Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7782/10.0TDPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
DANOS FUTUROS
DANOS PATRIMONIAIS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES.
RESPONSABILIDADE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREIRO PENAL - INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p. 501.
- Vaz Serra, in Revista de legislação e jurisprudência, 113.º-96.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 3, 562.º, 563.º, 564.º, 566.º, N.ºS 1, 2 E 3, 569.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.ºS 1, AL. B), 2 E 3.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 129.º.
LEI Nº 52/2008, DE 28-08-2008: - ARTIGO 31.º.
LEI Nº 62/2013, DE 26 DE AGOSTO: - ARTIGO 44.º.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26-5: - ANEXO III.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-C.J. 1986, 2º, 233
-DE 19-04-1991, IN A.J. 18º, 6
-DE 26-05-1993, IN COL. STJ, TOMO II, PÁG.130
-DE 16-12-1993, CJSTJ 1993, TOMO 3, PÁG. 181
-DE 11-09-1994, COL. JUR. ACS DO S.T.J. ANO II TOMO III -1994, P. 92
-DE 29-11-2001, PROC. N. 3434/01; DE 08-05-2003, PROC. N. 4520/02; DE 17-06-2004, PROC. N.ºS 2364/04 E DE 24-11-2005, PROC. N.º 2831/05, TODOS DA 5.ª SECÇÃO.
-DE 17-06-2004, PROC. N.º 2364/04, E DE 3-7-2008, PROC.N.º 1228/08, AMBOS DA 5ª SECÇÃO
-DE 07-12-2006, PROC. N.º 3053/06 - 5.ª SECÇÃO
-DE 22-11-2007, PROC. N.º 3037/07 - 2.A SECÇÃO
-DE 18-12-2007,
-DE 15-05-2008, (SECÇÃO CÍVEL)
-DE 29-04-2008, PROC. N.º 651/08 – 6.ª SECÇÃO
-DE 05-11-2008, IN PROC. N.º 3266/08 - 3ª SECÇÃO
-DE 19-02-2009, PROC. N.º 253/09 - 7.A SECÇÃO
-DE 07-10-2010, PROC. N.º 370/04.1TBVGS.C1.S1 - 2.ª SECÇÃO
-DE 13-04-2011, PROC. N.º. 2247/03.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª SECÇÃO
-DE 15-09-2011, PROC. N.º 1728/05.4TBBNV.L1.S1 - 7.ª SECÇÃO
-DE 06-12-2011, PROC. N.º 7L5/03.7TBLSD.P1.S1 - 1.ª SECÇÃO
-DE 24-04-2012, PROC. N.º 1496/04.7TBMAI.P1.S1 - 1.ª SECÇÃO
(DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT)
Sumário :
I  - Tendo em conta as lesões advindas para a recorrente na sequência de acidente de viação, sua natureza, características e localização, sequelas, internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, dores, incómodos notórios, sendo que a demandante, em consequência directa e necessária da conduta da arguida, correu risco de vida, e durante alguns meses, movimentou-se em cadeira de rodas, voltou-lhe a incontinência, passando a usar fralda, e deixou de tripular viaturas a motor na via publica, necessitando de ajuda parcial de 3ª pessoa (de complemento) para as tarefas domésticas (cozinha, tarefas de limpeza, e tratamento de roupa), conclui-se equitativamente que deve fixar-se a indemnização por danos morais em € 70 000 (em substituição dos € 125 000 fixados na decisão recorrida).

II - Quanto à indemnização pelo dano patrimonial futuro, há a considerar que a demandante nasceu em 01-06-57, e era ela quem, antes do acidente, realizava as tarefas domésticas em casa, organizava a vida familiar, cozinhando, limpando e passando a ferro, e geria o orçamento doméstico, o que deixou de acontecer. A demandante fez cursos de medicina tradicional chinesa, podendo desenvolver, pelo menos como auxiliar a função de terapeuta, mas à data dos factos estava desempregada.

III - Pode ainda, eventualmente, obter rendimentos de outra proveniência, que diminuem a gravidade do dano, e que há que ter em conta que quem trabalha também consome, havendo despesas permanentes (ex. as da alimentação) que mesmo sem trabalho sempre teriam de ser feitas, e que quem trabalha também se desgasta, reflectindo-se naturalmente na produtividade, a expectativa da duração de vida da recorrente, até ao limite da idade da reforma, sem prejuízo da contingência da vida, e do emprego, e tendo em conta o valor do salário mínimo actual, e a incapacidade verificada, revela-se adequada, em termos equitativos e de forma actualizada, fixar-se a indemnização, pela perda de capacidade de ganho, no montante de € 70 000 (em substituição dos € 139 650 fixados na decisão recorrida).

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

 -

Como consta do relatório do acórdão recorrido, da 2ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

“No processo comum singular nº 7782/1 O.OTDPRT, do 2° Juízo Criminal dos Juízos Criminais do Porto, em que é demandada civil AA - Companhia de Seguros, S.A., com os demais sinais dos autos, foi proferida sentença, datada de 16 de maio de 2013 e depositada no mesmo dia, com o seguinte dispositivo, no que à parte cível respeita:

"d) Julgo parcialmente procedente por provado os pedidos cíveis deduzidos contra a demandada AA Companhia de Seguros S A nova denominação da Companhia de Seguros AA, SA a quem condeno a pagar

dI) A BB, a titulo de danos não patrimoniais (ofensas a integridade física e psíquica -dano biológico- e danos não patrimoniais complementares) valor de I25.000€ ( cento e vinte e cinco mil) euros.

d2) A BB, a titulo de danos patrimoniais, por perdas salariais e danos patrimoniais futuros, 46.660E ( quarenta e três mil seiscentos e sessenta) aos quais se imputa por já ter sido pago o valor de 13.660€ remanescendo o valor a pagar de 30.000E ( trinta mil euro).

d3) A BB, a titulo de danos patrimoniais futuros por apoio complementar de terceira pessoa, o valor de 139.650€, tendo-se levado em consideração valor já suportado.

A soma dos valores a pagar a BB Perfaz, contemplados e, d1) d2) e d3 perfaz o total de 294.650€ ao qual acresce o juros à taxa legal, desde a data da sentença, ate efetivo pagamento.

d5) A CC, a titulo de danos não patrimoniais (ofensas a integridade física e psíquica -dano biológico- e danos não patrimoniais complementares) valor de 5.000€ (cinco mil) euros.

d6) A CC, a titulo de danos patrimoniais futuros, 701 €.

A soma dos valores a pagar a CC, contemplados e, d4) d5) perfaz o total de 5.701 € ( cinco mil setecentos e um) euro, ao qual acresce o juros à taxa legal, desde a data da data da notificação do pedido cível até efetivo pagamento.

Absolvendo AA Companhia de Seguros S A nova denominação da Companhia de Seguros AA, S A do remanescente dos pedidos.

Custas da parte cível na proporção do decaimento."


*


Inconformada, a demandante AA - Companhia de Seguros, S.A., interpôs recurso, com a motivação de fls. 782 a 792, que remata com as pertinentes conclusões, nas quais, e em síntese, sustenta serem exagerados os montantes indemnizatórios atribuídos à demandante BB pelos danos não patrimoniais e pelos dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa.

No cálculo da indemnização pelos danos morais, alerta que se deve ter sempre como referência máxima o valor habitualmente arbitrado pela jurisprudência em casos de morte, que é o bem mais valioso, bem como a realidade económico-social do país.

No que respeita ao cálculo da indemnização pelo dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa, alega que sendo essa ajuda a tempo parcial, não mais de duas ou três horas por dia, o respetivo encargo mensal a considerar será o equivalente a cerca de metade do salário mínimo nacional, associado ao tempo provável de vida da demandante.

