de 2016, pelas 14h40m, nas ... de abastecimento de combustível da ..., da Auto-Estrada ..., sentido ..., em ..., no parque de cargas e descargas, os elementos da PSP FF e GG abordaram o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de marca ..., modelo ..., de cor ..., de matrícula IN LC .... conduzido por HH, onde seguia o arguido AA, sentado no lugar do pendura. 13 - Aí, efetuada uma revista ao arguido AA, os agentes da PSP encontraram na posse do arguido, no interior do bolso da camisa que trajava, 3 pacotes de produto estupefaciente heroína e ainda junto da consola interior do veículo, local onde o mesmo havia depositado, 1 pacote de produto estupefaciente heroína, os quais apreenderam, com o peso bruto de 1,78gr, a que corresponde o peso líquido de 1,597 gr, com um grau de pureza de 20,9% (THC), correspondente a três doses diárias. 14 - No Largo ..., em ..., o arguido AA convidou o HH para se deslocar a ... e dar-lhe boleia com o intuito de adquirir produto estupefaciente e, em troca, entregar-lhe-ia produto para consumir - um pacote de heroína no valor de 10€, o que este aceitou. Pelas 13 horas, o arguido AA e HH saíram de ... e dirigiram-se ao .... Aí, AA saiu do veículo, dirigiu-se a um prédio e adquiriu produto estupefaciente heroína. 15 - Na posse do arguido AA foi ainda encontrado e apreendido o telemóvel de marca ..., de cor ..., com o ... ...93 com o cartão da ... ...01. 16 - No período compreendido entre o ano de 2014 e o ano de 2016, o arguido AA, por diversas vezes dirigiu-se às imediações do CAT de ..., nomeadamente junto ao portão, onde procedeu à venda de heroína e cocaína a diversos consumidores que aí se deslocavam em tratamento, o que sucedeu, nomeadamente, com HH, II e JJ, como infra ficará mencionado. 17 - Desde o ano de 2015 até ao ano de 2016, pelo menos por três vezes, junto ao portão do CAT de ..., o arguido AA vendeu a HH pacotes de € 10,00, € 20,00 ou € 50,00 de heroína. 18 - O arguido AA igualmente ofereceu a KK uma prata de cocaína no valor de 10€, e após este trocou a mesma por heroína. 19 - No ano de 2014, pelo menos por duas vezes, o arguido AA vendeu a II pacotes de cocaína no valor de 10 € e por uma vez vendeu um pacote de cocaína no valor € 20,00. 20 - Em data não concretamente apurada do ano de 2014, uma única vez, junto ao CAT de ..., o arguido AA vendeu a II, um pacote de heroína, em valor não concretamente apurado. 21 - Entre o ano de 2014 e o ano 2016, por 2 vezes, nas ... da ..., no ..., o arguido AA vendeu a LL pacotes de 10€ e 20€ de heroína. 22 – Entre o ano de 2014 e o ano de 2016, uma vez por semana, o arguido AA vendeu a MM, junto às ... da ..., no ..., no ... ou na Rua ..., ..., ..., C, ..., pacotes de heroína no valor de € 10,00 ou € 20,00. 23 – Desde o ano de 2015 até ao ano de 2016, uma vez por dia, na Rua ..., ..., ..., C, ..., ... o arguido AA entregou a NN pacotes de heroína no valor de 10 € para pagamento de serviços sexuais. 24 - Entre os anos de 2015 e 2016, durante cerca de um ano, o arguido AA vendeu a OO, diariamente, um pacote de heroína a € 20,00. 25 - No ano de 2016, no Largo ..., em ..., PP adquiriu ao arguido AA um pacote de heroína pelo valor de 10 €, entregando-lhe o valor respetivo. 26 – Pelo menos no ano de 2014, dia sim dia não, durante o dia, o arguido AA vendeu a QQ dois pacotes de heroína pelo preço de € 10,00 cada, sendo que pelo menos três vezes por semana o arguido AA também vendia a QQ ao final do dia mais um pacote de heroína pelo preço de € 10,00. 27 – Entre o ano de 2014 e o ano de 2015, uma vez que 15 em 15 dias, durante cerca de pelo menos 5 meses, o arguido AA vendeu a RR um pacote de heroína pelo preço de € 20,00. 28 - Entre os anos de 2014 e 2016, pelo menos durante 4 meses, uma vez por dia, o arguido AA vendeu a JJ, junto ao CAT, no mercado ou na Rua ..., ..., ..., C, ..., um pacote de heroína pelo valor de 10€, recebendo em troca a quantia monetária. 29 - Entre os anos de 2014 e 2015, o arguido AA vendeu a SS por quatro vezes, pacotes de heroína pelo valor de 10€ e 20€, recebendo em troca a quantia monetária. 30 - Entre o ano de 2014 e final do ano de 2015, diariamente, pelo menos durante 4 meses, o arguido AA vendeu a TT pacotes de heroína pelo preço de 10€ ou 20€, procedendo à entrega do produto estupefaciente no ... ou em ..., no Bairro ... ou na Rua ..., ..., ..., C, .... 31 - O arguido AA vinha agindo deste modo, de forma reiterada e habitual, tanto assim que a atividade era já do conhecimento de um vasto número de toxicodependentes que o procuravam com intenção de lhe adquirir tais substâncias – heroína e cocaína a troco de quantias monetárias, o que conseguiu fazer ao longo daquele supramencionado período de tempo. 32 - Mais sabia o arguido AA que a detenção, venda e cedência de tais substâncias estupefacientes era proibida e punida por lei, o que quis fazer e conseguiu. 