Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DOS REIS BRAVO | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CÚMULO JURÍDICO CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CONCURSO DE INFRAÇÕES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES FALSIFICAÇÃO OU CONTRAFAÇÃO DE DOCUMENTO MEDIDA CONCRETA DA PENA PENA ÚNICA PENA DE PRISÃO PENA SUSPENSA PERDÃO DESCONTO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Data do Acordão: | 03/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
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Sumário : | I. Sendo a moldura penal do cúmulo jurídico estabelecida entre o limite mínimo de 5 anos de prisão (pena parcelar aplicada mais elevada) e os 7 anos de prisão (máximo legal da moldura de concurso – art. 77.º, n.º 2, do CP) – ambas suspensas na sua execução, uma delas com condições e outra sujeita a regime de prova, ainda em cumprimento –, afigurando-se que da matéria de facto provada resulta o empreendimento de um esforço de ressocialização por parte da arguida, face à distância temporal da prática dos factos (11 e 8 anos, respetivamente) e à circunstância de não exercer já a profissão que proporcionou a prática dos factos, julga-se adequado e proporcional fixar a pena única no limite mínimo da moldura penal do concurso (de 5 anos de prisão). II. Face ao teor do relatório semestral de execução da DGRSP, e atendendo a que foi fixada em relação a dois crimes que se encontram numa relação de concurso, um de tráfico de estupefacientes (pelo qual foi aplicada a pena de 5 anos de prisão) e outro de falsificação de documento (a que foi aplicada a pena de 2 anos de prisão), ambas suspensas na sua execução, a primeira sujeita a regime de prova e a segunda ao dever de entregar quantia pecuniária a entidade beneficiária, mostra-se viável, pela verificação dos respetivos pressupostos, a manutenção da suspensão da execução da pena única assim determinada. III. Não é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade ou de qualquer outra norma, princípio ou parâmetro constitucional, a norma do art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, por não admitir a aplicação do perdão à condenada, que tinha mais de 31 anos na data da prática dos factos em apreço nos dois processos cujos crimes relevam para o concurso efetivo a que foi aplicada a pena única, sendo certo que o crime de tráfico de estupefacientes sempre estaria subtraído à aplicabilidade da medida de clemência (art. 7.º, n.º 1, al. f) subal. ix), da Lei n.º 38-A/2023). | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Por acórdão (cumulatório) do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de .../Juiz ..., de 19 de setembro de 2024 (Ref.ª Citius ...47), foi a arguida e ora Recorrente AA, melhor identificada nos autos, julgada e condenada, entre outras determinações, nos termos seguintes: «Face ao exposto, pelas razões aduzidas e procedendo ao cúmulo jurídico das penas mencionadas em 1 a 4 dos factos provados, isto é, das penas aplicadas nos processos Comum Coletivo n.º 134/17.2... do Juízo Central Criminal de ... - Juiz ... e nos presentes autos, decide este Tribunal Coletivo: • Condenar a arguida AA na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão. • Aplicar à referida pena única o desconto equitativo total de 2 (dois) meses (relativamente ao proc. n.º 134/17.2...), ao abrigo do art. 81.º n.º 2 do CP. • Não aplicar à arguida AA o regime de graça previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08;» 2. Dessa decisão recorreu a arguida AA, dirigindo o recurso ao Tribunal da Relação de Guimarães, em 24-10-2024 (Ref.ª Citius ...28). No final da motivação do referido recurso do acórdão do tribunal de 1.ª instância, a arguida apresentou as seguintes conclusões (transcrição): « I. A arguida recorrente foi condenada em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e oito meses de prisão, Sendo aplicado o desconto esquitativo total de 2 meses (dois), relativo ao processo 134/17.2..., ao abrigo do artigo 81.º n.º 2 do CP; A douta decisão ora recorrida, decidiu não aplicar à ora recorrente o regime previsto na Lei 38-A/2023, DE 02/08; II. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte factualidade: “2. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.o 134/17.2..., em 19/09/2022, e transitado em 09/01/2024, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., a arguida foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no arto. 21o no 1 do Dec-Lei no 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. 6. Nestes autos, foi homologado o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP e datado de 06/03/2024, por despacho datado de 20/03/2024. 7. Do relatório de execução semestral da DGRSP, datado de 13/09/2024, e elaborado no âmbito do regime de prova aplicado à arguida, consta que: “No que respeita ao cumprimento dos deveres inerentes ao acompanhamento determinado pelo Tribunal, no âmbito do presente, a condenada tem comparecido às entrevistas agendadas nestes serviços, prestando a informação que lhe é solicitada e demonstrando uma atitude de colaboração e intimidação face ao seu contexto judicial. (...) De uma forma global, consideramos que a condenada tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” III. Condenações sofridas pela arguida: A arguida não regista averbadas no seu certificado de registo criminal quaisquer outras condenações para além das supra referidas. IV. Condições económico-sociais AA mantém agregado familiar com o cônjuge e duas filhas menores de idade. O agregado reside numa casa tipo vivenda, imóvel herdado do tio materno da arguida, falecido em 2017, e sem custos fixos associados. A arguida licenciou-se em Direito em 2002 e, após um estágio profissional durante dois anos, desenvolveu atividade por conta própria desde 2005 na área da advocacia, a qual recentemente abandonou enveredando por uma outra área profissional. A arguida foi gradualmente transferindo os processos dos clientes por si representados para a ex- colega de trabalho, com quem se associou há alguns meses, e apostou na constituição de uma sociedade de administração de condomínios, sendo por ora ainda uma atividade com reduzido retorno financeiro. A arguida assumiu também em Março último a gestão de uma loja de flores, dedicando-se a arranjos florais de uma forma mais estruturada, uma vez que já realizava alguns trabalhos nesta área de forma informal e para amigos. Decorrente desta atividade, na área dos arranjos florais, a arguida iniciou recentemente um trabalho em “part-time”, relacionado com a gestão e organização de eventos, ao serviço do estabelecimento de restauração “M..., Lda.”, sedeado em .... A arguida trabalha em regime de prestação de serviços, auferindo um rendimento de aproximadamente 1.600€, referente às duas atividades referidas que, em conjunto com o salário do cônjuge, proveniente da atividade de Técnico de Marketing (cerca de 1.600€), suprem as despesas do agregado familiar. As principais despesas fixas do agregado respeitam aos consumos de água, luz, gás e TV/Internet, num total de 234€, acrescidos da mensalidade do colégio das filhas (300€) e da prestação de um crédito automóvel, no valor de 260€. A arguida mantém o acompanhamento psicológico iniciado em Março de 2017, comparecendo a consultas regulares no Departamento de Psiquiatria do Hospital de .... A arguida mantém a toma de medicação ansiolítica, tendo iniciado recentemente um processo de redução da medicação, salientando manter-se emocionalmente estável. Nos tempos livres, a arguida integra o grupo coral de G..., em ..., tendo-se afastado nos últimos anos da participação em outras atividades cívicas e de cariz cultural. A arguida mantem o apoio da família e dos amigos, os quais se têm constituído como uma forte retaguarda emocional, tendo em conta o envolvimento neste e no processo judicial atrás mencionado. A nível comunitário, a arguida mantém adequadas relações interpessoais, sendo caracterizada como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais. V. Os factos provados resultam da prova documental junta aos autos e da prova produzida em audiência, em concreto: da análise da certidão constante dos autos, e extraída do Processo Comum Coletivo n.o 134/17.2...; e da certidão do Processo Comum Coletivo do acórdão proferido nestes autos que se encontra junta ao processo eletrónico. Mais se analisou o teor do plano de reinserção social da DGRSP datado de 06/03/2024 referente ao processo n.o 134/17.2... e devidamente homologado por despacho, bem como o relatório de execução da DGRSP datado de 13/09/2024. Foi ainda tido em conta o CRC da arguida constante dos autos. Os elementos apurados referentes à situação pessoal, profissional, social e de vida da arguida resultaram da análise do relatório social junto aos autos e datado de 09/09/2024. VI No âmbito do processo n.o 134/17.2..., a arguida foi condenada na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social. Foi solicitado e junto aos autos o plano de reinserção social elaborado no âmbito da suspensão da pena aplicada ao condenado, conforme já supra mencionado, que é datado de 06/03/2024. Consta ainda do relatório de acompanhamento da pena aplicada à arguida (datado de 13/09/2024) que esta “tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” VII Descendo ao caso dos autos, constata-se que, de facto, a condenada tem vindo a cumprir satisfatoriamente o regime de prova aplicado naquele processo n.o 134/17.2... VIII Já no âmbito dos presentes autos não existe notícia de que a arguida tenha cumprido (parcial e / ou integralmente) o dever que lhe foi aplicado de pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à Raríssimas – Associação Nacional de Deficiências Mentais e Raras até ao termo do período da suspensão aplicada. IX Da aplicação da Lei n.o 38-A/2023 de 2 de Agosto: Entrou em vigor no passado dia 1 de Setembro a Lei n.o 38-A/2023 de 2 de Agosto, lei esta que estabelece um perdão de penas e amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. X. RAZÕES DE DISCORDÂNCIA COM A SENTENÇA RECORRIDA: Salvo melhor entendimento, o acórdão, ora posto em crise, merece censura, quer por ter desconsiderado, desde logo a aplicação regime previsto na Lei 38-A/2023, DE 02/08; nomeadamente no que se refere à idade, norma que foi já considerada pelo Tribunal Constitucional, como inconstitucional, ACÓRDÃO Nº 471/2024 Processo n.º 1112/2023 1.ª Secção Relator: Conselheiro José António Teles Pereira in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20240471.html; XI. O tribunal a quo desconsiderou por completo a decisão do Tribunal Constitucional: “Considero que a norma contida no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição da amnistia que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), pelo que não acompanhei a decisão e sua fundamentação; em síntese, pelos seguintes motivos: 1. A amnistia e o perdão genérico são uma exceção (doravante, utilizar-se-á a expressão “amnistia” somente, tomando a parte pelo todo apenas por comodidade de expressão, exceto onde a distinção se justificar). Em Estado de direito democrático, as exceções carecem de uma justificação racional e juridicamente aceitável, o que é dizer que a amnistia tanto carece de um fundamento constitucional, como encontra limites constitucionais (materiais, formais e orgânicos). Deste ponto de vista, a consideração da amnistia como ato “de graça”, que ainda se encontra na linguagem hodierna, carece de uma redução. Uma vez que (i) na nossa Constituição a competência amnistiante pertence ao Parlamento e reveste forma de lei (cfr. artigos 161.º, f) e 166.º, n.º 3), e que (ii) não parece que possa dizer-se que a ausência de uma certa lei de amnistia contrarie o plano constitucional, gerando inconstitucionalidade por omissão —então, a “graça” do legislador não é distinta do juízo de oportunidade que lhe assiste no momento de decidir quanto à existência ou não de qualquer lei que não seja constitucionalmente exigida. Para além disso, valem as vinculações constitucionais. 2. A norma objeto nos presentes autos é a emergente do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, que, na sequência do disposto no artigo 1.º — «[a] presente lei estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude»— textualmente, estabelece que «[e]stão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º». O disposto neste artigo 2.º, n.º 1, delimita a amnistia em três segmentos distintos: em termos temporais («sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023»), em termos objetivos («sanções penais relativas aos ilícitos praticados [...] nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º»), e em termos subjetivos («por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto»). Note-se que a delimitação objetiva não resulta apenas daquele segundo segmento, mas ainda de outras normas (v.g., do artigo 7.º, que estabelece exceções que têm por critério essencial o tipo criminal). Em todo o caso, é apenas o segundo segmento que agora está em causa. 3. A amnistia (e mais claramente ainda o perdão genérico) não desfaz o aspecto historicamente situado da imputação penal: o facto praticado continua a tê-lo sido. O que se altera são as consequências, em resultado de uma valoração posterior ou “atual”. Independentemente de saber com exatidão sobre que aspetos da imputação recai tal valoração posterior, tem que haver uma relação entre a mesma, os elementos da imputação penal e a razão de punir (eis o problema da amnistia funcional e não apenas “não contrária” aos fins do Estado; é isso que justifica, para Francisco Aguilar, que amnistia assente num facto excecional, e não numa norma de fins; é esse tipo de excecionalidade funcional que permite aceitar entorses à igualdade —cfr. Amnistia e Constituição, Almedina, Coimbra, 2004, pp. p. 202—; mas não todos: cfr. infra). 4. Como exceção, a amnistia tem de basear-se num facto, sobre o qual recai um juízo que aconselha o legislador ao “esquecimento”. Se esse facto não existir qua tale, e houver apenas o juízo legislativo para futuro, então é de descriminalização que falamos (para futuro, necessariamente, sem prejuízo de consequências para o passado). Esse facto tem, ele próprio, que corporizar a excecionalidade, não quantitativa, mas qualitativa; é a circunstância em que o mesmo ocorre que lhe dá a excecionalidade. 5. Atenta a necessidade da punição como critério legitimador do legislador para a tipificação criminal de condutas (não sendo bastante a existência de bens jurídicos constitucionalmente protegidos), a amnistia tem de justificar-se numa necessidade momentaneamente mais premente, mas que não afeta, em geral, a necessidade da punição (ou a subsistência da incriminação na lei). Os critérios para certa amnistia têm de refleti-lo. Com efeito, o impacto político-comunitário resultante da dúvida sobre a igualdade coloca sobre o legislador um especial dever de burilar a delimitação da amnistia, de modo a que ela apresente uma racionalidade relativamente evidente (ainda que discutível). A este propósito, não pode perder-se de vista que o processo criminal é, embora não apenas, uma garantia dos direitos fundamentais das vítimas de crimes. Daí que tenha de existir um valor constitucional suficientemente justificante da secundarização de tais direitos, ou, de outra perspetiva (e quando já seja o caso) da redução do que os tribunais entenderam adequado para tal, em concreto, nos termos das decisões condenatórias. 6. Na situação subjacente à amnistia aqui em apreço, o facto é constituído pelas Jornadas Mundiais da Juventude (o legislador omite qualquer referência à visita do Papa em especial). Parece ser isso que motivou o legislador a uma delimitação subjetiva da abrangência em função da idade. Ora, independentemente de saber se a visita papal tem um peso específico na mens legislatoris, o facto “Jornadas Mundiais da Juventude” é claramente eventual: se o tema destas jornadas fosse outro, isso não forneceria por si só um critério aceitável para uma amnistia. Este teste satisfaz-se com evidente clareza se se imaginar um tema para tais jornadas que levasse a uma distinção a priori proibida pelo artigo 13.º, n.º 2 da CRP: se a «situação económica» se encontra entre os “fatores suspeitos” de discriminação, umas “jornadas mundiais dos pobres” justificariam uma amnistia cuja delimitação subjetiva ocorresse em função do rendimento e património de cada um? A resposta é, evidentemente, negativa, e a proibição expressa deste “fator suspeito” é apenas um adjuvante de demonstração. O ponto é que não se manifesta aí excecionalidade alguma, pois esta não equivale a “ocorrência irrepetível” ou “esporádica com pouca probabilidade de repetição”. A afirmação da exceção constitui um juízo conclusivo que contrapõe e pondera a necessidade da punição que o legislador afirmara no passado, à necessidade contrária e momentaneamente justificada que o legislador considera no presente, e que prevalece. Se as “Jornadas Mundiais da Juventude” e a visita papal constituem facto e contexto, o tema das jornadas é pretexto para a delimitação do âmbito subjetivo da amnistia. 7. O artigo 13.º da CRP estabelece que todos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Sendo certo que a idade não se encontra expressamente inscrita no n.