Conclui que as indemnizações fixadas devem ser reduzidas para 40.000 € (quarenta mil euros) pelos danos não patrimoniais e 55.000 € (cinquenta e cinco mil euros) pelo dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa. “


Por douto acórdão de 6 de Novembro de 2013, as Senhora Juízas do Tribunal da Relação do Porto, proferiram a seguinte DECISÃO:

“Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar o recurso parcialmente procedente, reduzindo para 60.000 € (sessenta mil euros) o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais da demandante BB e para 55.000 € (cinquenta e cinco mil euros) o montante da indemnização pelo dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa, também atribuído à mesma demandante.

Em tudo o demais se mantendo a sentença recorrida.

Pelo decaimento parcial, vai a recorrente condenada em custas, fixando-se em 3 (três) De a taxa de justiça.”

-

Inconformada, vem a demandante cível, BB, recorrer para este Supremo, formulando na motivação do recurso, as seguintes conclusões:

I. O tribunal recorrido errou ao ter alterado a sentença da primeira instância, isto é, ao ter reduzido a indemnização a título de danos não patrimoniais dos € 125,000,00 para € 60.000,00 e a indemnização a título a título de danos patrimoniais futuros por apoio complementar de terceira dos € 139,650/00 para e 55.000,00;

DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS

II. Decidir através de critérios de equidade significa decidir com base em circunstâncias concretas, caso a caso, atendendo às características próprias ela situação e não com base em qualquer quadro, tabela ou folha de Excel.

III. Dos factos provados destaca-se, em especial, que:

- A Demandante sofreu:

•. Ferida corto contusa-temporal direita;

•  Traumatismo craniano com perda de consciência;

-  Fractura do tornozelo esquerdo;

.. Fractura da clavícula direita.

  Esteve 9 dias em coma;

Realizou diversas intervenções cirúrgicas (craniectomia, tornozelo esquerdo, cranioplastia fronto-temporo-parietal esquerdo, etc.);

 Andou de cadeira de rodas;

Frequentou fisioterapia;

- Perdeu a memória e sofreu alterações cognitivas:

- Frequenta consultas de psicologia;

- O período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total

foi fixado num período total de 872 dias.

- O "Quantum Doloris foi fixado no grau 5/7 (escala crescente);

- Deixou de ser autónoma, necessitando de ajuda de 3ª pessoa;

 Passou a conviver menos com família e amigos;

- Passou a usar fralda (incontinência};

 CORREU PERIGO DE VIDA

IV. Considerando os factos provados e que a indemnização por danos não patrimoniais compreende os danos relativos a ofensas à integridade física, os danos relativos à integridade psíquica - dano biológico - e os danos não patrimoniais complementares, a atribuída indemnização de € 60.000,00 não é equitativa;

V.A indemnização equitativa, a título de danos não patrimoniais sofridos pela Demandante, é de € 125.000,00;

VI. Ao não ter decidido dessa forma, violou o acórdão recorrido os artigos 496º e 4.94º do Código Civil,

DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS POR APOIO COMPLEMENTAR DE TERCEIRA PESSOA

VII. Está assente que a Demandante necessita, durante o restante período da sua vida, de:

aj} { …} . Ajuda parcial de- 3ª pessoa (de complemento) para as tarefas domésticas {cozinha, tarefas de limpeza, e tratamento de roupa) .

VIII. É pacífico na jurisprudência que os danos futuros previsíveis [564º/2 CC] têm de ser contabilizados com base na esperança média de vida e não com. base na idade previsível da vida activa {principalmente aqueles que dizem respeito a ajuda de terceira pessoa}.

IX. A esperança média de vida da Demandante (82 anos para a mulher em Portugal) é que viva mais 27 anos;

X. Considerando que:

- A ajuda de terceira pessoa se destina a confecionar o pequeno-almoço, almoço e jantar (incluindo fazer as compras de ingredientes) e proceder ao tratamento da roupa e limpeza da habitação;

 - a Demandante também se alimenta (para além da limpeza e tratamento de roupa) ao fim de semana, nos feriados, dias santos e nas férias da empregada;

- o salário anual é de 14 meses (subsídio de Natal e Férias);

- a trabalhadora tem direito a um mês de férias;

- a trabalhadora não trabalha aos fins-de-semana, nos dias: feriados e dias santos;

a esperança média de vida da Demandante é de 82 anos, o que equivale a 27 anos suplementares de vida;

o valer equitativo para suportar esse dano patrimonial futuro é aquele que o tribunal da primeira instância atribuiu ou seja, € 139.550,00.

XI. A quantia de € 55.000,00, fixada pelo Tribunal da Relação, a titulo de dano patrimonial futuro, não é equitativa, pelo que violou os artigos 564º e 566º do Código Civil.

Nestes termos, e nos demais de direito que V. Ex.as, mui douta e sabiamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a decisão, no sentido das conclusões,

Decidindo assim, V. Ex.as, farão, como sempre,

Justiça

-

            Admitido o recurso, cumpriu-se o determinado no artº 413º nº 1 do CPP.

-


Neste Supremo, aquando da vista dos autos, o Exmo Magistrado do MºPº pronunciou-se nos termos ali constantes.


-

Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.


-

Consta do acórdão recorrido:


“1. Questões a decidir

Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, as questões a decidir são as seguintes:

A) Quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais, atribuída à demandante BB, que entende dever ser reduzida.

B) Quantum da indemnização pelo dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa, atribuída à demandante BB, que entende dever igualmente ser minorada.


2. Factos Provados

Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados, constantes da sentença recorrida:

“Da discussão da causa resultou provado que:

a) No dia 29 de Novembro de 2009, cerca das 11h, a arguida, conduzia o veículo ligeiro misto, da marca Seat, modelo Ibiza, com a matrícula …-…-LR, na Rua da …, nesta cidade e comarca do Porto.

b) A referida via tem um único sentido de trânsito - sentido norte/sul e, uma faixa de rodagem ladeada, no seu lado direito atento o sentido de marcha para o trânsito automóvel, por passeio.

c) O piso é em asfalto tem a largura de 5 metros e apresentava-se em bom estado de conservação, permitindo a circulação de mais de um veículo.

d) O tempo estava de chuva fraca.

e) O limite máximo de velocidade permitida para aquele local é de 50Km/h, e a arguida tinha visibilidade até, pelo menos, a distância de 50m à sua frente.

f) No referido dia e hora, os ofendidos BB e CC, encontravam-se no exterior do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Toyota, modelo AB1, com a matrícula …-CR-….

g) O referido veículo CR encontrava-se junto ao passeio do lado direito, no entroncamento entre a referida Rua da … e a Rua … / … e, imediatamente a seguir a uma passagem assinalada no pavimento para a travessia de peões existente nesta última rua, também do lado direito e, onde, momentos antes, a ofendida BB o havia parado para efectuar a troca de um pneu, do lado direito.

h) Ao descrever uma curva para a sua esquerda, atento o sentido de marcha em que seguia e, dada a velocidade não concretamente apurada que imprimia ao LR mas não adequada ao traçado da via e ao piso molhado, a arguida, perdeu o controlo sobre aquele veículo e, despistou-se, indo embater de forma violenta com a frente do seu veículo, na parte lateral esquerda do veículo CR.

i) Fazendo com que este fosse projectado em direcção aos ofendidos BB e CC.

j) Vindo depois, o LR a imobilizar-se, junto ao entroncamento onde o CR se encontrava parado, com a sua frente direccionada em sentido contrário ao sentido de trânsito na referida rua.

k) Em consequência do forte embate, sofreram os ofendidos as seguintes lesões:

- BB:

-crânio: cicatriz de tipo cirúrgico com 27cm de comprimento, curva de concavidade anterior, na região frontal, temporal e parietal à esquerda;