33 - Agiu o arguido AA de forma livre e voluntária, consciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei. Considerando a matéria de facto provada, não há dúvida que a conduta do arguido integra a agravante prevista na alínea h), do art. 24º, da Lei nº 15/93. Aliás, o Tribunal Coletivo fundamentou a conduta do arguido como integrando a agravante prevista na alínea h), do art. 24º, da Lei nº 15/93, nos seguintes termos: (…) «De referir que o arguido AA procedeu a algumas vendas de heroína e cocaína junto do CAT de ..., quando nem sequer se encontrava a consumir produtos estupefacientes, pois não olvida o Tribunal que segundo informação do CRI do ... (facto provado em 34.), datada de 5 de maio de 2016, o arguido AA já em Fevereiro de 2016 se encontrava a frequentar o Programa de Redução de Danos e Minimização de Riscos, fazendo toma diária de Metadona, com a dose diária de 70 mg (e por isso se tinha de deslocar ao CAT de ...), sendo que nessa data (Fevereiro de 2016) efectuou a última análise de controlo toxicológico e estava negativo a heroína e cocaína. Ou seja, pelo menos desde data anterior a Fevereiro de 2016 até Maio de 2016 o arguido estava abstinente do consumo de substâncias estupefacientes, pelo que algumas das vendas que efectuou ao portão do CAT a consumidores, o fez quando já nem sequer ele próprio consumia, porquanto agrava consideravelmente a ilicitude da sua conduta. Veja-se que o arguido AA, quando ele próprio já nem sequer consumia, aproveitava-se da fragilidade daqueles consumidores que estão em tratamento, e a ressacar antes da toma da metadona, para lhes vender produto estupefaciente, sabendo que desse modo, o tratamento daqueles nunca iria surtir efeito, o que é de uma censura extrema. Por outro lado, nas instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga visa-se o tratamento dos indivíduos/consumidores que ali se se deslocam, sendo que o arguido, ao entregar produto estupefaciente a essas pessoas que ali se deslocam para fazer o seu tratamento, atenta, de forma grave, contra a cura e o sucesso do tratamento desses consumidores, que dificilmente ultrapassarão a sua dependência de substâncias estupefacientes». Neste sentido, improcede nesta parte o recurso.
3.2. A dosimetria penal. 3.2.1. No acórdão recorrido foi o arguido condenado como autor material, de 1 (um) crime de Tráfico de Estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-A e I-B anexa ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão. O Tribunal da Relação ... fundamentou a pena aplicada ao arguido, na parte que aqui releva, nos seguintes termos: Repare-se que a actividade criminosa do arguido se desenvolveu durante 2 anos, sendo o produto traficado cocaína e heroína, precisamente as drogas consideradas “pesadas” e mais nocivas. O arguido despendeu bastante energia criminosa tendo vendido produto estupefaciente a vários consumidores, pelo menos 10, de forma regular. É certo que o mesmo é toxicodependente mas nem mesmo estando em tratamento se coibiu de vender droga a outros toxicodependentes quando estes, estando de ressaca, se sentiam mais vulneráveis. O comportamento do arguido é altamente censurável, sendo as exigências de prevenção especial elevadas, para não falar nas de prevenção geral que neste tipo de crime requerem medidas fortes. Por outro lado, ainda que não se visse necessidade de se aumentar a pena em concreto, mantendo-se os 5 anos de prisão, nunca esta pena poderia ser suspensa na sua execução porquanto não é possível efectuar uma prognose favorável atento o facto do arguido ser toxicodependente que revela incapacidade de aderir a tratamento de forma eficaz, ser desempregado de longa duração até com problemas de saúde que impedem a sua marcha de forma normal, estando completamente desinserido socio-familiarmente. No caso em apreço, dada a duração da prática dos factos, a elevada energia criminosa despendida, o tipo de droga vendida e o facto do arguido não revelar qualquer tipo de auto-censura, sendo que se remeteu ao silêncio no julgamento, direito que lhe assiste, mas que também revela falta de arrependimento e auto-crítica, afigura-se-nos que a pena deve ser aumentada para os 6 anos de prisão conforme pretendido pelo MºPº, devendo, assim, o recurso por si interposto proceder. A aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, nº 1, do CP). A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e 40º, nº 2, do CP), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal). E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial. A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente. Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[9], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais». E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...). A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena». No que se refere à proteção de bens jurídicos, que constitui uma das finalidades das penas (art. 40º, nº1, do CP), o bem jurídico protegido assume particular relevância, porquanto no crime de tráfico de estupefacientes o bem jurídico protegido é a saúde pública. Por isso, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas, impostas pela frequência deste crimes e das suas nefastas consequências para a comunidade. Como supra se referiu trata-se de um crime de perigo abstrato e pluriofensivo que põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos como a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes, afetando a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos, protegendo, uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública. As exigências de prevenção especial – são muito elevadas, considerando que o arguido nascido a .../.../1960, conta 61 anos, e à data dos factos 2014-2016 – contava 56 anos, apesar de no seu CRC constar apenas uma condenação pela prática de um crime de resistência e coação sobre funcionário p.p. pelo artigo 347.º, n.º 2 do CP, praticado em .../.../2015, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, por sentença do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ..., datada de 05.04.2016, no entanto a sua atividade de tráfico perdurou durante dois anos, transacionando heroína e cocaína, cujos efeitos perniciosos não podia desconhecer e aproveitando-se do conhecimento que tinha doutros utentes do CAT de ..., mostrou fria indiferença perante as consequências para aqueles advinham, bem como a sua longa vivência no seio da toxicodependência e bem assim a ausência de qualquer inserção laboral. Considerando os critérios norteadores a que aludem os arts. 71º, nºs 1 e 2, e 40º, nº 1 e 2, do Código Penal, ponderando as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra o arguido temos: - o grau de ilicitude dos factos, é elevado, atendendo ao período temporal em que o arguido exerceu a atividade de tráfico, de 2014 a 2016; a natureza dos produtos estupefacientes transaccionados – heroína e cocaína – que pertencem ao grupo das denominadas drogas duras, atendendo à sua danosidade para a saúde A intensidade do dolo – na sua forma mais elevada de dolo direto e intenso. A culpa do arguido, enquanto reflexo da ilicitude, ou seja, como censura por o arguido ter atuado como descrito, é elevada - tendo em atenção a conduta concreta do arguido que ficou descrita na factualidade apurada, não podia desconhecer a gravidade das consequências do ato por si praticado, considerando que o tráfico de estupefacientes constitui um flagelo da sociedade, com consequências muito nefastas para a saúde pública. Relativamente ao seu percurso de vida e às condições pessoais do arguido, à sua conduta anterior e posterior consta da matéria de facto: 34 – Segundo informação do CRI do ..., datada de 5 de maio de 2016, o arguido AA já em Fevereiro de 2016 se encontrava a frequentar o Programa de Redução de Danos e Minimização de Riscos, fazendo toma diária de Metadona, com a dose diária de 70 mg, sendo que nessa data (Fevereiro de 2016) efectuou a última análise de controlo toxicológico e estava negativo a heroína e cocaína. 35 – O arguido AA é acompanhado no CRI do ... desde Dezembro de 2005, sendo que actualmente se encontra integrado em programa de substituição opiácea, medicado em conformidade, e tem cumprido com o seu plano de tratamento, encontrando-se abstinente do uso e abuso de substâncias psicoactivas. 36 - O arguido AA tem antecedentes criminais, tendo sido já condenado: a) Por sentença do Juízo Local de Pequena Criminalidade ..., Juiz ..., datada de 05.04.2016, o arguido foi condenado pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p.p. pelo artigo 347.º, n.º 2 do CP, praticado em .../.../2015, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo. Das condições socioeconómicas e pessoais do arguido AA: 38 - O arguido AA é um dos três filhos de um casal de baixa condição social, o pai vendedor em feiras e mercados e a mãe doméstica. 39 - Segundo o arguido, a infância e adolescência decorreram junto destes familiares, num quadro de relativa suficiência económica e num ambiente que recorda como afetivo. 40 - Pouco motivado para as atividades letivas, registou duas retenções durante a frequência escolar, que descontinuou aos dezasseis anos de idade com apenas o oitavo ano de escolaridade. 41 - Aos vinte e um anos de idade iniciou uma relação conjugal, de que resultou o nascimento de um filho, descontinuada seis anos mais tarde por desentendimentos do casal. 42 - Retornou ao agregado de origem, tendo o filho ficado entregue aos cuidados do ex-cônjuge. 43 - Após o abandono escolar, coadjuvou o pai na atividade de venda em feiras e mercados durante alguns anos. 44 - Com trinta e nove anos começou a exercer atividade operária na área da construção civil, mantida durante cerca de seis anos até à falência da empresa para a qual trabalhava. 45 - Desde então, tem permanecido numa situação de desemprego e dependência de prestações sociais e dos pais para satisfação de necessidades básicas. 46 - Iniciara, entretanto, o consumo de cannabis, com evolução para heroína a partir dos trinta anos, por alegada influência de um irmão, já falecido, e de pares com idêntica prática. 