º 2 desse mesmo preceito entre os chamados “fatores suspeitos” de discriminação proibida, só onde o elemento “idade” não se apresente como arbitrário ou então contrário a outras vinculações constitucionais, se poderá admitir uma discriminação com base nele. 8. A idade é uma característica pessoal. Por conseguinte, qualquer discriminação que adote a idade como critério precisa de se apoiar e fornecer uma justificação para distinções com base nessa característica pessoal, quer dizer, para a necessidade da utilização de tal critério distintivo. Há várias situações em que assim é, porque o desenvolvimento pessoal é absolutamente relevante para a arquitetura de uma situação jurídica: ninguém pode ser imputável penalmente aos dois anos de idade, e ninguém com essa idade poderá conduzir um veículo ou votar. É um problema de autonomia, liberdade e responsabilidade, que carece absolutamente de um critério. Mas enquanto aí a diferenciação em razão da idade é adequada e necessária (independentemente de qual venha a ser a opção concreta do legislador quanto à idade relevante), no caso da amnistia uma tal distinção é desnecessária: não há qualquer razão cogente para que o legislador estabeleça uma distinção em razão da idade. 9. A idade como critério refere-se a um aspeto que não é excecional e enquanto tal justificante: Não se encontra justificação para que “apenas” ou “especificamente” no momento da amnistia opere o “esquecimento” penal em razão da idade. A idade não reflete um momento da polis que se pretende “esquecer”; porquê “esquecer” a prática de infrações, penais e de outra natureza, pelos mais jovens, sem qualquer outro elemento de ponderação, num certo período? Porquê “recordar” apenas as infrações praticadas por quem tem mais de 30 anos? 10. A delimitação subjetiva da amnistia cumpre a função normativa de um limite (subjetivo) que “restringe o alcance da norma de amnistia”. É uma situação funcionalmente idêntica (no plano da norma) à referida por Francisco Aguilar, de uma norma amnistiante que estabelecesse a sua aplicabilidade apenas a funcionários públicos do sexo masculino: seria uma inconstitucionalidade parcial deste segmento normativo, devendo a amnistia beneficiar igualmente os demais funcionários públicos, resultado a que se chegaria obliterando o segmento “sexo masculino” (redução do texto da norma em consequência de inconstitucionalidade parcial, conduzindo à ampliação do seu âmbito de aplicação), o que seria suficiente para salvar a norma da inconstitucionalidade (sem que se suscitasse questão quanto ao caráter eventualmente aditivo da decisão de constitucionalidade: cfr. Amnistia e Constituição, cit., pp. 226-227). 11. De um outro ponto de vista, poderia perguntar-se se a delimitação subjetiva da amnistia em razão da idade não poderia constituir uma discriminação positiva constitucionalmente aceitável; por outras palavras, se não seria legítimo ao legislador discriminar com uma função promocional dos mais jovens, como que concedendo-lhes uma nova oportunidade. Decerto, discriminações que adotam a idade como critério não são proibidas em si mesmas. Não sendo este o lugar sequer para uma síntese desta possibilidade (de discriminações positivas em razão da idade), há que dizer que tal obedecerá sempre a um critério de necessidade. Ora, não se trata aqui de gerir um recurso escasso, relativamente ao qual o legislador considere, ou seja objetivamente imperioso, estabelecer prioridades de acesso. Deste modo, uma “nova oportunidade” pode ser dada a todos (sem curar agora de saber se a própria amnistia é arbitrária, e não apenas a sua delimitação subjetiva). Não sendo dada a todos, há um abandono dos que têm mais de 30 anos, que também podiam ter uma “nova oportunidade”, mas não a terão: não porque seja objetivamente impossível tê-la, mas apenas porque o legislador, na sua «graça» a não quer dar, sem uma justificação constitucionalmente aceitável. Esta é, justamente, a «graça» sem fundamento constitucional; e sem este, ela é caprichosa e inaceitável em Estado de direito democrático.” XIII. DOS FUNDAMENTOS DE DESCONTO DAS PENAS o tribunal a quo não valorou os relatórios sociais, quer as constantes no âmbito do presente processo, quer os que constam na medida de acompanhamento do processo n.º 127/17.2..., suporte probatório para considerar assentes os referidos factos. XIV. No entendimento do Tribunal a quo, apenas pesaram os “Contras”, sendo um dos fundamentos o facto de os crimes terem sido praticados no exercício da profissão, com dolo e direto e intenso, A ora recorrente, e conforme se demonstrou nos diversos relatórios sociais já elaborados, alguns deles no decurso da medida de acompanhamento do processo 127/17.2..., deixou já a profissão, por iniciativa própria, tendo solicitado à Ordem dos Advogados o cancelamento da inscrição enquanto Advogada, facto que o Tribunal a quo tem conhecimento e refere no douto acórdão, ainda assim não foi considerado pelo mesmo tribunal, considerando como “larga medida de prevenção geral positiva e negativa; XV. A acrescer a tal facto, durante cerca de 11 anos (onze), nunca houve qualquer noticia de que a arguida tivesse cometido qualquer crime da mesma natureza que levasse a uma prevenção tão premente, e tornasse recorrente ou modo de vida da ora recorrente, ora só por si, tal facto deveria ter sido atendido na medida a aplicar o que também não foi. XVI. Quanto ao crime pela qual a arguida foi condenada anteriormente, decorreram já 9 meses da suspensão da mesma, e se é certo que ao “desconto a dar na medida parcialmente cumprida que parecer equitativo”, o Tribunal a quo, também não andou bem, na medida em que pesou apenas os contras da arguida e não os prós a favor da arguida, XVII. Os factos criminosos pelos quais a arguida foi condenada foram-no em 2013 e em 2017, ora, decorreram quase 11 anos e quase 8 anos sobre a prática de tais crimes, sem que no decurso desse período tivesse sido conhecido qualquer atividade criminosa ou outros crimes conhecidos ou denunciados, que levem o tribunal a quo a considerar que a ora recorrente faz do crime modo de vida; Pelo contrário, afastou-se definitivamente da profissão, que lhe trouxe muito de bom e da qual se sentia realizada, mas também lhe trouxe o pior que poderia trazer em prejuízo próprio, no entanto, não baixou os braços e se acomodou a subsídios do estado, tendo antes procurado alternativas de trabalho em áreas diversificadas, criando inclusivamente o seu próprio negócio, contribuindo com os seus impostos, longe da atividade profissional que originou ambos os processos que resultaram em condenação, cfr. se refere o presente despacho do qual se recorre no ponto 9., 10. 11. e 12., está integrada familiarmente, laboralmente e socialmente, não se encontra no presente decisão nada contra a personalidade da arguida para além das duas condenações, e conforme refere Figueiredo Dias “ Tudo deve passar-se, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto de factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade...”, XVIII. Ora, e atendendo ao descrito na decisão de que ora se decorre em nada se comprova que a ora recorrente faz do crime modo de vida, e que as penas aplicadas, não tenham já por si só uma profunda consciencialização dos factos, aliás só o simples factos da existência dos processos judiciais afetam psicologicamente a ora recorrente, que desde 2017, mantem acompanhamento psiquiátrico para se poder levantar todoso os dias, e tanto assim é que, por iniciativa própria “abandona” a única profissão que havia exercido. XIX. Nenhuma das penas aplicadas foi de prisão efetiva, pelo que deveria e poderia ao abrigo do artigo 81.º do C.P., o Tribunal a quo ter decidido de outra forma, tinha que ter concluído que, no âmbito do despacho de que ora se recorre tinha que ter efetuado um desconto que parecer equitativo e em consequência reformular a liquidação da pena, não pode simplesmente o tribunal a quo basar-se no não pagamento da quantia que motivou a suspensão à instituição R..., uma vez que foi o próprio tribunal a quo que determinou que o referido pagamento deveria ser feito até ao final do período da suspensão ou seja dois anos, não considerar por si só que tal facto demonstra falta de vontade em cumprir ou ser motivo para se eximir à não aplicação de desconto na pena, sem qualquer fundamento jurídico para tal, uma vez que decorre ainda prazo para liquidação de tal montante; XX. Foram assim violados e mal interpretados os artigos 81.º C.P. e arts 477.º n.º 1 e 2 e 479.º do CPP XXI. Ademais, o cumprimento de algum tempo de uma pena suspensa, impõe um desconto equitativo, não sendo necessário que essa suspensão tenha obrigações ou regras. O simples decurso do tempo de suspensão sem novo crime impõe um desconto equitativo, de modo a não prejudicar-se o condenado. XXII. O instituto do desconto é tido como um caso especial de determinação da pena, correspondente a um poder dever de decisão por parte do tribunal que obtém o conhecimento das circunstâncias factuais e processuais que justificam a sua aplicação; XXIII. O que acontece no caso concreto, a total ausência de pronuncia na decisão aqui recorrida relativamente ao desconto parcialmente cumprido em ambos os processos cumulados, corresponde a nulidade por omissão de pronuncia nos termos do disposto no artigo 379. n.º 1 alinea c) do CPP, nulidade que aqui se invoca, com as legais consequências. Assim, em nome da justiça e da equidade, dando-se provimento ao presente recurso, deve o Tribunal da Relação revogar o acórdão de 19-09-2024. Foram violados os artigos 13.º, 29.º, n.ºs 1, 3 e 4, 32.º, n.º 2 da C.R.P., 21.º, 24.º, e 25.º do D. L. 15/93, de 22.01, 127.º e 379.º, n.º 1, alíneas a), b), e 374, n.º 2 do C.P.P., 50.º, 70.º, 71.º e 82.º do Cód. Penal, bem como violado o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 471/2024 - Processo n.º 1112/2023 1.ª Secção Relator: Conselheiro BB. Nestes termos e nos demais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá, o presente recurso, merecer provimento e consequentemente ser revogado o acórdão recorrido e substituído por outro que considere procedentes as alegações e conclusões supra aduzidas, com todas as consequências legais. Com o que farão Vossas Excelências, Colendos Juízes Desembargadores, a justiça que o caso reclama.» 3. Admitido o recurso, por despacho da Senhora juíza presidente do Coletivo, de 07-11-2024 (Ref.ª Citius ...82), respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido, em 06-12-2024 (Ref.ª Citius ...07), pugnando, em suma, pela total improcedência do recurso da arguida. 4. O processo foi remetido para este Supremo Tribunal de Justiça, por despacho da Senhora juíza de Direito Presidente do Coletivo, de 12-12-2024 (Ref.ª Citius ...36). 5. Uma vez neste Supremo Tribunal de Justiça, pelo Senhor Procurador-geral-adjunto aqui em funções, foi emitido parecer nos termos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, em 26-12-2024 (Ref.ª Citius ...05), em tudo concordante com a posição da Senhora magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, pugnando pela total improcedência do recurso da arguida. 6. Notificado tal parecer à recorrente, para, querendo, se pronunciar, a mesmo veio, em 22-01-2025 (Ref.ª ...60), dizer que o Ministério Público ignora a circunstância, também omitida pelo tribunal recorrido, de a arguida ainda estar em tempo para cumprir a condição do pagamento à Associação R... de € 1.500,00, tendo solicitado em 22-01-2025 os dados para efetuar tal pagamento, protestando juntar o comprovativo desse pagamento quando o efetivasse. Mais invoca que “(…) não teve o Tribunal do qual se recorre em consideração, o facto de a prática do crime em causa ter ocorrido há mais de 11 anos, e o outro há 8 anos, e que nesse hiato temporal tivesse ocorrido qualquer outra ocorrência, de natureza criminal”, sendo certo que decidiu abandonar a profissão de advogada. Por fim, alega que o Ministério Público não toma em consideração os factos favoráveis à arguida, o teor do relatório social, o facto de ser boa mãe, sendo as suas duas filhas menores dependentes de si e que muito irão sentir a sua falta, com o que pretende colocar em causa o teor do parecer do Senhor Procurador-geral-adjunto neste STJ. Por requerimento de 11-02-2025 (Ref.ª ...38), a arguida juntou cópia digital de documento comprovativo do pagamento, em 01-02-2025, da importância de € 1.500,00, à Associação R.... 7. Colhidos os vistos, não tendo sido requerida audiência, foram os autos julgados em conferência - artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto II.1.1. Factos provados e não provados 8. Encontram-se provados os seguintes factos (transcrição): «3.1. Matéria de facto provada: Resultou assente a seguinte factualidade: 1. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 851/18.0... (presentes autos), em 07/03/2024, e transitado em 18/04/2024, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... (J...), a arguida foi condenada, como co-autora material, na forma consumada, de um crime de falsificação de documento (agravado), previsto e punível pelo arts. 255.º, a) e 256.º, al. a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. 2. A referida suspensão da pena foi ainda sujeita ao dever de pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à R..., até ao termo do período da suspensão aplicada. * Factos na origem da condenação: “1. A ........2007 faleceu CC no estado de viúva de DD e não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade. 2. Sucederam-lhe como herdeiros os seus quatro filhos, a arguida EE, que foi indicada como cabeça-de-casal, FF, GG e HH e ainda o seu neto II, em representação do seu filho pré-falecido, JJ. 3. Integravam os bens da herança indivisa, entre o mais: o prédio inscrito na ...ª conservatória do registo predial de ... sob o nº ...32 da freguesia de ... correspondente a prédio composto de rés do chão, 1º andar e logradouro, sito no Bairro da ..., na Rua ..., ..., com o valor patrimonial tributário de vinte e nove mil quatrocentos e sessenta euros e setenta e cinco cêntimos (€ 29.460,75); o prédio rústico de mato denominado “...” sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ... descrito na ...ª conservatória do registo predial de ... sob o nº ...5, inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo ...7, com o valor patrimonial tributário de € 1.060,00 (mil e sessenta euros); o prédio inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo ...00, descrito na ...ª conservatória do registo predial de ... sob o nº ...58, com o valor patrimonial tributário de dezanove mil setecentos e trinta e quatro euros e quarenta e sete cêntimos (€ 19.734,47) e o prédio inscrito na matriz predial respectiva, sob o artigo ...01, descrito na ...ª conservatória do registo predial de ... sob o nº ...59, com o valor patrimonial tributário de vinte e cinco mil quatrocentos e cinquenta e seis euros e vinte cêntimos (€ 25.456,20). 4. A ofendida FF foi declarada interdita por anomalia psíquica, por sentença de 07.12.2012, proferida pelo ....º Juízo cível do Tribunal Judicial de ..., transitada em julgado. 5. As arguidas EE e KK mantinham à data dos factos que infra se descrevem relações de amizade e próximas há vários anos. 6. Em data não concretamente apurada, mas próxima de Setembro de 2013, apesar de estar ciente de que não lhe tinha sido concedido qualquer poder de representação pelo seu sobrinho II ou por qualquer outro herdeiro, mormente para a outorga em partilha ou qualquer negócio de disposição ou oneração do património deixado por CC, a arguida EE formulou o propósito de dispor, onerar e vender aquele património, sabendo que este não lhe pertencia exclusivamente, através de um esquema ardiloso que delineou, visando fazer crer às pessoas com quem contratava que lhe tinham sido concedidos poderes de representação pelos demais herdeiros, com vista a ilegitimamente apropriar-se na totalidade do produto da venda dos bens ou obter outro benefício patrimonial ilegítimo e utilizá-lo exclusivamente em seu proveito, decidindo forjar para o efeito todos os documentos que viessem a revelar-se necessários para a concretização deste desiderato. 7. Na concretização de tal propósito, a arguida EE e a arguida KK, que entretanto tomou conhecimento do plano criminoso gizado pela primeira e a ele aderiu com vista à obtenção de provento económico em montante não apurado, ou alguém a seu mando e no seu interesse, forjaram uma procuração, que dataram de 16.09.2013, na qual fizeram constar que todos os herdeiros FF, GG e HH e ainda o seu sobrinho II lhe concediam poderes especiais para em seu nome “…comprar ou vender bens imóveis, pelos preços, cláusulas e demais condições que entender convenientes, podendo para tais actos outorgar e assinar as competentes escrituras ou contratos promessa …” e ainda “representá-lo junto de quaisquer companhias de seguros, onde poderá assinar contratos, rescindi-los ou alterá-los, contestar e reclamar prémios, resgatar quaisquer importâncias assinando recibos ou outros documentos, requerer actos de registo provisórios ou definitivos cancelamentos e averbamentos, fazer declarações complementares. Nos serviços de finanças pagar contribuições e impostos, prestar declarações, apresentar e receber documentos. Fazendo manifestos, alterações e cancelamentos, e reclamar contra lançamento de colectas indevidas e excessivas, recebendo títulos de anulação e as importâncias destes. Junto das Câmaras Municipais requerer quaisquer licenças, apresentar projectos, plantas, rectificações, aditamentos e outros documentos. Representá-lo em qualquer tribunal ou juízo, com os mais amplos poderes forenses incluindo os de transigir. Representá-lo junto da EDP, telecomunicações de Portugal, de água e de Gás, requerer, assinar e praticar tudo o que necessário se torne. Junto da Segurança Social ou de quaisquer outros organismos, sejam eles públicos ou privados apresentar, consultar, receber e assinar quaisquer documentos ou assuntos em que seja interessado. Junto dos correios levantar cartas registadas ou encomendas em seu nome; Para o representar junto de inquilinos e assembleias de condóminos, votando e participando na gestão de condomínios, contratar obras e reparações de imóveis de sua propriedade e cuja administração lhe esteja confiada. Mais confere poderes para pagar e receber rendas, que sejam da sua responsabilidade. Para junto de qualquer entidade bancária ou semelhante, onde a mesma possua títulos, contas, a representar podendo pedir extractos bancários, movimentar e gerir as respectivas contas de que seja titular. Mais confere os poderes para sujeitar a hipoteca, pelo valor que entenda o bem imóvel sito na rua ..., freguesia de ... em ...”