-membro superior direito: ligeira dismorfia do ombro; sem dor e sem limitação da mobilidade do ombro; diminuição da força muscular do membro grau 4+/5; hiperreflexia osteotendinosa;

-membro inferior direito: diminuição da força muscular do membro grau 4+/5; hiperreflexia osteotendinosa e reflexo cutâneo plantar em extensão;

 -membro inferior esquerdo: cicatriz de tipo cirúrgico com 4cm de comprimento e 2cm de largura, vertical, no terço superior da face anterior da perna; cicatriz de tipo cirúrgico com 7cm de comprimento e 2cm de largura, de maior eixo paralelo ao eixo do membro na face interna do tornozelo; cicatriz tipo cirúrgico com 11 cm de comprimento e 2cm de largura, de maior eixo paralelo ao eixo do membro na face externa do tornozelo; perímetro da perna: 33cm (33cm à direita, medida a 19cm do pólo superior da rótula); ligeira tumefacção do tornozelo; dor nos arcos finais dos movimentos com ligeira limitação da amplitude da flexão dorsal e da inversão.

l) Lesões estas que provocaram à ofendida, além de perigo para a vida, doença por um período de 562 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional e, que afectam de forma grave a capacidade de trabalho geral de profissional, mas que não desfiguram de forma grave.

-CC:

-membro inferior direito: cicatriz com 4 por cm no terço superior da face anterior da perna; cicatriz com 2 por 1 cm e cicatriz com 1 cm de diâmetro no dorso do pé sobre o 1 ° metatarsiano; perímetro da perna: 40cm ( 40cm à esquerda, medida 20 cm do pólo superior da rótula);

m) Lesões estas que provocaram ao ofendido doença por um período de 178 dias, com afectação da capacidade de trabalho geral, mas que não desfiguram de forma grave nem afectam, de forma grave, a capacidade de trabalho.

n) Ao contrário do que bem sabia ser obrigada, a arguida conduzia de modo descuidado e imprevidentemente, sem qualquer consideração pelos demais utentes da via, circulando desatenta à condução que fazia, pois não adequava a velocidade ao traçado da via e ao estado do piso, daí o embate, que não teria ocorrido se a arguida tivesse adoptado as mencionadas cautelas, adequando a velocidade ao traçado da via e estado da via, sendo certo que tinha capacidade de prever – o que não previu - que a sua conduta naquelas circunstâncias poderia originar - como originou - os resultados descritos, nomeadamente, o perigo para a vida e as lesões nos ofendidos e supra melhor descritas.

o) A arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada enquanto condutora de um veículo automóvel na via pública, violando regras de trânsito pois não adequou a velocidade às características do local -uma curva, e principalmente, ao piso molhado, com manifesta falta de consideração pelas normais legais que regem a circulação automóvel e, ao dirigir o veículo do modo e nas condições descritas, não agiu com a diligência e cautela que lhe era exigível e que estava ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.

p) A arguida sabia que a sua conduta era proibida e penalmente punível.

Do Pedido Cível:

q) A demandada seguradora agora denominada, por alteração da respetiva denominação, AA Companhia de Seguros, S A e que ao tempo se denominava Companhia de Seguros AA, S A, por contrato titulado pela apólice nº … assumiu a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas a terceiros em consequência dos danos que lhes fossem causados pelo veículo …-…-LR, nos termos da referida apólice.

r) O acordo identificado em q) estava em vigor no dia 29.11.09, tendo a seguradora aceite a responsabilidade, tendo procedido à reparação parcial dos danos., indicados infra.

s) A Demandante BB, após o embate, foi transportada em ambulância para a urgência do Hospital de S. João (Porto); e como consequência directa, necessária e imediata, a Demandante sofreu inúmeras dores e lesões corporais, nomeadamente: - Ferida corto contusa temporal direita; - Traumatismo craniano com perda de consciência; - Fractura do tornozelo esquerdo; - Fractura da clavícula direita.

t) A TAC realizada no Hospital de S. João revelou: hematoma subdural agudo fronto-temporo-parietal esquerdo com apagamento de sulcos, desvio das estruturas medianas e edema cerebral difuso, pelo que a BB foi submetida a uma craniectomia descompressiva e drenagem do HSD (hematoma subdural) para o que foi sedada (vulgarmente denominado "coma induzido");

u) A demandante BB ao ser internada em 29.11.09, foi sedada, sedação que foi suspensa ao 9º dia do internamento e enquanto aquela se manteve a BB foi alimentada artificialmente tendo sido as demais funções mantidas medicamente.

v) Também foi sujeita a intervenção cirúrgica ao tornozelo esquerdo, em 4.12.2009 (cf. fls. 273) foi-lhe efectuada uma "redução fechada com fixação interna do maléolo tibial esquerdo com parafuso e do peróneo com osteossíntese com placa e 6 parafusos" e subsequente colocação de tala gessada posterior.

x) Em 23.12.2009 teve alta hospitalar

z) A demandante BB continuou a ser seguida, em consultas externas, pelos serviços de ortopedia, neurocirurgia e psiquiatria do Hospital de S. João;

aa) Em 27.08.2010 foi internada no Hospital de S. João para correcção do defeito ósseo iatrogénico e submetida, em 28.08.2010, a uma cranioplastia fronto-temporo-parietal esquerdo;

ab) Fez reabilitação funcional, em clínica especializada, desde 30.03.2010;

ac) Em 10.09.2010 ( fls. 191) deu entrada na urgência do Hospital de S. João por agravamento do défice do membro superior direito e da afasia; tendo a clínica de reabilitação que, face ao agravamento do seu estado de saúde, a encaminhar para a urgência hospitalar;

ad) A TAC revelou sinais da cranioplatia e sequelas de TCE (traumatismo cranioencefálico); A clínica onde realizou reabilitação funcional - Clínica Fisiatra das Antas (Porto) - diagnosticou-lhe "Afasia motora transcortical e hemiparésia grau 4 à direita, com hipoestesia associada a hiperreflexia direita; défice de linguagem, motores e sensitivos, e alterações cognitivas próprias de um TCE grave";

ae) Em 11.03.2011 deu entrada na urgência do Hospital de S. João, com os seguintes sintomas: cefaleias fronto-parietais muito intensas à esquerda, associadas à perda de visão, visão escura e dupla, vómitos;

af) Em consulta de ortopedia no Hospital de S. João do dia 24.03.2011, a demandante revelou dores no tornozelo esquerdo de carácter mecânico, tendo ficado inscrita para a extracção do material (parafusos), o que aconteceu em 18.04.12

ag) A demandante BB foi acompanhada na consulta de Neuropsicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde iniciou o processo de reabilitação neuropsiquiátrica em Janeiro de 2011, no âmbito da presença de sequelas cognitivas derivadas de traumatismo crânio-encefálico grave ocorrido em Novembro de 2009. Nessa altura, apresentava alterações cognitivas múltiplas, das quais se salientam: defeito acentuado na capacidade de memorização da informação; defeito moderado do funcionamento executivo, a salientar compromisso na capacidade de planear e monitorizar acções, baixo controlo inibitório. Ao longo do programa de reabilitação, a doente mostrou empenho e dedicação na sua recuperação, evidenciando evoluções positivas. No entanto, mantém algumas alterações cognitivas, nomeadamente: defeito moderado na capacidade mnésica. Embora permaneça o défice na capacidade de memorização da informação, o grau de severidade diminuiu em relação ao ano anterior; alterações ligeiras na capacidade atencional e de controlo inibitório. Dada a evolução positiva e significativa que alcançou ao longo do ano de 2011, esta continua a beneficiar de acompanhamento.