47 - Em 2007, num quadro de dependência aditiva e motivado pelos pais, recorreu aos serviços de apoio a toxicodependentes em ..., mantendo-se integrado, desde essa data, num programa de substituição de opiáceos. 48 - Na sequência do falecimento dos pais com quem coabitava, AA ficou sem suporte familiar a partir de 2012. 49 - Numa fase inicial residiu com um dos coarguidos no presente processo - UU, situação descontinuada devido a alegados problemas de saúde mental deste arguido. 50 - Passou então a viver em casas devolutas na cidade ..., em condições de precaridade habitacional, situação subsistente à data do envolvimento no presente processo. 51 - À data dos factos pelos quais está acusado, o arguido integrava um programa de substituição opiácea por metadona, assegurado pela Equipa de Tratamento de ..., situação que se mantém, com cumprimento dos requisitos desse programa. 52 - Após uma fase de precaridade habitacional, passou a residir há cerca de dois anos num quarto alugado, na cidade ..., onde ainda permanece. 53 - Familiarmente isolado, não tem contacto com o único irmão ainda vivo, atribuindo tal situação ao distanciamento desse familiar devido à problemática aditiva do arguido. 54 - Desempregado de longa duração e sem uma ocupação estruturada do tempo livre, a sua empregabilidade está condicionada por problemas de saúde de natureza ortopédica, evidenciando dificuldades de locomoção. 55 - Está inscrito para cirurgia nesta especialidade médica, a realizar no Centro Hospitalar .... 56 - Apresenta uma situação económica carenciada, dependendo de rendimento social de inserção no valor de 189 euros mensais, complementado com apoio alimentar disponibilizado pela Cantina Social da Santa Casa da Misericórdia de ..., para satisfação de necessidades básicas. 57 - As suas despesas estão circunscritas à renda do quarto onde reside (100 euros mensais). 58 - O arguido manifesta uma atitude resignada face a presente situação jurídico-processual e de expectativa em relação a consequências penais que dela venham a decorrer. 59 - Da sua atual situação jurídico-processual não mencionou impactos negativos dessa situação, conhecida dos proprietários da habitação onde reside sem que tal tenha suscitado, até à data, reações adversas em relação ao arguido. Na determinação da medida da pena o modelo mais equilibrado é aquele que comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração positiva das normas e valores) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos, dentro do que é consentido pela culpa, e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente[10]. Por outro lado, um dos princípios fundamentais rege a aplicação das penas tal como é definida pelo art. 40º, do Código Penal, é o princípio da proporcionalidade «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade». O AC do STJ de 20FEV19, processo nº 5/16.0GABJA.E1.S1, Relator Nuno Gonçalves [11] a propósito do princípio da proporcionalidade refere o seguinte: «O princípio da proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República – art. 18º n.º 2. “O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.[12] Princípios que têm essencialmente uma dimensão objectiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais. O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados. Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstractamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional. É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição». Assim sendo, considerando que a medida da concreta da pena, assenta na «moldura de prevenção», «cujo limite máximo é constituído pelo ponto ideal da proteção dos bens jurídicos e o limite mínimo aquele que ainda é compatível com essa mesma proteção, que a pena não pode, contudo, exceder a medida da culpa, e que dentro da moldura da prevenção geral são as necessidades de prevenção especial que determinam o quantum da pena a aplicar», dentro da moldura penal abstrata prevista para o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p., pelos arts. 21º, e 24º, al. h), do DL 15/93, de 22JAN, ponderando todas as circunstâncias acima referidas, e em harmonia com os critérios de proporcionalidade e proibição do excesso, considerando o período temporal em que ocorreram os factos, as exigências de prevenção geral e especial - mostra-se justa, necessária, adequada e proporcional, a pena de 6 (seis) anos de prisão aplicada ao arguido. Pelo exposto, mostra-se prejudicado conhecimento da questão sobre a aplicação da suspensão da execução da pena, uma vez que a pena aplicada é superior a 5 anos de prisão, (artº 50.º, n.º 1, do CP). Neste sentido improcede na totalidade o recurso. *** 4. DECISÃO. Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso do arguido AA. Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s. Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP). *** Lisboa, 09 de fevereiro de 2022 Maria da Conceição Simão Gomes (relatora) Nuno Gonçalves _______ [1] Seja pela via da revista alargada seja da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. [2] Questão de resto, já tratada em vários arestos do STJ. |