. 8. No final da procuração acima descrita e imediatamente abaixo da data, as arguidas EE e KK, ou alguém a seu mando e no seu interesse, forjaram por imitação as assinaturas dos ofendidos GG, HH, II, este último que fizeram constar como II. 9. Acresce que, a arguida EE, aproveitando-se da circunstância de ser, à data dos factos que se descrevem, tutora e legal representante da ofendida FF e de, por isso, as arguidas EE e KK bem saberem que não tinha consciência ou entendia o alcance do acto, fizeram-na apor a sua impressão digital no documento previamente forjado, de modo e em circunstâncias não apuradas e, sem estarem na presença de notário, fizeram constar que esta assinava a rogo da ofendida. 10. Após, na posse do documento previamente forjado, as arguidas EE e KK procuraram a arguida AA, advogada, e solicitaram-lhe que, no âmbito das suas atribuições profissionais, procedesse ao reconhecimento das assinaturas apostas no documento forjado, ao que esta anuiu, dando o seu acordo, apesar de nunca ter estado com nenhum dos ofendidos nem lhe terem sido exibidos os originais dos documentos de identificação respectivos, facto que era do seu conhecimento. 11. Deste modo, a arguida AA, no âmbito das suas atribuições profissionais e na execução do plano previamente gizado pelas demais arguidas, fabricou um termo de reconhecimento de assinaturas datado de 17.09.2013, que submeteu posteriormente a registo na plataforma digital da ordem dos advogados sob o nº ...55, onde fez constar que o ofendido II lhe tinha exibido o original do seu cartão de cidadão, que o nº do documento de identificação do ofendido era ...44, número que – na realidade - pertence e identifica LL, filho da arguida EE, e que aquele residia na Alameda ..., ..., factos que sabia não corresponderem à verdade. 12. O termo de autenticação de assinaturas forjado pela arguida AA conferiu a mesma força probatória à procuração como se esta tivesse sido realizada com intervenção notarial, apesar dos elementos nele contidos não corresponderem à verdade, o que era do conhecimento de todas as arguidas. (…) 27. As arguidas EE, KK e AA sabiam ainda que esta última não esteve com os ofendidos nem estes assinaram a procuração na sua presença ou exibiram o original dos seus documentos de identificação, tendo aquela última feito constar do termo de reconhecimento de assinaturas factos que todas sabiam não corresponderem à verdade, o que correspondeu ao desígnio de todas. 28. As arguidas EE, KK e AA agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e vontades, com o propósito concretizado de causarem prejuízo a outrem e obterem um benefício a que não tinham direito, no caso da arguida AA, no valor dos honorários cobrados, bem sabendo que esta tinha atestado factos que sabia não corresponderem à verdade e, dessa forma, atentavam todas contra a fé pública a que os mesmos se destinavam, abalando a credibilidade atribuída pela ordem jurídica a este tipo de documentos. (…) 37. Bem sabiam todas as arguidas que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei criminal.” * 3. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 134/17.2..., em 19/09/2022, e transitado em 09/01/2024, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., a arguida foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artº. 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. 4. Nestes autos, foi homologado o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP e datado de 06/03/2024, por despacho datado de 20/03/2024. 5. Do relatório de execução semestral da DGRSP, datado de 13/09/2024, e elaborado no âmbito do regime de prova aplicado à arguida, consta que: “No que respeita ao cumprimento dos deveres inerentes ao acompanhamento determinado pelo Tribunal, no âmbito do presente, a condenada tem comparecido às entrevistas agendadas nestes serviços, prestando a informação que lhe é solicitada e demonstrando uma atitude de colaboração e intimidação face ao seu contexto judicial. (…) De uma forma global, consideramos que a condenada tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” Factos na origem da condenação: “1) No dia 27 de fevereiro de 2017, pelas 16:10 horas, a arguida AA, advogada, entrou no Estabelecimento Prisional de ..., sito em ..., vestindo um casaco do tipo sobretudo, trazendo num dos bolsos do casaco uma placa de produto vegetal prensado, cor castanha, embrulhada em película aderente, com o peso líquido de 96,010 gramas, correspondendo a canábis (resina), com um grau de pureza de 7,3%. 2) Tal quantidade de estupefaciente dava para 140 doses médias individuais diárias. 3) O referido produto estupefaciente iria ser entregue pela arguida AA a MM e destinava-se a NN. 4) Após passagem pelo pórtico detetor de metais existente na entrada do referido Estabelecimento Prisional, a arguida foi sujeita a revista pelos guardas prisionais que vieram a apreender o produto estupefaciente por ela detido. 5) NN era, à data, companheiro de OO e havia, no dia 24 de fevereiro de 2017, solicitado a esta que fosse levantar o estupefaciente a um fornecedor de ambos conhecido e que o fizesse chegar à arguida AA, o que OO fez, para que a arguida o introduzisse no Estabelecimento Prisional de ..., com o falso pretexto de, na qualidade de advogada, ir visitar um outro recluso MM e, através deste, lhe fazer chegar o estupefaciente conjuntamente com as 39 agulhas de seringa, os dois carregadores de telemóvel, o cabo USB e um auricular que igualmente lhe foram apreendidos. 6) O produto estupefaciente apreendido tem valor não inferior a €700,00, valor esse obtido partindo do valor de, pelo menos, €5,00 como correspondendo a cada dose média individual diária. 7) A arguida AA, pelo modo descrito em 3) e 5), destinava o produto estupefaciente referido em 1) à venda e cedência por NN a outros reclusos do Estabelecimento Prisional de .... 8) A arguida conhecia as características e a natureza do produto estupefaciente que deteve, transportou e destinava, através de NN, a ser cedido a terceiros. 9) A arguida AA aceitou proceder à introdução do estupefaciente no Estabelecimento Prisional para fazer chegar a NN em troca de quantia monetária não concretamente apurada, sendo que o valor de €180,00 que lhe foi apreendido foi-lhe entregue por OO como princípio de pagamento. 10) NN, OO e a arguida AA, agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, de forma livre, deliberada e consciente, pela forma supra descrita, com o propósito de adquirir, deter, transportar, introduzir e distribuir por terceiros no interior do estabelecimento prisional produto de natureza estupefaciente e, designadamente, cannabis resina, em troca de compensação monetária. 11) A arguida estava consciente da ilicitude da sua conduta e bem sabia ser proibida.” Condenações sofridas pela arguida: 6. A arguida não regista averbadas no seu certificado de registo criminal quaisquer outras condenações para além das supra referidas. * Condições económico-sociais 7. AA mantém agregado familiar com o cônjuge e duas filhas menores de idade. 8. O agregado reside numa casa tipo vivenda, imóvel herdado do tio materno da arguida, falecido em 2017, e sem custos fixos associados. 9. A arguida licenciou-se em Direito em 2002 e, após um estágio profissional durante dois anos, desenvolveu atividade por conta própria desde 2005 na área da advocacia, a qual recentemente abandonou enveredando por uma outra área profissional. 10. A arguida foi gradualmente transferindo os processos dos clientes por si representados para a ex-colega de trabalho, com quem se associou há alguns meses, e apostou na constituição de uma sociedade de administração de condomínios, sendo por ora ainda uma atividade com reduzido retorno financeiro. 11. A arguida assumiu também em Março último a gestão de uma loja de flores, dedicando-se a arranjos florais de uma forma mais estruturada, uma vez que já realizava alguns trabalhos nesta área de forma informal e para amigos. 12. Decorrente desta atividade, na área dos arranjos florais, a arguida iniciou recentemente um trabalho em “part-time”, relacionado com a gestão e organização de eventos, ao serviço do estabelecimento de restauração “M..., Lda.”, sedeado em .... 13. A arguida trabalha em regime de prestação de serviços, auferindo um rendimento de aproximadamente 1.600€, referente às duas atividades referidas que, em conjunto com o salário do cônjuge, proveniente da atividade de Técnico de Marketing (cerca de 1.600€), suprem as despesas do agregado familiar. 14. As principais despesas fixas do agregado respeitam aos consumos de água, luz, gás e TV/Internet, num total de 234€, acrescidos da mensalidade do colégio das filhas (300€) e da prestação de um crédito automóvel, no valor de 260€. 15. A arguida mantém o acompanhamento psicológico iniciado em Março de 2017, comparecendo a consultas regulares no Departamento de Psiquiatria do Hospital de .... A arguida mantém a toma de medicação ansiolítica, tendo iniciado recentemente um processo de redução da medicação, salientando manter-se emocionalmente estável. 16. Nos tempos livres, a arguida integra o grupo coral de G..., em ..., tendo-se afastado nos últimos anos da participação em outras atividades cívicas e de cariz cultural. 17. A arguida mantem o apoio da família e dos amigos, os quais se têm constituído como uma forte retaguarda emocional, tendo em conta o envolvimento neste e no processo judicial atrás mencionado. 18. A nível comunitário, a arguida mantém adequadas relações interpessoais, sendo caracterizada como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais.» 19. Por acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 134/17.2..., em 19/09/2022, e transitado em 09/01/2024, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., a arguida foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artº. 21º nº 1 do Dec-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita a regime de prova. 20. Nestes autos, foi homologado o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP e datado de 06/03/2024, por despacho datado de 20/03/2024. 21. Do relatório de execução semestral da DGRSP, datado de 13/09/2024, e elaborado no âmbito do regime de prova aplicado à arguida, consta que: “No que respeita ao cumprimento dos deveres inerentes ao acompanhamento determinado pelo Tribunal, no âmbito do presente, a condenada tem comparecido às entrevistas agendadas nestes serviços, prestando a informação que lhe é solicitada e demonstrando uma atitude de colaboração e intimidação face ao seu contexto judicial. (…) De uma forma global, consideramos que a condenada tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” Condenações sofridas pela arguida: 22. A arguida não regista averbadas no seu certificado de registo criminal quaisquer outras condenações para além das supra referidas. * Condições económico-sociais 23. AA mantém agregado familiar com o cônjuge e duas filhas menores de idade. 24. O agregado reside numa casa tipo vivenda, imóvel herdado do tio materno da arguida, falecido em 2017, e sem custos fixos associados. 25. A arguida licenciou-se em Direito em 2002 e, após um estágio profissional durante dois anos, desenvolveu atividade por conta própria desde 2005 na área da advocacia, a qual recentemente abandonou enveredando por uma outra área profissional. 26. A arguida foi gradualmente transferindo os processos dos clientes por si representados para a ex-colega de trabalho, com quem se associou há alguns meses, e apostou na constituição de uma sociedade de administração de condomínios, sendo por ora ainda uma atividade com reduzido retorno financeiro. 27. A arguida assumiu também em Março último a gestão de uma loja de flores, dedicando-se a arranjos florais de uma forma mais estruturada, uma vez que já realizava alguns trabalhos nesta área de forma informal e para amigos. 28. Decorrente desta atividade, na área dos arranjos florais, a arguida iniciou recentemente um trabalho em “part-time”, relacionado com a gestão e organização de eventos, ao serviço do estabelecimento de restauração “M..., Lda.”, sedeado em .... 29. A arguida trabalha em regime de prestação de serviços, auferindo um rendimento de aproximadamente 1.600€, referente às duas atividades referidas que, em conjunto com o salário do cônjuge, proveniente da atividade de Técnico de Marketing (cerca de 1.600€), suprem as despesas do agregado familiar. 30. As principais despesas fixas do agregado respeitam aos consumos de água, luz, gás e TV/Internet, num total de 234€, acrescidos da mensalidade do colégio das filhas (300€) e da prestação de um crédito automóvel, no valor de 260€. 31. A arguida mantém o acompanhamento psicológico iniciado em Março de 2017, comparecendo a consultas regulares no Departamento de Psiquiatria do Hospital de .... A arguida mantém a toma de medicação ansiolítica, tendo iniciado recentemente um processo de redução da medicação, salientando manter-se emocionalmente estável. 32. Nos tempos livres, a arguida integra o grupo coral de G..., em ..., tendo-se afastado nos últimos anos da participação em outras atividades cívicas e de cariz cultural. 33. A arguida mantem o apoio da família e dos amigos, os quais se têm constituído como uma forte retaguarda emocional, tendo em conta o envolvimento neste e no processo judicial atrás mencionado. 34. A nível comunitário, a arguida mantém adequadas relações interpessoais, sendo caracterizada como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais. * 3.2 Matéria de facto não provada: Inexistem factos não provados. 3.3 Motivação da Matéria de Facto Os factos provados resultam da prova documental junta aos autos e da prova produzida em audiência, em concreto: da análise da certidão constante dos autos, e extraída do Processo Comum Coletivo n.º 134/17.2...; e da certidão do Processo Comum Coletivo do acórdão proferido nestes autos que se encontra junta ao processo eletrónico. Mais se analisou o teor do plano de reinserção social da DGRSP datado de 06/03/2024 referente ao processo n.º 134/17.2... e devidamente homologado por despacho, bem como o relatório de execução da DGRSP datado de 13/09/2024. Foi ainda tido em conta o CRC da arguida constante dos autos. Os elementos apurados referentes à situação pessoal, profissional, social e de vida da arguida resultaram da análise do relatório social junto aos autos e datado de 09/09/2024.» II.1.2. Fundamentação jurídica da decisão recorrida 9. A decisão do Acórdão recorrido no sentido da fixação da pena única resultante do cúmulo jurídico superveniente foi sustentada na seguinte fundamentação jurídica: «(…) De acordo com o disposto no artigo 78.º do Código Penal, “1 ‐ Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. 2 ‐ O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.” E, de acordo com o disposto no artigo 77.º do Código Penal: “1 ‐ Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 ‐ A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando‐se de pena de prisão e 900 dias tratando‐se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.” “Se a condenação anterior tiver tido lugar por um crime singular, não se suscita qualquer problema: o tribunal em função daquela condenação e do crime anterior, profere a pena conjunta do concurso. Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida ao crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso” – Figueiredo Dias, in Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, Lisboa, pág. 295. Tais regras são ainda aplicáveis no caso de todos os crimes terem sido objeto separadamente de condenações transitadas em julgado (art. 78.º, n.º 2, do Código Penal). Nessa medida da pena impõe-se a ponderação conjunta dos factos e da personalidade da arguida, tal como neles se manifesta, enquanto critério legal específico da pena única. “Tudo deve passar-se – escreve Figueiredo Dias – como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que radica na personalidade (…). De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” in DPP, PG, II, Lisboa, 1993, pág. 291. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art. 77º, n.º 2, do Código Penal). Posto isto, impõe-se, antes de mais, verificar se estão reunidos os pressupostos de aplicação do conhecimento superveniente do concurso (art. 78.º do Código Penal) e determinar quais são as penas em que a arguida foi condenado que entram no cúmulo a efetuar. * Ora, como se apura dos factos acima mencionados: - Ambas as decisões acima mencionadas encontram-se transitadas em julgado. - O acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 134/17.2... data de 19/09/2022, e transitou em julgado a 09/01/2024. - Os factos a que se reporta o referido processo foram praticados em momento anterior ao da última condenação, a dos presentes autos, proferida a 07/03/2024 e transitada em julgado a 18/04/2024, considerando que os mesmos datam de 27 de Fevereiro de 2017, sendo que todos eles foram perpetrados em data anterior à do trânsito em julgado da primeira condenação a englobar no cúmulo jurídico – transitada em julgado a 09/01/2024, no âmbito do processo n.