ah) A demandante BB foi acompanhada na consulta de Consulta de Psicologia Clínica da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto para onde foi encaminhada, em Maio de 2011, mantendo acompanhamento por sequelas neuro cognitivas associadas a traumatismo crânio-encefálico. Após realizada avaliação psicológica na fase inicial do processo terapêutico, com recurso a entrevista clínica à doente e familiares, concluiu-se que a primeira beneficiaria de uma intervenção psicológica estruturada. Foi observada sintomatologia depressiva clinicamente significativa com concomitância de sintomatologia ansiosa de menor gravidade. Apresenta elevado sofrimento emocional associado às profundas disrupções nas diferentes esferas de vida que ocorreram desde o acidente de que foi alvo. Tem vindo a ser implementada uma intervenção psicológica de apoio com recurso simultâneo a estratégias de intervenção de natureza cognitivo comportamental. Esta intervenção tem conduzido a ligeiras mas progressivas melhorias. Por ser uma doente colaborante e com boa capacidade de adesão às propostas terapêuticas, manteve-se a continuidade do processo terapêutico para promover melhorias cada vez mais significativas.

ai) A demandante BB revela ao exame objetivo, atualizado, realizado pelo IML:

- como antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para o caso em apreço: uso de prótese dentária previamente ao evento e foi operada à bexiga (3 anos após o parto do filho) por problemas de incontinência todavia antes do evento não tinha necessidade do uso de fraldas, o que atualmente tem.

A demandante BB apresenta-se: consciente, orientada, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real, é dextra e apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.

- Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento:

Crânio: cicatriz cirúrgica, arciforme, localizada na região fronto-parieto-temporal esquerda, com 26 cm de comprimento, com depressão óssea associada e queixas subjetivas de dor e hipersensibilidade ao toque.

Membro superior direito: deformação ao nível da região clavicular; dor à palpação do -ombro, sem limitação da mobilidade. Ligeira diminuição da força muscular, quando comparado com o membro contra-lateral. O estudo dos reflexos osteotendinosos revela hiperreflexia à direita.

Membro inferior direito: Ligeira diminuição da força muscular, quando comparado com membro contra-lateral. O estudo dos reflexos osteotendinosos revela hiperreflexia à direita .

Membro inferior esquerdo: cicatriz cirúrgica localizada no terço superior da face interna da perna, com 3 cm de comprimento; cicatriz cirúrgica localizada na face interna do tornozelo, com 8 cm de comprimento; cicatriz cirúrgica localizada na face externa do tornozelo, com 9 cm de comprimento. Rigidez do tornozelo no movimento de dorsiflexão (0°-5°), com restantes movimentos preservados.

aj) As lesões observadas são consequência direta e necessária da atuação da arguida supra descrita,

-que se consolidaram medico-legalmente em 18.04.12;

- tendo sido o período de Défice Funcional Temporário Total fixável num período de 34 dias;

- o período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período 838 dias;

- o período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 872 dias.

-o “Quantum Doloris” fixável no grau 5/7;

- o  Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 32 pontos.

- as sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, terapeuta ou auxiliar de tal função ( apesar de à data estar desempregada) são compatíveis com o exercício da actividade habitual, apesar de serem causa de limitações no desempenho da actividade profissional, implicando por isso esforços suplementares .

- Dano Estético Permanente fixável no grau 3 /7.

- repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7

- Dependências Permanentes de Ajudas: Tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação, incluindo terapia da fala, terapia ocupacional e neuropsicologia, por dificuldades de leitura e escrita.

- Ajuda parcial de 3° pessoa (de complemento) para as tarefas domésticas (cozinha, tarefas de limpeza, e tratamento de roupa).

aj) A demandante BB nasceu em ….06.19…, e era quem antes de 29.11.09, realizava as tarefas domesticas em casa, organizava a vida familiar, cozinhando, limpando e passando a ferro, e geria o orçamento doméstico, pois residia, e reside, com o marido e dois filhos do sexo masculino, o que deixou de acontecer.

ak) A demandante BB passou a conviver menos do que fazia antes de 29.11. 09 com a família e amigos, passou a ir menos à igreja e deixou de visitar idosos.

al) A demandante BB, em consequência direta e necessária da conduta da arguida, correu risco de vida, e durante alguns meses, movimentou-se em cadeira de rodas, voltou-lhe a incontinência, passando a usar fralda, e deixou de tripular viaturas a motor na via publica;

am) A demandante BB, fez cursos de Medicina tradicional chinesa, podendo desenvolver, pelo menos como auxiliar a função de terapeuta, mas à data dos factos estava desempregada.

an ) A demandada Seguradora pagou a titulo de adiantamentos por conta à BB e suportou os custos de auxilio de terceira pessoa a BB, a considerar no valor que tenha a ressarcir a esta demandante o valor global de 34.280€

ao) O demandante CC, após o embate, foi transportado em ambulância para a urgência do Hospital de S. João (Porto);

ap) Como consequência direta, e necessária, o demandante CC sofreu - Traumatismo do pé direito, com fractura de MI (10 metatarsiano); - Ferimento no dorso do pé;

aq) O pé direito foi imobilizado com tala gessada;

ar) O demandante realizou fisioterapia entre 30.03.2010 e 26.05.2010, sendo esta ultima a data da consolidação, isto é num total de 178 dias para consolidação médico-legal, sendo a incapacidade temporária geral de 5 dias, 

as) O demandante Ricardo sofreu dores, sendo o quantum-doloris suportado pelo demandante 3/7

at) O demandante, apresenta as seguintes lesões observáveis: Membro inferior direito: cicatriz com 4 por 1 cm no terço superior da face anterior da perna; cicatriz com 2 por 1 cm e cicatriz com 1 cm de diâmetro no dorso do pé sobre o 10 metatarsiano;

au) Tais lesões determinaram-lhe 178 dias com afetação da capacidade de trabalho geral, locomovendo-se nesse período com o auxílio de canadianas;

av) O demandante nasceu em ….08…., e à data era estudante no primeiro ano do Curso de Engenharia Informática no ISEP, continuando na atualidade a estudar no 3º ano.

ax) O demandante já tinha antes trabalhado a tempo parcial como …, auferindo 200€ mês todavia na data do acidente estava desempregado e só a estudar.

az) Assim tinha o demandado beneficiado até fevereiro de 2009 fundo de desemprego.

ba) A arguida está desempregada, é solteira, tem uma filha de 2 anos, reside com os pais, tem subsidio de desemprego o valor de 419€, contribui para o agregado que integra com 100€. Como habilitações literárias tem o 12º ano. Do RIC e do CRC junto aos autos nada consta.


*

2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Da discussão da causa não resultaram provados factos que com outros provados e não provados estejam em contradição, factos não escritos, e que assumam relevância para a decisão da causa nem aqueles que contêm matéria conclusiva ou de direito, designadamente com interesse:

1. No pavimento por onde o …-…-LR circulou estava “engordurado”.

2. A arguida imprimia ao veículo LR velocidade superior a 50k/h e previu que naquelas circunstancias a sua conduta poderia originar os resultados descritos.

3. A arguida não imprimia ao veículo LR velocidade superior a 50k/h e previu que naquelas circunstancias a sua conduta poderia originar os resultados descritos.

4. A demandante BB não comia nem bebia e não sentia.

5. A demandante continua a aguardar cirurgia para a extracção do material aplicado no seu tornozelo esquerdo;

6º A demandante não logra estar de pé mais de 15 minutos, não roda uma chave com a mão direita, na fechadura, deixou de ler na igreja, não recorda nomes de objetos, cidades lugares, monumentos ou pessoas, datas.

7º A demandante não logra ficar em casa sozinha pois entra em pânico e chama a policia.

8. A demandante BB deixou de tomar refeições fora de casa e de frequentar espectáculos públicos (música, teatro, cinema, etc.), por vergonha passando a revelar-se apática, deprimida, angustiada, revoltada e triste e frustrada por não poder auxiliar o marido e os seus dois filhos.