º 134/17.2... * Assim, em obediência às orientações emanadas pelo nosso Supremo Tribunal, de que não são admissíveis os denominados cúmulos por arrastamento, e com os critérios estabelecidos no disposto no art. 78.º do CP, reapreciando globalmente os factos e a personalidade do agente, proceder-se-á ao cúmulo jurídico que terá em consideração as penas de prisão que lhe foram aplicadas nos supra mencionados processos. Com efeito, determinou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2016 (publicado no Diário da República n.º 111/2016, série I), de 09-06-2016, fixar jurisprudência no sentido de que “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”. * Relativamente à inclusão, no presente cúmulo jurídico, de penas de prisão suspensas na sua execução, cabe recordar o decidido a este propósito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 3130/22.4T8BRG.S1, in dgsi.pt), de 07-12-2022: “I- Sobre a obrigatoriedade de realização do concurso superveniente de penas, mesmo que incluam somente penas de prisão com execução suspensa, desde que não estejam extintas, nem prescritas, o STJ tem respondido afirmativamente de forma dominante e, nos últimos dez anos, até diremos praticamente uniforme. Com efeito, assim o impõe o disposto no artigo 78.º do CP, articulado com o artigo 77.º do mesmo código. II- Atenta a filosofia subjacente aos artigos 77.º e 78.º do CP é claro que o legislador não tinha que neles fazer qualquer referência (como pretende a recorrente) às penas de substituição, até tendo em atenção a natureza destas, sabido que, em resumo, são as que vão sendo previstas para substituir ou ser aplicadas em vez das penas principais, verificados determinados pressupostos. III- Tem havido consenso, quer na jurisprudência, quer na doutrina, que não há “caso julgado” relativamente à suspensão da execução da pena de prisão (como pretende a recorrente), mas apenas relativamente à pena de prisão concreta aplicada, o que significa que o caso julgado incide tão só sobre a medida da pena aplicada, tendo a pena de substituição (neste caso a suspensão da execução da concreta pena de prisão aplicada) um caráter provisório, valendo rebus sic stantibus, isto é, podendo em caso de concurso superveniente de crimes, não se manter, nomeadamente quando as circunstâncias se alteram. Aliás, este entendimento (ao contrário do que alega a recorrente) conforma-se com a Constituição, nomeadamente, com os seus artigos 29.º, n.ºs 1 e 3 e 165.º, n.º 1, al. c), 29.º, n.º 5, 2.º, 282.º, n.º 3 e 18.º, n.º 2, não violando os princípios da legalidade, do ne bis in idem, da intangibilidade do caso julgado, da necessidade e da proporcionalidade das penas, como, aliás, foi decidido, entre outros, nos acórdãos do TC n.º 3/2006 e n.º 341/2013. IV- Como vem sendo jurisprudência maioritária no STJ, quando na decisão de cúmulo jurídico de penas se englobam penas de prisão cuja execução foi suspensa com regime de prova e/ou sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta ou condições parcialmente cumpridas, sendo aplicada uma pena única de natureza distinta (como sucede neste caso em que foi aplicada pena de prisão efetiva), por aplicação do disposto no art. 81.º, n.º 2, do CP, importa avaliar a medida do desconto equitativo da pena anterior que vai ser imputado na nova pena. Isso mesmo é o que resulta do disposto no artigo 81.º, n.º 2, do CP, desde a versão introduzida pelo DL 48/95, de 15 de Março.” * Este entendimento, com o qual concordamos, é igualmente seguido nos Acórdãos do mesmo Supremo Tribunal de 02/06/2021 (Proc. n.º 626/07.1PBCBR.S1, in dgsi.pt) e de 15/07/2020 (Proc. n.º 3325/19.8T8PNF.S1, in dgsi.pt). Assim, tendo em conta que vem sendo orientação dominante na jurisprudência dos tribunais superiores que as penas principais devem ser cumuladas juridicamente entre si, mesmo no caso de alguma delas ter a sua execução suspensa, orientação esta que temos por correta, assim se procederá no presente caso. Com efeito, a realização do cúmulo jurídico impõe a desconsideração de todas as penas substitutivas aplicadas nos crimes em concurso — e a anulação dos cúmulos anteriores que tenham sido entretanto efetuados —, atendendo-se unicamente às penas principais. Só após a determinação concreta da pena única conjunta se ponderará, em face da mesma, da aplicabilidade de alguma pena de substituição. Acresce que, no nosso caso, a referida pena suspensa não se mostra extinta nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal. * Assim, de acordo com o disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, o limite mínimo da moldura aplicável ao concurso é de 5 (cinco) anos de prisão, sendo o limite máximo de 7 (sete) anos de prisão. No caso em apreço, para fixação da pena única deve tomar-se em atenção, como deriva do já exposto, os factos e a personalidade do agente. Desta forma, neste âmbito, considera-se especialmente: A favor da arguida: - A arguida está integrada familiarmente e tem vindo a desempenhar diversas atividades profissionais desde que concluiu a licenciatura em Direito. - A nível comunitário a arguida mantém adequadas relações interpessoais e é tida como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais. - Os factos em causa nestes autos e no processo n.º 134/17.2... foram praticados num espaço de tempo bastante alargado, de cerca de 3 anos e meio. - A arguida não tem quaisquer outros antecedentes criminais para além das condenações em cúmulo nestes autos. * Contra a arguida: - O facto de todos os crimes terem sido cometidos com dolo direto e intenso. - O facto de ambos os crimes em cúmulo serem crimes graves, em particular o de tráfico de estupefacientes. - O facto de a arguida ter praticado ambos os crimes no exercício da sua atividade profissional de advogada, o que faz acrescer em larga medida as necessidades de prevenção geral positiva e negativa. * Sopesando todos estes vetores, entende este Tribunal Coletivo como justa, por necessária, adequada e proporcional, a aplicação à arguida da pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática dos crimes referenciados nos n.ºs 1 a 4 dos factos provados. * Atendendo a que a pena única de prisão concretamente aplicada à arguida ultrapassa o limite temporal de 5 (cinco) anos, está legalmente arredada qualquer hipótese de suspensão da sua execução (cf. artigo 50.º do Código Penal). * Do desconto do cumprimento parcial das penas de prisão suspensas na sua execução: Tendo em conta que a arguida tem vindo a cumprir o período de suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada no âmbito do processo n.º 134/17.2... e nos presentes autos, e uma vez que estas não foram revogadas, afigura-se-nos relevante esse cumprimento nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 81.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal. Com efeito, dispõe o artigo 80.º, n.º 1 do Código Penal, que: “1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pela arguida são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas.” E estipula ainda o artigo 81.º que: “1 - Se a pena imposta por decisão transitada em julgado for posteriormente substituída por outra, é descontada nesta a pena anterior, na medida em que já estiver cumprida. 2 - Se a pena anterior e a posterior forem de diferente natureza, é feito na nova pena o desconto que parecer equitativo.” * Conforme se tem vindo a decidir na jurisprudência mais recente dos nossos tribunais superiores, designadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Proc. n.º 1165/09.8TDPRT-A.G1, in dgsi.pt), de 30-06-2022: “I - No âmbito do conhecimento superveniente de crimes, as penas parcelares de prisão com execução suspensa que estejam já parcialmente cumpridas quando foram englobadas no cúmulo jurídico podem dar origem ao «desconto que parecer equitativo» na pena única. II - Em caso algum o desconto se pode reportar à mera suspensão da execução da pena de prisão pelo decurso do tempo, sem o concreto cumprimento de quaisquer deveres, regras de conduta ou atividades. III - O momento próprio para a ponderação sobre tal desconto proporcional e equitativo, por integrar um caso especial de determinação da pena (e não uma regra legal em matéria de execução de penas) é o do acórdão cumulatório.” No mesmo sentido do agora explanado decidiu ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Proc. n.º 703/18.3PBEVR.S1), de 09-06-2021, in dgsi.pt. * Cumpre assim, no caso dos autos, aferir do desconto equitativo a aplicar na pena de prisão suspensa na sua execução já parcialmente cumprida pela arguida. Vejamos. No âmbito do processo n.º 134/17.2..., a arguida foi condenada na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social. Foi solicitado e junto aos autos o plano de reinserção social elaborado no âmbito da suspensão da pena aplicada ao condenado, conforme já supra mencionado, que é datado de 06/03/2024. Consta ainda do relatório de acompanhamento da pena aplicada à arguida (datado de 13/09/2024) que esta “tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” Ora, no que toca a tal processo, o trânsito em julgado da pena ocorreu a 09/01/2024, pelo que decorreram apenas pouco mais de 8 meses do mesmo. Acresce ainda que o referido plano apenas deu entrada naqueles autos a 06/03/2024 e foi homologado a 20/03/2024, pelo que até então a arguida não foi sujeita a qualquer acompanhamento por parte da DGRSP. Neste sentido, cumpre recordar, pela sua pertinência para o caso decidendo, o que consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Proc. n.º 1165/09.8TDPRT-A.G1, in dgsi.pt), de 30-06-2022: “E fazendo nossas as palavras de Figueiredo Dias: “Já se pretendeu que sendo o funcionamento do desconto «automático» — talvez melhor: «obrigatório» —, ele deixa de constituir um caso especial de determinação da pena, para se tornar em mera regra legal de execução: com a consequência de que o desconto não precisaria de ser mencionado na sentença, tornando-se tarefa das autoridades competentes para a execução. É pelo menos duvidoso que assim deva ser entre nós. Por um lado, como veremos, em certas hipóteses o juiz fará na pena não o desconto pré-determinado na lei, mas aquele que lhe parecer «equitativo» — o que afasta de todo a hipótese de se falar, então, em mera regra de execução da pena; por outro lado, mesmo quando pré-determinado legalmente, o desconto transforma o quantum da pena a cumprir pelo agente, o que basta para justificar o tratamento sistemático do instituto do desconto entre os casos especiais de determinação da pena. Tudo convida, assim, a que o desconto seja sempre — mesmo quando legalmente pré-determinado — mencionado na sentença condenatória”. Nesta linha, temos considerado o desconto como um caso especial de determinação da pena que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória.» De todo o modo, ainda que assim não fosse e o desconto proporcional relativamente às penas parcelares de prisão com execução suspensa incluídas no cúmulo jurídico dos autos pudesse ainda executar-se neste momento, em sede de liquidação da pena (4), também não se verificariam os pressupostos materiais para tal. Posto que em caso algum o desconto se pode reportar à mera suspensão da execução da pena de prisão pelo decurso do tempo, sem o concreto cumprimento de quaisquer deveres, regras de conduta ou atividades. Como se pode ler no acórdão do STJ de 29.06.2017, proc. n.º 1372/10.4 TAVLG.S1, citado na decisão recorrida, «o desconto não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, por nisso não haver justificação, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos art.ºs 51.º a 54.º do Código Penal. E o art.º 81.º, n.ºs 1 e 2, nesta interpretação, não fere os ditos princípios constitucionais, na medida em que o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão». (sublinhados nossos). * Descendo ao caso dos autos, constata-se que, de facto, a condenada tem vindo a cumprir satisfatoriamente o regime de prova aplicado naquele processo n.º 134/17.2... Não obstante, não pode olvidar-se que o referido regime de prova aplicado no âmbito daquela suspensão apenas tem vindo a ser executado há cerca de 6 meses, sendo que o trânsito em julgado ocorreu há 8 meses. Ora, tendo em conta o comportamento adequado da arguida, bem como o lapso de tempo já decorrido, afigura-se-nos equitativo aplicar à referida pena, aplicada no processo n.º 134/17.2..., o desconto de 2 (dois) meses. Já no âmbito dos presentes autos não existe notícia de que a arguida tenha cumprido (parcial e / ou integralmente) o dever que lhe foi aplicado de pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à R... até ao termo do período da suspensão aplicada. Pelo que nestes autos não pode haver lugar à aplicação de qualquer desconto em função do cumprimento da pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada, posto que o simples decurso do tempo não confere qualquer direito a esse respeito à arguida, nem a suspensão aqui aplicada implicou para aquela qualquer sacrifício relevante para efeitos de desconto. Deverá assim, em síntese, aplicar-se o desconto equitativo total de 2 (dois) meses (art. 81.º, n.º 2 do Código Penal), reportado à anterior pena do processo n.º 134/17.2..., na pena única aplicada. A este desconto acrescerá o eventual desconto de medida(s) cautelar(es) privativa(s) da liberdade sofrida(s) pela arguida no âmbito do processo n.º 134/17.2... ou em qualquer outro, desde que verificados os pressupostos previstos no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal. * Da aplicação da Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto: Entrou em vigor no passado dia 1 de Setembro a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto, lei esta que estabelece um perdão de penas e amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude. Importa assim verificar in casu com relação à eventual aplicação à condenada do perdão/amnistia da referida Lei. Compulsados os autos, constata-se que a arguida nasceu em .../.../1978 e os crimes foram cometidos em Setembro de 2013 e Fevereiro de 2017, pelo que a arguida já tinha idade superior a 31 anos na data em que praticou os crimes pelos quais veio a ser condenada. Nestes termos, conclui-se que a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto não tem aplicação à condenada AA.» II.2. Mérito do recurso 10. Os poderes de cognição do tribunal de recurso delimitam-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º, 412.º e 434.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de Jurisprudência STJ n.º 7/95, DR-I.ª Série, de 28-12-1995), os quais devem resultar diretamente do texto desta, por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro), os quais, analisado o acórdão recorrido, não se verificam. 11. Das conclusões da motivação de recurso da arguida, extrai-se que a mesma pretende colocar à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, em exclusivo, as três seguintes questões, que ora se reordenam por razões de precedência lógica: i. Excesso da medida concreta da pena única aplicada – conclusões I a IX e XIII a XVIII; ii. Nulidade do acórdão condenatório por omissão de pronúncia quanto ao desconto equitativo relativamente à parte já cumprida das penas de substituição que integram o cúmulo, nos termos do art. 81.º, n.ºs 1 e 2 do CP falta de fundamentação – conclusões XIX a XXIII; iii. A (in)aplicabilidade das medidas de clemência do regime previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 – amnistia e perdão –, em razão da idade – conclusões X a XII. Apreciemos as questões colocadas pela recorrente no seu recurso. 12. i. Excesso da medida concreta da pena única aplicada Não se encontrando em causa discutir a medida das penas parcelares aplicadas nos dois processos em que a arguida foi condenada, importa analisar o acórdão recorrido, que procedeu à realização do cúmulo jurídico que abrangeu aquelas penas parcelares aplicadas. A recorrente ensaia, de forma algo ambígua e indireta, a fundamentação do seu recurso em torno da discordância da determinação da medida concreta da pena única fixada em 5 anos e 8 meses de prisão. O Ministério Público, quer junto do tribunal recorrido quer deste Supremo Tribunal de Justiça, manifestou a sua discordância relativamente a tal pretensão, pronunciando-se pela manutenção do acórdão recorrido no tocante à determinação medida de tal pena única. O cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo deque se trata – o da última condenação transitada em julgado – se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. Neste caso de conhecimento superveniente de concurso, são aplicáveis as regras contidas nos artigos 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal. De acordo com tais disposições, o agente do concurso de crimes, ou seja, aquele que tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera Maria João Antunes que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico» (Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Ed., 2.ª ed., 2015, p. 56). A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. Na determinação da pena conjunta, impõe-se, igualmente, atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso” (Ac. STJ de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, Ano de 2014), impregnados da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta – dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu – se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)» (assim, Ac. STJ de 27-06-2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1). Como este Supremo Tribunal de Justiça vem considerando de forma reiterada e preponderante, o critério da determinação da medida da pena conjunta do concurso – determinação feita em função das exigências gerais da culpa e da prevenção – impõe que do teor da decisão conste uma especial fundamentação, em função de tal critério. «Só assim – afirma-se no acórdão de 06-02-2014, proferido no processo n.