9. A demandante exercia a função de terapeuta da Medicina Tradicional Chinesa e de Shiatsu (essencialmente massagens e acupunctura), e auferia, o valor quantia mensal líquida de € 1.000,00 por mês durante doze meses.

10. A demandante ficou totalmente incapacitada para o trabalho futuro, para o que está habilitada a fazer ou para outra atividade.

11. O dano biológico é de 10 pontos, numa escala 0/100.

12. A demandante esteve internada no Hospital até 9.01.12

13. As dores sofridas por BB em consequência da conduta da arguida situaram-se no nível 7 na escala 1/7 do “quantum doloris” e o dano estético 5, numa escala de 1/7.

14. A demandante vai ainda ser sujeita a mais cirurgias.

15. O “quantum doloris” suportado pelo demandante Ricardo foi 5 na escala 1/7.

16. O demandado CC andava à procura de emprego, em Novembro de 2009 o que ficou impedido de fazer até 26.05.10.

17. O demandante não logra ficar de pé mais de 30 minutos consecutivos, e assim não pode ser …, no que ficou impedido de exercer em consequência necessária da conduta da arguida.

18. Em consequência das lesões sofridas o demandante CC isolou-se em casa, pois ficou emocionalmente abalado, evita o convívio com amigos e família, não consegue correr, saltar, fazer marcha por mais de 30m, andar de bicicleta, ou jogar futebol, e sente fortes dores com a mudança meteorológica.

19. Em consequência das lesões sofridas o demandante CC tornou-se uma pessoa triste, inquieta e ansiosa.

20 Em consequência das lesões sofridas o demandante CC não conseguiu assistir às aulas, e assim não transitou de ano, por falta de aproveitamento.

21. O demandante tem vergonha das cicatrizes com que ficou e exibi-las na praia e piscina.”

-

Cumpre apreciar e decidir


A - Nos termos do artº 400º nº 3, do CPP: - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.

Segundo o nº 2 deste preceito: - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

In casu, tendo em conta o exposto, uma vez que a alçada da Relação é de 30.000€ conforme artº 31º da Lei nº 52/2008 de 28-08-2008, e Artigo 44.º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, o valor do pedido e o valor desfavorável para o recorrente, relativamente à decisão impugnada, verifica-se que a decisão recorrida é passível de recurso para o Supremo.


B - O artº 129º do C.Penal ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, explícita: - “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”

A indemnização é pois, regulada, quantitativamente e no seus pressupostos, pela lei civil, não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva.

Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como é o caso da definição da legitimidade das partes, é fundamentalmente a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento.


C- A recorrente questiona o montante indemnizatório atribuído pelo acórdão recorrido, quer relativamente a danos não patrimoniais, alegando que a atribuída indemnização de € 60,000,00 não é equitativa, e que a indemnização equitativa, a titulo de danos não patrimoniais sofridos pela Demandante, ê de € 125.000,00, quer relativamente ao dano patrimonial futuro, por apoio complementar de terceira pessoa, considerando que a quantia de € 55.000,00, fixada pelo Tribunal da Relação, a titulo de dano patrimonial futuro, não é equitativa, sendo valor equitativo para suportar esse dano patrimonial futuro aquele que tribunal da primeira instância atribuiu ou seja, € 139.550,00.


Como se sabe, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação -artº 562º nº 1 do CC.

O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Artº 564º nº 1 do CC

Mas, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Artº 563º do CC

A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja essencialmente onerosa para o devedor e, (sem prejuízo do preceituado noutras disposições) tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos - artº 566º nºs 1 e 2 do CC.

A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais, e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arºs 562º, a 564º e 569º do Código Civil)


D- O Tribunal da Relação fundamentou

“A) - Quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais, atribuída à demandante BB -

Na sentença recorrida atribuiu-se, a título de danos não patrimoniais, o montante de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros) à demandante BB.

A recorrente seguradora sustenta que tal valor é exagerado e propugna que seja minorado para 40.000 € (quarenta mil euros), o que justifica com a comparação com os valores habitualmente fixados nas decisões jurisprudenciais em casos de morte, bem como com a realidade económico-social do país.

Vejamos.

Neste ponto, haverá que considerar a factualidade apurada nas alíneas s) a am), da qual se salienta que a BB tinha 52 de idade à data do acidente, sofreu traumatismo craniano com perda de consciência, fratura do tornozelo esquerdo, fratura da clavícula direita e ferida corto contusa temporal direita; tendo corrido risco de vida. Foi submetida a cranioctomia descompressiva e drenagem do hematoma subdural, para o que ficou em “coma induzido” durante nove dias consecutivos, durante os quais foi alimentada artificialmente e com as demais funções mantidas medicamente; foi sujeita a intervenção cirúrgica ao tornozelo esquerdo. Entre internamentos, tratamentos vários, reabilitação funcional e neuropsiquiátrica e consultas de psicologia clínica, decorreram cerca de dois anos. Nesse período, já depois da alta do internamento hospitalar, deu duas vezes entrada na urgência do Hospital, uma por agravamento do défice do membro superior direito e da afasia e outra por cefaleias fronto-parietais muito intensas à esquerda, associadas à perda de visão, visão escura e dupla e vómitos. Necessitou de andar de cadeira de rodas e voltou-lhe a incontinência de que já havia sofrido anteriormente ao acidente, mas necessitando agora de usar fraldas, o que antes nunca tinha acontecido; teve dores físicas intensas (quantum doloris de 5 numa escala de 1 a 7). Como sequelas definitivas, ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Física de 32%, que embora compatível com o exercício da sua profissão de terapeuta ou auxiliar de tal função (da qual estava à data desempregada), é causa de limitações nessa atividade profissional, implicando por isso esforços suplementares; sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 3 numa escala de 1 a 7; ficou também com várias cicatrizes deformantes no corpo, (dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de 1 a 7). As sequelas de que ficou a padecer implicam uma dependência permanente de tratamentos de medicina física e de reabilitação, incluindo terapia da fala, terapia ocupacional e neuropsicológica, por dificuldades de leitura e escrita, bem como ajuda parcial de terceira pessoa para as tarefas domésticas de confeção das refeições, limpeza e tratamento de roupa. Por causa da situação em que se encontra, passou a conviver menos com a família e amigos, inclusive ir à igreja e visitar idosos; tendo até deixado de conduzir.

Do factualismo apurado resulta a ocorrência, quanto à demandante BB de uma situação de sofrimento, com consequências que se prolongaram no tempo e que originaram até sequelas definitivas. Circunstancialismo que se refere a danos não patrimoniais que, pela sua manifesta gravidade, merecem a tutela do direito sendo, como tal, abrangidos pela obrigação de indemnizar (cfr. artigo 496º nº 1 do Código Civil).

A natureza destes danos impõe que, na impossibilidade de os neutralizar, se compense o lesado proporcionando-lhe meios económicos que lhe permitam usufruir momentos de prazer e alegria que, tanto quanto possível, contrabalancem os danos sofridos. “


E, cotejando a lei com jurisprudência deste Supremo, referiu:

Estabelecendo a esse propósito o nº 3 do artigo 496º do Código Civil que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”, que são: o “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.

Para tal, importará tomar também em consideração a jurisprudência dos tribunais em matéria de fixação de indemnizações, designadamente por danos não patrimoniais, em conformidade com a regra enunciada no nº 3 do artigo 8º do Código Civil: “nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”.

Nesse sentido, transcrevem-se em seguida sínteses de acórdãos do STJ, relativos a situações similares, disponíveis no site do STJ, in jurisprudência temática, www.dgsi.pt:


I. Provado que, devido às lesões causadas pelo acidente de viação ocorrido no dia 07-01-2000, a autora, com 55 anos de idade, padeceu penosos ferimentos, nomeadamente, fratura e luxação de C5 e C6 e parestibia do membro superior direito, sendo operada em 11-01-2000; esteve com incapacidade genérica total até 21-01-2000 e com incapacidade temporária total de 22-01-2000 até 22-10-2000, ficando com incapacidade genérica permanente para a sua actividade ocupacional habitual de 30%, sendo que dificilmente consegue a rotação do pescoço, não faz o movimento de rotação com o braço direito e tem adormecimento das mãos, em consequência do que deixou de sair de casa, não pode fazer a generalidade das tarefas domésticas, deixou de querer privar com os amigos e de realizar passeios e demais actividades, ficando a sofrer de uma perturbação com colorido depressivo e ansioso, compatível com o conceito de neurose pós-traumática, sentindo-se incapacitada, dependente de terceiros, por vezes chora compulsivamente, sendo que antes do acidente era uma pessoa independente, trabalhadora, alegre, autónoma e de boa compleição física, estas circunstâncias revelam evidentes e muito acentuados sofrimentos, amarguras e provações, tendo a autora sofrido, sob o ponto de vista psicológico, lesões de grau muito elevado, pelo que, ponderando estes elementos, o valor actual da moeda e na ausência de culpa da lesada, mostra-se equilibrado o valor de € 50 000 fixado pela Relação no acórdão recorrido, a título de indemnização por danos não patrimoniais.

13-04-2011 - Revista n.º 2247/03.9TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção - Garcia Calejo (Relator), Helder Roque e Gregório Silva Jesus


*


I - Assente que, em consequência de acidente ocorrido a 09-03-2011, por culpa exclusiva da segurada da ré, o autor, à data com 43 anos, ficou, a título definitivo, com a sua capacidade intelectual diminuída, a personalidade alterada, epilepsia pós-traumática, “brancas” no pensamento que o levam a interromper frases, dificuldade em coordenar o pensamento e a actividade oral e escrita, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade permanente geral de 35 pontos, que lhe exigirá muito mais esforço no desempenho da actividade profissional; (…)

II - Provado que, como consequência directa e necessária do acidente, o autor sofreu traumatismo crânio-encefálico, com afundamento craniano e perda de consciência, afazia mista, hemiparésia direita discreta e afundamento parietal esquerdo, com contusão subjacente; tendo sido sujeito a duas intervenções cirúrgicas e a internamento hospitalar, tendo comparecido a consultas ambulatórias em número não apurado, foi-lhe atribuída incapacidade temporária total até Abril de 2002 e ficou, a título definitivo, com a sua capacidade intelectual diminuída, a personalidade alterada, epilepsia póstraumática e sente dores quando há mudanças no tempo; antes do acidente era uma pessoa alegre, extrovertida, bem disposta e com facilidade de relacionamento, tendo-se tornado, por força das lesões, numa pessoa introvertida, insegura e incapaz de se afirmar perante terceiros, sofrendo angústia com o carácter definitivo das lesões, bem como desgosto e abalo e conflitos no seu casamento; atenta a gravidade do sofrimento físico e psíquico, considera-se ajustada a indemnização de € 65 000, estabelecida nas duas instâncias, pelos danos não patrimoniais.

24-04-2012 - Revista n.º 1496/04.7TBMAI.P1.S1 - 1.ª Secção - Gregório Silva Jesus (Relator), Martins de Sousa e Gabriel Catarino


*


I - Ficando provado que a autora tinha 58 anos à data do acidente; gozava de boa saúde; estava empregada numa perfumaria e trabalhava em casa; que ficou afectada com uma incapacidade permanente geral de 40% e de total incapacidade para o trabalho; que sofreu gravemente com o acidente e em consequência do mesmo, do ponto de vista moral e físico; que foi transportada de urgência ao hospital e logo transferida para outro; esteve internada; teve de ser submetida a diversas intervenções cirúrgicas e de realizar múltiplos procedimentos dolorosos; teve de proceder a tratamentos de reabilitação; foi seguida em numerosas consultas nos meses subsequentes ao acidente; ficou a sofrer inúmeras sequelas, irreversíveis, dolorosas e gravemente limitativas da sua vida pessoal e familiar; perdeu a autonomia pessoal e económica e que o acidente se deveu a negligência grave da condutora do veículo segurado na ré (que não parou num sinal STOP ao entrar no cruzamento onde ocorreu a colisão), não se justifica diminuir a indemnização por danos não patrimoniais fixada em € 60 000.

15-09-2011 - Revista n.º 1728/05.4TBBNV.L1.S1 - 7.ª Secção - Maria dos Prazeres Beleza (Relator), Lopes do Rego e Orlando Afonso


*


I - É de acolher a pretensão compensatória, por danos não patrimoniais, de € 50 000 relativamente a pessoa de 29 anos que: - sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7); - esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia; - teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas; -ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava; - passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso; ficando portador duma IPP de 36%.

07-10-2010 - Revista n.º 370/04.1TBVGS.C1.S1 - 2.ª Secção -João Bernardo (Relator)*, Oliveira Rocha e Oliveira Vasconcelos”


De seguida concluiu:

“Assim, considerando a natureza das lesões, as dores, os tratamentos, as intervenções sofridas, as sequelas permanentes, suas consequências, bem como a jurisprudência dos tribunais, mostra-se exagerada a indemnização por danos não patrimoniais no valor de 125.000 € (cento e vinte e cinco mil euros), atribuída à demandante Maria Leonor, a qual se reduz equitativamente para 60.000 € (sessenta mil euros). “


E- Na verdade, e, com referência a danos não patrimoniais dispõe o artigo 496º nº 1 do CC, que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

 Segundo o nº 3 deste preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º;

O artº 494º do C.C., por seu vez, alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas.

A indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar o lesado, da ofensa imerecida.

Mas, para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito, tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e, não de harmonia com percepções subjectivas, ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano, justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória. (v.Acórdão deste Supremo de 18 de Dezembro de 2007, in www.dgsi.pt)


       A lei não dá qualquer conceito de equidade, mas, tem-se aceite a mesma como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele como já aludia o Acór~dao deste Supremo, de 19-4-91 in A.J. 18º, 6)

       Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim, um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.

A expressão “em qualquer caso”, constante do artº 496º do CC, tanto abrange o dolo como a mera culpa (v. C.J. 1986, 2º, 233 e, Vaz Serra in Rev. Leg. Jur., 113º-96).

Por sua vez, “demais circunstâncias do caso” é uma expressão genérica que se pretende referir a todos os elementos concretos caracterizadores da gravidade do dano, incluindo a desvalorização da moeda.

Na atribuição dessa indemnização deve respeitar-se «todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1.º, 4.ª edição, p, 501 e, entre outros, Acórdão deste Supremo de 05-11-2008, in Proc. n.º 3266/08 desta 3ª Secção)

Tem-se entendido que estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». (v.v.g. já Acórdão do STJ de 17-06-2004, proc. n.º 2364/04, e de 3-7-2008, proc. 1228/08 , ambos da 5ª secção)-

Na verdade, tem-se feito jurisprudência no sentido de que tal como escapam à admissibilidade de recurso «as decisões dependentes da livre resolução do tribunal» (arts. 400., n.1, al. b), do CPP e 679. do C PC), em caso de julgamento segundo a equidade, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, aquelas regras – cf., entre outros, Acs. de 29-11-01, Proc. n. 3434/0º1; de 08-05-03, Proc. n. 4520/02; de 17-06-04, Proc. n, 2364/04 e de 24-11-05, Proc. n. 2831/05, todos da 5.ª Secção. Ac. do STJ de 07.12. 2006 , Proc. n.  3053/06 - 5.ª Secção.