º 6650/04.9TDLSB.S1- 3.ª Secção – se evita que a medida da pena do concurso surja consequente de um acto intuitivo, da apregoada e, ultrapassada, arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário». Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Ainda no mesmo acórdão, pode ler-se que «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente». Cumpre sublinhar também que, como é referido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de novembro de 2010, proferido no processo n.º 93/10.2TCPRT.S1-3.ª Secção: «Com a fixação da pena conjunta não se visa ressancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do arguido em que foram cometidos vários crimes». Neste âmbito, regista-se ainda o que no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1- 3ª Secção, se refere: «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “(…) a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele(-)» (Acórdão do STJ de 12-09-2012, processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção). No processo de apreciação da escolha e da medida da pena, em sede de recurso, é pacífico que a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-se, especialmente, identificar incorreções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida. Só nessa medida é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena, quer parcelar, quer conjunta, em caso de cúmulo jurídico resultante do concurso efetivo de crimes. Assim, não pode proceder-se como se não existisse decisão anteriormente proferida – designadamente a de primeira instância –, a qual, tendo respeitado aqueles procedimentos hermenêuticos e aplicativos, não legitima a intervenção do tribunal de recurso em termos de modificar, para mais ou para menos, a medida concreta da pena aplicada. O escrutínio da adequação ou correção da medida concreta da pena em sede de recurso impor-se-á apenas em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) no tocante às operações da sua determinação impostas por lei, como a indicação e consideração dos fatores de medida da pena. Só em tais circunstâncias se justifica uma intervenção corretiva do tribunal de recurso que altere a escolha e determinação da medida concreta da pena. Tal consideração vale tanto para as operações de aplicação de penas parcelares, como para as da pena única. Como refere Cristina Líbano Monteiro, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto, para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente. A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares, à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes («A Pena “Unitária” do concurso de crimes», RPCC, Ano 16.º, N.º 1, pp. 151 a 166). Conforme também refere José de Faria Costa, «Seria redundante dizer-se que se prefere o sistema do cúmulo jurídico ao do material porque este último se revela de difícil exequibilidade, pois obrigaria o condenado ao cumprimento sucessivo das diferentes penas a que se chegou em cada uma das condenações. No entanto, embora esta razão seja inteiramente válida, aqueloutra pela qual o sistema do cúmulo jurídico se apresenta de maior justeza reside no facto de, com ele, se evitar que os factos penais ilícitos, após a aplicação das respetivas penas, ganhem uma gravidade exponencial porque vistos isoladamente ou compartimentados uns dos outros. Gravidade essa que, obviamente, se refletirá, em um primeiro momento, em uma culpa igual ou proporcionalmente grave e, em momento posterior, em pena de igual dosimetria à culpa. Isto é, a culpa reportada a cada facto ganha (...) um efeito multiplicador. Como consequência do que se acabou de dizer, sendo a culpa relativa a cada facto ilícito-típico, tal redundará na ultrapassagem do limite da culpa (...) podemos concluir que só o sistema do cúmulo jurídico é suscetível de ser dogmaticamente justificável porque é através dele que obtemos a imagem global dos factos praticados e, bem assim, do seu igual desvalor global. Apenas efetuando (...) um exame dos factos em conjunto podemos perscrutar a ligação que os factos ilícitos isolados mantêm uns com os outros. Só através do cúmulo jurídico é possível, enfim, proceder à avaliação da personalidade do agente e, dessa maneira, perceber se se trata de alguém com tendências criminosas, ou se, ao invés, o agente está a viver uma conjuntura criminosa cuja razão de ser não radica na sua personalidade, mas antes em fatores exógenos. (...) através do sistema do cúmulo jurídico a culpa é adequadamente valorada e, em consequência, a pena encontrada é, inquestionavelmente, mais justa» («Penas acessórias – Cúmulo jurídico ou cúmulo material? [a resposta que a lei (não) dá]», Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 136.º, N.º 3945, pp. 326-327). Nessa linha de abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da determinação da medida da pena contidos no art. 71.º do Cód. Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 01-10-1995, com a proclamação de princípios ínsita no art. 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo art. 77.º, n.º 1, do CP – o que significa que o específico dever de fundamentação de aplicação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, passando pelo efetivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta. Por seu turno, conforme diz Figueiredo Dias, «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.» (Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Editorial de Notícias-Æquitas, 1993, p. 286). A recorrente invoca em abono da sua pretensão que: «(…) o tribunal a quo não valorou os relatórios sociais, quer as constantes no âmbito do presente processo, quer os que constam na medida de acompanhamento do processo n.º 127/17.2..., suporte probatório para considerar assentes os referidos factos. XIV. No entendimento do Tribunal a quo, apenas pesaram os “Contras”, sendo um dos fundamentos o facto de os crimes terem sido praticados no exercício da profissão, com dolo e direto e intenso, A ora recorrente, e conforme se demonstrou nos diversos relatórios sociais já elaborados, alguns deles no decurso da medida de acompanhamento do processo 127/17.2..., deixou já a profissão, por iniciativa própria, tendo solicitado à Ordem dos Advogados o cancelamento da inscrição enquanto Advogada, facto que o Tribunal a quo tem conhecimento e refere no douto acórdão, ainda assim não foi considerado pelo mesmo tribunal, considerando como “larga medida de prevenção geral positiva e negativa; XV. A acrescer a tal facto, durante cerca de 11 anos (onze), nunca houve qualquer noticia de que a arguida tivesse cometido qualquer crime da mesma natureza que levasse a uma prevenção tão premente, e tornasse recorrente ou modo de vida da ora recorrente, ora só por si, tal facto deveria ter sido atendido na medida a aplicar o que também não foi. (…) Quanto ao crime pela qual a arguida foi condenada anteriormente, decorreram já 9 meses da suspensão da mesma, e se é certo que ao “desconto a dar na medida parcialmente cumprida que parecer equitativo”, o Tribunal a quo, também não andou bem, na medida em que pesou apenas os contras da arguida e não os prós a favor da arguida, Os factos criminosos pelos quais a arguida foi condenada foram-no em 2013 e em 2017, ora, decorreram quase 11 anos e quase 8 anos sobre a prática de tais crimes, sem que no decurso desse período tivesse sido conhecido qualquer atividade criminosa ou outros crimes conhecidos ou denunciados, que levem o tribunal a quo a considerar que a ora recorrente faz do crime modo de vida; Pelo contrário, afastou-se definitivamente da profissão, que lhe trouxe muito de bom e da qual se sentia realizada, mas também lhe trouxe o pior que poderia trazer em prejuízo próprio, no entanto, não baixou os braços e se acomodou a subsídios do estado, tendo antes procurado alternativas de trabalho em áreas diversificadas, criando inclusivamente o seu próprio negócio, contribuindo com os seus impostos, longe da atividade profissional que originou ambos os processos que resultaram em condenação, cfr. se refere o presente despacho do qual se recorre no ponto 9., 10. 11. e 12., está integrada familiarmente, laboralmente e socialmente, não se encontra no presente decisão nada contra a personalidade da arguida para além das duas condenações, (…) nada se comprova que a ora recorrente faz do crime modo de vida, e que as penas aplicadas, não tenham já por si só uma profunda consciencialização dos factos, aliás só o simples factos da existência dos processos judiciais afetam psicologicamente a ora recorrente, que desde 2017, mantem acompanhamento psiquiátrico para se poder levantar todoso os dias, e tanto assim é que, por iniciativa própria “abandona” a única profissão que havia exercido.» Do acórdão recorrido evola a fundamentação supra transcrita, pela qual foram atendidos os fatores a favor da arguida e os que militam contra a mesma, em que avultam 1) o facto de os (dois) crimes terem sido cometidos com dolo direto e intenso, 2) o facto de ambos os crimes em cúmulo serem crimes graves, em particular o de tráfico de estupefacientes, e 3) o facto de a arguida ter praticado ambos os crimes no âmbito do exercício da sua atividade profissional de advogada, o que faz acrescer em larga medida as necessidades de prevenção geral positiva e negativa. O Ministério Público junto da Instância recorrida salienta, a tal respeito, que: «Ora o Tribunal na decisão da pena única tudo ponderou, e ao invés do alegado, igualmente atendeu aos factores que militavam a favor da arguida como resulta de fls. 1152 verso. Naturalmente não deixou de atender aos factos que militavam contra a arguida, designadamente que ambos os ilícitos foram praticados no exercício da sua actividade enquanto advogada, o que é manifestamente censurável, considerando os deveres deontológicos que recaem sobre a mesma e a afectação da imagem de idoneidade que a comunidade espera de um advogado. Considerando que o limite mínimo legal da pena é de 5 anos, não pode, pois, a recorrente fazer tábua rasa da nova condenação englobada no cúmulo jurídico, e manter a condenação na pena de 5 anos, pois tão-pouco inexiste razão para que à arguida lhe seja aplicada o mínimo legal. Pois bem, o Tribunal a quo tudo ponderou, designadamente os novos factos em apreciação e a nova moldura do concurso, e como é bom de ver tais factos, objecto da nova condenação englobada no cúmulo jurídico, não poderão ser simplesmente suprimidos de molde, a manter-se a pena única em 5 anos.» Por seu turno, o Senhor Procurador-geral-adjunto neste Supremo Tribunal exarou o entendimento segundo o qual: “(…), o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... teve em consideração: «A favor da arguida: - A arguida está integrada familiarmente e tem vindo a desempenhar diversas atividades profissionais desde que concluiu a licenciatura em Direito. - A nível comunitário a arguida mantém adequadas relações interpessoais e é tida como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais. - Os factos em causa nestes autos e no processo n.º 134/17.2... foram praticados num espaço de tempo bastante alargado, de cerca de 3 anos e meio. - A arguida não tem quaisquer outros antecedentes criminais para além das condenações em cúmulo nestes autos. Contra a arguida: - O facto de todos os crimes terem sido cometidos com dolo direto e intenso. - O facto de ambos os crimes em cúmulo serem crimes graves, em particular o de tráfico de estupefacientes. - O facto de a arguida ter praticado ambos os crimes no exercício da sua atividade profissional de advogada, o que faz acrescer em larga medida as necessidades de prevenção geral positiva e negativa. Sopesando todos estes vetores, entende este Tribunal Coletivo como justa, por necessária, adequada e proporcional, a aplicação à arguida da pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática dos crimes referenciados nos n.ºs 1 a 4 dos factos provados». Este trecho evidencia que o tribunal enumerou e ponderou os fatores pertinentes para a determinação da pena única, incluindo os que a recorrente invoca em seu abono, e aplicou uma pena situada no limite superior do primeiro terço da moldura abstrata do concurso e que, de modo algum, pode ser considerada excessiva ou desproporcionada, sobretudo se atentarmos que: - Em relação ao crime de tráfico de estupefacientes (processo 134/17.2...), que integra o conceito de criminalidade especialmente altamente organizada (art. 1.º, al. m), do Código de Processo Penal), a arguida, a troco de quantia monetária não concretamente apurada, dispôs-se a introduzir no estabelecimento prisional de ... 96,010 gramas de cannabis (resina), suficiente para 140 doses médias individuais, juntamente com 39 agulhas de seringa, destinadas à venda e cedência a reclusos; - Em relação ao crime de falsificação (processo 851/18.0...) fabricou e submeteu a registo na plataforma digital da Ordem dos Advogados um termo de reconhecimento de assinatura do ofendido numa procuração, conferindo ao documento a força probatória que teria se tivesse sido realizado com intervenção notarial (cf. o art. 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de maio); - Nos dois episódios aproveitou-se da sua qualidade de advogada, circunstância que agrava os graus da ilicitude e da culpa mas que também se repercute negativamente nas exigências de prevenção especial dados os deveres acrescidos de honestidade, de probidade e de respeito pela lei que sobre ela impendiam [cf. os arts. 88.º, n.º 2, e 90.º, n.º 2, al. a), do Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 9 de setembro)]. Contrariamente ao pretendido, não existem, assim, fundamentos para corrigir ou alterar a medida da pena aplicada.” Importa, assim, indagar do acerto e proporcionalidade da medida da pena única aplicada. No caso em apreço, importa ter presente que se procede à realização de um cúmulo jurídico (superveniente) entre duas penas em que a recorrente foi anteriormente condenada, a saber: 1. No processo n.º 851/18.0..., por sentença proferida a 07-03-2024 e transitada em julgado a 18-04-2024, considerando que os mesmos datam de 17 de setembro de 2013 e integram o crime de falsificação de documento p.p. nos arts. 255.º, al. a) e 256.º, alíneas a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sendo tal suspensão sujeita ao dever de pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à R..., até ao termo do período da suspensão aplicada; e 2. No Processo n.º 134/17.2..., por sentença datada de 19-09-2022, e transitada em julgado a 09-01-2024, por factos ocorridos em 27-02-2017, integrando crime de tráfico de estupefacientes, p.p. no art. 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova cujo plano de reinserção social veio a ser homologado em 20-03-2024. A moldura penal resultante da relação de concurso dos crimes em causa, oscila entre os 5 anos (pena parcelar mais elevada) e os 7 anos de prisão (soma material das duas penas parcelares) - art. 77.º, n.º 2, do CP. Nos autos, foi efetuado um cúmulo jurídico superveniente respeitante a duas penas de prisão suspensas na sua execução. Diversamente de um setor minoritário da jurisprudência do STJ – que entendia que sendo a suspensão de execução da pena e a pena de prisão de espécies diferentes, pelo que não podem ser cumuladas, ao menos sem previamente o tribunal competente ter determinado a revogação da suspensão nos termos do artigo 56.º do Código Penal (cfr. Acórdãos de 02-06-2004, Proc. n.º 1391-04, da 3.ª Secção, CJACSSTJ, Ano XII, t. 2.º 2004, p. 217 e de 20-04-2005, Proc. 04P4742, este disponível em www.dgsi.pt) –, a corrente amplamente maioritária na defesa da orientação tradicional mantém o entendimento de que as penas de execução suspensa entram no cúmulo jurídico como penas de prisão, só no final se decidindo se a pena conjunta deve ou não ficar suspensa na sua execução (cfr. acórdãos de 02-03-2006, Proc. n.º 186/06, da 5.ª Secção; de 05-04-2006, Proc. n.º 101/06, da 3.ª Secção; de 08-06-2006, Proc. n.º 1558/06, da 5.ª Secção, todos disponíveis nos Sumários dos Acórdãos; de 04-12-2008, Proc. n.º 08P3628, da 5.ª Secção; de 14-01-2009, Proc. n.º 08P3975, da 5.ª Secção e de 16-11-2011, Proc. n.º 150/08.5JBLSB.L1.S1, da 3.ª Secção; de 21-03-2013, processo 153/10.0PBVCT.S1; de 25-09.2013, processo 1751/05.9JAPRT.S1; de 12-06-2014, processo 300/08.1GBSLV.S2). Como é sublinhado no Acórdão do STJ de 23-11-2010, Proc. n.º 93/10.2TCPRT.S1, “de acordo com posição dominante, a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles”, posição mantida no Acórdão do mesmo Tribunal de 11-05-2011, Proc. n.