Mas, conforme jurisprudência remota e sedimentada, deste Supremo, por ex, o Acórdão . de 11 de Setembro de 1994 (Col. Jur. Acs do S.T.J. ano II tomo III -1994 p. 92), essa indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do artº 496º do Cód. Civil e, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação

Já há mais de vinte anos que este Supremo, apontava para a necessidade de actualização das indemnizações. Por ex, acórdão deste Supremo, de 16-12-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181 referia «É mais que tempo, conforme jurisprudência que hoje vai prevalecendo, de se acabar com miserabilismos indemnizatórios.”

O aumento do custo de vida e as exigências da dignidade humana e de realização comunitária assim o exigem.       

F- Tendo em conta as lesões advindas para a recorrente, sua natureza, características e localização, sequelas, internamentos, intervenções cirúrgicas, tratamentos, dores, incómodos notórios, sendo que a demandante Maria Leonor, em consequência directa e necessária da conduta da arguida, correu risco de vida, e durante alguns meses, movimentou-se em cadeira de rodas, voltou-lhe a incontinência, passando a usar fralda, e deixou de tripular viaturas a motor na via publica, necessitando de ajuda parcial de 3° pessoa (de complemento) para as tarefas domésticas (cozinha, tarefas de limpeza, e tratamento de roupa) . supra referidos e descritos na matéria de facto provada, conclui-se equitativamente que deve fixar-se a indemnização por danos morais em setenta mil euros por, assim, responder actualizadamente á compensação dos danos verificados..


G- Por sua vez o Tribunal da Relação pronunciou-se da seguinte forma quanto à indemnização pelo dano patrimonial futuro:

“B) Quantum da indemnização pelos danos patrimoniais futuros por apoio complementar de terceira pessoa atribuída à demandante BB

Sustenta a recorrente ser exagerado o montante indemnizatório fixado pelo dano. futuro por apoio complementar de terceira pessoa.

Vejamos.

Do elenco dos factos provados resulta que, à altura do acidente, a demandante BB tinha 52 anos de idade, vivia com o marido e dois filhos, estava desempregada e dedicava-se à organização da vida familiar, cozinhando, limpando, passando a ferro e gerindo o orçamento doméstico. Em consequência das lesões sofridas no acidente (traumatismo craniano e fraturas) apresenta, como sequela definitiva, um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 32%, necessitando por isso, agora, de ajuda parcial de terceira pessoa (complemento) para as tarefas domésticas.

De tal circunstancialismo resulta, inequivocamente, que a demandante apresenta limitações que afetam a eficiência, capacidade e qualidade das suas capacidades de trabalho na execução das tarefas domésticas, sendo de prever que essas limitações se reflitam negativamente no seu património, face à necessidade de pagar a uma terceira pessoa que execute esses trabalhos, na parte em que agora já não os pode realizar.

Não há pois dúvida de que se verifica aqui um dano patrimonial futuro, previsível, nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do artigo 564° do Código Civil, o que é admitido pela recorrente. Dano este que terá de ser quantificado com recurso à equidade, como prescreve o nº 3 do artigo 566°, também do Código Civil.

Para tal, cumpre antes de mais atentar que o dano aqui em causa se prende, no fundo, diretamente com a perda da capacidade laboral da demandante, pois embora ela não auferisse uma retribuição em dinheiro pelas tarefas domésticas que executava, a sua execução corresponde ao salário mínimo nacional, que é o montante normalmente pago a uma empregada doméstica diária que, numa casa de família com quatro pessoas, confecione as refeições, trate da limpeza e da roupa. Montante esse que teria de ser pago a uma terceira pessoa, se a demandante não executasse gratuitamente tais tarefas.

A situação tem pois analogia com o dano futuro pela perda de capacidade de ganho, apenas com uma variante, que é a circunstância de as regras da experiência comum e da normalidade das coisas aqui nos indicarem que, tal como acontece com a generalidade das senhoras em idêntica situação, a demandante continuaria a desempenhar as tarefas domésticas em sua casa muito para além da idade normal da reforma, embora, a partir daí, cada vez com mais dificuldade, devido à diminuição da condição física inerente ao avançar da idade. Sendo por isso previsível que chegasse uma altura em que, mesmo sem as sequelas originadas pelas lesões que sofreu, começaria a precisar de ajuda de uma terceira pessoa e acabaria, no fim da vida, por ficar mesmo praticamente impossibilitada de realizar a maioria das tarefas domésticas.

Assim, entendemos que, à semelhança do que a jurisprudência maioritária tem vindo a considerar relativamente ao dano pela perda da capacidade de ganho, também a indemnização pelo dano patrimonial futuro por apoio complementar de terceira pessoa, terá que corresponder a um determinado capital que proporcione um rendimento correspondente ao que terá que ser pago a um trabalhador que execute os trabalhos domésticos, na parte que o lesado deixou de os poder realizar, e que se extinga no fim (presumível) da sua vida ativa.”


A decisão recorrida aplicou o seguinte critério de cálculo indemnizatório:

“Para cálculo desse capital, no sentido de conseguir uma uniformização de critérios, poderemos, embora apenas como mero ponto de partida, usar as tabelas financeiras do foro laboral, designadamente as disponibilizadas pela Portaria 377/2008 de 26 e maio, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de junho, sendo depois os respetivos resultados trabalhados por via de critérios de equidade, com consideração de muitos outros elementos, como veremos infra.

Desta forma se dando cabal cumprimento ao nº 3 do artigo 566° do Código Civil. Posto isto, aplicando o exposto ao caso sub judice, começaremos por considerar o rendimento anual que a demandante M... irá perder para pagar a uma pessoa que a ajude nas tarefas domésticas, para o que teremos como base o grau de incapacidade que sofreu, que é de 32%, multiplicado pelo salário mínimo nacional de € 485, e pelo número de mensalidades anuais, ou seja, 14, do que resulta o valor de 2.172,80 €. Multiplicado este valor pelo fator de conversão matemático de unificação, para pagamento imediato de 13 prestações anuais (65 anos, correspondente ao fim provável de vida útil, menos 52, idade à data do acidente"" ]3), no caso, fator 10,989047 (cfr. Anexo III da Portaria 377/2008 de 26 de Maio da 2008), obtém-se o montante de 23.877,001 €.

(E não se diga, como na sentença recorrida, que será também necessário contabilizar o trabalho aos fins de semana e férias pois, por um lado, a incapacidade da demandante é apenas parcial e, por outro, também as donas de casa, em regra, descansam aos fins de semana e nas férias, alturas em que é hábito irem comer fora, fazer refeições mais leves, serem ajudadas pelo marido e filhos, passearem, irem a casa de familiares e amigos ... )

De todo o modo, o valor de 23.877,001 € a que chegámos, respeita apenas ao montante que irá ser gasto até aos 65 anos da demandante, não obstante, e como já vimos, ser previsível que ela continuasse a executar as tarefas domésticas em sua casa muito para além da idade normal da reforma, embora cada vez com mais dificuldade, devido à diminuição da condição física inerente ao avançar da idade. Sendo por isso também previsível que, mesmo sem as sequelas originadas pelas lesões que sofreu, começasse a precisar de ajuda nas tarefas mais pesadas e, a dada altura da sua vida, ficasse mesmo praticamente impossibilitada de realizar a maioria delas. (Embora, nessa altura, previsivelmente, sejam também já muito menos as tarefas a realizar para a manutenção do agregado familiar, cujos membros diminuirão com a natural independência e saída de casa dos filhos da demandante).

Importará ainda considerar o impacto que tem na situação económica de um indivíduo receber, de uma só vez, um montante que irá gastar de forma fracionada ao longo da vida; bem como a previsível evolução dos salários; das taxas de juro e da inflação. Tudo em ordem a que o montante final repare efetivamente o dano, não sendo suscetível de ser encarado nem como uma reparação irrisória, nem como um enriquecimento sem causa.”

E correlacionando critérios de equidade com a jurisprudência deste Supremo acrescentou:

“Tendo em conta todos estes fatores, haverá ainda que olhá-los pelo prisma corretivo de critérios de equidade, tomando também em consideração a jurisprudência dos tribunais em matéria de fixação de indemnizações, em conformidade, aliás, com a regra enunciada no nº 3 do artigo 8º do Código Civil: "nas decisões a proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito".

Nesse sentido, transcrevem-se em seguida sínteses de acórdãos do STJ, relativos a situações similares, disponíveis no site do STJ, in jurisprudência temática, www.dgsi.pt:

I - Se a autora exercia todos os trabalhos domésticos relativos à sua casa de família, explorava os quintais, cultivando e criando animais, e auxiliava o seu marido em tarefas de escritório e atendimento de clientes, o que tudo, por causa de acidente de viação, deixou de poder fazer, a realização daqueles trabalhos representa um valor económico, sendo que a privação da capacidade de o produzir se traduz numa perda de rendimento ou num aumento de despesa, na medida em que quem deixou de os poder realizar se faça substituir por terceiros.

Il - Esse valor, que corresponde a um efetivo dano patrimonia] por perda de ganho já verificada e futura, constitui um dano patrimonial futuro, a considerar segundo critérios de probabilidade e a projetar em termos de normalidade de vida, determinando-se o concreto montante segundo juízos de equidade _ arts. 564.°, n.º 2, e 566.°, n.o 3, do Cc.

III - Tendo a autora 55 anos de idade à data do acidente, ocorrido em 08- 12-2000, sofrido lesões causadas pelo acidente e sequelas representando uma incapacidade permanente geral de 25%, há que ponderar esse resultado objetivo com o efeito produzido (incapacidade total para os trabalhos domésticos que a autora realizava). Na falta de melhores elementos, tudo aponta para que se pondere uma perda de capacidade ganho situada entre os 25% e o salário auferido pelo pessoal doméstico, considerando a respetiva média e evolução desde a data do acidente.

IV - Considerando um dano - perda efetiva de ganho e dano biológico - da ordem dos € 200 mensais, atinge-se a verba ressarcitória de € 40 000.

06-]2-2011 - Revista n.o ] 7l5/03.7TBLSD.P1.S1 - 1.ª Secção - Alves Velho (Relatar), Paulo Sá e Garcia Calejo


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1 - À data do acidente, o autor exercia a profissão de porteiro num hotel, auferindo o salário base mensal de 70.000$00, acrescido de subsídio de alimentação de 6.400$00 e dos correspondentes subsídios de férias e de natal; o autor exercia ainda a profissão de jardineiro, cobrando I.OOO$OO/hora e trabalhando uma média diária de três horas como jardineiro.

II - O autor nasceu a 14-05-1958 e, em consequência do acidente, ficou com uma 1PP de 30%.

III - Assim, por se mostrar adequado, concorda-se com o montante de 62.000,00 € fixado nas instâncias a título de danos patrimoniais futuros.

19-02-2009 - Revista n.º 253/09 - 7.a Secção - Custódio Montes (Relator), Mata Miranda e Alberto Sobrinho


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1 - A autora nasceu a 24-01-1955; à data do acidente, trabalhava como mulher-a-dias e auferia 800$00/hora, fazendo uma média de seis horas por dia, 22 dias por mês; ficou com uma IPP de 28%; considera-se adequado o montante de 38.000,00 € fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.

22-11-2007 - Revista n.o 3037/07 - 2.a Secção - Rodrigues dos Santos (Relatar)


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I - Sendo certo que em consequência do acidente a autora ficou com uma IPP de 40%, contava 55 anos de idade, a normal expectativa de vida no nosso país e para o sexo feminino situa-se perto dos 80 anos, auferia um rendimento calculado de cerca de € 600,00 mensais, fruto de uma intensa entrega ao trabalho por demais penoso e sem horários da pequena agrícultora com criação de gado, entendemos com base na equidade aumentar o valor de tal indemnização para € 55.000,00.

II - Sopesando devidamente as circunstâncias do caso e sem esquecer a culpa grave e exclusiva do causador do acidente, a linha evolutiva da jurisprudência em que se apela aos critérios de convergência no seio do União Europeia, enquanto facto notório não carecido de prova (art. 514." do CPC) e aos montantes mínimos dos seguros obrigatórios e seus constantes aumentos, como índices da protecção dos lesados, não se afigura desajustado elevar a verba indemnizatória definida pela 2,ª instância para € 50.000,00.

29-04-2008 - Revista n," 651/08 - 6: Secção - Cardoso de Albuquerque (Relator), Azevedo Ramos e Silva Salazar “

E, concluiu:

“Depois de tudo ponderado, surge como exagerada a indemnização relativa a esta parcela, fixada pelo Tribunal a quo para a demandante Maria da Glória, que deve ser reduzida equitativamente para o montante a esse título proposto pelo recorrente, de 55.000 € (cinquenta e cinco mil euros). “


H- Como se sabe, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva que o afectou. v. Ac. deste Supremo de 15-5-2008, (Secção Cível) in www.dgsi.pt

            Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados há que não olvidar o disposto no artº 609º (anterior artº 661.º), do Código de Processo Civil, sobre os limites da condenação:

1 - A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.

2 - Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.


Como salienta a jurisprudência, nomeadamente o Acórdão deste Supremo, de 26-5-93 in Col. (Acs. do STJ), tomo II, pág. 130, no tocante ao dano futuro é extremamente delicado fixar com justeza a correspondente indemnização. “Os múltiplos factores a ter em conta e o seu carácter aleatório (idade da vítima, tempo provável da sua vida activa, variação dos seus rendimentos do trabalho, estabilidade da respectiva situação profissional, desvalorização da moeda pela inflação, necessidades económicas dos titulares do direito alimentos e respectiva duração, etc.) implicam o recurso à equidade”.


Tendo em conta o exposto e, que a demandante BB nasceu em ….06.19…, e era ela quem antes de 29.11.09, realizava as tarefas domesticas em casa, organizava a vida familiar, cozinhando, limpando e passando a ferro, e geria o orçamento domestico, pois residia, e reside, com o marido e dois filhos do sexo masculino, o que deixou de acontecer.

A demandante BB, fez cursos de Medicina tradicional chinesa, podendo desenvolver, pelo menos como auxiliar a função de terapeuta, mas à data dos factos estava desempregada.

Pode ainda, eventualmente, obter rendimentos de outra proveniência, que diminuem a gravidade do dano, e que há que ter em conta que quem trabalha também consome, havendo despesas permanentes (ex. as da alimentação) que mesmo sem trabalho sempre teriam de ser feitas, e que quem trabalha também se desgasta, reflectindo-se naturalmente na produtividade, a expectativa da duração de vida da recorrente, até ao limite da idade da reforma, sem prejuízo da contingência da vida, e do emprego, e tendo em conta o valor do salário mínimo actual, e a incapacidade verificada, revela-se adequada, em termos equitativos e de forma actualizada, fixar-se a indemnização, pela perda de capacidade de ganho., no montante de sessenta mil euros.


Donde, pelo exposto, o recurso não merece provimento.

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Termos em que decidindo:


Acordam os deste Supremo – 3ª secção – em dar parcial provimento ao recurso e, consequentemente revogam o acórdão recorrido quanto às indemnizações arbitradas, que ora fixam em setenta mil euros quanto à indemnização por danos não patrimoniais e em sessenta mil euros quanto à indemnização por danos patrimoniais, a que acrescem juros à taxa legal, desde a data da data da notificação do pedido cível até efectivo pagamento

       Custas pela recorrente, na proporção do decaimento.

           

            Supremo Tribunal de Justiça., 20 de Março de 2014

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Raul Borges