º 1040/06.1PSLSB.S1, ambos relatados pelo Conselheiro Raul Borges. Ressalvam-se, porém, as situações em que as penas suspensas já tenham sido anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, pois nesses casos o englobamento dessas penas no cúmulo jurídico afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que as declarou extintas (cfr. Acórdão do STJ, de 12-06-2014, Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2). Esta é também a doutrina de Figueiredo Dias, segundo o qual, num concurso de crimes as penas parcelares não devem ser suspensas na sua execução, só no final, isto é, na determinação da pena única, valorada a situação em globo, se devendo ponderar se essa pena, que é a que o condenado tem de cumprir, pode ou não ficar suspensa na sua execução, desde que ocorra o necessário pressuposto formal (a medida da pena de prisão aplicada não ultrapassar o limite exigido por lei, atualmente de cinco anos) e o pressuposto material: prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente e satisfação das finalidades da punição, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal. Se, porém, uma pena parcelar tiver sido suspensa na sua execução, o que frequentemente sucede nos cúmulos jurídicos em que o concurso de crimes é de conhecimento superveniente, «para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada», e, uma vez determinada aquela, «o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político-criminalmente ser substituída por pena não detentiva» [cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime, 1993, pp. 285 (§ 409), 290 (§ 419) e 295 (§ 430)]. A referida jurisprudência maioritária assenta na ideia de que não se forma caso julgado sobre a suspensão da execução da pena, mas tão somente sobre a medida dessa pena, entendendo-se que a substituição está resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso, e ainda nas ideias de provisoriedade da suspensão da pena e de julgamento rebus sic stantibus quanto a tal questão, orientação que o Tribunal Constitucional já decidiu não ser inconstitucional (cfr. o Acórdão n.º 3/2006, de 03-01-2006, in www.tribunalconstitucional.pt). Este é o entendimento jurisprudencial maioritário (Cfr., também, Acs. do STJ de 17-10-2012, proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1; rel. Cons. Raúl Borges e de 11-10-2017; Proc. n.º 2678/16.4T8CSC.L1.S1; rel. Cons. Manuel Matos). No caso vertente nos autos, os períodos fixados para a suspensão da execução das penas objeto de cúmulo jurídico realizado ainda não decorreram, sendo que nenhuma dessas penas foi declarada extinta, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal, o que importa consignar. Tais penas devem, assim, integrar o cúmulo jurídico, como corretamente se fez no acórdão recorrido. Importa, como se disse, indagar da adequação, proporcionalidade, necessidade e justiça da pena única concretamente aplicada (5 anos e 8 meses de prisão). Preambularmente, não é possível a atenuação especial quanto à pena conjunta, definida em cúmulo jurídico das duas penas parcelares aplicadas à arguida. Como claramente resulta dos artigos 72.º e 73.º do Código Penal, a atenuação especial da pena não pode incidir na aplicação do cúmulo jurídico, mas unicamente sobre as penas aplicadas aos crimes em concurso. A pena única do concurso, assente no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser fixada dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, devendo ter-se em conta a possível conexão existente entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade do agente, tal como se manifesta na globalidade dos factos, devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente. A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados, acentua-se, todos os factos, e a personalidade do seu autor. Impõe-se, portanto, que se proceda a uma nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que se revelou em toda a factualidade. No caso vertente, o quadro de atuações criminosas apurado nos autos é, inequivocamente, de elevada gravidade, revelando a arguida alguma pertinácia no aproveitamento das facilidades emergentes da sua qualidade profissional, enquanto advogada, para praticar os crimes comprovados, que, embora de distinta natureza, consubstanciam significativa falta de respeito pela normatividade e contrariam flagrantemente os deveres ético-deontológicos que, como interveniente no sistema de Justiça, deveria especialmente observar. Por outro lado, o grau de intensidade da culpa é elevado; assim como são elevadas as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, relativamente à arguida, importando atentar nos sérios prejuízos advenientes para a fé pública dos documentos autenticados por advogados e pelo potencial de vulneração da saúde pública que o consumo do estupefaciente traficado pela arguida acarretaria, caso não tivesse sido frustrada a sua entrega. No acórdão recorrido foram consideradas essas circunstâncias. E foram também ponderadas as exigências de prevenção geral e especial, bem como a factualidade ilícita (imagem global do facto) e a personalidade da arguida, mormente o circunstancialismo das suas atuações penalmente relevantes, em que a sua qualidade profissional de advogada foi propiciadora da respetiva execução. Não pode, por outro lado, constituir fundamento para, neste momento, alterar o entendimento do tribunal a quo a circunstância que agora vem invocada – e demonstrada (por requerimento e documento comprovativo, juntos em pela arguida em 11-02-2025) – no sentido de ter efetuado, em 01-02-2025, o pagamento de € 1.500,00 à R.... Em bom rigor, tal circunstância configura um facto superveniente, o qual não podia ter sido considerado pelo tribunal no acórdão recorrido. Como tal, tendo constituído um facto voluntário da recorrente, já muito depois da prolação da decisão recorrida; mas, o mesmo pode ser, de algum modo, ser atendível na consideração de que, estando a arguida ainda em tempo de efetuar tal pagamento enquanto condição de suspensão da pena aplicada ao crime pelo qual a recorrente foi condenada no processo n.º 851/18.0..., optou por fazê-lo. Resulta da factualidade provada e considerada que a arguida - não regista averbadas no seu certificado de registo criminal quaisquer outras condenações para além das supra referidas - Ponto 6.; - deixou o exercício da profissão de advogada, dedicando-se à atividade de gestão de condomínios e de arranjos florais e outras atividades profissionais – Pontos 9. a 13. - vive com o cônjuge e duas filhas menores – Ponto 7.; - mantém o acompanhamento psicológico iniciado em março de 2017, comparecendo a consultas regulares no Departamento de Psiquiatria do Hospital de .... A arguida mantém a toma de medicação ansiolítica, tendo iniciado recentemente um processo de redução da medicação, salientando manter-se emocionalmente estável – Ponto 15.; - mantém o apoio da família e dos amigos, os quais se têm constituído como uma forte retaguarda emocional, tendo em conta o envolvimento neste e no processo judicial atrás mencionado – Ponto 17.; - a nível comunitário, a arguida mantém adequadas relações interpessoais, sendo caracterizada como uma pessoa cordial e educada no trato com os demais – Ponto 18. Tais circunstâncias fazem reduzir significativamente as exigências de prevenção especial. Para além disto, e considerando que a arguida se vem esforçando por tentar retomar a sua vida de forma modesta, e atentando ao tempo que decorreu desde a prática dos crimes, entendemos que a fixação da pena no limite mínimo da moldura, isto é, 5 anos, não se mostra desajustado e desproporcional à gravidade da ilicitude e da culpa. Conforme se refere no Ac. STJ de 28-09-2017; Proc. n.º 302/10.8TAPBL.S1 – rel. Cons. Helena Moniz «(…) E não se diga que a aplicação de uma pena correspondente ao limite mínimo da moldura do concurso de crimes constitui como que uma neutralização de todos os outros crimes que permitem estabelecer o limite máximo da moldura. Na verdade, o entendimento de que a pena única não deve corresponder ao mínimo da moldura porque constitui um apagamento dos restantes crimes que integram o concurso constitui um entendimento contra o princípio da legalidade, em clara violação das normas penais e constitucionais. Na realidade, nos termos do art. 77.º, do CP, é construída uma moldura do concurso que terá um limite mínimo e um limite máximo; sendo o limite mínimo, tal como dispõe o n.º 2 daquele dispositivo, “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, em todos os casos de concurso se aplicarmos o limite mínimo aplicamos a pena aplicada a um certo crime. Ora, o legislador, ao assim determinar o modo de construção da moldura no âmbito da qual iria estabelecer a pena única, não afastou a possibilidade de ser aplicado aquele limite mínimo. Por isso, qualquer conclusão no sentido de se deduzir, de modo abstrato, que aplicar o limite mínimo, porque coincidente com a pena de um dos crimes, constitui um apagamento dos restantes pelo que apenas em condições excecionais deve aquela ser aplicada, é fazer uma interpretação restritiva daquele dispositivo do CP, em clara violação com a letra da lei.» No sistema que temos consagrado no nosso Código Penal, a culpa é limite da pena e pressuposto da pena (não há pena sem culpa), todavia, e porque a pena deve ser aplicada com vista à proteção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, a medida da pena e o seu fundamento residem nas exigências de prevenção geral positiva e prevenção especial positiva (cf. artigos. 40.º e 71.º, do CP). Os factos em causa nos dois processos datam de 16 de setembro de 2013 e de 27 de fevereiro de 2017, portanto há cerca de 11 e 8 anos, respetivamente, o que evidencia que os princípios da atualidade e da necessidade das penas se mostram claramente atenuados. A arguida veio dando mostras de cumprir adequadamente as imposições das penas suspensas na sua execução, tendo, no processo n.º 134/17.2..., em que a pena parcelar aplicada ficou sujeita a regime de prova, sido considerado o desconto equitativo da parte já cumprida, nos termos do art. 81.º, n.º 2, do CP. No âmbito da condenação no processo n.º 851/18.0... veio demonstrar o pagamento da importância que condicionava a suspensão da execução da pena, em momento que não se pode entender como tardio, uma vez que a pena suspensa se encontra a prosseguir a sua execução atá ao trânsito em julgado da decisão recorrida. Estas circunstâncias habilitam-nos a considerar que o juízo ínsito nas decisões condenatórias em penas suspensas não se mostra ultrapassado, antes, pode ser reiterado e mantido abstratamente um juízo de prognose favorável à ressocialização da arguida sem sofrer uma pena privativa de liberdade. A fixação da pena única pode oscilar, assim, entre 5 e 7 anos de prisão. Ora, considerando que os factos foram praticados no âmbito do exercício – e devido à facilitação – de uma profissão que já não exerce, considerando que não houve outras condenações por qualquer outro crime, podemos concluir que não se tratou do início de uma carreira criminosa, mas de uma situação de pluriocasionalidade, ocasionada pelas oportunidades propiciadoras da prática de ilícitos praticados. Assim sendo, e retomando o caso dos autos, tendo em conta a globalidade dos factos praticados, as exigências de prevenção especial justificam a aplicação de uma pena coincidente com o limite mínimo, considerando-se que as exigências de prevenção geral são ainda efetivamente satisfeitas com este limite. Num tal quadro, entendemos que deve a pena única será fixada em 5 anos de prisão. A fixação da medida da pena única em 5 anos de prisão impõe que se indague da possibilidade da sua suspensão, rectius, da pretensão da arguida no sentido da manutenção da suspensão de execução da pena (de prisão). Com efeito, dispõe o art. 50.º do C. Penal, no seu número 1 que, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. São dois, portanto, os pressupostos de cuja verificação, faz a lei depender a aplicação desta pena de substituição. Um, de natureza formal, tem por objeto a medida concreta da pena principal a substituir, que não pode ser superior a cinco anos de prisão. Outro, de natureza material, traduz-se na necessidade de formulação pelo tribunal, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de que, atenta a sua personalidade, as suas condições de vida, as circunstâncias do crime e a sua conduta anterior e posterior a este, a mera censura do facto e a ameaça da prisão darão adequada e suficiente realização às finalidades da punição. Sendo estas finalidades a proteção dos bens jurídicos e, na medida do possível, a reintegração do agente na comunidade (art. 40.º, n.º 1 do Cód. Penal), são as exigências de prevenção geral e especial o suporte desta pena de substituição. Como se viu, mostra-se satisfeito o requisito da medida concreta da pena. O nosso sistema de reações criminais é caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas de liberdade – cf. art. 70.º do CP – devendo o tribunal dar primazia a estas quando se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. De acordo com o teor do relatório de execução semestral da DGRSP, datado de 13/09/2024, e elaborado no âmbito do regime de prova aplicado à arguida, consta que: “No que respeita ao cumprimento dos deveres inerentes ao acompanhamento determinado pelo Tribunal, no âmbito do presente, a condenada tem comparecido às entrevistas agendadas nestes serviços, prestando a informação que lhe é solicitada e demonstrando uma atitude de colaboração e intimidação face ao seu contexto judicial. (…) De uma forma global, consideramos que a condenada tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” Sabendo-se que a arguida, após cerca de 8 anos sobre a prática do último facto criminoso, tenta refazer a sua vida, e sabendo que o período de tempo decorrido atenua as exigências de prevenção geral ao ponto de se verificar que a imagem social da arguida continua a ser globalmente positiva e apta a beneficiar de uma adequada inserção social, dispondo, igualmente, de apoio da família e de amigos, estável e favorável a um estilo de vida pró-social, consideramos que a pena de prisão de 5 anos deve ser suspensa pelo período de 5 anos, sujeita a regime de prova. A finalizar, e sabendo que o nosso juízo de prognose não corresponde a uma certeza, mas a um juízo de previsibilidade atentos os factos que entretanto foram decorrendo e dados como provados nos autos, entendemos que deve ser dada uma derradeira oportunidade à arguida para que, de modo sustentado, possa refazer a sua vida – o que já iniciou, cabendo ao sistema judiciário não criar agora condições que impeçam o caminho já iniciado, uma vez que se demostrou estarem asseguradas as exigências mínimas de prevenção geral. Oportunidade que se espera seja convenientemente aproveitada pela arguida tendo em vista o seu integral reencontro com os valores do direito. Há de reconhecer-se ter sido empreendido um esforço sério, por parte da arguida, no sentido da sua ressocialização, que não pode ser desconsiderado e, por isso, emprestar uma característica de excecionalidade à solução ora encontrada. Só com tal significado e expectativa é justificável a opção deste Supremo Tribunal. A verdade é que no caso concreto, se a arguida continuasse a cumprir em separado as duas penas de suspensão da execução da pena de prisão aplicadas, não viria a confrontar-se com a realização de um cúmulo jurídico que objetivamente se mostra mais desfavorável, por não permitir a suspensão da execução da pena, atenta a medida em que a pena única foi fixada pelo tribunal a quo. Também essa razão constitui fundamento válido para justificar a determinação da suspensão da execução da pena única aplicada na referida medida de 5 anos de prisão. Por outro lado, as anteriores considerações permitem concluir pela verificação dos requisitos de natureza material, justificando-se, assim, a suspensão da execução da pena aplicada pelo período de 5 anos, mediante regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP e datado de 06-03-2024, homologado por despacho datado de 20-03-2024, nos mesmos termos, ou adaptados, se necessário for, o que incumbirá ao tribunal de 1.ª Instância averiguar e decidir. Procede, pois, nesta parte, o recurso da arguida. 13. ii. Nulidade do acórdão condenatório por omissão de pronúncia quanto ao desconto equitativo relativamente à parte já cumprida das penas de substituição que integram o cúmulo, nos termos do art. 81.º, n.ºs 1 e 2 do CP falta de fundamentação A recorrente AA insurge-se contra o que entende ter sido a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, “nos termos do artigo 379. n.º 1 alínea c) do CPP”, em virtude de, alegadamente, não ter sido contemplado o desconto equitativo do cumprimento das penas (parcelares) de suspensão de execução da pena de prisão, aplicadas nos processos cujas condenações integram o cúmulo jurídico efetuado, ao abrigo do art. 81.º do CP. O acórdão recorrido, a tal respeito, consignou o seguinte: «Cumpre assim, no caso dos autos, aferir do desconto equitativo a aplicar na pena de prisão suspensa na sua execução já parcialmente cumprida pela arguida. Vejamos. No âmbito do processo n.º 134/17.2..., a arguida foi condenada na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social. Foi solicitado e junto aos autos o plano de reinserção social elaborado no âmbito da suspensão da pena aplicada ao condenado, conforme já supra mencionado, que é datado de 06/03/2024. Consta ainda do relatório de acompanhamento da pena aplicada à arguida (datado de 13/09/2024) que esta “tem demonstrado um comportamento adaptado a nível comunitário e cumprido os deveres inerentes à presente medida judicial.” Ora, no que toca a tal processo, o trânsito em julgado da pena ocorreu a 09/01/2024, pelo que decorreram apenas pouco mais de 8 meses do mesmo. Acresce ainda que o referido plano apenas deu entrada naqueles autos a 06/03/2024 e foi homologado a 20/03/2024, pelo que até então a arguida não foi sujeita a qualquer acompanhamento por parte da DGRSP. Neste sentido, cumpre recordar, pela sua pertinência para o caso decidendo, o que consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Proc. n.º 1165/09.8TDPRT-A.G1, in dgsi.pt), de 30-06-2022: “E fazendo nossas as palavras de Figueiredo Dias: “Já se pretendeu que sendo o funcionamento do desconto «automático» — talvez melhor: «obrigatório» —, ele deixa de constituir um caso especial de determinação da pena, para se tornar em mera regra legal de execução: com a consequência de que o desconto não precisaria de ser mencionado na sentença, tornando-se tarefa das autoridades competentes para a execução. É pelo menos duvidoso que assim deva ser entre nós. Por um lado, como veremos, em certas hipóteses o juiz fará na pena não o desconto pré-determinado na lei, mas aquele que lhe parecer «equitativo» — o que afasta de todo a hipótese de se falar, então, em mera regra de execução da pena; por outro lado, mesmo quando pré-determinado legalmente, o desconto transforma o quantum da pena a cumprir pelo agente, o que basta para justificar o tratamento sistemático do instituto do desconto entre os casos especiais de determinação da pena. Tudo convida, assim, a que o desconto seja sempre — mesmo quando legalmente pré-determinado — mencionado na sentença condenatória”. Nesta linha, temos considerado o desconto como um caso especial de determinação da pena que, sempre que possível, deve ser mencionado na sentença condenatória, assim como na sentença cumulatória.» De todo o modo, ainda que assim não fosse e o desconto proporcional relativamente às penas parcelares de prisão com execução suspensa incluídas no cúmulo jurídico dos autos pudesse ainda executar-se neste momento, em sede de liquidação da pena (4), também não se verificariam os pressupostos materiais para tal. Posto que em caso algum o desconto se pode reportar à mera suspensão da execução da pena de prisão pelo decurso do tempo, sem o concreto cumprimento de quaisquer deveres, regras de conduta ou atividades. Como se pode ler no acórdão do STJ de 29.06.2017, proc. n.º 1372/10.4 TAVLG.S1, citado na decisão recorrida, «o desconto não pode assentar simplesmente no decurso do tempo de suspensão, sem qualquer sacrifício para o condenado, por nisso não haver justificação, tendo de haver o cumprimento de qualquer imposição decretada ao abrigo dos art.ºs 51.º a 54.º do Código Penal. E o art.º 81.º, n.ºs 1 e 2, nesta interpretação, não fere os ditos princípios constitucionais, na medida em que o simples não fazer nada para que não seja determinada a revogação da suspensão não é mais do que aquilo que se exige a qualquer cidadão sobre o qual não impenda a ameaça da execução de pena de prisão». (sublinhados nossos). * Descendo ao caso dos autos, constata-se que, de facto, a condenada tem vindo a cumprir satisfatoriamente o regime de prova aplicado naquele processo n.º 134/17.2... Não obstante, não pode olvidar-se que o referido regime de prova aplicado no âmbito daquela suspensão apenas tem vindo a ser executado há cerca de 6 meses, sendo que o trânsito em julgado ocorreu há 8 meses. Ora, tendo em conta o comportamento adequado da arguida, bem como o lapso de tempo já decorrido, afigura-se-nos equitativo aplicar à referida pena, aplicada no processo n.º 134/17.2..., o desconto de 2 (dois) meses. Já no âmbito dos presentes autos não existe notícia de que a arguida tenha cumprido (parcial e / ou integralmente) o dever que lhe foi aplicado de pagar a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) à R... até ao termo do período da suspensão aplicada. Pelo que nestes autos não pode haver lugar à aplicação de qualquer desconto em função do cumprimento da pena de prisão suspensa na sua execução que lhe foi aplicada, posto que o simples decurso do tempo não confere qualquer direito a esse respeito à arguida, nem a suspensão aqui aplicada implicou para aquela qualquer sacrifício relevante para efeitos de desconto. Deverá assim, em síntese, aplicar-se o desconto equitativo total de 2 (dois) meses (art. 81.º, n.º 2 do Código Penal), reportado à anterior pena do processo n.º 134/17.2..., na pena única aplicada. A este desconto acrescerá o eventual desconto de medida(s) cautelar(es) privativa(s) da liberdade sofrida(s) pela arguida no âmbito do processo n.º 134/17.2... ou em qualquer outro, desde que verificados os pressupostos previstos no artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal.» Se há aspeto que, em definitivo, não pode ser apontado relativamente ao acórdão recorrido a título de nulidade por omissão de pronúncia, é o da fundamentação da decisão quanto ao desconto equitativo da pena que integrou o cúmulo jurídico já (parcialmente) cumprida, no caso, concretamente a pena aplicada no processo comum coletivo n.º 134/17.2... No acórdão recorrido assentou-se em que seria de considerar o desconto que parecesse equitativo relativamente às penas parcelares, de diferente natureza da pena única (prisão efetiva), por se tratar de penas de substituição (penas de prisão suspensas na sua execução). Em tal excerto do acórdão recorrido se acha justificada a razão de não se ter atendido a qualquer fator de desconto da pena aplicada nos autos principais, ou seja, no processo n.º 851/18.0... Na verdade, face ao não cumprimento, até ao momento da verificação da necessidade de se proceder ao cúmulo jurídico, do dever a que ficou sujeita a suspensão de execução da pena de prisão, foi entendido que nenhum desconto equitativo deveria ser tido em conta. É certo que, como observa a recorrente, o termo da suspensão da execução da prisão (da pena substitutiva), de dois anos, ainda não ocorrera aquando da verificação da necessidade de realização do cúmulo jurídico operado nos autos. Contudo, tal circunstância não implicou qualquer fator negativo de ponderação; apenas não teve um impacto positivo. Em situações como as do caso vertente nos autos, tem sido entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que quando não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena, deve realizar-se o cúmulo jurídico de penas. Convoca-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-10-2012, proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1 – Rel. Cons. Raúl Borges, onde se indica abundante jurisprudência em abono da posição maioritária, nos termos seguintes: «Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração de tais penas no cúmulo jurídico pressupõe ou não a anterior revogação da suspensão.(...) A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles». Na doutrina, é este o entendimento maioritário. Assim, considera FIGUEIREDO DIAS que, quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, “torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída” e que “de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva” e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, “a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial” [(9) Direito Penal Português – Parte Geral II – As Consequências Jurídicas do Crime, 4.ª reimpressão, Coimbra Editora, Setembro 2013, pp. 285, 290 e 295.] PAULO DÁ MESQUITA concorda com a orientação dominante na jurisprudência maioritária que sustenta a efectivação do cúmulo jurídico de penas de prisão cuja execução foi suspensa. Segundo este autor, “A suspensão da execução da pena de prisão deve ser qualificada como uma pena de substituição, que, como Anabela Rodrigues esclarece [Critério de Escolha das penas de Substituição, Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, p. 33, nota 29], dogmaticamente são “penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas”, daí que só razões de prevenção especial e geral estejam na base da escolha das penas de substituição. Sublinhe-se por outro lado que o caso julgado que não pode ser atingido circunscreve-se à medida da pena parcelar concretamente aplicada e não abrange a forma da sua execução. Ou seja, a suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efectiva. Pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o art. 78 em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas”. No caso do instituto da suspensão da execução da pena (artigos 50.º e segs. do Código Penal), “a pena aplicada é uma pena de prisão (cuja execução fica suspensa), pelo que, conclui o autor que se vem citando, não existe obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão”. Trata-se de uma solução «que melhor se adequa à avaliação global da personalidade do arguido no momento da escolha da pena, e a dogmaticamente correcta, pois […] o cúmulo jurídico não é “a forma de execução das penas parcelares (-), mas um caso especial de determinação da pena” [(10 O Concurso de Penas, Coimbra Editora, 1997, pp. 95-98]. Neste sentido, igualmente se pronunciou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE quando refere não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução. «Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações, bem como num concurso de crimes de conhecimento superveniente, pode proceder-se à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva» [(11) Comentário do Código Penal, 3.ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pp. 381-382] No mesmo sentido se pronuncia ANDRÉ LAMAS LEITE, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus [(12) “A suspensão da execução da pena privativa de liberdade sob pretexto da revisão de 2007 do Código Penal”, STVDIA IVRIDICA 99, Ad Honorem - 5, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Separata de ARS IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume II, Coimbra Editora, 2009, pp. 608-610]. Também TIAGO CAIADO MILHEIRO considera que «[q]uando se verifica uma situação de conhecimento superveniente [de crimes] significa que os julgamentos parcelares que conduziram às penas parcelares foram necessariamente incompletos já que ao não atenderem a todos os crimes perpetrados (…), o juízo de prevenção realizado poderá estar incorrecto» [(13) Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais, Almedina, p.106], acrescentando: «Justamente, porque o conhecimento superveniente de penas permite aplicar uma pena única, que responda às efectivas necessidades de prevenção, e não se formando caso julgado no que concerne às penas parcelares, todas as operações de substituição realizadas nos julgamentos parcelares são “anuladas”, devendo atender-se às penas principais, quer de prisão, quer de multa». Pelo que, prossegue o mesmo autor, «as penas de prisão parcelares suspensas na execução, substituídas por trabalho a favor da comunidade, por multa, por proibição de exercício de funções ou actividade ou executadas em regime de permanência na habitação, dias livres ou em regime de semi-detenção, readquirem a sua autonomia e passam a ser consideradas per si no cúmulo jurídico superveniente». Deverá, pois, atender-se no cúmulo jurídico superveniente à medida das penas principais. Para o autor que se vem acompanhando, «só aquando da determinação da pena única é o que o tribunal equacionará a possibilidade e conveniência da substituição» [(14) Idem, p.107.]. Cumprirá ainda sublinhar que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2006, de 3 de Janeiro de 2006, decidiu não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações. Em suma, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, pelo tribunal que procede à realização do cúmulo.» Em todo o caso, a apreciação deste segmento do recurso da arguida mostra-se prejudicada, face ao que se deliberou supra em 12., pelo que não tomamos conhecimento da questão em apreço. 14. iii. A (in)aplicabilidade das medidas de clemência do regime previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 – amnistia e perdão –, em razão da idade. A recorrente contesta a decisão do tribunal recorrido por ter deliberado não aplicar o regime da Lei n.º 38-A/2023, dado que a mesma, aquando da prática dos factos, já tinha mais de 31 anos de idade. A recorrente alega que o tribunal recorrido desconsiderou completamente o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 471/2024, que, segundo a mesma, já teria considerado inconstitucional a norma respeitante à idade. A arguida transcreve um excerto de uma declaração de voto de vencido aposto no referido acórdão, do Senhor juiz Conselheiro PP. Na verdade, pretende a recorrente que teria sido esse o sentido da referida decisão do Tribunal Constitucional, o que, inequivocamente, não corresponde à realidade. Presumindo que a recorrente não tenha expressado adequadamente a sua pretensão – e quisesse, antes, significar que o tribunal recorrido deveria ter adotado o entendimento do referido voto de vencido –, importa apreciar a mesma. Preambularmente, cumpre salientar que no acórdão de 07-03-2024 (Ref.ª Citius ...90), proferido nos autos principais, o tribunal coletivo havia já considerado ser inaplicável à arguida (bem como relativamente às demais arguidas) qualquer das medidas de clemência aprovadas pela Lei n.º 38-A/2023, de 02-08, relativamente à infração ali em causa, o crime de falsificação de documento (agravado), previsto e punível pelo arts. 255.º, a) e 256.º, al. a), b), d) e e) e n.º 3 do Código Penal, isto por se ter entendido que “(…) à data da prática dos factos, nenhuma das arguidas tinha idade inferior a 31 anos, não tem lugar a aplicação do regime de amnistia e perdão de penas previsto na Lei n.º 38-A/2023, de 02-08 (cfr. artigo 2.º, n.º 1, “a contrario” da referida Lei).” O tribunal recorrido, no acórdão recorrido, decidiu que: «(…) a arguida nasceu em .../.../1978 e os crimes foram cometidos em Setembro de 2013 e Fevereiro de 2017, pelo que a arguida já tinha idade superior a 31 anos na data em que praticou os crimes pelos quais veio a ser condenada. Nestes termos, conclui-se que a Lei n.º 38-A/2023 de 2 de Agosto não tem aplicação à condenada AA.» Em setembro de 2013 (data da prática do 1.º crime) a arguida tinha 35 anos e em 27 fevereiro de 2017 (data da prática do 2.º crime) tinha 38 anos. O disposto no art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023 tem a redação seguinte: «1 - Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º». Um dos fatores de desigualdade no âmbito da aplicação do direito penal é o (decurso do) tempo. A aplicação da lei penal parece não corresponder, de resto, ao desígnio do legislador, havendo como que um paradoxo quanto ao ciclo da sua criação e da sua aplicação, lembrando Faria Costa ao advertir que: “(…) o legislador tem o futuro por horizonte e o juiz dedica-se ao passado.” («O Tempo e a Pena», in, Actas do Colóquio A Pena e o Tempo, J. M. Aroso Linhares e I. Fernandes Godinho (coord.), Coimbra, Instituto Jurídico - FDUC, 2017, p. 71; disponível em https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/99736?mode=simple). Existem outras aceções de desigualdade ou discriminação no tocante à previsão e aplicação do direito penal. Podemos pensar, desde logo, em situações decorrentes do estabelecimento da maioridade penal (imputabilidade) – em que só as pessoas com certa idade podem ser responsabilizadas – e nas situações de prescrição do procedimento criminal e da pena, das medidas de clemência, em que referentes temporais podem relevar para a punibilidade, ou impunidade da conduta ilícita. A nossa jurisprudência constitucional caracteriza o princípio da igualdade, decorrente do artigo 13.º da CRP, como “proibição do arbítrio” (cfr., neste sentido, Ac. TC n.º 232/2003). Com tal sentido, nas palavras do Tribunal Constitucional, “[o] princípio [da igualdade] não impede que, tendo em conta a liberdade de conformação do legislador, se possam (se devam) estabelecer diferenciações de tratamento, 'razoável, racional e objectivamente fundadas', sob pena de, assim não sucedendo, estar o legislador a incorrer em arbítrio, por preterição do acatamento de soluções objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes. Ponto é que haja fundamento material suficiente que neutralize o arbítrio e afaste a discriminação infundada” (Ac. TC n.º 319/2000). Também no Ac. TC n.º 313/2008, que acolhe uma formulação do Tribunal Constitucional alemão (citado por Robert Alexy, em Theorie der Grundrechte, Frankfurt, 1986: 370), pode ler-se que o carácter arbitrário de uma diferenciação legal decorre da circunstância de “não ser possível encontrar [...] um motivo razoável, que surja da própria natureza das coisas ou que, de alguma forma, seja concretamente compreensível”. Daí que “[n]ão exista razão suficiente para a permissão de uma diferenciação [legal] se todos os motivos passíveis de ser tomados em conta tiverem de ser considerados insuficientes. É justamente o que sucede, quando não se logra atingir uma fundamentação justificativa da diferenciação. A máxima de igualdade implica, assim, um ónus de argumentação justificativa para tratamentos desiguais”. Por último, “a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensa do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, da falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico” (Ac. TC n.º 270/2009). Do que fica dito sobre a proibição do arbítrio, podemos extrair quatro conclusões essenciais: 1.º - O legislador pode, seguramente, estabelecer diferenciações: todavia, essa liberdade de diferenciar é uma liberdade condicional, sujeita a limitações; 2.º - Assim, uma diferenciação promovida pelo legislador sem um fundamento racional e material suficiente é arbitrária; 3.º - A comparação indispensável para comprovar a existência de respeito ou desrespeito pelo princípio da igualdade deve ser sistemicamente contextualizada; 4.º - O Tribunal Constitucional, no exercício do controlo do respeito pelo princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, deve limitar-se a um juízo de censura das diferenciações injustificadas (Ac. TC n.º 227/2015). No Acórdão TC n.º 362/2016, no seguimento de inúmeras decisões anteriores do mesmo sentido, pode ler-se ainda que: “[…] Numa perspetiva de igualdade material ou substantiva – aquela que subjaz ao artigo 13.º, n.º 1, da Constituição e que se traduz na igualdade através da lei –, a igualdade jurídica corresponde a um conceito relativo e valorativo assente numa comparação de situações: estas, na medida em que sejam consideradas iguais, devem ser tratadas igualmente; e, na medida em que sejam desiguais, devem ser tratadas desigualmente, segundo a medida da desigualdade. Tal implica a determinação prévia da igualdade ou desigualdade das situações em causa, porquanto no plano da realidade factual não existem situações absolutamente iguais. Para tanto, é necessário comparar situações em função de um certo ponto de vista. Por isso, a comparação indispensável ao juízo de igualdade exige pelo menos três elementos: duas situações ou objetos que se comparam em função de um aspeto que se destaca do todo e que serve de termo de comparação (tertium comparationis). Este termo – o «terceiro (elemento) da comparação» – corresponde à qualidade ou característica que é comum às situações ou objetos a comparar; é o pressuposto da respetiva comparabilidade. Assim, o juízo de igualdade significa fazer sobressair ou destacar elementos comuns a dois ou mais objetos diferentes, de modo a permitir a sua integração num conjunto ou conceito comum (genus proximum). Porém, a Constituição não proíbe todo e qualquer tratamento diferenciado. Proíbe, isso sim, as discriminações negativas atentatórias da (igual) dignidade da pessoa humana e as diferenças de tratamento sem uma qualquer razão justificativa e, como tal, arbitrárias. Nesse sentido, afirmou-se no Acórdão n.º 39/88: ‘A igualdade não é, porém, igualitarismo. É, antes, igualdade proporcional. Exige que se tratem por igual as situações substancialmente iguais e que, a situações substancialmente desiguais, se dê tratamento desigual, mas proporcionado: a justiça, como princípio objetivo, “reconduz-se, na sua essência, a uma ideia de igualdade, no sentido de proporcionalidade” – acentua Rui de Alarcão (Introdução ao Estudo do Direito, Coimbra, lições policopiadas de 1972, p. 29). O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio; ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objetivo, constitucionalmente relevantes. Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjetivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º. Respeitados estes limites, o legislador goza de inteira liberdade para estabelecer tratamentos diferenciados. O princípio da igualdade, enquanto proibição do arbítrio e da discriminação, só é, assim, violado quando as medidas legislativas contendo diferenciações de tratamento se apresentem como arbitrárias, por carecerem de fundamento material bastante.’ Por outro lado, não é função do princípio da igualdade garantir que todas as escolhas do legislador sejam racionais e coerentes ou correspondem à melhor solução.” (sublinhados nossos). Divergência recentemente surgida na jurisprudência, e que tem vindo a ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, combina simultaneamente as questões de amnistia e da noção de “jovem” (ou de “juventude”), enquanto beneficiário da medida de clemência no âmbito da Lei de Amnistia por ocasião da Jornada Mundial da Juventude (Lei n.º 38-A/2023, de 02-08). A questão encontrou eco, entre outras decisões, no Ac. TC n.º 471/2024 – que a recorrente invoca –, reproduzida também no Ac. TC n.º 743/2024, do qual se destacam os seguintes trechos que ilustram a deliberação tirada no mesmo (por maioria): “[…] Do exposto importa reter, desde logo, que, embora as amnistias previstas por ocasião de uma comemoração não sejam consensuais no plano infraconstitucional, designadamente, no quanto à sua justificação jurídico-criminal [cfr., designadamente: Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, cit., pp. 686/687; Francisco Aguilar, Amnistia e Constituição, cit., pp. 201 e ss., Américo Taipa de Carvalho, Sucessão de leis penais, Coimbra, 1990, p. 11, e, do mesmo autor, “Considerações sobre o direito de clemência”, Direito e Justiça, vol. XVII (2004), n.º 1, p. 87, considerando que, neste caso, se trata de leis de amnistia sem fundamento jurídico-criminal; Pedro Jorge Teixeira de Sá, “Direito sem graça: considerações críticas”, Scientia Iuridica, tomo XLIX, n.os 286/288 (julho-dezembro de 2000), pp. 276 e ss.], a crítica que mereçam nesse plano não se confunde com uma violação de parâmetros constitucionais, designadamente do princípio da igualdade (note-se que Américo Taipa de Carvalho, apesar de considerar que, neste tipo de amnistia, não existe fundamento jurídico-criminal, ressalva que, ainda assim, é equacionável o respeito pelo princípio da igualdade – cfr. Considerações sobre o direito de clemência, cit., p. 87). Por outro lado – sendo este um outro ponto da maior importância –, as finalidades justificativas da amnistia não têm de coincidir com as do direito penal, sendo admissíveis as amnistias com finalidade comemorativa, desde que o universo dos beneficiários da medida se faça segundo critérios generalizáveis, em função de circunstâncias não arbitrárias e razoáveis, da perspetiva do Estado de direito – como se disse no Acórdão n.º 510/98: “[…] todos os fins possíveis de um Estado de direito podem relevar, e não apenas os que supõem uma prévia definição dos factos puníveis, que são os fins das penas”. De todo o modo, a discussão acerca da admissibilidade da amnistia por ocasião de uma comemoração, sendo pertinente para situar o contexto do problema, não se mostra decisiva para o desfecho do presente processo, na medida em que da norma objeto do recurso não decorre, rigorosamente, um problema atinente à natureza da amnistia, mas apenas uma questão de igualdade relacionada com o corte de idade. Analisemos, então, a esta luz, a regra de amnistia prevista na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, em particular o corte normativo quanto à idade dos seus beneficiários. […]. Não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a adequação da qualificação de “jovens” quando aplicada a pessoas até 30 anos [nem em absoluto, nem por comparação com outras normas que regulem quaisquer regimes aplicáveis a “jovens”, em diversos contextos e sentidos, como procuraram fazer a decisão recorrida e, na sequência desta, o arguido recorrido nas suas alegações, exercício que se afigura inútil, dada a enorme flexibilidade e imprecisão do conceito, usado em inúmeras situações incomparáveis, e que só poderia servir para delimitar negativamente extremos que manifestamente não estão aqui em causa, nem tão-pouco apreciar a adequação desta opção no quadro da Jornada Mundial da Juventude – em particular, não relevam comparações com o regime penal aplicável a jovens (Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro), seja porque não se trata do mesmo contexto normativo, seja porque, como vimos, a amnistia (e, em particular, a amnistia por razões de comemoração) não prossegue necessariamente finalidades próprias do direito penal, pelo que, em suma, a racionalidade da justificação não se alcança por via de tais comparações]. Cabe ao Tribunal, tão-somente, reconhecer que existe uma ligação objetiva que assegura uma justificação minimamente coerente por comparação entre o limite de idade determinado pelo legislador e o contexto da celebração associada à amnistia, o que é suficiente para concluir que o critério de distinção dos destinatários da norma não se apresenta arbitrário. Assim, ao contrário do que sugere o recorrido, não é “[…] a variabilidade do conceito de ‘juventude’, considerado normativamente, mas também ao nível empírico, [que faz com que] se verifique uma discriminação injustificada por parte do legislador […]”, visto que não é diretamente através desse conceito que se estabelece qualquer critério. Ele estabelece-se por um dado objetivo relacionado com a idade dos principais destinatários da celebração, que, por razões de simplificação de linguagem, se acolheram sob a designação comum de “jovens”. Como se refere no Acórdão n.º 488/2008 (a propósito do perdão genérico, mas em termos inteiramente transponíveis para a amnistia), trata-se do “[…] efeito de um ato político, que pode ter por causa as mais diversas motivações […], como sejam a magnimidade por occasio publicae laetitia excecional, razões de política geral de apaziguamento ou outras, de correção de determinadas ponderações anteriores efetuadas pelo direito ou do modo da sua aplicação pela jurisprudência ou pela administração, ela expressa-se através de uma lei em sentido material. Ora, cabendo a sua edição na competência do legislador ordinário, […] não pode deixar de se lhe reconhecer discricionariedade normativo-constitutiva na conformação do seu conteúdo” (crf., ainda, Francisco Aguilar, “Amnistia e Constituição”, cit., pp. 116 e ss.). Na verdade, recorde-se, “[…] o Tribunal Constitucional vem entendendo, com significativa reiteração, que, nos óbvios parâmetros do Estado de direito democrático, a liberdade de conformação legislativa goza de alargado espaço onde têm lugar preponderantes considerações não necessariamente restritas aos fins específicos do aparelho sancionatório do Estado, mas também outras ditadas pela conveniência pública que, em última instância, entroncam na raison d’Etat” (Acórdão n.º 42/2002), “[…] valendo qualquer fim racional do Estado e sendo máxima a sua discricionariedade […]” (Acórdão n.º 209/2003), visto que “[…] na amnistia e/ou no perdão genérico avulta a ampla margem de manobra do legislador quanto à delimitação do campo de aplicação das medidas de clemência a tomar, margem de manobra que acresce àquela que à partida assiste ao Estado na opção por punir, não punir ou deixar de punir e, em consequência, por tipificar penalmente determinados ilícitos, com caráter de sistematicidade e de relativa permanência dos pressupostos da punibilidade. Será de censurar o arbítrio, em que não se vislumbra um mínimo de racionalidade, mas, como se disse na transcrição a que acabou de se proceder, nestes domínios da amnistia e do perdão genérico, há que ter em conta a totalidade dos fins do Estado, para além dos fins específicos do aparelho sancionatório e de prevenção dos factos do tipo de infração visado pela norma amnistiante. O quadro de fins mais genéricos é demasiado aberto, ao contrário do quadro de fins mais específicos referidos ao aparelho sancionatório, para que nele funcione com perfeita adequação um juízo de igualdade que faça apelo a raciocínios analógicos” (Acórdão n.º 347/2000). Como assinala o Ministério Público em alegações, “[…] a Lei n.º 17/82, de 2 de julho e a Lei n.º 29/99, de 12 de maio mostram que há, de facto, entre nós, precedentes históricos de estabelecimento de parâmetros etários como condição para a concessão de medidas de clemência”. Não sendo a idade uma das “categorias suspeitas” previstas no n.º 2 do artigo 13.º da CRP e reconhecendo-se ao legislador uma generosa margem para modelação dos termos da amnistia, incluindo no seu recorte subjetivo, a circunstância de se estabelecer um critério geral e abstrato coerente com a ocasião justificativa da amnistia afasta um quadro de juízo de censura jurídico-constitucional por violação do princípio da igualdade, pois trata-se de critério suscetível de generalização, em função de circunstâncias não arbitrárias, mas razoáveis do ponto de vista dos fins do Estado de direito (cfr. Acórdão n.º 152/95, acolhendo o enunciado de José de Sousa e Brito, “Sobre a amnistia”, cit., p. 44). Não são pertinentes, a este propósito – a propósito de uma amnistia celebrativa, “[…] por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude.” –, argumentos relacionados com a circunstância de a aplicação dos limites a esse respeito fixados pelo legislador implicar a diferenciação de pessoas “por mais um dia” ou “menos um dia” de idade, pois trata-se, desde logo, de uma consequência comum a qualquer norma que preveja efeitos dependentes da idade dos destinatários – tomando de empréstimo a interrogação formulada na decisão recorrida (“[…] no plano empírico, qual é a diferença entre um jovem na véspera de concluir 31 anos e um jovem, como o aqui arguido, com 32 anos e 2 meses à data da prática dos factos?”), poderíamos perguntar, igualmente sem obter uma resposta empiricamente satisfatória, a propósito da limite da maioridade, “qual é a diferença entre um jovem na véspera de concluir 18 anos de idade e um jovem com 19 anos e dois meses?”. E a isto acresce, enfim, a inadequação deste tipo de argumentos em sede de controlo da constitucionalidade de opções legislativas de amnistia. Com efeito, se “[…] a jurisprudência do Tribunal Constitucional afirma que o princípio da igualdade nas leis de amnistia e de perdão genérico ‘só recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis’ (Acórdão n.º 42/95), entendendo que as diferenças de tratamento legal traduzem uma diferenciação arbitrária apenas quando não sejam concretamente compreensíveis ou quando não seja possível encontrar uma justificação razoável para a diferenciação, ligada à natureza das coisas (Acórdão n.º 152/95)” (Mariana Canotilho e Ana Luísa Pinto, “As medidas de clemência na ordem jurídica portuguesa”, cit., p. 340; cfr., ainda, os Acórdãos n.os 42/95, 152/95, 160/96, 300/2000, 347/2000, 116/2001 e 209/2003), é segura a conclusão de que a opção do legislador, expressa no artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 38-A/2023, não se mostra arbitrária, nem infundada, nem irrazoável, dentro dos pressupostos que, assumidamente, motivaram o (este) exercício do direito de graça pelo legislador. A referência etária não vale, neste particular contexto e nos termos em que foi construída, como diferenciação inadmissível. 2.4. Em face do exposto, não se prefiguram razões aptas a fundar um juízo de inconstitucionalidade da norma contida no artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição da amnistia que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto […]. […]”. Também o Ac. TC n.º 808/2024, referido na resposta do Ministério Público ao recurso da arguida, sufraga tal entendimento, decidindo, por unanimidade: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de agosto, ao estabelecer como condição da amnistia que o autor da infração tenha entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto;”. Essa mesma posição foi reiterada no mais recente Ac. TC n.º 898/2024, de 11-12-2024. Por isso, o tribunal recorrido, ao considerar inaplicável à arguida, as medidas de clemência da Lei n.º 38-A/2023, em função de a mesma já ter mais de 31 anos aquando da prática dos factos, não só não desconsiderou a decisão do referido Ac. do TC n.º 471/2024, como observou a jurisprudência preponderante do Tribunal Constitucional no que respeita a tal questão. Assim, de acordo com tal jurisprudência, a que também se adere, uma interpretação conforme à Constituição da norma do preceito em causa (n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 38-A/2023) faz-nos concluir pela não vulneração de qualquer princípio, norma ou parâmetro constitucional, por sobretudo a solução normativa adotada pelo legislador infraconstitucional não ser desrazoável, infundada nem arbitrária, assim não ocorrendo violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, ou de qualquer outro princípio ou norma. Para além do acima exposto, importa sublinhar que o crime de tráfico de estupefacientes sempre estaria objetivamente subtraído à aplicabilidade de qualquer medida de clemência prevista no referido diploma (art. 7.º, n.º 1, al. f) subalínea ix), da Lei n.º 38-A/2023). Por isso, improcede este segmento do recurso da arguida. 15. Nos termos do disposto no artigo 513.º, n.º 1, do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa de justiça quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Não tendo havido decaimento, não há lugar a pagamento. III. Decisão Por tudo quanto se expôs, acordam os juízes Conselheiros desta secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em: I - julgar procedente o recurso interposto pela arguida AA, quanto à medida e espécie da pena única aplicada, a qual se reduz para o limite mínimo da moldura penal, de cinco (5) anos de prisão, suspendendo-se a execução da mesma pelo período de 5 anos, mediante regime de prova, de acordo com o plano de reinserção social elaborado pela DGRSP e datado de 06/03/2024, homologado por despacho datado de 20/03/2024, nos mesmos termos, ou adaptados, se necessário for, o que incumbirá ao tribunal de 1.ª Instância averiguar e decidir; II - julgar prejudicada a questão do desconto equitativo, a operar nos termos do art. 81.º, n.º 2, do CP e, por isso, não tomar conhecimento da mesma; e III - julgar improcedente a questão da aplicabilidade ao caso de qualquer das medidas de Clemência previstas na Lei n.º 38-A/2023, designadamente o perdão de pena, face à idade da arguida aquando da prática dos factos, não se julgando inconstitucional a norma do n.º 1 do art. 2.º da Lei n.º 38-A/2023, por não ocorrer vulneração de qualquer princípio, norma ou parâmetro constitucional, designadamente por violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, no que se confirma o acórdão recorrido. Sem tributação – art. 513.º, a contr., do CPP. * * Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27-02-2025 e assinatura certificadas supra Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo Relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP). Os juízes Conselheiros Jorge dos Reis Bravo (Relator) António Latas (1.º adjunto) Jorge Gonçalves (2.º adjunto) |